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Véu, Semblante e Mascarada: o teatro histérico e o cinema feminino 

Christian Ingo Lenz Dunker 

  O  trabalho  que  o  leitor  tem  em  mãos  aborda  o  cinema  de  Pedro  Almodóvar  em  sua 
forma  peculiar  de  representar  a  feminilidade.  Ele  é  também  uma  discussão  histórica  e 
metodológica  sobre  as  relações  entre  psicanálise  e  cinema.  Ocorre  que  em  algum  ponto  do 
estudo  esta  relação,  inicialmente  arbitrária,  entre  os  meios  de  representação  (o  filme)  e  o 
objeto representado (a  mulher),  começam a produzir um  conjunto tal de afinidades que  nos 
levam a pensar em uma conexão necessária. Ou seja, Ana Lucília começa a mostrar como uma 
reformulação  de  nossas  práticas  de  representação,  figuração  e  narrativização  são  elementos 
constitutivos da emergência da feminilidade como questão candente senão para a psicanálise 
para a cultura ocidental.  

  Psicanálise  e  cinema  nascem  em  fins  do  século  XIX,  ambos  condicionados  por  uma 
consciência  possível  da  própria  ilusão.  Quando  entramos  em  uma  sala  de  projeção  sabemos 
que  encontraremos  uma  ilusão  capaz  de  nos  despertar  uma  crença.  Nos  primeiros  filmes 
diante  da  imagem  de  um  trem  em  movimento  as  pessoas  corriam  para  fora  da  sala.  Sabiam 
tratar‐se  de  uma  imagem,  mas  não  sabiam  quais  seriam  seus  limites.  Uma  imagem  animada 
produzida por um aparelho que iluminava fotogramas. Um casamento feliz entre a fotografia e 
o teatro? 

  Charcot levava consigo fotógrafos e desenhistas que retratavam as grandes histéricas 
da Saltetrière. Freud teve contato com este ritual que era a expressão da aspiração clínica da 
época. Retratar o instante, o transe, a passagem pela qual se podia verificar que a histeria não 
era  apenas  um  fenômeno  moral,  mas  uma  sucessão  regular  de  signos  mais  ou  menos 
previsíveis. Charcot costuma ser apresentado como aquele que colocou a histeria mais além da 
mentira  e  da  dissimulação.  Freud  recolheu  esta  lição,  mas  de  um  outro  ponto  de  vista.  Ele 
percebeu  que  a  histeria  não  era  apenas  um  conjunto  de  espasmos  que  podiam  ser 
fotografados,  desenhados  ou  pintados.  A  histeria,  em  sua  forma  charcotiana,  estava 
intimamente  ligada  ao  ritual  do  mestre  seguido  por  discípulos  ao  qual  se  apresentava  a 
paciente.  A  voz  de  Charcot  comandava  a  cena,  mas  havia  os  escrivãos,  os  enfermeiros.  A 
platéia e os atores deste teatro involuntário, definido por dois atos: os sintomas e os ataques 
histéricos.  
  Ates disso Henry Matisse já havia dito: pinto quadros, não pinto mulheres.  Ou seja, a 
idéia  de  que  o  teatro  manipula  e  produz  ilusões,  assim  como  a  de  que  a  pintura  engana 
premeditadamente o olhar, não é suficiente para a invenção da escuta psicanalítica. É preciso 
ainda que se dissemine uma consciência clara de que o processo de produção da ilusão possui 
mais que uma analogia com o processo de produção do desejo. Há algo na forma específica do 
cinema  que  se  transmite  para  a  forma  adquirida  pelo  desejo  para  que  este  pudesse  ser 
compatível com a experiência psicanalítica.   Não é um acaso que ele tenha sido pensado por 
Freud  como  (a)  recalcado,  logo  sujeito  a  uma  gramática  de  deformações,  (b)  sexual, 
conseqüentemente sujeito a uma determinação pela alteridade e (c) infantil, portanto sujeito 
a uma história.  Ocorre que a ilusão propiciada pelo cinema  compreende uma nova estrutura 
de ficção. Nem o tempo do instante, nem o tempo da ação, nem o tempo da combinação entre 
ambos.  Como  dizia  Eisenstein:  a  essência  do  cinema  é  o  corte.  É  o  corte  que  permite  o 
deslocamento  da  câmera  de  uma  tomada  longa  ou  curta,  que  estabelece  rupturas  de 
significação que independem do fluxo narrativo e na verdade o constituem de outra forma.  

  Se o teatro parecia ser suficiente para pensar a histeria, a partir do cinema que se pode 
pensar a feminilidade. Isso parece ser um fato culturalmente plausível se acompanharmos com 
Ana Lucília, a importância que o cinema teve para a determinação do papel social da mulher, 
principalmente  na  comparação  entre  o  pós‐guerra  e  a  virada  do  século  XX.    Mas,  além  de 
mímesis de uma contradição social o cinema introduziu novas formas coletivas de relação com 
a própria imagem. Esta gramática dos modos de ilusão e das estruturas de ficção necessárias 
para  a  enunciação  da  verdade  pode  ser  encontrada  no  cinema,  particularmente  o  de 
Almodovar, quanto na própria teorização psicanalítica de Jacques Lacan. Aqui a autora destaca 
três categorias fundamentais para a reflexão psicanalítica sobre o feminino:  véu,  semblante e  
mascarada.  Categorias  um  tanto  heterogêneas.  A  noção  de  mascarada  emerge  na  pena  de 
Joan  Rivière  para  referir‐se  à  autonomização  do  jogo  de  máscaras  que  caracteriza  a 
feminilidade como uma espécie de retórica do desmascaramento sem rosto. A expressão véu é 
utilizada  por  Lacan  designar  um  artifício  utilizado  pelo  sujeito  em  sua  relação  com  a  falta, 
relação  de  encobrimento  e  revelação.  O  conceito  de  semblante  é  tardio  na  obra  de  Lacan  e 
refere‐se  principalmente  a  um  lugar  no  discurso,  o  lugar  no  qual  constituímos  autorias  ou 
dominantes de um discurso. 

  No cinema de Almodovar há uma combinação entre estas três estratégias de figuração 
do feminino. Isso se torna visível, pois seu interesse maior parece ser justamente o de mostrar 
estas  estratégias  enquanto  estratégias.  Por  exemplo,  a  mascarada  define‐se  pela  indução 
sistemática no outro da suposição de que aquela mulher possui a chave, a causa ou o objeto 
de determinação do desejo. Mas ela não o possui como um fragmento, traço ou adereço, mas 
possui em toda extensionalidade de seu ser. Ela é capaz de reverter a lógica do ter, na qual em 
geral os personagens masculinos desenvolvem sua própria comédia,  em uma lógica do ser de 
conseqüências  eminentemente  trágicas.  Trata‐se,  por  exemplo,  do  tema  romântico  do  amor 
que  começa  como  uma  brincadeira  ou  uma  aposta  (como  em  Ligações  Perigosas),  mas  que 
repentinamente  “sai  do  controle”  e  adquire  um  poder  de  se  impor  àquele  que  antes 
imaginava‐se  seu  senhor.  A  máscara  opera,  portanto  por  inversão  entre  amante  e  amado, 
sujeito e objeto, dominante e dominado.  

  Se a máscara sugere engano, representação e dissimulação, a noção de véu aparece de 
outra  maneira.  O  véu  tematiza  as  falsas  relações  entre  o  amor  e  o  desejo.  Os  equívocos 
decorrentes do apego às imagens típicas da narrativa amorosa como uma espécie de garantia 
para  a  perenidade  do  desejo.  O  véu  protege,  encobre,  mas  principalmente  adia  o  encontro 
com o desejo. Por exemplo, o tema do amor por quem não se deseja e do desejo por quem 
não se ama sustentam‐se à base deste corte efetuado pela função do véu. É por isso que em 
Casablanca o sucesso depende do desencontro.  

  O caso da noção de semblante implica não apenas no corte entre amor e desejo, mas 
possibilidade de ironizar a própria aparência de ser. Se a mascarada funciona sugerindo uma 
essência  que  se  esconde  por  trás  da  aparência  (quando  na  verdade  a  essência  é  este 
deslocamento de aparências ele mesmo) o semblante mostra como esta aparência é produzida 
revelando o truque em sua própria construção (como em Felinni de 8 e ½).    Se o véu funciona 
mostrando  o  valor  essencial  da  aparência,  ou  seja,  que  ela  não  é  apenas  engano  e  ilusão 
quanto ao objeto, mas trabalho e costura improvável entre amor e desejo, o semblante indica 
que esta costura é um problema incompleto, ou seja, que mais além das relações de troca e 
intercâmbio  de  palavras,  gestos  e  desejos  há  algo  que  não  possui  equivalente  nas  relações 
entre  homens  e  mulheres.  Assim  cada  qual  esforça‐se  por  executar  um  personagem 
(supostamente  adequado  para  o  outro)  infiltrando  neste  teatro  o  valor  real  do  desejo  e  do 
amor (supostamente adequado para si), o semblante é o reconhecimento ou o saber da forma 
postiça destas duas estratégias. Ou seja, é a aparência tomada em sua valor de aparência, sem 
nada  por  trás  dela  e  sem  nada  em  nome  da  qual  ela  funcione.  O  semblante  é  no  fundo 
semblante de gozo. A imagem impossível da satisfação que nos escapa, realizada no outro. 

  A mascarada apresenta‐se segundo a imagem tipo da mulher viril ou inversamente da 
mulher que reduz sua satisfação à satisfação de sua imagem. O véu, por sua vez figura‐se bem 
tanto na imagem da maternidade quanto inversamente nas narrativas baseadas no encontro 
ou no desencontro amoroso: as tragédias do desejo, concluídas ou inconcluídas. Finalmente o 
funcionamento  ao  modo  de  semblante,  que  encontramos  amplamente  nas  conjecturas  de 
Almodóvar  sobre  mulheres  figuradas  por  corpos  em  coma,  por  travestis  ás  voltas  com  a 
paternidade,  por  estupros  exagerados  ao  paroxismo  de  banalizarem  sua  violência,  por 
masoquistas  cientes  de  seu  próprio  sadismo  deslocado.  Ou  seja,  figuras  que  não  são  nem 
propriamente  passivas  nem  ativas,  como  o  manejo  da  mascarada  costuma  enfatizar.  Podem 
ser  tão  explicita  e  exageradamente  passivas  que  incitam  o  reconhecimento  de  algo  além  da 
oposição  simples  entre  atividade  e  passividade.  Por  outro  lado  não  são  nem  fálicas  nem 
castradas.  Podem  ser  tão  explicitamente  castradas  ou  tão  proteticamente  fálicas  que 
despertam uma espécie de cinismo involuntário na interpretação da personagem. Ou seja, elas 
figuram  muito  bem  a  idéia  de  uma  satisfação  que  não  é  toda  fálica,  mas  que  nem  por  isso 
dispensa o falicismo, ou ainda de uma satisfação que não é toda nomeável. 

  Ver  para  descrer,  é  este  o  convite  desta  aventura  guiada  por  Ana  Lucília  entre 
psicanálise, cinema e feminilidade. 

    

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