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Educação
sem
Descriminação
Organizadora: Dircenara dos Santos Sanger
Viamão - 2006
Volume 1
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Secretaria Municipal de Educação
Prefeitura Municipal de Viamão
Grupo de Trabalho Anti-Racismo de Viamão,
Viamão - Rio Grande do Sul - Brasil
Prefeito:
Alex Sander Alves Boscaíni
Vice-prefeito:
Sérgio Antonio Kumpfer
Diretor-geral de Educação:
Jussemar da Silva
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Conscientização! Esta é a mola mestra na formação do perfil de
um professor que se compromete a combater o racismo, o preconceito
e a discriminação, os quais não produzem nenhum benefício para a
escola ou a sociedade. Ao adotarmos essa postura combativa, percebe-
mos que estamos lutando contra algo que, na maior parte das vezes,
encontra-se mascarado atrás de valores historicamente cultivados e
normas sociais devidamente estabelecidas. Elas influenciam o agir e o
pensar da etnia dominante (branca) e por ora a etnia dominada (ne-
gra).
Ainda hoje, muitos profissionais não compreendem a importân-
cia que caracteriza tais encontros, por acreditarem que, por não pro-
moverem ações discriminatórias, elas não existam. Caso elas ocorram,
pensam que quanto mais salientarmos, mais discriminação estaremos
gerando. Tal ideologia deve ser modificada, pois a sua permanência
significa não dar voz ao aluno negro e estigmatizar o preconceito em
todo o colegiado.
Nosso encontro recebeu o apoio, estudo e principalmente a expe-
riência dos seguintes profissionais: Profª Ms. Dircenara dos Santos Sanger;
que situou o público presente da caminhada legal que está ocorrendo
para tornar realidade o resgate da cultura da história afro-brasileira e
Africana com o devido respeito que merecem todas as etnias formado-
ras do povo brasileiro. Com a professora especialista Vera Néusa Lopes
foi destacada a importância do cumprimento das leis anteriormente
citadas e atitudes mais efetivas por parte dos órgãos competentes
quanto a não instalação da Lei 10.639 nos currículos escolares. A Pro-
fessora Ms. Lúcia Brito enfatizou a necessidade de ações mais concre-
tas e objetivas dos professores, na busca de inclusão do seu aluno
negro, desvelando a todos uma cultura rica e merecedora de admira-
ção e resgate. Junto a Professora Vera Rosane R. de Oliveira, fomos
convidados a refletir sobre a diversidade étnica racial com que nos
deparamos em sala, porém os currículos insistem em permanecer com
uma estrutura igualitária, não tendo como relevância as diferentes
construções históricas escritas por cada etnia e de suprema importân-
cia para o cidadão e cidadã que hoje caracteriza o perfil da nossa
cidade. O professor Ms. Euzébio Assumpção aproximou o imaginário da
real divisão política que constitui a África, sendo importantíssimo não
esquecer que a África é um continente formado por vários países numa
ampla diversidade cultural, fator este preponderante no êxito obtido
pelo sistema escravocrata. Através da Professora Especialista Maria Juraci
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Assis, fomos subsidiados com ativida-
des e indicações bibliográficas, que po-
dem ser exploradas no Ensino Infantil
e Fundamental e como podem reper-
cutir positivamente na auto-estima do
aluno negro. Já a Professora Especia-
lista Carmem Suzana S. de Lima, in-
dicou como caminho à organização
de um currículo interdisciplinar em
que todos os professores tenham
preparo e sensibilidade de atuarem com
praticidade nas disciplinas que estão à frente, na reversão
desta sociedade que teme revelar a feia face do preconceito racial com
que foi forjada.
E, para encerrar o nosso encontro,
fomos sensibilizados pela Professora Lair
Vidal a entrar na magia dos mitos e
lendas africanas e a sua ligação com a
religião praticada pelos
afrodescendentes, que com toda pro-
priedade podem fazer parte da Hora
do Conto das nossas crianças, tendo
como destaque os personagens ne-
gros como protagonistas positivos
nestas histórias.
Nunca conseguimos atingir a todos, porém acreditamos que al-
gumas sementes sempre germinarão e com isto velhas práticas serão
questionadas, tendo como resultado fi-
nal professores mais comprometidos na
busca do respeito às diferenças, mas
que almejam igualdade de direitos a
todas etnias ora desvalorizadas.
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A EDUCAÇÃO e a importância
do Grupo de Trabalho Anti-Racismo
na elaboração de políticas afirmativas
13
Municipal no ano 2003. O conteúdo deste programa reserva vagas atra-
vés de cotas em concursos, convênios em contratações de mão-de-
obra, estágios remunerados, contratações de cargos de confiança e
por tempo determinado na administração pública municipal e, ainda
orientarão critérios para incentivar as empresas privadas para a
contratação de funcionários negros. Esta iniciativa levou Viamão a ter
hoje leis municipais, encaminhadas pelo executivo e legislativo tornan-
do-se um avanço surpreendente e ganhando destaque nacional na su-
peração do racismo, tendo a lei 3.197/2003- que reserva 20% das va-
gas para estudantes afro-brasileiros, a lei 3.210/2004, que reserva 44%
das vagas nos cargos efetivos para afro-brasileiros e a lei 3217/2004
que reserva 44% das vagas nos cargos comissionados para afro-brasilei-
ros, como exemplo a ser seguido.
Com a criação da SEPPIR (Secretaria Especial de Políticas de Pro-
moção da Igualdade Racial), em 2003, Viamão é convidado a participar
do Fórum Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Este
fórum é composto por governos estaduais e prefeituras de norte a sul
do país, onde no seu primeiro encontro foi priorizado 3 eixos para
atender as demandas do povo negro: Educação, Quilombolas e Mercado
de Trabalho. Dos três eixos foi priorizada a educação, tendo em vista a
discussão em torno da Lei 10.639, que estava tão voga na agenda do
Movimento Negro Nacional. Nesse sentido, criou-se uma expectativa
para o avanço das políticas raciais, principalmente nas escolas públicas
municipais, e a possibilidade da inserção da temática da História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana, bem como a Educação para as Rela-
ções Étnico-Raciais.
O papel fundamental da educação em relação à desconstrução do
racismo é levar a comunidade escolar à herança deixada e esquecida.
Para tanto, deve buscar nos quilombos e nos terreiros de matriz africa-
na, localizados no município, a história dos descendentes de africanos
mostrando sua verdadeira participação na construção da sociedade
viamonense. Quando a escola se propõe a fazer este trabalho, está
possibilitando as crianças negras a construírem uma identidade positiva
e as crianças de outras etnias a conhecerem uma história que na mai-
oria das vezes não chegam a ter contato. O conhecimento de distintas
culturas e histórias, certamente oportunizará às nossas crianças um
desenvolvimento mais saudável e também a construção de uma cidada-
nia com respeito às diferenças.
A educação tem sido um dos pilares que o GTA tem se debruçado.
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Um outro ponto fundamental nas atividades desen-
volvidas pelo Grupo de Trabalho tem sido a Semana
da Consciência Negra do município de Viamão. A
partir de 2002, esta semana teve um novo for-
mato, fato ocorrido devido à criação do decreto
executivo 088/2002. O decreto regulamenta as
atividades e a programação a serem realizadas
na Semana Municipal de Consciência Negra.
Porém, o diferencial dado com base no decreto
é justamente a participação efetiva da socie-
dade civil na programação e a importância dos
eventos como forma de debate, reflexão e
conscientização dos problemas vividos pelos ne-
gros nas localidades e na sociedade em geral.
Com esta nova dinâmica abre-se para uma
discussão que se insere durante todo o ano nas
escolas municipais, em diferentes secretarias do
governo e nos mais diversos setores do tecido so-
cial.
E assim vamos caminhando para somar nas
relações entre os diferentes cidadãos viamonenses
que nos seus 263 anos de história e com uma
herança açoriana sempre teve uma população
negra marcante e, se comparada ao resto do
Estado, possui em sua grande maioria indivídu-
os de raça negra. Indivíduos estes que nunca
tiveram sua história devidamente contada ou pesquisada. Es-
tas iniciativas nos levam a estudar e criar novas perspectivas para a
comunidade negra de Viamão, seja por meio de leis, ou, por ações da
própria comunidade que irão beneficiar não somente a população afro,
mas o conjunto dos mais de 250 mil habitantes.
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Educação para TODOS:
políticas de ação afirmativa
1
Doutoranda e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Especialista
em Gestão Educacional – UFSM, Pesquisadora do TRAMSE (Trabalho, Movimentos Sociais e
Educação) e Conselheira da Organização de Mulheres Negras – Maria Mulher.
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abordados neste artigo: começo trazendo alguns percentuais das pes-
quisas na área educacional, após situo as políticas de ação afirmativa
no cenário mundial, continuando trago o conceito de ação afirmativa e
no término deste trabalho abordo a Lei 10.639 e as possibilidades que
esta oferece pela primeira vez na história da educação brasileira.
18
Teixeira (INEP) destaca no seu Informativo nº 88 de 11 de maio de
2005 a pesquisa realizada pelo Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios, 2003) / IBGE menciona que: pretos e pardos, na faixa etária
de 15 a 17 anos, que não concluíram o ensino fundamental somam
63,6%, enquanto os brancos e amarelos na mesma faixa são 37,8%. Na
faixa seguinte – de 18 a 24 anos – na mesma situação de desvantagem
na escolarização: há 44,3% de pretos e pardos contra 23,1% de brancos
e amarelos.
Partindo do pressuposto de que a população de 15 anos ou mais
que não concluiu o ensino fundamental é predominantemente pobre, é
razoável supor que pretos e pardos pobres estão em pior situação do
que os brancos e amarelos pobres. Nesse ponto do texto cumpre desta-
car os percentuais que revelam a questão não sendo simplesmente de
classe social, mas também de cunho racial: Em 1999, entre as famílias
brancas pobres, vemos que 21% das crianças de 7 anos não freqüentam
a escola, enquanto que esse valor é de 30,5% entre as famílias negras
pobres;
Analisando a população brasileira como um todo, constatamos que
apenas 20,4% dos alunos de 15 anos conseguem finalizar este nível de
ensino. Quando consideramos essas informações sob o recorte racial
observamos que 29,2% dos brancos completam o ensino fundamental e
apenas 11,5% dos negros chegam a este resultado. Após essa breve
contextualização de dados estatísticos confirmando a desigualdade en-
tre brancos e negros na educação e na sociedade de maneira geral,
passo a discutir as políticas de ação afirmativa como uma forma de
superação deste quadro.
Novos horizontes –
política de ação afirmativa através da Lei 10.639/03
Desde o dia 9 janeiro de 2003 foi promulgada a Lei Federal 10.639
que altera a Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para incluir no currículo oficial
da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira”.
A lei 9.394 passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A, 79-
A e 79-B:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio,
oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e
Cultura Afro-Brasileira.
§ 1º. O conteúdo programático a que se refere o caput deste
artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos
negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da
sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas
social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2º. Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira
serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial
nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileira.
Art. 79-A. (Vetado);
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como
“Dia Nacional da Consciência Negra”.
Depois de feita a explicitação do que diz a lei, destaco rapidamen-
te ainda o artigo 79-A que foi vetado e que tratava em seu conteúdo de
um item fundamental para que a lei fosse realmente apropriada pelo
corpo docente das escolas: a formação de professores. Nesse sentido,
gostaria apenas de fazer uma reflexão que merece talvez, um outro
artigo, porque justamente onde deveria haver o comprometimento
das instâncias governamentais na formação dos professores com rela-
ção à lei o artigo é vetado?
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Seguindo na legislação, o Conselho Nacional de Educação (CNE/CP
Resolução 1/2004) institui:
Art.1º A presente Resolução institui Diretrizes Curriculares Nacio-
nais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a serem observadas pelas
instituições de ensino, que atuam nos níveis e modalidades da Educa-
ção Brasileira e, em especial, por instituições que desenvolvem progra-
mas de formação inicial e continuidade de professores.
Com isso, as secretarias de educação e os cursos de formação de
professores estão comprometidos a abordarem o assunto de maneira
responsável para que a lei seja adequadamente implementada nas es-
colas de todo o país. A educadora Jeruse Romão em entrevista ao
Jornal Irohin destaca seis desafios para implementação da Lei. Um
deles diz respeito justamente à formação de professores e sua preocu-
pação com o assunto: “Estamos escrevendo um capítulo sem preceden-
tes na história da educação do país. Um capítulo em que os excluídos
retornam à escola para ensinar/educar o sistema que os exclui. [...]
recomendo que as organizações negras brasileiras com excelência no
tema de educação se conveniem com os sistemas de educação formais
e certifiquem estes [...]”.
Dessa forma, não podemos tratar esta Lei como um curso/ofici-
na/seminário de tantas horas e depois ser esquecida pelas escolas. A
Lei deve ser abordada na escola durante todo o ano, e não somente em
novembro (mês que reflete o Dia Nacional da Consciência Negra). Deve
estar incluída no currículo, no projeto político-pedagógico, nas reuni-
ões de formação de professores e outros espaços que for possível o
tema ser discutido, inclusive na sala de aula pensando numa educação
para todos, que não exclua o ALUNO NEGRO.
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22
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24
Educação Escolar
e INCLUSÃO ÉTNICO-RACIAL
Aspectos a considerar no cumprimento
da legislação que trata da questão afro-brasileira
1
Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais. Especialista em Planejamento da Educação. Professora
e Técnico em Educação do Sistema Estadual de Ensino/ RS. Integrante do Coletivo Estadual de
Educadores Negros APNs/RS. Membro Efetivo do GT de Acompanhamento e Avaliação da Implanta-
ção do Parecer CNE/CP/ 003/ 2004 e da Resolução CNE/ CP 001/ 2004. Membro do GT de Implan-
tação e Implementação do Programa de Educação Anti-Racista da PROREXT/ UFRGS.
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nação. Elas se tornam racistas (com repertórios e práticas racistas),
preconceituosas e discriminadoras no convívio social, em diferentes
grupos e, de modo muito particular na família e, também na escola. As
pessoas não se dizem racistas, mas a observação de diferentes situa-
ções de vida nos indica a existência de práticas racistas no quotidiano
dos brasileiros.
Trabalhando a partir de valores euroetnocêntricos, o sistema de
educação brasileiro leva crianças e adolescentes afro-brasileiros e indí-
genas a se sentirem inferiores e a serem considerados como tal pelos
demais, ao conviverem com imagens estereotipadas, em confrontos
diários com manifestações racistas, que causam danos psicológicos e
morais, muitas vezes irreparáveis, bloqueando o desenvolvimento da
identidade pessoal, étnica e cultural dos mesmos. Tais práticas muito
contribuem para que os marginalizados (negros e indígenas), entre
outros, tenham dificuldade de acesso a condições dignas de sobrevivên-
cia como cidadãos.
O desconhecimento da cultura e da história dos afro-brasileiros
escamoteadas da historiografia oficial, muito contribui para a não-
valorização de parcela expressiva da população. O brasileiro, de modo
geral, sabe muito pouco a respeito da contribuição do negro e do
indígena para o desenvolvimento da nossa sociedade. No caso dos afro-
brasileiros, os conhecimentos costumam ir da chegada do africano es-
cravizado ao Brasil, na condição de mercadoria, descalço, semi-nu,
selvagem até 13 de maio de 1888, tida como a data da redenção, da
libertação do negro escravizado, quando na verdade foi oficializada,
então, a exclusão: sem-teto, sem-terra, sem-trabalho e sem direito à
educação.
Segundo Santos, no âmbito da escola e das práticas escolares
formais se impõem “goela abaixo” os valores branco-ocidentais como
“valores universais” a serem incorporados, assimilados, cumpridos e
não questionados. Os outros valores são apresentados, no mínimo,
como pertencentes a alguma pré-história da “evolução branco-oci-
dental”, portanto “exóticos e primitivos”.
• Princípios
* Consciência política e histórica da diversidade, destacando,
entre outros aspectos: a igualdade básica entre as pessoas, como su-
jeitos de direitos; a diversidade étnico-racial dos grupos formadores da
sociedade; a história dos povos africanos e a cultura afro-brasileira; a
necessidade de superação das diferenças, injustiças e desqualificações
com que o negro, o indígena e as classes populares são tratados; a
necessidade de desconstrução de idéias e de comportamentos alimen-
tados pela ideologia do branqueamento.
* Fortalecimento de identidades e de direitos, orientando, entre
outros, para: o processo de afirmação de identidades, de historicidade
negada ou distorcida; a necessidade de romper com imagens negativas
referentes a negros e povos indígenas.
* Ações educativas de combate ao racismo e a discriminações,
encaminhando, por exemplo, para: a crítica de representações de ne-
gros e de outras minorias em livros didáticos e outros materiais; a
valorização da oralidade, da corporeidade e da arte, como marcas da
cultura de raiz africana ao lado da escrita e da leitura; a construção de
projeto político-pedagógico e planos curriculares que contemplem a
diversidade étnico-racial.
• Objetivos
* Divulgar e produzir reconhecimentos, bem como atitudes, postu-
ras e valores que eduquem cidadãos quanto à pluralidade étnico-racial,
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tornando-os capazes de interagir e de negociar objetivos comuns que
garantam, a todos, respeito aos direitos legais e valorização de identi-
dade, na busca da consolidação da democracia brasileira.
* Reconhecer e valorizar a identidade, a história e a cultura dos
afro-brasileiros, bem como garantir o reconhecimento e igualdade de
valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indíge-
nas, européias, asiáticas.
29
conhecimento sobre relações étnico-raciais e história e cultura afro-
brasileiras e africanas, fazendo disso, condição basilar para a promo-
ção da igualdade racial.
Na escola de qualidade de que estamos falando, as crianças e
adolescentes, conforme afirma Berman, além de aprenderem a relaci-
onar-se com aqueles com os quais se estabelece bastante facilmente
uma afinidade, as crianças e os jovens precisam examinar as percep-
ções que têm das pessoas diferentes delas, se desejam incluir uma
gama de diferenças entre aqueles por quem se interessam. À medida
que aprendem a ver com olhos penetrantes os motivos pelos quais
gostam de certas pessoas e não gostam de outras, as crianças podem
descobrir maneiras de interessar-se por pessoas que lhes pareçam di-
ferentes.
Nessa escola a idéia de identidade cultural, conforme entende
Hernandez é sempre mais complexa do que seu reducionismo vincula-
do a uma nação, um território, uma religião, uma língua ou uma
etnia. Essa instituição é, assim, geradora de cultura que advém do
encontro dos diversos e do partilhamento dos saberes.
Sob a ótica das relações étnico-raciais, é preciso repensar a esco-
la, para que alcance condições de excelência, levando em conta, ainda
conforme o mesmo autor, uma perspectiva relacional do saber que
supõe ensinar a:
a) Questionar toda forma de pensamento único, o que significa
introduzir a suspeita sobre as representações da realidade baseada em
verdades estáveis e objetivas;
b) Reconhecer, diante de qualquer fenômeno que se estude, as
concepções que o regem, as versões da realidade que representam e as
representações que tratam de influir em e desde elas;
c) Incorporar uma visão crítica que leve a perguntar-se a quem
beneficia essa visão dos fatos e a quem marginaliza...
d) Introduzir, diante do estudo de qualquer fenômeno, opiniões
diferenciadas, de maneira que o aluno comprove que a realidade se
constrói desde pontos de vista diferentes, e que alguns se impõem
frente a outros nem sempre pela força dos argumentos, e sim pelo
poder de quem os estabelece.
30
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dade, 2003.
31
32
EDUCAÇÃO AFRO-Brasileira:
Ação para uma Educação Inclusiva
Boa tarde!
Este curso além de atender à Lei 10.639 é uma das grandes reivin-
dicações do Movimento Social Negro brasileiro, quando trata da intro-
dução das africanidades brasileiras no currículo escolar. No dizer de
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva é,
“o que se refere às raízes da cultura brasileira que têm origem
africana nos modos de ser, de viver, de organizar suas lutas, próprios
dos negros brasileiros, e de outro lado às marcas da cultura africana
que, independente da origem étnica de cada brasileiro, fazem parte
do seu dia-a-dia2 ”.
E vem, em parte, suprir à necessidade de uma formação continu-
ada e inicial de trabalhadoras/es em educação com base em novos
parâmetros preconizados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), Lei nº 9.394/96, alterada pela inserção do artigo 26-A,
referido na Lei 10.639/03, da Resolução 1/2004 e do Parecer nº 003/
2004, do Conselho Nacional de Educação, que institui as Diretrizes
Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas a serem executados pelos
estabelecimentos de ensino nos diferentes níveis e modalidades, ca-
bendo aos sistemas de ensino, no âmbito de sua jurisdição, orientar e
promover a formação de professores e supervisionar o cumprimento
1
Doutoranda no PPG em História – PUCRS, Bolsista do Programa Internacional de Bolsas de
Pós-Graduação da Fundação Ford, Integrante de Maria Mulher – Organização de Mulheres Negras,
Coordenadora do GT Negros: História, Cultura e Sociedade.
2
SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e. “Aprendizagem e ensino das africanidades brasileiras”. In
MUNANGA, Kabengele (org.). Superando o racismo na escola. 2ª ed. Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Fundamental, 2001.
33
das Diretrizes3 . São estas as bases que norteiam o desenvolvimento do
presente texto e visam contribuir para uma educação, uma sociedade
inclusiva e sem discriminações de qualquer ordem.
O tema que ora discutimos é complexo, envolve significativas di-
mensões, sejam elas históricas, psicológicas, culturais, sociais, religio-
sas, etc. Tentaremos dentro deste universo pinçar alguns elementos
que nos parecem significativos a fim de que possamos contribuir para
novos olhares e novas ações no contexto escolar.
Iniciaremos nossa exposição a partir de alguns elementos históri-
cos e conceituações de termos que contextualizam o racismo, a discri-
minação racial e a invisibilidade, consciente ou não, dimensões que
contribuíram e contribuem para o silenciamento, a reprodução do status
quo, e a conseqüente exclusão das educandas e educandos negros dos
bancos escolares.
Desta forma é importante que conheçamos alguns conceitos que
nos acompanham no dia-a-dia, mas que, na verdade, desconhecemos o
seu real significado. O preconceito se caracteriza pelo conceito ou opi-
nião formados antecipadamente, sem maior ponderação ou conheci-
mento dos fatos; é uma idéia pré-concebida, julgamento ou opinião
formada sem levar em conta o fato que os conteste. Assim como, o
preconceito, o estereótipo está no campo das idéias, isto é, é um
processo interno subjetivo e geram, por extensão, suspeita, intolerân-
cia, ódio irracional ou aversão a outras raças, credos ou religiões.
No campo das ações está a discriminação que se caracteriza pelo
ato ou efeito de discriminar, pela faculdade de distinguir, de discernir,
de separar. No sentido pejorativo causa a apartação e a segregação
racial.
Igualmente, nesta dimensão está o racismo que caracteriza-se pela
doutrina que sustenta a superioridade de certas raças e generaliza-
ções, estigmatizando qualquer indivíduo de determinado grupo sem
levar em conta as variações entre seus membros.
A raça, biologicamente falando, constitui-se em um conjunto de
indivíduos cujos caracteres somáticos, são semelhantes e são transmi-
tidos por hereditariedade, embora variem de indivíduo para indivíduo,
tais como cor da pele, a conformação do rosto e do crânio, o tipo de
cabelo, ou o conjunto de ascendentes ou descendentes de uma família,
de um povo ou de uma tribo, que se originam de um tronco comum.
3
Eliane dos Santos Cavalleiro, Coordenadora-Geral de Diversidade e Inclusão Educacional/MEC/
SECAD/CGDIE, mimeo, s/d.
34
Destacamos aqui que o nosso entendimento da idéia de raça diz
respeito a um conceito sociológico criado historicamente para situar
determinadas populações em situações de privilégio ou exclusão.
Outro aspecto importante a ser lembrado diz respeito à
implementação de políticas públicas. Para que tal procedimento se con-
cretize de fato são necessários dados da realidade, caso contrário, a
política pública não é implementada. Daí a necessidade de enfatizarmos
os números da evasão escolar e insistirmos para que os dados por cor
sejam incluídos em todos os procedimentos oficiais das três instâncias
governamentais. Outro ponto a destacar refere-se ao fato de que ao
falarmos em discriminação não estamos nos referindo a uma pessoa e,
sim ao coletivo de uma população que, historicamente vivencia as ar-
madilhas do sistema excludente da sociedade brasileira.
Nesta ótica, estão as ações afirmativas que se originaram a partir
da implementação nos Estados Unidos no final dos anos 50 do século XX
da Lei dos Direitos Civis. A expressão Ação Afirmativa foi criada em
1963 pelo presidente Jonh Kenedy significando: “um conjunto de polí-
ticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou volun-
tário, concebidas com vistas ao combate da discriminação de raça,
gênero, bem como, para corrigir os efeitos presentes da discrimina-
ção praticada no passado”.
Os objetivos das Ações Afirmativas são: induzir transformações de
ordem cultural pedagógica e psicológica, visando tirar do imaginário
coletivo a idéia de supremacia racial versus subordinação racial e/ou de
gênero; coibir a discriminação do presente; eliminar os efeitos persis-
tentes (psicológicos, culturais e comportamentais) da discriminação do
passado, que tendam a se perpetuar, que se revelam na discriminação
estrutural; criar as chamadas personalidades emblemáticas para servi-
rem de exemplo às gerações mais jovens através da educação (Gomes:
2001, 6).
Posto isto, vamos retomar um pouco da história do sistema educa-
cional implementado no Brasil desde a sua ocupação. No período coloni-
al a educação estava a cargo dos jesuítas, que estavam imbuídos em
converter e defender os nativos da terra. Quanto aos escravizados
estes estavam fora do sistema educacional regular. Em 1835 foi legal-
mente determinada a proibição dos mesmos de freqüentarem a escola.
Na época do império esta sistemática persistiu, sendo alterada a partir
dos debates relativos à abolição no Brasil.
O autor Marcus Vinícius discorre sobre a posição das elites brasilei-
35
ras em relação à educação, visto que as práticas educacionais “eram
realizadas no espaço privado e em meio ao cotidiano da sociedade
escravista, tendo como objetivo formar trabalhadores adaptados á
escravidão”4 . A partir daí os debates se darão na direção de práticas
educativas mais próximas daquilo que se conhece hoje como educação
moderna, isto é, a escolarização realizada fora do espaço privado, em
espaço público, na escola propriamente dita. Neste contexto, pela pri-
meira vez, a educação de escravizados e seus descendentes foi defini-
da como uma atribuição legal no sentido da inclusão ao sistema oficial
de ensino.
Os discursos parlamentares passaram, então, a incluir as crianças
negras. A Lei 2040 ou Lei do Ventre Livre, de 28/09/1871, estabelecia
que às crianças negras ao saírem da tutela do senhor deveriam ir para
uma instituição. Instituição esta criada com o fim de ensinar os rudi-
mentos agrícolas e noções básicas de ler, escrever e contar.
Aqui vale destacar as dimensões entre educação privada e a públi-
ca. Àquela estava atrelada à exploração do trabalho e essa última,
além da utilização das crianças na prestação de serviços deveria dar um
mínimo de escolarização. Sintetizando,
“A educação foi valorizada como instrumento capaz de construir
o perfil ideal para negros na sociedade livre, garantindo que eles
continuassem nos postos de trabalho mais baixos do processo produti-
vo e que não subverteriam a hierarquia racial construída ao longo da
escravidão, pois esta hierarquia era fundamental para um País que
objetivava manter vivas as suas origens européias...” (Fonseca: 2002,
59).
O que podemos extrair do processo de discussão sobre a educação
dos filhos livres de mulher escravizada e concordando com as conclu-
sões de Fonseca é que: a) a maioria das crianças foram criadas e
educadas pelos senhores de suas mães; b) ao se aproximar à abolição a
educação dos ingênuos deixou de ser uma preocupação em relação à
superação da escravidão para transformar-se em uma questão relativa
à infância pobre e desamparada no Brasil.
Exemplo da pouca eficiência desta discussão foi o episódio A Revol-
ta da Chibata, ocorrida em 1910 no Rio de Janeiro e liderada pelo
gaúcho de Encruzilhada do Sul, João Cândido que se rebelou contra os
maus tratos infringidos aos marinheiros na Marinha. Portanto, vinte e
4
FONSECA, Marcus Vinícius. A Educação dos negros: uma nova face do processo de abolição da
escravidão no Brasil. Bragança Paulista: EDUSF, 2002.
36
dois anos após a abolição numa instituição pública ainda predominavam
a pedagogia do castigo, herança triste do período escravista.
A educação tomará novos contornos a partir da Revolução de 30
onde se estabelece o processo de higienização da educação, isto é,
cria-se o Ministério da Educação e Saúde que sistematiza a escola com
as características semelhantes as atuais.
Quanto a questões pedagógicas e de funcionamento destacamos
aspectos que permanecem e se reproduzem na escola atual. Entre eles,
a ausência de memórias coletivas restringe à educação em um pólo
eurocêntrico onde as diferentes figuras de linguagem alojam o precon-
ceito e atitudes discriminatórias que permeiam todo o cotidiano esco-
lar, inclusive os instrumentos de trabalho sejam materiais didáticos,
sejam materiais visuais ou audiovisuais estão carregados de conteúdos
viciados, depreciativos e preconceituosos em relação a questões de
gênero, da comunidade indígena e da comunidade negra. Exemplificamos
com as representações contidas nestes materiais didáticos onde na
maioria das vezes,
“a humanidade e cidadania é representada pelo homem branco e
de classe média. A mulher, o negro, os povos indígenas são descritos
pela cor da pele ou pelo gênero para expressar a sua existência”
(Silva: apud: Munanga: 2001: 15).
Isto pode ser traduzido de uma forma, aqui muito simplificada,
como integrante de uma estrutura mental herdada da democracia ra-
cial, que criou mecanismos na nossa própria educação e formação nos
impedindo, na maioria das vezes, de perceber e admitir ações racistas
e preconceituosas na escola. Assim, muitas educadoras e educadores
desconhecem o tratamento adequado numa situação de racismo e dis-
criminação. A ausência de uma memória coletiva é responsável pela
falta de identidade de educadoras e educadores, de educandas e
educandos e em conseqüência ocorre o precoce abandono dos bancos
escolares. E, quando são apontadas causas para tal acontecimento a
questão racial passa despercebida. Essa é uma das conseqüências da
falta de uma memória coletiva que no dizer de Joseph Kizerbo se
traduz em, “Um povo sem história é igual a um indivíduo sem memó-
ria” (Apud: Munanga: 2001, 8).
Esta estrutura herdada faz com que esqueçamos que o preconcei-
to e a discriminação foram criados e são produtos das culturas huma-
nas transformando-se em arma ideológica para legitimar e justificar a
superioridade de uns grupos sobre outros.
37
A maneira de agir, de pensar e relacionar o preconceito com a
ignorância das pessoas põe a culpa no indivíduo e não na estrutura
social. Assim, é projetada a superação das desigualdades no domínio da
razão, ou seja, onde a educação é mais desenvolvida o racismo seria
um fenômeno raro. Ou na lógica da razão científica, onde não existem
raças superiores e inferiores. E da moral cristã que diz que somos todas
e todos iguais perante Deus, entretanto, estas formas de pensar e de
agir não modificam por si só o imaginário e as representações coletivas
que se tem das populações excluídas em nossa sociedade.
Nesta ótica temos algumas questões que se estabelecem como
desconstruções do senso comum que permeia o pensamento da maioria
das colegas e dos colegas envolvidos com a educação.
Assim, temos as seguintes questões: “Não há necessidade de tra-
balhar este tema, pois na minha escola não existe isto; O deslumbra-
mento em realizar alguma atividade referente ao tema africanidades
na escola; O racismo vem dos próprios negros; Vocês têm um discurso
muito raivoso e ofensivo; Quem é negro no Brasil?; Todos nós temos
um pé na cozinha/África; Prá que cotas? Esta não é uma forma de
discriminar os negros?; As cotas devem ser prá pobres; O governo deve
se preocupar e melhorar a educação fundamental”.
Diante destas questões sugerimos algumas estratégias de ação que
são fundamentais para a desconstrução de estigmas que povoam o
nosso imaginário e nossas ações. Entre elas, a necessidade de nos dar-
mos conta que o preconceito, o racismo e a discriminação estão im-
pregnados na nossa formação, assim, devemos estar atentas e atentos
nas nossas ações e naquilo que nos cerca. As ações referentes ao tema
das africanidades na escola têm seu mérito ao serem desenvolvidas por
aquelas e aqueles que se interessam pelo tema, entretanto, temos que
ter em mente que esta é uma ação que envolve muito mais que uma
educadora ou um educador. É uma ação que perpassa todos as instânci-
as da escola abrangendo todos os segmentos e as áreas de conhecimen-
to.
Em relação ao racismo dos próprios negros, lembramos que isto foi
uma instância historicamente construída e está impregnada em nossas
subjetividades, assim, a reprodução dos estereótipos atinge a todas e
todos. Quando dizemos que os próprios negros são racistas, estamos
nos posicionando do lado dos opressores, isto é, somente eles podem
ter este sentimento.
Quanto ao pertencimento “todas/os temos um pé na África”, existe
38
uma apropriação cultural pela sociedade hegemônica, entretanto os
dividendos, sociais e econômicos não são eqüitativamente divididos.
Em relação às cotas na universidade, estas, são apenas uma das ações
afirmativas e visam reparar de forma emergencial uma disparidade
vivenciada historicamente por um grupo. Nas ações afirmativas estão
incluídas a melhoria da educação básica, a garantia do acesso, da per-
manência com sucesso na escola, atenção à saúde, à habitação e ao
trabalho. No que se refere aos pobres, a população negra integra a
maioria deste grupo, entrementes, a questão racial ultrapassa a di-
mensão da classe.
A inclusão da cultura afro-brasileira e africana a partir da Lei 10.639
dá o caráter de obrigatoriedade a todas as ações nos sistemas de
ensino e em todos os seus níveis e modalidades. Desta forma temos
que retomar a História da África desde os seus primórdios e relacionar
a sua ligação com o Brasil. Retomar a sua produção tecnológica e as
contribuições no desenvolvimento da sociedade brasileira.
Para tanto, na educação formal institucionalizada é necessário en-
volver todas as áreas de conhecimento a fim de conhecermos as contri-
buições do povo negro nas áreas do comércio, da metalurgia, nas téc-
nicas da mineração, nas técnicas de plantação, na medicina, nas técni-
cas da construção civil, na confecção de tecidos, nas artes plásticas, na
música, na literatura, na preservação da cultura, da religião e da famí-
lia.
No desenvolvimento de tal ação é fundamental o planejamento
participativo e o envolvimento de todas as instâncias da escola, bem
como o envolvimento da comunidade em seu entorno. A pesquisa sócio-
antropológica é um caminho de grandes descobertas, pois além de
envolver a comunidade descortinará dimensões antes ocultadas e
desconsideradas pela cultura dominante. Estas são algumas estratégias
na área das relações interpessoais e da construção do conhecimento
que, fazendo parte dos currículos em todas as suas dimensões, permi-
tirão que os diferentes grupos se vejam no conhecimento historica-
mente acumulado. Desta forma estaremos trabalhando no sentido de
que educandas e educandos dos diferentes grupos étnicos da sociedade
brasileira sintam-se como partícipes ativos do processo de formação da
sociedade brasileira.
Sabemos da importância da educação familiar e da educação esco-
lar sistematizada, no entanto, não existem fórmulas educativas pron-
tas na busca de soluções contra o racismo e a discriminação. Mas reco-
39
nhecer que a sociedade brasileira e suas estruturas são racistas e
discriminatórias é de fundamental importância. Isto nos implica a atu-
ar de forma radical na transformação da nossa estrutura mental her-
dada da democracia racial. Assim, devemos estar vigilantes quanto a
nossa falta de entendimento e a nossa indiferença em relação a proble-
mas, como a restrição ao acesso, a permanência efêmera, a evasão e
a repetência de educandas e educandos negros na educação escolarizada,
que configuram a sociedade brasileira como uma das mais díspares do
mundo.
Um último destaque diz respeito ao currículo oculto, conceito pe-
dagógico sistematizado e representado pelas cadernetas de freqüên-
cia, pelo sinal de entrada e saída, pela disciplina imposta na sala de
aula, pelo sistema de recompensas e castigos que não são admitidos
como partes integrantes do mesmo, embora toda a experiência escolar
seja regida por estes rituais que se organizam em torno destas formas
de controle. Da mesma forma as ações racistas e discriminatórias se
desenvolvem no cotidiano escolar sob o véu da invisibilidade.
Como parte de uma ação renovadora e com vistas a dar visibilida-
de à história, à memória coletiva que faz parte da formação da socie-
dade brasileira, incluindo de fato todos os grupos que dela fazem par-
te, nas diferentes dimensões da estrutura social nos valemos do desta-
que de Glória Moura que sugere a troca das formas usuais de controle
contidas no currículo oculto por uma atitude diferenciada que se tra-
duz no currículo invisível e se caracteriza pela “Transmissão de valo-
res dos princípios e das normas de convívio, dos padrões sócio-cultu-
rais da vida comunitária”. Investidas desta forma de atuação, como
educadoras e educadores, estaremos contribuindo de maneira concisa
para mudar o quadro excludente em que está inserida a população
afro-brasileira.
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CASHMORE, Ellis (org.). Dicionário de relações étnicas e raciais.
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40
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41
42
A formação de professores para
DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL
segundo a Lei 10.639/03
Vera Rosane Rodrigues de Oliveira1
INTRODUÇÃO
Aqui, faço um diálogo com a experiência educacional propiciada
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, através do Projeto Pré-
Vestibular Afro-Indígena e a formação de professores para a diversida-
de étnico-racial. Trago como perspectiva a unidade entre as ações das
organizações negras, das instituições educacionais públicas e das políti-
cas demandadas pelos governos, pois os projetos Pré-Vestibulares Po-
pulares têm origem nas Organizações Negras. A Universidade, ao pro-
por a fazer o projeto, possibilita novos olhares sobre a realidade e
primordialmente a formação de seus alunos (futuros professores) para
esta realidade. O governo, ao financiar, assume com o seu o discurso
da diversidade étnico-racial.
DESENVOLVIMENTO
O que significa tratar os “diferentes” enquanto “iguais”? Histori-
camente a sociedade brasileira vem tratando os diferentes enquanto
iguais, e, o que se vê de fato é a permanência das grandes desigualda-
des sócio-raciais. Mas como ocorre isto? Ou melhor, por que problematizar
a igualdade na diferença, se tudo que se busca é uma sociedade iguali-
tária? E mais, qual é a validade deste questionamento no atual contex-
to brasileiro?
Para responder a essas indagações, é necessário situá-las dentro
de um espectro mais amplo, tanto, no que tange ao processo educaci-
onal brasileiro, como inter-relacional e da estrutura econômica de do-
1
Graduada em Ciências Sociais (UFRGS).
43
minação que perpassam a vida de mais de 45% da população2 , que se
encontram incluídas de forma marginal à estrutura social.
Ao trazer a perspectiva da exclusão de parte significativa da popu-
lação à luz do debate educacional, não estou fugindo ou mascarando o
viés econômico pertinente a esta questão, pois em tempos de
globalização é impossível falar de mercado ou trabalho, sem nos repor-
tarmos ao papel preponderante que a educação tem neste sistema de
“competências”, ou seja, definir quem estará empregado, em que
postos e basicamente em que condições. Isto significa dizer que, se a
educação de um povo é importante para sua constituição social, hoje,
ela adquire um papel mais relevante, pois define as relações sócio-
econômicas de uma nação, povo ou etnia. Segundo Muniz Sodré (2001,
p. 145):
44
rupturas nos valores hegemonizados pelo culturalismo, as discussões
emergentes a partir do atravessamento do discurso da diversidade
sociocultural brasileira? Perspectiva que me remete a dar conta de
discussões que há muito permanecem em um subterrâneo das verda-
des: “O Culturalismo que foi a lógica dessas operações no período clás-
sico do colonialismo europeu, retorna com novos matizes sob a
globalização financeira do mundo” (Sodre, 2001, p. 151).
É nesta busca de possibilidades que trago a Lei 10.639 de 9 de
janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, que
em seu Art. 26-A, no caput § 1º do conteúdo programático, inclui o
estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no
Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade
nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,
econômica e política pertinentes à História do Brasil, neste momento
intelectual e político efervescente do qual emergem reflexões e ações
paradoxais que expõem e propõem o quanto de efervescência e
paradoxalidade constitui e institui o que chamamos de realidade, e ao
termos consciência ou ciência desta realidade, permite-nos salientar
que o povo brasileiro é constituído de uma diversidade e pluralidade
que nos torna singular. E esta singularidade trazida sob a égide das
reparações ao povo negro necessita ser percebida pela sua diversidade,
e porque não dizer, também, sua singularidade. E retratar esta
heterogeneidade é importante como mecanismos para reconstituir a
alteridade do negro brasileiro assujeitado pela homogeneidade de seus
costumes e tradições culturais e lingüísticas.
Neste sentido ao trazer a Lei 10639, com a perspectiva de traba-
lhar na formação de professores para a diversidade étnico-racial, signi-
fica não apenas possibilitar o aprendizado de uma cultura que é basea-
da na oral, mas a constituição da interdisciplinariedade e da
transdisciplinariedade dos conhecimentos da história e da cultura do
negro no Brasil.
Pensar na formação docente como mecanismo de dar conta da
demanda trazida pela Lei 10.639, pressupõe antes de tudo, descrever
de que “lugar” e “olhar” falamos, ou seja, Implica em dizer que em
nome da diversidade étnico-racial é preciso adotar nova postura fren-
te ao processo educacional. A analisar qual concepção está presente e
se impõe ao sujeito social histórico, como nos diz Brandão (1986): De
45
um lugar Generalizante (com uma posição social abstrata) como o
historicamente definido, ou Significativo no qual damos atenção aos
seus sentimentos, pensamentos, expectativas e a sua realidade.
Segundo, ainda, Brandão, a prática educacional catequética do
passado que destrói na vida, na consciência e na cultura, a diferença
do outro de “mim”, necessita ser abolida, porque ela é responsável
pela cristianização do índio, pelo batismo do negro e pela opressão
das mulheres. Necessita-se pensar em um processo educacional que
resignifique a cultura e a identidade das diversas culturas.
A educação, longe de ser uma prática desinteressada e neutra, é
um importante instrumento de reprodução social, que impõe ao edu-
cando o modo de pensar considerado correto, a maneira “científica”,
“racional”, “verdadeira” de se entender e explicar a sociedade, a fa-
mília, o trabalho, o poder, bem como, os modelos sociais de comporta-
mento, conforme expressa Bourdieu (2001).
Em nosso país a educação enfrenta sérios problemas. Segundo o
IBGE no ano de 2001, a evasão no ensino médio foi de aproximadamen-
te 20%. Este instituto também aponta que 62% da população adulta
acima de 25 anos, não possui o ensino fundamental completo. Particu-
larmente na área pública, professores mal pagos e instalações precári-
as influenciam na qualidade do ensino. As classes mais privilegiadas
economicamente voltam-se para as escolas particulares, melhor
estruturadas materialmente criando um desnível em relação à maioria
da população brasileira, que depende unicamente do ensino público.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional define como
finalidade da educação básica, “desenvolver o educando, assegurar-lhe
a formação indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe
meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”3 . Culmina-
do a isto, a Lei 10.639 de janeiro de 2003, que em seus artigos 26-A,
79-A e 79-B, institui nos estabelecimentos de ensino fundamental e
médio, oficiais e particulares, a obrigatoriedade do ensino sobre Histó-
ria e Cultura Afro-Brasileira. E ainda, os conteúdos referentes à Histó-
ria e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o
currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de
Literatura e História Brasileira.
3
Esta concepção foi resgatada do texto da Marise Nogueira Ramos, Diretora de Ensino Médio da
SEMTEC/MEC, do texto O Projeto Unitário de Ensino Médio sob os princípios do trabalho, da
Ciência e da Cultura, organizado para o texto base na exposição na sessão especial na reunião
anual da ANPED, realizada em Poços de Caldas, no período de 07 a 11/10/2003.
46
A formação de professores para dar conta da implementação des-
ta Lei, se dá no contexto atual do estabelecimento de um conjunto de
Políticas Públicas de Ações Afirmativas para população afrodescendente
e indígena, através do protagonismo central do Programa Diversidade
na Universidade do Ministério da Educação (2001), da Secretaria Espe-
cial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da
República - SEPPIR (2003), da Fundação Cultural Palmares do Ministério
da Cultura - FCP/Minc 1998 - Governo Fernando Henrique Cardoso , do
Conselho Nacional de Combate à Discriminação da Secretaria Especial
de Direitos Humanos do Ministério da Justiça - CNCD/SEDH/MJ (2001).
Essa configuração política de políticas encontra sua história nos
vários tratados internacionais de Direitos Humanos, assinados pelos
governos brasileiros desde 1944 com a Declaração Universal dos Direi-
tos Humanos e as Convenções Internacionais Sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1969, que introduz o
princípio da discriminação positiva (consignado na atual Constituição
brasileira) sustentando (1) o dever do estado de erradicar a
marginalização e as desigualdades. (2) o estabelecimento de presta-
ções positivas em prol da promoção e integração de segmentos
desfavorecidos e (3) a prescrição da discriminação justa para compen-
sar a desigualdade de oportunidade ou fomentar setores considerados
prioritários.
Também encontra sua história tanto na ação e organização das
entidades e grupos do Movimento Negro, quanto nas pesquisas e refle-
xões acadêmicas sobre as questões étnico-racial, estas tendo como
fundamento teórico-metodológico tanto as inspirações e aspirações pro-
venientes dos intelectuais do próprio Movimento Negro, quanto aquelas
poucos voltadas ao cotidiano vivido por uma população negra, que está
incluída nas contradições e paradoxos históricos dos quais é parte sin-
gular, o que escapa de uma perspectiva homogeneizante e parte
fundante, e desrespeitosa da vitimização.
As novas bases materiais que caracterizam a produção
(reestruturação produtiva), a economia (globalização) e a política
(neoliberal) trazem profundas implicações para a educação neste final
de século, uma vez que cada estágio de desenvolvimento das forças
produtivas gesta um projeto pedagógico que corresponde às suas de-
mandas de formação de intelectuais, tanto dirigentes quanto trabalha-
dores.
Aos educadores cabe, dada a especificidade de sua função, fazer a
47
leitura e a necessária análise deste projeto pedagógico em curso, de
modo a, tomar por base as circunstâncias concretas, participar da
organização coletiva em busca da construção de alternativas que arti-
culem a educação aos demais processos de desenvolvimento e consoli-
dação de relações sociais verdadeiramente democráticas.
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49
50
A história na visão dos EXCLUÍDOS
51
ca. Como fruto desta percepção os destinos da nação passam longe da
participação popular e serão promovidos ou vistos como ações, diretas
do heroísmo de poucos eleitos, tanto por nascimento, como por ações
individuais dantescas, onde a participação coletiva das massas traba-
lhadoras é desprezada.
Atendendo aos interesses ideológicos dos detentores do poder, as
classes sociais, oprimidas geralmente estiveram à margem das páginas
da história: índios, negros e brancos pobres, ordinariamente aparecem
apenas como figurantes, de uma história oficial classista, racista e
discriminadora. Haja visto os grandes festejos nacionais, onde a figura
do povo sucumbe perante os “guardiões” da pátria brasileira, por via
de regra identificados ou a serviço das elites econômicas deste país.
53
A classe dominante brasileira, diferentemente de outros países, ao
estilo E.U.A. e África do Sul entre outros, prefere não partir para um
confronto aberto com os setores discriminados racialmente. O que a
nosso ver se justifica devido ao fato de ser o Brasil o maior país
miscigenado do mundo moderno, assim como o de maior número de
afros descendentes. Devido a tais fatos, as elites preferiram, inteligen-
temente, não partir para o confronto e sim para a “conciliação” racis-
ta, através da sonegação do conflito ou das diferenças étnicas.
Ao invés do racismo aberto, declarado eles preferiram a negação
como uma forma de excluir os afros descendentes, o que também é
uma forma de racismo. O que faz do Brasil, um país de onde os confli-
tos raciais se dão de maneira diferenciada. Ao invés do conflito, tere-
mos a “conciliação” e a negação das discriminações, estas tidas e
escamoteadas por tal visão ideológica, como atitudes isoladas no con-
texto nacional.
A exclusão étnica dos ameríndios e afros descendentes se mani-
festa igualmente nos currículos escolares. Onde os alunos começam,
geralmente, a estudar História do Brasil com a chegada dos europeus e
não a partir dos habitantes locais – brasis – o que determina o
aculturamento, um eurocentrismo cultural. Este domínio cultural varia
conforme a época, aumentando ano após ano. E em grande parte é
estimulado pelos meios de comunicação. Esses em geral, com raras
exceções, comprometidos com interesses comerciais não brasileiros.
É notória a influência de grande parte dos professores, estimula-
dos pela mídia, que ano a ano preferem dar ênfases às tradições cultu-
54
rais norte-americanas, em detrimento do folclore brasileiro. Haja visto
o destaque dado cada vez maior ao HALLOWEEN (dia das bruxas) ao
invés de retratarem as lendas brasileiras como: Saci, Curupira, Negrinho
do Pastoreio, entre outros. Esta dominação cultural de elementos
anglo-saxões e europeus fortalece e estimula a falta de uma identidade
e auto-estima cultural indígena e afro-brasileira, assim como fortalece
os laços da superioridade das elites dominantes comprometidas e
identificadas com a importação e desnacionalização de uma cultura
nacional.
Já em relação à cultura africana, temos um paradoxo, pois o
Brasil é o país com maior número de afro descendentes e, no entanto
sua história é renegada e desconhecida por grande parte da sociedade
brasileira. Haja visto que foi preciso uma lei para incluir a sua história
nos currículos escolares. Mesmo assim ainda nos dias de hoje são pou-
cas as faculdades ou universidades que possuem em seus currículos a
disciplina de História da África.
O desconhecimento do continente negro é gritante, prova esta
que muitas pessoas o associam a um país, homogêneo sem distinções e
conflitos entre os seus povos. Entretanto, as diversidades africanas são
inúmeras. Quer seja pelo tamanho e número de países, ou pela diversi-
dade lingüística, assim como outros aspectos culturais, que fazem da
mesma um mosaico de povos.
A nosso ver não basta uma lei para introduzir a história dos afro-
brasileiros na escola, pois essa não se aplica por si só. Ou será mais
uma lei para inglês ver. Há não ser que junto com a mesma sejam
tomadas outras medidas:
a) Introdução de História e literatura africana nas faculdades;
b) Incentivar a leitura de contos africanos, nas séries iniciais;
c) Valorizar a mitologia africana;
d) Desmistificar a religião afro-brasileira, dentre outras.
Porém para efetuarmos estas medidas temos que primeiro admi-
tirmos que somos um país racista de fato. E pararmos com a hipocrisia
de uma existência pacífica entre as várias etnias brasileiras. Neste
contexto a escola pode desempenhar um papel fundamental. Pois atra-
vés da mesma, poderemos começar um debate realmente democrático
sobre a situação dos povos e classes marginalizados neste país. Mas
para tanto é fundamental o investimento na formação de professores
comprometidos com a causa dos oprimidos e na formação de uma
sociedade mais justa e igualitária para todos.
55
Bibliografia
57
58
NEGRITUDE, identidade e educação
Introdução
O presente trabalho trata do processo de formação da identidade
e auto-estima das crianças e jovens afro-brasileiros no cotidiano esco-
lar.
Através deste, tentarei expor algumas experiências de minha vida
profissional e também a visão de algumas crianças e jovens, mostrando
o racismo como um dos graves problemas da sociedade, trazendo como
conseqüência prejuízo no processo de formação da identidade e auto-
estima das crianças e jovens negros principalmente nos ambientes es-
colares.
Não tenho a pretensão de fornecer receitas, mas refletir e esti-
mular os profissionais da área da educação a buscar, juntamente com
os seus alunos e a comunidade escolar, uma melhora em suas praticas
pedagógicas, procurando trabalhar e respeitar a história, cultura e
religião de seus alunos e com isso, estará sendo contemplada a diversi-
dade étnica racial destas crianças e destes jovens.
Minha experiência como educadora há quase vinte anos na rede
municipal e estadual de ensino fundamental tem me mostrado que a
formação que alguns dentre nós recebemos não foi suficiente para
lidar com o desafio que a problemática da convivência com a diversida-
de e as manifestações de discriminação e do racismo dela resultam nos
ambientes escolares.
1
Professora da rede pública Municipal de POA, graduada em Pedagogia com
especialização em Orientação Educacional (FAFIMC), Pós Graduada em Gestão
de Educação em Diferentes Espaços Educativos (UNIRITTER),
Integrante do Coletivo dos Educadores Negros APNS (Agente de Pastoral Negro).
59
A questão racial e a escola
É importante percebemos que a diversidade étnica racial não sig-
nifica um fator de superioridade de um ou de outro grupo, mas um
fato de complexidade e de enriquecimento para todos.
Todos os alunos, principalmente os discriminados devem orgulhar-
se de sua história, cultura, religião, seu jeito de ser, estabelecendo
uma relação com sua origem que por si só já é uma arma contra a
discriminação na perspectiva de sua etnia. Pois se sabe o quanto à
discriminação traz prejuízos no processo de formação da identidade e
auto-estima. Principalmente, quando as vítimas são crianças e jovens.
Seria importante que todos os profissionais da área de educação
pensassem uma melhor forma de reestruturar seu fazer pedagógico e,
conseqüentemente suas ações buscando caminhos através de estudos
continuados, contando com auxílio de seus alunos, colegas, comunida-
de escolar. Os movimentos sociais têm muito a contribuir neste proces-
so de busca de novos caminhos para que haja uma melhora significati-
va nas bases dos sistemas de ensino e, conseqüentemente, em nossas
escolas, principalmente na sala de aula. Com isso, haverá respeito à
história, à cultura, à religião e ao jeito de ser de cada um, pois cada
aluno é único e merece crescer e se desenvolver feliz e em harmonia.
Assim, a diversidade étnica racial estará sendo contemplada e o pro-
cesso de formação da identidade e auto-estima de todos os alunos
também.
A investigação
Esta pesquisa teve como objetivo: compreender como a gestão
das escolas públicas municipais, estaduais, federais e particulares po-
dem contribuir para o processo de construção da identidade e auto-
estima das crianças e jovens afro-brasileiras.
Foram escolhidos dois grupos como universo de minha pesquisa. O
primeiro é constituído por dez crianças de seis a oito anos, alunos do 1
Ciclo de uma escola municipal de Porto Alegre. Essas crianças estudam
em turmas diferentes e estão assim estratificadas por sexo e etnia:
cinco meninos e cinco meninas; três crianças negras, quatro mestiças e
três brancas, como mostra a tabela ao lado:
60
O segundo grupo se inclui em outra classe etária: são jovens ne-
gros que têm quatorze a vinte e seis anos. Trata-se de um grupo que
participa do movimento Agentes da Pastoral Negros (APNs/RS). Tais
jovens freqüentam diferentes níveis escolares, do ensino fundamental
ao médio, incluindo curso preparatório para o vestibular e também
com ensino superior completo (ou seja, se dividem nas redes munici-
pal, estadual, federal e particular). São, num total de aproximadamen-
te 50, mas apenas 16 responderem o questionário.
A escolha de dois grupos visou captar um mesmo fenômeno em
duas classes etárias, isto é, em dois momentos diferentes na vida dos
sujeitos. Quis ter uma visão tanto de como a criança percebe a situa-
ção do negro no dia-a-dia da escola, quanto quis perceber essa mesma
percepção do jovem, que já apresenta mais vivência no ambiente es-
colar e, portanto é mais contaminado pelos modos impostos pela escola
e pela sociedade. Com isso, pretendi analisar a participação da escola
no processo de formação de identidade e auto-estima. Dei mais ênfa-
se, portanto, neste segundo grupo.
Na visão das crianças, através de várias atividades, diálogos, leitu-
ra pude observar que os resultados mostraram tendência à maior valo-
rização do branco enquanto o negro aparece em situações socialmente
desfavoráveis. Alguns exemplos: a criança negra aparece, nas respos-
tas do grupo, como a mais feia, menos simpática, mais pobre e que
ainda, seria capaz de praticar pequenos furtos.
Foi feita numa 2ª Série atividade com o livro de Ruth Rocha para
trabalhar a questão da auto-afirmação de sua etnia, para verificar se
as crianças negras se identificaram enquanto afro-brasileiras.
O livro “Amigo do Rei”, de Ruth Rocha, foi utilizado para esta
atividade, pois esta autora foi muito feliz em pensar sobre a importân-
cia de uma história para as formações da criança e, principalmente, de
criança negra, uma vez que ela apresenta um rei negro.
61
Quero salientar, porém, a importância que faz uma imagem no
momento em que a criança negra, que está em processo de formação
de sua identidade e a auto-estima, tem ao ver dois personagens, um
com um “sapato” e o outro sem. Parece ser insignificante, mas não é.
Vejamos o que disseram diante de minha pergunta; Quem é o rei e por
que?
Ao analisar estas atividades, fica clara a idéia que as crianças de 6
a 8 anos têm sobre as pessoas negras e brancas. Pude observar a
importância da imagem para a formação da auto-estima da criança,
pois neste livro, a pessoa branca estava com “sapatos” e bem vestida e
a criança negra “sem sapatos” e com roupas simples: (nunca poderia
ser rei...) na visão dos alunos.
Dezoito crianças responderam que o rei era branco, porque tinha
cabelos ruivos, olhos verdes e “bonito”, e ainda porque estava com
“sapatos”. Não tiveram dificuldades ao responder. Por outro lado, nove
alunos responderam que o rei era negro... Um aluno pensou, pensou...
e disse: - Ah , porque não tem rei negro... Os outros não souberam
responder. Vagaram... Alguns disseram: - Ah, porque ele está com
calça branca... Camisa Verde... Não tinham segurança de suas esco-
lhas.
No mês da Consciência Negra, cada criança contou o que sabia
sobre o continente africano e seu povo. Comentou-se sobre a vida dos
escravos no Brasil, suas lutas e vitórias, Zumbi, quilombos etc.
Após vários trabalhos sobre os afro-brasileiros durante este mês,
eu perguntei em minha sala de aula, quem era negro nesta sala? Nin-
guém se identificou. Na minha visão havia oito crianças negras. Para a
segunda pergunta sobre quem era mestiço, nove alunos responderam
que eram. Eu percebi sete crianças mestiças e, para a pergunta de
quem era branco, dez responderam afirmativamente e, na minha vi-
são, realmente, havia dez crianças brancas.
Achei interessante que, quando levantei a mão para a primeira
pergunta me identificando como negra, quase todos disseram: – a
senhora não é negra, é moreninha, mestiça ou meio branca. Mais uma
vez, aparece o negro em desvantagem perante as outras etnias na
visão das crianças.
E ainda para coletar dados, foram feitas várias observações na
escola onde essas crianças estudam. Estas observações foram durante
um mês e meio.
Foi possível verificar nitidamente que as crianças mestiças e ne-
62
gras ainda são as mais encaminhadas à coordenação por problemas de
indisciplina ou de briga. Muitas vezes, eles alegam que brigaram por-
que foram chamadas de macacas, carvão, negro sujo, fedidos, etc., e
reagiram. Serão essas crianças que abandonam mais cedo os ambien-
tes escolares? E ainda, as atividades propostas pelos professores não
contemplam nem nos textos e nem nas gravuras a etnia negra. Nota-
se nos filmes, na biblioteca, na sala dos professores, no pátio da escola
e na secretaria, grande invisibilidade dos afro-brasileiros. Muitas vezes
este silêncio e esta ausência é uma forma grave de racismo e precon-
ceito com o povo negro.
Com o grupo de jovens:
Foram aplicadas três técnicas e um questionário. A primeira técni-
ca tinha dois objetivos bem claros:
Levar os jovens a desabafar sobre tudo o que já haviam ouvido
negativamente referente a sua etnia afro-brasileira e levá-los a;
Refletir sobre o que gostariam de levar de positivo em sua viagem
para “O Novo Milênio” referente a seu povo.
Na segunda técnica o objetivo era investigar os reais desejos deste
grupo para que os afro-brasileiros sejam realmente vistos e respeita-
dos enquanto formadores de história, cultura, religião, na trajetória
do Brasil.
Na primeira técnica os jovens apontavam várias expressões e
xingamentos que sofrem nos ambientes escolares. E um deles, de ‘16’
anos, disse:
“É um descontentamento muito grande quando atingem a nossa
etnia através de piadas ou brincadeiras racistas. Nos sentimos muito
humilhados”.
Ainda nesta técnica, mas no segundo objetivo, algumas caracte-
rísticas que surgiram sobre os afro-brasileiros foram: belos, alegres,
criativos, perseverantes, cooperativos, religiosos, amigos, inteligentes
e estudiosos, bons donos de casa, felizes e faceiros, excelentes profis-
sionais, acolhedores, capazes de perdoar, lutadores, conscientes e ca-
pazes, motivo de orgulho para todos etc.
Na segunda técnica os desejos deste grupo para o “Novo Milênio”
foram:
Que o (a) negro (a): tenha liberdade de expressão em sala de aula,
na escola e na sociedade; tenha consciência de sua cultura, história e
religião e, se orgulhe; tenha paz nos ambientes escolares; tenha mora-
dia e saneamento básico, vença na igualdade; vença sempre seus obs-
63
táculos; melhore sempre sua auto-estima; não se humilhe mais; não
sofra mais racismo; que seja respeitado como cidadão; que assuma a
sua negritude e se liberte do seu preconceito; que seja visto como um
ser capaz; que tenha a cada dia mais força espiritual; que não precise
de leis para alcançar seus objetivos, “que as crianças negras quando
crescerem tenham consciência de que todo o povo quando sofre, ad-
quire sabedoria e, que a sabedoria do nosso povo é linda” (Pensamento
da avó de uma jovem APN).
Os dados coletados nas respostas do questionário revelam a preo-
cupação dos jovens negros a respeito da forma como o racismo se
produz ou como a cultura negra é mantida no esquecimento, pois estes
jovens não tiveram bonecos negros quando crianças em casa e muito
menos na escola; livros infanto-juvenis, os filmes, as peças de teatro,
cartazes e livros didáticos contemplando sua etnia.
Os jovens revelam também, que onde mais escutam expressões
desvalorizando os negros é no ambiente escolar. Os professores em sua
grande maioria não trabalham a cultura, a religião e nem a história dos
afro-brasileiros contribuindo com isso, muito pouco para seus proces-
sos de formação de identidade e auto-estima.
Nesta pesquisa também foi feita uma breve análise de como apa-
recem os personagens negros na literatura infanto-juvenil, pois muitas
vezes, o contexto dos escritores e ilustradores se dão com intenções
boas, mas, ao mesmo tempo para uma população que já tem a sua
auto-imagem tão negativa, estas imagens podem trazer um efeito
muito negativo, motivo de constrangimentos e chacota em sala de
aula. Algumas delas são estereotipadas, demonstrando fragilidades, tris-
teza, pobreza, formas grotescas, em situação de humildade, passivas,
primitivas e formas animalescas, burrice etc.
Desde 1982, quando comecei a lecionar, a invisibilidade do negro
nos currículos escolares, já me chamava à atenção.
Não conformada, passei a pensar em várias formas de amenizar
esta situação como, por exemplo, ministrando oficinas para professo-
res, palestras e até formações para os meus colegas das escolas muni-
cipais onde trabalho, e em Seminários de Educação de vários municípi-
os do R.G.S. e realizo ainda um trabalho com jovens negros APNs
(Agente Pastoral Negro) na Vila Cruzeiro do Sul, nesta capital, uma vez
por mês.
64
Reflexões finais
Atualmente, além dos jovens a minha prática inclui uma série de
atividades juntamente com as crianças de A30 (correspondente à se-
gunda série). Sempre busco o bem-estar e a valorização de todos,
respeitando suas individualidades.
Conforme Rocha:
Cavalleiro diz:
[...] Acredito que um dos papéis de educadores (as) na construção
de auto-estima positiva de criança negra seja ensinar a viver de fato,
não ensinar a morrer! (2001, p.177).
A pesquisa aqui apresentada apontou, confirmando as hipóteses
desenvolvidas ao longo de minha vivência, os prejuízos sofridos pelas
crianças negras no que diz respeito à desvalorização de sua etnia.
Então, pensando mais especificadamente nessa criança, no ambi-
ente escolar, minha prática inclui uma série de atividades, filmes, mú-
sicas, orações, livros infanto-juvenis, textos que têm me permitido
realizar um trabalho com mais qualidade e, a cada dia que passa,
recebo mais sugestões dos colegas, amigos, pais de alunos e, até mes-
mo dos próprios alunos. Vamos assim enriquecendo essas práticas e
mostrando que a valorização das origens étnicas leva à melhora das
auto-estimas e essas, por sua vez, contribuem para desempenhos es-
colares mais qualificados em todos os sentidos.
E por fim, alinho-me ao pensamento de Cavalleiro, quando afirma
que:
65
Referências bibliográficas:
66
Interdisciplinaridade
e a questão dos NEGROS na educação
1
Licenciada em Ciências Sociais e Estudos Sociais. Pós-graduada
em Orientação Educacional. Integrante do Coletivo de Educadores Negros APNs / RS.
67
espaço escolar. No entanto, alguns professores, por falta de preparo ou
por preconceitos neles introjetados, não sabem lançar mão das situa-
ções flagrantes de discriminação no espaço escolar e na sala de aula
como momento pedagógico privilegiado para discutir a diversidade e
conscientizar seus alunos sobre a importância e a riqueza que ela traz à
nossa cultura e à nossa identidade nacional”.
A identidade étnica perpassa pelas respostas às questões, como
por exemplo:
- Quem sou eu?
- Qual é a minha descendência?
- Os meus antepassados, quem foram?
- De onde vieram?
- O que fizeram?
O que acontece com o indivíduo, quando não encontra respostas
positivas para as suas indagações?
A identidade étnica será construída, deixando lacunas na formação
da personalidade do indivíduo, interferindo na sua auto-estima, não
permitindo que perceba as injustiças sociais direcionadas ao seu grupo.
Um indivíduo sem história, sem heróis, sem antepassados, é um
ser que não existe para a sociedade.
A escola é uma das principais instituições que tem como uma das
funções sociais, fornecer elementos para a construção da identidade
étnica do sujeito.
A escola precisa colocar em prática, mecanismos que contribuam
para a identidade da criança e do jovem negro.
É preciso reverter o quadro das desigualdades raciais, através do
conhecimento da verdadeira história do negro na África e no Brasil.
É preciso desenvolver práticas pedagógicas onde alunos, negros e
brancos (ou de outra etnia), entendam que existe um passado de ri-
queza cultural no Brasil, que começa na África, do qual descende a
maioria dos brasileiros.
O processo de ensino deve proporcionar aos negros, condições de
ocupar os mais diversos postos da sociedade brasileira, legitimando a
presença afrodescendente, através da construção do conhecimento.
Portanto, devemos salientar a importância da política de cotas para
acelerar esse processo.
A população afrodescendente protagoniza as pesquisas, quando se
refere a índices elevados de evasão escolar. Essa exclusão provoca a
não inserção da juventude negra no mercado de trabalho, trazendo
68
uma conseqüência maior, a marginalização.
No Brasil fala-se em democracia racial, seguindo as determinações
da Constituição do país, mas no cotidiano ela não é praticada. É uma
afirmação que o movimento negro divulga desde o início de sua organi-
zação, denunciando a falsa unidade.
Só teremos democracia racial quando as diferenças forem respei-
tadas.
Já temos a Lei 10.639, que estabelece a mudança nos currículos
escolares. Mas precisamos da prática educacional renovada onde, efe-
tivamente, a escola, através do corpo docente, adote uma pedagogia
de inclusão, atendendo a obrigatoriedade do Art. 26-A: “o estudo da
História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura
negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resga-
tando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e polí-
tica pertinentes à História do Brasil”.
Nessa fase inicial, é fundamental a criação de cursos de formação
de professores, capacitando profissionalmente os educadores, preen-
chendo as lacunas deixadas pelas universidades que, por sua vez, tam-
bém precisam reestruturar os cursos de graduação para adaptarem-se
às exigências da Lei, reformulando os seus programas, para que os
novos professores saiam das academias conscientizados e
instrumentalizados.
Outro aspecto que deve ser destacado é no que se refere ao
monitoramento que deve existir, acompanhando a execução dos traba-
lhos, por parte do setor pedagógico das escolas e, também, por parte
da comunidade, principalmente a afrodescendente, no sentido de exi-
gir a aplicabilidade da Lei.
Hoje vivemos num mundo globalizado, buscando intercâmbios de
todas as formas.
Como está a educação brasileira nesse contexto?
A maioria das escolas insiste em manter uma organização discipli-
nar, compartimentando a construção do saber.
As transformações são cada vez mais rápidas e complexas, exigin-
do dos indivíduos raciocínio intenso e com solidez de análise.
A quem cabe o preparo das gerações para suportarem a velocidade
da evolução que vivenciamos?
A LDB (art.32, item III) ressalta o objetivo de formação básica do
cidadão, visando ao desenvolvimento da capacidade de aprendizagem,
tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades, bem como
69
a formação de atitudes e valores.
Para que a escola proporcione a formação de um indivíduo integra-
do e íntegro, faz-se necessário um trabalho educativo, que contemple
a idéia de conjunto, de interação das disciplinas e áreas do conheci-
mento.
Neste artigo, eu proponho como um “caminho” de mudança na
prática pedagógica buscar o trabalho interdisciplinar.
A interdisciplinaridade é o desenvolvimento do conhecimento, atra-
vés de um trabalho conectado entre as diversas disciplinas, onde o
aluno irá constatar que o ensino e a aprendizagem não são compostos
por conteúdos fragmentados; que o saber resulta de um processo
construído pelo somatório das informações de todos os componentes
curriculares.
Fazer uso da metodologia interdisciplinar para aplicação da Lei
10.639 é permitir que a escola, embora ainda conservadora, reassuma
o seu papel como agente de transformação. A justificativa para essa
prática encontra respaldo na obrigação que o sistema educacional tem
em modificar os valores e conceitos errados que foram transmitidos,
por mais de 500 anos, pela cultura eurocêntrica, promovendo idéias
preconceituosas, e que precisam contar com a verdade histórica, mas
que só poderão influenciar na reorganização de uma sociedade consci-
ente e anti-racista, contando com a mudança dos currículos e a atua-
ção, em conjunto das diversas disciplinas que compõem o ensino fun-
damental e médio.
Conforme afirma Henrique Cunha Jr., a imagem do africano na
nossa sociedade é a do selvagem acorrentado à miséria, imagem
construída pela insistência e persistência das representações africanas
como a terra dos macacos, dos leões, dos homens nus e dos escravos.
“Há um bloqueio sistemático em pensar diferente das caricaturas
presentes no imaginário social brasileiro”.
De acordo com Paulo Freire, o ensino dos conteúdos não pode dar-
se alheio à formação moral do educando. Educar é substantivamente
formar.
Portanto, buscar a interdisciplinaridade, fazendo dessa prática um
processo de organização integrado ao trabalho curricular, é oportunizar
ao aluno a compreensão da realidade, com mais facilidade, permitindo
a conscientização de que vivemos num país multicultural, que a diversi-
dade está na escola, como em todo o contexto da sociedade brasileira,
mas entendendo que essas características não podem ser vistas como
70
motivação para o desrespeito à história e a cultura da população ne-
gra, evidenciando que devemos conviver com a diversidade cultural,
mantendo a igualdade dos direitos para todos.
Referências Bibliográficas:
CUNHA JR. A história africana e os elementos básicos para o seu
ensino. In: Negros e currículo. Florianópolis: NEN,1977 (Série Pensa-
mento Negro em Educação).
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro. Paz e
Terra , 1978.
MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o racismo na escola.
Brasília. Ministério da Educação, 1999.
SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade: o
currículo integrado. Porto Alegre.Artes Médicas, 1998.
SILVA, Dinorá; SOUZA, Nádia (Org.).Interdisciplinaridade na sala
de aula: uma experiência pedagógica nas 3ª e 4ª séries do primeiro
grau. Porto Alegre. UFRGS, 1995.
SILVA, Petronilha B.G.e. Prática do racismo e formação dos pro-
fessores. In: DAYREL, J.
Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte.UFMG,
1996.
TRIUMPHO, Vera (Org). Rio Grande do Sul: aspectos da negritude.
Porto Alegre. Martins Livreiro Editor, 1991.
72
Trabalhando
a NEGRITUDE nas séries iniciais
1
Graduada em Letras (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cachoeira do Sul),
Coordenadora do Museu Municipal de Cachoeira do Sul – Patrono Edyr Lima,
Integrante do Grupo de Consciência Negra Raízes, Cachoeira do Sul – RS.
73
buição econômica, cultural e étnica do imenso contingente de negros
deste país.
Nós negros temos musicalidade no corpo. Cantar foi forma de
resistência para nossos ancestrais durante a escravidão. Canções can-
tadas em dialeto africano nas grandes plantações de cana, café, algo-
dão, possibilitaram organizações de fugas e rebeliões. “Cantar é rezar
duas vezes”, “Quem canta seus males espanta”, então cantemos com
nossos alunos, além do que, o canto como atividade pedagógica desen-
volve inúmeras habilidades no educando, contribuindo com a sua apren-
dizagem.
Quem de nós não cantou “Escravos de Jó” na infância?! Pois en-
tão, essa era uma das canções código cantada pelos negros. E agora,
num momento não só de resgate, mas principalmente usufruindo dessa
riqueza cultural, podemos exercitar motricidade, lateralidade e
tonicidade em Língua Portuguesa com essa canção:
Escravos de Jó
Jogavam caxambó
Bota, tira
Deixa o Zé Pereira
Que se vá.
Guerreiros com guerreiros
Fazem zigue-zigue-zá.
74
Para trabalharmos a geografia, a matemática e coreografia, esco-
lhemos uma música cuja letra fala de fuga. Ninguém foge do que é
bom, assim, antes de iniciar o trabalho artístico, questione seus alunos
sobre o porquê dos negros quererem fugir, mostre no mapa a localiza-
ção de Guiné e conte como eles foram roubados e trazidos de lá para o
Brasil.
Proponha aos alunos que aumentem o número de negrinhos na
canção, sempre observando o ritmo, e façam, em dupla, uma coreo-
grafia para a música.
Eram quatro negrinhos,
Todos quatro da Guiné,
Tentaram fugir
Pulando o ciricoté,
Ciricoté, caricoté,
Quatro negrinhos lá da Guiné.
E as histórias? Ah, as histórias... Quanta herança nos foi legada
através das histórias contadas por nossas negras velhas enquanto tran-
çavam nossos cabelos. Nosso cabelo é uma outra história... Somos um
povo de tradição oral por excelência, nossos ancestrais tinham nos
idosos e nas crianças um valor, onde o velho era a enciclopédia da
comunidade. Aproveitemos, pois, essa valiosa contribuição popular para,
a exemplo de nossos ancestrais, gerir em nossos alunos valores e habi-
lidades, através da mitologia africana.
Veja como é linda a Lenda da Pipoca – estrelas de Oxalá ou flores
de Xapanã, e aproveite para trabalhar religião, português, dramatização
e educação artística.
Era uma vez um forte guerreiro que vivia com seu exército e sua
família em uma aldeia africana. Seu nome era Xapanã, guerreiro va-
lente e temido em todos os reinos.
Xapanã já havia liderado muitos ataques em vários reinos, mas
existia ainda um que nunca sofrera ataque do exército de Xapanã. Isso
despertou a curiosidade do temível guerreiro e levou-o a jogar os búzi-
os para saber qual a razão. (?)
Em resposta aos búzios, Ifá respondeu:
- Xapanã, Xapanã, se a esse reino fores, de lá não voltarás.
O guerreiro ficou muito intrigado.
Enquanto isso, o povo do reino distante também consultou os
búzios, temendo o ataque de Xapanã. A esses Ifá respondeu confir-
mando:
75
- Em breve este reino será atacado por Xapanã!
Todos no reino ficaram assustados, pois temiam Xapanã, e como é
costume da cultura africana reuniram seus anciãos para ouvirem seus
conselhos de como deveriam enfrentar a situação.
Os anciãos disseram:
- Temos em nossos celeiros aquelas sementes que, ao se aquece-
rem, multiplicam-se fartas, alvas e macias, então vamos receber o
exército de Xapanã com essas sementes. ...
E assim aconteceu. Ao ser recebido de forma tão extraordinária,
Xapanã sentiu seu coração tocado, jamais reino algum o recebera com
tão gentil gesto.
Xapanã mandou buscar sua esposa, filhos e seus pertences, e esta-
beleceram-se naquele reino para sempre. Por isso, na cultura africana,
a pipoca – Estrela de Oxalá ou flores de Xapanã – é até nossos dias o
prato da solidariedade.
(Relato oral de candomblecista)
Xapanã era um líder que amava seu povo e por sua comunidade
dava a própria vida.
Um dia, o povo da aldeia apareceu com uma estranha doença na
pele, todos os moradores tinham como que pipocas pelo corpo.
Xapanã, ao ver o sofrimento de seu povo, foi para a beira do rio e
chamou por Olorum, rogando que ele tivesse clemência de sua gente.
Pediu que Olorum limpasse a pele dos sofridos, passando para o seu
próprio corpo o mal que aos outros afligia.
Olorum escutou o clamor do chefe Xapanã e imediatamente este
sentiu seu corpo coberto pelas feridas pipocadas, enquanto seu povo
ficava com o corpo completamente limpo. Por isso, para os negros e as
negras candomblecistas, Xapanã é o Orixá da doença, e é comum lim-
parem a casa com pipocas no final do ano, para iniciarem o próximo
com saúde. Também acontece todas as segundas-feiras, na frente da
igreja de São Lázaro, Bahia, a oferenda de pipocas que as pessoas
fazem para começarem a semana com saúde.
(Relato oral de candomblecista)
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primeira vez que ficava fora de casa, sozinha. Os pais só podiam entrar
um pouquinho, na hora da visita. Ficavam olhando pra cara dela, com
pena, os olhos marejados de lágrimas. Uana ficava até arrepiada de
pavor: lembrava o jeito que as pessoas tinham olhado pela última vez
pro Marcelo, seu primo morto atropelado por um caminhão há uns dois
anos atrás. Será que ela iria morrer também? Não teve coragem de
perguntar para a mãe. Perguntou para a enfermeira do dia: uma mu-
lher enorme que não sorria nunca, mais parecendo um robô fantasiado
de enfermeira. A grandalhona olhou bem pra menina e disse: “Sarampo
não é moleza não. Se não obedecer direitinho é bem capaz de virar
anjinho... ou quem sabe um diabinho, pois anjinho preto eu nunca vi.”
Resolveu perguntar para a enfermeira da noite que tinha mais jeito de
gente. A moça, que já ia saindo do quarto, parou, voltou, sentou na
cama de Uana e disse: “E essa força que eu posso ver no brilho destes
teus olhos de jabuticaba? Será que ela não tem mais nada para fazer
nesse mundo? Põe essa força para trabalhar, menina!” Foi a primeira
noite que Uana dormiu bem desde que tinha entrado no hospital. No
dia seguinte, estava fora de perigo e começou a se recuperar.
A menina acabou de rasgar o papel, arregalou os olhos e ficou
olhando o presente, sem saber bem o que estava sentindo. Vocês adivi-
nharam: era uma boneca. Uma boneca assim: olhos bem pretos, como
duas jabuticabas, iguaizinhos aos olhos de Uana, cabelo escuro, bem
enroladinho, igualzinho ao cabelo de Uana, pele bem marrom e brilhan-
te, igualzinha a pele de Uana (sem sarampo, lógico!). Uana nunca
tinha tido uma boneca assim, parecida com ela. Ficou confusa. Será
que achava bonita ou feia aquela nova boneca?
A hora da visita acabou, os pais beijaram Uana, prometeram vir
buscá-la bem cedinho no dia seguinte e foram embora. A menina mais
que depressa escondeu sua boneca embaixo do lençol, disfarçou, ten-
tou brincar com outras coisas, mas sua cabeça não parava de pensar:
“Não vou poder levar essa boneca na escola. Vão ficar gozando da
minha cara, vão chamar de boneca de piche que nem fizeram com a
boneca de pano, bem pretinha, que a Rosa levou. Pior ainda, só vão
deixar minha boneca ser a empregada na brincadeira de casinha. Nun-
ca vão deixar ser a mãe, ser a filha ou a avó. Quanto mais Uana
pensava, mais ficava com raiva: “Por que minha boneca só pode ser
empregada, heim?” Foi com cara de briga e falando sozinha que a
enfermeira da noite encontrou Uana, ao entrar no quarto: “Calma,
Uana, você já está quase boa. Amanhã vai para casa e mais três dias já
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pode ir na escola.”
Uana esperou apagarem a luz e entrou debaixo do lençol. A clari-
dade que entrava pela janela foi suficiente para perceber que sua
boneca tinha mudado o penteado e a roupa. Usava agora um cabelo
cheio de trancinhas e um vestido comprido cheio de desenhos geomé-
tricos.
- Eu ia passar cândida em você mas agora...não sei não. Você está
toda bonita, enfeitada, parece que vai ao baile.
- Acho bom mesmo não passar – respondeu a boneca. – Ou você tá
querendo que eu fique com cara de fantasma de barata descascada? E
depois, fique sabendo que bonita eu sempre fui, enfeitada ou
desenfeitada!
- Tá doido! Nunca vi boneca mais mal-educada.
- E não é pra ser? Você me esconde embaixo do lençol, morre de
vergonha, não sabe se me acha bonita ou feia... pois vem aqui pertinho
que vou te contar uma estória...
No dia seguinte, com cara de sono mas feliz, Uana foi para casa
com os pais, carregando orgulhosamente sua boneca. Três dias depois,
entrando na escola com a boneca no colo, foi logo convidando os ami-
gos para brincar:
- Só que hoje minha boneca é uma princesa: uma princesa africa-
na, chamada Marrom de Terra. Quem quer brincar?
Teve quem não quis e arrumou logo outra brincadeira. Mas teve
menina querendo ser Branca de Neve e teve menino querendo ser
príncipe, e teve menina querendo ser bruxa e teve menino querendo
ser guerreiro. E quem brincou foi conhecendo a história de Marrom de
Terra, uma princesa muito antiga, talvez mais antiga que a Branca de
Neve, mas que só agora tá começando contar sua história por aí...
Querem saber como começa essa história?
“Era uma vez, há muitos e muitos anos atrás, numa pequena
aldeia da África, um povo que vivia unido e feliz. O chefe da aldeia
tinha uma filha que além de muito linda e bondosa, tinha sido abenço-
ada pelos orixás com mais um precioso dom: o de conversar com a
terra. A terra lhe ouvia, não tinha seca nem encharcada e assim as
colheitas eram abundantes e o povo da aldeia nunca passava fome. Por
isso e também por sua pele marrom e brilhante como a terra depois da
chuva, chamavam-na de Marrom de Terra. Até que um dia...”
(Relato oral de candomblecista)
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Ainda trabalhando o lúdico, podemos utilizar as inocentes brinca-
deiras infantis que além de atraentes, podem retratar diferentes his-
tórias do nosso povo. Negrinhos da África é uma das muitas brincadei-
ras que se presta para isso. Aqui, iremos usá-la para contar às crianças
como os negros vieram da áfrica com o domínio sobre a agricultura e
fundição, aprendendo aqui diversos ofícios como sapateiro, alfaiate,
barbeiro e outros mais. Quando se mostravam aptos, eram mandados
para a cidade como escravos de ganho para exercerem esses ofícios,
sendo que todo o dinheiro arrecadado durante o dia era entregue ao
seu senhor.
Negrinhos da África
Objetivo:
· Conhecer, valorizar e preservar a cultura africana;
· Desenvolver habilidades corporais diversas, que possibilitem a
dramatização;
· Reconhecer e usar as diferentes formas de expressão não verbal,
· Exercitar a criatividade;
· Trabalhar limite e freio inibitório.
Como brincar:
· A dinamizadora risca o chão, dividindo o espaço em dois;
· Divide as crianças em dois grupos;
· Cada grupo escolhe um ofício (profissão) e combina a mímica que
será encenada para representá-lo;
· A dinamizadora risca o chão, dividindo o espaço em dois, determinan-
do um lado para cada grupo;
· Dispostos em fileira, de frente um grupo para o outro, inicia a brinca-
deira;
1. Grupo 1 – bate palmas.
2. Grupo 2 – pergunta: Quem é?
3. Grupo 1 – responde: Negrinhos da África.
4. Grupo 2 – pergunta: que ofício traz?
5. Grupo 1 – responde por meio da encenação mímica combinada.
6. Grupos 1 e 2 – enquanto o grupo 1 encena a resposta, o grupo 2 vai
nomeando Ofícios e tentando pegar componentes do grupo adversário;
estes por sua vez, esquivar-se-ão, evitando se deixar apanhar.
7. Quando elemento do grupo 2 acertar o ofício e, ao mesmo tempo,
pegar um oponente, este passará a fazer parte do grupo 2, invertendo
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a situação, ficando o grupo 2 responsável pela mímica do ofício e o
grupo 1 tendo de identificá-lo.
Referências Bibliográficas:
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Leis e Decretos de Viamão Anti-Racismo
82
Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
Mensagem de veto
§ 3o (VETADO)”
“Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da
Consciência Negra’.”
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