Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
©ReginaMiranda,2012/2019
2
Mesmo que não se tenha conhecimento disso, as relações humanas são estruturadas em forma teatral. O
uso do espaço, a linguagem do corpo, a escolha das palavras e a modulação das vozes, o confronto de
ideias e paixões, tudo que fazemos no palco, vivemos em nossas vidas. Nós somos o teatro! Casamentos e
funerais são "espetáculos", mas também os rituais diários, tão familiares que nem somos conscientes
deles. Ocasiões de pompa e circunstância, mas também o café da manhã, os bons-dias trocados, tímidos
namoros e paixões tempestuosas, uma sessão do Senado ou uma reunião diplomática - tudo é teatro!
(Boal, 2009) 1
Desempenhar papéis profissionais, papéis de gênero e raça e moldar a própria identidade não são ações
de faz-de-conta (como atuar em um papel no palco ou em um filme provavelmente o seja). As
performances da vida cotidiana "fazem crer" - criam as realidades sociais que apresentam (Schechner,
2003: 35).
Feixes da Performance
A Sociocoreologia entende Performance como a integração encorpada de cinco
interdependentes feixes da performance2: Atuante (ou agente)3, ação, som, tempo e espaço,
todos eles permeados pela ideia de movimento como sua expressão vital.
1 Esta citação é um trecho de um texto mais longo, enviado por Augusto Boal para a autora deste artigo da cama de hospital
onde viria a falecer alguns dias depois, em 2009. É uma variação de um texto maior que ele havia escrito para o Di Internacional
do Teatro da UNESCO, no dia 27 de Março de 2009.
2 Valerie Preston-Dunlop (2002) propõe quatro feixes (ou vertentes) coreológicos: performer, movimento, som e espaço. Para
os objetivos da sociocoreologia, que esperamos venham a ser compreendidos no texto, sentimos a necessidade de mudar
movimento para ação e incluir tempo.
3 Intérprete seria uma escolha problemática: as recentes pesquisas de movimento tem, alternadamente, usado corpo, mas este
uso pode informar sobre uma separação entre corpo e pessoa, ou agente, um termo mais caro à Sociologia, informando sobre
o indivíduo engajado na estrutura social. Ja que o presente texto articula o individuo em suas performances sociais, o uso de
atuante, ou mesmo performer, nos parece mais adequado.
©ReginaMiranda,2012/2019
3
Em Sociocoreologia, as Interações, e mais ainda o que emerge a partir das redes criadas
por elas, são percebidas e avaliadas (e potencialmente experienciadas, melhoradas e/ou
4
Emergência pode ser definida como o “nascimento de novas e coerentes estruturas, padrões e propriedades durante
processos de auto-organização em sistemas complexos” (Goldstein, 1999)
©ReginaMiranda,2012/2019
4
Na verdade, Laban já indicava esta direção, quando apresentou em seu repertório a Fita
de Moebius, uma porta de entrada para espaços, cujos processos e regras não eram
compatíveis com representações anteriores. Assim, a Sociocoreologia, através de BESS/BSC, ao
abordar as relação sociais, percebe o corpo coletivo como suporte e agente de permutações e
correspondências simbólicas corpo-espaciais, reorganizações contínuas, fusões gesto-postura,
isolamentos-desvios-re-integrações e conexões interno-externo.
Esforço, que inter-relaciona os aspectos qualitativos de Peso, Tempo, Fluxo e Espaço, é
percebido nas configurações dos territórios de intensidades emocionais e ritmos dinâmicos, e
como estes estão inscritos nas frases interativas de movimentos adaptativos.
Forma refere-se à plasticidade do corpo coletivo, suas transformações, mudanças de
volume, e maneiras de esculpir o espaço, em um processo contínuo de aparecer, desaparecer,
reaparecer, que indica a adaptabilidade da coletividade às suas exigências internas/externas.
E Espaço (re)apresenta a arquitetura do corpo coletivo móvel em seus padrões de
organização/desorganização, associando as formas tridimensionais de Laban de cristal com os
processos topológicas propostas pelo BSC6, como o Reviramento do Toro, processo através do
qual um evento inverte o que, aparentemente, estava dentro, transformando-a em fora, e vice-
versa. A operação, aparentemente reconfigura a situação anterior, a qual torna-se, ao mesmo
tempo diferente e igual.
Na atuação cênica, por exemplo, o que apreciamos no ator que opera o corte, que revira e re-une
indivíduo e personagem, um-outro, cuja alma é trazida para fora7, e que altera e mantém a permanência
do mesmo, é presenciarmos este mecanismo de transformação agudo sem grande mudança aparente
(MIRANDA, 2008: 63).
Som
O som desempenha um grande papel na maioria das reuniões sociais: o tipo de música
(clássica ou popular, e que gênero) define diferentes atmosferas, a escolha de palavras
5
Corpo/Esforço/Forma/Espaco são escritos em letra maiúscula no Sistema Laban/Bartenieff no sentido de diferenciar do uso
comum desses termos.
6 Uma das importantes mudanças de paradigma em pensamento sistêmico é a saida da mentalidade ou/ou (ou isto/ou aquilo),
©ReginaMiranda,2012/2019
5
Tempo
O conceito de tempo sempre foi uma questão fundamental para a humanidade e não apenas
como uma questão filosófica. Há uma velha expressão que diz: "Se um homem não acompanha
os passos de seus companheiros, talvez seja porque ele está ouvindo um baterista diferente"
De fato, para uma sociedade ser constituída, seu ritmo particular deve ser entendido
intuitivamente dançado junto. Tempo também pode evocar circunstâncias históricas, políticas,
sociais, filosóficas e / ou econômicas, bem conhecidos para uma determinada coletividade.
Assim, para participar de uma determinada sociedade, é preciso entender e ser capaz de
encarnar sua concepção de ritmo: por exemplo, qualquer visitante de Nova York experimenta o
rápido movimento coletivo de seus cidadãos. A duração de um evento também varia
enormemente de uma cultura para a outra: se na Alemanha, ou nos EUA, uma recepção com
frequência dure de 18 às 20h, no Brasil, a menos que a ocasião seja muito formal, há um tempo
para começar, mas raramente uma hora para acabar. Assim, o anúncio de uma duração
específica irá imediatamente transmitir um nível desejado de formalidade.
Na literatura, pode-se falar de "autores do tempo", como Marcel Proust, que utiliza o
tempo como substância de suas narrativas, e também do sentido de tempo como destino –
como tempo inevitável – que define as tragédias gregas. Alguns países são identificados com o
tempo, como a Suíça e Alemanha, sendo este último famoso pela precisão horária de seus trens,
enquanto, em outros lugares, o tempo parece não ter passado, como em certas cidades
medievais da Europa, ou na bela ilha de Paquetá, não muito longe do Rio de Janeiro, cuja
população vive, aparentemente, nos anos 50. O tempo cronológico, tende a conferir um peso
semelhante a eventos diferentes, embora algumas datas adquiram significado simbólico para
muitos, como por exemplo 25 de dezembro (Natal), enquanto outras têm um significado
cultural comum para a nação, como o 4 de julho, para os Americanos, o 7 de setembro, para os
Brasileiros, ou o 14 de julho, para a França, este último também estendido seu "significado" de
liberdade para a maioria do mundo ocidental.
©ReginaMiranda,2012/2019
6
tempo de Fernand Braudel (1902-1985), que percebe o tempo como fenômeno social, ao
assumir que estabelecer o simbólico é também instituir o social, portanto, transmitindo um
sentido de tempo para além das sensações e percepções individuais, são de particular interesse
(BRAUDEL, 1993).
Espaço
O conceito de espaço inclui, mas não se limita aos espaços labanianos. Espaço é aqui
estudado em suas características geográficas (enquanto ciência e filosofia), desde o estudo da
superfície e da distribuição espacial de fenômenos significativos na paisagem, até e,
especialmente, a relação recíproca entre o homem e o meio ambiente. Entre as diversas
geografias, algumas são de especial interesse para Sociocoreologia, já que imprimem
complexidade na leitura crítica das percepções humanas e nas transformações por/em/no
espaço. São elas: a Geografia Humanista, que valoriza a construção subjetiva do espaço,
incluindo a percepção humana e as relações com o espaço, e a Geografia Humana, que estuda
e descreve os padrões de interação entre sociedade e espaço e mapeia os padrões sociais que
moldam as sociedades humanas.
Ela funciona como forma, configurada materialmente como coisas no espaço, bem como mentalmente
como pensamentos sobre espaço; mas também como processo, como uma força dinâmica que está
sempre sendo ativamente produzida e reproduzida. Neste sentido, a forma e formação de espacialidade
social é inseparável da sociedade, parte do que uma vez descrevi como uma dialética sócio-espacial em
que as relações sociais (formas e processos) formam e são simultaneamente moldadas por relações
espaciais (formas e processos) . (SOJA, 2001, S 1.5)
©ReginaMiranda,2012/2019
7
Fomento da criatividade
Além de participar e observar comportamentos cotidianos e rituais sociais como
performance, a prática sociocoreológica é um processo criativo em si. A experiência com os
feixes sociocoreológicos parece ter o poder de ampliar a criatividade social e promover
inovação. Sua perspectiva sistêmica aborda as complexidades individuais e interativas das
pessoas, desenvolvendo sua percepção e habilidades criativas e aumentando seu compromisso
com a sociedade (MIRANDA, 2009). Ela também oferece a experiência de caminhos que possam
gerar conexões, assim criando uma multiplicidade de "pontos de alavancagem", que
potencialmente podem criar resultados significativos a nível individual e coletivo. Ao abraçar a
visão sistêmica, ela promove a necessária compreensão do “mapa geral” da coletividade, com
suas conexões interno-externas, e este entendimento facilita o acesso e engajamento com os
aspectos sociais, ritualísticos, científicos, banais, artísticos e educacionais da vida cotidiana.
Mais ainda, a inclusiva e complexa visão da Sociocoreologia apresenta um quadro eficaz e
emocionante para lidar com as questões sociais da atualidade, tão marcadas pela complexidade
e grande número de interações, como as que caracterizam as comunidades e organizações
"glocais".
©ReginaMiranda,2012/2019
8
Compartilhamento Horizontal
Mesmo pessoas que teoricamente valorizam a diferença podem falhar em colaborar e
compartilhar conhecimento. Percebe-se tendência a abordar e valorizar semelhantes (mesmo
país ou região, mesma idade, mesma formação acadêmica, mesma classe social, etc.) e a
formação de subgrupos e coligações ao longo de atributos similares. Cada um desses grupos
tende a se ver como o grupo “in", enquanto outros são vistos como "de fora" - e seus
interesses percebidos como diferentes e possivelmente em competição com os interesses
compartilhados pelo "grupo in" ( DAVIDSON, 2002). A fim de valorizar e integrar a diferença em
todos os níveis da vida da cidade, um princípio de compartilhamento precisa governar os
processos organizacionais, e isso só pode acontecer quando as lideranças das cidades e
coletividades adquirem competência sociocultural.
Competência Sociocultural
A Sociocoreologia propõe competência sociocultural, como a habilidade multidimensional
necessária para promover e sustentar mecanismos de mudança e entende que esta
competência pode ser alcançada através da sensibilidade, conscientização, comunicação e
compreensão das características socioculturais de uma coletividade.
Sensibilidade sociocultural, significa saber que existem diferenças sociais, econômicas, étnicas e
culturais, bem como semelhanças, saber criar um discurso positivo, curioso e aberto em relação
às diferenças, promover um esforço consciente de não reproduzir observações preconceituosas
sobre comportamentos diferentes e tornar-se disponível para interações sociais em conjuntos
culturais múltiplos.
©ReginaMiranda,2012/2019
9
Bibliografia
©ReginaMiranda,2012/2019
10
©ReginaMiranda,2012/2019