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2019­3­16 Criminalização das atividades empresariais inexitosas ­ JOTA Info

DIREITO TRIBUTÁRIO

Criminalização das atividades empresariais inexitosas


Perspectivas da realização do crédito tributário na atualidade

LUIZ EDUARDO ABARNO DA COSTA


PABLO LUIS BARROS PEREZ

16/03/2019 06:04

Crédito: Pixabay

Não me fale no código de Hamurabi, dizia o professor Luciano Oliveira quando


criticava a pesquisa em direito no Brasil e seus constantes remontes históricos.
 Peço escusas ao professor. Não é possível enfrentar o tema proposto sem, ao
menos, reler a natureza da própria atividade empresarial.

A atividade mercantil é percebida no século IV a.C. na ‘República’ de Platão.


Transcendeu a construção do pensamento ocidental, passou pelos Fenícios no
século IX, pela Revolução Industrial e chegou nos séculos XX e XXI. Em seu percurso

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passou por muitas mudanças até chegar nos modernos conceitos de


empreendedorismo de Richard Canttlon.

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Seria tautológico remontar cada espaço-tempo da atividade comercial, mas cabe o


esforço para um elemento em especial: o risco. Desde o modelo mercantil grego, o
mesopotâmio e o europeu (sob uma ótica ocidental é claro) o elemento risco
sempre esteve entremeado na evolução da atividade comercial.

Justamente este é o ponto de partida para a compreensão da atividade empresarial:


a assunção do risco sob uma perspectiva de êxito ou derrota.

Sob várias óticas, a teoria do risco conjuga em si dois fatores tão elementares da
própria natureza dos atos humanos: o risco do sucesso (êxito) e o risco do
insucesso (derrota). Sem risco (sucesso ou insucesso) não há atividade mercantil,
sem risco não há atividade humana. É da assunção do risco que vem a capacidade
humana de se diferenciar dos demais de sua espécie, de se movimentar. Foi o risco
que construiu a espécie humana quando ainda era nômade e presa fácil aos
predadores pré-históricos.

Steiner Neto[1] em 1987, parafraseado March & Shapira[2], traz um moderno conceito
de risco “deퟓ�nido como re韖�exo das eventuais variações na distribuição dos retornos
possíveis, com as suas probabilidades e com os seus valores subjetivos”.
 Complementa ainda, com a visão de Maccrimmon & Wehrung[3], que três condições
são necessárias para perceber o risco: – deve existir a possibilidade de haver perda
ou dano (magnitude da perda); – deve haver uma possibilidade associada a essa
perda (possibilidade de perda); – deve haver uma exposição à perda.

Por todas as óticas é visível a simbiose que existe entre a atividade empresarial, o
risco e a possibilidade de sucesso ou insucesso. É da natureza dos negócios
empresariais a assunção ao risco de uma possível derrota, é da natureza humana a
aceitação do erro, da falha.

Criminalizar ou retirar do âmbito de licitude a possibilidade de derrota na atividade


empresarial é retirar-lhe a sua própria essência, é retirar-lhe o quesito humano de
sua existência.

O momento histórico é de re韖�exão quanto aos paradigmas da atividade econômica


e empresarial, especialmente no que se refere às intercessões do poder econômico

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com o poder público. O “estado da arte” atual pode – mas não necessariamente irá
– acarretar uma mudança nesses paradigmas.

Dentre os fatores que interferem na liberdade econômica e concorrencial, a


tributação é sabidamente um dos mais signiퟓ�cativos, seja no que se refere aos
processos decisórios internos e afeitos às estratégias empresariais, seja no que toca
à atuação direta do poder público na esfera jurídica privada, notadamente com os
atos de controle e ퟓ�scalização. Tradicionalmente, esses perímetros sempre foram
percebidos de maneira dissociada e os pontos de contato conduzidos de maneira
polarizada, basicamente reativa e con韖�itiva.

Nesse contexto, a tributação vive, inegavelmente, uma crise de legitimidade. No


Brasil e no mundo, a alegada redução das receitas públicas em contrapartida às
crescentes despesas estatais, a enviesada pressão dos reclamos de solidariedade
quanto à participação de todos no ퟓ�nanciamento da estrutura estatal, a onipresente
remodelagem dos padrões produtivos e comerciais atrelada a formas arrojadas de
(não) assunção de obrigações tributárias – para citar apenas alguns fatores –,
submetem à re韖�exão os paradigmas da dinâmica que há entre tributação, Estado e
sociedade.

O fato é que se instalou uma crise de conퟓ�ança e mesmo de crença nos sistemas
ퟓ�scais, tanto no que respeita à incidência e à cobrança de tributos propriamente dita,
quanto no que refere à destinação e ao uso do produto da arrecadação. Isso ퟓ�ca
evidentemente grave quando o Estado, além de arrecadar mal, não cumpre os
papeis a que destina, como no fornecimento de serviços públicos minimamente
adequados e na disseminação da corrupção nas estruturas de governo.

As desigualdades entre cidadãos, padrões culturais cívicos e de solidariedade social,


ퟓ�ssuras nos ambientes institucionais nacionais e internacionais, ideologias
partidárias e idiossincrasias políticas, além da pujança econômica e ퟓ�nanceira de
megacorporações constituem mais algumas das causas dessa perda de
credibilidade dos regimes tributários.[4] Alie-se a isso um cenário local estressado,
como o nosso, chega-se à receita para a instalação do caos institucional.

Em vista disso, grandes estruturas empresariais montam departamentos inteiros


voltados à análise de meios de otimização dos custos tributários de suas operações,
não raro as deslocando juntamente com os respectivos lucros e receitas. Da mesma
forma, contribuintes abastados fazem individualmente o mesmo, permitindo a
patrimônios in韖�ados renderem proporcionalmente cada vez menos encargos
tributários. O pequeno empreendedor, de seu lado, busca alternativas heterodoxas
para manter-se no mercado e sustentar a si e a sua família.

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Qual, então, a consequência imediata? Além da reprovabilidade social e política –


por vezes míope e histriônica –, o Estado passa a envidar sobejos esforços para não
perder e até aumentar suas receitas tributárias. Isso é inevitável e (deve ser)
legítimo. Até aí, tudo bem. O problema reside, então, muito mais nos meios
empregados do que exatamente na ퟓ�nalidade perseguida. E a depender dos
mecanismos utilizados, a consequência – supostamente destinada a arrefecer o
problema – na verdade o retroalimenta. Não é de hoje a aퟓ�rmação de que as
deퟓ�ciências da moral tributária de Estado e de contribuintes se implicam
reciprocamente.[5]

No caso brasileiro, a realização do crédito tributário – que, tecnicamente, pressupõe


a inadimplência do contribuinte – se dá por meio de um sistema complexo e
irracional e assume proporções dignas de nota. Somente em âmbito federal, a
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional registrava, em 2018, um estoque total de
R$ 2 trilhões em dívida ativa. Em 2017, a Receita Federal arrecadou R$ 1,34 trilhão e
lançou outros R$ 205 bilhões. E no Judiciário, 75% das execuções em tramitação,
são ퟓ�scais.

Na intenção de conter e reduzir os índices de inadimplência (o que, repita-se, aퟓ�gura-


se legítimo, mas difere dramaticamente da perseguição à sonegação), todo cuidado
é pouco com aퟓ�rmações apressadas, como a de que o reiterado não pagamento de
tributos acarreta, sempre e necessariamente, vantagens concorrenciais. O
empresário inadimplente estaria, então, em condições indevidamente favoráveis de
competição, porquanto sem o recolhimento dos gravames reduziriam-se as
despesas, de modo a diminuir preços e aumentar lucros. Em alguns casos, isso
efetivamente ocorre. Em outros, não. Diríamos, até, que, na maioria, não.

Quem pode categoricamente aퟓ�rmar que a inadimplência contumaz não decorre, ao


contrário, do aumento de despesas e da diminuição de receitas, oriundos de crises
econômicas setoriais ou generalizadas? Também da indesejada baixa anterior de
preços, imposta por condições de mercado ou mesmo por força maior e caso
fortuito? Ou de distorções causadas por políticas econômicas e ퟓ�scais desastrosas
e erráticas do próprio Estado-credor? Ainda, da complexidade, do anacronismo e da
incompreensibilidade do sistema tributário? Ou, ퟓ�nalmente, de infortúnios inerentes
a toda e qualquer atividade empresarial, submetida aos riscos do empreendimento
inexitoso?

Deve ퟓ�car claro, portanto, que inadimplência tributária nem sempre (ou quase
nunca) viola a livre concorrência e as normas afetas à ordem econômica, que,
inclusive, em nosso ordenamento constitucional, reúne disposições atinentes à
propriedade e à empresa.

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Quanto ao ponto, deve-se notar que a livre concorrência (art. 170, IV, CF/88) tem
como pressuposto a livre iniciativa, uma das expressões da liberdade geral e, ao lado
da valorização do trabalho, um dos declarados fundamentos da República brasileira
(art. 1º, IV) e da ordem econômica (art. 170, caput). É deퟓ�nitivo apontar, portanto,
que o reconhecimento da liberdade como um dos fatores estruturais e a aퟓ�rmação
da livre iniciativa como fundamento, indica uma ordem econômica intrinsecamente
contingente, preferindo-a aberta ao fracasso em detrimento de inverossímeis
certeza e eퟓ�ciência sem limites. Aퟓ�rmam-se, assim, a autonomia empreendedora e a
participação de todos, pelo trabalho, na conformação da atividade econômica.[6]

Desta maneira, a pretexto de se atingirem ퟓ�ns legítimos, arroubos retóricos


passionais e apelativos não podem conferir roupagem igualmente legítima a meios
que não se compatibilizam com a ordem jurídica constitucional e legal vigentes.
Constranger o empresário inadimplente – já sufocado e condenado à própria
liberdade – a restrições e penalidades concorrenciais se mostra excessivo e,
sobretudo, inconstitucional. Mesmo à sonegação, impõem-se cuidados no que
tange à repressão pelo direito da concorrência.

Não é somente aí, contudo, que vislumbramos abusos na repressão ao não


adimplemento de obrigações tributárias. O expansionismo penal ퟓ�scal vem
ganhando perigosa intensidade, o que se revela na implementação de tortuosos
mecanismos de transferência de responsabilidade pelo pagamento de tributos, de
bloqueio administrativo unilateral de bens, de desconsideração de negócios jurídicos
lícitos por suposta redução agressiva no pagamento de tributos, e, mais
signiퟓ�cativamente, de expressa criminalização da inadimplência ퟓ�scal, o que ocorreu
no recente julgamento do HC 399.109, pelo STJ.

Sem adentrar nos pormenores fáticos e das incongruências e ilegalidades do


entendimento formado na Terceira Seção, o fato é que a Corte Superior tratou de
considerar a inadimplência tributária como apropriação indébita, crime previsto no
2º, II, da Lei n. 8.137/1990. À semelhança da consideração da inadimplência como
violadora da livre concorrência, nem toda forma de não pagamento de tributos pode
ser incluída entre os tipos penais previstos na legislação. Na verdade, nos parecem
claros quais poderiam ser: quando o desconto ou a cobrança decorrem de
disposição legal expressa, v.g. as hipóteses de substituição e retenções tributárias.

O posicionamento mostra-se especialmente alarmante para aqueles casos em que o


contribuinte, tendo declarado um débito próprio de ICMS, não o recolhe, mesmo que
“cobrado” do adquirente da mercadoria, isto é, tendo transferido o encargo
econômico ao malsinado contribuinte “de fato”. A bem da verdade, banaliza-se,
assim, o Direito Penal como instrumento repressivo e de controle social.

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Ora bem, a “ordem tributária” é composta por um conjunto de normas que atribuem
e limitam o poder de tributar e, assim, igualmente contém princípios e regras que
protegem o contribuinte. A lei penal, portanto, ao deퟓ�nir os crimes contra a ordem
tributária, não protege (somente) a arrecadação, mas, fundamentalmente, a eퟓ�cácia
das normas concernentes à tributação.

Nesta linha de ideias, ao prever, por exemplo, a legalidade (art. 150, I, CF/88) e,
dentro deste espectro, tanto quanto a ordem econômica admitir o livre exercício da
atividade econômica (art. 170, caput e IV), a ordem tributária remanesce hígida e
inatingida, para ퟓ�ns criminais, enquanto licitamente age o contribuinte, mesmo
inadimplente. Bastam, no caso, as já pesadas sanções administrativas e
pecuniárias, que submetem o patrimônio do devedor e até de terceiros aos
privilegiados meios de cobrança do crédito tributário.

Deve-se notar, ademais, que entre os crimes contra a ordem tributária estão
previstas condutas típicas praticadas por servidores públicos, o que evidencia
defesa não apenas da receita pública, mas, sim, da ordem jurídica tributária. Vide,
por exemplo, o crime de exação (art. 316, § 1º, Código Penal, na redação dada pelo
art. 20 da Lei n. 8.137/90). Ao custo de aplicarem-se dois pesos e duas medidas, a
evolução para um contexto normativo e social de admissão da criminalização da
inadimplência tributária deveria admitir a punição efetiva de servidores fazendários
que exigem tributos ou contribuições sociais que saibam ou deveriam saber
indevidos (como quando as Cortes Superiores assim os declararam em julgamentos
vinculantes); e, também, quando esses servidores utilizem meios vexatórios ou
gravosos não autorizados por lei, o que sói acontecer no dia a dia das ퟓ�scalizações
(ao utilizarem provas ilícitas, conduzirem procedimentos administrativos sem a
participação dos interessados, imporem multas desproporcionais).

Se, por um lado, a fraude e a sonegação intencionais são contrárias à ordem


tributária – pois violam a legalidade, a isonomia, a capacidade contributiva, a livre
concorrência e não faz parte da livre iniciativa –, por outro lado, a inadimplência
decorrente do insucesso é amparada e admitida pela ordem constitucional e, de
conseguinte, pela ordem tributária, haja vista constituir uma indesejada
consequência lícita da atividade econômica. Desta feita, conquanto reprovável e, até,
punível, a inadimplência tributária não performa conduta típica apenável sob o pálio
do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90. A compreensão global do que signiퟓ�ca a ordem
tributária em termos normativos, juntamente com a compreensão especíퟓ�ca das
expressões “descontado” e “cobrado”, hão de nortear a análise da criminalização da
inadimplência e de todos os intentos fazendários tendentes à realização do crédito
tributário, sob pena de se criminalizar a atividade empresarial inexitosa,

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absolutamente impassível de ofender a ordem tributária e tampouco exigências de


solidariedade social.

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[1] STEINER NETO, P. J. 1998. “A percepção dos resultados esperados pelos

beneퟓ�ciários como fator de in韖�uência no processo decisório” (Tese de doutorado)


Orientador: Abraham Sin Oih Yu. Departamento de Administração da Faculdade de
Economia, Administração e Contabilidade da USP.

[2] (1987, p. 1404)

[3] (1986, p. 9)

[4] Cf. PEETERS, Bruno. GRIBNAU, Hans. BADISCO, Jo (Org.). Building Trust In

Taxation. Cambridge: Intersentia, 2017.

[5] TIPKE. Klaus. Moral Tributária do Estado e dos Contribuintes. Porto Alegre: Sergio

Antonio Fabris Editor: 2012, pág. 7.

[6] FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Simulação e Negócio Jurídico Indireto no Direito

Tributário e à Luz do Novo Código Civil. In Revista Fórum de Direito Tributário, n. 48,
ano 8, nov.-dez./2010, pág. 18.

LUIZ EDUARDO ABARNO DA COSTA – Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito
Tributário (IBET) e Mestre em Direito Tributário pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Advogado e professor, na área.
PABLO LUIS BARROS PEREZ – Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) e pós
graduando do MBA Executivo em Direito da FGV/RIO. Advogado e professor.

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