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uma incessante busca de expansão da cultura como controle da natureza e, também, da cultura
como uma pluralidade de leituras individualistas, individualizantes e individuantes dos
produtos interacionais cotidianos a partir de repertórios simbólicos coletivos, mas
personalizados, para serem novamente coletivizados como invenção criativa.
Nessa figuração simbólica estaria a motivação ocidental intrínseca do fazer pelo fazer,
- do inventar e reinventar, do relativizar, diferenciar e coletivizar, - que se organiza a partir
das presunções básicas da cultura como criatividade e como invenção, movimentada na
dialética entre um Eu que se autopercebe como personalidade individual dotada de agência e
destacada volitivamente de sua coletividade referencial e de um grupo social que
metaforicamente representa a sociedade como soma de unidades actanciais em interação tensa
e conflitual orientada para projetos futuros de transformação social e cultural. A invenção
criativa da Cultura, do Eu e da Sociedade, nesse sentido, constituem a dinâmica cultural
própria da sociedade moderna ocidental funcionalmente diferenciada e segmentada em
subsistemas auto-referenciais de produção da realidade, em que cada subsistema social, ou
lógica actancial e gramática de sentidos, produz o mascaramento da tensão dialética que o
movimenta.
Este mascaramento da invenção de situações culturais Wagner define como uma
prática cultural ocidental cotidiana de cooptação da invenção. O processo de cooptação ou
mascaramento da invenção ocorre na medida em que a experiência singular da personalidade
individual, ao enquadrar-se nos modelos coletivos de comunicação (à própria convenção que
buscou diferenciar), acaba por reproduzir em um modo coletivizante, - ainda que não assuma
este fato, - a convenção que buscou anteriormente relativizar. Esta dinâmica de reprodução
sistêmica de novidades, a partir de códigos ou gramática culturais acionados por agentes
individuais em constante ânsia de reconhecimento público, responde à pergunta provocativa
de Wagner sobre o resultado da produção antropológica: mais Antropologia.
Esse argumento, com efeito, constitui a base da crítica wagneriana ao que entende
como Antropologia Sintética: o exercício da objetificação da alteridade postulada como
variação de um fenômeno humano universal, - mas concretamente vivido em uma das suas
possibilidades históricas e geográficas específicas de expressão de sentidos correlacionados.
Este fenômeno universal, visível em formatos singulares, seria passível de aprendizado, de
análise e de comparação relativizadora com base nas classificações do observador, isto é, do
antropólogo que comunica a tradução da cultura estrangeira, como cultura, em seus termos
nativos para a sua platéia também nativa.
O pesquisador em campo, desta forma, apreende a cultura estrangeira na medida em
que enquadra as situações sociais, os personagens individuais e coletivos, as paisagens
semânticas e as gramáticas comunicacionais destas nas suas possibilidades interpretativas e
nos parâmetros do seu olhar já social e culturalmente construído, mas, agora, relativizados
para a invenção da cultura estrangeira e para a reinvenção da sua própria cultura. De acordo
com Wagner (2012 p.51s):
Uma vez que a nova situação tenha sido objetificada como “cultura”, é possível
dizer que o pesquisador está “aprendendo” aquela cultura, assim como uma pessoa
aprende a jogar cartas. Por outro lado, visto que a objetificação ocorre ao mesmo
tempo em que o aprendizado, poder-se-ia dizer que o pesquisador de campo está
“inventando” a cultura. [...] A crença do pesquisador de que a nova situação com a
qual está lidando é uma entidade concreta – uma “coisa” que tem regras, “funciona”
de uma certa maneira e pode ser aprendida – o ajudará e encorajará em seus esforços
para enfrentá-la. [...] Desse modo, o que quer que ele “aprenda” com os sujeitos que
estuda irá assumir a forma de uma extensão ou superestrutura, construída sobre e
com aquilo que ele já sabe. Ele irá “participar” da cultura estudada não da maneira
como um nativo o faz, mas como alguém que está simultaneamente envolvido em
seu próprio mundo de significados, e esse significados também farão parte. [...] é o
conjunto de predisposições culturais que um forasteiro traz consigo que faz toda a
diferença em sua compreensão daquilo que está “lá”.
O pesquisador de campo, conclui Wagner, seria um inventor de analogias, de
representações comunicáveis, sobre práticas e discursos sociais estranhos e distantes. O seu
esforço de tradução (como não poderia ser diferente) redundaria na invenção do outro que se
quer compreender e na reinvenção do si mesmo tornado visível no espelhamento reflexivo do
jogo comunicacional. O antropólogo, portanto, participaria de dois sistemas de significado e
ação distintos como um estranho profissional que compulsivamente busca inventar modos e
estilos de vida como culturas, uma vez que diferencia e coletiviza o modo ocidental de
simbolização do mundo como dialética mascarada da oposição entre natureza e cultural e
entre indivíduo e sociedade.
O modo de simbolização da cultura Daribi, estudada por Wagner ao longo de seu
amadurecimento como antropólogo, por seu turno, organiza a dialética cultural pela afirmação
ritual, e não pelo mascaramento enquanto história teleológica e escatológica em eterno porvir,
das tensões cotidianas inerentes à binarização fundamental do mundo social nas dimensões do
inato e das responsabilidades humanas, e do individual e do coletivo. De forma bastante
esquemática, portanto, o modelo analítico wagneriano inventa a cultura ocidental como
inflexão linear, sistemática e racional de um mundo de sentidos que nega o paradoxo, a
contradição e a oposição como fenômenos inerentes à interação.
As sociedades tribais, por sua vez, seriam organizadas em regimes de oposição de
metades, - de segmentação agonística, e não, a modo ocidental, de diferenciação universal a
ser coletivizada, - e caracterizar-se-iam pela mediação (a aplicação metafórica de um contexto
semântico a outro) da convenção cultural de modo dialético, isto é, como um contexto cultural
convencional auto-referente não universalizável, mas, e justamente por isso, regido por uma
lógica actancial que não busca colonizar outras lógicas actanciais contextuais. A invenção do
eu, como alma, e da sociedade, como totalidade interacional cosmológica, ocorre na sucessão
episódica de rituais, de papéis e de hierarquias alternantes, devidamente demarcadas e
protegidas por práticas de isolamento e de evitação de contaminação, profanação e poluição.
Este modo de mediação do convencional pela dialética, identificado entre os Daribi,
por Wagner, e entre os Iatmul, por Bateson, - em seu clássico estudo de ecologias simbólicas
tribais modeladas por padrões complementares e assimétricos de ação e representação
cosmológica, - é de impossível digestão no modo cultural ocidental de mediação da dialética
pela convenção. A civilização ocidental, em síntese, exercita o enquadramento do controle
diferenciante no controle coletivizante, isto é, inventa o do diverso, o paradoxal, o
contraditório e o singular em esquemas mais amplos de linearidade e sistematicidade
ontológica e teleológica, nos quais estes fenômenos dialéticos são resíduos ou incógnitas
semânticas em um processo de devir. Trata-se, portanto, de uma invenção sintagmática da
cultura, do eu, da sociedade e do próprio processo de criatividade inventiva, cuja constituição
motivacional coletiva e individual abomina a própria concepção de interação dialética entre
princípios ou fontes energéticas e criadoras.
Nas palavras de Wagner (2012, p. 22s):
[...] meu argumento sugere que o modo de simbolização diferenciante provê o único
regime ideológico capaz de lidar com a mudança. Povos descentralizados, não
estratificados, acomodam os lados coletivizante e diferenciante de sua dialética
cultural mediante uma alternância episódica entre estados rituais e seculares;
civilizações altamente desenvolvidas asseguram o equilíbrio entre essas necessárias
metades da expressão simbólica por meio da interação dialética de classes sociais
complementares. Em ambos os casos, são atos de diferenciação incisivos,
contundentes – entre sagrado e secular, entre propriedades e prerrogativas de classe
–, que servem para regular o todo. Mas a moderna sociedade ocidental, que Louis
Dumont acusa de “estratificação envergonhada”, é criticamente desequilibrada:
sofre (ou celebra) a diferenciação como sua “história” e contrabalança o coletivismo
com a natureza mediante a invenção da cultura, situa a noção ocidental de uma suposta lei da
evolução pelo fazer reflexivo humano.
Nesse diapasão, Wagner revela a constituição histórica do fazer antropológico, -
apoiando-se em Geertz (2008), - no âmbito dos modelos de ação (Ethos) e de realidade (Visão
de Mundo) ocidentais: uma prática e um discurso de controle coletivizante da cultura pela
natureza e da natureza pela cultura. Este modo de fazer antropológico, que Wagner denuncia
como “sintesismo” ou como Antropologia Sintética, repousa em uma alegoria da humanidade
ou no mito do “homem natural”.
Nas palavras do autor:
[...] nossa tradição de pensamento enfatiza o “mascaramento” das relações dialéticas
por meio da ação coletivizante que nossa autoimagem da Cultura veio a ser aplicada
indiscriminadamente aos modos de vida dos outros. Há uma certa necessidade
motivada em nossa tendência a amontoar todas as culturas humanas como um único
esforço evolutivo. Trata-se de um ato de justificação para nossa própria invenção da
sociedade como relação do homem com a natureza. Enquanto a antropologia se
empenhar em mediar sua relação com os povos que são seu objeto como parte de
alguma outra coisa, como parte de sua invenção cultural da “realidade”, e não
dialeticamente, terá necessidade do “primitivo”. Permanecerá fascinada com o que
considera como “natural” e elementar e interpretará equivocadamente as intenções e
expressões de outras formas de existência humana nos termos de seus próprios
valores, como uma “alegoria” do homem. (2012, p. 307s).
A ambiguidade estratégica inerente ao conceito de humanidade consiste no fato de
designar tanto uma espécie biológica pura de sentidos culturalmente construídos, mas
regulada por uma carga instintiva de fome, sexo e agressividade; quanto um ideal de
redenção, - pela técnica e pela moral, isto é, pelo domínio da natureza mediante o trabalho de
transformação do mundo externo e interior ao sujeito humano, - da humanidade de sua
condição de necessidade e de impulsividade instintiva. A ciência, a técnica, a indústria, o
Estado burocrático e o Mercado inesgotável de objetos, assim, são representantes de uma
cultura relativizante que obvia seus interesses e atividades na produção autorreferente de
objetos de consumo.
A natureza humana, com efeito, é deslocada de uma categoria ontológica fixa para a
de um devir de progresso e perfectibilidade. A natureza, então, se apresenta como a fronteira
mascarada da cultura; e a cultura passa a ser entendida como o domínio das responsabilidades
humanas, a ser continuamente expandido pela reinvenção de seus próprios códigos segundo
seu modo inerente de simbolização coletivizante do mundo.
O controle coletivizante da natureza pela cultura e da cultura pela natureza, -
identificado por Wagner como também exercitado pela Antropologia Sintética, - gera a
reinvenção cotidiana da cosmologia ocidental. Esta cosmologia seria, então, pautada nos
postulados de sociedade como luta do homem contra a natureza e da cultura como produção
individualista de interesses e sentidos pressionados contra a coletividade.
No exercício de controle da cultura pela natureza foram desenvolvidas as abordagens
ecológicas e funcionalistas da Antropologia, que definem a cultura como fenômeno derivado
dos imperativos de administração das necessidades humanas inatas e naturais: a cultura,
portanto, emergiria como controle humano de energias naturais na relação da humanidade
com o mundo natural, de modo que, enquanto controle do domínio das responsabilidades
humanas pela definição de suas fronteiras em relação ao inato, a cultura deveria ser entendida
como uma totalidade lógica e coerente de sentidos coletivos. No exercício de controle da
natureza pela cultura, - esclarece Wagner, - a etnossemântica ocidental define a realidade
natural, o mundo fenomênico do inato, a partir da captura moral, - e, portanto, cultural, - desta
natureza no âmbito de um projeto universalizante de perfectibilidade humana.
Referências
BARTH, Frederik. Ritual and Knowledge among the Baktaman of New Guinea. Oslo:
Universitetsforlaget; New Haven: Yale University Press, 1975.
BATESON, Gregory. Naven: um esboço dos problemas sugeridos por um retrato compósito,
realizado a partir de três perspectivas, da cultura de uma tribo da Nova Guiné. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2006.
CASTAÑEDA, Carlos. Porta para o infinito. Rio de Janeiro: Editora Record, 1974.
DUMONT, Louis. O Individualismo: uma perspectiva da ideologia moderna. Rio de Janeiro:
Rocco, 1993.
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Martins Fontes,
1996.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
SPERBER, Dan. Rethinking Symbolism. Cambridge: Press Syndicate of the University of
Cambridge, 1975.