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DUNKER,  C.I.L.  –  Usos  e  Funções  da  Construção  do  Caso  Clínico  em  Psicanálise.

  Anais  do  V 
Congresso  Interamericano  de  Psicologia  da  Saúde  ‐  a  psicanálise  aplicada  à  terapêutica  no 
Hospital: resultados, 2009.  

Usos e Funções da Construção do Caso Clínico em Psicanálise

Christian Ingo Lenz Dunker

Resumo

O objetivo desta comunicação é avaliar as condições necessárias para definir um relato de


caso em psicanálise. Argumenta-se que a psicanálise possui duas estratégias fundamentais
para transmitir seus resultados no âmbito da psicopatologia: a tipologização de regularidades
estruturais (signos, sintomas, estruturas) e a construção de casos clínicos singulares. Examina-
se como tais estratégias mostram-se historicamente complementares e opostas. Nosso método
baseia-se na tentativa de formalização das diferentes funções lógicas, éticas e retóricas
assumidas pelo caso clínico tendo em vista o conceito psicanalítico de construção
(Konstruction). Da análise deste conceito extrai-se condições semiológicas da escrita do caso
clínico: ficcionalidade, referencialidade e veridicidade. Conclui-se que tais funções respondem
à três tipos de uso metodológico do caso: o uso psicoterapêutico (ligado à análise de
resultados e eficácia terapêutica), o uso clínico (ligado ao contraste diagnóstico entre grupo
particular e caso singular) e uso propedêutico (ligado ao cuidado e à enunciação da verdade da
experiência).

Palavra Chave: método, caso clínico, psicanálise

1. O Método dos Tipos

A noção de caso sempre nos remete ao problema mais genérico da relação de inclusão 

em categorias: o gênero e a espécie, a ocorrência e a lei, o elemento e o conjunto, o caso e a 
regra, a manifestação e o tipo a que ela pertence. A formação das categorias se apresenta de 
modo dedutivo no caso do direito, (o que não estiver prescrito na lei não pode ser objeto de 

 
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julgamento),  indutivo  no  caso  da  medicina  (regularidades  entre  os  casos  permitem  que  eles 
sejam agrupados em novos sintomas, síndromes, transtornos ou doenças) e abdutivo no caso 
das ciências da linguagem (os casos não ocorrentes podem ser inferidos, assim como os casos 
ocorrentes são indutivamente constatados). Um caso jurídico deve ser construído com provas, 
evidências  e  fatos.  Ele  é  constituído  à  priori  pela  forma  da  lei.  Um  caso  médico  pode  ser 
construído  através  do  resultado  de  exames,  da  observação  comparativa  e  eventualmente  de 
pequenos  experimentos.  Ele  é  constituído  à  posteriori.  Um  caso  lingüístico  também  é 
construído indutivamente e dedutivamente a partir do uso e estrutura da língua.    

Não  há  dúvida  que  Freud,  tanto  como  neurologista  e  estudioso  das  afasias,  quanto 
como  zoólogo  estudioso  da  anatomia  das  enguias,  sabia  manejar  o  método  dos  tipos.  Há 
vários argumentos que sugerem que Freud teria aplicado o método dos tipos em sua escrita de 
casos  clínicos:  a  confiança  que  Charcot  depositava  na  cientificidade  deste  procedimento 
(absorvido  de  Claude  Bernard);  seu  emprego  eficaz  na  neurologia  por  Hughlings  Jackson 
(replicado  por  Freud  em  seu  estudo  sobre  as  afasias 1 ),  sua  compatibilidade  com  a 
fundamentação  filosófica  oferecida  por  Stuart  Mill  (de  quem  Freud  absorve  a  teoria  das 
classificações), a anuência dos mestres como Meynert, Brücke e Exner  (com quem o Freud se 
formara pesquisador). 2  O método dos tipos estava originalmente baseado na descrição de um 
tipo  puro,  que  torna  visível  os  mecanismos  e  permite  formular  leis  atinentes  a  todos  os 
membros  da  classe  a  que  pertence.  Ao  lado  do  tipo  puro  seria  preciso  distinguir  as  formas 
variantes,  as  formas  degeneradas  e  os  tipos  frustros,  que  não  chegam,  consistentemente,  a 
tomar parte da classe. Pressente‐se aqui como o método dos tipos foi o caminho pelo qual a 
medicina firmava uma aliança metodológica com a antropologia. A característica freudiana no 
emprego  deste  modelo  de  classificação  é  que  ele  privilegia  a  etiologia  e,  portanto,  forma 
classes em função do tipo de funcionamento e não das características diretamente descritivas. 
Um bom exemplo disso é a distinção entre os tipos de neuroses de defesa 3 , segundo o destino 
do afeto, uma vez separado de sua representação. Aqui o modelo freudiano se opõe à Escola 
de Paris que postulava uma classificação à base da existência ou não da divisão subjetiva. Mas 
apesar disso é notável o fracasso de Freud em descrever um caso típico, nos termos exigidos 

                                                            
1
Freud, S. – A Interpretação das Afasias (1891). Edições 70, Lisboa, 1977.
2
Honda, H. – O caso clínico e a constituição da metapsicologia freudiana, in Leite, N. & Trocoli, F. - Um
Retorno à Freud, Mercado das Letras, Campinas, 2008.
3
Freud, S.- Sobre as psiconeuroses de defesa (1895). SFOC-III.

 
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por este método. Quase todos os casos descritos em Estudos sobre Histeria 4  são tipos mistos 
(entre  neurose  de  defesa  e  neurose  atual).  Ou  seja,  é,  sobretudo,  na  esteira  do  fracasso  na 
aplicação  do  método  dos  tipos  que  a  construção  de  casos  clínicos  se  desenvolveu  na  escrita 
freudiana. Isso decorre do fato de que a generalização começa a ser feita antes da descrição e 
não  antes 5 .  Logo  a  generalização  não  é  meta,  mas  uma  espécie  de  a  priori,  ela  não  é  nem 
puramente dedutiva, nem apenas indutivas, mas abdutiva, combinando, portanto, mais com o 
método do lingüista do que com o do médico ou do jurista.  

2. A Noção Psicanalítica de Construção: 

Ao  apresentar  a  noção  de  Konstruction,  Freud  parece  retomar  os  três  ângulos 
semânticos examinados acima: 

(1) “[O analista] tem que coligir o esquecido desde os indícios que este deixou atrás de 
si,  melhor  dito,  tem  que  construí‐lo”  6 ,  como  um  arqueólogo,  em  que  pese  que 
para este a reconstrução é um fim em si mesma e para o psicanalista é um meio. 
Ora,  o  critério  aqui  empregado  é  o  critério  da  verossimilhança,  ou  seja,  a 
conjectura que acolha, reúna e seja corroborado pelo maior número de elementos 
do caso. Encontramos aqui a figura do investigador policial, ou do processo jurídico 
às  voltas  com  a  produção  de  uma  verdade.  “(...)  Não  só  há  método  na  loucura, 
como discerniu o poeta, senão que ela contém também um fragmento de verdade 
histórico‐vivencial (historischer Warheit)”  7 . 
(2) Se  a  finalidade  da  investigação  não  é  a  inclusão  ou  exclusão  em  categorias  de 
potencial  dedutivo  surge  o  problema  relativo  aos  critérios  de  validade  da 
construção,  pois  “  (...)  apenas  a  continuação  da  análise  pode  decidir  se  nossa 
construção  é  correta  ou  viável” 8 .  O  critério  estabelecido  por  Freud  não  é  o 
assentimento  (ou  a  confissão,  na  lógica  jurídica),  mas  a  confirmação  indireta. 
Exemplo: um paciente se queixa que sua esposa não lhe concede favores sexuais. 
Ele a  traz ao  consultório e pede que Freud lhe  explique as  conseqüências de  sua 
atitude. Freud começa então a mostrar como esta recusa pode trazer “lamentáveis 
                                                            
4
Freud, S. & Breuer, J. – Estudos sobre Histeria (1893). SFOC:III.
5
Honda, H. op. cit:192.
6
Freud, S. – Construções em análise (1937). SFOC-XXIII:260.
7
Freud, S. op. cit:269.
8
Freud, S. op. cit: 266.

 
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perturbações  à  saúde  dele  e  ainda  tentações  que  poderiam  levar  à  quebra  do 
matrimônio”. Neste ponto o marido intervém: “O inglês em que você diagnosticou 
um tumor cerebral também morreu.” 9   É óbvio que o marido queria corroborar o 
“diagnóstico” de Freud, mas ele não o faz direta, mas indiretamente, através deste 
comentário  aparentemente  sem  sentido.  Assim  como  na  construção  do  caso 
médico,  não  interessa  o  assentimento  consciente  do  paciente,  mas  as 
corroborações indiretas, reveladas pela evolução do quadro clínico. O critério em 
curso  aqui  é  a  eficácia,  não  a  verdade  tética  dos  acontecimentos,  daí  que  uma 
construção  eficaz  tenha  o  mesmo  valor  terapêutico  de  uma  lembrança 
rememorada 10 . 
(3) A construção consistiria em “liberar o fragmento de verdade histórico vivencial de 
suas desfigurações e apoios no real‐objetivo, e resituá‐lo nos lugares do passado a 
que pertence” 11 . A função da construção é equiparada aqui à função do delírio na 
psicose.  Ora,  sabemos  que  esta  função  refere‐se  à  uma  tentativa  de  cura  pelo 
reinvestimento que faz  de realidade. Ou seja, o delírio é uma espécie de realidade 
artificial construída para tratar o Real. Se o Real não é representável por descrição, 
mas corresponde tanto à deformação quanto ao limite do que pode ser descrito, 
encontramos aqui as duas estratégias de cercamento do Real, presentes na noção 
de  construção:  a  via  dos  poetas  e  a  via  da  formalização  lógica.  “Se  se  toma  a 
humanidade como um todo e se a põe em lugar do indivíduo humano isolado, resta 
que  também  ela  desenvolveu  formações  delirantes  inacessíveis  à  crítica  lógica  e 
que contradizem a realidade efetiva (Wirklichkeit).“ 12   
Vemos aqui como a noção de construção aponta para o terreno da realidade e do Real 
(Wirklichkeit),  sem  que  este  se  confunda  com  o  critério  da  eficácia  terapêutica,  nem  com  o 
critério da verdade (Wahrheit).  É, sobretudo, o domínio da clínica como clínica da linguagem 
que está comprometido aqui. As três dimensões da noção de construção, metodologicamente 
enfatizada  aqui,  possuem  estreita  relação  com  as  linhagens  históricas  que  deram  origem  à 
psicanálise como prática de cura, psicoterapia e clínica. Temos então as três funções possíveis 
do caso clínico: 
                                                            
9
Freud, S. op cit:265.
10
Freud, S. op. cit: 267.
11
Freud, S. op cit:269.
12
Freud, S. op. cit:270.

 
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(a) A  função  ética:  representada  pelo  fragmento  de  verdade  pelo  qual  um  caso 
subverte a classe, tipo ou categoria na qual se inclui.  

(b) A  função  lógica:  representada  pela  organização  coerencial  da  diagnóstica,  da 
semiologia, da terapêutica e da etiologia. Paradoxo de auto‐referencialidade. 

(c) A  função  retórica:  representada  pela  descrição  da  eficácia  dos  procedimentos  e 
intervenções no quadro da transmissão de um saber, no quadro de um sistema de 
transmissão.  

3. O Caso Singular e o Caso Genérico: 

  Muito  se  tem  falado  sobre  a  especificidade  do  caso  clínico  psicanalítico  como  uma 
espécie de contra‐caso, ou seja, um caso que é tão forte em sua irredutibilidade a formas ou 
tipos clínicos anteriormente descritos que é capaz de destruir ou desfazer a classe na qual se 
inclui.  Esta  tendência  tem  reaproximado  a  psicanálise  da  escrita  literária  e  dos  espinhosos 
problemas  relativos  à  transmissão  e  recomposição  da  experiência  (como,  por  exemplo,  na 
literatura de testemunho).  Ora, esta tendência nos conduz a um fato quase consensual entre 
os psicanalistas, a saber, no limite, a relativa incomensurabilidade entre os casos clínicos. Em 
última instância a função ética e a função lógica da construção do caso clínico em psicanálise, 
representam um apelo considerável ao que os epistemólogos contemporâneos denominam de 
excesso  de  internalismo.  Ou  seja,  faltam  critérios  de  externalidade  na  medida  em  que  a 
construção  do  caso  passa  pelo  desejo  do  analista  de  um  lado,  e  pela  irredutibilidade  da 
experiência do paciente, por outro.  

  Freud  usava  recorrentemente  uma  figura  retórica  muito  curiosa,  chama  de 
“interlocutor imparcial”. É assim que ele defende a análise leiga, por exemplo, através de uma 
espécie  de  diálogo  com  um  leitor  não  persuadido  das  premissas  psicanalíticas.  Mahony 
mostrou como esta figura retórica atravessa toda a obra freudiana, mostrando que longe de 
“falar para convertidos”, Freud não recuava diante de um adversário cético.  

  De  fato  um  interlocutor  imparcial  diria  sobre  estas  funções  do  caso  clínico  (lógica  e 
ética)  que  elas  são  muito  endogâmicas  e  que  ao  final  derrogam  o  uso  mais  intuitivo  e  mais 

 
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simples do caso clínico em medicina,  a saber, transmitir a experiência de uma certa eficácia. 
Assumindo‐se  que  procedimentos  iguais  geram  resultados  semelhantes  o  caso  clínico  deve 
possui,  antes  de  tudo  um  valor  de  generalização.  Temos  então  um  extenso  discurso  sobre  o 
caso  clínico  singular,  o  caso  único.  Mas,  perguntaria  nossa  interlocutor  imparcial,  ‐  não  seria 
isso  uma  forma  de  desviarmo‐nos  do  problema  central  da  eficácia  da  psicanálise?  Se  não 
podemos  comparar  os  casos  não  podemos  estabelecer  critérios  de  eficácia.  Em  outras 
palavras:  a  retórica  do  caso  singular  não  seria  ao  final  e  ao  cabo  uma  retórica  defensiva, 
endogâmica  e  internalista?  Ou  ainda,  uma  maneira  de  furtar‐se  ao  problema  central  dos 
resultados, regulares e genéricos, do tratamento psicanalíticos? 

  Ora, o problema da generalização de resultados começa pela generalização do que se 
deve entender por psicanálise, os tipos de formação, as variantes quanto aos procedimentos. 
Admite‐se  consensualmente  que  as  generalizações  sucessivas  que  se  é  obrigado  a  fazer  me 
termos  diagnósticos,  semiológicos  e  terapêuticos  de  um  lado  e  da  própria  caracterização  do 
que  vem  a  ser  psicanálise,  por  outro,  tornam  impraticável    o  uso  do  caso  clínico  como 
parâmetro de eficácia terapêutica.  

  Teríamos  então  que  responder  a  este  interlocutor  imparcial:  Suponho  que  o  senhor 
aceitaria como contraprova ao argumento um estudo do tipo duplo cego formulado segundo 
parâmetros  metodológicos  da  medicina  baseada  em  evidências.  Ocorre  que  este  tipo  de 
estudo é bastante difícil de levar a cabo, pois ainda não conseguimos definir o que seria uma 
psicoterapia  placebo  nem  como  simular  uma  psicoterapia  sem  que  o  paciente  facilmente 
descubra o truque, pois afinal nem mesmo sabemos o que é uma psicoterapia, e se ela não é 
ao final apenas uma extensão calculada do efeito placebo. 

  Teríamos ainda que responder ao nosso interlocutor imparcial: Suponho que o senhor 
está  pedindo  que  nos  justifiquemos  em  termos  tecnológicos,  ou  seja,  de  reprodutibilidade 
técnica  porque  pedimos  tanto  tempo  para  tratar  nossos  pacientes.  Ocorre  que  esta 
reprodutibilidade  exige  generalizações  diagnósticas  difíceis  de  estabelecer  entre  diferentes 
tradições psicanaliticas, e mais difíceis ainda de manter ao longo do tempo pela transformação 
das próprias formas diagnósticas estudadas pela psicanálise ao longo do tempo.  

  Teríamos ainda que responder ao nosso interlocutor imparcial. Suponho que o senhor 
está  pedindo  um  argumento  melhor  e  cientificamente  subsidiado,  sobre  porque  não 

 
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deveríamos escolher a melhor técnica psicoterapêutica disponível, que nos ofereça os melhores 
resultados no menor tempo possível (como terapias cognitivo comportamentais, por exemplo). 
A  urgência  é  sim  um  critério  terapêutico.  Não  seria  digno  propor  a  um  paciente  com 
tuberculose  um  tratamento  mais  longo  e  demorado  do  que  o  necessário.  Porque  isso  se 
aplicaria  aos  pacientes  neuróticos?  Aliás,  não  seria  a  diagnóstica  psicanalítica  tão  complexa, 
controversa  e  idiossincrática  justamente  para  produzir  um  adiamento  premeditado  dos 
critérios  de  restabelecimento  e,  conseqüentemente,  uma  justificativa  internalista  para  a 
extensão da psicoterapêutica? 

  Minha resposta a este interlocutor imparcial é, neste caso uma resposta externalista. 
Recentemente dois pesquisadores do centro Médico da Universidade de Hamburg‐Eppendorf  
conduziram não apenas um trial ou um estudo observacional ou um estudo comparativo, mas 
a  “jóia  da  coroa”  da  medicina  baseada  em  evidência,  ou  seja,  a  primeira  meta‐análise 
conhecida  sobre  a  eficácia  do  que  os  autores  chamaram,  como  um  compromisso  de 
generalização,  de  Psicanálise  e  Psicoterapia  Psicodinâmica  de  Longo  Prazo.  Leichsenring  & 
Rabung  (2008)  partiram  de  mais  de  mil  estudos  clínicos,  realizados  desde  1960  até  2008, 
envolvendo análise de eficácia de tratamentos realizados por mais de um ano ou 50 sessões, 
definíveis nos seguintes termos: 

“(...)  uma  terapia  que  envolva  cuidado  atento  para  a  interação  entre  paciente  e 
terapeuta,  com  interpretações  pensadas  no  tempo,  na  transferência  e  na  resistência 
implicando  apreciação  sofisticada  da  contribuição  do  terapeuta  ao  campo 
interpessoal.”  13 

Comparando‐se este tipo de psicoterapia de longo prazo (1053 pacientes selecionados) 
com  outras  formas  de  psicoterapias  (cognitivo  comportamental,  dialético  comportamental, 
terapia  familiar,  terapia  suportiva,terapia  psicodinâmica  de  curto  prazo  e  tratamento 
psiquiátrico convencional) os resultados são assustadores: 

(a) A  psicoterapia  psicanalítica  mostrou‐se  duas  vezes  mais  eficaz  (0.96  –  0.47) 
considerando‐se a “efetividade genérica”. Duas vezes (1.16 – 0.61) mais eficaz para 
problemas  focais  (target  problems).  Quase  quatro  vezes  mais  eficaz  (0.90‐0.19) 
                                                            
13
Leichsenring, F. & Rabung, S. – Effectiveness of long-term Psychodynamic Psychoterapy. Journal of
American medical Association, October, 1, 2008 – vol 300, no 13.

 
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para problemas funcionais de personalidade. Largamente mais eficaz (‐0.13 – 0.74) 
para problemas relativos ao funcionamento social e para os sintomas específicos. 14   

(b) A vantagem comparativa da psicoterapia psicanalítica frente a outras abordagens 
aumenta  para  patamares  ainda  maiores  (6.9‐1.8)  quando  se  considera  quadros 
complexos  (complex  mental  disorders)  como  os  transtornos  de  personalidade,  os 
transtornos mentais crônicos, os transtornos mentais múltiplos e co‐morbidades. A 
melhora  genérica  do  tratamento  psicanalítico  é  96  %  superior  aos  outros 
tratamentos.  O  dado  ganha  mais  força  ainda  se  considerarmos  que  mais  de  50% 
dos casos considerados incluem dois ou mais diagnósticos. 

(c) Um  dado  mais  impressionante  e  contra‐intuitivo.  O  tratamento  psicanalítico 


acompanhado  de  medicação  psicotrópica  é  um  pouco  menos  eficaz  do  que  o 
tratamento psicanalítico sem medicação psicotrópica adjuvante  15 . 

(d)  O número de sessões realizadas mostra uma correlação positiva com aumento de 
eficácia  com  relação  a  sintomas  psiquiátricos  em  geral  (0.54).  Já  com  relação  à  
melhora  genérica  (overall  outcome)  (0.29),  mudanças  na  personalidade  (0.43)  e 
funcionamento  social  (0.11)  não  há  correlação  entre  número  de  sessões  e 
aumento de eficácia  16 . 

(e) Também são significativas as variáveis que não apresentam correlação de eficácia: 
idade,  sexo,  experiência  prévia  do  terapeuta,  experiência  geral  ou  específica  do 
terapeuta,  emprego  de  manuais  ou  programas  de  intervenção.  Além  dessas 
destaca‐se a ausência de correlação de eficácia quando se considera o sub‐grupo 
diagnóstico  específico  (dentro  dos  transtornos  de  personalidade,  transtornos 
crônicos  ou  múltiplos,  transtornos  depressivos  ou  de  ansiedade).  Cai  por  terra, 
desta  maneira,  o  mito  da  terapia  específica  e  a  idéia  de  que  certos  quadros  são 
melhor curáveis por certas técnicas. Quem cura o quê? É uma falsa pergunta para 
além do genérico: psicanálise.  

                                                            
14
Op. cit: 1559.
15
Op. cit: 1560.
16
Op. cit: 1560.

 
DUNKER,  C.I.L.  –  Usos  e  Funções  da  Construção  do  Caso  Clínico  em  Psicanálise.  Anais  do  V 
Congresso  Interamericano  de  Psicologia  da  Saúde  ‐  a  psicanálise  aplicada  à  terapêutica  no 
Hospital: resultados, 2009.  

Os  autores  estimam  que  mais  de  300  estudos,  com  resultados  opostos,  seriam 
necessários para inverter os resultados desta meta‐análise de significativos para não‐
significativos.  O único motivo, levantado pelos autores, para desconsiderar o emprego 
da  psicoterapia  psicodinâmica  de  longo  prazo  é  um  motivo  pouco  clínico,  a  saber:  o 
custo.  Mas  esta  é  uma  pergunta  que  deixo  para  meu  interlocutor  imparcial:  o  custo 
não seria um critério pior do que a ética ou a lógica para avaliar o uso do caso clínico?  

   

    

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