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CLAUSTRO DE SANGUE

1. Carambolas invisíveis

Assim que nos separávamos, eu ficava sozinho, sem nada para fazer. Buscava me concentrar,
então, nas atividades acadêmicas, mas um enorme desconforto tomava conta do meu corpo,
como se houvesse algo profundamente errado ao estar longe dela.

No começo, imaginei que não havia motivos para me permitir esse tipo de sensação. E eu
acreditei que, cedo ou tarde, esse sentimento cessaria e nossa amizade voltaria a seguir pelo
rumo que sempre seguiu durante todos esses anos. Mas, entre esses ilusórios lapsos de
racionalidade tidos em momentos de solidão, o tempo, quando estávamos perto um do outro,
voltava a fluir de forma suave e ininterrupto.

Eu a conheci em um curso preparatório para vestibular, e nos tornamos bons amigos. Isso foi
há três anos, quando eu tinha 16 e ela 20. Desde então, fui aprovado em Medicina e comecei a
frequentar aulas de música. Ela, por outro lado, dedicava uma parte de seu dia ao curso de
Arquitetura e a outra servindo mesas em um restaurante em frente à faculdade em que
estudávamos. De alguma forma, ela não gostava de falar do trabalho como garçonete, pois não
via qualquer coisa digna em exercê-lo. Só se submetia a tal atividade, segundo ela, porque
precisava do dinheiro, já que vivia em difícil situação financeira desde que passou a morar
sozinha. E, graças à boa vontade de seus muitos casos com homens mais velhos, ela
complementava sua renda: atividade que gostava menos ainda de comentar, pois constituem
também uma espécie de crônica desse período difícil. Mas trata-se de uma crônica muito
especial que parece obedecer a uma ideia preconcebida de indecência.

De modo algum estou julgando que ela dormia com homens mais velhos por dinheiro. Talvez
as coisas fossem bem diferentes e eu tenha tido uma má interpretação justamente por termos
falado tão pouco disso e sempre de forma tão vaga. Para ser sincero, essas coisas não
representam qualquer problema para mim, tão pouco prejudicam qualquer aspecto da nossa
relação. Sua excentricidade, em contrapartida, residia em particularidades bem mais simples:
a forma como lambia os lábios para umedecê-los após falar por um tempo demasiadamente
longo, o forte piscar de olhos quando estava nervosa, o cheiro cítrico advindo do perfume que
frequentemente usava e, por último, a sensual dança que seus braços faziam em momentos
mais íntimos.

- Veja bem... – Ela disse com um sorriso traiçoeiro na primeira vez que isso aconteceu. – Você
conhece alguma música lenta? Daquele tipo que te faz parecer que está flutuando entre as
nuvens?

- Eu posso pensar em algo. – Respondi, soerguendo-se do chão que estávamos deitados. – O


que você tem em mente?

- Coloque-a para tocar e eu mostrarei como colher carambolas invisíveis.


Naquele momento, estávamos completamente chapados na varanda do apartamento dela,
atividade essa que fazíamos juntos com frequência ao final dias especialmente cansativos.
Acabei, então, por aceitar a proposta.

Fui até a sala e coloquei o estilo de música solicitado para a ocasião. Quando voltei, ela estava
em pé, sem roupa e encostada na grade de proteção.

- Veja bem... – Ela voltou a dizer sorrindo e erguendo os braços enquanto seus delicados seios
acompanhavam o movimento de subida. – À minha esquerda há uma travessa de vidro para
as carambolas verdes. Já à minha direita há uma travessa de vidro para as carambolas maduras.
O pé é pequeno e, portanto, acima de mim, eu consigo alcançar as frutas com minhas próprias
mãos. – Gargalhou, por fim, com uma pequena perda de equilíbrio.

Eu sei que nosso senso de realidade estava diluído pelas substâncias psicoativas que fluíam
pelo nosso sangue, mas ela jamais tinha se submetido a esse nível de exposição comigo. Talvez
a explicação da cena passe a impressão de uma intimidade artificialmente construída, mas isso
pouco importa, pois, depois de encará-la por alguns minutos, eu percebi o quanto eu estava
apaixonado.

- Agora é muito simples. – Ela continuou à medida em que eu me aproximava lentamente para
observá-la mais de perto.

Seus brancos braços serpentearam até o ponto mais alto conforme o ritmo da música avançou.
Ao finalmente alcançar o topo, suas mãos rodaram aleatoriamente em busca de algo invisível,
tateando entre galhos e folhas que não existiam até achar algo imaginário, mas tão sólido como
se fosse real. Ao encontrar o que procurava, seu rosto se encheu de brilho e suas bochechas se
contraíram resultando em um largo e lívido sorriso. Nesse momento, ela me encarou e, depois,
deslizou os braços lentamente até a altura do tórax, jogando a carambola invisível em uma das
travessas conforme estivesse verde ou madura segundo sua própria concepção.

- Você parece ter talento. – Observei, hipnotizado.

Mas esses momentos não passaram de fúteis abstrações que não contêm a mínima expressão
de sua individualidade. A inveja, o ódio e o medo que criei, no entanto, frutificaram e
apodreceram aos poucos como as carambolas invisíveis que foram privadas de serem colhidas.
Sem piscar nem estremecer, o caos explodiu em nossa direção dando o golpe derradeiro.

Eu mato ou morro, mas quase sempre mato. Depois do caos e da adrenalina, eu traço um
perímetro seguro e, quando todas as luzes se apagam, e, quando eu finalmente sei que minha
solidão permanecerá imperturbada no silêncio, meus músculos relaxam, minhas escápulas
coalescem e eu tombo, sofrendo, agonizando e lamentando esse sadismo sincero. Por fim,
regurgito suco estomacal sobre o machucado, pois não posso me dar ao luxo de uma infecção,
e lambo, com minha língua áspera, os antígenos impregnados nos cortes em carne viva.

Por sete dias e sete noite, nós jejuamos.


2. Claustro

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