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O JULGAMENTO DE DILMA, PARTE 5:

A ARMAÇÃO DO CENÁRIO

No quinto capítulo do livro sobre o impeachment da presidente Dilma


Rousseff, o jornalista Raimundo Rodrigues Pereira destaca que, para
se condenar alguém, são fundamentais três cuidados, e o primeiro
deles é a necessidade de se mostrar algo como um cadáver, ou seja,
o crime tem de ser concreto, material; o autor detalha o parecer pró-
golpe do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), relator da Comissão
Especial do Impeachment, e diz que o importante do documento não
é o que Anastasia diz e que todos sabem e com o que concordam,
mas o que ele não diz ou não destaca. Por exemplo, que os 62,3% da
dívida bruta como porcentagem do PIB do governo Dilma no final de
2015 eram menores do que os 64,9% da mesma dívida no final de
2002, último ano do segundo mandato de FHC.
Por Raimundo Rodrigues Pereira
13 DE AGOSTO DE 2016

Antigamente era assim: se torturava a bruxa para que ela confessasse ter matado
o papa sem antes se verificar sequer se o papa estava vivo ou morto. Hoje, não:
para se condenar alguém, três cuidados são fundamentais: 1) é preciso mostrar
algo como um cadáver, ou seja, o crime tem de ser concreto, material; 2) não
existe crime sem lei anterior que o defina – ou seja, não se pode fazer ou mesmo
interpretar uma lei com vigência retroativa, para prender alguém por um crime
praticado antes dela ou de sua nova interpretação; e 3) se a autoria do crime é
contestável ou difícil de definir, na sua investigação para julgamento é preciso
preservar o cenário no qual ele ocorreu. Nos três capítulos finais de nossa série
trataremos desses três aspectos do "crime" imputado à presidente Dilma
Rousseff.
Até agora, o processo de impeachment da presidente cumpriu várias fases
preliminares, digamos assim: a da aceitação da denúncia pela Câmara e também
pelo Senado; a da produção de provas do crime, realizada pela Comissão
Especial do Impeachment (CEI), do Senado; e, na última terça-feira, dia 9 e
madrugada do dia 10, os senadores da República votaram pela chamada

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"pronúncia", a última dessas preliminares: em termos jurídicos, a transformação
da acusada em ré, mulher a ser julgada. Para a pronúncia bastavam 41, maioria
simples, dos 80 senadores presentes. Foram bem mais, 59 senadores. 21 votaram
contra. Ocorreram ainda duas votações nas quais 58 votaram contra e 22 a favor:
uma era pela retirada da acusação pelos atrasos de pagamento ao Banco do Brasil
por despesas do Plano Safra; outra, pela retirada de um dos três decretos de
crédito suplementar assinados pela presidente; ambas acusações foram mantidas,
portanto.
A etapa a seguir, porém, é mais grave. Não basta que os senadores considerem,
como o fizeram na decisão de agora, que existem indícios suficientes para julgá-
la. Eles terão de tomar posição, responder à seguinte pergunta: "A presidente
cometeu ou não crime de responsabilidade?". Pelo menos 54, dois terços dos
senadores, terão de comparecer e dizer sim, na sessão de conclusão do
julgamento no plenário do Senado, prevista para o final deste mês. O presidente
do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, será o juiz. Serão ouvidas
novamente testemunhas dos dois lados, acusação e defesa. Será como uma sessão
de um tribunal de júri popular, no qual os senadores funcionarão como os
jurados. E se, na soma dos contra mais abstenções e ausências forem 28
senadores, Dilma Rousseff volta ao cargo. Ela tem dito, aliás, que não voltaria
para ficar, mas para tentar convocar eleições gerais, única forma que vislumbra
para pacificar o País.
Na nossa trilogia final, como já dissemos, veremos se os três cuidados básicos
para o julgamento foram cumpridos: 1) se o crime existe de fato; 2) se a lei no
qual foi enquadrado existia antes dele ou foi criada depois, pelos inimigos da
presidente; e 3) se a cena do crime investigado não foi adulterada. E é desta
última que cuidaremos inicialmente, pois nos parece que os termos da pronúncia
a desvirtua quase que por completo. O senador Antônio Anastasia (PSDB-MG),
relator da CEI, é quem assina o documento lido e aprovado pelo plenário do
Senado com o qual foi aberta a cortina final do espetáculo. Ele diz: "É o contexto
que revela a importância e relevância do que está sendo objeto de julgamento
pelo Senado Federal, pois situa os fatos nas suas devidas dimensões econômica e
política". Pois bem: quais são, a seu ver, essas "devidas dimensões"?

1. Anastasia apresenta e comenta vários gráficos sobre a evolução da


economia e das contas do governo nos últimos tempos. O primeiro deles é
sobre a evolução da chamada "dívida bruta do Governo Federal", de 2002 a
2015. Ele diz: "Pode-se observar que, em percentual do PIB, essa dívida vinha
sendo paulatinamente reduzida desde o início da série apresentada até que, a
partir de 2014, passa a crescer de modo preocupante. Ao final de 2015, a dívida
bruta do Governo Federal atinge 62,3% do PIB, o que corresponde a R$ 3,7
trilhões."
Anastasia desce a detalhes. Explica: no gráfico são representados, como
porcentagem do PIB, não só o total da dívida e as despesas com juros, mas
também o chamado superavit primário, ou resultado primário, um dos termos
mais usados em toda a discussão do impeachment. Ele destaca as despesas com
juros em 2015: 428,2 bilhões de reais. E continua, didático, explicando que o

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resultado primário é o esforço do governo para pagar suas despesas com juros;
para impedir que a dívida comece a crescer sem controle e os credores passem a
pressionar o governo por mudanças, poderia ter dito também.
Mas o importante não é o que Anastasia diz e que todos sabem e com o que
concordam. O importante é o que ele não diz ou não destaca. Ele não diz, por
exemplo, que os 62,3% da dívida bruta como porcentagem do PIB do governo
Dilma no final de 2015 eram menores do que os 64,9% da mesma dívida no final
de 2002, último ano do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.
Destaca a dívida bruta de 3,7 trilhões de reais mas não fala da dívida líquida do
governo, porque teria de descontar do número gigante que apresenta os mais de
377 bilhões de dólares de reservas monetárias brasileiras, as quais, com a
desvalorização cambial recente, com o dólar a mais de três reais, valem cerca de
1,2 trilhão de reais. A dívida líquida é bem menor, em porcentagem, cerca de
30% menos que dívida bruta, portanto.
Anastasia destaca a brutal carga de juros paga em 2015, mas não diz uma palavra
sobre o grande destaque do governo Dilma que foi a agressiva tentativa de
derrubar os juros, ocorrida em nove reuniões sucessivas do Comitê de Política
Monetária de seu governo. Nessa operação, a taxa de juros de curto prazo do
Banco Central, de 12,5%, foi levada, ao longo de vinte meses, entre julho de
2011 e março de 2013 – para 7,25%, seu menor patamar em vinte anos.
Anastasia diz ainda no relatório aprovado pelo Senado: "Em termos de
crescimento do PIB, nunca tivemos um desempenho tão ruim", referindo-se à
queda do PIB de 2015, de 3,8% e à nova queda prevista por ele para este ano.
Isso daria, ele diz, "uma queda acumulada" de 7,0% no período. Seria um fato
sem "paralelo em nossa história". Ele continua: "O único momento em que o PIB
brasileiro apresentou queda consecutiva por dois anos seguidos, desde o início do
século XX, foi no biênio 1930-1931, logo após o disparo da crise econômica
mundial, deflagrada pelo colapso (crash) da Bolsa de Nova Iorque em 1929".

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Por que Anastasia diz isso: por ignorância ou má-fé? Por ignorância? É pouco
provável. Vejam, gráfico que ele apresenta é uma armação com dados do IBGE,
que ele cita como fonte. Só que os números da variação do PIB do IBGE estão
disponíveis para quem quiser ver.
O IPEAdata, serviço on-line de informações do Instituto de Pesquisa Econômica
e Aplicada do governo federal tem um gráfico construído com esses dados.
Vejam:

E nesse gráfico lá está, com toda clareza: o PIB brasileiro tem 13 quedas para
baixo do zero %, de 1900 até o ano passado. Várias, como a crise de 1929-1930,
também foram gravíssimas: a de 1981-1983 levou à queda da ditadura militar; a
de 1991, a saques monumentais na periferia paulistana. E não se pode esquecer a
crise dos anos 1998-1999, período no qual o PIB cresceu praticamente zero
(0,04% e 0,25%, respectivamente).
A omissão da crise 1998-1999 é de um silêncio gritante. Esse foi o período no
qual o governo Fernando Henrique Cardoso, em conluio com o governo
americano e o Fundo Monetário Internacional – diga-se, pelas costas do
Congresso Nacional e do povo brasileiro que o iria reeleger no final de 1998 e,
portanto, não poderia saber da trama – definiu os termos da Lei de
Responsabilidade Fiscal.
Anastasia parece tentar provar a tese de que seu partido, o PSDB, estabilizou a
economia e a moeda nacionais, feito extraordinário que teria sido desmanchado
pelos desmandos petistas. Os fatos, porém, não são esses. Em fins de 1994, com
o Plano Real, o governo do PSDB chefiado por Fernando Henrique Cardoso
ancorou a moeda brasileira num grande volume de dólares atraídos para o País e
transformados em reservas monetárias graças às maiores taxas de juros pagos no
planeta, aproveitando-se na política de juros altos inaugurada pelos financistas de
Fernando Collor de Mello: Marcílio Marques Moreira, no Ministério da Fazenda,
Francisco Gros, na presidência do Banco Central, e Armínio Fraga, na direção da
área externa desse banco.
FHC, ministro da Fazenda do governo Itamar Franco e responsável político pela
elaboração do Plano Real, se elegeu pelo PSDB em 1994 e governou por dois
mandatos (1995-1998 e 1999-2002). Seu governo, no entanto, ficou longe da
estabilidade que Anastasia tenta vender. Foi abalado por diversas crises

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financeiras que ameaçaram o fluxo de dólares essencial para a pretensa
estabilização. A inflação em seus oito anos de governo foi relativamente alta: em
média, de 9,24%; bem maior do que a da média dos oito anos de governo Lula
(5,79%). Deixou o governo em 2002 com a inflação do ano em 12,53%. Para
comparação: no final de 2015, primeiro ano do segundo governo Dilma, que
Anastasia apresenta como um período de descontrole, a inflação era menor,
estava em 10,67%.
Como Anastasia promove o milagre estatístico de usar os dados históricos da
inflação num dos indícios do cenário no qual a presidente da República comete
"crime de responsabilidade"? Vejam:

Ele faz uma montagem, que deixa a história da inflação recente mais falsa do que
uma nota de três reais. Ele pega o gráfico do Ipeadata para a evolução do IPCA-
Índice de Preços ao Consumidor, Amplo - no período 1980-2015, na escala de
0% a 3.000% de inflação anual. A junta a ele, outro, de "elaboração própria", que
destaca, para o período de 2006 a 2015, que vai do ano de inflação mais baixa
nos governos petistas (3,14%) ao de inflação mais alta (10,67%).
Ele justifica essa armação dizendo o seguinte: "Os números [anteriores] eram tão
exorbitantes que, no período pós estabilização monetária, ou seja, de 1995 em
diante, tem-se a impressão de que a inflação passaria a ter sido praticamente
inexistente à luz da situação hiperinflacionária do passado. Por essa razão,
destacamos a inflação mais recente em gráfico sobreposto ao adiante
apresentado". Mas, aí, torna-se, além de falso, incongruente. Diz que, no
"período pós estabilização monetária", a inflação teria passado a ser
"praticamente inexistente". Por que, então, construiu para esse período um
gráfico que, evidentemente, visa sugerir um descontrole inflacionário nos
governos petistas, entre 2006 e 2015? Ele tinha todos os dados para mostrar que,
nesses governos, a inflação foi menor que a dos anos da suposta estabilização
monetária peessedebista.
Da inflação, Anastasia passa para os atrasos nos pagamentos do Tesouro a
bancos e fundos públicos e aí comete a maior de suas pedaladas estatísticas,

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digamos assim. Ele sabe que o crime que está sendo julgado é relativo a ações de
2015. Tanto a Câmara, quanto o STF e o Senado tinham aceito a norma
constitucional de que o pedido de impeachment impetrado pela trinca de juristas
Helio Bicudo, Miguel Reale Junior e Janaína Paschoal contra Dilma Rousseff no
final de 2015, tinha, portanto, de se ater a fatos relativos a seu período de
governo iniciado a 1 de janeiro daquele ano. Anastasia tinha, dos trabalhos da
CEI, todos os dados desses atrasos relativos a compromissos do governo com o
Banco do Brasil (BB), Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), Caixa Econômica Federal e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS).
Esses atrasos vinham de bem antes de 2015 e não eram pequenos: pelos balanços
com fechamento a 31 de dezembro, feitos pelo Banco Central, os atrasos ficaram
em torno de 1 bilhão de reais, entre 2001 e 2002, últimos dois anos de mandato
de FHC, e 2007, primeiro ano do segundo mandato de Lula. A partir daí foram
crescendo bastante: para 2,3 bilhões em 2008 e 8,4 bilhões em 2010, último ano
do segundo mandato de Lula. E, no governo Dilma cresceram mais ainda: foram
sucessivamente para 13,0 bilhões, 19,7 bilhões, 36,1 bilhões e, finalmente, 52,2
bilhões em 31 de dezembro de 2014.
Anastasia precisava do crime em 2015. Tinha ouvido mais de uma dezena de
depoimentos na CEI que provavam que, nesse ano, o governo Dilma, com
Joaquim Levy no comando do ministério da Fazenda, não tinha acumulado novos
atrasos; ao contrário, tinha se dedicado a pagá-los. Sabia, finalmente, que, depois
de ter pago vários dos atrasos, pagou, nos últimos dias de dezembro, quase todo o
resto. Como Anastasia ajeitou esses fatos em suas estatísticas espertas, digamos
assim? Veja:

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No gráfico, Anastasia colocou os balanços com o valor dos atrasos a 31 de
dezembro, para todos os anos, um ponto para cada ano. Mas apenas até 2014.
Deixou 2015 de lado. E, para esse ano, colocou 12 pontos, um para cada valor
dos atrasos mês a mês. E embora sejam pontos que praticamente se repetem, pois
como já dito, o ano foi de pagamento dos atrasos, o gráfico dá a impressão, ao
leitor menos avisado, que os atrasos de 2015 são desproporcionadamente
grandes. De fato, os atrasos caíram bruscamente em 2015, só sobraram 11,0
bilhões de compromissos, com vencimento no ano seguinte, alias. Veja, no
gráfico dos atrasos do qual foi expurgada a contabilidade criativa de 2015 do
ilustre Anastasia.

2. No seu relatório, Anastasia cita apenas duas ou três vezes a questão


cambial. A certa altura, sem ter feito qualquer referência anterior ao fato de
a estabilidade da moeda brasileira estar ancorada no dólar, passa a falar do
"momento em que nossa estratégia de estabilização monetária migrou da âncora
cambial para a âncora fiscal". Cita, de passagem, que "a partir de 1999", "o
câmbio passa a flutuar". Omite completamente a crise dos anos 1998-1999, que
levou, inclusive, à grande campanha popular do Fora FHC e a vários pedidos de
impeachment do então presidente. E passa a louvar o programa apresentado em
1998 por Fernando Henrique – como dissemos, depois de acerto clandestino com
o FMI e o governo dos EUA – que teria desembocado na nunca assaz louvada
Lei de Responsabilidade Fiscal. Por que a omissão da questão cambial é um

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defeito central do cenário da crise desenhado pelo senador Anastasia e no qual
tenta instalar os "crimes" da presidente?
Por várias razões acumuladas: o Brasil é um país dependente do capital
financeiro internacional há séculos; essa dependência se agravou com o Regime
Militar, que foi encerrado após a gigantesca crise de endividamento externo, nos
anos 1981-1983; os governos liberais de Collor e FHC (1990-2002), com a ampla
abertura financeira da economia e a tentativa de estabilização dependente da
entrada de dólares, apenas tentaram acomodar o País no fundo do poço no qual a
ditadura militar o tinha colocado; e, por último, os governos do PT, de 2003 a
2014, tentaram manter essa estabilização precária ao mesmo tempo em que
ampliavam os benefícios sociais aos trabalhadores e camadas mais pobres e os
incentivos fiscais a empresas brasileiras.
A política econômica dos governos do PT foi bem até a grande crise financeira
do centro do sistema capitalista do final da primeira década do século XXI. Os
resultados primários, que nos governos Lula tinham sido, em média, maiores que
a média dos resultados dos governos FHC, no primeiro governo Dilma
começaram a cair. Pelos números do BC, escolhidos por Anastasia para seu
gráfico, vão de 2,1% em 2011, para 1,8% em 2012 e 1,4% em 2013.
Transformam-se, então, em déficits: de -0,4% em 2014 e, em 2015, num déficit
maior ainda, -2,0% do PIB.
Os déficits do governo Dilma se devem à gastança generalizada e ilegal que ela
teria promovido em 2014 para ganhar as eleições? Essa é a tese dos pro-
impeachment. Mas ela não se sustenta nos fatos. No dia 16 de junho, no seu
depoimento na Comissão Especial do Impeachment, o ex-ministro da Fazenda de
Dilma, Nelson Barbosa, fez uma comparação: o total de atrasos pagos pelo
Tesouro aos bancos e fundos públicos no final de 2015 foi de cerca de 55 bilhões
de reais, cerca de 1% do PIB. Já os gastos do Tesouro com os contratos de swap
cambial, feitos entre o BC e os grandes investidores do mercado, foram bem
maiores, de perto de 90 bilhões de reais, cerca de 1,8% do PIB.
Esses contratos ofereceram juros mais altos em títulos da dívida pública para
atrair investidores que estavam pensando em migrar para o dólar, com medo de
uma valorização súbita da moeda americana, o que de fato veio ocorrer no final
de 2014. Os swaps cambiais foram contratos de proteção para os investidores
estrangeiros que desde o início da política de redução dos juros da segunda
metade do primeiro ano de governo Dilma estavam preocupados com a
recuperação de seus ativos no Brasil e, entre meados de 2011 e meados de 2012
tinham retirado 200 bilhões de dólares em posições de investimento no País.
Por ora basta dizer que Barbosa comparou os custos para o Tesouro desses swaps
com o total dos atrasos do Tesouro pagos no final de 2015. E o atraso que consta
do processo de impeachment é apenas o relativo ao Plano Safra, restrito ao
Banco do Brasil, de 2015, menos de um quinto daquele total. E os outros
"crimes" da presidente, os três decretos de crédito suplementar assinados por ela
de modo supostamente ilegal, somam menos de 2,5 bilhões de reais, no total. Ou

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seja, não é nesses gastos de Dilma, mesmo que, de fato, fossem ilegais, que se
acharia a explicação para a grande crise que, de fato, mesmo, assola o Pais.

3. Para achar a explicação da crise do governo Dilma, deixando de lado a


alquimia do senador Anastasia, é preciso voltar à questão da estabilização
ancorada no dólar, da dupla Collor-FHC, e retomar a cronologia apresentada há
pouco, no ponto das quedas dos resultados primários do primeiro governo Dilma.
Como vimos, esses saldos, entre receitas e despesas fiscais, voltados para o
pagamento de juros e a redução do risco de um descontrole da dívida, foram cada
vez menores.
Para conter o crescimento da dívida, Dilma parece ter apostado tudo na queda
dos juros que foi desencadeada logo no seu primeiro ano de governo, o que
parece ter lógica: se os superávits são para reduzir a dívida, quanto menos juros
melhor. Mas, a economia tem seus mistérios. Como diz Nelson Barbosa, que
acabou sendo ministro da Fazenda em 2015, o ano do ajuste da política
econômica de Dilma, "não basta baixar os juros e ir para a praia". Ele próprio,
aliás, divergiu do rumo seguido pelo governo no primeiro mandato da presidente
e, em maio de 2103, se afastou do cargo de secretário executivo do Ministério da
Fazenda chefiado por Guido Mantega, onde estava desde o início do governo.
Os juros, como se pode ver facilmente, têm suas vantagens. Para os bancos, por
exemplo, que captam dinheiro de um lado, pagando juros, mesmo que altos, e
emprestam de outro, cobrando juros, ainda maiores. Funcionam assim os bancos
privados e os públicos, que ganham montanhas de dinheiro com isso. Os bancos
públicos por exemplo – CEF, BNDES e BB, tiveram seus lucros elevados, entre
o último ano de FHC e 2015, primeiro ano do segundo mandato de Dilma, da
faixa de 1 a 2 bilhões por ano, para a faixa de 7 a 15 bilhões anuais. Dá para
comparar, com vantagem, ao custo das chamadas pedaladas do Plano Safra e aos
dos créditos suplementares considerados ilegais, as duas gastanças do governo
Dilma pelas quais se quer o seu impeachment.
Mas, uma coisa é estimular, com juros baixos, uma economia que está crescendo.
Outra é subsidiar juros para empresários que estão numa economia em crise, com
desarranjos estruturais essenciais e tenham medo de expandir seus negócios. E a
economia brasileira estava, de fato, desarranjada; e um desses desarranjos, entre
os maiores, vinha das contas externas do País.
O Brasil tinha começado a sair do desvario que foi a tentativa de se integrar à
economia global pagando juros brutais, já no final do segundo mandato de FHC,
quando passou a ter superávits expressivos em sua balança comercial em função
do extraordinário crescimento das exportações de commodities a preços altos,
resultantes, por sua vez, do não menos extraordinário processo de urbanização e
crescimento econômico da China. Mas essa conjuntura mudou já no final do
primeiro ano de governo Dilma. Os chineses iniciaram uma política de
desaceleração da economia, para resolver problemas de descontentamento
internos e em função da grande crise financeira internacional desencadeada em
2008. O preço das commodities caiu vertiginosamente.

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No Brasil a mudança teve repercussão imediata. O saldo da balança comercial
brasileira se transformou em déficit. E ressurgiu no balanço de pagamentos do
País o problema conhecido do déficit de transações correntes que, de certo modo,
mede o grau de dependência da economia: se só exporta commodities ou
produtos semi-industrializados de baixo valor agregado, na sua balança
comercial o país dependente não gera dólares suficientes para pagar as contas de
serviços e rendas do capital. Em 2014, o déficit de transações correntes do Brasil
chegou perto de 100 bilhões de dólares. Apenas com o aluguel de equipamentos
como sondas para exploração de petróleo, modernas retroescavadeiras e
colheitadeiras, por exemplo, o Brasil gastou 19 bilhões de dólares, quase oito
vezes o saldo comercial do ano.
Na peroração com a qual inventa pretextos para justificar o impeachment da
presidente, Antônio Anastasia cita elogiosamente o primeiro ministro da Fazenda
de Lula, falando em 2003, nos Estados Unidos, na American Chamber of
Commerce. Palocci dizia: "Para isso [a estabilização e o crescimento], são
necessárias medidas que produzam superávits primários, neste e nos próximos
exercícios, suficientes para reduzir a relação dívida/PIB e, portanto, os gastos
futuros com o serviço da dívida".
Quando o governo Lula chegou ao poder com grande apoio popular, Palocci
procurou agradar aos mercados. Deu um tranco no crescimento da economia:
elevou a Selic dos 25,0% que recebeu do governo FHC para 26,5%, no primeiro
semestre de 2003. Isso derrubou o PIB, dos 4,31% do início da recuperação
econômica para 1,15%. Derrubou a inflação do ano, dos 12,54% herdados da
chamada estabilização de FHC, para 9,30% em 2003.
A presidente errou muito. Da aposta concentrada na queda da taxa de juros do
início de seu primeiro mandato, ao final dele, na campanha para se reeleger,
confiou no marketing político, prometeu o oposto do que já previa fazer – conter
o crescimento econômico -, cometendo o que, para muitos, não sem razão, foi um
"estelionato eleitoral". Pode ter achado que Joaquim Levy, no ministério da
Fazenda, cumpriria o papel de Palocci, no começo do governo Lula. Mas errou,
feio. Mas não porque tentou enganar o Congresso e autorizou uma gastança
ilegal, como se tenta provar com o cenário falso de seu governo perpetrado pelo
frio e educado senador Anastasia com o propósito de enquadrar crimes
inexistentes.
*Com a colaboração do Coletivo “O processo". Raimundo Rodrigues Pereira é
diretor da Editora Manifesto, que prepara o lançamento do projeto para a
construção de um semanário em 2018.

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