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I — Liberagao psiquica, o masculino, o feminino 1. O corpo e o poder (1978) A questo disciplinar do corpo, sua utilizagdo para fins produtivos e organizacionais, sua doci ilida de ‘Fequerida, sua rebeldia admin merecem uma reflexdo q ya as ecoleti ecoletivas daqueles que cedo sentiram o “sal da terra”, , das feridas que, se . deixam cicatrizes. Procuraremos indicar algumas dificuldades nz na abordagem direta dessa questdo, na medida em |. gue nao partimos d da discusstio sobre o poder, mas do d desejo d sejo de poder « p associais. Nas poucas linhas que se ~ sequem, nos debracaremos sobre 0 poder em sua dimensao metafisica, esperando trazer algumas contribuigdes aos trabalhos que se voltam para o homem singular, em sua maneira pecu- liar de nascer, viver e morrer, Falar do poder nao € tomé-lo tal cor tel udar a referéncia com relagao a ele, para tracar sua genealogia, a fim de iberar 0 corpo do poder, de sua utilizagao e por assim dizer de um regime da verdade que permanece o da opressdo. O genealogista conta essa historia pelo avesso, como “materialista hist6rico”, no sentido em que Benjamin anotou: “Ao historiador que quer reviver uma época, Fustel de Coulanges recomenda esquecer todo o desenvolvimento ulterior da historia. Mais vale nao qualificar a atitude com a qual o materialismo historico rompeu: a da empatia. Ela se origina da preguiga do coragao, da acedia, que desespera em dominar a verdadeira imagem historica, aquela que brilha de maneira fugidia. Os tedlogos da Idade Média consideravam a acedia a fonte da tristeza. Flaubert, que a conhecia bem, escreve: ‘Poucos adivinharao quanto foi preciso estar triste para ressuscitar Cartago’. A natureza dessa tristeza se torna mais evidente quando se pergunta com quem propriamente o historiografo historicista entra em empatia. A resposta ¢ inelutavel: com o vencedor. Quem quer que domine é sempre o herdeiro de todos os vencedores. Entrar em empatia com o vencedor beneficia sempre, por 47 cconseguinte, a quem quer que domine (.... Todos aqueles que até agy; Cconquistaram a vitoria participam desse cortejo triunfal em que os dominadores chegam a este posto, pois passam por SObTE OS COrpOS dos ue jazem no chio. A esse cortejo triunfal, como foi sempre 0 costume, pertence também o espdlio, 0 que se define como bens culturais. Query quer que professe o materialismo historico s6 pode encari-lo com um olhay cheio de distancia. Pois como nao estremecer de espanto a0 pensar gi stias origens? Eles mio nasceram unicamente dos esforgos dos grandes génios que os eriaram, mas também da andnima corvéia imposta aos contemporaneos desses génios, Nao ha nenhum documento de cultura que rio seja também um documento de barbaric. E a mesma barbaric que og afeta, afeta também o processo de sua transmisstio de mao em mio. Kis ‘porque, tanto quanto possivel, otedrico do materialismo hist6rico se desvig doles, Sua tarefa, acredita ele, é a de revolver a historia a contrapelo”,! Contrariando o sentido da historia oficial, Foucault diz, em Vigiar e punir, {que houve um tempo em quea verdade encontrava seus titulos de referencia ‘em certas quantidades de softimento produzidas e extraidas do corpo dos ®) condenados—o tempo dos suplicios. Eis por que nossas verdades e nossas © referéncias estdo ancoradas no corpo daqueles que se prendem, se aprisionam ¢ que se exterminam, Quem podera dizer, pois, “a partir de quantos mortos uma verdade se toma uma verdade”? Foucault fala do. nascimento da prisdo,tragando sua genealogia —niio do ponto de vista de uma historia do direito, mas sim de uma histéria do corpo, de uma genealogia da alma e da moral. A genealogia adota o ponto de vista do corpo, a do corpo supliciado, treinado, marcado, mutilado, decomposto, a do corpo organizado. A anatomia do poder fiz com que ele aparega como poder produtor. As relagdes de poder nio sdo relagdes de represstio, de interdigao ou de defesa, mas relagdes de produgdo. A produgio é 0 imperativo do poder: “O capital mais precioso é o homem”, dizia Stalin. E, assim que o homem produzido pelo poder, ele & fabricado, ocupado, mobilizado segundo a especificidade de suas téenicas ¢ instrumeentos. OD ave est om gues €a disciplina do corpo pelo poder, Entre a exigéncia do capital (a mais-valia) e a solugdo (0 atelié disciplinar), ha ‘uma mesma anatomia: a da disciplina do corpo. Foucault dira do trabalho. penal: “A utilidade do trabalho penal? Nao um lucro, nem mesmo @ formagao de uma habilidade itil, mas a constituigao de uma relagao de. poder, um esquema de submissio individual e de seu ajustamento a wt 48 vr aparelho de produgio” * Todo instrumento d dugfio é um instrumento gsiplinat. ‘Nese sentido, omo na prisdo, o trabalho procede* nao do mesmo tipo de_producic , mas do mesino exercicio do poder, da Fresma anatomia politica. E era esse o sentido do pandptico projetado pot Bentham. Diz Foucault: “O pandptico de Bentham é a figura arquitetural dessa composigao, O principio é conhecido: na periferia uma construgio fem anel; no centro uma torre; esta ¢ vazada por largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construgao periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construgao; elas tem duas janelas, uma para o interior, correspondendo as janelas da torre; outra que ‘di para o exterior, permitindo que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta entdo instalar na torre central um vigia e em cada cela trancar um Jouco, um doente, um condenado, um operario, ou um escolar, Pelo efeito da contraluz, se pereeberi da torre, recortando-se exatamente sobre a claridade, as pequenas sithuetas cativas nas celas da periferia. (..). Em suma, principio da masmorra é invertido; ou antes, de suas trés fungoes —trancar, privar de luz e esconder — s6 se conserva a primeira. (..).A. plena luz o olhar de um vigia captam melhor que a sombra, que na verdade “> protegia. A visibilidade é uma armadilha”. O corpo é, pois, visto, ndo vé; ‘objeto de uma informagiioe nuncasujeito de umacomunicagdo. As divisdes doanel, essas celas bem separadas, implicam uma invisibilidade lateral. E Sessa a garantia da ordem. * € 05 detentos sto condenados, nd ha perigo de compl, de tentativa de evasio coletiva, projetos de novos crimes para 6 futuro, mas influéncias reciprocas; se so doentes no ha perigo de contigio; loucos, ndo ha risco de violéncias, criangas, nao ha cola, nem barulho, nem conversa, nem dissipagao. S operirios, no ha roubos nem conluios, nenhuma dessas distragdes que atrasam o trabalho (..). Dai © efeito mais importante do pandptico: induzir no detento um estado consciente ¢ permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automatico do poder.” Bemham aduziu d visivel e inver sa forma o principio de que o poder devia ser fsivel:o detento te permanentementediante dos © Thos a torre central de onde €e pod jionado, Inverificivel: o detento nunca sr se esta sendo observado. E para tornar impossivel decidir sobre a presenga ou a auséncia do vigia, para que de suas celas os detentos no pudessem perceber sombra nem enxergar uma contraluz na torre central, Previu persianas nas janelas e por dentro separagdes que se cortavam em 49 ingule rto, de tal fortis que, para pasar he un INF PAA DUKE, @ Iie atravessunin portas, may biombos De fator a menor luz Ou B stirs Harun a presenga do guardifig, Jesse prader esti em preseindir da forge pa sndeniado a van bom compartanento, 0 toueo calma, 0 ope Hribatho, ocscolir aaphicagio,o doente dobservancia das receitas, Foucault, quens esta submetido a um campo de visibilidade, e 9 sssuine por conta propria as limitagdes do poder: fé-las func snwcanicnte a partir de si mesmo; insereve em Sia relaglo depg de sua propria sujeigdo. Nesse sentido, pode. 1) instrumento de poder sobre o corpo; menos uma relaga 1 natureza © mais uma relagdo entre o homem e 0 poder, A eficde poder e notavel, pois, produzindo riquezas, produz ao mesmo tempo p ‘homens doceis, Diz Nietzsche: “No fundo, sente-se hoje diante dot ‘istese sempre sob este nome o duro labor da manha a noite —qug tal trabalho constitui a melhor das policias, que ele detém cada um er redeas eentrava poderosamente o desenvolvimento da raza, dos d ddo gosto da independéncia”. A reg compo impde gestos, atitudes, hb ‘cmpo. A regulamentago ea sangdo que a redobra é uma das investimento do poder sobre homens que ela fabrica, treina € to de tal forma que sua vida, em sua conduta, em suas idéias c poder que se exerce sob “solrimentos e violéneias foram necessirios para tornar o hor dle promessas?” \ moral como constrangimento prolongado corresponde al no corpo. F no detathe que se experimenta a erueldade meticulosa « selvageria minuciosa e regrada, sua barbarie finamente cale ritualizada. F isso que nos ensina esta ou aquela obra literdria, O de 4 Coldnia Penal, de Katka, explica detalhadamente a0 vi funcionamento de certa maquina de eserever capaz de imprimir superficies inesperadas, Diz ele; “Nossa sentenga no é severa, Grav simplesmente, com o auxilio de um rastelo, o pardgrafo transgredido: a pele doe re Valve, por exemphe,. emteve no cnpo bene contonade 0 funcionstio sponta para © homnen: "Respeite 0 seu superior’. ante se surpreende ainda mais quando mane oles desconbece 4 sentenga que 0 atinge, Mas 0 funciondsio, cheio de bom verso, responde: "Seria inGtil levarla a0 conhecimento dele uma ver que i aprendé-la no proprio corpo’. Ao que o fiunciondrio acrescentard mais adiante: * Voce viu que ndo ¢ facil ler esse texto com os olhos, pois bem, 0 hiomem o decodifica com suas feridas. E sem divida um enomme trabalho, sio necessarias seis horas para terminar™, Katka est decifrando, pois, o corpo como superficie de escrita, como superficie apta a receber o texto legivel da lei, Kafka esta ilustrando aqui, ‘as mais contemporaneas, as realidadesOesemunho de Maricenko fst a triplice alianga entre ‘a escrita e o corpo. Diz ele: “Conheci dois antigos prisioneiros comuns transformados em ‘prisioneiros politicos’; um deles respondia pelo cognome Moussa, 0 outro pelo de Mazai. Eles tinham a testa ¢ as faces tatuadas: ‘Comunistas = Carrascos’, ‘Os comunistas sugam o sangue do povo.’ Mais tarde eu iia encontrar muitos deportados trazendo ‘maximas desse tipo gravadas sobre os seus rostos. Na maioria das vezes, ‘suas testas apresentavam em letras garrafais: ‘Escravos de Khruchtchev’, “Escravos do Peus””. Amara no corpo € un bse a esmuesinetoacomotrazem os suleos da lembranga, “O corpo € ria”, diz Clastres. A lei eserita no corpo ena alma pretende a disciplina. Ela corresponde & fabricagio do homem responsivel e consciente. Fla nos informa sobre o tipo de sujeigdo a que a humanidade esta afeita, E nesse sentido, entio, que Foucault afirma que, se é preciso liberar o homem, & preciso libericlo de si mesmo, quer dizer, de sua humanidade forjada, Eis © que aprisiona o corpo do trabalhador: o que Ihe impede a libertagao, o que o aprisiona é sua alma, a alma que Ihe foi fabricada e que anima seu corpo e que o faz reivindicar a morte no seu trabalho: “Um mineiro que nao vé seu sangue todos os dias, dizem os mineiros, nao é um. verdadeiro trabalhador das minas”, formula ambigua, pois a morte, 0 sofrimento ¢ a ferida so a0 mesmo tempo reivindicados e temidos. Essa é 0 produto do investimento do corpo; ela & 0 que o homem nio pode reivindicar se ele quer liberar-se, Nao & 0 mineiro que ¢ preciso liberar, & preciso liberar 0 mineiro do mineiro, “Sua alma ésua.prisio.” Do mesmo ponto de vista, liberar o operirio nao é s6 fazer desaparecer 0 capital ¢ 0s SI ®

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