Sie sind auf Seite 1von 7

A filosofia de Santo Agostinho

Por Rafael Gómez Pérez

Uma das maiores personalidades da história universal, Santo Agostinho foi um


grande retórico, um grande filósofo e um grande santo da Igreja. Sua obra, ao
mesmo tempo vasta e profunda, exerceu e exerce muita influência em toda a
cultura ocidental.

A sua vida, muito conhecida, torna-o inteligível também para muitos não-
cristãos. Retórico, homem do mundo, carnal, fez um longo esforço para
encontrar a chave da inquietação que o devorava. Primeiro maniqueu, depois
platônico, finalmente convertido, num célebre momento que ele mesmo contou
com um gênio inimitável.

Depois da conversão, e sem pretendê-lo, é ordenado sacerdote. Chega ao


episcopado da mesma maneira. E desde esse momento, no meio de muitas
vicissitudes críticas, carrega sobre si grande parte da responsabilidade da Igreja;
assim, por exemplo, no auge da heresia de Pelágio ouem face do cisma dos
donatistas. No momento da sua morte, é todo um símbolo. Morre em Hipona
quando os vândalos sitiavam a cidade. Com ele, morre a cultura antiga e nasce
outra nova. Porque Santo Agostinho foi um homem do seu tempo. Versado em
todas as artes clássicas, foi sempre um retórico de grande habilidade, jogando
com as palavras num malabarismo que conseguia sempre escapar à
superficialidade. Diríamos que o seu pensamento é tão profundo que supera as
habilidades do retórico.

Inicialmente, escreve filosofia, porém mais tarde dedica as suas forças à


pregação, sem descuidar uma enorme correspondência. Escreve também muitos
tratados teológicos, de exegese bíblica, etc.

Não citaremos aqui as obras teológicas; limitar-nos-emos às de caráter


filosófico: Contra Acadêmicos, crítica do ceticismo; De beata vita, sobre a
felicidade; De ordine, sobre a origem do mal: os Coliloquia, um apaixonado
diálogo consigo mesmo sobre a imortalidade da alma; De immortalitate animae;
De quantitate animae, sobre a mesma questão; De magistro, sobre a educação
com um enfoque psicológico.

Santo Agostinho não construiu um sistema filosófico completo, ainda que as


idéias básicas se mantenham constantes e acusem um claro predomínio
platônico. Ele mesmo nos conta que começou a ler uma obra de Aristóteles e
não pôde prosseguir. Talvez o tenha afastado o estilo entrecortado,
desencarnado, a falta dessa alma que Santo Agostinho buscava em tudo. Santo
Agostinho não parece feito para encerrar a realidade em categorias. A sua
reflexão parte sempre da vida: das coisas que se passam ao seu redor, das idéias
dominantes, dos ataques contra a fé, da interioridade da sua alma.

A BUSCA DA VERDADE

A filosofia agostiniana é uma constante busca da verdade, que culmina na


Verdade, em Cristo. É um movimento incessante, uma paixão, e, precisamente,
a paixão principal: o amor. “Amor meus, pondus meum”, o amor é o peso que
dá sentido à minha vida. Verdade e Amor.“Fizeste-nos, Senhor, para Ti e o
nosso coração estará inquieto enquanto não descansar em Ti”, diz nas
Confissões.

Essa “passionalidade” da filosofia agostiniana não é em nenhum momento


irracionalismo ou voluntarismo. Se incita a ter fé para entender, também anima
a entender para crer melhor. Nada nos pode fazer duvidar da possibilidade de
chegar à verdade. Nada valem os argumentos céticos. Si fallor, sum: se me
engano, é uma prova de que sou, diz, antecipando-se, num contexto muito
diferente, a Descartes. E com mais clareza: “Sabes que pensas? Sei. Ergo verum
est cogitare te, logo é verdade que pensas”.

A verdade está no interior do homem. “Não queiras sair para fora; é no interior
do homem que habita a verdade”. E há verdades constantes, inalteráveis, para
sempre. Dois mais dois serão sempre quatro. Santo Agostinho tenta esclarecer
de onde pode vir essa verdade. Não das sensações, diz, porque essas são e não
são, são mutáveis, efêmeras. Tampouco do espírito humano, que, por profundo
que seja, é limitado. Essas verdades eternas só podem ter por autor Aquele que
é eterno: Deus. São reflexos da verdade eterna, que nos ilumina e nos permite
ver. Nisso consiste o que depois ficou conhecido como “doutrina da
iluminação”; porém, desde já é preciso dizer que Santo Agostinho não a
apresenta nunca como uma “teoria”, mas como uma comprovação. Já no final
da sua vida, diz nas Retractationes que o homem tem em si, enquanto é capaz,
“a luz da razão eterna, na qual vê as verdades imutáveis”.

Como em Platão, conhecer verdadeiramente é estar em contato com o mundo


inteligível. Porém, Santo Agostinho nunca dirá que vemos as verdades em
Deus, mas que participamos da luz da razão eterna. Não se deve ignorar, por
outro lado, que essa solução para o tema do conhecimento corre o risco de não
distinguir de forma adequada o conhecimento natural do conhecimento
sobrenatural. Mas essa é uma questão que só será levantada mais tarde, na Idade
Média.

A BUSCA DE DEUS

Em Santo Agostinho, não existem provas formais para demonstrar a existência


de Deus. Ainda que toda a sua obra seja uma espécie de itinerário em direção a
Deus. Tudo fala de Deus; basta abrir os olhos. Ele é intimior intimo meo, mais
íntimo ao homem que a própria intimidade humana. As coisas falam-nos todo
o tempo de Deus. Perguntamos-lhes: “Sois Deus?” E respondem: “Não, fomos
feitas. Continua a buscar”. De forma retórica – retórica de grande qualidade –,
encontramos aí a prova da existência de Deus pela contingência das realidades
humanas. A mutabilidáde exige o imutável; os graus de perfeição exigem o Ser
perfeito. Em Santo Agostinho, como em outros filósofos de inspiração
platônica, está claramente formulado o que será a quarta via de São Tomás de
Aquino.

Qual é o melhor nome para Deus? O que se lê no Êxodo: “Aquele que é”. “Non
aliquo modo est, sed est est” (Confissões). Santo Agostinho dará com
freqüência a Deus o nome de Bem, de Amor, porém não desconhece que antes
de tudo Ele é; e porque é o que é, é Amor, Bem, Infinito. São Tomás de Aquino
não precisará modificar nada de substancial nesta metafísica agostiniana. Como
exemplo das dezenas de textos agostinianos, temos este, das Confissões: “Eis
que o céu e a terra são; e dizem-nos em altos brados que foram feitos, pois
modificam-se e variam. Porque, naquilo que é sem ter sido feito, não há coisa
alguma agora que antes não houvesse: que isso é modificar-se e variar. O céu e
a terra clamam também que não se fizeram a si mesmos: somos porque fomos
feitos; não éramos antes que fôssemos, de modo a termos podido ser por nós
mesmos. Basta olhar para as coisas para ouvi-las dizer isso. Tu, Senhor, fizeste
essas coisas. Porque és belo, elas são belas; porque és bom, são boas; porque tu
és, elas são.”

Esta última afirmação (quia est: sunt enim) significava a definitiva superação
por parte de Santo Agostinho do essencialismo platônico. Deus é causa do ser
das coisas, porque é o Ser por essência. Se a fórmula de Santo Agostinho não é
essa, a idéia é.

O MUNDO, CRIAÇÃO DE DEUS

Outro texto das Confissões situa de forma inequívoca a metafísica da criação:


“Que eu ouça e entenda como no princípio fizeste o céu e a terra. Moisés
escreveu isso; escreveu-o e ausentou-se. Daqui, onde estava contigo, passou a
estar contigo, e por isso não o podem ver meus olhos. Se estivesse aqui presente,
eu o agarraria, lhe rogaria e, por Ti, lhe suplicaria que me explicasse essas coisas
[...]. Porém, como saberia que estava a dizer-me a verdade? A própria verdade,
que está no interior da minha alma, e que não é grega, nem latina, nem bárbara,
nem necessita dos órgãos da boca ou da língua, nem do ruído de sílabas, me
diria: Moisés diz a verdade, e eu, no mesmo instante, com toda a segurança lhe
diria: Verdade é o que me dizes”.

Voltemos à questão anterior. Deus é Aquele que é; as coisas são criadas. Deus
é quem lhes deu o ser. Por quê? Por pura bondade. “Porque Deus é bom,
somos.” A razão da criação é a bondade de Deus. Deus não pode ter, no seu
querer, outro fim que não o seu próprio ser. Só em relação a si mesmo pode
querer mais. A criação é gratuita. Não há nada preexistente. Santo Agostinho
acaba com as dúvidas de Orígenes e com o universo grego, eterno.

Deus cria todas as coisas do nada. E todo o criado é composto de matéria. Santo
Agostinho, que durante tanto tempo não conseguiu conceber uma substância
espiritual, não deixa de atribuir uma certa materialidade mesmo às criaturas
espirituais, aos anjos. A absoluta imaterialidade só cabe a Deus. Em Deus estão
as idéias exemplares de todas as coisas, que são as formas. Ao criar, essas idéias
ficam limitadas pela matéria, mas, ao mesmo tempo, nessa matéria já estão os
germes de tudo o que será: as rationes seminales.

Santo Agostinho retoma aqui uma doutrina de origem estóica e, ao mesmo


tempo, faz uma concessão ao “materialismo” que professou durante anos,
embora talvez seja melhor empregar o termo de “corporeismo”.

O ENIGMA DO HOMEM

“O homem que se espanta é ele mesmo grande maravilha”. “E dirigi-me a mim


mesmo e disse: Tu quem és? E respondi-me: Homem. E eis que tenho à mão o
corpo e a alma, um exterior e o outro interior. Porém, melhor é o interior”. “O
homem é um ser intermediário entre os animais e os anjos”. “Nada encontramos
no homem além de corpo e alma; isso é todo o homem: espírito e carne”. Essas
são apenas algumas das numerosas referências que poderíamos dar sobre esta
questão crucial. São os dois grandes temas agostinianos: “Deus e o homem”.
“Que te conheça a ti e que me conheça a mim mesmo”. É o famoso princípio
dos Soliloquia: “Quero conhecer Deus e a alma. Nada mais? Absolutamente
nada mais”.

Também nesta questão Santo Agostinho trai a influência do platonismo. O


homem é uma alma que usa um corpo; ou, uma alma racional, que se serve de
um corpo terrestre e mortal; ou, “uma alma racional que tem um corpo”. Tudo
indica que, para Santo Agostinho, o homem é a alma. E, contudo, há textos que
parecem fugir ao platonismo: “Porque o homem não é só corpo ou apenas alma,
mas o que é constituído de alma e de corpo. Esta é a verdade: a alma não é todo
o homem, mas é a melhor parte do homem; nem todo o homem é o corpo, mas
a porção inferior do homem; quando as duas estão juntas, temos o homem” (A
Cidade de Deus). A questão ainda está sujeita a discussão, mas exagerou-se
demais o platonismo de Santo Agostinho neste particular. De qualquer forma,
Santo Agostinho supera a desvalorização do corporal, tão essencial no
platonismo e no neoplatonismo. O corpo é matéria, criação de Deus, e por isso,
bom. Não é o cárcere nem o túmulo da alma: “Não é o corpo o teu cárcere, mas
a corrupção do teu corpo. O teu corpo, Deus o fez bom, porque Ele é bom”.
Também aqui poderíamos multiplicar os textos: “Todo aquele que quer eliminar
o corpo da natureza humana desvaira”. E de forma inequívoca, numa obra
tardia, o Sermão 267: “Perversa e humana filosofia é a dos que negam a
ressurreição do corpo. Alardeiam serem grandes depreciadores do corpo,
porque crêem que nele estão encarceradas as suas almas, por delitos cometidos
em outro lugar. Porém, o nosso Deus fez o corpo e o espírito; de ambos é o
criador; de ambos o recriador”.

Examinemos uma dificuldade classicamente agostiniana. Deus é o criador da


alma, mas como a criou? Com os nascimentos surgem constantemente homens,
isto é, corpo e alma. Será que as almas estão nas “razões seminais”, na matéria,
e são transmitidas pelos pais, na geração? Santo Agostinho assim o pensou por
certo tempo, mas depois recusou que algo espiritual pudesse surgir da matéria.
Pensou na criação imediata por Deus de cada alma, mas esse início no tempo
de algo espiritual não combinava com o que ainda restava de platonismo nele.
Acabou confessando que não sabia o que dizer. Era mais um elemento desse
enigma que é o homem.

Fica claro que a alma é imortal, porque conhece as verdades imortais e eternas.
Que conheçamos o que seja a verdade e que nunca deixará de sê-lo é, para Santo
Agostinho, evidente. Como pode morrer ou desaparecer o que é a sede do
indestrutível?
A alma será sempre um mistério. Muitas outras realidades sobre as quais
pensamos também o são. O tempo. É famoso o dito agostiniano: “Se ninguém
mo pergunta, sei; mas se quero explicá-lo a quem mo pergunta, não o sei”.
Depois de uma análise do passado, do presente e do futuro – até hoje não
superada –, Santo Agostinho concluí: “Não se diz com propriedade «três são os
tempos: passado, presente e futuro»; talvez fosse mais apropriado dizer:
«presente das coisas futuras, presente das coisas passadas, presente das coisas
presentes». Porque essas três presenças têm algum ser na minha alma, e é
somente nela que as vejo. O presente das coisas passadas é a memória; o
presente das coisas presentes é a contemplação; o presente das coisas futuras é
a expectação” (Confissões). O tempo é, assim, distensio animi, “uma espécie
de extensão da nossa alma”. É preciso ler ao menos esse livro XI das Confissões
para captar o tom da filosofia agostiniana: incerta às vezes, nada dogmática, em
diálogo constante com Deus.

A COMPLEXIDADE DA HISTÓRIA

A Cidade de Deus é mais uma das grandes obras universais que Santo
Agostinho legou à humanidade. Mas poucos escritos têm sido tão mal lidos, tão
mal interpretados. A oposição entre Cidade de Deus e Cidade terrena foi vista
como oposição entre Igreja e Estado. Nada mais falso. O texto célebre não deixa
lugar a dúvidas. Dois amores criaram duas cidades: o amor próprio, que leva ao
desprezo de Deus, a terrena; o amor de Deus, que leva ao desprezo de si mesmo,
a celestial. Ou: “Dividi a Humanidade em dois grandes grupos. Um é o daqueles
que vivem segundo o homem; o outro, o dos que vivem segundo Deus. Damos
misticamente a esses dois grupos o nome de cidades, que quer dizer sociedades
de homens”.

A prova fundamental de que essa divisão não é equivalente à divisão Igreja-


Estado é a afirmação taxativa de que na Igreja podem existir homens que, na
realidade, pertencem à cidade terrena; e, inversamente, entre as pessoas que
ainda estão fora da Igreja podem-se encontrar predestinados à cidade celestial.
Por outro lado, essas duas “cidades” acham-se misturadas, imbricadas. A
“peneira” será feita só no final de cada história pessoal e no final da história de
todo o gênero humano. Enquanto transcorre o tempo, com as suas variações,
“porque não em vão são tempos”, a história é complexa. Não existe uma “lei da
história”, não conhecemos o futuro. Só Deus conhece o final; o homem move-
se às apalpadelas no campo da história. A história forma como que um belo
poema, no qual intervêm Deus e o homem. O final só será conhecido quando
soar a última nota.
Em uma palavra: a concepção de história é, em Santo Agostinho, uma
concepção aberta. O seu “providencialismo” não é uma afirmação de
“teocracia”. Não se pode extrair da filosofia-teologia da história de Santo
Agostinho argumentos para o césaro-papismo ou para qualquer outra confusão
do religioso com o político. A importância desta filosofia-teologia da história
ressalta mais quando se tem em conta que em toda a história da filosofia será
preciso esperar Hegel para encontrar outra concepção igualmente global e
completa (embora em Hegel ela tenha um sentido panteísta).

Rafael Gómez Pérez


Antigo professor de Antropologia na Universidade Complutense de Madri,
doutor em Direito e em Filosofia, publicou mais de sessenta livros sobre
filosofia, ética, antropologia e literatura, entre os quais estão: “Problemas
Morales de la existencia humana”, “Memoria del futuro” e “Ni de Ciencias ni
de Letras”.

Fonte: “História básica da filosofia”, Editora Nerman, São Paulo, 1988,


págs. 70-74.
Link: www.quadrante.com.br
Tradução: Peter Pelbart

Das könnte Ihnen auch gefallen