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Num primeiro momento o autor vai destacar a imagem da Geografia como um ideal
de contemplação do século XIX, presente no discurso A. Humboldt, de K. Ritter, entre
outros, ou o ideal da “descrição animada” de Vidal de La Blache, no começo do século XX,
e as posições atuais, um longo percurso foi percorrido. Sendo que neste trajeto, a
complexidade de seu campo de estudos foi se afirmando e os sucessivos debates teórico-
metodológicos são, neste sentido, uma companhia necessária e inseparável. Nesse itinerário
surgiram algumas ilusões que se associaram a Geografia em determinados momentos de
sua evolução e foram se perdendo de forma mais ou menos definitiva.
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A primeira “boa” idéia da Geografia foi se apresentar com o campo de estudos da
Terra, conforme apontou BERDOULAY (1980) E CAPEL (1977), idéia que pode revelar o
complexo jogo de interações de fatores e elementos do qual ela, a Terra, é o resultado
síntese.
A idéia forte desta pretensão é a da Terra vista como um todo, composto por
diversas engrenagens de múltiplas relações de causa e efeito, que se estrutura na metáfora
do mundo visto como uma máquina. Ou, ainda, em uma versão concorrente, a terra vista
como um composto orgânico, composto de parcelas com forma e função diferenciadas e
complementares, presentes na metáfora do mundo visto como um organismo. Nesses
conjuntos o papel da geografia seria de compreender as leis do todo e a integração do
conjunto. No primeiro caso, a dinâmica dos diversos fatores naturais, em conjunto com a
ação humana, agiria num sentido de produzir um equilíbrio. No segundo caso, o
organicismo, a harmonia das partes com o todo era o valor supremo a ser demonstrado.
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Renascendo a idéia de produzir grandes cosmografias, começando com grandes descrições
da Terra pelos viajantes do século XVIII e XIX.
No caso de Ritter, havia grande preocupação com a noção do todo. Sabe-se também
o quanto os movimentos, Romantismo e Idealismo alemão, foram reativos à idéia de
análise de base racionalista, portanto, a idéia de síntese é uma constante no pensamento de
Ritter.
A geografia elegeu esses dois autores como fundadores de uma ciência sintética,
abrangente e total. Surge a seguinte questão: sobre que critérios deve-se procurar a
conexão?
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informações, que logo depois resultou no desenvolvimento de verdadeiras subáreas quase
independentes como a geomorfologia.
Se na descrição de Vidal o singular ainda era dado pela combinação única dos
elementos que estruturam e dão forma e “personalidade” a uma região, no período
imediatamente posterior o ÚNICO foi visto como sendo propriamente os elementos da
paisagem, a Geografia transforma-se no elenco de características ou fatos singulares dos
diversos lugares. Surge a valorização do elemento visível daquilo que é diferente como
ponto de apoio para a valorização regional. O interessante a perceber é que os limites dessa
variação não são discutidos, a unidade regional é um fato, emergindo uma aversão a teoria,
pois a Geografia é a ciência do empírico e o geógrafo é um inventariante do visível.
Descrever basta, e descrever somente aquilo que aparece, é o que o autor vai chamar
de um Kantismo empobrecido. Empobrecido, pois na Crítica da Razão Pura (1987), as
categorias analíticas constituem um recurso fundamental da explicação, e a descrição e a
experimentação só adquirem valor quando referenciadas a estas categorias. Ainda que o
espaço, segundo a estética transcendental, seja uma categoria a priori do conhecimento, a
Geografia, enquanto ciência, só pode pensar nos fenômenos que ocorrem no espaço
utilizando-se de conceitos.
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histórica e social e dependem também dos instrumentos epistemológicos desenvolvidos
para as identificarmos.
A descrição simples da forma não pode dar conta de todos os significados e todas as
práticas sociais que tem sede aí. Parece que tão pouco nos interessa a geometria se não a
relacionarmos às relações sociais, conflitos, usos e contextos sob os quais esta forma existe
e resiste em tempos diversos. O visível depende assim dos nossos óculos conceptuais.
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Outra ilusão do geógrafo, diz respeito quanto a definição de seu objeto de estudo.
Estamos acostumados a ouvir que a Geografia trata da relação entre a sociedade e a
natureza, isto é, esse conhecimento é definido pela síntese produzida pelo encontro de suas
principais parcelas: Geografia humana e Geografia física. Esses dois ramos só encontram
sua operacionalidade última quando relacionados, sendo UMA das especificidades do
conhecimento geográfico face às outras disciplinas. O primeiro problemas dessa definição é
que ela nos conduz forçosamente a conceber estes dois termos como mutuamente
excludentes, ou seja, o que nos interessa é a relação entre estes dois núcleos, então podemos
distinguir com clareza e isolar a sociedade da natureza e vice-versa. Natureza é neste
sentido, algo externo ao homem, mas completa e objetivamente acessível ao seu
conhecimento.
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Positivismo: Corrente de pensamento formulada na França por Auguste Comte (1798-1857).
Consiste em de procurar as causas íntimas dos fenômenos para, através da observação e do método científico,
estabelecer as leis gerais que os regem. O estado positivo, portanto, corresponde à maturidade do espírito
humano que não é mais enganado por explicações vagas, uma vez que pode alcançar o real, o certo e o
preciso.
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Hoje, cada vez mais se impõe a idéia de que o homem é, sobretudo, um produtor de
valores e de cultura, e a dificuldade constitui-se justamente em afastá-lo de uma realidade
que o contém completamente.
Não se pode finalizar esta descrição das ilusões sem mencionar a história, o recurso
é bastante conhecido e difundido. Para explicar os fenômenos atuais, recua-se no tempo e ,
através de uma reconstrução cronológica, explicamos o presente pelo passado. Neste
percurso, estabelecemos marcos fundamentais, nexos causais, pelos quais os eventos se
encadeiam. Os perigos desta conduta já nos forma alertados há muito tempo, talvez desde a
Antiguidade, e já se mostrava que o passado nada mais era do que uma invenção do
presente. (PESSANHA,1992).
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histórico uma objetividade que ele não tem. Há sempre uma intenção no resgate do
passado, e o que cabe discutir não é propriamente a objetividade do fato histórico, mas sim
a relação entre esta intenção e o relato que dela resulta, ou seja, o sentido que se procura
neste resgate. (LYOTARD, 1969). Neste sentido, a história deixa de ser um “historicismo”,
e passa a ser vista com uma narrativa. Só analisando a narrativa e os sentidos que ela
procura é que podemos obter uma análise objetiva. A reconstituição histórica é uma
construção e só assim pode ser pensada.
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espacial original. Não importa que esse esforço se coroe de êxito no sentido de produzir leis
gerais ou uma explicabilidade total.
Chamamos a atenção para o fato de que o saber geográfico, visto como a descrição
da ordem do mundo, que tem uma identidade historicamente fundamentada, não se resume
ao inventário das coisas sobre o espaço. A notificação dos objetos espaciais não é em si
matéria geográfica. Observamos que alguns geógrafos têm a tendência de confundir análise
geográfica com simples notação de fenômenos espaciais. Saem apressados em busca das
novidades do momento, em geral apresentados como momentos originais ameaçadores. O
único sentido de seus discursos é procurar nos convencer de que somos testemunhas de
mudanças sem paralelos na história, mudanças que nos conduzem a um desfecho sombrio.
Esta ordem espacial das coisas quer dizer que sua distribuição tem uma lógica, uma
coerência. É esta lógica do arranjo espacial a questão geográfica por excelência. Neste
sentido. Não importa se estamos diante de fenômenos físicos ou sociais, e sim do princípio
da ordem que buscamos. Evidentemente, o que preside as causas e os significados destas
lógicas são diferentes se trabalhamos com tipos de vegetação ou se trabalhamos com a
distribuição da população urbana. Este, aliás, é um ponto fundamental na discussão da
geografia e, na verdade, o que estamos afirmando é que não há unidade ou
complementaridade entre a Geografia dita física e a geografia humana, isso para usarmos o
vocabulário corrente.
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Chamamos a atenção para que este arranjo físico das coisas é que vai permitir que
determinadas ações se produzam, ou seja, AS PRÁTICAS SOCIAIS SÃO
DEPENDENTES DE UMA CERTA DISTRIBUIÇÃO OU “ARRUMAÇÃO” DAS
COISAS. Não há, por assim dizer, uma determinação ou um simples reflexo da sociedade
no espaço. PARA QUE DETERMINADA AÇÕES SE PRODUZAM, É NECESSÁRIO
QUE CERTO ARRANJO FÍSICO-ESPACIAL SEJA CONCOMITANTEMENTE
PRODUZIDO.
A análise geográfica deve examinar o espaço como um texto, onde as formas são
portadoras de significados e sentidos, isto é, o arranjo espacial das coisas é uma linguagem.
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forma formata, do dado fixo, da palavra imóvel e, ao contrário, concebemos o espaço como
composição de forma formans, de contínuo processo de produção de sentidos e ações.
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