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DIREITO TRIBUTÁRIO
16/03/2019 06:04
Crédito: Pixabay
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Sob várias óticas, a teoria do risco conjuga em si dois fatores tão elementares da
própria natureza dos atos humanos: o risco do sucesso (êxito) e o risco do
insucesso (derrota). Sem risco (sucesso ou insucesso) não há atividade mercantil,
sem risco não há atividade humana. É da assunção do risco que vem a capacidade
humana de se diferenciar dos demais de sua espécie, de se movimentar. Foi o risco
que construiu a espécie humana quando ainda era nômade e presa fácil aos
predadores pré-históricos.
Steiner Neto[1] em 1987, parafraseado March & Shapira[2], traz um moderno conceito
de risco “deퟓ�nido como re韖�exo das eventuais variações na distribuição dos retornos
possíveis, com as suas probabilidades e com os seus valores subjetivos”.
Complementa ainda, com a visão de Maccrimmon & Wehrung[3], que três condições
são necessárias para perceber o risco: – deve existir a possibilidade de haver perda
ou dano (magnitude da perda); – deve haver uma possibilidade associada a essa
perda (possibilidade de perda); – deve haver uma exposição à perda.
Por todas as óticas é visível a simbiose que existe entre a atividade empresarial, o
risco e a possibilidade de sucesso ou insucesso. É da natureza dos negócios
empresariais a assunção ao risco de uma possível derrota, é da natureza humana a
aceitação do erro, da falha.
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com o poder público. O “estado da arte” atual pode – mas não necessariamente irá
– acarretar uma mudança nesses paradigmas.
O fato é que se instalou uma crise de conퟓ�ança e mesmo de crença nos sistemas
ퟓ�scais, tanto no que respeita à incidência e à cobrança de tributos propriamente dita,
quanto no que refere à destinação e ao uso do produto da arrecadação. Isso ퟓ�ca
evidentemente grave quando o Estado, além de arrecadar mal, não cumpre os
papeis a que destina, como no fornecimento de serviços públicos minimamente
adequados e na disseminação da corrupção nas estruturas de governo.
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Deve ퟓ�car claro, portanto, que inadimplência tributária nem sempre (ou quase
nunca) viola a livre concorrência e as normas afetas à ordem econômica, que,
inclusive, em nosso ordenamento constitucional, reúne disposições atinentes à
propriedade e à empresa.
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Quanto ao ponto, deve-se notar que a livre concorrência (art. 170, IV, CF/88) tem
como pressuposto a livre iniciativa, uma das expressões da liberdade geral e, ao lado
da valorização do trabalho, um dos declarados fundamentos da República brasileira
(art. 1º, IV) e da ordem econômica (art. 170, caput). É deퟓ�nitivo apontar, portanto,
que o reconhecimento da liberdade como um dos fatores estruturais e a aퟓ�rmação
da livre iniciativa como fundamento, indica uma ordem econômica intrinsecamente
contingente, preferindo-a aberta ao fracasso em detrimento de inverossímeis
certeza e eퟓ�ciência sem limites. Aퟓ�rmam-se, assim, a autonomia empreendedora e a
participação de todos, pelo trabalho, na conformação da atividade econômica.[6]
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Ora bem, a “ordem tributária” é composta por um conjunto de normas que atribuem
e limitam o poder de tributar e, assim, igualmente contém princípios e regras que
protegem o contribuinte. A lei penal, portanto, ao deퟓ�nir os crimes contra a ordem
tributária, não protege (somente) a arrecadação, mas, fundamentalmente, a eퟓ�cácia
das normas concernentes à tributação.
Nesta linha de ideias, ao prever, por exemplo, a legalidade (art. 150, I, CF/88) e,
dentro deste espectro, tanto quanto a ordem econômica admitir o livre exercício da
atividade econômica (art. 170, caput e IV), a ordem tributária remanesce hígida e
inatingida, para ퟓ�ns criminais, enquanto licitamente age o contribuinte, mesmo
inadimplente. Bastam, no caso, as já pesadas sanções administrativas e
pecuniárias, que submetem o patrimônio do devedor e até de terceiros aos
privilegiados meios de cobrança do crédito tributário.
Deve-se notar, ademais, que entre os crimes contra a ordem tributária estão
previstas condutas típicas praticadas por servidores públicos, o que evidencia
defesa não apenas da receita pública, mas, sim, da ordem jurídica tributária. Vide,
por exemplo, o crime de exação (art. 316, § 1º, Código Penal, na redação dada pelo
art. 20 da Lei n. 8.137/90). Ao custo de aplicarem-se dois pesos e duas medidas, a
evolução para um contexto normativo e social de admissão da criminalização da
inadimplência tributária deveria admitir a punição efetiva de servidores fazendários
que exigem tributos ou contribuições sociais que saibam ou deveriam saber
indevidos (como quando as Cortes Superiores assim os declararam em julgamentos
vinculantes); e, também, quando esses servidores utilizem meios vexatórios ou
gravosos não autorizados por lei, o que sói acontecer no dia a dia das ퟓ�scalizações
(ao utilizarem provas ilícitas, conduzirem procedimentos administrativos sem a
participação dos interessados, imporem multas desproporcionais).
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[3] (1986, p. 9)
[4] Cf. PEETERS, Bruno. GRIBNAU, Hans. BADISCO, Jo (Org.). Building Trust In
[5] TIPKE. Klaus. Moral Tributária do Estado e dos Contribuintes. Porto Alegre: Sergio
[6] FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Simulação e Negócio Jurídico Indireto no Direito
Tributário e à Luz do Novo Código Civil. In Revista Fórum de Direito Tributário, n. 48,
ano 8, nov.-dez./2010, pág. 18.
LUIZ EDUARDO ABARNO DA COSTA – Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito
Tributário (IBET) e Mestre em Direito Tributário pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Advogado e professor, na área.
PABLO LUIS BARROS PEREZ – Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) e pós
graduando do MBA Executivo em Direito da FGV/RIO. Advogado e professor.
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