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DAS ACÇÕES COLECTIVAS

EM PORTUGAL
DAS ACÇÕES COLECTIVAS
EM PORTUGAL

«no quadro do direito do consumo»

Ângela Frota
Cristina Rodrigues de Freitas
Teresa Madeira
ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DIREITO DO CONSUMO

2007
Das Acções Colectivas em Portugal

FICHA TÉCNICA
Título:
Das Acções Colectivas em Portugal
Autoria:
Ângela Frota - Cristina Rodrigues de Freitas - Teresa Madeira
- APDC - Associação Portuguesa de Direito do Consumo
Edição:
Direcção-Geral do Consumidor
Concepção:
Direcção-Geral do Consumidor
Impressão e acabamento:
Facsimile-Offset e Publicidade, Lda.
Tiragem:
350 exemplares
Depósito Legal:
267117/07
ISBN:
978-972-8715-31-1

2
Das Acções Colectivas em Portugal

Nota Introdutória

A acção dos consumidores visando, designadamente, a obtenção de benefícios e a


melhoria da qualidade dos bens e serviços, pode, através de diversas formas de actuação,
influenciar/conformar os comportamentos dos agentes económicos que actuam no
mercado.

Entre as formas de actuação dos consumidores, capazes de interferir positivamente no


mercado destaca-se a propositura de acções judiciais com o objectivo de fazer cessar ou
corrigir práticas comerciais lesivas dos direitos dos consumidores.

Esta actuação e o resultado que dela possa vir a decorrer interfere necessariamente no
funcionamento do mercado económico, forçando os agentes económicos a adequar os
comportamentos/práticas comerciais aos direitos e legítimos interesses dos consumidores.

Como consequência, a actuação dos consumidores é susceptível de interferir activa e


positivamente no mercado porque em última análise interfere nas relações de comércio
entre os agentes económicos, ou seja, na concorrência que deve existir entre esses agentes.

Concorrência que deve ser considerada como um bem público essencial para a
prossecução do bem-estar da sociedade.

Historicamente, a litigância resulta da assunção individual de direitos. As sociedades


modernas envolvem a produção em massa e negócios globais, com potencial para danos
similares múltiplos.

Neste contexto, a proporcionalidade entre custo e benefício funciona muitas vezes


como barreira ao acesso à justiça.

Torna-se pois, necessário assegurar a protecção do consumidor e o seu


"empowerment" quer através da correcção de falhas de funcionamento dos instrumentos
regulatórios, quer da gestão eficiente do sistema, com vista a evitar múltiplas acções e
múltiplas decisões judiciais, de que decorrem por vezes situações de falta de transparência
e custos agravados.

De entre os princípios gerais que devem presidir a essa tarefa encontramos, entre
outros, a eficiência do procedimento, a garantia da boa-fé dos peticionários, a
substituição dos direitos individuais pelo poder colectivo e viabilidade económica
reforçada e a economia de meios e potenciação dos efeitos das decisões.

A presente monografia visa contribuir para colocar na ordem do dia uma matéria de
grande relevância para o futuro da defesa dos consumidores, em Portugal e na Europa.

Trata-se de uma temática que a Direcção-Geral do Consumidor reputa da maior


relevância, e que será tratada dentro de dias, num âmbito europeu alargado, na
Conferência "Em busca da Acção Colectiva Europeia?" organizada, no âmbito da
Presidência Portuguesa da União Europeia.

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Das Acções Colectivas em Portugal

Os pontos de vista dos autores, se bem que não coincidentes em diversas matérias
com aqueles que esta Direcção-Geral perfilha, lançam uma discussão que se pretende
prolífica sobre a matéria da acção colectiva na sociedade civil portuguesa - discussão essa
em cujo desencadear assim participámos com muito gosto e na convicção de estar a
contribuir para o fortalecimento da política de defesa dos consumidores em Portugal.

Lisboa, 31 de Outubro de 2007

José Manuel Ribeiro


Director-Geral do Consumidor

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Das Acções Colectivas em Portugal

ÍNDICE

I Parte
Do Direito ao Acesso
à Justiça Colectiva

1. Garantia do acesso aos tribunais em geral ............................................ 13


2. Do acesso à justiça colectiva em particular ............................................ 16
3. Da responsabilidade civil ...................................................................... 19

II
Do Direito de Acção

1. Do direito de acção ............................................................................. 22


2. Da tipologia das acções de jure condito.................................................. 24
3. Dos interesses e direitos........................................................................ 25
3.1 individuais homogéneos ................................................................ 26
3.2 colectivos...................................................................................... 26
3.3 difusos.......................................................................................... 27

III
Dos Pressupostos Processuais

1. Das partes ........................................................................................... 29


1.1 Personalidade ............................................................................... 29
1.2 Capacidade.................................................................................. 29
1.3 Legitimidade ................................................................................. 30
1.4 Do patrocínio judiciário ................................................................. 34
1.4.1 Da obrigatoriedade ............................................................... 34
1.4.2 Da protecção jurídica e do apoio judiciário ............................ 37
1.4.3 Da “quota litis” ....................................................................... 38
1.4.4 Conta especial (fundo de direitos colectivos lato sensu?).......... 38
2. Dos tribunais........................................................................................ 39
2.1 Competência interna .......................................................................... 39
2.2 Competência internacional ................................................................. 43

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Das Acções Colectivas em Portugal

II Parte

CAPÍTULO I
Do processo

1. Petição inicial: indeferimento ................................................................ 45


2. Direito de exclusão (opt out).................................................................. 49
3. Actividade probatória ........................................................................... 53

CAPÍTULO II
Da eficácia do caso julgado

1. Generalidades ..................................................................................... 56
2. Na acção inibitória .............................................................................. 57
3. Na acção popular................................................................................ 60

CAPÍTULO III
Do regime dos recursos

1. Generalidades ..................................................................................... 64
2. O regime dos recursos nas acções inibitórias ......................................... 70
3. Acção popular ..................................................................................... 72

CAPÍTULO IV
Das custas

1. Acção inibitória em geral...................................................................... 74


2. Acção inibitória transnacional fundada na Directiva 98/27/CEE,
do Parlamento Europeu e do Conselho...................................................... 74
3. Acção inibitória transnacional ............................................................... 74
4. Acção inibitória no quadro da Lei das Condições Gerais dos Contratos... 75
5. Acção Popular ..................................................................................... 76

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Das Acções Colectivas em Portugal

CAPÍTULO V
Registo nacional de cláusulas abusivas

1. Razão de Ordem.................................................................................. 78
2. O registo suporte da publicidade dos actos - emanação oficial............... 80
3. Os registos informais – o CLAB na órbita da Comissão Europeia ............ 81

CAPÍTULO II
Registo nacional de cláusulas abusivas

1. Decisão ............................................................................................... 83
2. Notificação do tribunal a quo ................................................................. 84
3. O serviço: estruturação do serviço e sua actualização ............................ 85

CAPÍTULO III
Reflexos de Registo

1. As vantagens do registo ante as acções singulares que se


prevalecem das decisões incidentais de nulidade........................................ 90
2. A prevenção geral ................................................................................ 91
3. A prevenção especial............................................................................ 93

CAPÍTULO IV
Do Fundo de Direitos Colectivos Lato Sensu

CAPÍTULO V
Das Especialidades

1. Generalidades ..................................................................................... 96
2. A legitimatio ad causam ....................................................................... 97
3. Caso julgado ....................................................................................... 103

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Das Acções Colectivas em Portugal

III PARTE
DA EXPERIÊNCIA PORTUGUESA

CAPÍTULO I
A Dimensão Social, Cultural e Económica

1. Antecedentes........................................................................................ 114
2. A dimensão política.............................................................................. 115
3. A dimensão cultural.............................................................................. 117
4. A dimensão económica ........................................................................ 117

CAPÍTULO II
O Estado da Questão

1. Acção Inibitória em Geral..................................................................... 119


2. Acção Inibitória em Especial ................................................................. 121
3. O Molde da Acção Popular .................................................................. 125

CAPÍTULO III
A CONFLITUALIDADE SUBSISTENTE E
O VALIMENTO DOS MEIOS PROCESSUAIS
AO ALCANCE DOS CONSUMIDORES
E SUAS INSTITUIÇÕES

CAPÍTULO IV
RAZÕES PARA A INOPERÂNCIA DOS
MEIOS PROCESSUAIS

1. Explicações Possíveis para o-recurso às acções colectivas no domínio


do direito do consumo.............................................................................. 133

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Das Acções Colectivas em Portugal

IV PARTE
DE JURE CONDENDO

CAPÍTULO I
Unidade ou pluralidade tipológica das acções

1. Generalidades ..................................................................................... 135

CAPÍTULO II
Propostas de Solução

1. Por um Código de Processo de Consumo? ............................................ 137


2. Vias preconizáveis no plano interno ....................................................... 138
3. De Lege Ferenda .................................................................................. 140
4. Das Reflexões no Seio da União Europeia.............................................. 142

ANEXOS

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Das Acções Colectivas em Portugal

ABREVIATURAS

CRP – Constituição da República Portuguesa


LADJ – Lei do Acesso ao Direito e à Justiça
LDC – Lei de Defesa do Consumidor
LCGC – Lei das Condições Gerais dos Contratos
CPC – Código de Processo Civil
DAI – Directiva da Acção Inibitória Intracomunitária
LAP – Lei da Acção Popular
LAIT – Lei da Acção Inibitória Transnacional
CCJ – Código das Custas Judiciais
CC – Código Civil
LOFTJ – Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais
MP – Ministério Público
DGC – Direcção Geral do Consumidor
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Das Acções Colectivas em Portugal

INTRODUÇÃO

A análise da acção colectiva em Portugal não é processo nem simples nem


fácil.
Porque – sob a denominação corrente de acção colectiva – se descortinam
distintos meios processuais tendentes à tutela de interesses e direitos de dimensão
transindividual ou meta-individual.
Como modalidades da acção colectiva em vigor em Portugal, no particular do
direito do consumo, deparam-se-nos distintos meios, a saber:
- a acção popular em que, de par com domínios outros, como os da saúde
pública, a qualidade de vida, o ambiente, o património cultural e o próprio domí-
nio público, figura também a massa de direitos transindividuais dos consumidores;
- a acção inibitória como meio processual idóneo para a prevenção e a
repressão das condições gerais dos contratos apostas em formulários em circula-
ção no mercado e nos demais suportes;
- a acção inibitória cuja consagração em geral decorre da Lei n.º 24/96, de
31 de Julho, a LDC – Lei de Defesa do Consumidor;
- a acção inibitória contemplada na Lei 25/2004, de 8 de Julho, em deco-
rrência do que prescreve a Directiva 98/27/CE, do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 19 de Maio, cujo molde, ao que se afigura, exclui os interesses ou
direitos individuais homogéneos,1 que a LDC abarca expressis verbis.2
A acção inibitória que a LDC consagra substituiu o molde da Acção Civil
Pública que a LDC de 22 de Agosto de 1981 previu e que, ao longo de 15 anos,
nem uma só vez veio a ser adoptada em uma qualquer concreta situação de facto.

1
Com efeito, o considerandum (2) da Directiva em epígrafe di-lo expressamente: “considerando que os mecanismos vigentes a nível
nacional e comunitário para assegurar o cumprimento das referidas directivas, nem sempre permitem que se ponha termo [tempestiva-
mente] às violações prejudiciais dos interesses colectivos dos consumidores; que por interesses colectivos se entende os interesses que
não incluem a cumulação dos interesses dos indivíduos que tenham sido prejudicados por uma infracção, que tal não prejudica as acções
intentadas por indivíduos que tenham sido prejudicados por uma infracção…”
Ademais, enquanto na acção inibitória prevista na LDC os consumidores individuais, prejudicados ou não, detêm legitimidade proces-
sual activa, no quadro da Directiva a que se alude – e de harmonia com o seu artigo 3.º, só “entidades competentes dotar-se-ão de
legitimidade para instaurar as pertinentes acções: “entende-se por “entidade competente”, qualquer organismo ou organização que,
devidamente constituídos segundo a legislação de um Estado-membro, tenha interesse legítimo em fazer respeitar as disposições referi-
das no artigo 1.º designadamente
a) Um ou vários organismos públicos independentemente, especificamente responsáveis pela protecção dos interesses previstos no arti-
go 1.º, nos Estados-membros em que esses organismos existam;
b) As organizações que tenham por finalidade proteger os interesses previstos no artigo 1.º, de acordo com os critérios previstos na res-
pectiva legislação nacional.”
2
O artigo 13 da LDC dispõe expressamente: “têm legitimidade para intentar as acções previstas nos artigos anteriores:
a) os consumidores directamente lesados
b) os consumidores e as associações
c) o Ministério Público e a [Direcção-Geral do Consumidor] quando estejam em causa interesses individuais homogéneos, colecti-
vos ou difusos.
E, concretamente, o artigo 20 – no que tange ao Ministério Público – estabelece: “Incumbe também ao Ministério Público a defesa dos
consumidores no âmbito da presente lei e no quadro das respectivas competências, intervindo em acções administrativas e cíveis ten-
dentes à tutela dos interesses individuais homogéneos, bem como de interesses colectivos ou difusos dos consumidores.”

11
Das Acções Colectivas em Portugal

A diversidade dos moldes que se ajustam à acção colectiva não é nem satis-
fatória nem desejável.
A acção popular – no que ora importa -, em conformidade com o que dispõe
a Constituição da República no n.º 3 do seu artigo 52 e o n.º 2 do artigo 1.º da
Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, visa a prevenção, a cessação ou a perseguição
de acções e omissões susceptíveis de lesar relevantes interesses imbricados na
– saúde pública
– ambiente
– qualidade de vida
– protecção do consumidor ante produtos e serviços disponíveis no mercado
de consumo
– o património cultural e
– o domínio público, como se assinalou.

Na medida em que há como que um entrecruzar de modalidades de acções


colectivas, assiste-se a um malbaratar de meios e a uma dispersão de instrumen-
tos processuais que a ninguém aproveita.
Ademais, a forma avulsa como se deu expressão aos diferentes instrumentos
não permite uma qualquer harmonia na disciplina dos meios, avultando situaçõ-
es algo anómalas que curial seria se esbatessem ou eliminassem.
Na metodologia da obra, analisar-se-á sucessivamente qualquer das modali-
dades da acção colectiva: a acção popular não é o molde mais empregue na
tutela de interesses e direitos do consumidor, antes prevalece em domínios como
os da preservação do ambiente ou da salvaguarda do património cultural; o da
acção inibitória em geral não tem, em rigor expressão; o da acção inibitória em
especial é, afinal, o meio de que os legitimados mais se socorrem com o fito de
prevenir ou reprimir as cláusulas abusivas que povoam os suportes próprios .
Mas nada imporá que, no ordenamento jurídico-processual pátrio, se conti-
nue a assistir às dispersões que ora ocorrem.
Para se colher vantagens dos meios propiciados, mister será que se rediscipli-
ne um tal domínio – conclusão que pode antecipar-se sem qualquer demérito do
que ulteriormente se apurar, criando, em rigor, um meio processual idóneo para
tutela dos interesses e direitos transindividuais dos consumidores, seja qual for a
modalidade perseguida, de par com um outro, quiçá distinto, imbricado na acção
popular, com a configuração actual ou distinta da que a LAP ora contempla.

12
Das Acções Colectivas em Portugal

I PARTE
DA ACÇÃO COLECTIVA

CAPÍTULO I
Do Direito ao Acesso
à
Justiça Colectiva

1. Garantia do acesso aos tribunais em geral

“Todo o homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública


audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus
direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”.
Assim o estabelece, de forma significativa, o artigo 10.º da Declaração
Universal de Direitos do Homem.
Com efeito, o acesso ao direito e aos tribunais é um dos mais elementares
direitos que devem assistir a todo e qualquer cidadão inserido numa comunida-
de que se pretende democrática, justa, livre e esclarecida, e elevado à categoria
de direito fundamental, pilar dessa mesma sociedade.
Consagra-o, expressamente, o artigo 20.º da Constituição da República
Portuguesa, sob a epígrafe “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”, inse-
rido no capítulo relativo aos direitos e deveres fundamentais.
Dito acesso justifica-se em prol da defesa dos direitos e interesses legal-
mente protegidos e, consequentemente não pode ser sonegado em virtude da
insuficiência de meios económicos, sob pena de estarmos perante a violação
do princípio da igualdade, também ele fundamental.
Diz o n.º 2 do artigo 20.º da CRP:
“2 – Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao
patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer
autoridade.”

Pretende-se, pois, ainda que nem sempre se efective, a eliminação de todo e


qualquer obstáculo que dificulte o acesso à justiça, ao direito a que a sua pre-
tensão, ainda que de natureza controvertida, seja apreciada por um tribunal isen-
to, independente.
Temos, pois, e em primeiro lugar um acesso ao próprio direito, prévio e neces-
sário para o posterior acesso aos tribunais; à justiça tal como actualmente con-
cebida e consagrada – direito à jurisdição
As dificuldades surgem logo, no berço, e em vertentes várias.
Quantas vezes não tem o indivíduo noção de que tem direito ao Direito?
13
Das Acções Colectivas em Portugal

Quantas questões morrem à nascença em virtude do desconhecimento do


direito ao apoio judiciário, por insuficiência de meios económicos, nas suas várias
modalidades (dispensa total ou parcial de custas processuais, ou o diferimento do
pagamento dos serviços do advogado ou do solicitador)?
Quantas questões não avançam por, necessitados de ajuda, não saberem os
indivíduos, titulares dos direitos, a quem recorrer, a quem pedir ajuda?
Naturalmente, que neste aspecto, a culpa não morre sozinha, podendo a
responsabilidade ser assacada e dividida entre vários.
A LDC, estabelece imperativamente, no seu artigo 1.º o que segue:
“1 - Incumbe ao Estado, às Regiões Autónomas e às autarquias locais proteger
o consumidor, designadamente através do apoio à constituição e funciona-
mento das associações de consumidores e de cooperativas de consumo, bem
como à execução do disposto na presente lei.
2 - A incumbência geral do Estado na protecção dos consumidores pressupõe
a intervenção legislativa e regulamentar adequada em todos os domínios
envolvidos”.

Sucede que as entidades representativas dos interesses dos consumidores,


e referimo-nos, neste particular às associações de consumidores, são, por
natureza, associações sem fins lucrativos que, as mais das vezes, se vêem a
braços com problemas de ordem financeira, e com poucos recursos, financei-
ros e humanos, para, de uma forma que se pretende digna, poderem prestar
todo o nível de apoio aos consumidores, quer a nível particular, através da
informação jurídica veiculada, quer a nível geral através de acções de forma-
ção e informação indispensáveis e essenciais à divulgação dos direitos que
àqueles assistem.
Dotar-se ditas estruturas de recursos e meios necessários ao salutar exercício
da sua actividade (pugnar pela defesa dos direitos e interesses dos consumidores)
seria naturalmente o eliminar de uma barreira assaz perturbadora.
Todavia, o estudo de que nos ocupamos, não versa, directamente, ainda que
interdependente, com a questão supra abordada, pelo que não desenvolveremos
a questão.
O direito à própria jurisdição, à protecção jurídica através dos tribunais,
“direito ao direito” já por nós referenciado, desenvolve-se, em termos proces-
suais, no artigo 2.º do Código de Processo Civil, ao estabelecer o direito de
obter, “... em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso
julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade
de a fazer executar”.
Estamos, como tal, no âmbito do quarto elemento da estrutura da relação
jurídica, tal como tradicionalmente entendida: garantia judicial, ou, dito de outra
forma, direito à jurisdição.
14
Das Acções Colectivas em Portugal

“O direito a obter uma decisão em prazo razoável apresenta-se como corolá-


rio do entendimento do direito de acesso à justiça como direito efectivo à jurisdi-
ção, pois uma decisão tardia pode equivaler à denegação de Justiça.
A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem formada em
torno do direito à decisão em prazo razoável (sobre o qual tem incidido a maioria
das queixas feitas à Comissão Europeia dos Direitos do Homem e, agora, direc-
tamente ao tribunal) é abundante e elucidativa sobre a complexidade de que por
vezes se reveste a concretização deste conceito indeterminado”.3

O direito à jurisdição de que nos ocupamos encontra acolhimento em muitos


outros preceitos legais.
Veja-se, a título de exemplo, o artigo 3.º da LDC, que, na sua alínea g), con-
sagra o direito do consumidor:
“À protecção jurídica e a uma justiça acessível e pronta”.

Todavia, não podemos ignorar, neste aspecto, a realidade: frequentemente, os


consumidores lesados nos seus direitos recorrem às associações representativas
dos seus interesses, por um lado, para conseguirem a informação jurídica pre-
tendida e, por outro, para, se possível, conseguirem a resolução do litígio.
Trata-se, as mais das vezes, de questões com expressão monetária não justifi-
cativa do acesso aos tribunais, com todas as consequências que daí advêm
(pagamento de custas processuais e honorários a advogados).
Ignoram, amiúde, o direito ao apoio judiciário, se preenchidas as condições
para que o mesmo lhes seja conferido e pretendem, pois, a resolução do seu pro-
blema pela associação.
Evidentemente que as associações de consumidores cumprem o seu papel,
representando os consumidores e pugnando pela tentativa de resolução extraju-
dicial da questão.
Todavia, às associações está vedada a hipótese de ir a juízo, de intentar acção
judicial cível, substituindo-se a um consumidor individual lesado por um qualquer
operador económico, só o podendo fazer excepcionalmente.
Os direitos que as associações de consumidores podem esgrimir perante os
tribunais restringem-se aos direitos individuais homogéneos, aos interesses difu-
sos e aos interesses colectivos, através da acção popular, (aprovada pela Lei n.º
83/95, de 31 de Agosto) e, bem assim, da acção inibitória, prevista no artigo
10.º da Lei do Consumidor, alargada a todos os domínios que aos consumido-
res concernem.

3
Código de Processo Civil anotado, volume I, pág. 3, José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto.

15
Das Acções Colectivas em Portugal

Tentaremos pois, nas páginas seguintes, deixar percepcionado o estado da


acção colectiva no nosso ordenamento jurídico.

2 – DO ACESSO À JUSTIÇA COLECTIVA EM PARTICULAR

Exposto, que está, ainda que sumariamente, o direito à jurisdição em geral,


centremos os nossos esforços na análise do acesso à justiça colectiva, debruçan-
do-nos sobre o panorama no nosso ordenamento jurídico.
Falar de justiça colectiva, implica, necessariamente, falar em acções colecti-
vas e dos direitos às mesmas inerentes.
Com efeito, como em tempos sabiamente escrevera o Conselheiro Neves
Ribeiro “O interesse pessoal e directo como critério legitimador, ou a relação
material controvertida não bastam para responder a certo Universo de inquieta-
ções actuais. Efectivamente, a propensão gregária do individual força, cada vez
mais, a sua própria natureza em favor de uma dimensão colectiva dos interesses”.
Falamos, pois de direitos que estão para além de interesses meramente indi-
viduais e egoísticos, ainda que legítimos estes últimos.
Estão em causa acções que não correspondem ao interesse pessoal e directo
de alguns, mas sim ao universo de interesses em que todos participam de forma
mais ou menos próxima, interesses estes que, nas palavras do saudoso
Conselheiro “... respeitam à nossa existência colectiva que ameaçam e lesam o
presente e arriscam o futuro. Relevam do domínio de bens fundamentais como a
saúde pública, a habitação, a educação, o património cultural, o ambiente, o
ordenamento jurídico e a qualidade de vida, enfim, a nossa fazenda”.
Na caracterização das denominadas acções colectivas, a primeira dificuldade
que se levanta consiste na diferenciação terminológica entre interesses difusos e
interesses colectivos, não sendo a doutrina unânime na categorização dos mesmos.
Estamos, assim, no âmbito dos interesses supra individuais ou, ainda que não
seja um conceito que consiga a unanimidade doutrinal “difusos”.
Poderemos avançar, com alguma tranquilidade, a noção segundo M. Nigro
que a respeito dos mesmos diz “... são os interesses que pertencem por igual a
uma pluralidade de sujeitos mais ou menos ampla e mais ou menos determinada
ou determinável, que pode ser ou não unificada ou unificada mais ou menos estri-
tamente, numa colectividade”.
Assim, se o interesse se caracterizar por corresponder a um grupo indetermi-
nado, caracterizá-lo-emos como difuso (a título de exemplo o interesse a um
ambiente sadio, não poluído), se, pelo contrário, este interesse se concretizar num
determinado conjunto de sujeitos, ainda que também neste caso estejamos peran-
te uma pluralidade de indivíduos (como por exemplo interesses de organizações
profissionais – concretização de sujeitos e objecto) estaremos perante interesses
colectivos, de idêntico modo transindividuais, de natureza indivisível e que se
16
Das Acções Colectivas em Portugal

referem a direitos de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas liga-
das entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica de base, v.g. por
um contrato.
Os interesses, de que ora nos ocupamos, encontram acolhimento constitucio-
nal (v.g art. 9.º, alíneas d) e e), 60.º, 64.º, 66.º, 73.º, 74.º e 78.º da CRP).
Naturalmente, que para defesa destes mesmos interesses, exige-se a corres-
pondente acção, de molde a que possa efectivar-se o direito à jurisdição de que
atrás faláramos.
Centrando-nos no meio processual idóneo para defesa dos interesses colecti-
vos, consagra a nossa lei fundamental, no seu artigo 52.º, no capítulo relativo
aos direitos liberdades e garantias de participação política, o que segue:
“1 – Todos os cidadãos têm o direito de apresentar, individual ou colectiva-
mente, aos órgãos de soberania ou a quaisquer autoridades petições, repre-
sentações, reclamações ou queixas para defesa dos seus direitos, da
Constituição, das leis ou do interesse geral e bem assim o direito de serem
informados, em prazo razoável, sobre o resultado da respectiva apreciação.

Emblematicamente, estabelece o número n.º 3, do artigo em análise que:


“É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações dos interesses
em causa, o direito de acção popular nos casos e termos previstos na lei,
incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente
indemnização nomeadamente para:
a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial contra a saúde
pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e a preservação do
ambiente e do património cultural”
Citando Luís Filipe Colaço Antunes, “Trata-se, assim, do reconhecimento cons-
titucional directo de formas de acção popular (art. 52.º - 2) e de formas de pro-
cedimentos administrativos colectivos ou populares, os quais pressupõem a
existência de interesses colectivos (ou de interesses difusos, ou de interesses
públicos latentes), implicando mesmo relações multipolares ou poligonais entre
a administração e os cidadãos que exigem um conceito ampliado de interesse
e de legitimação para recorrer aos tribunais.”

Segundo a visão clássica de acção popular, como ensina Mariana Sotto Maior
“O direito de acção popular é um direito de acção judicial, em que a legitimida-
de não é averiguada de modo concreto e casuístico, afastando-se a noção de inte-
resse pessoal e directo, sendo antes aferida em termos gerais e abstractos, a par-
tir da integração objectiva de certas qualidade ou, inserção em determinada cate-
goria de indivíduos.
O interesse a prosseguir deve ser suficientemente difuso e geral para não se
identificar com o interesse pessoal do seu agente. Está em causa a prossecução
17
Das Acções Colectivas em Portugal

dum interesse público, pois, é a partir da noção de colectividade política que se


opera a atribuição do direito de acção popular”.
O direito de participação procedimental e de acção popular foi tratado e des-
envolvido, no nosso ordenamento jurídico pela Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto,
definindo os casos e termos em que pode ser exercido o direito de acção popu-
lar e definindo, igualmente a titularidade do direito procedimental de participa-
ção popular e do direito de acção popular.

Limitar-nos-emos ao estudo da acção popular civil.


Estabelece-se, como interesses protegidos pelo diploma, a saúde pública, o
ambiente, a qualidade de vida, a protecção do consumo de bens e servi-
ços, o património cultural e o domínio público, conferindo-se a titularidade
do direito de acção popular a quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis
e político, às associações e fundações defensoras dos interesses citados, inde-
pendentemente de terem ou não interesse directo na demanda, bem como o
Ministério Público, em representação do Estado, quando este for parte na causa,
os ausentes, os menores e demais incapazes, neste último caso quer sejam auto-
res ou demandados.
Anterior à Lei da Acção Popular, e conferindo já alguma protecção aos inter-
esses colectivos é a Lei das Condições Gerais dos Contratos - o Decreto-Lei n.º
446/85, de 25 de Outubro (com as alterações legais entretanto introduzidas) que
conferia, já, legitimidade processual activa às associações de consumidores (e ao
MP, entre outros) sempre que em causa se achem condições gerais tidas como
proibidas e, por conseguinte, nulas, ínsitas em contratos pré-elaborados, quer
sejam de adesão, ou não, ou seja, quando em causa se ache a lesão de inter-
esses colectivos, de consumidores.
Como se sabe, os contratos de adesão não consentem que se negoceie as
cláusulas que integram o seu conteúdo, cabendo aos aderentes, celebrar ou não,
tão só, os contratos.
Em tais casos, é lícito às associações de consumidores o recurso directo aos
tribunais, através das acções inibitórias, a fim de se obter decisão tendente à proi-
bição de circulação de propostas contratuais com condições gerais que ofendam
o equilíbrio contratual e a harmonia do ordenamento jurídico, em desfavor, no
caso, dos consumidores.
A decisão proferida em acção inibitória visa a proibição de inserção de tais
cláusulas (de cláusulas nulas e, por conseguinte abusivas porque distorcem o
equilíbrio das prestações) nos contratos singulares e ainda que os predisponentes
(as empresas que intentem contratar com os consumidores) se abstenham de as
recomendar em geral.
Ora, a outorga do poder de intervenção em juízo às associações de consu-
midores é, no caso, excepcional.
18
Das Acções Colectivas em Portugal

Às associações, está vedada, porém, a hipótese de ir a juízo, de intentar acção


judicial cível, substituindo-se a um consumidor lesado por qualquer operador
económico.
A LAP veio porém alargar o âmbito de intervenção em juízo das associações
de consumidores no quadro dos direitos de que desfrutam em consonância com
o dos direitos conferidos na Constituição e na LDC.
Os direitos que as associações de consumidores podem levar a tribunal res-
tringem-se, no entanto, aos direitos individuais homogéneos, aos interesses difu-
sos e colectivos.
Finalmente, em 1996, a LDC, viria a alargar a acção inibitória, a todos os
domínios que concernem aos consumidores.
A par de práticas lesivas que se traduzam no uso de cláusulas gerais proibi-
das, veio assegurar o direito à acção inibitória quando estejam em causa práti-
cas que atentem contra a saúde e segurança física dos consumidores ou consis-
tam em práticas comerciais expressamente proibidas por lei.

3 – Da responsabilidade civil
Da lesão dos interesses de que, aqui, tratamos, direitos individuais homogéneos,
interesses difusos e colectivos advém um dano, que poderemos qualificar como
“colectivo”, ou comunitário indivisível e, naturalmente, podem advir prejuízos, danos
individualizados, personalizados (quer patrimoniais, quer extrapatrimoniais) que
deverão ser ressarcidos, ou seja, colocar o sujeito, ou sujeitos, lesados, na situação
em que estariam caso não tivesse ocorrido a lesão, a violação desses mesmos direi-
tos ou interesses legalmente (como já referido, constitucionalmente), protegidos.
Sendo certo que, quando se alude à acção popular, é logicamente da defesa
de interesses difusos, colectivos, e individuais homogéneos que se trata. Direitos
que estão para além de interesses meramente individuais e egoísticos. E não é
menos certo que as infracções cometidas (v.g, contra a saúde pública, os direitos
dos consumidores, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e do patri-
mónio cultural), geram ou podem gerar lesões directas a sujeitos determinados.
Tal facto não passou despercebido ao legislador ao estabelecer, num primei-
ro momento, a nível constitucional, a possibilidade de ser requerida para o lesa-
do ou lesados a correspondente indemnização.
Tal como reza o n.º 3 do artigo 52.º da Constituição:
“É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos
interesses em causa, o direito de acção popular nos casos e termos previstos
na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a corres-
pondente indemnização,...”.

Naturalmente que o exercício da acção popular e, bem assim, a responsabi-


lidade civil e penal resultante da infracção dos direitos supra mencionados é des-
19
Das Acções Colectivas em Portugal

envolvido pela Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, que regulamentou o direito de


acção popular.
Sabendo que são titulares do direito de acção popular:
a) quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos;
b) as associações e fundações defensoras dos interesses previstos na lei (inde-
pendentemente de terem ou não interesse directo na demanda);
c) as autarquias locais (em determinados casos)
d) e o Ministério Público em representação do Estado (quando este for parte
na causa) dos menores e demais incapazes, e atendendo à natureza dos direi-
tos que se pretendem defender com a causa apresentada em juízo, isto leva-
nos, consequentemente, a uma legitimidade plural abrangente.

Como refere Carlos Adérito Teixeira “... quem se apresentar em juízo a inten-
tar uma acção popular pode provocar a tutela jurisdicional de danos com titulares
determinados e ainda peticionar um quantum indemnizatório que seja expressão
do dano comunitário indivisível, mesmo que não quantificado”.
Tal decorre do regime especial de representação processual previsto pelo arti-
go 14.º da Lei.
Nos seus termos:
“Nos processos de acção popular, o autor representa por iniciativa própria, com
dispensa de mandato ou autorização expressa, todos os demais titulares dos direi-
tos ou interesses em causa que não tenham exercido o direito de auto-exclusão
previsto no artigo seguinte, com as consequências constantes na presente lei”.

No entanto, a indemnização que venha a ser arbitrada pelo tribunal, será, as


mais das vezes, uma indemnização fixadas globalmente – violação de direitos de
titulares não individualmente identificados.
Todavia, e caso existam titulares de interesses identificados, terão estes direito
à correspondente indemnização nos termos gerais da responsabilidade civil (n.º
3 do artigo 22.º da Lei).
Temos estado a referir-nos, logicamente, aos casos de responsabilidade civil
subjectiva, na mesma englobando os casos em que o agente infractor actue com
dolo (caso em que teremos um quantum indemnizatório mais elevado) e aqueles
em que actue com mera culpa, ou negligência, tal como tradicionalmente enten-
dida, ou seja, quando se verifique, por parte do sujeito infractor, uma violação do
dever objectivo de cuidado.
De referir, ainda, que o prazo para obter a indemnização arbitrada é de três
anos a contar do trânsito em julgado da sentença, o que significa que o passo
seguinte será, consequentemente, o recurso, por parte do titular individualizado,
ao processo de execução e liquidação e o portador de uma decisão que fixou o
dano global provar o seu prejuízo individual (consequência do dano geral).
20
Das Acções Colectivas em Portugal

Não se ficou por aqui, no entanto, a Lei da Acção Popular. Com efeito, foi
mais além da responsabilidade meramente subjectiva, vindo a consagrar, de igual
modo, a responsabilidade civil objectiva, ou seja, estabelecendo a obrigação de
indemnizar por danos independentemente de culpa “... sempre que de acções ou
omissões do agente tenha resultado ofensa de direitos ou interesses protegidos
nos termos da presente lei e no âmbito ou sequência de actividade objectivamen-
te perigosa” (de acordo com o seu artigo 23.º).
Entramos, assim, no domínio da responsabilidade pelo risco, em que a obri-
gação de indemnizar nasce do risco próprio de certas actividades, independente-
mente de culpa do sujeito infractor.
Contudo, talvez fosse relevante, nesta matéria, o legislador clarificar o con-
ceito de “actividade objectivamente perigosa”, se não criando uma lista de acti-
vidades tidas como perigosas, pelo menos aportando alguns indícios que permi-
tissem o preenchimento do conceito.
No que tange, não já à Acção Popular, e sim, à Acção Inibitória (também ela,
colectiva), a Lei do Consumidor, não inovou muito, no domínio da responsabili-
dade civil.
Com efeito, se o artigo 12.º contempla, no seu n.º 1, a responsabilidade
subjectiva, estabelecendo expressamente que: "O consumidor tem direito à ind-
emnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimen-
to de bens ou prestações de serviços defeituosos", estabelece-se, de igual passo,
a responsabilidade objectiva, ou pelo risco, no caso, do produtor: "o produtor é
responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos de
produtos que coloque no mercado, nos termos da lei", nos termos já regulados
pelo Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de Novembro.
De referir, apenas, que, caso a acção inibitória seja intentada por um con-
sumidor directamente lesado, estaremos, em princípio, ou a maioria das vezes,
perante uma responsabilidade contratual, é dizer perante prejuízos advindos da
celebração de um contrato, pese embora os direitos tutelados devam ter valor e
carácter comunitários, tornando-se necessário que se trate de um interesse geral.

21
Das Acções Colectivas em Portugal

CAPÍTULO II
DO DIREITO DE ACÇÃO

1. DO DIREITO DE ACÇÃO

A título de intróito incumbe referir, como é consabido, e já anteriormente foca-


do, que o direito de acção colectiva, em acepção própria, viu a sua consagração
no texto constitucional português.
Assim, no n.º 3 do artigo 52.º do texto fundamental, sob a epígrafe “direito
de petição e direito de acção popular”, deparam-se-nos os princípios fundantes
das acções colectivas:
“ É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos
interesses em causa, o direito de acção popular nos casos e termos previstos
na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspon-
dente indemnização, nomeadamente para:
a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrac-
ções contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de
vida e a preservação do ambiente e do património cultural;
b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das
autarquias locais.”

Não poderemos aqui interpretar a acção popular no sentido restrito do termo,


que se nos afigura não ter sido utilizado com grande rigor.
Deverá, a mesma, carecendo de interpretação extensiva, ser entendida de
forma globalizante, de molde a se atingir o sentido da acção colectiva em si
mesma.
Os direitos que vêm assegurados na Constituição, correspondem na letra da
lei ordinária tanto à acção inibitória, como à acção popular quando em sentido
estrito interpretada.
E a acção inibitória e a acção popular são as tipologias da acção colectiva
que encontram a consagração no ordenamento jurídico nacional.
Refira-se, ainda, que é entendimento unânime da doutrina que a enumera-
ção ínsita no n.º 3 do artigo 52.º da Constituição da República Portuguesa é
meramente exemplificativa, e tal dever-se-á à utilização do advérbio “nomeada-
mente”.
Já Paulo Duarte4 defendia nas suas alegações de recurso nos autos da Acção
Popular que a ACOP – Associação de Consumidores de Portugal - intentou con-
tra a Portugal Telecom que, numa enumeração que não é clausurante, aqueles

4
Peças Processuais da Acção Judicial intentada pelos Consumidores contra a Portugal Telecom, S. A., Revista Portuguesa de Direito do
Consumo, n.º 3, de Julho de 1995, p. 171 e ss.

22
Das Acções Colectivas em Portugal

preceitos reportam-se a bens tão distintos, como a saúde pública, o ambiente, a


qualidade de vida, o património cultural, a dominalidade pública e a protecção
dos consumidores. No caso sub judice, é no rico e fecundo domínio dos bens
jurídicos imbricados na categoria dos direitos dos consumidores que nos posta-
mos.
Trata-se, de resto, de matéria em que ecoa o catálogo de direitos fundamen-
tais que se proclama o artigo 60.º da Constituição da República Portuguesa.
O direito de acção colectiva é visto na doutrina dominante como o instru-
mento de democracia participativa, em contraposição à visão tradicional do direi-
to percepcionado como um paradigma marcadamente individualista.
Houve necessidade de o legislador se adaptar à nova realidade sócio-econó-
mica cuja massificação se encontra fortemente enraizada.
A globalização da economia, aliada à contratação de massas, vem fazer cair
por terra a concepção individualista do direito, tornando-o insuficiente e inade-
quado às necessidades que advém dessa massificação da contratualização, entre
outros.
Já o saudoso Conselheiro Neves Ribeiro5 afirmava estarmos no âmbito de
uma conflitualidade própria das sociedades modernas, conflitualidade que se tra-
duz na dialéctica ambiente/desenvolvimento, produção/consumo, investimen-
to/custo social, numa palavra, civilização/cultura, e que levam às lesões de
massa, em áreas sociais, ambientais, urbanísticas, etc., mas sobretudo nestas, isto
é, na cidadania participativa e de solidariedade social.
Os interesses que hoje se degladiam, sejam eles de que jaez forem, isto é,
individuais homogéneos, colectivos ou difusos, já se não compadecem com a tra-
dição secular do direito de matriz marcadamente romanística/individualista.
E colocam a tónica no cidadão/consumidor, e na necessidade sentida de se
integrar numa comunidade, na sua participação associativa, para a preservação
e consagração de valores que a comunidade onde se insere consideram funda-
mentais para a sua preservação e desenvolvimento.
Neste domínio do Direito de Acção não poderemos deixar de nos reconduzir
ao plasmado no artigo 2.º do Código de Processo Civil, e o mesmo prescreve
que a todo o direito corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em
juízo.
A este respeito leia-se o Professor Lebre de Freitas6 que afirma que o direito de
acção exerce-se mediante a dedução de pretensões (ou pedidos, como o código
continua a preferir chamar-lhes), pelas quais o autor se afirma titular dum direito
ou outro interesse legítimo e, consequentemente, solicita uma providência pro-
cessual para a respectiva tutela.

5
“Os Interesses Difusos e as Acções Colectivas, in Revista Portuguesa de Direito do Consumo, n.º 0, Novembro de 1994.
6
Introdução do processo Civil, Coimbra Editora, 1996, p. 53.

23
Das Acções Colectivas em Portugal

2. DA TIPOLOGIA DAS ACÇÕES DE JURE CONDITO

As acções colectivas no ordenamento jurídico português encontram-se dividi-


das em duas grandes classes, a saber:
– Acção Inibitória e
– Acção Popular.

Acção Inibitória
A Lei das Condições Gerais dos Contratos - Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de
Outubro - consagrou pela primeira vez o direito à acção inibitória e que se des-
tinava a obter a condenação na abstenção do uso ou da recomendação de cláu-
sulas contratuais gerais.
No entanto, a LDC, consignou, também pela primeira vez, mas desta feita,
com carácter geral, a acção inibitória como meio de tutela da posição jurídica do
consumidor.
A anterior lei apenas outorgava o direito à acção sempre que em causa se
achasse a lesão de interesses colectivos dos consumidores – a denominada acção
civil pública.
Contudo, também a Lei n.º 25/2004, de 8 de Julho, que vem transpor para
o ordenamento jurídico nacional a Directiva 98/27/CE, do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 19 de Maio, relativa às acções inibitórias em
matéria de protecção dos interesses dos consumidores faz o seu enfoque nas
práticas lesivas.
Compulsando toda a legislação que regula a acção inibitória fácil será con-
cluir que a mesma se destina a prevenir, corrigir ou fazer cessar práticas lesivas
dos direitos dos consumidores, nomeadamente:
– os que atentem contra a sua saúde e segurança física7,
– se traduzam no uso de cláusulas contratuais proibidas;
– consistam em práticas comerciais expressamente proibidas por lei.

Acção Popular
A Acção Popular encontra consagração na Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, e
tutela os interesses ligados à saúde pública, ao ambiente, à qualidade de vida, à
protecção do consumo de bens e serviços, ao património cultural e ao domínio
público.

7
Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Dezembro de 2001, onde: “I - Sem embargo de preembularmente, o autor ter
definido a acção como inibitória, para protecção e defesa do seu direito como consumidor, mas resultando de todo o articulado que o
que se pretende é a impugnação do Estado e, da medida governamental de implementação do processo de co-inceneração para trata-
mentos dos lixos tóxicos, e a sua neutralização, a solução, nunca poderia resultar da aplicação do artigo 2, n. 1, da Lei n. 24/96, de
31 de Julho, que estabelece, o regime aplicável à defesa dos consumidores. II - Assim, e porque a intervenção do Estado se concretiza
na "conduta dum órgão da administração no caso, o Governo, num exercício dum poder público e, num verdadeiro acto administrati-
vo, o órgão judicial competente, é a Secção do contencioso administrativo, do S.T.A.”

24
Das Acções Colectivas em Portugal

O legislador aqui faz a distinção entre Acção Procedimental Administrativa e


Acção Popular Civil. Por motivos de metodologia e do tema que a presente obra
pretende abordar iremos ater-nos exclusivamente à Acção Popular Civil, referin-
do-nos à mesma, simplesmente, como Acção Popular.

Até à entrada em vigor da LDC e consequentemente alargamento substantivo


da aplicabilidade da Acção Inibitória, este era o único instrumento de tutela juris-
dicional para os interesses meta-individuais que a mesma consigna.
A doutrina estabelece, ainda, a distinção de duas categorias de acção popu-
lar, a saber:
– Acção popular correctiva e
– Acção popular substitutiva.

A Acção popular correctiva tem natureza cívica, quiçá, política e funda-se num
direito subjectivo. O cidadão/consumidor sendo titular de um interesse e direito
de carácter geral e objectivo fundado na legalidade, passa a ser titular de um
direito que reveste natureza cívica.
A Acção popular substitutiva assume carácter exclusivamente de substituição
processual. O titular do direito de acção prossegue em seu nome, conta, risco e
interesse próprio o direito de uma outra entidade, sendo esta uma forma de exer-
cer na esfera do direito privado funções pública. Neste domínio veja-se
Chiovenda, a sua obra “Principii di Diritto Processuale Civile”

3. DOS INTERESSES E DIREITOS


O acervo normativo genericamente tutela “interesses legalmente protegidos”.
Não podemos deixar de observar que tal conceito é demasiadamente denso, lato
e ambíguo e que a doutrina achou necessário que deveria conceptualizar os dife-
rentes tipos de interesses e direitos merecedores dessa mesma tutela.
E foi colher a conceptualização tripartida adoptada pelo Brasil.
Ponto é saber quais os interesses e direitos tutelados e que se inserem no
domínio das acções colectivas.
Aqui a doutrina é unânime.
Estabelece três classes de interesses ou direitos, a saber:
– individuais homogéneos
– colectivos
– difusos

Os mesmos caracterizar-se-ão pela sua origem, divisibilidade, titularidade e


determinabilidade.

25
Das Acções Colectivas em Portugal

Mas certo é que serão as três classes e interesses e direitos classificadas como
transindividuais, isto, no sentido de se traduzirem numa situação de plurisubjecti-
vidade dotada e um âmbito mínimo de factores determinantes de uma agrega-
ção, necessários à sua legitimação em termos de tratamento processual unitário.
E esta tónica é importante, como mais adiante se verá, uma vez que os insti-
tutos jurídicos da lei processual civil, quer o da coligação, quer o do litisconsór-
cio, se mostram inoperantes e desadequados face a esta nova realidade de inte-
resses e direitos transindividuais, no que concerne à protecção dos interesses e
direitos dos consumidores, e os demais que a lei estabelece que sejam merece-
dores da sua tutela.
Existe uma pulverização dos sujeitos titulares dos interesses e direitos legal-
mente protegidos.

3.1 INDIVIDUAIS HOMOGÉNEOS

Os direitos ou interesses individuais homogéneos são os decorrentes de ori-


gem comum (direitos divisíveis), que afectam uma pluralidade de consumidores,
ligados, por exemplo, por um contrato de base estruturalmente o mesmo. Com
titulares determinados, mas que podem ser levados aos tribunais colectivamente
e que poderão posteriormente ser individualizados8.
Se a acção intentada versar a devolução de valores pagos indevidamente a
título de taxa de assinatura do serviço telefónico que tenha sido já pago, estare-
mos perante uma acção colectiva que tutela interesses individuais homogéneos,
que poderiam ser tutelados em separado por cada consumidor, e cujo resultado
poderia ser distinto para os diversos consumidores.
Sempre que existe divisibilidade do objecto que se pretende ver tutelado pela
acção colectiva estamos perante interesses e direitos individuais homogéneos.
O que conduz ao tratamento diverso de cada pretensão, tendo que se atender a
factores distintos de cada cidadão/consumidor.
E que encontram consagração efectiva e plena na Lei da Acção Popular.

3.2 COLECTIVOS

Os interesses ou direitos difusos são transindividuais, de natureza indivisível,


quanto ao seu objecto ou seja, afectam directamente não os indivíduos singular-
8
Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Setembro de 1997: “... tal norma confere prerrogativa de os membros
de um grupo a que a acção popular se reporta dela se auto-excluirem, prerrogativa conferida com visto dos representados escaparem
ao caso julgado da decisão. Só no âmbito de bens divisíveis (e não de bens indivisíveis, insusceptíveis de apropriação individual, objec-
tos dos interesses difusos) é que o direito de auto-exclusão permite o afastamento do caso julgado a decisão proferida na acção pop-
ular e consequente oportunidade de o auto excluído propor, futuramente uma acção singular.
Os bens divisíveis são objecto dos chamados “interesses individuais homogéneos”, tendo presente o referenciado alcance conceitual...
Nos interesses individuais homogéneos abrangidos no artigo 1.º da Lei n.º 83/95, destaca-se um dos direitos dos consumidores: “o
caso do direito á reparação dos danos”, tendo presente o seu alcance...”

26
Das Acções Colectivas em Portugal

mente considerados mas uma comunidade de interesses, de que são titulares pes-
soas indeterminadas ligadas por circunstâncias de facto9.
Vejamos, no campo do serviço telefónico, se existir um pedido colectivo que
tenda para que o valor das chamadas telefónicas sejam fixadas tendo em conta
determinados parâmetros, tal pretensão configura a tutela de interesses colectivos.
Veja-se uma associação de consumidores que representa os interesses dos
consumidores em geral – supra ou meta-individuais – e pretende ver retirado do
mercado um produto perigoso.

3.3 DIFUSOS

Os direitos ou interesses colectivos, de idêntico modo transindividuais, de


natureza igualmente indivisível quanto ao seu objecto, referem-se a direitos de
que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a
parte contrária por uma relação jurídica de base, v.g., por um contrato.
Nas palavras de Mariana Sotto Mayor10 serão os interesses, juridicamente
reconhecidos, de uma pluralidade indeterminada de sujeitos, eventualmente uni-
ficada mais ou menos estreitamente com uma comunidade e que tem por objec-
to bens não susceptíveis de apropriação exclusiva11.
Esta noção nasce, como aliás já foi evidenciado no capítulo “Do Direito da
Acção”, da protecção dos interesses que nascem da nova realidade sócio-eco-
nómica sentida e que o direito clássico de matriz marcadamente individualista
não consegue dar resposta.

A necessidade de protecção dos interesses meta-individuais vem conduzir à defi-


nição dos novos interesses e direitos que encontram tutela nas acções colectivas.
Já Luís Filipe Colaço Antunes, em 198412 colheu as linhas de pensamento
doutrinário precisas e convergentes, das quais ressaltou os seguintes pontos:
“a) O interesse difuso é uma manifestação relevante da crise que vem col-
hendo a separação entre direito subjectivo e interesse legítimo e também a
magna divisio público e privado,
b) O interesse difuso não se enquadra de per si nem nos direitos subjectivos
individuais, nem entre os interesses legítimos como situações substancialmen-

9
Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Novembro de 1999: “O objecto da acção popular é antes de mais, a
defesa de interesses difusos: os radicados na própria colectividade, deles sendo titular, afinal, uma pluralidade indefinida de sujeitos....
o objecto da acção popular é, antes de mais, a defesa de interesses difusos, pois sendo interesses de toda a comunidade, deve recon-
hecer-se aos cidadãos uti cives e não uti singuli, o direito de promover, individual ou associadamente, a defesa de tais direitos.”
10
In Documentação e Direito Comparado, n.ºs 75/76, 1998.
11
Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 8 de Fevereiro de 2006, onde: “1. O conceito de interesses difusos reconduz-
se a interesses sem titular determinável, meramente referíveis, na sua globalidade, a categorias indeterminadas de pessoas. 2. Só por
si, a colocação de dois sinais de trânsito proibido num determinado arruamento urbano sem residentes e a construção não licenciada
de uma cerca e alpendre, não configuram a violação de interesses difusos da concreta comunidade urbana.”
12
In Para uma Tutela Jurisdicional dos Interesses Difusos, boletim da Faculdade de Direito , volume LX, 1984, pág. 201.

27
Das Acções Colectivas em Portugal

te individuais, e por isso não fornece a legitimação nem para a acção diante
do juiz ordinário, nem para o recurso perante o juiz administrativo,
c) O interesse difuso põe, por sua vez, uma série de interrogações e de pro-
blemas à função dos juízes nos confrontos sociais e nas relações entre a socie-
dade e os poderes públicos, quer à administração pública e seus meios,
mediante os quais ela pode explicar a sua actividade, sob o pressuposto de
recursos e de confrontos entre interesses individuais e colectivos,
d) Os meios utilizados e por vezes acolhidos, pela introdução dos interesses difu-
sos no processo civil e no processo administrativo, enquanto comportam uma
extrapolação dos esquemas processuais clássicos função da acção individual, con-
sentem só, na melhor das hipóteses, a realização parcial dos interesses difusos13”

Há que ressalvar as suas distinções como tão eloquentemente faz Ada


Pelegrini Grinover14: “os interesses difusos e os colectivos têm, em comum, a tran-
sindividualidade e a indivisibilidade do objecto. Isto significa que a fruição do
bem, por parte de um membro da colectividade, implica necessariamente a frui-
ção por parte de todos eles, assim como a negação do bem, em relação a um,
importa na negação para todos. A solução do conflito é, por natureza, una para
todo o grupo, podendo-se dizer que, se houvesse entre seus membros um litis-
consórcio, estaríamos perante a figura do litisconsórcio unitário.
Que distingue os interesses difusos dos colectivos é o elemento subjectivo, por-
quanto nos primeiros não existe qualquer vínculo jurídico a ligar as pessoas entre si
ou com a parte contrária, sendo consequentemente os titulares dos interesses difu-
sos indeterminados e indetermináveis, unidos apenas por circunstâncias de facto
(como a de consumirem os mesmos produtos, habitarem a mesma região, partici-
parem dos mesmos empreendimentos). Já com relação aos titulares dos interesses
colectivos, trata-se de grupo, categoria, ou classe de pessoas ligadas por uma rela-
ção jurídica base entre si (como acontece, por exemplo, para os membros de uma
associação) ou com a parte contrária (como ocorre com as relações fiscais múlti-
plas, em que cada contribuinte é titular de uma relação jurídica com o fisco.
Já nos interesses ou direitos individuais homogéneos, tratados colectivamente
por sua origem comum, os membros do grupo são titulares de direitos subjecti-
vos clássicos divisíveis por natureza, tanto assim que cada membro pode ingres-
sar em juízo com a sua demanda individual. E a solução não é necessariamente
una para todas as pessoas, que podem ter a sua pretensão individual acolhida
ou rechaçada por circunstâncias pessoais. Trata-se, aqui de um feixe de interes-
ses, que pode ser tratado colectivamente, sem prejuízo da tutela clássica, indivi-
dualizada para cada qual.”
13
BIIRTI, Giorgio — “Interessi senza struttura” (LC.D. Interessi Diffusi) i i i Studi in Onore di António Arnorth, vol. 1, Giuffrè, Mi1ão, 1982,
p. 69
14
O Processo Colectivo do Consumidor, Revista Portuguesa de Direito do Consumo, n.º 1, Janeiro de 1995, p. 20.

28
Das Acções Colectivas em Portugal

CAPÍTULO III
DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

1. DAS PARTES

As partes ou litigantes, como assim, se quiser entender, são os sujeitos da rela-


ção jurídica processual.
Para Chiovenda15 “parte é aquele que pede em seu nome próprio (ou em cujo nome
se pede) a actuação de uma vontade de lei, e aquele frente à qual é ela pedida”.
Será sempre aquele que pede a composição de um litígio e aqueles contra os
quais a composição do litígio é pedida.
Iremos então abordar neste capítulo os pressupostos relativos às partes, isto é:
a personalidade, a capacidade, a legitimidade e o patrocínio judiciário.

1.1 PERSONALIDADE

A personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte.


A personalidade judiciária, não é em si mesma uma capacidade de gozo, que está
delimitada pelo seu objecto – a existência de direitos e deveres processuais. É em si
mesmo um fenómeno cuja eficácia ou relevância o delimitam. O mesmo só será sus-
ceptível de produção de quaisquer tipos de efeitos dentro do processo judicial.
A lei processual determina que quem tiver personalidade jurídica detém igual-
mente personalidade judiciária.
Agora a tónica deverá ser posta, na perspectiva metodológica adoptada, nas
associações civis.
Nos termos da lei civil as associações constituídas por escritura pública, na
qual se especifique os bens ou serviços com que os associados concorrem para
o património social, a denominação, fim, sede, forma do seu funcionamento, e
duração quando se não constitua por tempo indeterminado, gozam de persona-
lidade jurídica - vide artigo 167.º ex vi 158.º ambos do Código Civil.
Contudo, mesmo que tais requisitos não sejam observados e as associações
nem tenham a almejada personalidade jurídica, capaz de as equiparar em termos
de personalidade judiciária, prevê a lei processual civil uma extensão da perso-
nalidade judiciária às associações sem personalidade jurídica.

1.2. CAPACIDADE

A capacidade judiciária consiste na susceptibilidade de estar, por si, em juízo,


e tem por base e por medida a capacidade do exercício de direitos.

15
“Instituciones de Derecho Procesal Civil”, tradução espanhola, II, pág. 264.

29
Das Acções Colectivas em Portugal

Ao invés da personalidade judiciária, o Princípio da Coincidência não é nor-


teador da capacidade.
Assim, não existe o reconhecimento da capacidade judiciária aos detentores
da capacidade jurídica.
Em si mesma deverá ser entendida como pressuposto de cada acto processual
que deva ser praticado pela parte ou perante ela.
É uma verdadeira capacidade de exercício, dos direitos e deveres processuais
que as partes gozam.
A este respeito Castro Mendes16 define-a como a susceptibilidade de a pessoa
por si, pessoal e livremente, decidir sobre a orientação da defesa dos seus inte-
resses em juízo, em aspectos que não são de mera técnica jurídica.
Nota especial aqui também deverá ser dada à capacidade judiciária das pes-
soas colectivas.
Estabelece a lei processual civil, no seu artigo 20.º que incumbe ao Ministério
Público a representação do Estado, sem prejuízo dos casos em que a própria lei
venha a determinar e/ou permitir o patrocínio por mandatário judicial próprio.
Já no que diz respeito à representação das demais pessoas colectivas - enten-
da-se aqui as associações - as mesmas são representadas por quem a lei, ou os
estatutos designarem. Isto no caso de serem detentoras de personalidade jurídica.
No caso de as entidades carecerem de personalidade jurídica a sua repre-
sentação incumbe - cfr. artigo 22.º do CPC - nomeadamente às associações,
pelas pessoas que ajam como directores, gerentes ou administradores.

1.3 LEGITIMIDADE

GENERALIDADES

Nas doutas palavras do saudoso Professor Doutor João de Castro Mendes17 a


legitimidade é uma posição de autor e [demandado], em relação ao objecto do
processo, qualidade que justifica que possa aquele autor, ou aquele [demanda-
do], ocupar-se em juízo desse objecto do processo.
A lei processual civil põe a tónica nas partes conceptualizando: “o autor é
parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima
quando tem interesse directo em contradizer.
Adianto: o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da pro-
cedência da acção; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa proce-
dência advenha.

16
Obras Completas Professor Doutor João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, volume II, 1987, edição da Associação
Académica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, pág. 47.
17
Obras Completas Professor Doutor João de Castro Mendes, Direito processual Civil, volume II, 1987, edição da Associação
Académica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, pág. 187.

30
Das Acções Colectivas em Portugal

Existindo falta de norma legal, são considerados titulares do interesse relevan-


te para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é
configurada pelo autor.

Atendendo ao objecto do processo – que é basilarmente o litígio em si mesmo,


material ou estruturalmente um conflito de interesses – a legitimidade é a que
resulta da posição que as partem assumem face ao mesmo.
A lei só vem conferir legitimidade aos titulares dos interesses controvertidos,
para que seja pedida judicialmente a composição desse mesmo litígio.
Nos termos gerais da formulação clássica da legitimidade o interesse teria que ser:
– Pessoal
– Directo
– Legítimo.

Contudo e, no âmbito das Acções colectivas a legitimidade não terá que pre-
encher o requisito pessoal.
Temos que ir à conceptualização dos interesses e direitos que as acções colec-
tivas visam tutelar.
Ficou assente que são interesses e direitos plurisubjectivos.
O n.º 3 do artigo 52.º da Constituição da República Portuguesa estatui, em
termos de legitimidade que é conferido a todos, pessoalmente ou através de asso-
ciações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular nos casos
e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados
a correspondente indemnização, nomeadamente para:
a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracçõ-
es contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida
e a preservação do ambiente e do património cultural;
b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das
autarquias locais18.

18
Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Junho de 2006, onde “1. O direito de acção popular, como direito
fundamental, visa a protecção dos interesses difusos. A defesa destes interesses, é concedida aos cidadãos uti cives e não uti sin-
guli, precisamente porque são interesses de toda a comunidade, e, por isso, os cidadãos uti cives têm o direito de promover a
defesa de tais interesses, individual ou associativamente. 2. O art.º 52.º, n.º 3 da C.R.P. alarga a legitimidade activa a todos os
cidadãos, independentemente do seu interesse individual ou da sua posição específica com os bens ou interesses em causa. E, de
uma forma exemplificativa, enumera os seguintes interesses difusos susceptíveis de tutela: a saúde pública, os direitos dos con-
sumidores, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e do património cultural. 3. A Lei n.º 83/95 de 31-08 (lei do direito
de participação procedimental e de acção popular) veio regulamentar a acção popular especial para a tutela dos interesses difu-
sos, e possibilitar que fossem interpostas acções no âmbito do contencioso administrativo, na jurisdição civil (cf. art.º 12.º) e per-
mitir a intervenção especial no processo penal. 4. O art.º 26.º-A do Cód. Proc. Civil (na redacção do Dec. Lei n.º 180/96, de 25-
09) deve ser articulado com o regime estabelecido na Lei n.º 83/95, de 31-08. O art.º 26.º-A do Cód. Proc. Civil trata da legit-
imidade difusa. E os critérios desta legitimidade são diferentes dos previstos no art.º 26.º do Cód. Proc. Civil. Segundo o art.º 26º-
A do Cód. Proc. Civil, a acção popular tem cabimento quando estejam em causa interesses ligados à saúde pública, ao ambiente,
à qualidade de vida, à protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público (art.º 1.º da Lei n.º
85/93). E a legitimidade para estas acções é conferida aos titulares referidos no art.º 2.º e ao Ministério Público, nos termos esta-
belecidos no art.º 16.º da Lei n.º 83/95.”

31
Das Acções Colectivas em Portugal

O Código de Processo Civil, no seu artigo 26.º A, sob a epígrafe “Acções para
a tutela de interesses difusos” estabelece que têm legitimidade para propor e
intervir na acções e procedimentos cautelares destinados, designadamente, à
defesa da saúde pública, do ambiente, da qualidade de vida, do património cul-
tural e do domínio público, bem como à protecção do consumo de bens e servi-
ços, qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, as associações
e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o
Ministério Público nos termos previstos na lei19.
Veremos que associações, colectividades e indivíduos, quer em nome próprio,
quer na salvaguarda dos demais indivíduos têm legitimidade para a intentar.
Este requisito da visão tradicionalista da legitimidade, não é atendível para a
verificação do preenchimento deste pressuposto processual.
No plano de estudos que ousámos elaborar, correcto será atermo-nos sobre
a legitimidade activa no que às acções colectivas concerne, a legitimatio ad cau-
sam.
Dado que a legitimidade passiva, reveste a natureza geral que grassa nas dis-
posições do Código de Processo Civil.

DO EXERCÍCIO TRANSNACIONAL DO DIREITO DE ACÇÃO

Requisito essencial para que possa qualquer entidade portuguesa intentar


acção colectiva transnacional, é o da sua inscrição e consequente aceitação e
inscrição em lista para o efeito.
Quando a prática lesiva que se pretende fazer cessar tenha origem em
Portugal, mas afecte interesses localizados noutro Estado membro da União
Europeia, a correspondente acção pode ser intentada por entidade deste último
Estado.
A legitimidade, nos termos da Lei n.º 25/2004, de 8 de Junho, é feita depen-
der de prévia inscrição para o efeito junto da Direcção-Geral do Consumidor,
devendo a mesma ser acompanhada de documento comprovativo da sua deno-
minação e objecto estatutário.
Na apreciação do pedido o Director-Geral deve certificar-se que a entidade
requerente prossegue objectivos atinentes à defesa dos interesses e direitos dos
consumidores, devendo proferir despacho no prazo máximo de 30 dias, contados
da data de entrega.

19
Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Abril de 2007, onde “Legitimidade activa do Ministério Público e interesse
em agir. Invoca este a seu favor o disposto no art. 26-A CPC: “Acções para a tutela de interesses difusos - têm legitimidade para pro-
por e intervir nas acções e procedimentos cautelares destinados, designadamente, à defesa da saúde pública, do ambiente, da quali-
dade de vida, do património cultural e do domínio público, bem como à protecção do consumo de bens e serviços, qualquer cidadão
no gozo dos seus direitos civis e políticos, as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o
Ministério Público, nos termos previstos na lei.” Salvo o devido respeito, a legitimidade activa do M.º P.º e mesmo o interesse em agir,
são manifestos.”

32
Das Acções Colectivas em Portugal

As únicas entidades que nos termos legais se encontram dispensadas de ins-


crição são o Ministério Público e a Direcção-Geral do Consumidor. Assim, por
direito próprio, encontram-se na lista de entidades nacionais que têm legitimida-
de para o exercício transnacional do direito de acção colectiva.

ESPECIFICIDADES DA ACÇÃO INIBITÓRIA

A LDC, oferece, na pobreza dos seus termos, aos consumidores em geral uma
nova esperança, alargando a acção inibitória a todos os domínios que aos con-
sumidores concernem.
E no que toca ao seu poder de intervenção em juízo, ou seja, a legitimidade
processual activa ou legitimatio ad causam, como referiam os romanos, há que
contemplar o artigo 13.º que constitui, no domínio específico dos consumidores,
inovação, que confirma, de resto, abertura iniciada com a Lei da Acção Popular.
Assim, nos termos do supra mencionado dispositivo normativo têm legitimida-
de para intentar acções inibitórias:
a) os consumidores directamente lesados,
b) os consumidores e as associações de consumidores, ainda que não direc-
tamente lesados, nos termos da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto;
c) o Ministério Público e a Direcção-Geral do Consumidor quando em causa
estejam interesses individuais homogéneos, colectivos ou difusos.

Mas desde que a mesma se destine a prevenir, corrigir ou fazer cessar práti-
cas lesivas dos direitos dos consumidores, nomeadamente:
– os que atentem contra a sua saúde e segurança física,
– se traduzam no uso de cláusulas contratuais proibidas20;
– consistam em práticas comerciais expressamente proibidas por lei.

Mas, de par com a norma que estabelece a legitimidade para aquele tipo de
acções, isto é, se destine a prevenir, corrigir ou fazer cessar práticas lesivas dos
direitos dos consumidores, encontramos a especificidade que vem consagrada no
Regime Jurídico das Condições Gerais dos Contratos.

20
Crf. Acórdão da Relação de Lisboa de 25 de Maio de 2006: I - Com o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais o legislador,
confrontado com um fenómeno de tráfego negocial de massas, procurou salvaguardar o contraente mais fraco, protegendo-o de
cláusulas abusivas e susceptíveis de ocasionar um desequilíbrio entre os contraentes, posto que a contratação baseada em condições
negociais gerais tem implícita uma certa posição de poder do utilizador das cláusulas decorrente do próprio modo de formação do con-
trato. II - Com tal desiderato foram traçadas, no essencial, formas de assegurar a tutela dos interesses dos contraentes mais desprote-
gidos contra cláusulas contratuais absolutamente proibidas ou relativamente proibidas pela via da fiscalização ex post do controlo inci-
dental (declaração de nulidade no quadro de apreciação de um contrato singular) e da fiscalização ex ante do controlo abstracto (acção
inibitória). III – Com a acção inibitória visa-se que os utilizadores de condições gerais desrazoáveis ou injustas sejam condenados a
abster-se do seu uso ou que as organizações de interesses que recomendem tais condições aos seus membros ou associados sejam
condenadas a abandonar essa recomendação.”

33
Das Acções Colectivas em Portugal

Aquele diploma legal estabelece que detêm legitimidade para a acção inibi-
tória de molde a obter-se condenação tendente à abstenção do uso ou da reco-
mendação de cláusulas contratuais gerais:
a) associações de defesa do consumidor dotadas de representatividade, no
âmbito previsto na legislação respectiva;
b) associações sindicais, profissionais ou de interesses económicos legalmen-
te constituídas, actuando no âmbito das suas atribuições;
c) Ministério Público, oficiosamente, ou por indicação do Provedor de Justiça,
ou quando entenda fundamentada a solicitação de qualquer interessado.

Estas entidades actuam no processo em nome próprio, embora façam valer


um direito alheio, pertencente, em conjunto, aos consumidores, susceptíveis de
virem a ser atingidos pelas cláusulas cuja proibição se requer.

DA ACÇÃO POPULAR

A originalidade da Lei da Acção Popular é a da consentir que um indivíduo,


por si só, possa, em juízo, demandar o lesante de interesses e direitos, em nome
de todos, numa verdadeira “acção de classe”, na esteira do sistema implementa-
do nos Estados Unidos da América das class actions.
Mas as associações de consumidores continuam, porém, a não poder ir a
juízo em busca de justiça para um só.

1.4 DO PATROCÍNIO JUDICIÁRIO

1.4.1 DA OBRIGATORIEDADE

GENERALIDADES

Este pressuposto relativo às partes reveste natureza de suprimento de uma ver-


dadeira capacidade de exercício, isto quando o mesmo assume carácter obriga-
tório.
O patrocínio judiciário em si é a representação das partes por profissionais
habilitados técnico-cientificamente para a condução jurídica do processo, median-
te a prática dos mais variados tipos de actos, sendo certo que será sempre neces-
sária a adequação dos mesmos, ao desenrolar do procedimento, e suas nuances.
As razões justificativas de tal necessidade prendem-se com duas ordens de
razão, a saber: técnica e psicológica.
A razão técnica prende-se com a carência de conhecimentos que permitam a
condução e a prossecução dos interesses em juízo, salvo quando as partes sejam
licenciadas em direito.
34
Das Acções Colectivas em Portugal

A razão psicológica é motivada pela falta de serenidade e objectividade que


permitem a necessária ponderação e racionalidade na condução do procedi-
mento em causa.

Assim, e na esteira do Professor João de Castro Mendes, o patrocínio judiciá-


rio representa o exercício de poderes de representação - os denominados pode-
res forenses - ao conjunto dos quais se chama mandato judicial.
O mandato, nos termos da lei processual civil, atribui poderes ao mandatário
para representar a parte em todos os actos e termos do processo principal e res-
pectivos incidentes, mesmo perante os tribunais superiores, sem prejuízo de dis-
posições que exijam a outorga de poderes especiais por parte do mandante.
A eficácia do mandato, depende da aceitação, que pode ser manifestada no
próprio instrumento público ou em documento particular, ou ainda resultar de
comportamento concludente do mandatário.
E de outro modo não poderia ser tido. Sendo o mandato o contrato pelo qual
uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da
outra, este reveste cariz bilateral. O (futuro) mandatário tem na sua disposição o
poder de aceitar ou não o mandato que lhe será conferido, e nos termos que for
acordado entre ambos.
Com efeito, nos termos do artigo 32.º do Código de Processo Civil, é obri-
gatória a constituição de advogado:
a) nas causas de competência dos tribunais com alçada em que seja admissí-
vel recurso ordinário;
b) nas causas em que seja sempre admissível recurso, independentemente do
valor;
c) nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores.

Contudo, se a parte não constituir advogado, sendo essa constituição obriga-


tória nos termos já explanados, o tribunal deve, oficiosamente ou a requerimen-
to da parte contrária, notificar a parte em falta, para o constituir dentro de deter-
minado prazo, sob pena de o demandado ser absolvido da instância, ou de não
ter seguimento o recurso ou, ainda, de ficar sem efeito a defesa.
O momento em que normalmente, regra geral, o juiz aprecia a obrigatorie-
dade de patrocínio judiciário, é nos termos das disposições processuais, no pri-
meiro instante em que tem contacto com o processo propriamente dito, isto é, no
despacho pré-saneador.
Se nesse passo o não fizer, pode ainda lançar mão de tal expediente no des-
pacho saneador, ou ainda em despacho avulso para o efeito.
Destarte, nas causas nas quais não é obrigatória a constituição de advogado,
as partes podem pleitear por si ou representadas por advogados estagiários ou,
ainda, por solicitadores.
35
Das Acções Colectivas em Portugal

Contudo, está vedado aos advogados estagiários, durante o primeiro período


do seu tirocínio, praticar actos próprios da profissão de advogado, senão em
causa própria, do seu cônjuge, ascendentes ou descendentes.

ESPECIFICIDADES DOS REGIMES DA ACÇÃO INIBITÓRIA

Estabelece, como em sede própria se esmiuçará, a LDC, a forma e o valor do


processo própria para a acção inibitória.
Prescreve tal dispositivo que a acção inibitória tem o valor equivalente ao da
alçada da Relação mais 0,01€, e segue a forma de processo sumário.
Subsumindo a regra ora imposta ao disposto no artigo 32.º do Código de
Processo Civil, já analisado, concluímos que para a interposição da acção inibi-
tória é sempre obrigatória a constituição de advogado.
Ou no caso de o consumidor de per si, dado que para tal tem legitimidade
activa, interpuser a competente acção inibitória de molde a, por exemplo, fazer
cessar uma prática lesiva dos seus direitos, poderá exercer o patrocínio por si só,
caso tenha formação jurídica adequada, ou mediante representação de cônjuge,
ascendente ou seu descendente, que possua as habilitações académicas exigidas.

DA ACÇÃO POPULAR

Neste domínio regemo-nos pelas disposições ínsitas nos artigos 1.º e


seguintes da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, vulgo Lei da Acção Popular.
A Acção Popular civil pode revestir qualquer das formas previstas no Código
de Processo Civil.
Se o valor atribuído na acção que representa o valor consignado aos interes-
ses cuja acção visa tutelar não for superior à alçada dos tribunais da 1.ª instân-
cia, então, não é obrigatória a constituição de advogado para representar as par-
tes em juízo.
Mas, estabelece tal normativo regime único e de cariz excepcional no que à
representação dos demais titulares dos direitos ou interesses em causa concerne.
Com efeito, é instituída a representação sem mandato conferido para o efeito.
O Autor representa por iniciativa própria os demais titulares dos direitos e inte-
resses em causa e que não tenham exercido o seu direito de auto-exclusão.
Em termos procedimentais, após o recebimento da petição inicial pela secre-
taria todos os titulares dos interesses e direitos em causa na acção e não interve-
nientes nela, são citados, para, em prazo fixado pelo juiz, poderem:
– passar a intervir no processo, a título principal, aceitando-o na fase em que
e encontrar; e
– declarar nos autos se aceitam ser representados pelo autor, ou não; ou ainda,
– se se excluem dessa representação.
36
Das Acções Colectivas em Portugal

A exclusão da representação implica necessariamente a não aplicabilidade


das decisões proferidas.
Esta exclusão da representação poderá ser efectuada até ao final da fase de
instrução no processo, isto é, a produção de prova.
Todo este procedimento no que ao patrocínio judiciário e representação con-
cerne tem acolhimento claro na distinção já feita dos interesses e direitos legal-
mente protegidos, nomeadamente no que diz respeito à natureza dos interesses
individuais homogéneos.
Este cunho de cariz excepcional e de todo original, veio imprimir à Acção
Popular o necessário estímulo para que a representação se opere sem mandato,
única excepção conhecida em termos processuais, permitindo, assim que um
indivíduo, por si só, possa, em juízo, demandar o lesante de interesses e direi-
tos, em nome de todos, numa verdadeira “acção de classes”, na esteira do regi-
me instituído nos Estados Unidos da América, nomeadamente o das class
actions.

1.4.2 DA PROTECÇÃO JURÍDICA E DO APOIO JUDICIÁRIO

Neste passo entronca a disciplina do direito ao direito e do direito à adminis-


tração da justiça.
Equacionar-se-á, em particular, a problemática da protecção jurídica que foi
objecto recentemente de retoques legislativos.
A protecção jurídica volve-se em dois institutos amplamente caracteriza-
dos:
- o da consulta jurídica
e
- o do apoio judiciário

A protecção jurídica é dispensada a concretas situações ou acções judiciais


em que o cidadão-consumidor tenha um interesse próprio e que versam sobre
direitos directamente lesados ou ameaçados de lesão.
A Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais estabelece que “lei própria regula-
rá os sistemas destinados à tutela dos interesses colectivos ou difusos e dos direi-
tos só indirecta ou reflexamente lesados ou ameaçados de lesão”.
E, no que tange à conflitualidade emergente das relações entretecidas no mer-
cado interno, também se define – no n.º 4 do artigo 6.º da Lei 34/2004, de 29
de Julho, republicada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto – que “no caso de
litígio transfronteiriço, em que os tribunais competentes pertençam a outro Estado
da União Europeia, a protecção jurídica abrange ainda o apoio pré-contencioso
e os encargos específicos decorrentes do carácter transfronteiriço do litígio, em
termos a definir por lei.
37
Das Acções Colectivas em Portugal

1.4.3 DA QUOTA LITIS

No quadro actual, o Estatuto da Ordem dos Advogados proíbe de harmonia


com o que se prescreve no seu artigo 101º, a “quota litis”:
“1 - É proibido ao advogado celebrar pactos de quota litis.
2 - Por pacto de quota litis entende-se o acordo celebrado entre o advogado
e o seu cliente, antes da conclusão definitiva da questão em que este é parte,
pelo qual o direito a honorários fique exclusivamente dependente do resultado
obtido na questão e em virtude do qual o constituinte se obrigue a pagar ao
advogado parte do resultado que vier a obter, quer este consista numa quan-
tia em dinheiro, quer em qualquer outro bem ou valor.
3 - Não constitui pacto de quota litis o acordo que consista na fixação prévia
do montante dos honorários, ainda que em percentagem, em função do valor
do assunto confiado ao advogado ou pelo qual, além de honorários calcula-
dos em função de outros critérios, se acorde numa majoração em função do
resultado obtido. “

No entanto, a despeito da protecção que decorre da Lei do Acesso ao Direito


e aos Tribunais e do "regime especial de preparos [taxas de justiça] e custas", pre-
visto no artigo 20º da LAP, o facto é que à semelhança do que ocorre noutros
ordenamentos - a admissibilidade da "quota litis" seria susceptível de estimular
um recurso generalizado ao meio processual idóneo para tutela de interesses e
direitos com a dimensão dos que neste passo se perspectivam.
A libertação da "quota litis", nestes casos poderia, em rigor, constituir algo de
benfazejo para uma adequada efectividade dos direitos da massa de consumi-
dores circunstancialmente afectados.
O número de espécies de facto no âmbito da acção popular dirigidas à massa
de interesses dos consumidores é relativamente escasso.
Com a abertura da "quota litis", como modo de encorajamento para que se
ajuizassem acções do jaez destas, sem que se caísse em uma vaga de litigiosi-
dade estéril, colher-se-iam vantagens assinaláveis.

1.4.4 CONTA ESPECIAL (FUNDO DE DIREITOS COLECTIVOS LATO


SENSU?)

No domínio da acção popular, há como que – sem as formalidades exigidas


noutros ordenamentos – uma conta especial, para que reverterão os valores rela-
tivos a direitos prescritos.
No n.º 5 do artigo 22.º da LAP – no capítulo da responsabilidade civil e
penal – se estabelece: “os montantes correspondentes a direitos prescritos serão
entregues ao Ministério da Justiça que os escriturará em conta especial e os
38
Das Acções Colectivas em Portugal

afectará ao pagamento da procuradoria…, e ao apoio no acesso ao direitos e


aos tribunais de titulares de direito da acção popular que justificadamente o
requeiram.”.
Não se trata de um verdadeiro fundo de direito colectivos que se destine
a acudir a estritas necessidades das entidades que revelam da sociedade civil
e se envolvam na persecução dos objectivos imbricados no escopo, em
particular, das associações de consumidores (ou do ambiente ou do património
histórico-cultural).
E curial será que se constitua – de jure condendo – um fundo com caracterís-
ticas análogas às que se impõem no direito comparado.

2. DOS TRIBUNAIS

2.1 COMPETÊNCIA INTERNA

DA JURISDIÇÃO

Nos termos da lei processual civil, as causas que não sejam atribuídas a outra
ordem jurisdicional cabem à ordem judicial.
Já o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais prescreve no seu artigo 1.º
que "Os tribunais administrativos da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos
de soberania com competência para a administrar a justiça em nome do povo, nos
litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais".21

Assim, são da jurisdição civil todas as matérias do domínio do direito do con-


sumo. Com efeito, ao prescrever o artigo 2.º da LDC que consumidor é todo aque-
le a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer
direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter
profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nada
vem acrescentar à visão tradicional do Estado, supremo detentor de poder de ius

21
Cfr. Acórdão do tribunal da Relação de Coimbra, de 7 de Novembro de 2006, onde: “1. As acções de responsabilidade civil extra-
contratual das pessoas colectivas de direito público (artigo 4.°, al. g) do ETAF), bem como as que visam promover a prevenção, ces-
sação e reparação de violação de interesses difusos em matéria de ambiente, urbanismo, ordenamento do território, qualidade de vida,
património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas (al. l) e todas as outras previstas no mesmo artigo 4.°,
são da competência dos tribunais administrativos e fiscais quando o litígio assenta numa relação jurídica administrativa ou fiscal.
2.O âmbito de aplicação da acção popular administrativa e da acção popular civil depende, não da natureza dos interesses em causa,
mas sim da natureza da relação jurídica concreta subjacente ao litígio.
3. São da competência dos tribunais administrativos e fiscais as acções populares administrativas, referidas no artigo 12.°, n.º 1 da Lei
83/95, de 31/08 - acções populares cuja relação jurídica litigiosa é de natureza administrativa ou fiscal. E serão do foro comum as
acções populares de natureza civil referidas no n.º 2 do artigo 12.º.
4. O tribunal civil comum é competente, em razão da matéria, para conhecer do pedido feito, em acção popular, por um cidadão con-
tra a Junta de freguesia, pedindo a alteração de construções do seu domínio privado, por forma a obedecer ao Regime Municipal das
Edificações Urbanas e às normas ambientais, a retirar as placas que induzem à identificação errónea das construções e ainda a res-
ponder por danos emergentes das alegadas violações.

39
Das Acções Colectivas em Portugal

imperii; contudo, ao acrescentar tal preceito a equiparação dos entes públicos aos
privados, fica o Estado desapossado do seu poder de supremacia22.
Assim, o n.º 2 de tal dispositivo normativo diz expressamente: “Consideram-
se incluídos no âmbito da presente lei os bens, serviços e direitos fornecidos, pres-
tados e transmitidos pelos organismos da Administração Pública, por pessoas
colectivas públicas, por empresas de capitais públicos ou detidos maioritaria-
mente pelo Estado, pelas Regiões Autónomas ou pelas autarquias locais e por
empresas concessionárias de serviços públicos”.
Donde, caem por terra todos os argumentos que poderiam esgrimir-se no sen-
tido de tais relações se integrarem no conceito de “relação jurídica administrativa”.
Mas, tal não tem sido o entendimento maioritário do Tribunal de Conflitos23.

DA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA

A competência em razão da matéria é aferida pela existência de tribunais de


competência especializada.
A sua existência é determinada pelas leis de organização judiciária, preceitos
esses que hoje se encontram na Lei de Organização e Funcionamento dos
Tribunais Judiciais.
Quando não existam, serão competentes para apreciação e julgamento das
acções colectivas os tribunais de competência genérica.

22
Cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Dezembro de 2001, onde: “I - Sem embargo de preambularmente, o autor ter
definido a acção como inibitória, para protecção e defesa do seu direito como consumidor, mas resultando de todo o articulado que o
que se pretende é a impugnação do Estado e, da medida governamental de implementação do processo de co-incineração para trata-
mentos dos lixos tóxicos, e a sua neutralização, a solução, nunca poderia resultar da aplicação do artigo 2, n.º 1, da Lei n.º 24/96, de
31 de Julho, que estabelece, o regime aplicável à defesa dos consumidores. II - Assim, e porque a intervenção do Estado se concretiza
na "conduta dum órgão da administração no caso, o Governo, num exercício dum poder público e, num verdadeiro acto administrati-
vo, o órgão judicial competente, é a Secção do contencioso administrativo, do S.T.A.”
23
Veja-se a este respeito a argumentação esgrimida no Acórdão de 17 de Maio de 2006 do Tribunal de Conflitos, na Acção Popular
que a ACOP - Associação de Consumidores de Portugal intentou contra a empresa Águas da Figueira: “Está em causa a definição da
jurisdição competente relativamente a providência cautelar não especificada instaurada pela requerente contra as “A…” (concessioná-
ria do serviço público de captação tratamento e distribuição de água bem como do sistema de recolha, qualidade essa atribuída pelo
respectivo Município através do competente concurso) no Tribunal Judicial da Figueira da Foz (TJFF) em que a requerente pretende, em
síntese, que seja decretada a suspensão de todo o tarifário de consumo de água, saneamento e de disponibilidade, entrado em vigor
em 2005.01.01, no concelho da Figueira da Foz (com a consequente reposição do que vigorava anteriormente a essa data), e o decre-
tamento da suspensão da chamada “tarifa de disponibilidade”. Como se viu, quer o TJFF, quer o Tribunal da Relação de Coimbra (TRC),
que em recurso apreciou decisão da 1ª instância, são no sentido de que a competência material cabe aos tribunais administrativos,
essencialmente por duas ordens de razões: - por um lado, o acto jurídico que se visa impugnar – o aludido tarifário do serviço público
respectivo – tem natureza exclusivamente administrativa, por haver sido fixado unilateralmente por entidade administrativa (Município
da Figueira da Foz, concretamente por deliberação da Assembleia Municipal); - por outro lado, entre aquele Município e as “A…”, foi
outorgado um contrato de concessão tipicamente administrativo e cuja validade a requerente também pretende por em causa. A reque-
rente da providência faz assentar o entendimento de que a competência pertence à jurisdição comum na seguinte ordem de pondera-
ções: - A espécie controvertida é de natureza exclusivamente privatística - consumidores versus fornecedor de água (cf. Lei 24/96 - arti-
gos 2° e 9°, nos 1 e 8), estando em causa um singelo contrato de consumo; - por outro lado, “os contratos de concessão de serviços
de interesse geral subsumem-se em toda a sua disciplina - e para todos os efeitos - ao direito do consumo: Lei do Consumidor e diplo-
mas avulsos de desenvolvimento”... A competência (ou jurisdição) de um tribunal afere-se pela forma como o autor configura a acção,
definida pelo pedido e causa de pedir, ou seja, pelos objectivos prosseguidos pelo mesmo. Tal competência, em geral, e como é recor-
dado em recente acórdão deste TC (proferido a 18.05.06-Proc. n.º 04/05), resulta da medida da jurisdição atribuída aos diversos tri-
bunais, do modo como entre si fraccionam e repartem o poder jurisdicional que, tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais
(cf. Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Ed. de 1979, págs. 88/89). As regras de competência judiciária
ratione materiae são, assim, atinentes à distribuição das matérias pelas diversas espécies de tribunais dispostos horizontalmente (cf. ac.

40
Das Acções Colectivas em Portugal

DA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO VALOR E DA FORMA DO PROCESSO


APLICÁVEL

ESPECIFICIDADES DOS REGIMES DA ACÇÃO INIBITÓRIA

Estabelece a LDC, a forma e o valor do processo próprios para a acção inibi-


tória.
Prescreve tal dispositivo que a acção inibitória tem o valor equivalente ao da
alçada da Relação mais 0,01€, e segue a forma de processo sumário.

DA ACÇÃO POPULAR

Neste domínio regemo-nos pelas disposições ínsitas nos artigos 1.º e


seguintes da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, vulgo Lei da Acção Popular.
A Acção Popular civil pode revestir qualquer das formas previstas no Código
de Processo Civil.
O valor da acção corresponderá ao valor consignado aos interesses cuja
acção visa tutelar, devendo a parte que a intenta apreciar o valor dos interesses
que visa acautelar.
No entanto, se se estiver perante interesses imateriais, insusceptíveis de ava-
liação pecuniária, porque não patrimoniais, então o valor da acção é determi-

TC n.º 114/2000, de 22 de Fevereiro, in BMJ 494/48). Como é sabido, os tribunais comuns detêm competência genérica, exercendo
jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens jurídicas (cf. art.º 211, n.º 1, da CRP, 66.º do CPC e 18.º, n.º1, da Lei n.º
3/99 - LOTJ, de 13 de Janeiro, alterada pela Lei n.º 101/99, de 26 de Julho, pelos DL n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, n.º
38/2003, de 8 de Março, e n.º 105/2003, de 10 de Dezembro), pelo que cumpre indagar se a matéria que integra o pedido dos autos
se encontra deferida à jurisdição administrativa, tal como foi decidido. Prescreve o art.º 212.º, n.º 3, da CRP, que, “compete aos tribu-
nais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das
relações jurídicas administrativas e fiscais.”
...
Preceitua, por seu lado, o art.º 1° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF vigente) que, "Os tribunais administrativos da
jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para a administrar a justiça em nome do povo, nos lití-
gios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais" (n.º 1). Importa ainda atentar no art.º 4.º n.º 1 do mesmo ETAF que
enuncia o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal através de enumerações, definindo a título exemplificativo, pela positiva os litígios
nela incluídos, e pela negativa os litígios dela excluídos (cf. n.º 2 e 3).
...
É o caso da alínea d) do referido n.° 1, que aqui importa particularmente ter em atenção, nos termos da qual compete aos tribunais da
jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a fiscalização da legalidade das normas e demais actos
jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos.
Sublinhe-se que a requerente da providência pretende que seja decretada a suspensão do aludido tarifário respeitante ao consumo de
água, saneamento e de disponibilidade e o decretamento da suspensão da “tarifa de disponibilidade”, tarifário esse fixado pela enti-
dade pública concedente como contrapartida do aludido serviço público, ao abrigo de normas de direito administrativo [sendo que, a
actividade de “Captação, tratamento e distribuição de água para consumo público…”, nos termos da alínea a) do n.º 1 da Lei n.º 88-
A/97 de 25 de Julho, é vedada a empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza, salvo quando concessionadas] questio-
nando-se a sua legalidade.
...Estamos, assim, perante uma questão fiscal, entendendo-se como tal, “todas as que emergem da resolução autoritária que imponha
aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públi-
cos do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais fun-
ções ou que com elas estejam objectivamente conexas” – cfr. citado acórdão deste TC de 2006.05.18 (Proc. n.° 4/05), e vasta juris-
prudência ali registada. Pode pois concluir-se que a jurisdição competente para conhecer do litígio em apreciação é, assim, a jurisdi-
ção dos tribunais administrativos e fiscais, concretamente os tribunais tributários, atento o disposto no art.° 49.º, n.° 1, alínea e)-i) e iv),
do ETAF vigente.”

41
Das Acções Colectivas em Portugal

nado pelo artigo 312.º do Código de Processo Civil, isto é, o equivalente à alça-
da da Relação e mais 0,01€.
A forma do processo ora aplicável dependerá do valor atribuído à acção,
sendo certo que assumirá forma sumária ou ordinária.
Se o valor exceder a alçada do Tribunal da Relação, empregar-se-á a forma
de processo ordinário. Caso o não exceda, empregar-se-á a forma de processo
sumário - veja-se a este respeito o artigo 462.º do Código de Processo Civil.

DA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA

Compete ao Tribunal de Primeira Instância instruir e julgar as acções colecti-


vas.
Sendo certo que tanto os Tribunais da Relação como o Supremo Tribunal de
Justiça serão competentes para apreciação de recursos interpostos quer das deci-
sões proferidas em 1.ª instância, quer das que proferidas forem pelo Tribunal da
Relação, dependendo do preenchimento dos requisitos das regras da alçada e da
sucumbência, a tratar em sede própria.

DA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO TERRITÓRIO

O artigo 74.º do Código de Processo Civil estabelece, sob a epígrafe


“Competência para o cumprimento da obrigação”:
“1 - A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemniza-
ção pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do
contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu,
podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria
ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o
domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha
domicílio na mesma área metropolitana.
2 - Se a acção se destinar a efectivar a responsabilidade civil baseada em
facto ilícito ou fundada no risco, o tribunal competente é o correspondente ao
lugar onde o facto ocorreu.”

Assim, as acções colectivas que sejam intentadas pelo consumidor de per si,
e que tenham por objecto o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo
não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por
falta de cumprimento, seguem o regime do artigo 74.º.
Contudo, e caso o objecto da acção colectiva seja distinto dos já enunciados,
bem como, sendo uma associação representativa dos consumidores, então tere-
mos que nos socorrer da norma ínsita no artigo 86.º do mesmo diploma legal e
que prevê claramente que se o demandado for o Estado, ao tribunal do domicílio
42
Das Acções Colectivas em Portugal

do réu substitui-se o do domicílio do autor. Se o demandado for outra pessoa


colectiva ou uma sociedade, será demandado no tribunal da sede da administra-
ção principal ou no da sede da sucursal, agência, filial, delegação ou representa-
ção, conforme a acção seja dirigida contra aquela ou contra estas; mas a acção
contra pessoas colectivas ou sociedades estrangeiras que tenham sucursal, agên-
cia, filial, delegação ou representação em Portugal pode ser proposta no tribunal
da sede destas, ainda que seja pedida a citação da administração principal.

Mas excepção foi consagrada para a Acção Inibitória que lança mão a Lei das
Condições Gerais dos Contratos deverá ser intentada, nos termos do artigo 28.º
da citada lei, no Tribunal a comarca onde se localiza o centro da actividade prin-
cipal do demandado ou, não se situando em território nacional, o da comarca
da sua residência ou sede; se estas se localizarem no estrangeiro será competen-
te o tribunal do lugar em que as cláusulas contratuais gerais foram propostas ou
recomendadas.

Consideramos, contudo, que deveria existir norma especial geral para a atri-
buição da competência territorial no que às acções colectivas concerne.
Assim, deveria ser contemplada a competência do territorial do tribunal do
domicílio do consumidor, caso as acções colectivas por si sejam intentadas. Caso
sejam intentadas por associações de consumidores, então deveriam ser compe-
tente territorialmente o tribunal da sede das associações representativas dos inte-
resses e direitos dos consumidores.

2.2 COMPETÊNCIA INTERNACIONAL

Regerá neste domínio o Regulamento (CE) n.º 864/2007 do Parlamento


Europeu e do Conselho, de 11 de Julho de 2007, relativo à lei aplicável às obri-
gações extracontratuais (Roma II).
Nele se estabelece que regra geral e salvo disposição em contrário do pre-
sente regulamento, a lei aplicável às obrigações extracontratuais decorrentes da
responsabilidade fundada em acto lícito, ilícito ou no risco é a lei do país onde
ocorre o dano, independentemente do país onde tenha ocorrido o facto que deu
origem ao dano e independentemente do país ou países onde ocorram as con-
sequências indirectas desse facto.
Todavia, sempre que a pessoa cuja responsabilidade é invocada e o lesado
tenham a sua residência habitual no mesmo país no momento em que ocorre o
dano, é aplicável a lei desse país.
Estabelece, ainda, que se resultar claramente do conjunto das circunstâncias
que a responsabilidade fundada em acto lícito, ilícito ou no risco tem uma cone-
xão manifestamente mais estreita com um país diferente do indicado nos precei-
43
Das Acções Colectivas em Portugal

tos já enunciados, é aplicável a lei desse outro país. Uma conexão manifesta-
mente mais estreita com um outro país poderá ter por base, nomeadamente, uma
relação preexistente entre as partes, tal como um contrato, que tenha uma liga-
ção estreita com a responsabilidade fundada no acto lícito, ilícito ou no risco em
causa.
Existindo contudo norma no que às acções colectivas concerne e que estipula
que, sem prejuízo da disposição que estatuí que sempre que a pessoa cuja res-
ponsabilidade é invocada e o lesado tenham a sua residência habitual no mesmo
país no momento em que ocorre o dano, é aplicável a lei desse país, a lei apli-
cável a uma obrigação extracontratual no que diz respeito à responsabilidade de
uma pessoa que age na qualidade de trabalhador ou de empregador, ou das
organizações que representam os respectivos interesses profissionais, pelos danos
decorrentes de acções colectivas, pendentes ou executadas, é a lei do país no
qual a acção tenha ocorrido ou venha a ocorrer.

Ressalva-se, contudo, que o referido Regulamento entrará em vigor a 11 de


Janeiro de 2009. Até lá regem as normas que infra se esmiúçam para as demais
relações jurídicas.

Caso nos encontremos perante litígio que não respeite obrigações extra-
contratuais, e esteja em causa parte que tenha residência ou sede na União
Europeia, então a Lei processual civil estabelece que a competência internacional
dos tribunais portugueses depende da verificação de alguma das seguintes
circunstâncias:
a) Ter o demandado ou algum dos demandados domicílio em território portu-
guês, salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo
sobre imóveis sitos em país estrangeiro, considerando-se domiciliada em
Portugal a pessoa colectiva cuja sede estatutária ou efectiva se localize em
território português, ou que aqui tenha sucursal, agência, filial ou delegação.
b) Dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de competên-
cia territorial estabelecidas na lei portuguesa;
c) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de
pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;
d) Não poder o direito invocado tornar-se efectivo senão por meio de acção
proposta em território português, ou não ser exigível ao autor a sua proposi-
tura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica
nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.

44
Das Acções Colectivas em Portugal

II Parte

Capítulo I
Do Processo

1. Petição Inicial: Indeferimento

Através da acção popular o autor visa a prevenção ou a cessação da viola-


ção de um direito ou interesse individual homogéneo, difuso ou colectivo e a
regulação das relações entre aquele que ameaça violar ou violou aquele interes-
se ou direito e todos aqueles que podem ser ou já foram prejudicados com essa
conduta.
Pelo que a ser intentada no tribunal judicial a acção popular esta terá de
revestir, forçosamente, uma das formas previstas no Código de Processo Civil,
determinando o artigo 12.º, n.º 2 da Lei da Acção Popular que “a acção popu-
lar civil pode revestir qualquer das formas previstas no Código de Processo Civil.”
Em rigor a forma de processo para decalque da acção popular é a do processo
comum de declaração, e bem assim, se for caso disso, do processo de execução,
já que os processos especiais não se encontram talhados para tal efeito.
Dentro do âmbito da acção comum pode recorrer-se aos diversos tipos de
acções e providências previstas no Código de Processo Civil, desde acções decla-
rativas (condenatórias, constitutivas ou de simples apreciação) e executivas e
ainda, providências cautelares, especificadas ou inominadas.
Verifica-se portanto, que o legislador se eximiu de organizar um processo pró-
prio para este tipo de acções, limitando-se a abordar uma série de excepções aos
regimes gerais dos tipos de acções e procedimentos previstos no Código de
Processo Civil sem ter criado uma forma processual mais adequada e expedita
para o tipo de direitos e interesses que pretendia tutelar.
A primeira excepção ao regime geral verifica-se, desde logo, na petição ini-
cial.
Como é do domínio comum, a petição inicial, é o articulado através do qual
o autor propõe a acção, formulando a pretensão de tutela jurisdicional que visa
obter e expondo as razões de facto e de direito em que se fundamenta.
Da petição inicial deverá constar, todos os requisitos formais legalmente exi-
gidos pelo regime geral previsto para o tipo de acção intentada cujas disposiçõ-
es se encontram reguladas no Código de Processo Civil.
Da petição inicial deverão, pois, constar os requisitos enunciados no artigo
467.º do Código de Processo Civil. Ora, vejamos quais:
– o tribunal em que a acção é proposta e a identificação das partes, indican-
do os seus nomes, domicílios ou sedes e, sempre que possível, profissões e
locais de trabalho;
45
Das Acções Colectivas em Portugal

– o domicílio profissional do mandatário judicial;


– a forma do processo;
– os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção;
– o pedido;
– o valor da causa.
– designar o solicitador de execução que efectuará a citação ou o mandatá-
rio judicial que a promoverá .

A ausência de qualquer um destes requisitos, importa a rejeição da petição


inicial pela secretaria.
Recebida a petição inicial pela secretaria, é citada a contraparte para, caso o
entenda, contestar.
Findos os articulados legalmente permitidos o processo é concluso ao juiz
para que o examine, podendo tomar uma de cinco atitudes:
– indeferir a petição inicial;
– providenciar pelo suprimento de excepção dilatórias;
– convidar os pleiteantes a aperfeiçoar os articulados;
– convocar a audiência preliminar em vista de realização de tentativa de con-
ciliação, discussão de facto e de direito quando tencione conhecer imediata-
mente do mérito da causa, delimitar os termos do litígio, proferir despacho
saneador;
– estabelecer matéria de facto relevante que considere assente e a base ins-
trutória, isto é, os factos controvertidos que careçam de prova.

No que concerne ao indeferimento da petição inicial referente à acção popu-


lar para além das causas apontadas em geral dentro do nosso sistema processual
que levam ao indeferimento da petição inicial, como por exemplo, entre outras,
as causas previstas no artigo 193.º, n.º 2 do Código de Processo Civil que deter-
minam a ineptidão da petição – este regime contempla uma especificidade em
relação ao regime geral.
O artigo 13.º da Lei da Acção Popular sob a epigrafe “regime especial de
indeferimento da petição inicial”, estipula que:
“A petição deve ser indeferida quando o julgador entenda que é manifesta-
mente improvável a procedência do pedido, ouvido o Ministério Público e fei-
tas preliminarmente as averiguações que o julgador tenha por justificadas ou
que o autor ou o Ministério Público requeiram”.

Prevê-se, neste particular, uma situação especial de indeferimento liminar com


base na manifesta improbabilidade de procedência da acção popular, pressu-
46
Das Acções Colectivas em Portugal

pondo um juízo de prognose sobre o mérito da acção, disponibilizando-se ao jul-


gador as averiguações prévias e incidentais que considere necessárias, com even-
tual produção de prova, e audição do Ministério Público.
Fica então, na livre discricionariedade do juiz poder avaliar a “improbabilida-
de de procedência da acção popular”. Todavia, impende sobre o juiz antes de
indeferir a petição ouvir o Ministério Público e fazer as averiguações que o autor
e o Ministério Público tivessem requerido. Só após as averiguações e a audição
do Ministério Público é que o juiz estará em condições de poder indeferir a peti-
ção inicial.
Ada Pelligrini Grinover, no que concerne ao indeferimento refere que “ Trata-
se aqui do indeferimento da petição inicial por ausência do fumus boni iuris, e não
da aferição da representatividade como elemento essencial da legitimação de
agir”. A legitimidade não pode ser negada, visto encontrar-se determinada na lei.

Entende-se, pois, que a acção popular apenas é indeferida se a mesma não


se justificar, ficando o juiz vinculado à audição prévia do Ministério Público, visto
este ter a faculdade de substituir o autor em caso de desistência da lide, bem
como de transacção ou de comportamentos lesivos dos interesses em causa.
Assim caso se verifique que as partes, com a sua actuação, estão a ofender
os interesses em questão, pode o Ministério Público, tomar, na acção o lugar do
autor, prosseguindo ela com este, em substituição do primitivo autor.
O Ministério Público só toma o lugar do autor se o entender conveniente.
Todavia se a lesão for manifesta e grave entende-se que a legitimidade deste se
impõe.
Recebida a petição inicial da acção popular, serão citados os titulares do inte-
resse em causa na acção de que se trata, e não intervenientes nela, para o efei-
to de, no prazo fixado pelo juiz, passarem a intervir no processo ou para dele se
excluírem, nos termos do artigo 15.º, n.º 1 da Lei da Acção Popular.
A citação é um aspecto merecedor de consideração neste tipo de acções. Ora
vejamos:
O artigo 15.º, n.º 2 e 3 dispõem o que segue:
“2 – A citação será feita por anúncio ou anúncios tornados públicos através de
qualquer meio de comunicação social ou editalmente, consoante estejam em
causa interesses gerais ou geograficamente localizados, sem obrigatoriedade
de identificação pessoal dos destinatários, que poderão ser referenciados
enquanto titulares dos mencionados interesses, e por referência à acção de
que se trate, à identificação de pelo menos o primeiro autor, quando seja um
entre vários, do réu ou réus e por menção bastante do pedido e da causa de
pedir
3 – Quando não for possível individualizar os respectivos titulares, a citação
prevista no número anterior far-se-á por referência ao respectivo universo,
47
Das Acções Colectivas em Portugal

determinado a partir de circunstância ou qualidade que lhes seja comum, da


área geográfica em que residam ou do grupo ou comunidade que constituam,
em qualquer caso sem vinculação à identificação constante da petição inicial,
seguindo-se no mais o disposto no número anterior”.

Verifica-se que a citação reveste diversas modalidades.


A regra, em matéria de interesses que atinjam toda a comunidade, é a de cita-
ção por anúncios na comunicação social, logo, não apenas em jornal diário, mas
entendendo-se que poderá ser feita através quer da rádio quer da televisão.

No entanto o legislador colocou esta modalidade em alternativa à de afixa-


ção de éditos, consoante estejam em causa interesses gerais ou geograficamen-
te localizados. Ora, atenta a ineficácia a que dá origem a modalidade dos édi-
tos, importará, proceder a uma interpretação restritiva da sua utilização, apenas
para os casos de interesses devidamente situados, em área pouco extensa ou que
compreenda um número de interessados tal que seja legítimo supor vir a citação
edital a surtir o efeito pretendido por exemplo ao nível de uma freguesia. Quando
ultrapasse essas garantias de segurança, ou na dúvida, deverá considerar-se estar
em presença de interesses gerais e optar-se por fazer a citação através dos média
ainda que ao nível regional.
Apesar da lei o não contemplar expressamente existem autores como Carlos
Adérito Teixeira, que entendem que face à configuração do caso concreto se
pudesse proceder à citação pessoal de interessados privilegiados como associa-
ções de defesa dos interesses em causa ou cidadãos cujo interesse, na petição
apresentada, se revelasse inequivocamente lesado, com recurso, como já se men-
cionou, às normas que directamente tutelam a forma processual adoptada.
No que concerne à citação, podemos ainda colocar algumas questões.
Uma das questões que podemos levantar é de saber se um interessado que não
foi regularmente citado e disso faça prova por exemplo por ter estado no estran-
geiro na altura da citação, não deverá ser considerado excluído da representação
por forma a não lhe ser aplicada a decisão da acção popular. Ora, o legislador
consentiu a auto-exclusão, até ao termo da produção de prova ou fase equivalente
através da declaração expressa nos autos nos termos do artigo 15.º, n.º 4 da Lei
da Acção Popular, tendo sido sensível quanto a este aspecto. Assim se o interessa-
do ainda está em tempo ou se só nesta altura pretende tomar posição, este pode
auto-excluir-se. Todavia não poderá intervir no processo.
E se a acção já se encontra numa fase mais avançada que a produção de
prova? Ora, no que concerne a esta situação a lei é omissa. Todavia ao nível do
interesse individual homogéneo em que o titular por exemplo discorde da avalia-
ção, equacionada na acção do seu interesse, este sempre disporá do quadro pro-
cessual comum para peticionar o seu direito. No que toca ao plano dos interes-
48
Das Acções Colectivas em Portugal

ses indivisíveis, verifica-se por um lado que a pretensão do novo interessado não
é superior ou mais atendível do que a dos autores representantes, e, por outro
lado, não lhe está vedado de fazer chegar ao Ministério Público as razões da sua
discordância relativamente à condução do processo ou da prestação do autor
popular, por forma a convencer o Ministério Publico a intervir a título principal no
processo.

ACÇÃO INIBITÓRIA

No que toca às acções inibitórias o regime previsto no âmbito quer da Lei n.º
24/96, de 31 de Julho quer do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, com as alte-
rações introduzidas pelo DL n.º 220/95, de 31de Agosto e pelo DL n.º 249/99,
de 7 de Julho não determina qualquer especificidade relativa ao indeferimento da
petição inicial ou da citação seguindo-se os termos do processo sumário previs-
to no Código de Processo Civil.

2. DIREITO DE EXCLUSÃO (OPT OUT)

ACÇÃO POPULAR

O Direito de Exclusão encontra-se consagrado no n.º 1 do artigo 15.º da Lei


da Acção Popular:
“ Recebida petição de acção popular, serão citados os titulares dos interesses
em causa na acção de que se trata, e não intervenientes nela, para o efeito de,
no prazo fixado pelo juiz, passarem a intervir no processo a título principal,
querendo, aceitando-o na fase em que se encontra, e pelo contrario, se
excluem dessa representação, nomeadamente para o efeito de lhes não serem
aplicáveis as decisões proferidas, sob pena de a sua passividade valer como
aceitação, sem prejuízo no n.º 4 “

E o n.º 4 estipula que:


“A representação referida no n.º 1 é ainda susceptível de recusa pelo repre-
sentado até ao termo da produção de prova ou fase equivalente, por declara-
ção expressa nos autos.”

Entende-se assim, que o direito de exclusão é o direito que os titulares dos


interesses em causa, têm a partir do prazo designado pelo juiz aquando da cita-
ção, de se auto-excluírem da acção popular, a fim de não serem afectados pelos
efeitos da decisão em causa – opt out.
Ora, o direito de exclusão está assim intimamente ligado ao direito de repre-
sentação pelo autor da acção popular.
49
Das Acções Colectivas em Portugal

Pelo que vamos primeiro debruçar-nos sobre o regime da representação con-


sagrado no artigo 14.º da Lei da Acção Popular, a fim de melhor se compreen-
der a problemática do opt-out e do opt-in
No artigo 14.º da Lei da Acção Popular consagrou-se um “regime especial de
representação” do autor popular da acção relativamente a todos os demais titu-
lares dos direitos e interesses em causa que não tenha exercido o direito de auto-
exclusão, com repercussão na extensão dos efeitos do caso julgado em decisões
que não tenham improcedido por insuficiência de provas.
Este regime suscita-nos algumas dúvidas pois ficamos sem saber se estamos
perante uma representação processual, situação em que o representante actua
em nome dos representados, ou se estamos perante uma substituição processual,
situação em que o substituto actua em nome próprio mas defende direitos
alheios, ou ainda se estamos perante um novo regime. É que a lei fala em “repre-
sentação” mas simultaneamente, por iniciativa própria, parecendo aqui apontar
para uma “actuação em nome próprio”, tanto mais que o preceito constitucional
reconhece a todos o direito de acção popular, ou porventura, terá somente
conectado a ideia de representação com “dispensa de mandato”.

Todavia, cremos que isto dependerá das situações, podendo até coexistir na
mesma acção, por exemplo a acção popular ser intentada em conjunto por uma
associação e um particular aparecendo aquela como substituto processual, agin-
do em seu nome e defendendo os interesses dos seus associados, e o particular
além de defender o seu interesse individual, defende também interesses indivi-
duais de outros titulares determinados, aparecendo como representante daque-
les. No que concerne aos interesses difusos tanto a associação como o particular
têm um interesse directo, visto partilharem a titularidade desses interesses.
Se relacionarmos este aspecto com as possibilidades que os demais titulares
dos interesses em causa, citados na pendência da lide popular têm, verificamos
que os mesmos têm duas opções: ou excluem-se da representação - opt out -
acautelando-se dos efeitos do caso julgado ou se os titulares nada disserem, tal
passividade vale como aceitação da representação.
Este critério do opt out, constante no artigo, sobre o qual, ora nos debruça-
mos, define a forma de submissão de um terceiro ao caso julgado sendo próprio
das “class actions” previsto no ordenamento norte-americano.

A situação opt in – aceitando a representação feita pelo autor popular - é con-


sentânea com a substituição processual.
Ora vejamos:
Se algum interesse individual está a ser defendido por outrem, ou com a repre-
sentação, e se apenas estiverem em causa interesses difusos; o interessado pode
intervir em defesa do seu interesse, apresentando um articulado próprio, geran-
50
Das Acções Colectivas em Portugal

do-se uma situação de litisconsórcio ou ainda pode aderir aceitando o processo


na fase em que se encontre, ainda em situação de litisconsórcio, em que o ade-
rente surge como uma espécie de litisconsorte.
Segundo Lebre de Freitas, quando a representação é feita na base da inércia
ou omissão de um comportamento e não através de uma manifestação de von-
tade, esta será de afastar, residindo a utilidade da formulação legal na circuns-
tância de pretender sujeitar terceiros que, citados para ocupar a posição do autor,
o não tenham feito nem se tenham auto-excluído aos efeitos do caso julgado e,
em decorrência disso, atenta a forma de citação, a extensão dos efeitos do caso
julgado desfavorável pode suscitar o problema da colisão com o direito de aces-
so à justiça.
Paralelamente podemos questionar se pode haver, a par da substituição colec-
tiva, o direito de auto-exclusão colectiva, expressa ou tácita, ou seja, se uma
associação pode vincular os seus associados, sem qualquer mandato especial,
aos efeitos decorrentes da exclusão da acção. Visto a lei ser omissa quanto a este
aspecto, Carlos Adérito Teixeira entende que se justifica aqui o controle jurisdi-
cional da “representatividade adequada”.
Os aspectos já referidos trazem dificuldades de harmonização com o esquema
processual clássico, nomeadamente no que toca à admissibilidade de cumulação
de pedidos, de carácter colectivo e individual, da proliferação de sujeitos co-auto-
res e outros problemas referentes à gestão de prazos e trâmites processuais.
A “auto-exclusão” só faz sentido quando estejam em causa interesses indivi-
duais ou, porventura, colectivos stricto sensu em que há uma titularidade defini-
da ainda que colectiva e não para situação de interesses difusos, atenta a indivi-
sibilidade dos bens.
A jurisprudência mais recente também se tem fixado neste sentido. Ora veja-
mos o que o Acórdão de 23 de Setembro de 1997 do Supremo Tribunal de
Justiça refere:
“Recebida petição da acção popular, serão citados os titulares dos interesses
em causa na acção de que se trata, e não intervenientes nela, para o efeito de,
no prazo fixado pelo juiz, passarem a intervir no processo a titulo princi-
pal….ou se, pelo contrário, se excluem dessa representação, nomeadamente
para o efeito de não lhes serem aplicáveis as decisões proferidas….”
Tal norma subjacente confere a prerrogativa de os membros do grupo a que a
acção popular se reporta dela se auto-excluírem, prerrogativa conferida com
vista aos representados escaparem ao caso julgado da decisão.
Só no âmbito de bens divisíveis (e não no de bens, insuspeitáveis de apropria-
ção individual, objecto dos interesses difusos), é que o direito de auto-exclusão
permite o afastamento do caso julgado da decisão proferida na acção popu-
lar e a consequente oportunidade de o auto excluído propor, futuramente uma
acção singular.
51
Das Acções Colectivas em Portugal

Os bens divisíveis são objecto dos chamados interesses individuais homogé-


neos tendo presente o alcance conceitual.
Assim sendo, o alcance e o sentido da norma ínsita no n.º 1 do art. 15.º da Lei
n.º 83/95, implica que as normas do art.º 1 do diploma legal, sejam interpre-
tadas no sentido de abarcarem não só os “interesses difusos”, mas também os
“interesses individuais homogéneos (…)”.

Se a acção popular tiver como objecto um interesse difuso stricto sensu, nen-
hum titular se pode auto-excluir dessa acção e por isso todos eles ficam abrangi-
dos pelo caso julgado da decisão que nela for proferida.
A solução será diferente se tiver em causa um interesse colectivo. Neste caso
o titular pode auto-excluir-se dessa acção precavendo-se contra a sua vinculação
ao caso julgado da decisão que nela venha a ser proferida. Assim o titular que se
auto-excluir de uma acção que tem por objecto um interesse colectivo não fica
vinculado ao caso julgado da respectiva decisão, o que significa que ele não
pode retirar qualquer vantagens dessa decisão, nem pode ser prejudicado pelo
conteúdo daquela decisão.
Se a acção popular recair sobre um interesse colectivo nenhum interessado
fica vinculado ao caso julgado na acção popular se a sua condição for diferente
da situação daqueles que foram representados nesta acção por, qualquer factor
de diferenciação pessoal é suficiente para o afastar da vinculação a esse caso jul-
gado.
A diferença entre os interesses difusos stricto sensu e os interesses colectivos
condiciona a resposta à questão de saber se o titular do interesse difuso lato
sensu, que antes procurara obter a tutela dos seus interesse numa acção indivi-
dual, pode beneficiar ou pode ser prejudicado pela decisão que vier a ser profe-
rida na acção. A resposta não é problemática quando a acção individual for jul-
gada procedente e a posterior acção popular vem a ser julgada improcedente,
visto poder haver lesão do interesse individual, justificando assim a acção indivi-
dual, sem haver violação de qualquer interesse difuso, o que conduz à improce-
dência da acção colectiva. Assim o titular do interesse individual não pode ser
prejudicado pela posterior improcedência da acção popular.
A questão é complexa quando a acção individual for julgada improcedente e
a posterior acção popular vem a ser considerado procedente. Discute-se se o
autor da acção individual pode beneficiar do caso julgado favorável desta acção
colectiva. A resposta a esta problemática é distinta consoante o objecto da acção
popular em causa. Se o objecto for um interesse difuso stricto sensu, o titular que
não conseguiu obter a procedência da acção individual beneficia da decisão de
procedência da acção popular, uma vez que aquele interesse recai sobre um bem
indivisível, nenhum titular pode ser excluído do seu gozo. A solução já serás dis-
tinta se o objecto da acção popular for um interesse colectivo, visto que a pro-
52
Das Acções Colectivas em Portugal

positura de uma acção individual por qualquer dos seus titulares deve ser enten-
dida como uma auto-exclusão de qualquer acção colectiva, nos termos do arti-
go 15.º, n.º 1 Lei da Acção Popular.
Entende-se que o titular do interesse difuso que procurou obter a tutela dos
seus interesses através de uma acção individual e não conseguiu a procedência
da acção não tem legitimidade popular, não beneficiando do caso julgado da
acção popular.

3. ACTIVIDADE PROBATÓRIA

A actividade probatória no âmbito do nosso Código de Processo Civil


divide-se entre o direito probatório formal e o direito probatório material.
O direito probatório formal diz respeito ao modo como as provas devem ser
requeridas, produzidas e recolhidas ou assumidas em juízo enquanto que o direi-
to probatório material subdivide-se em três área distintas, a saber:
– o ónus da prova;
– a admissibilidade dos meios da prova;
– a força probatória de cada um deles.

O mais importante dos princípios que domina o direito probatório formal é o


da livre iniciativa do juiz.
Pelo que se constata que, neste particular, o tribunal tem de se cingir apenas
aos factos fundamentais, correspondentes às situações de facto descritas nas nor-
mas jurídicas aplicáveis à pretensão, alegados pelas partes, respeitando-se neste
particular, o principio dispositivo, principio basilar do nosso sistema processual.
Todavia, em relação aos factos fundamentais alegados, o juiz goza do poder
de realizar directamente ou ordenar oficiosamente todas as diligências necessá-
rias ao descobrimento da verdade, vigorando assim, o princípio fundamental
correspondente ao sistema inquisitório.
Além de que assiste aos interessados o dever geral de colaboração na averi-
guação da verdade.
Verifica-se pois, que o moderno direito processual caminha rumo à ampliação
dos poderes do juiz que deixa de ser visto como um espectador inerte para pas-
sar a ser encarado como o “actor principal” da relação processual.
Aliás nas acções colectivas e nas acções de interesses meta-individuais, o
papel do juiz modifica-se cabendo-lhe a decisão a respeito de conflitos de massa
de índole político e social, deixando de haver então espaço para o designado juiz
neutro que não se imiscuía com as instâncias sociais ou politicas.
Carlos Adérito Teixeira refere quanto a este o que se passa a citar
“ Um outro aspecto sensível em matéria de acção popular, e bem assim das
acções colectivas em geral, diz respeito aos poderes do juiz. Diz-se, a este pro-
53
Das Acções Colectivas em Portugal

pósito, que no moderno direito processual civil, em particular em sede de pro-


cedimentos de massa e interesses meta-individuais, emerge um novo protago-
nismo do juiz, com uma paulatina mutação do seu tradicional papel de árbitro
para, sob certo ponto de vista, o papel de interveniente na relação processual
ou “quase-mediador”.

No que concerne ao direito probatório o artigo 17.º da Lei da Acção Popular


sob a epígrafe “recolha de provas pelo julgador” dispõe o que segue:
“Na acção popular e no âmbito das questões fundamentais definidas pelas
partes, cabe ao juiz a iniciativa própria em matéria de recolha de provas, sem vin-
culação à iniciativa das partes”.
Significa este preceito que independentemente das provas apresentadas pelas
partes, impende sobre o juiz o dever de proceder à recolha das provas que enten-
der necessárias para a resolução da lide. O juiz não se encontra, de forma nen-
huma, vinculado às provas apresentadas pelas partes. Os poderes do juiz são
aqui reforçados estabelecendo-se o princípio do inquisitório muito para além do
que se regista no processo civil comum.
Apesar do reforço dos poderes do juiz, Ada Pelllegrini Grinover entende que
os mesmos serão tímidos face à lei brasileira referindo esta que
“Diante da corajosa posição do legislador brasileiro, dotado de maiores
poderes o juiz dos processos colectivos, a regra do art. 17 da lei portuguesa
poderia parecer tímida por limitar-se a conferir-lhe poder de impulso apenas na
colheita da prova.
Mas esse passo, talvez acanhado na visão do observador estrangeiro, pode
assumir relevância no sistema português, indicando, quem sabe, uma grande
mudança. E, mais do que isso, há evidências de que a Lei n.º 83/95 armou
o juiz português de amplos poderes, quando deixou aberta à sua discriciona-
riedade a postura que adoptará diante dos pedidos formulados pelo autor
popular”.

Todavia, o excessivo empenhamento do juiz pode pôr em causa a sua impar-


cialidade. A fim de obviar tal questão, o legislador português foi sensível a este
aspecto e confinou o espaço de manobra do juiz ao “âmbito das questões fun-
damentais definidas pelas partes” nos termos do artigo 17.º da Lei da Acção
Popular. Assim o juiz apenas poderá recolher prova referente às pretensões da
parte.
No que diz respeito ao direito probatório material o legislador português não
introduziu qualquer especificidade, pelo que se entende que o juiz português apli-
ca no que concerne à acção popular o regime previsto no Código de Processo
Civil referente ao tipo de acção em causa, recorrendo-se aos princípios gerais do
direito e à analogia em face da disciplina lacunosa da lei.
54
Das Acções Colectivas em Portugal

No que toca à acção inibitória as disposições aplicáveis são as referentes ao


processo sumário, cujo regime se encontra plasmado no Código de Processo Civil
- artigo 783.º e seguintes.
No âmbito do direito probatório formal tem aqui também plena aplicabilida-
de, o princípio do inquisitório, a que já tivemos oportunidade de fazer alusão. Há
no entanto que atender que o que foi dito para a acção popular não vale no
âmbito da acção inibitória, visto que o princípio do inquisitório vai muito mais
para além do que é vertido no Código de Processo Civil no que concerne aos
processos comuns. No domínio da acção inibitório apenas tem aplicabilidade os
princípios gerais do direito processual e as especificidades do processo sumário.
No que concerne ao direito probatório material e visto os meios de prova
constituírem os elementos de que o juiz se pode servir para formar a sua convic-
ção acerca do facto, a regra é o da livre admissibilidade dos meios de prova
podendo recorrer-se a todos os meios de prova admissíveis no Código de
Processo Civil contemplados nos artigos 523.º e seguintes, a saber:
– prova documental
– confissão das partes
– prova pericial
– prova testemunhal

Quanto à valoração da prova produzida, também aqui, o critério geral é o da


livre apreciação da mesma pelo juiz. A prova é apreciada livremente sem nenhu-
ma hierarquização, de acordo com a convicção que geram no espírito do juiz
acerca do facto. Caso o juiz fique na dúvida este decidirá, por força do impera-
tivo legal que lhe não permite abster-se de julgar com base no non liquet, contra
a parte a quem cabe o ónus da prova do facto.

Em conclusão, nas acções inibitórias não existe qualquer especificidade,


estando o processo vinculado às regras previstas para o processo sumário.

55
Das Acções Colectivas em Portugal

CAPÍTULO II
Da Eficácia do Caso Julgado

1. GENERALIDADES

O efeito mais importante a que a sentença pode conduzir é o caso julgado.


Ora, diz-se que a sentença faz caso julgado quando a decisão nela contida
se torna imodificável. A imodificabilidade da decisão constitui assim a pedra de
toque do caso julgado. A sentença converte-se assim, em caso julgado quando
os tribunais já não a podem modificar.
Para que tal conversão se opere, é necessário que a decisão transite em jul-
gado. Nos termos gerais a decisão transita ou passa em julgado quando não seja
susceptível de recurso ordinário ou de reclamação de nulidades por nulidades ou
obscuridade ou para reforma de custas e multa, nos termos do artigo 677.º do
Código de Processo Civil.
O caso julgado apresenta limites uns de carácter objectivo; outros de carác-
ter subjectivos.
Os limites objectivos do caso julgado são dados pela identidade, não só do
pedido, mas também da causa de pedir. Para haver caso julgado é necessário
que haja repetição da causa. A repetição da causa pressupõe, além da identida-
de dos sujeitos, a identidade do pedido e da causa de pedir, nos termos do arti-
go 498.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Assim o caso julgado forma-se directamente sobre o pedido, sobre a respos-
ta dada a essa pretensão, a que a lei define como o “efeito jurídico pretendido
pelo autor”.
No que toca aos limites subjectivos entende-se que a eficácia subjectiva do
caso julgado é a de que só produz efeitos em relação às partes – eficácia inter
partes. Pelo que a decisão não é oponível a terceiros mas apenas às partes inter-
venientes.
O regime exposto traduz o regime geral.
No domínio das acções populares e das acções inibitórias o caso julgado
apresenta algumas especificidades que desenvolveremos mais adiante.
Todavia vamos apenas tecer algumas considerações gerais à acção popular e
à acção inibitória no que concerne ao caso julgado.
A acção popular visa a prevenção ou a cessação da violação de um direito
colectivo lato sensu e a regulação das relações entre aquele que ameaça violar
ou violou aquele interesse ou direitos e todos aqueles que podem ser ou já foram
prejudicados com essa conduta. A finalidade da acção popular é a obtenção de
uma composição global entre todos os titulares dos interesses transindividuais em
presença e o sujeito que o violou ou ameaçou violar, pelo que a decisão que nela
venha a ser proferida vale para todos aqueles titulares, impondo-se assim segun-
56
Das Acções Colectivas em Portugal

do A. Morello, uma “comunicabilidade horizontal da tutela“ a favor de todos estes


titulares.
Dado que o direito colectivo lato sensu sobre o qual recaiu a decisão proferi-
da na acção popular respeita a uma pluralidade de sujeitos - autores da acção -
justifica-se que o caso julgado dessa decisão não fique limitado às partes da
acção e abranja não só os titulares do direito colectivo lato sensu que nela é
defendido, mas todas as entidades que possuem legitimidade para a tutela juris-
dicional desse interesse, ou seja associações, cidadãos, fundações e autarquias
locais.
A vinculação dos titulares do direito colectivo lato sensu e dos demais titulares
da legitimidade popular à decisão proferida na acção popular é uma das conse-
quências da representação que nela é exercida pelo autor popular. Assim se a
acção popular for julgada procedente, todos os titulares são beneficiados com a
decisão nela proferida, Caso a acção seja julgada improcedente, a vinculação
daqueles titulares obsta a que o demandado possa voltar a ser accionado em
qualquer outra acção.
No entanto, para que o caso julgado da acção popular possa vincular os titu-
lares do interesse difuso e os demais titulares da legitimidade popular que não
chegaram a intervir nessa acção, é indispensável que o autor popular possa
actuar como um representante adequado daquele direito ou do interesse transin-
dividual.
A impossibilidade de efectivar a participação de todos os interessados da
acção popular é compensada pela adequação da representação exercida pelo
autor popular, a qual permite conciliar a necessidade de atribuir uma eficácia
ultra partes ao caso julgado da decisão proferida no âmbito da acção popular
com a necessidade de dispensar a audição dos titulares do direito ou do interes-
se difuso ou colectivo, que ficam vinculados ao caso julgado.
No que concerne à acção inibitória verifica-se que o regime vertido quer na
Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, quer no DL n.º 446/ 85, de 25 de Outubro com
todas as posteriores alterações introduzidas, é um regime especial prevalecendo
sobre o regime da acção popular.
O trânsito em julgado implica nas acções inibitórias que as cláusulas contra-
tuais gerais que foram objecto de proibição definitiva, ou outras cláusulas que se
lhes equipara, não possam ser incluídas em contratos em que o demandado
venha a celebrar, nem continuar a ser recomendadas por esta mesma parte.
Todavia, esta problemática será desenvolvida já de seguida.

2. NA ACÇÃO INIBITÓRIA

O artigo 10.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, consagra o direito à preven-


ção e acção inibitória.
57
Das Acções Colectivas em Portugal

O direito à prevenção, é assegurado através da competente acção judicial, a


acção inibitória, que se destina a prevenir, corrigir ou fazer cessar práticas lesivas
dos direitos do consumidor, nomeadamente, que atentem contra a saúde e segu-
rança física, que se traduzem no uso de cláusulas gerais proibidas e que consis-
tem em práticas comerciais expressamente proibidas por lei.
Neste âmbito, a acção inibitória segue sempre os termos do processo sumá-
rio, devendo a decisão especificar o âmbito da abstenção ou correcção, desig-
nadamente, através da referência concreta do seu teor e a indicação do tipo de
situações a que se reporta.
No que concerne às cláusulas contratuais gerais o DL n.º 446/85, de 25 de
Outubro, regula a respectiva acção inibitória, o instrumento de tutela judicial, dos
interesses colectivos dos consumidores.
Neste particular, a acção inibitória é uma acção declaratória de condenação,
em prestação de facto negativo, e actua de modo definitivo, uma vez que tem
como objecto a imposição de um comportamento. Existe uma proibição definiti-
va, dado que o seu efeito directo se traduz em o utilizador não poder incluir em
futuros contratos as cláusulas objecto de decisão transitada em julgado – artigo
32.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.
A decisão que proíbe o uso ou a recomendação de cláusulas deve especificar o
âmbito da proibição, designadamente através da referência concreta do teor e a indi-
cação do tipo de contratos a que a proibição se reporta. Essa decisão deve ser publi-
citada – artigo 30.º, n.º 2 da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais e artigo 11.º, n.º
3 da Lei de Defesa do Consumidor – por forma a aumentar-se a eficácia prática da
decisão. A lei ainda impõe o registo destas decisões - artigo 34.º da Lei das
Cláusulas Contratuais Gerais; artigo 11.º, n.º 3 da Lei de Defesa do Consumidor.
Quanto à eficácia subjectiva do caso julgado da decisão que decreta a inibi-
ção do uso ou recomendação de uma cláusula contratual geral, importa referir
que a acção inibitória na qual é proferida jamais se subsumirá no regime da efi-
cácia do caso julgado previsto para a acção popular, uma vez que, nos termos
do n.º 2 do artigo 32.º da Lei das Condições Gerais dos Contratos o alcance do
caso julgado é meramente ultra partes. Sendo assim, conclui-se que o regime
especial definido para a acção inibitória prevalece sobre o regime geral estabe-
lecido para a acção popular no artigo 19.º, n.º 1 da Lei da Acção Popular.
O trânsito em julgado da decisão inibitória implica que as cláusulas contra-
tuais gerais que foram objecto de proibição definitiva, ou outras cláusulas que se
lhes equipara não possam ser incluídas em contratos em que o demandado
venha a celebrar, nem continuar a ser recomendadas por esta mesma parte – arti-
go 32.º, n.º 1 Lei das Cláusulas Contratuais Gerais; artigo 11.º, n.º 4 da LDC.
Assim aquele que venha a ser parte juntamente com o demandado vencido na
acção inibitória em contratos onde se incluem cláusulas contratuais gerais proibi-
das pode invocar a todo o tempo, a declaração incidental de nulidade contida na
58
Das Acções Colectivas em Portugal

decisão. Este regime vale tanto para as cláusulas que constem de contratos cele-
brados antes da decisão inibitória como para as cláusulas inseridas em contratos
concluídos depois dessa decisão.
O regime legal que resulta do caso julgado da decisão proferida na acção
inibitória do uso ou recomendação de uma cláusula contratual geral pode ser
resumido ao que segue:
O interessado não beneficia do caso julgado da decisão que proíbe o uso ou
recomendação da cláusula contratual. Porém este interessado, poderá alegar, em
proveito próprio, a declaração de nulidade da cláusula que é proferida, a título
incidental, na acção inibitória. Com esta alegação, o novo demandante vincula
o tribunal e o demandado a aceitar a declaração de nulidade subjacente à deci-
são de procedência proferida na acção.
A particularidade deste regime, resulta do facto de se permitir a um terceiro
invocar em seu benefício a declaração incidental da nulidade da cláusula con-
tratual sem que aquela seja dotada de eficácia de caso julgado material.

Em conclusão:
O artigo 32.º, n.º 2 da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais permite concluir
que no âmbito subjectivo do caso julgado da acção inibitória do uso ou reco-
mendação de um cláusula geral o que é definido no plano supra-individual não
vale no plano individual, pois nem o novo demandante da acção individual, nem
o demandado na acção inibitória e na acção individual podem invocar em seu
benefício o caso julgado da decisão proferida na acção colectiva. Verifica-se,
pois, a consagração de uma solução unilateral em que o demandante pode invo-
car a declaração incidental de nulidade da cláusula contratual geral, porém o
demandado não pode invocar o caso julgado absolutório da acção inibitória,
nem tão pouco, beneficiar de um conhecimento oficioso da excepção de caso jul-
gado. O facto da cláusula contratual geral não ter sido declarada contrária à boa
fé não significa que não possa ser abusiva.

No âmbito da acção inibitória o demandado nunca pode opor essa excepção


de caso julgado a nenhum novo demandante, ou seja, nunca pode invocar con-
tra esse demandante o caso julgado absolutório obtido na acção inibitória.
Este facto mostra que a restrição à eficácia erga omnes do caso julgado deco-
rrente da insuficiência de prova como fundamento da decisão absolutória cons-
tante do artigo 19.º, n.º 1 da Lei da Acção Popular não é transponível para a
acção inibitória, visto o demandado não poder opor a excepção de caso julga-
do numa situação de non liquet ou quando a acção inibitória não procedeu por
qualquer outro motivo.
O regime exposto consagra um favorecimento do consumidor enquanto
demandante em detrimento do proponente da cláusula contratual geral, visto que
59
Das Acções Colectivas em Portugal

o que foi apreciado e decidido apenas pode ser invocado por aquele deman-
dante. Esta desigualdade é reforçada pela concordância da decisão da acção
individual com a sentença de procedência proferida na acção inibitória.
Todavia a eficácia do caso julgado também protege o proponente da cláusu-
la, uma vez que o consumidor só poder invocar a declaração incidental de nuli-
dade da cláusula contratual geral, não podendo assim alegar em proveito pró-
prio o caso julgado da decisão inibitória, sendo facultado ao proponente deman-
dado na acção individual a alegação de que, no caso concreto, a cláusula con-
tratual foi objecto de uma negociação, não sendo contrária à boa fé. Verifi-
cava-se, pois, a existência de um compromisso entre a protecção concedida ao
consumidor e a possibilidade de defesa pelo proponente.

3. NA ACÇÃO POPULAR

O artigo 19.º da LAP vem regular os efeitos do caso julgado no que concer-
ne à acção popular estipulando-se o que segue:
“1 – As sentenças transitadas em julgado proferidas em acções ou recursos
administrativas ou em acções cíveis, salvo quando julgadas improcedentes por
insuficiência de provas, ou quando o julgador deve decidir por forma diversa
fundado em motivações próprias do casos concreto, têm eficácia geral, não
abrangendo, contudo, os titulares dos direitos ou interesse que tiverem exerci-
do o direito de se auto excluírem da representação.
2 – As decisões transitadas em julgado são publicadas a expensas da parte
vencida e sob pena de desobediência, com menção do trânsito em julgado,
em dois dos jornais presumivelmente lidos pelo universo dos interessados no
seu conhecimento, à escolha do juiz da causa, que poderá determinar que a
publicação se faça por extracto dos seus aspectos essenciais, quando a sua
extensão desaconselhar a publicação por inteiro”.

Do disposto do n.º 1 do artigo mencionado resulta que o caso julgado obti-


do na acção popular é vinculativo para todos os titulares do interesse difuso
excepto se estes tiverem exercido o direito de auto-exclusão dessa acção previsto
no artigo 15.º, n.º 1 da LAP.
Importa primeiro referir que o regime previsto no artigo 19.º, n.º 1 da LAP só
é aplicável, na sua totalidade, quando a acção popular tiver por objecto interes-
ses colectivos ou interesses individuais homogéneos, uma vez que apenas nesta
hipótese se admite a auto-exclusão dos interessados.
Quando a acção popular incidir sobre interesses difusos stricto sensu o artigo
19.º, n.º 1 da LAP é aplicado sem a excepção nele prevista quanto à não vincu-
lação dos titulares que dela se tenham auto-excluído, visto não ser admissível a
auto-exclusão dos interessados.
60
Das Acções Colectivas em Portugal

Nos termos do preceito mencionado o caso julgado da acção popular possuí,


em regra, uma eficácia erga omnes, significando que o caso julgado é vinculati-
vo para todos os titulares do interesse difuso. Porém esta eficácia tem como con-
trapartida a admissibilidade quer da intervenção desses interessados na acção
popular pendente quer da auto-exclusão daqueles interessados dessa acção.
Assim, os titulares dos interesses difusos são abrangidos pelo caso julgado da
decisão proferida na acção popular, podendo influenciar a acção pendente ou,
quando a acção incidir sobre interesses colectivos ou interesses individuais homo-
géneos, auto-excluir-se dessa acção.
No que concerne aos terceiros interessados que não tenham utilizado ou não
possam usar a faculdade de auto-exclusão, deve entender-se que estes não ficam
vinculados ao caso julgado se a sua citação não tiver observado os requisitos
impostos pelo artigo 15.º, n.º 2 e 3 da Lei da Acção Popular. Nesta hipótese não
se pode ficcionar que eles tenham tido conhecimento da acção que se encontra-
va pendente.
Se o titular do interesse colectivo não intervier na acção popular, ele pode
impugnar a decisão proferida, mesmo após o seu trânsito em julgado, se não tiver
sido regularmente citado.
Além disso o caso julgado da sentença homologatória dessa desistência ou
transacção não vale necessariamente erga omnes, visto o Ministério Público
poder fazer substituir-se ao autor popular evitando que o caso julgado da sen-
tença possa afectar terceiros.
Nos termos do artigo 19.º, n.º 1 da Lei da Acção Popular o juiz pode restrin-
gir o âmbito subjectivo do caso julgado “fundado em motivações próprias da
situação concreta”. Entende-se aqui, que se tenha pensado nas hipótese em que
o tribunal considera que a acção não pode proceder enquanto acção popular,
nomeadamente porque não foi violado qualquer interesse colectivo. Mas pode
ser procedente em relação ao demandante e ao seu próprio interesse individual,
nas situações em que por exemplo o número de exclusões da acção popular
impede que se possa tutelar um interesse colectivo ou ainda nas situações em que
o tribunal entende que a transacção celebrada entre o autor e o demandado não
deve valer ergo omnes.
Vamos então de seguida cingir-nos às consequências da acção popular.
O artigo 19.º, n.º 1 da LAP define o âmbito subjectivo do caso julgado secun-
dum eventum litis. Assim os titulares do interesse colectivo beneficiam do caso jul-
gado favorável, isto é, daquele que respeita a uma decisão de procedência da
acção popular, mas não ficam vinculados a uma sentença de improcedência
quando esta resulte de uma insuficiência de prova.
Se a acção popular proceder, todos os titulares do interesse difuso podem
beneficiar da decisão favorável e invocá-la in utilibus em qualquer acção
individual. Todavia, se essa acção improceder os titulares do interesse difuso
61
Das Acções Colectivas em Portugal

ficam vinculados ao caso julgado desfavorável, excepto se a improcedência


decorrer da insuficiência da prova produzida. A improcedência da acção
popular com base na insuficiência de prova, visto o autor não ter realizado
prova suficiente quanto aos factos constitutivos da situação jurídica que
alega, pode indiciar uma actuação menos diligente do autor popular ou até
mesmo um conluio entre essa parte e a contraparte demandada, sendo assim
necessário proteger todos os intervenientes na acção popular dos efeitos
dessa decisão.
A insuficiência de prova poderá decorrer também da falta de desenvolvimen-
to técnico ou científico, ou seja, a acção popular ter sido julgada improcedente,
visto não se ter estabelecido nexo de casualidade entre uma causa e o seu efei-
to. Nesta hipótese, esta insuficiência de prova pode ser confirmada depois do jul-
gamento da acção popular não constituindo assim fundamento da decisão de
improcedência desta acção todavia, e em contrapartida, a inexistência de prova,
apreciada em função de um certo desenvolvimento técnico ou científico, transfor-
ma-se numa insuficiência de prova, considerados os novos avanços técnicos ou
científicos.
Tendo a acção popular sido julgada improcedente com fundamento numa
falta de prova, o caso julgado da sua decisão vale erga omnes.
Todavia o caso julgado só deve permanecer vinculativo enquanto não surgi-
rem novos conhecimentos técnicos ou científicos que imponham uma diferente
apreciação dos factos. Pretende-se assim, o reexame dos mesmos factos numa
outra acção com base em novos conhecimentos científicos ou técnicos, deixan-
do-se inalterada a primeira decisão de improcedência proferida na acção popu-
lar. Porém, esta situação importa uma restrição: se o objectivo da antiga e da
nova acção popular for a indemnização dos lesados pela violação do direito
difuso, entende-se que não devem ser reparados os danos que se produziram
antes do trânsito em julgado da decisão de improcedência da primeira acção
popular.
Pelo que o demandante que viu a acção popular improceder com fundamen-
to na insuficiência de prova, dado o referido non liquet, pode vir a beneficiar do
caso julgado da eventual procedência de outra acção instaurada por qualquer
outro interessado. Este facto é uma consequência da eficácia erga omnes do caso
julgado alcançado numa acção posterior e que não exclui o demandante da pri-
meira acção popular.
A solução vertida no artigo 19.º, n.º 1 da LAP permite salvaguardar os inte-
resses da parte demandada na acção popular, pois provando esta que não vio-
lou ou não ameaçou o interesse difuso, não poderá ser proposta contra ela nova
acção popular sobre o mesmo objecto independentemente de a acção ser pro-
posta por qualquer outro interessado. A improcedência da acção vale assim ultra
partes, porque a acção improcedeu pelo facto de a parte demandada ter prova-
62
Das Acções Colectivas em Portugal

do que não violou ou que não ameaçou o interesse difuso, podendo esta parte
arguir a excepção de caso julgado numa outra qualquer acção relativa ao mesmo
objecto proposta por outro sujeito. É necessário ter em consideração que da vin-
culação à decisão de improcedência só ficam afastados os titulares do interesse
difuso que expressamente se tenham auto-excluído da acção popular, nos termos
do artigo 15.º, n.º 1 e 19.º, n.º 1 da LAP. A decisão de improcedência também
fundamenta a arguição de excepção de caso julgado pelo mesmo demandado
numa posterior acção individual que contra ele seja proposta.
Pode, contudo, concluir-se que a excepção do caso julgado na acção popu-
lar pode ser oposta pelo demandado ao novo demandante obstando a uma nova
apreciação de mérito da acção, excepto se a decisão absolutória se fundamen-
tar num non liquet.

63
Das Acções Colectivas em Portugal

CAPÍTULO III
DO REGIME DOS RECURSOS

1. GENERALIDADES

A impugnação das decisões proferidas no quadro das acções colectivas é


influenciada por dois critérios alternativos:
O valor da causa como expressão da utilidade económica do pedido - artigo
305.º do CPC;
O valor artificialmente atribuído por lei à causa ante a relevância dos interes-
ses nela imbricados ou que nela se exprimem.
Se se tratar, porém, de direitos imateriais, susceptíveis de se configurar na ver-
tente hipótese, o valor da causa excederá em 1 cêntimo o valor da alçada do tri-
bunal da Relação: se, por exemplo, se tratar de hipóteses em que em causa este-
ja a saúde pública.
Registe-se que, de momento, se atravessa o período de vacatio legis ante a
reforma recursal do Código de Processo Civil.

A tal propósito, e no que tange à acção colectiva (popular/ inibitória)


impõe-se breve referência ao Decreto-Lei n.º 303/2007, diploma que veio a
lume a 24 de Agosto, e que introduziu alterações de monta ao regime dos recur-
sos, podendo mesmo, falar-se de uma reforma dos recursos, norteada, tal como
referido expressamente no preâmbulo do diploma "... por três objectivos funda-
mentais: simplificação, celeridade processual e racionalização do acesso ao
Supremo Tribunal de Justiça, acentuando-se as suas funções de orientação e de
uniformização da jurisprudência".
Sem se pretender, logicamente, proceder a uma análise mais profunda do regi-
me, que entrará já em vigor a 1 de Janeiro de 2008, cabe referir as principais alte-
rações que se se realçam no preâmbulo do próprio dispositivo, como segue:
a) adopção de um regime monista de recursos cíveis, eliminando-se a distin-
ção entre recurso de apelação e recurso de agravo;
b) a introdução da regra geral de impugnação de decisões interlocutórias apenas
com o recurso que vier a ser interposto da decisão que põe termo ao processo;
c) equiparação, para efeitos de recurso, das decisões que põem termo ao pro-
cesso, sejam estas de mérito ou de forma;
d) a concentração, em momentos processuais únicos dos actos processuais de
interposição de recurso e apresentação de alegações e dos despachos de
admissão e de expedição do recurso;
e) revisão operada no regime de arguição dos vícios e da reforma da senten-
ça, ao estabelecer-se que, cabendo recurso da decisão, o requerimento de rec-
tificação, esclarecimento ou reforma é sempre feito na respectiva alegação.
64
Das Acções Colectivas em Portugal

A par de outras alterações que, por motivo sistemático, se não versará, não se
pode, no entanto deixar passar em branco a alteração à Lei n.º 3/99, de 13 de
Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), nomeada-
mente ao seu artigo 24º, elevando-se em matéria cível a alçada dos tribunais da
Relação para €30 000 e a dos tribunais de 1.ª instância para €5 000.
Naturalmente que o objectivo de tal alteração se prende com a limitação do
acesso - em via recursal - ao Supremo Tribunal de Justiça, medida que se presu-
me não encontrará eco nos espíritos mais preocupados com as garantias da rea-
preciação das decisões, que ora parece falecerem nestes domínios...
Com efeito, nos termos do artigo 18º da LAP:
“ Mesmo que determinado recurso não tenha efeito suspensivo, nos termos
gerais, pode o julgador, em acção popular, conferir-lhe esse efeito, para evitar
dano irreparável ou de difícil reparação”.

Ou seja, aos recursos que, nos termos gerais, teriam efeito meramente devo-
lutivo, não suspendendo, como tal, a imediata exequibilidade da sentença da 1.ª
instância, pode o julgador conferir-lhe esse efeito.
Alude-se, naturalmente, aos casos em que haja sido o autor a perder a lide,
e a interpor recurso da decisão da 1.ª instância e entende-se o porquê de tal
medida consagrada pelo legislador.
A própria natureza dos interesses em causa (tais como a saúde pública, o
ambiente, a qualidade de vida, a protecção no quadro do consumo de produtos
e serviços, o património cultural e o domínio público) o impõe.
Se o recurso tivesse efeito meramente devolutivo, tal poderia levar a lesões que
dificilmente poderiam ser reparadas (pense-se numa infracção cometida contra o
meio ambiente e na possibilidade de o sujeito infractor continuar a praticar actos lesi-
vos do meio ambiente enquanto o acórdão do tribunal superior não fosse proferido).
Quanto à acção inibitória, quer a relativa às cláusulas contratuais gerais,(pre-
vista no Decreto–Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro), quer a acção inibitória, mais
abrangente, tal como definida pela Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, (Lei do
Consumidor), o respectivo regime nada aporta de novo em relação ao regime
dos recursos pelo que aplicar-se-á o regime processual civil, geral.
Apenas se dirá, a este respeito, que será sempre tal decisão passível de recur-
so para o Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que muito embora siga a forma
de processo sumário de declaração (artigo 11.º, n.º 1 da Lei do Consumidor e
artigo 28º do diploma relativo às Condições Gerais dos Contratos, tem o valor
correspondente ao da alçada da Relação mais 1 cêntimo (de acordo com a
redacção da lei).
Pelo exposto, quanto ao valor, a reforma dos recursos operada pelo já citado
Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, não acarretará consequências
nefastas neste sentido.
65
Das Acções Colectivas em Portugal

De qualquer sorte, e em esquema, apresentar-se-nos-á o que segue:

A) Acção inibitória estatuída no domínio da Lei das Condições Gerais dos


Contratos

O valor da causa, tal como definido no artigo da Lei das Condições Gerais
dos Contratos, excede em 1 cêntimo o valor da alçada da Relação: ora fixado em
30 000€.24
Daí que eventual decisão definitiva admita recurso ordinário de apelação e de
revista.
O regime das impugnações em processo civil comporta
• reclamações
• recursos

As reclamações deduzem-se perante o tribunal que proferiu a decisão que


delas conhece.

As reclamações têm por fundamento


• o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que comporte
• a reforma quanto a custas e multa
• manifesto lapso do julgador na determinação da norma aplicável ou na
qualificação jurídica dos factos
• a existência de documentos ou quaisquer elementos que por si só impliquem
necessariamente decisão diversa da proferida.

Os recursos cabem de decisões, em princípio, não transitadas em julgado.


Os recursos qualificam-se, porém, em ordinários e extraordinários.
Ordinários são os recursos de apelação e revista.
Extraordinários os recursos para uniformização de jurisprudência e o de revi-
são, na configuração do novo regime recursal adoptado pela reforma intercalar
de 24 de Agosto de 2007.

B) Recurso ordinário

Só é admissível quando o valor da causa exceda o da alçada do tribunal a


quo e a decisão impugnada seja desfavorável ao requerente em valor superior a
metade da alçada do tribunal de que se recorre (sucumbência). Em caso de dúvi-
da atende-se tão só ao valor da causa.

24
Art.º 24 da L 3/99, de 13 de Janeiro, com a redacção dada pelo art.º 5 do DL 303/2007, de 24 de Agosto.

66
Das Acções Colectivas em Portugal

Constituem, porém, excepção as hipóteses previstas no n.º 2 do artigo 678.º


do Código de Processo Civil, a saber:
- independentemente do valor da causa e da sucumbência é sempre admissí-
vel recurso das decisões:
• que violem as regras de competência internacional ou de competência inter-
na em razão da matéria ou da hierarquia
• que ofendam o caso julgado
• atinentes ao valor da causa com o fundamento de que o seu valor excede
a alçada do tribunal de que se recorre
• proferidas no domínio da mesma legislação - e sobre a mesma questão fun-
damental de direito - contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal
de Justiça.
• Para além de circunstâncias particulares que ora não importam, no que toca
a decisões proferidas em acções em que se aprecie a validade, a subsistência
ou a cessação de contratos de arrendamento ou acerca do valor da causa nos
procedimentos cautelares.

- os recursos extraordinários independem do valor da causa e da sucum-


bência
Recursos extraordinários são
• Recurso para uniformização de jurisprudência;
• Recurso de revisão.

Recursos ordinários: a apelação

A apelação, tal como resulta do artigo 691.º do CPC, cabe de


“1- A decisão do tribunal de 1.ª Instância que ponha termo ao processo…
2- Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª
Instância
a) Decisão que aprecie o impedimento do juiz;
b) Decisão que aprecie a competência do tribunal;
c) Decisão que aplique multa;
d) Decisão que condene no cumprimento da obrigação pecuniária;
e) Decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;
f) Decisão que ordene a suspensão da instância;
g) Decisão proferida depois da decisão final
h) Despacho saneador, que sem pôr termo ao processo, decida do mérito da
causa;
i) Despacho de admissão ou rejeição de meios de prova;
j) Despacho que não admita o incidente ou que lhe ponha termo;
l) Despacho que se pronuncie quanto à concessão da providência cautelar,
67
Das Acções Colectivas em Portugal

determine o seu levantamento ou infira liminarmente o respectivo requeri-


mento;
m) Decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absoluta-
mente inútil;
n) Nos demais casos expressamente previstos na lei
3 - As restantes decisões proferidas pelo tribunal de primeira instância podem
ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final ou do des-
pacho previsto na alínea l) do n.º 2.
4 - Se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que ten-
ham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser
impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão.
5 - Nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2, bem como no n.º
4 e nos processos urgentes, o prazo para interposição de recurso e apresentação
de alegações é reduzido para 15 dias.”

Recursos ordinários: a revista

Só cabe recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da


Relação proferido sobre:
• Decisão do tribunal de primeira instância que ponha termo ao processo
• Despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da
causa.

Casos em que ora não se admite a revista


• Não é, em princípio, admitida revista do acórdão da Relação que confir-
me, sem veto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão profe-
rida na primeira instância.
• Excepcionalmente, porém, cabe recurso de revista do acórdão da Relação
que confirme decisão da primeira instância sempre que
– esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurí-
dica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito,
– estejam em causa interesses de particular relevância social
– o acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em
julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de
Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fun-
damental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização
de jurisprudência com ele conforme.25

25
Na alegação, o recorrente deve indicar, sob pena de rejeição, as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária
para uma melhor aplicação do direito; as razões pelas quais os interesses são de particular relevância social; os aspectos de identidade
que determinam a contradição alegada, juntando cópia do acórdão – fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em
oposição.

68
Das Acções Colectivas em Portugal

O Código de Processo Civil prevê ainda, no seu artigo 725.º, a hipótese de


um recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça.
Os pressupostos para o efeito são:
• Que a decisão ponha termo ao processo, ou que no despacho saneador se
profira decisão de mérito
• Para tanto, importa que cumulativamente:
– O valor da causa seja superior à alçada da Relação (como ocorre nas
acções inibitórias);
– O valor de sucumbência seja superior a metade da alçada da Relação;
– As partes, nas suas alegações, suscitem apenas questões de direito;
– As partes não impugnem, no recurso de decisão que ponha termo ao
processo, quaisquer decisões interlocutórias.

Recursos extraordinários

O recurso para uniformização de jurisprudência


Rege a tal propósito o artigo 763.º do Código de Processo Civil, reforma inter-
calar de 2007:
”1 - As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis do
Supremo Tribunal de Justiça quando o Supremo proferir acórdão que esteja em
contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domí-
nio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.
2 - Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com
trânsito em julgado, presumindo-se o trânsito.
3 - O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão recorri-
do estiver de acordo com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de
Justiça.”

Recurso de revisão

O recurso de revisão, tal como emerge da reforma que há dias veio a lume,26
absorve o denominado recurso extraordinário de oposição de terceiro (assente em
acto simulado dos pretensos litigantes e com reflexos na esfera jurídica de terceiro).
Daí que os fundamentos - ínsitos no artigo 771.º saído da reforma do regime
recursal - se perfilem como segue:
“A decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando:
a) Outra sentença transitada em julgado tenha dado como provado que a
decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções;

26
Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, que altera profundamente o regime recursal no que toca ao direito processual de índole
privatística.

69
Das Acções Colectivas em Portugal

b) Se verifique a falsidade de documento ou acto judicial, de depoimento ou


das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos,
ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objecto de dis-
cussão no processo em que foi proferida;
c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de
que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão
a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido
mais favorável à parte vencida;
d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transac-
ção em que a decisão se fundou;
e) Tendo corrido a acção e a execução à revelia, por falta absoluta de inter-
venção do réu, se mostre que faltou a citação ou que é nula a citação feita;
f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de
recurso vinculativa para o Estado Português;
g) O litígio assente sobre acto simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso
do poder que lhe confere o artigo 665.º, por se não ter apercebido da fraude”

Este é, em geral, o regime dos recursos, tal como ora se desenha no Código
de Processo Civil.
Nos passos subsequentes revelar-se-á o regime que quadra em particular às
acções inibitórias e às acções populares.

2. O REGIME DOS RECURSOS NAS ACÇÕES INIBITÓRIAS

2.1. Acção inibitória em geral

De harmonia com o que permanece a LDC, no n.º 1 do seu artigo 11º - “a


acção inibitória tem o valor equivalente ao da alçada da Relação mais 1 cênti-
mo…” no que tange à utilidade económica do pedido… em vista da susceptibi-
lidade de recurso de apelação e, no quadro actual, eventualmente de revista,
ante os obstáculos de índole processual que ora se erguem para a reapreciação
– em sede recursal – das decisões colegiais da segunda instância.

2.2. Da acção inibitória em especial – no domínio da lei das Condições Gerais


dos Contratos

No particular das acções inibitórias susceptíveis de instauração em ordem à


obtenção de uma “condenação na abstenção do uso ou da recomendação de
cláusulas contratuais gerais” (proémio do artigo 26º), a regra aplicável é estrutu-
ralmente idêntica – ante os interesses nela imbricados – à que a Lei de Defesa do
Consumidor estatui no seu artigo 11.º
70
Das Acções Colectivas em Portugal

No artigo 29.º da Lei das Condições Gerais dos Contratos se define: “1- A
acção destinada a proibir o uso ou recomendação de cláusulas contratuais gerais
que se considerem abusivas segue os termos do processo sumário de declaração
e está isenta de custas.
2- O valor das acções referidas no número anterior excede 1 cêntimo ao fixa-
do para a alçada da Relação”.

Daí que as bases para a construção do regime recursal sejam análogas às que
se esquiçaram no quadro da acção inibitória em geral.

2.3. Acção inibitória transnacional e, por refracção, a que o direito interno


acolheu mercê da transposição de Directiva 98/27/CE, do Parlamento Europeu
e do Conselho, de 19 de Maio de 1998.

Das directrizes traçadas no artigo 2.º da Directiva em epígrafe ressalta:


“1. Os Estados-membros designarão os tribunais ou as autoridades adminis-
trativas competentes para conhecer dos processos intentados pelas entidades
competentes na acepção do artigo 3.º a fim de que:
a) Seja proferida uma decisão, com a devida brevidade, se for caso disso
mediante um processo expedito, com vista à cessação ou proibição de qual-
quer infracção;
b) Sempre que tal se justifique, sejam determinadas medidas como por exem-
plo a publicação integral ou parcial da decisão, na forma considerada ade-
quada, e/ou a publicação de uma declaração rectificativa tendo em vista eli-
minar os efeitos persistentes da infracção;
c) Na medida em que o sistema jurídico do Estado-membro em causa o permi-
ta, e em caso de não cumprimento da decisão no prazo fixado pelos tribunais ou
pelas autoridades administrativas, a parte vencida seja condenada no pagamen-
to ao erário público, ou a qualquer beneficiário designado ou previsto na legis-
lação nacional, de um montante fixo por cada dia de atraso ou de qualquer outro
montante previsto na legislação nacional para garantir a execução das decisões.
2. A presente directiva não prejudica as normas de direito internacional priva-
do no que se refere à legislação aplicável, conduzindo assim normalmente à
aplicação da legislação do Estado-membro onde a infracção se iniciou ou da
legislação do Estado-membro onde a infracção produziu efeitos.”

A mera remissão para o ordenamento jurídico interno, e a que, por seu turno,
a Lei da Acção Inibitória Transnacional formula para os normativos internos per-
mite asseverar que o regime será o mesmo da acção inibitória geral e da acção
popular (artigo 2.º), se bem que prejudicada por virtude a acção inibitória não
haver sido regulamentada.
71
Das Acções Colectivas em Portugal

Ainda que lhe aproveitem as regras do valor, noutro ponto expressas, e con-
sequentemente as das vias de impugnação das decisões que sucessivamente
recaírem sobre o objecto da acção. Ao menos, em tese.

3. ACÇÃO POPULAR

A Lei da Acção Popular estabelece no n.º 2 do seu artigo 12.º que “a acção
popular civil pode revestir qualquer das formas previstas no Código de Processo
Civil”.
Daí que possa – enquanto acção declaratória - assumir, em princípio, quer a
forma de processo sumaríssimo, quer a de processo sumário, como a de ordi-
nário.
É o valor da causa que define a forma de processo.
O CPC, no n.º 1 do seu artigo 305.º, dispõe que ”a toda a causa deve ser
atribuído um valor, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade eco-
nómica do pedido”.
E, no n.º 2, refere congruentemente:
“ a este valor se atenderá para determinar a competência do tribunal, a forma
do processo comum e a relação da causa com a alçada do tribunal [para efeitos
meramente recursais].
Os critérios gerais para fixação do valor inscrevem-se no artigo 306.º do
CPC.27
Critérios especiais aplicáveis, na circunstância, são tão só os que entroncam
no valor da acção determinada pelo valor do acto jurídico28 ou sobre interesses
imateriais.29
Empregar-se-á, porém, o processo ordinário se o valor da causa exceder o da
alçada da Relação, isto é, se ultrapassar em 1 cêntimo os 30 000 ¤, ora alçados
a valor da alçada.
Adoptar-se-á o processo sumário se o valor não exceder a alçada da Relação
e a acção se não destinar ao cumprimento de obrigações pecuniárias, à indem-

27
Que reza o seguinte: “1. Se pela acção se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo
atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela acção se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia
em dinheiro equivalente a esse benefício. 2. Cumulando-se na mesma acção vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma
dos valores de todos eles; mas quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os
que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos. 3. No caso de pedi-
dos alternativos, atender-se-á unicamente ao pedido de maior valor e, no caso de pedidos subsidiários, ao pedido formulado em
primeiro lugar.”
28
O artigo 310 prescreve: “1. Quando a acção tiver por objecto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou
resolução de um acto jurídico, atender-se-á ao valor do acto determinado pelo preço ou estipulado pelas partes. 2. Se não houver
preço nem valor estipulado, o valor do acto determinar-se-á em harmonia com as regras gerais. 3. Se a acção tiver por objecto a anu-
lação do contrato fundada na simulação do preço, o valor da causa é o maior dos dois valores em discussão entre as partes.”
29
O artigo 312 preceitua o seguinte: “As acções sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais consideram-se sempre de
valor equivalente à alçada da Relação e mais 1cêntimo.”

72
Das Acções Colectivas em Portugal

nização por dano e à entrega de coisas móveis e à declaração de nulidade de


acto jurídico.
Se a acção tiver por objecto qualquer dos institutos no passo precedente refe-
renciados, mas não exceder metade da alçada do tribunal da primeira instância,
ora fixada em 5 000€ (isto é, se não exceder 2 500 euros), a forma empregue
será a do processo sumaríssimo.
Em geral, mal se configurarão neste particular acções sumaríssimas na tipolo-
gia das acções populares.
E, salvo hipóteses pontuais, não se afigurará configurável – pelos montantes,
em rigor, implicados - um número substancial de acções populares que sigam a
forma de processo sumário.
O facto é que – com as restrições ora definidas no tocante ao recurso de revis-
ta a interpor para o Supremo Tribunal de Justiça – sempre se lobrigarão circuns-
tâncias peculiares que permitirão o seu enquadramento nas hipóteses excepcio-
nais cabíveis nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 721.º-A do CPC, decorrente
da Reforma do Regime Recursal:
• Sempre que se achem em causa questões cuja apreciação pela sua rele-
vância jurídica, sejam claramente necessárias para uma melhor aplicação do
direito e, em particular,
• sempre que em causa se achem interesses de particular relevância social.

E, na verdade, segmentos como os da saúde pública, ambiente, qualidade de


vida, património histórico-cultural e domínio público, sem considerar já a proble-
mática ínsita na carta de direitos trans-subjectivos da massa de consumidores,
configuram decerto, pela essência de que se revestem, “interesses de particular
relevância social”, face à natureza específica e aos critérios rectores que serviram
de molde à conformação da própria acção popular.
Daí que, em rigor, as acções populares, a seguirem – no plano processual civil
– a forma ordinária da acção declaratória, das decisões nelas vertidas caberá
recurso ordinário de apelação e, quiçá, de revista em função dos argumentos nos
passos precedentes aduzidos.
A especialidade que – ante o novo regime recursal se nos apresenta – é, em
tese, a admissibilidade permanente do recurso de revista para o Supremo Tribunal
de Justiça, conquanto subsista acórdão da Relação que confirme sem defecções
(i.é, sem qualquer voto de vencido), ainda que por diferente fundamento, a sen-
tença proferida em primeira instância.
É, aliás, a única especialidade que se detecta na circunstância.
E a que cumpre, a justo título, conferir o devido destaque.

73
Das Acções Colectivas em Portugal

CAPÍTULO IV
DAS CUSTAS

Perspective-se o tema tipologicamente

1. ACÇÃO INIBITÓRIA EM GERAL

O que se coenvolve nas custas judiciais mais não é do que a noção de encar-
go, de preço, do custo da administração da justiça assegurada pelo Estado: a
noção comporta ainda uma ideia de sanção a suportar por quem não haja obtido
ganho de causa e haver lançado mão da actividade jurisdicional quando, em prin-
cípio, uma serena ponderação dos interesses poderia, em tese, dispensar o recurso
às instâncias jurisdicionais para se dirimir o conflito que entretanto estalara.
O facto é que o molde da acção inibitória em geral não tem logrado aplica-
ção nas concretas espécies de facto suscitadas perante os tribunais.
Daí que em concreto se não suscitem eventuais controvérsias no que tange à
fórmula da isenção de custas.
De harmonia com o que prescreve a LDC, no seu artigo 11º, confere-se isen-
ção de custas nas acções inibitórias em geral, em termos singelos [“a acção inibi-
tória… segue os termos do processo sumário e está isenta de custas”].

2. ACÇÃO INIBITÓRIA TRANSNACIONAL FUNDADA NA DIRECTIVA


98/27/CE, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO

Não há obviamente referências a custas ou a “taxas” de justiça, como mera


antecipação de custas.
O que avulta na alínea c) do artigo 2.º do instrumento normativo em evidên-
cia é algo susceptível de se subsumir na astreinte, vale dizer, na sanção pecuniá-
ria compulsória que se exprime como segue: “c) Na medida em que o sistema
jurídico do Estado-membro em causa o permita, e em caso de não cumprimento
da decisão no prazo fixado pelos tribunais ou pelas autoridades administrativas,
a parte vencida seja condenada no pagamento ao erário público, ou a qualquer
beneficiário designado ou previsto na legislação nacional, de um montante fixo
por cada dia de atraso ou de qualquer outro montante previsto na legislação
nacional para garantir a execução das decisões.”

3. ACÇÃO INIBITÓRIA TRANSNACIONAL

As considerações expendidas a propósito da acção inibitória em geral valem


neste concreto ponto mercê da remissão, no artigo 1.º da Lei n.º 25/2004, de 9
de Julho, para o artigo 10.º da LDC.
74
Das Acções Colectivas em Portugal

4. ACÇÃO INIBITÓRIA NO QUADRO DA LEI DAS CONDIÇÕES GERAIS


DOS CONTRATOS

Rege o artigo 29.º da LCGC que, em termos inequívocos, prescreve no seu


n.º 1 “a acção destinada a proibir o uso ou a recomendação de cláusulas con-
tratuais gerais que se considerem abusivas segue os termos do processo sumário
de declaração e está isenta de custas.”
Pode, porém, asseverar-se que a isenção de custas, prevista neste particular,
como, aliás, decorre também do actual Código das Custas Judiciais (DL 324/03,
de 27 de Setembro), se mantém.30
No entanto, subsiste a controvérsia no que tange ao sentido e alcance da isen-
ção, no particular de que se trata – das acções inibitórias em matéria de perse-
cução de cláusulas abusivas constantes de formulários e outros suportes pré-ela-
borados.
Os casos existentes de isenção objectiva de custas são uma excepção à regra
geral de que os processos estão sujeitos a custas (art. 1.º do CCJ) sendo a lei -
o CCJ ou lei especial - que enumera taxativamente as entidades (isenção subjec-
tiva) ou os processos (isenção objectiva) em que não há lugar ao pagamento de
custas.
Tendo em devida atenção que o limite da interpretação é a letra, o texto da
norma, importa determinar o verdadeiro sentido e alcance das normas.
Ambas as disposições legais são coincidentes no seu teor, ao mencionarem a
“acção... isenta de custas”.31
João Alves refere que a circunstância de o [demandado] – em caso de decai-
mento não estar sujeito a custas – radica no entendimento de que a parte final do
n.º 1 do artigo 29.º do DL 446/85, de 25 de Outubro, estatui uma norma de
isenção objectiva, não sendo aplicável o artigo 446.º do Código de Processo
Civil (norma geral) por o citado artigo 29.º (norma especial) excluir da tributação.

A análise das disposições do anterior e actual CCJ e legislação avulsa relati-


vamente aos casos previstos de isenções objectivas de custas, de acordo com o
espírito ou unidade intrínseca (elemento sistemático), permite constatar que na
sua origem se encontram motivações e circunstâncias de cariz social e de inte-
resse e ordem pública, que não se vislumbram existir de molde a justificar a isen-
ção de custas pelos profissionais.
O recurso ao elemento teleológico permite concluir que a intenção do legis-
lador foi a de facilitar a propositura deste tipo de acções, incentivando a defesa
dos interesses dos consumidores, e não dos profissionais (que possuem outra
30
Cfr., atenta a parte final do n.º 1 do artigo 3.º do DL 224-A/96, de 26 de Novembro, o n.º 2, meramente exemplificativo, que per-
mite afirmar a isenção prevista no n.º 1 do artigo 11 da LDC.
31
“A isenção de custas na acção inibitória”, in “Verbo Jurídico”, Junho de 2005, pág. 2.

75
Das Acções Colectivas em Portugal

organização e meios materiais e humanos para litigar) que, a beneficiarem de


isenção de custas, certamente esgotariam todos os meios e prolongariam a lide
para tentar evitar uma eventual condenação.
No que respeita ao elemento histórico, importa mencionar a obra de referên-
cia da autoria de dois dos membros que elaboraram o anteprojecto do DL
446/85, onde se lê "… as intenções têm em conta a especial natureza das enti-
dades legitimadas para, nos termos do artigo 25.º (actual artigo 26.º), nele inter-
virem como autoras."
Pelo exposto, porque a tutela colectiva apenas pode ser assegurada por via
judicial através da legitimidade activa das entidades mencionadas no art. 13.º da
Lei 24/96 e art. 26.º do DL 446/85 e recorrendo aos elementos interpretativos,
efectuando uma isenção subjectiva, embora tenha por base um elemento objec-
tivo consistente no interesse colectivo, de ordem pública prosseguido por estas
entidades dotadas de legitimidade activa.
Em conclusão, o art. 29.º n.º 1 do DL 446/85 e o art. 11.º da Lei 24/96 con-
sagram isenções subjectivas de custas que apenas abrangem o(s) autor(es) da
acção inibitória, ficando o(s) [demandado(s)] sujeito(s) à condenação em custas
em caso de procedência da acção”.
O facto é que a jurisprudência diverge, propendendo o Supremo Tribunal de
Justiça a admitir que, em caso de decaimento, o demandado será irremissivel-
mente condenado em custas.32
Em nosso entender, não se afigura adequado asseverar-se que se trata de uma
mera isenção objectiva, ante o escopo da lei.
Que a via interpretativa mais consentânea com a teleologia da norma é a de
que, em caso de decaimento, o demandado sofra as consequências de um esgri-
mir sem norte, parece razoável e equitativo.
Daí que nos inclinemos a considerar que a doutrina mais sólida e fundamen-
tada é a que o Supremo Tribunal de Justiça sufraga majoritariamente.

5. ACÇÃO POPULAR

As custas judiciais apartam-se, neste particular, do regime de uma isenção


(subjectiva), tal como consagrada nos artigos 11.º da LDC e 29.º da LCGC.
No domínio de que se trata, rege o artigo 20.º da LAP, que estabelece uma
disciplina peculiar:
• Não são exigíveis preparos (“taxas de justiça” se denominam agora, com
impropriedade embora…)
32
Em favor da tese da condenação do demandado, cfr. acórdãos do STJ de 17.Jun.99 (CJ, 199, STJ, II, pág. 15), 13.Jan.05 (Proc.
048196, dgsi.pt), Ac. STJ – 17.Mai.2007 (dgsi.pt), STJ – 19.Set.2006 (dgsi.pt).
Acórdão da Relação de Lisboa de 24.Jun.04 (CJ., 2004, III, pág. 126).
Em favor da isenção objectiva: Acórdão do STJ de 11.Out.01 (CJ 2001, STJ, III, pág. 81); Acórdão da Relação de Lisboa de 19,Out.00
(CJ, 2000, IV, pág. 127); Acórdão da Relação de Coimbra de 02.Nov.04 (CJ, 2004, V, pág. 13)

76
Das Acções Colectivas em Portugal

• O demandante em caso de decaimento total será condenado em montan-


te a fixar pelo julgador entre um décimo e metade das custas que seriam nor-
malmente devidas: ter-se-á em conta a sua situação económica e a razão for-
mal ou substantiva da procedência.
• Se se tratar de demandantes que hajam intervindo conjuntamente, a res-
ponsabilidade é solidária.
• A litigância de má-fé, susceptível de se lobrigar de análogo modo em pro-
cessos do jaez destes, reger-se-á pela lei de processo em geral33.

É evidente que, ainda que não haja disposições particulares no que tange à
protecção jurídica dos entes que se socorrem dos meios grupais de tutela, as
associações e fundações se lhes falecerem os recursos para diligências do estilo,
sempre poderão, comprovada a exiguidade de meios financeiros, obter gracio-
samente o patrocínio judiciário e a isenção total de custas se eventualmente
decair por qualquer circunstância, na pretensão deduzida em juízo. Para obviar
às consequências materiais da sorte da lide.
Já em 1998, uma instituição de consumidores viu denegada legitimidade em
acção proposta contra o Estado e as seguradoras e condenada em custas, em cir-
cunstâncias particularmente penosas por não haver – em juízo de prognose pós-
tuma - intuído que :
• lhe seria denegada legitimidade
• lhe seria negada razão nos autos face aos princípios e ao direito material

33
Cfr. o artigo 456 do CPC que dispõe com inegável valimento que
”Responsabilidade no caso de má-fé – Noção de má-fé)”
1. Tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa de uma indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2. Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ser ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal,
impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3. Os honorários são pagos directamente ao mandatário, salvo se a parte mostrar que o seu patrono já está embolsado.”

77
Das Acções Colectivas em Portugal

CAPÍTULO V
REGISTO NACIONAL DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS

I
GENERALIDADES

1. RAZÃO DE ORDEM

No breve estudo a que se procede, pretende-se realçar o papel do Registo


Nacional das Cláusulas Abusivas que a LCGC – Lei das Condições Gerais dos
Contratos (DL 446/85, de 25 de Outubro de 1985, sucessivamente alterado pelo
DL 220/95, de 31 de Agosto, para afinar pelo diapasão da Directiva 93/13/CEE,
do Conselho de 5 de Abril de 1993, e pelo DL 249/99, de 7 de Julho e DL
323/2001, de 17 de Dezembro) que, com impropriedade conceitual manifesta se
denomina, entre nós, “das cláusulas contratuais gerais”34, criou no n.º 1 do seu
artigo 3535.
E a Portaria n.º 1093/95, de 6 de Junho, cometeu, ao Gabinete de Direito
Europeu uma tal incumbência.
O Gabinete foi ulteriormente rebaptizado de Gabinete de Relações
Internacionais, Europeias e de Cooperação, e nele se manteve o Registo.

Só que com deficiências de tomo, ao que se nos afigura.

Pretende-se, a este passo, realçar a importância de um serviço do jaez deste,


tendo em mira o objectivo que se lhe assinara, a saber, o de criar condições efec-
tivas susceptíveis de tornar acessível o domínio das condições gerais proibidas e
das cláusulas apostas em contratos singulares delas decalcadas, consideradas
abusivas por decisão judicial.
Para além, obviamente, de prestar esclarecimentos que lhe forem solicitados
no quadro das respectivas atribuições.
Analisar-se-á o papel paralelo de bases de dados com características simi-
lares, formais e informais, como é, aliás, o caso da CLAB - Europa, que sob
a égide da Comissão Europeia funcionou regularmente até 2000, e se espe-
ra se reavive ou revitalize de molde a servir os objectivos que nela se coen-
volvem.

34
No sentido em que defendemos com maior propriedade a expressão “condições gerais dos contratos”, vide Paulo Luiz Neto Lôbo,
Condições Gerais dos Contratos e Cláusulas Abusivas, Saraiva, São Paulo, 1991, págs. 29 e ss., maxime 33.
35
A LCGC - sob a epígrafe “serviço de registo” - consigna: “1- Mediante portaria do Ministério da Justiça, a publicar dentro dos seis
meses subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, será designado o serviço que fica incumbido de organizar e manter actua-
lizado o registo das cláusulas contratuais abusivas que lhe sejam comunicadas, nos termos do artigo anterior. 2- O serviço referido no
número precedente deve criar condições que facilitem o conhecimento das cláusulas consideradas abusivas por decisão judicial e pres-
tar os esclarecimentos que lhe sejam solicitados dentro do âmbito das respectivas atribuições.”

78
Das Acções Colectivas em Portugal

Revelar-se-á, enfim, as disposições instrumentais que garantam o municia-


mento do Registo e sua permanente actualização, tecem-se os reparos reputados
adequados para que funcione em plenitude e, na parte III, destacam-se os refle-
xos do acervo registral tanto no que se prende com as vantagens que dele se col-
hem ante a concepção do caso julgado cuja eficácia o não é erga omnes, antes
garante a um qualquer contratante que haja celebrado um contrato singular com
o predisponente vencido na acção inibitória a faculdade de lançar mão da decla-
ração incidental de nulidade contida na decisão inibitória para instaurar a
correspondente acção singular.
Em sede de reflexos, espaço para os efeitos de prevenção geral que se col-
hem do registo e da publicidade que nele se imbrica e que esparge pelos mais
predisponentes, como de prevenção especial que afecta o demandado vencido
na acção inibitória e tende a sofrear os seus ímpetos sempre que entenda “legis-
lar”, ou seja, estatuir o clausulado de uma qualquer outra lex contractus.
Os modelos que se difundem e podem servir de figurino a um qualquer regis-
to informal têm o condão de propiciar, para além dos esquemas processuais, o
repositório de que se possa socorrer quem quer.
Ponto é saber se no registo deve ou não plasmar-se tudo quanto emerge da
proibição provisória que no artigo 31.º da LCGC se prescreve.
A solução que se nos oferece é, em verdade, a positiva.
Também as proibições provisórias terão de constar do Registo e, para tanto,
oportunamente notificadas, de harmonia com o que prescreve o artigo 34.º da
LCGC36.
Os procedimentos cautelares instaurados perante o tribunal competente
devem ser decididos, em primeira instância, no prazo máximo de dois meses.
Se, porém, o requerido não for citado, nos casos em que é lícito ocorra tal
hipótese, o prazo reduzir-se-á a quinze dias.
A proibição provisória tem de estar em consonância com o n.º 1 do artigo
31, como segue: quando haja receio fundado de virem a ser incluídas em con-
tratos singulares cláusulas decalcadas de condições gerais proibidas ou incom-
patíveis com a traça geral da disciplina plasmada na LCGC, podem os legitima-
dos requerer provisoriamente a sua proibição.
Não se trata, pois, de algo em geral recondutível às acções inibitórias, mas de
precaver já contratos singulares na iminência de serem colonizados por cláusulas
vexatórias, gravosas, abusivas...
Claro que, ante a natureza da proibição provisória, se não vier a converter-
se em definitivo deve sobrevir notificação para que se eliminem do registo provi-
sório, como se tem por curial.

36
Adaptando, os tribunais devem remeter, no prazo de trinta dias, ao Registo Nacional, cópia das decisões que, por aplicação dos
princípios e das normas constantes da LCGC, hajam proibido o uso ou a recomendação das condições gerais.

79
Das Acções Colectivas em Portugal

2. O REGISTO SUPORTE DA PUBLICIDADE DOS ACTOS – EMANAÇÃO


OFICIAL

Registo pode conceber-se em múltiplas acepções.


Segundo as enciclopédias registo é o “acto ou efeito de registar, de lançar em
livro próprio a cópia ou extracto de um documento para ficar lembrança dele, a
cópia desses documentos ou papéis.
O livro próprio público ou particular, onde se lançam os registos ou quais-
quer documentos, guias, conhecimentos, letras, entradas, saídas, etc.
Repartição encarregada de registar certos documentos ou certos factos espe-
ciais: o registo civil, o registo predial, o registo criminal...
Documento de onde consta que se registaram documentos, títulos, objectos,
géneros sujeitos a direitos...”

O registo neste passo consignado ou o é, em termos formais, ou pode ser


assumido informalmente como mero repositório de decisões.
O registo visa, porém, a assegurar a publicidade dos actos.
No que em particular se refere ao tema em análise, realce para o que figura
no preâmbulo do diploma que disciplina as condições gerais dos contratos.
O legislador confia na parte terminal do preâmbulo que “face aos resultados
apurados com base na efectiva aplicação [da lei], encarar-se-á a hipótese de ser
criado um serviço de registo das cláusulas contratuais gerais.
Destinar-se-á esse serviço a assegurar a publicidade das que forem elabora-
das, alteradas ou proibidas por decisão transitada em julgado”.
Poder-se-ia tratar de algo de informal que, aproveitando-se da excelência das
tecnologias da informação, poderia assentar num mero suporte lógico disponível
à generalidade da comunidade jurídica. Como, de resto, se nos deparou em
determinada época na DG SANCO - a Direcção-Geral de Saúde e Protecção do
Consumidor adstrita à Comissão Europeia: o CLAB – o repositório europeu de
Cláusulas Abusivas - ora desactivado, mais não era do que uma base de dados
disponível em linha.
No entanto, no caso português, de um verdadeiro registo se deveria tratar,
ainda que desenvolvido no âmbito de um serviço que se considerou, ao tempo,
possuir efectiva vocação para o efeito.
Só em 1995, porém, tal se consignou em norma37.
Até então não passara de mero intuito sem concretização.
E sem efectiva concretização, afinal, após a execução de algo em que a irres-
ponsabilidade dos responsáveis prepondera.

37
Cfr. Portaria n.º 1093/95, de 6 de Junho, que comete ao, ao tempo, Gabinete de Direito Europeu do Ministério da Justiça uma tal
incumbência.

80
Das Acções Colectivas em Portugal

3. OS REGISTOS INFORMAIS – O CLAB NA ÓRBITA DA COMISSÃO


EUROPEIA

Registos informais é possível constituírem-se por iniciativa quer de entidades


oficiais como de instituições privadas, designadamente de associações de consu-
midores, de associações de interesse económico, de bases de dados ou estrutu-
ras outras que graciosa ou onerosamente assegurem o acesso aos elementos
recolhidos e tratados.
CLAB Europa mais não é do que uma base de dados de concretas espécies
de facto sobre as quais recaíram decisões transitadas de tribunais nacionais em
matéria de condições gerais dos contratos ou de cláusulas nelas decalcadas e
apostas em contratos singulares.
CLAB Europa constituiu, há cerca de uma década, a resposta da Comissão
Europeia a um desafio que nós próprios lhe lançáramos, na sequência da
I Conferência Europeia das Condições Gerais dos Contratos / Cláusulas Abusivas,
que houve lugar em Coimbra, sob a égide da Comunidade Europeia, em Maio
de 1988.
CLAB é o acrónimo de CLauses ABusives e abrangeu 17 países, a saber,
Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Grã-
Bretanha, Grécia, Holanda, Irlanda, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega,
Portugal e Suécia38.
O CLAB abrange não só os julgados dos tribunais, como ainda as decisões
das autoridades administrativas, as transacções homologadas, as decisões emer-
gentes de conciliações promovidas judicialmente e os julgamentos arbitrais.
O CLAB atravessa de momento um período de indefinição.
Votado ao descaso, o Comité Económico e Social (CESE) tem vindo a recla-
mar instantemente a sua reactivação.
Do Parecer do Comité Económico e Social sobre o “relatório da Comissão
sobre a aplicação da Directiva 93/13/CE do Conselho de 5 de Abril de 1993 rela-
tiva às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores39”, cum-
pre destacar um sem número de proposições em apreciação do CLAB, a saber:
O CESE sublinha, como já fez atrás, o interesse da iniciativa e o esforço da
Comissão na sua manutenção em permanente actualização, dele podendo usu-
fruir e beneficiar não só a comunidade científica, como as instituições comuni-
tárias e os próprios juízes, advogados e outras autoridades administrativas
encarregadas de interpretar e aplicar o direito interno, derivado da transposi-
ção da directiva, contribuindo decisivamente para o desenvolvimento dos estu-

38
Como se observa, o registo compreende não só países da UE, como do EEE – Espaço Económico Europeu. Nele se não incluem os
10 países que integraram a União em 2004.
39
Parecer [(2001/C 116/25), in JOCE 116, de 20 de Abril de 2001], cujo relator foi o português A. Ferreira.

81
Das Acções Colectivas em Portugal

dos de direito comparado na matéria e abrindo a via à elaboração de leis uni-


formes40.
Julga, no entanto, o CESE que, para além da mera recolha e disponibilização
dos dados constantes do CLAB, seria oportuno que a Comissão tirasse maior pro-
veito dos elementos que já possui, designadamente tornando-os acessíveis em
todas as línguas comunitárias e elaborando e divulgando estudos globais, secto-
riais ou temáticos sobre as linhas de orientação da jurisprudência europeia nesta
matéria.
Será desejável que a Comissão elabore, com periodicidade adequada, um
relatório sobre o funcionamento do CLAB e o remeta ao Conselho, ao
Parlamento Europeu e ao CESE.
As preocupações expressas neste particular perpassam de análogo modo o
parecer mais recente do Comité Económico e Social Europeu41, cujo relator, o
português J. Pegado Liz, ainda que de forma sucinta, se exprime categoricamen-
te no sentido de que “em matéria de protecção do consumidor face às cláusulas
abusivas, seria interessante que a Comissão procedesse a um levantamento siste-
mático e actualizado das cláusulas gerais contratuais expressamente declaradas
abusivas, quer pelas jurisprudências nacionais dos Estados-membros, quer pela
jurisprudência do Tribunal de Justiça, com vista à sua divulgação junto das orga-
nizações representativas dos consumidores e dos profissionais”.
E, em nota, proclamava-se: “ao que se sabe, o CLAB não tem continuado a
ser actualizado e é de difícil acesso. 52% dos inquiridos consideram suficiente a
protecção conferida aos consumidores face às cláusulas abusivas e apenas 19%
consideram esta protecção insuficiente”.
Micklitz e Radeideh42 asseveram que a Comissão Europeia cometeu a uma
firma de consultores a incumbência de estudar a viabilidade ou não do alarga-
mento da base de dados ou da sua integração num compêndio anotado que se
projecta elaborar no domínio do direito europeu dos contratos de consumo43.

40
A remissão que no original se faz para outro passo do parecer permite situar a observação nestes termos: o CES convida igualmente
a Comissão e os Estados-membros a unirem esforços no sentido de examinar a possibilidade de uma nova abordagem a toda esta
matéria, fazendo apelo, designadamente, à experiência norte-americana na elaboração de “leis-quadro” ou “leis uniformes”, no intu-
ito de se avançar de modo mais consistente, na tentativa de uma real convergência dos direitos nacionais, ao menos em aspectos sec-
toriais (v.g., seguros, actividade bancária, transportes, serviços essenciais), deste modo melhor se ultrapassando as dificuldades da coex-
istência, na U.E., de sistemas jurídicos baseados em conceitos não coincidentes”.
41
Parecer de Iniciativa INT/203 intitulado “A Política dos Consumidores após o Alargamento da U.E.”, Bruxelas, de 10 de Fevereiro de
2005.
42
CLAB Europa – The European Database on Unfair Terms, in Journal of Consumer Policy, Springer, vol. 28, n.º 3, September 2005,
pág. 326.
43
Os autores acrescentam, porém: “a look into CLAB, into its strength and weaknesses, wright help to initiate a debate on an ambitious
project, which has survived for nearly 10 years without attracting the interest from practitioners and / or academics that it’s merits”.

82
Das Acções Colectivas em Portugal

CAPÍTULO II
REGISTO E TRÂMITES REGISTRAIS

1. A DECISÃO

São sujeitas a registo, em Portugal, não só as sentenças proferidas em primei-


ra instância, como os acórdãos dos tribunais da Relação e ainda do Supremo
Tribunal de Justiça.
Ponto é que hajam transitado em julgado44.
Mas as acções em causa são não só as inibitórias que, por essência, se ins-
crevem no quadro das acções grupais (expressão que preferimos às colectivas),
como também as acções singulares, sejam as de declaração de nulidade a que
se reporta o artigo 24.º, sejam as de natureza semelhante em que incidental-
mente se invoque, interprete e/ou aplique a LCGC.
Por conseguinte, há que considerar qualquer tipo de acção, desde que em causa
a aplicação da LCGC por invocação dos pleiteantes ou ex officio pelo julgador.
Nas acções de declaração de nulidade ex vi artigo 24.º da LCGC, há uma
particularidade que merece realce: as acções podem ser instauradas autonoma-
mente sempre que ao demandante se lhe afigure poder arguir a nulidade de uma
qualquer cláusula aposta num contrato singular (formado sob o influxo de condi-
ções gerais) que haja celebrado ou fazê-lo em decorrência de acção inibitória
que, uma vez decidida, conduza à proibição ou à não recomendação de tais con-
dições, decisão que constitui incidental declaração de nulidade em acções sin-
gulares eventualmente propostas mediante a invocação dos preceitos violados e
das decisões que em concreto sobre eles recaíram.
O diagrama é este

Condições gerais Acção inibitória


dos contratos em circulação

Decisão inibitória
Declaração incidental
de nulidade

Contratos singulares Acções singulares


nelas decalcados de declaração de nulidade

44
E, como se não ignora, uma decisão diz-se passada ou transitada em julgado quando não seja susceptível de recurso ordinário, nos
termos do artigo 676 do Código de Processo Civil. E as decisões neste particular, sempre que se trate de acções inibitórias, são sus-
ceptíveis de recurso e, mercê do valor, não só do recurso ordinário de apelação, como do de revista, a menos que o transcurso prazo
de interposição (10 dias após a notificação) o não consinta. Porque, ex vi artigo 29 n.º 1 da Lei das Condições Gerais dos Contratos,
o seu valor excede em 1 cêntimo a alçada da Relação.

83
Das Acções Colectivas em Portugal

Na realidade, a eficácia do caso julgado que é, não erga omnes, mas ultra
ou supra partes (em acepção adaptável), permite, nos termos do n.º 2 do artigo
32 da LCGC, a quem haja celebrado com o demandado vencido na acção
inibitória um contrato singular, que invoque em seu favor a decisão proferida na
aludida acção que constituirá para as vítimas de contratos singulares que
absorvam na íntegra, como cláusulas, as condições gerais oferecidas pelo pre-
disponente uma declaração incidental de nulidade.
E, por conseguinte, também essas decisões terão de ser carreadas para o
Registo Nacional das Cláusulas Abusivas.
Donde, caber aos tribunais em que em definitivo sejam julgadas tais acções,
comunicar de ofício, via notificação, ao Registo Nacional (leia-se: o Serviço que
lhe serve de suporte), a decisão na íntegra para inserção no repositório de que
se trata.

2. NOTIFICAÇÃO DO TRIBUNAL “A QUO”

A notificação é uma das formas de comunicação dos actos, como o procla-


ma o Código de Processo Civil Português, no seu artigo 228.º 45.

A secretaria, independentemente de despacho, notifica o serviço de suporte do


Registo Nacional das Cláusulas Abusivas.
A notificação tem prazo: 30 dias - LCGC – artigo 34.º 46.

Efectuada a notificação, cabe ao serviço efectuar o Registo em livro próprio,


que tem naturalmente de se reportar às regras violadas e, para além do arquivo
integral da decisão, fazer constar do registo um sumário fidedigno do acórdão
para consulta de quem o pretenda. Já que a finalidade própria do Registo é a de
dar publicidade urbi et orbi da produção jurisprudencial a tal propósito vertida.
O Registo serve aos consumidores, como aos fornecedores, como aos trabal-
hadores individuais – tal a amplitude de aplicação da LCGC não só às relações
de consumo, como às interempresarias e/ou interprofissionais, como ainda às
relações regidas pela Lei do Contrato Individual do Trabalho (Código do
Trabalho). Como serve a quantos assumem o patrocínio judiciário de eventuais
interessados vinculados a contratos singulares cujo clausulado se formou directa-
mente das condições gerais predispostas em qualquer formulário, como nos mais
aos cientistas e estudiosos do direito.

45
O identificado artigo prescreve nos n.ºs 2 e 3: “2. A notificação serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar
conhecimento de um facto. 3. A citação e as notificações são sempre acompanhadas de todos os elementos e de cópias legíveis dos
documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objecto.”
46
O artigo 34 da LCGC prescreve: “Os tribunais devem remeter, no prazo de 30 dias, ao serviço previsto no artigo seguinte, cópia das
decisões transitadas em julgado que, por aplicação dos princípios e das normas constantes do presente diploma, tenham proibido o
uso ou a recomendação de cláusulas contratuais gerais ou declarem a nulidade de cláusulas inseridas em contratos singulares.”

84
Das Acções Colectivas em Portugal

O Registo serve ainda os próprios predisponentes que tendam a acautelar-se


na preparação de modelos submetidos à aceitação dos aderentes.

O Registo ante as exigências hodiernas no que tange ao e-government, terá


de estar disponível, sem qualquer imposição suplementar porque supérflua, na
rede mundial de informação - www -, como nas redes intra-institucionais,
como se afigura elementar.
O Registo tem de, na sua essência, estar disponível por meios expeditos a
quem o pretenda à distância consultar.
Em Portugal, o Registo Nacional das Cláusulas Abusivas cuja manutenção e
utilização cabe ao ora denominado Gabinete de Relações Internacionais,
Europeias e de Cooperação, melhor quadraria à Procuradoria-Geral da
República ante os poderes que o Ministério Público47 detém neste particular.
Se se compulsar o sítio ou a página do GRIEC, o que se nos depara não per-
mite saber da informação relevante que aos interessados importa colher para se
poderem prevalecer das declarações incidentais de nulidade em vista da instau-
ração das acções singulares que no caso couberem.

3. O SERVIÇO: ESTRUTURAÇÃO DO REGISTO E SUA ACTUALIZAÇÃO

O Registo Nacional dever-se-ia estruturar de molde a considerar, em primeiro


lugar, que a LCGC se aplica a:
– contratos de consumo
– contratos mercantis
– contratos individuais de trabalho,
na singularidade da ordem jurídica portuguesa ante a especificidade da
Directiva das Cláusulas Abusivas de 5 de Abril de 1993 que contempla – só e
tão só – os contratos de consumo.

Em segundo lugar, e em aproveitamento do organigrama da ordem judicial,


dever-se-ia aglutinar as decisões pelo Supremo Tribunal de Justiça e pelos distri-
tos judiciais em que pontificam os tribunais da Relação, como os tribunais de pri-
meira instância que julguem as causas em definitivo.

47
Cfr. a LC – Lei do Consumidor - que, no seu artigo 20 prescreve:
“Incumbe também ao Ministério Público a defesa dos consumidores no âmbito da presente lei e no quadro das respectivas competên-
cias, intervindo em acções administrativas e cíveis tendentes à tutela dos interesses individuais homogéneos, bem como de interesses
colectivos ou difusos dos consumidores”.
Cfr. ainda o artigo 13 da LC que, na sua alínea c), estabelece:
“Têm legitimidade para intentar as acções previstas nos artigos anteriores:
O Ministério Público e o Instituto do Consumidor quando estejam em causa interesses individuais homogéneos, colectivos ou difusos.”
E a alínea c) do artigo 26 da LCGC que, em período anterior ao da publicação e vigência da LC, conferia legitimatio ad causam ao
Ministério Público para as acções inibitórias especialmente destinadas a proibir o uso ou a recomendação de condições gerais cabíveis
nas listas negras e cinzentas da Lei ou atentatórias da boa fé objectiva, como subjectiva.
48
Cfr. no endereço electrónico que segue: www.dgsi.pt/gdep.nsf.

85
Das Acções Colectivas em Portugal

Em terceiro lugar, cumpriria definir as decisões pelos distintos campos da acti-


vidade económica e, neste passo, poder-se-ia distinguir:
– serviços essenciais de interesse geral por segmentos:
– água
– energias (eléctrica, gás, …)
– comunicações electrónicas
– transportes públicos
– serviços postais
– serviços de saúde
– serviços de educação
– serviços sociais (cuidados pessoais)
– serviços financeiros
– seguros
– imóveis
– automóveis
– computadores
– actividades de lazer
– serviços turísticos
– contratos à distância
– contratos ao domicílio
– mediação para uniões familiares (agências matrimoniais)
– outros

Em seguida, o registo de condições gerais e de cláusulas apostas em contra-


tos singulares que se subdividiriam segundo o seu tipo em:
– conclusão do contrato
– apresentação gráfica
– preço
– performance
– responsabilidade
– obrigações
– modificações
– cessação do contrato
– acesso à justiça
– informação jurídica,
para além de se sumariar cada uma das concretas espécies de facto sobre que
hajam recaído as decisões inibitórias ou as declarações de nulidade (no caso, no
que tange às acções singulares assistidas ou não de decisões inibitórias, nos termos
do n.º 2 do artigo 32 da LCGC), importaria que houvesse disponível em linha, no
Registo, o texto integral da sentença, acórdão, transacção homologada ou conci-
liação promovida pelo julgador ou de decisão arbitral, para nos atermos aos ares-
86
Das Acções Colectivas em Portugal

tos com o timbre ou valor cunhado pela autoridade judicial ou equiparada, sem
aludir a iniciativas outras que em ordenamentos distintos poderão relevar de auto-
ridades administrativas ou na órbita da administração pública: nos países nórdicos
é o caso do ombudsman; em França e na Bélgica das Comissões das Cláusulas
Abusivas ou do Office of Fair Trading, na Grã-Bretanha.

À semelhança do que ocorre com a CLAB-Europa, poder-se-ão gizar os


mapas conforme o que em anexo figura.

O Registo Nacional das Cláusulas Abusivas, adstrito ao GRIEC, apresenta-se,


no sítio a que se acede, como se assinalou, de forma algo simplista.

Afigura-se-nos que uma página do estilo da que deveria contemplar o Registo


Nacional das Cláusulas Abusivas conviria se estruturasse do modo que segue:

Origem Preceitos Diploma Tribunal


Espécie Data Pleiteantes Data Decisão
Tribunal violados legal a quo

MP vs
Supremo
Acção 08/03/200 AEGON - 25 de Relação
Tribunal de DL 446/85 Acórdão
inibitória 1 Union Outubro de Lisboa
Justiça
Seguradora

49
O Registo das Cláusulas Abusivas que é susceptível de se detectar numa página disponível do Gabinete de Relações Internacionais,
Europeias e de Cooperação do Ministério da Justiça de Portugal, força é dizê-lo, não tem qualquer valimento, não apresenta qualquer
préstimo, antes constitui uma autêntica decepção, sem critério, pejado de erros ortográficos, sem que da maior parte dos arestos haja
sequer uma súmula, já que figura tão somente o órgão de judicatura, a data e o n.º do processo. Jamais nos havíamos apercebido do
descaso – do desfastio com que formalmente se “cumpriria” (e cumprir é, neste passo, extraordinária força de expressão) o manda-
mento legal da constituição e funcionamento do Registo (Nacional) das Cláusulas Abusivas. Os objectivos imbricados no Registo foram
pura e simplesmente trucidados pelo mau serviço e pela insensibilidade do gabinete após a substituição do director que tanto se empen-
hara na concretização de um tal desideratum... Seria preferível que não houvesse eventual Registo das Cláusulas Abusivas. Ou, por
outra, confundir um Registo com o que se nos oferece é algo de uma miopia arrepiante. Um escândalo que merece ser denunciado
urbi et orbi, tal a expressão que assume ou de que se reveste... Ao que chegou a administração pública que os gravosos impostos dos
contribuintes alimentam em manifesta desproporção às prestações dispensadas!!!... Ao que se chegou...

87
Das Acções Colectivas em Portugal

SUMÁRIO

I - O controle prévio por parte do Instituto de Seguros de Portugal do clausulado dos


seguros obrigatórios não subtrai, actualmente, esses contratos ao regime do DL n.º
446/85, de 25-10.
II - São nulas as cláusulas de contratos de seguro facultativo, simultaneamente contra-
tos de adesão, que permitem a sua resolução pela seguradora, sem a invocação de
fundamento legal ou contratual para tanto.
III - São nulas, igualmente, as cláusulas (penais) desses contratos que permitem, em
caso de resolução por iniciativa do tomador do seguro, a retenção pela seguradora
de 50% do prémio correspondente ao período de tempo não decorrido.

CLÁUSULAS ABUSIVAS Fundamento legal

Cláusula 15.ª, n.º 1 da apólice de seguro


de Comércio, Indústria e Serviços Gold é
do seguinte teor: “qualquer uma das par-
tes pode, a todo tempo, reduzir ou resol-
Art.º 22º, n.º 1, alínea b) do DL 446/85,
ver o presente contrato, desde que o noti-
fiquem por correio registado, à outra de 25 de Outubro.
parte, com a antecedência mínima de 30
(trinta) dias em relação à data a partir da
qual pretende que a redução ou resolução
produza os seus efeitos”.

Cláusula 9.ª da apólice de seguro de


Art.º 19, alínea c) do DL 446/85, de
Lucros Cessantes é do teor seguinte: “…
25 de Outubro
Se a resolução for da iniciativa do
Segurado, a Seguradora estornará 50%
ex vi Art.º 20 do DL 446/85, de 25 de
do prémio correspondente ao período de
Outubro
tempo não decorrido”.

88
Das Acções Colectivas em Portugal

O modelo que precede apresenta virtualidades susceptíveis de servir em


absoluto os interesses da comunidade jurídica em geral.
É provável que, em dadas hipóteses, os interessados pretendam aceder à
versão integral do aresto em análise ou que desperte um interesse maior. Em tais
circunstâncias, mister será tê-lo disponível, não só no arquivo geral do Registo
Nacional (do departamento que lhe serve de suporte administrativo e logístico),
como em uma outra base a que se poderia aceder directamente por conexão
entre cada uma das concretas situações de facto objecto do registo e o corpo
integral do acórdão que lhe subjaz.

89
Das Acções Colectivas em Portugal

CAPÍTULO III
REFLEXOS DO REGISTO

1. AS VANTAGENS DO REGISTO ANTE AS ACÇÕES SINGULARES QUE SE


PREVALECEM DAS DECISÕES INCIDENTAIS DE NULIDADE

As vantagens do Registo são manifestas.


Tanto mais que pela estrutura própria das acções singulares fundadas no caso
julgado produzido pelas decisões proferidas em acções inibitórias, a ciência dos
julgados, a publicidade de tais decisões é fundamental para o exercício do direi-
to de acção que incumbe, nos termos gerais, aos aderentes que hajam subscrito
já contratos singulares formados à luz de condições gerais proibidas ou insus-
ceptíveis de recomendação por decisão dos tribunais passada em julgado.
Por outras palavras: como as decisões proferidas em acção inibitória não têm
eficácia erga omnes, antes valem para o futuro, não atingindo directa e imedia-
tamente as cláusulas apostas em contratos singulares já celebrados com base nos
formulários total ou parcialmente chumbados pelos tribunais, a difusão dos jul-
gados tem-se por indispensável.
E indispensável porque a eficácia é ultra partes, a saber, no sentido de que os
aderentes titulares de contratos singulares poderão delas prevalecer-se para pro-
porem as acções de declaração de nulidade (acção comum singular) porque a
decisão inibitória é em si mesma ou comporta uma declaração incidental de nuli-
dade.
Incidental porque se reflecte, isso sim, nas acções que vierem, entretanto, a
instaurar-se por cada um dos aderentes reais prejudicados por cláusulas tais50,
que se limitam a absorver a decisão inibitória precedente e a decretar a nulida-
de nas cláusulas patentes.
Por conseguinte, o acesso a decisões de forma ampla, generalizada, sem res-
trições, que o registo em teoria proporciona, constitui vantagem implícita que
estultícia seria encarecer.
Mas é indispensável que o Registo prime pela actualidade, disponibilidade e
incondicionado acesso.
De outro modo, frustrar-se-ão os objectivos a que visa e nele se compendiam.
O Registo poderia ter um carácter meramente informativo, não fora o efeito
que transluz da decisão inibitória vertida sobre acção colectiva (ou grupal) ins-
taurada contra o predisponente.

50
Cfr. o n.º 2 do artigo 32.º da LCGC que prescreve: “Aquele que seja parte, juntamente com o demandado vencido na acção
inibitória, em contratos onde se incluam cláusulas gerais proibidas, nos termos referidos no número anterior, pode invocar a todo o
tempo, em seu benefício, a declaração incidental de nulidade contida na decisão inibitória.” O “a todo o tempo” está em con-
sonância com o que prescreve o Código Civil português no seu artigo 286: “A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer inter-
essado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.”.

90
Das Acções Colectivas em Portugal

Mas o alcance é outro e bem mais definido.


Claro que se não desvaneceria a relevância do Registo se acaso a eficácia do
caso julgado fosse mais ampla, isto é, erga omnes.
Ainda assim o Registo justificar-se-ia se eventualmente os predisponentes ven-
cidos na acção inibitória persistissem em fazer prevalecer, por contumácia, as
cláusulas entretanto proibidas apostas em concretos contratos singulares.
Tal permitiria aos consumidores em geral (e aos mais titulares) e bem assim
a quem exerce o patrocínio judiciário o acesso a fontes privilegiadas que pode-
riam fazer luz em relação a um sem número de concretas situações de facto e de
direito.
Daí que se nos afigure de realçar a relevância do Registo seja sob que pers-
pectiva for.

2. A PREVENÇÃO GERAL

A eficácia do caso julgado, qualquer que seja, ante a difusão que dos julga-
dos se faça, tem em si mesma virtualidades de prevenção geral.
Predisponentes ou terceiros que se permitam elaborar formulários em que figu-
rem condições gerais dos contratos ou que delas se sirvam noutros suportes51 têm
aí uma fonte privilegiada para não lograr cometer análogos atropelos, proscre-
vendo, pois, de entre as condições gerais a adoptar, as que hajam sido proibidas
ou por se acharem incursas nas listas negras ou cinzentas (respectivamente, abso-
luta ou relativamente proibidas) ou por ofenderem o princípio geral ou a cláusu-
la geral da boa fé, nas vertentes por que se desdobra – a objectiva como a sub-
jectiva52.
Se os operadores económicos ou terceiros se propuserem oferecer, no merca-
do, condições gerais ilícitas, a despeito da proibição decretada por decisões defi-
nitivas com trânsito em julgado, tal facto relevará para efeitos de apreciação da
litigância de má fé nas lides em que intervierem53.

51
Cfr. n.º 1 do artigo 1.º da LCGC, a saber, “(condições gerais dos contratos) elaboradas sem prévia negociação individual, que pro-
ponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma”.
E o artigo 2.º que reza: “O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo con-
teúdo previamente elaborado o destinatário não pôde influenciar.”
52
Cfr. artigo 16 da LCGC que define: “Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, rele-
vantes em face da situação considerada, e, especialmente: a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas con-
tratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos
atendíveis; b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato uti-
lizado.”
53
Com efeito, litiga de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
“a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal,
impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”

91
Das Acções Colectivas em Portugal

O efeito de prevenção geral que na circunstância se aparelha é uma das


consequências imediatas do registo, já que um outro instrumento, a saber, o da
publicidade da decisão na imprensa, ante a menorização das páginas em que
tais publicações se inserem, não colhem o efeito que na sanção acessória se
antevira.
Na realidade, a LCGC, no n.º 2 do seu artigo 30.º, contempla uma tal hipó-
tese, ao prever que o demandante pode ainda requerer que o vencido seja con-
denado a dar publicidade à proibição, pelo modo e durante o tempo que o tri-
bunal determinar.
E, na realidade, desde o recurso a um tipo gráfico imperceptível até à expres-
sa recondução que o aviso figure entre os editais mais anódinos e massificantes
dos periódicos, é facto que tais elementos passam despercebidos aos espíritos
mais despertos.
Daí que o Registo seja, em verdade, contanto que funcione, o mais notável
dos instrumentos que, neste particular, surge com a chancela de um serviço ofi-
cial que, por si só, é um dado acreditante.
Ponto é que, como se assinalou, funcione. E a massa de interessados se soco-
rra de forma pró-activa da soma de dados que nele se encerram.
A prevenção geral analisa-se, pois, nos aspectos que se evidenciaram nos
passos precedentes.
Para tanto é indispensável que os titulares da legitimatio ad causam se não
distraiam, em particular o Ministério Público e as associações de consumidores
actuantes no que à tutela da posição jurídica do consumidor se reporta. De não
olvidar que uma instituição pública – o Instituto do Consumidor – também dete-
ve entre nós legitimidade processual activa, conquanto nem por uma só vez a
haja exercido.

Daí que a APDC haja proposto, sem sucesso, a constituição de uma Comissão
das Cláusulas Abusivas54, de pendor administrativo, que houvesse por escopo a
análise dos formulários em circulação e de outras hipóteses de facto a eles recon-
duzíveis, a fim de fornecer tempestivamente ao Ministério Público o trabalho de
base para a proposição de acções que as circunstâncias recomendassem ou
impusessem.

54
A Comissão das Cláusulas Abusivas, em França, criada pelo Décret n.º 78-464, de 24 de Março de 1978, a que ora se repor-
ta o artigo R 132-2 do Code de la Consommation, de 26 de Julho de 1993, compreende 13 membros repartidos por diferentes estratos
e estamentos, a saber: um magistrado da ordem judicial, que preside à Comissão; dois magistrados da ordem judicial ou administrativa
ou membros do Conseil d’État; duas personalidades de reconhecido mérito do mundo do direito ou da técnica contratual, escolhidas
mediante parecer do Conselho Nacional do Consumo; quatro representantes dos fornecedores; quatro representantes dos consumidores;
A função de comissário do Governo será exercida pelo director-geral da Concorrência, do Consumo e da Repressão de Fraudes ou um
seu representante. O presidente e os membros da Comissão são nomeados por decreto do ministro que exerce a tutela do consumo, por
um mandato, renovável, de três anos. A nomeação dos magistrados é feita sob proposta do ministro da Justiça. A Comissão é assistida
por um secretário-geral e por um ou mais relatores permanentes postos à disposição do ministro do Consumo. A Comissão reúne em
sessão plenária ou em uma ou várias formações restritas compostas pelo presidente ou vice-presidente e pelos membros da Comissão
designados para o efeito pelo presidente. Distribui de par com o secretário-geral os processos pelos relatores.

92
Das Acções Colectivas em Portugal

3. A PREVENÇÃO ESPECIAL

A prevenção especial visa na essência a figura do sujeito alvo das diligências


processuais que culminam na acção inibitória ou em acção singular autónoma,
que não na dependência de uma qualquer decisão passada em julgado (ou,
quiçá, de uma proibição provisória, que é figura próxima do deferimento dos pro-
cedimentos cautelares)55.
De registar que se o demandado, vencido na acção inibitória, ou de análogo
modo, no despacho que proíba provisoriamente o uso ou a recomendação de
uma qualquer condição geral constando ou não de formulário pré-redigido,
infringir a obrigação de se abster de empregar ou de recomendar tais condições
gerais objecto de proibição definitiva, incorre numa astreinte, vale dizer, numa
sanção pecuniária compulsória56 que não pode ultrapassar, por infracção, o
dobro do valor da alçada da Relação (ora fixado em 14 963.94€, ou seja, o
equivalente aos antigos 3 milhões de escudos), o que perfaz, em moeda corren-
te, €29 927.87.
A sanção é aplicada pelo tribunal que apreciar a causa em 1.ª instância, a
requerimento de quem possa prevalecer-se da decisão proferida, facultando-se
ao infractor a oportunidade de ser previamente ouvido, de harmonia com o prin-
cípio do contraditório, da contraditoriedade ou da audiência contraditória, que a
lei processual em geral consagra ou reconhece.
A prevenção especial é a que se exerce sobre o sujeito de que se trata.
E, na realidade, ainda que de condenação desacompanhada de eventual san-
ção pecuniária compulsória se cure, o facto é que as consequências que se exer-
cem sobre o sujeito relapso conduzem-no a agir cautelarmente sempre que haja
de preparar o projecto de clausulado de um qualquer formulário ou de qualquer
outro suporte, se for o caso.
É que, como o povo em sua milenar sabedoria proclama, “gato escaldado, de
água fria tem medo”.
Como a violabilidade é característica fundante quer da norma jurídica quer
das decisões condenatórias da judicatura, importa precaver situações de contu-
mácia para se agir em conformidade…

55
No que tange às proibições provisórias, como se assinalou noutro passo, seguem, com as devidas adaptações, os termos fixados na
lei processual para os procedimentos cautelares não especificados. Cfr. artigos 381 e 399 do Código de Processo Civil português e o
n.º 2 do artigo 31 da LCGC.
56
O Código Civil português, no seu artigo 829-A, disciplina a sanção pecuniária compulsória, nestes termos: “1. Nas obrigações de
prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tri-
bunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cum-
primento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso. 2. A sanção pecuniária compulsória prevista
no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar. 3. O montante da
sanção pecuniária compulsória destina-se, em parte iguais, ao credor e ao Estado. 4. Quando for estipulado ou judicialmente determi-
nado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sen-
tença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização
a que houver lugar.

93
Das Acções Colectivas em Portugal

O n.º 1 do artigo 32 da LCGC encerra um ditame segundo o qual as con-


dições gerais objecto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado,
ou outras que se lhe equiparem substancialmente, não podem ser incluídas em
contratos que o demandado venha a celebrar, nem continuar a ser recomen-
dadas.
Se a prevenção especial cominada na condenação não tiver a virtualidade
de sofrear os ímpetos de antijuridicidade do proponente ou de terceiro que ofe-
reça no mercado ou à contratação condições gerais feridas de ilicitude porque
proibidas absoluta ou relativamente ante as listas negras ou cinzentas e a cláusu-
la geral da boa fé, a publicidade poderá representar por si só o ingrediente que
faltaria para o efeito.
A prevenção especial emerge, pois, não só da condenação em si mesma
considerada, mas dos seus reflexos no Registo Nacional, se for o caso, pela publi-
cidade que nela se encerra.
Ademais, se do Registo constar, como parece dever figurar, o nome ou a deno-
minação social do demandado, o facto constituirá a se algo de deslustrante, por
um lado e, por outro, um óbice à prossecução ou à persistência da manutenção
de condições gerais em detrimento dos equilíbrios contratuais.
De qualquer sorte, o papel que se reserva à prevenção especial não pode
ser descurado.
E representa um segmento relevante – até em termos pedagógicos – na recon-
dução dos sujeitos de direito às coordenadas e às directrizes de uma ordem jurí-
dica bem fundada, nas vertentes da justiça e da segurança.

94
Das Acções Colectivas em Portugal

CAPÍTULO IV
DO FUNDO DE DIREITOS COLECTIVOS
LATO SENSU

A LAP, no n.º 5 do seu artigo 22.º, estabelece no capítulo da responsabilida-


de civil e penal: “Os montantes correspondentes a direitos prescritos serão entre-
gues ao Ministério da Justiça, que os escriturará em conta especial e os afectará
ao pagamento da procuradoria, nos termos do artigo 21.º, e ao apoio no aces-
so ao direito e aos tribunais de titulares de direito de acção popular que justifica-
damente o requeiram.”
A “conta especial” mais não é do que um mecanismo eventual, sem uma con-
figuração autónoma e adequada a servir um tal domínio.
No quadro, porém, da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais prevê-se que
“lei própria regula os sistemas destinados à tutela dos interesses colectivos ou difu-
sos e dos direitos só indirecta ou reflexamente lesados ou ameaçados de lesão”.
O facto é que não houve ainda iniciativa legislativa tendente a uma tal con-
cretização.
E que poderia consagrar eventualmente a constituição de um fundo cuja ges-
tão seria susceptível de caber a uma entidade pública, porventura ao Conselho
Nacional do Consumo, se a sua constituição for de molde a ser um instrumento
da política de promoção dos interesses e da protecção dos direitos do consumidor.

Confeririam para o fundo os montantes das indemnizações arbitradas, ao


abrigo da impossibilidade do cumprimento de obrigações específicas que o
demandado satisfará
• Os montantes de indemnizações prescritas
• As coimas infligidas em decorrência da violação de normas que relevam da carta
de direitos do consumidor, em reformulação da disciplina até então traçada
• As multas penais aplicadas em resultado de processos instaurados no âmbi-
to do ordenamento jurídico-penal do consumo
• As indemnizações e multas provenientes de acções temerárias ou de pro-
cessos em que comprovadamente se litigue de má-fé

Notificar-se-ia o fundo da propositura de qualquer acção colectiva, podendo


nela intervir - a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição - enquanto
"amicus curiae".
O fundo registaria e divulgaria os pertinentes elementos financeiros, especifi-
cando a origem e o destino dos recursos.
O fundo daria ainda regular publicidade às subvenções outorgadas às insti-
tuições beneficiárias que promovam actividades em prol dos interesses e direitos
dos consumidores.
95
Das Acções Colectivas em Portugal

CAPÍTULO V
DAS ESPECIALIDADES

1. GENERALIDADES

Os pontos sensíveis de um qualquer processo civil colectivo, como ensina Ada


Pellegrini Grinover57, “residem na adequada estruturação dos esquemas da [“legi-
timatio ad causam e do caso julgado], que tiveram de passar por profunda revi-
são, a fim de que se rompessem os grilhões que, de um lado, exigiam a rigoro-
sa correspondência entre a titularidade do direito e a titularidade da acção e, por
outro lado, não aceitavam excepções ao princípio do [caso julgado] estritamente
confinado às partes, quanto a seus limites subjectivos”.
Mas a insigne Mestra insiste no que em particular se prende com específicos
pontos dos regramentos objectivos da acção popular.
E aí aduz
“Em diversos outros pontos a lei portuguesa demonstra não ter disciplinado
aspectos importantes das ações coletivas. Assim, por exemplo, a questão da exis-
tência, ou não, de litispendência, conexão e continência entre a ação popular
indenizatória em confronto com as pretensões pessoais, em processos individuais
(art. 104 CDC brasileiro, aplicável à ação civil pública), questão essa a que os
esquemas do processo civil clássico não dão resposta adequada. Ou, ainda para
exemplificar, a possibilidade do transporte, in utilibus, da coisa julgada favorável
da ação popular de objeto indivisível (como a que tende reconstituição do ambien-
te violado por desastre ecológico), para favorecer com a possibilidade imediata de
liqüidação e execução - sem necessidade de novos processos de conhecimento -
das indenizações devidas pessoalmente a cada habitante da região (art. 103º,
par. 3.º CDC brasileiro, aplicável à ação civil pública).
Questões como essas, caberá à doutrina e jurisprudência solucionar.
Todavia, em uma última matéria parece-nos que o juiz português poderá actuar
de plano, sem tergiversações: trata-se da repartição do ônus da prova.
O direito brasileiro, com urgência menor - porquanto em muitas matérias,
como a ambiental e a das relações de consumo, o legislador adotou o princípio
da responsabilidade objetiva -, preocupou-se com a matéria, estabelecendo
expressamente que o consumidor tem a seu favor, no processo civil, a inversão do
ônus da prova "quando, a critério do juiz, for verossimil a alegação ou quando for
ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência" (art. 6.º, VIII,
CDC).

57
A acção popular portuguesa: é uma análise comparativa, in “RPDC – Revista Portuguesa de Direito do Consumo, CEDC, Coimbra,
ano II, n.º 5, Março de 1996, págs 7 e ss.

96
Das Acções Colectivas em Portugal

O legislador português, que adotou o princípio da responsabilidade com


culpa, nada estabeleceu a respeito dessa matéria. Mas, na verdade, no Brasil a
norma nada criou, sendo resultado de tendência jurisprudencial já assente no pro-
cesso brasileiro, quando se deparassem litigantes em desigualdade de condições.
Pensamos, assim, que a regra da inversão do ônus da prova, ope judicis, em face
das máximas de experiência, poderá tranquilamente ser adoptada na acção popu-
lar portuguesa, mesmo sem norma expressa.”

Contemplaremos nos passos subsequentes os elementos intrínsecos quer da


legitimatio ad causam quer do caso julgado na formulação cabível quanto à
acção popular “a se” como às distintas modelações da acção inibitória.
Não se ignore que a legitimidade processual se configura de modo distinto
tanto no que se refere à acção popular como no que tange à acção inibitória
estabelecida em matéria de prevenção e repressão de condições gerais proibidas
ínsitas em qualquer suporte, como no que toca à acção inibitória consagrada
intra muros, como ainda no plano da União Europeia, tanto por via da Directiva
de base como da lei que transpõe para o ordenamento jurídico nacional as pres-
crições nela constantes.
E outrotanto no que se prende com o caso julgado que, se por um lado dife-
re da acção popular para acção inibitória nos domínios das cláusulas abusivas,
tanto na acção prevista na LDC, como na DAI, como ainda na LAI, os dispositi-
vos são simplesmente omissos
E não basta referir, como o faz Teixeira de Sousa,58 que acção inibitória da
LDC, mercê da remissão do artigo 13 para a Lei das Acções Populares, é uma
acção popular em extensão e profundidade… subsumindo-se ao regime próprio
que a exorna.
Mas haveria ainda aspectos outros a considerar, a que se confere aliás solução
no esquiço de Código de Processo Colectivo que se esboça no passo precedente:
• a litigância
• a conexão e a continência entre a acção ressarcitória em confronto com as
pretensões individuais, em acções singulares
• a repartição do ónus da prova que, no ordenamento jurídico brasileiro, o
legislador predispôs de modo a obviar aos inconvenientes perspectiváveis.59

2. A LEGITIMATIO AD CAUSAM

A legitimidade processual exorbita, como em outro passo se salientou, da que


se definira no CPC, no seu artigo 26.º: “1. O autor é parte legítima quando tem
58
Curso de Direito Processual Civil, págs. 25 e ss.
59
Com efeito, no inciso VIII do artigo 6.º do Código de Defesa do Consumidor brasileiro, a regra é a da inversão do ónus quando, a
critério do juiz, for verosímil a alegação ou quando o consumidor for hipossuficiente segundo as regras da experiência.

97
Das Acções Colectivas em Portugal

interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direc-
to em contradizes.
2. O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedên-
cia da acção; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência
advenha.
3. Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do inte-
resse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida,
tal como é configurada pelo autor”.

A legitimidade processual, após a controvérsia que se gerou entre dois pro-


cessualistas de nomeada, e se estabilizou doutrinariamente, afere-se pela posição
dos sujeitos da relação controvertida, tal como configurada pelo demandante.
Só com a reforma pontual do direito processual civil de 25 de Setembro de
1996, já após a edição da Lei da Acção Popular, da Lei de Defesa do Consumidor
e da Lei das Condições Gerais dos Contratos, é que se adita o artigo 26.º-A sob
a epígrafe “acções para a tutela dos interesses difusos”, tomando, aliás, a parte
pelo todo.
Nele se estabelece: “Têm legitimidade para propor e intervir nas acções e pro-
cedimentos cautelares destinados, designadamente, à defesa da saúde pública,
do ambiente, da qualidade de vida, do património cultural e do domínio público,
bem como à protecção do consumo de bens e serviços, qualquer cidadão no gozo
dos seus direitos civis e políticos, as associações e fundações defensoras dos inte-
resses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público, nos termos previstos
da lei.”

Não é unívoca a concepção de legitimidade para cada um dos tipos de acção


colectiva enunciados liminarmente.
Se percorrermos cada uma das modalidades, é possível descortinar distintas
configurações.
No plano das acções inibitórias que visam a obter condenação na absten-
ção do emprego ou da recomendação de condições gerais dos contratos proibi-
das, a legitimatio ad causam é obrigada a:
• Associações de defesa do consumidor dotadas de representatividade, no
âmbito previsto na legislação respectiva60

60
A LDC prescreve no artigo 17: “1- As associações de consumidores são associações dotadas de personalidade jurídica, sem fins lucra-
tivos e com o objectivo principal de proteger os direitos e os interesses dos consumidores em geral ou dos consumidores seus associa-
dos. 2- As associações de consumidores podem ser de âmbito nacional, regional ou local, consoante a área a que circunscrevam a sua
acção e tenham, pelo menos, 3000, 500 ou 100 associados, respectivamente. 3- As associações de consumidores podem ser ainda de
interesse genérico ou de interesse específico: a) São de interesse genérico as associações de consumidores cujo fim estatutário seja a
tutela dos direitos dos consumidores em geral e cujos órgãos sejam livremente eleitos pelo voto universal e secreto de todos os seus asso-
ciados; b) São de interesse específico as demais associações de consumidores de bens e serviços determinados, cujos órgãos sejam livre-
mente eleitos pelo voto universal e secreto de todos os seus associados. 4- As cooperativas de consumo são equiparadas, para os efeitos

98
Das Acções Colectivas em Portugal

• Associações sindicais, profissionais ou de interesses económicos, actuando


no âmbito das suas atribuições;
• Ministério Público, por indicação do Provedor de Justiça ou quando enten-
da fundamentada a solicitação de qualquer interessado.

E no n.º 2 do artigo 26.º do LCGC se previne que tais entidades actuam no


processo em nome próprio embora façam valer um direito alheio pertencente, em
conjunto, aos consumidores susceptíveis de virem a ser atingidos pelas cláusulas
cuja proibição é solicitada.
A acção inibitória que a LDC prevê no seu artigo 10.º já não afina por aná-
logo diapasão.
Legitimidade têm-na:
• Os consumidores directamente lesados
• Os consumidores, ainda que não directamente lesados
• As associações de consumidores, desde que dotadas de representatividade
• O Ministério Público
• A Direcção-Geral do Consumidor quando em causa interesses ou direitos
individuais homogéneos, colectivos ou difusos.61

A legitimatio ad causam, de harmonia com o que prescreve a Directiva


98/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Maio de 1998,
ainda que sob a forma algo canhestra como se qualifica na epígrafe do seu arti-
go 3.º (“das entidades competentes” para intentar a acção), é deferida a :
• Qualquer organismo ou organização, devidamente constituído segundo a
legislação de um Estado-membro, tendo interesse legítimo em fazer respeitar
as disposições referidas no artigo 1.º;62
• Um ou vários organismos públicos independentes especificamente respon-
sáveis pela protecção dos interesses previstos na aludida disposição, nos
Estados-membros em que tais organismos existam;

do disposto no presente diploma, às associações de consumidores.” E, nos termos do artigo 18: “… c) Direito a representar os con-
sumidores no processo de consulta e audição públicas a realizar no decurso da tomada de decisões susceptíveis de afectar os direitos e
interesses daqueles; e) Direito a corrigir e a responder ao conteúdo de mensagens publicitárias relativas a bens e serviços postos no mer-
cado, bem como a requerer, junto das autoridades competentes, que seja retirada do mercado publicidade enganosa ou abusiva; l)
Direito à acção popular; m) Direito de queixa e denúncia, bem como direito de se constituírem como assistentes em sede de processo
penal e a acompanharem o processo contra-ordenacional, quando o requeiram, apresentando memoriais, pareceres técnicos, sugestão
de exames ou outras diligências de prova até que o processo esteja pronto para decisão final.”
61
Cfr. LDC – artigo 13 – “Têm legitimidade para intentar as acções previstas nos artigos anteriores: a) Os consumidores directamente
lesados; b) Os consumidores e as associações de consumidores ainda que não directamente lesados, nos termos da Lei n.° 83/95, de
31 de Agosto; c) O Ministério Público e o [Instituto do Consumidor] quando estejam em causa interesses individuais homogéneos, colec-
tivos ou difusos.”e À Direcção-geral é reconhecida legitimidade processual e procedimental em processos principais e cautelares junto
dos tribunais administrativos e judiciais bem como de entidades reguladoras quanto aos direitos e interesses que lhe cumpre defende.
62
O artigo 1.º da Directiva em epígrafe estabelece: “1. A presente directiva tem por objecto aproximar as disposições legislativas, regu-
lamentares e administrativas dos Estados-membros relativas às acções inibitórias referidas no artigo 2.º, para a protecção dos interesses
colectivos dos consumidores incluídos nas directivas enumeradas no anexo, para garantir o bom funcionamento do mercado interno.
2. Para efeitos da presente directiva, entende-se por infracção todo e qualquer acto contrário ao disposto nas directivas enumeradas no
anexo, transpostas para a ordem jurídica interna dos Estados-membros, e que prejudique os interesses colectivos referidos no n.º 1”

99
Das Acções Colectivas em Portugal

• As organizações que tenham por finalidade proteger tais interesses, de acor-


do com os critérios previstos na respectiva legislação nacional.63

No entanto, prevê-se ainda um procedimento peculiar,64 a saber, uma consul-


ta prévia.
No plano do direito interno – e no quadro da acção inibitória intracomunitá-
ria, prevista na Directiva a que no passo precedente se alude - se define um outro
requisito para que a legitimidade processual se afirme, na circunstância.
Na Lei n.º 25/2004, de 8 de Julho – e no que tange a âmbito próprio do nor-
mativo – se estabelece que as normas dela constantes se aplicam à acção inibi-
tória,65 bem como à acção popular66 destinadas a prevenir, corrigir ou fazer ces-
sar práticas ilícitas dos direitos dos consumidores.
E acrescenta no n.º 2: “Para efeitos do disposto na presente lei, bem como para
efeitos da definição do âmbito do direito de acção inibitória previsto no artigo 10º
da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, considera-se que o conceito da prática lesiva
inclui qualquer prática contrária aos direitos dos consumidores, designadamente as
que contrariem as legislações dos Estados-membros que transpõem as directivas
comunitárias constantes do anexo a esta lei, da qual faz parte integrante.”
Restringe-se o rol dos que detêm legitimidade nos termos da LAP (artigo 12),
como da LDC (13), já que os consumidores individuais, ainda que não lesados,
se excluem.

63
O artigo 4º, sob uma tal epígrafe, estabelece por seu turno: “1. Cada Estado-membro tomará as medidas necessárias para assegu-
rar que, em caso de infracção com origem nesse Estado-membro, qualquer entidade competente de outro Estado-membro em que os
interesses por ela protegidos sejam afectados pela infracção possa recorrer ao tribunal ou à autoridade administrativa referidos no arti-
go 2º, mediante a apresentação da lista prevista no n.º 3. Os tribunais ou as autoridades administrativas aceitarão essa lista como prova
da capacidade jurídica da entidade competente, sem prejuízo do seu direito de analisar se o objecto da entidade competente justifica
que esta intente uma acção num determinado caso. 2. Para efeitos de infracções intracomunitárias, e sem prejuízo dos direitos recon-
hecidos a outras entidades pela legislação nacional, os Estados-membros comunicarão à Comissão, a pedido das respectivas entidades
nacionais competentes, que essas entidades são competentes para intentar uma acção ao abrigo do artigo 2º Os Estados-membros infor-
marão a Comissão do nome e objecto dessas entidades competentes. 3. A Comissão elaborará uma lista das entidades competentes
referidas no n.º 2, especificando o seu objecto. Essa lista será publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias; as alterações
dessa lista serão publicadas sem demora e a lista actualizada será publicada semestralmente. 1. Cada Estado-membro tomará as medi-
das necessárias para assegurar que, em caso de infracção com origem nesse Estado-membro, qualquer entidade competente de outro
Estado-membro em que os interesses por ela protegidos sejam afectados pela infracção possa recorrer ao tribunal ou à autoridade
administrativa referidos no artigo 2º, mediante a apresentação da lista prevista no n.º 3. Os tribunais ou as autoridades administrativas
aceitarão essa lista como prova da capacidade jurídica da entidade competente, sem prejuízo do seu direito de analisar se o objecto da
entidade competente justifica que esta intente uma acção num determinado caso. 2. Para efeitos de infracções intracomunitárias, e sem
prejuízo dos direitos reconhecidos a outras entidades pela legislação nacional, os Estados-membros comunicarão à Comissão, a pedido
das respectivas entidades nacionais competentes, que essas entidades são competentes para intentar uma acção ao abrigo do artigo 2º
Os Estados-membros informarão a Comissão do nome e objecto dessas entidades competentes. 3. A Comissão elaborará uma lista das
entidades competentes referidas no n.º 2, especificando o seu objecto. Essa lista será publicada no Jornal Oficial das Comunidades
Europeias; as alterações dessa lista serão publicadas sem demora e a lista actualizada será publicada semestralmente.”
64
O artigo 5º, sob uma tal epígrafe, estabelece: “1. Os Estados-membros podem prever ou manter em vigor disposições que estipulem
que a parte que tenciona intentar uma acção inibitória só o poderá fazer depois de ter tentado pôr termo à infracção, em consulta com
o requerido ou com o requerido e uma entidade competente na acepção da alínea a) do artigo 3º, do Estado-membro em que será inten-
tada a acção inibitória. Cabe aos Estados-membros decidir se a parte que tenciona intentar essa acção deve consultar a entidade com-
petente. Se a cessação da infracção não se concretizar no prazo de duas semanas a contar da recepção do pedido das consultas, a parte
em causa pode intentar imediatamente uma acção inibitória.” 2. A Comissão será notificada das regras da consulta prévia adoptadas
pelos Estados-membros, que serão publicadas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias.
65
Previstas no artigo 10º da Lei 24/96, de 31 de Julho
66
Contemplada no n.º 2 do artigo 12º da Lei 83/95, de 31 de Agosto.

100
Das Acções Colectivas em Portugal

Só as entidades que “detêm legitimidade para propor e intervir nas acções


e procedimentos cautelares” é que disporão de análogo modo legitimatio ad
causam.
Contanto que se inscrevam em lista disponível na Direcção-Geral do
Consumidor.
A elaboração e a permanente actualização da lista das entidades portugue-
sas67 “competentes” para exercer, na União Europeia, o direito de acção cabe à
Direcção-Geral do Consumidor. Que notificará a Comissão Europeia do seu con-
teúdo.
No que em particular respeita à acção popular – com um âmbito mais dila-
tado ante os domínios objecto de tutela – os titulares do direito de acção acan-
tonam-se como segue:
• Quaisquer cidadãos
• Associações e fundações cujo escopo é o da tutela de interesses em causa,
independentemente de terem ou não interesse directo na demanda

A legitimidade processual activa, porém, nos termos do artigo 3.º da LAP,


como que se reconduz a uma concepção retrógrada, complexa da legitimatio,
para que confluíam os demais pressupostos, como se se tratasse do pressuposto
dos pressupostos.68
Na realidade, constituem requisitos da legitimatio ad causam
no que tange aos cidadãos
• que se achem no gozo dos seus direitos civis e políticos
no que toca às associações e fundações

67
O procedimento de inscrição consta do artigo 5.º da Lei n.º 25/2004, de 8 de Julho, que reza o seguinte: “1 – Para efeitos do arti-
go anterior e sem prejuízo do disposto no n.º 5, devem as entidades interessadas solicitar a sua inscrição na lista, através de requeri-
mento dirigido ao Presidente do Instituto do Consumidor, acompanhado de documento comprovativo da sua denominação e objecto
estatutário. 2 – Na apreciação do pedido, o Presidente do Instituto do Consumidor deve certificar-se de que a entidade requerente
prossegue objectivos de defesa dos interesses dos consumidores. 3 – O despacho sobre o pedido de inscrição deve ser proferido no
prazo máximo de 30 dias. 4 – Do despacho de indeferimento do pedido de inscrição cabe recurso, nos termos da lei, com efeito mera-
mente devolutivo. 5 – O Ministério Público e o [Director-Geral do Consumidor] constarão da lista a que se refere o artigo anterior por
direito próprio e sem dependência de requerimento de inscrição.”
68
Cfr. Castro Mandes, Direito Processual Civil, vol II, Associação Académica, Lisboa, 1980, pág 153 e 154, revela que: a determina-
ção da legitimidade começou por fazer-se casuisticamente - em relação a cada acção indicava-se quem a podia propor como autor e
contra quem podia sê-lo como réu. Os requisitos que se indicavam mostravam abranger-se na legitimidade figuras que em rigor se
deviam distinguir. Ainda quando a doutrina se elevou deste método a uma construção geral, na primeira fase desta construção ela apre-
senta-se-nos como uma concepção global ou complexa – a legitimidade aparece-nos como abrangendo o conjunto dos pressupostos
processuais subjectivos relativos às partes, e por vezes algumas condições da acção (também relativas às partes). Uma análise mais cui-
dadosa foi distinguindo neste “complexo de circunstâncias, condições e qualidades” vários pressupostos diferentes – a personalidade
judiciária, a capacidade judiciária, o interesse em agir. Mas ainda recentemente o Prof. PAULO CUNHA sustentava que os requisitos da
legitimidade eram o interesse, a capacidade legal, a identidade das partes, a não exclusão por lei expressa e a realidade de litígio e o
Prof. BARBOSA DE MAGALHÃES a identidade, capacidade e interesse A esta concepção complexa da legitimidade tem-se procurado
substituir uma concepção simples da figura, atendendo a um único critério para a determinar, e reduzindo-a apenas a um pressuposto
processual. Mas ficaram dos tempos passados duas tendências que muito têm prejudicado este domínio: a tendência para considerar
requisitos de legitimidade todas as circunstâncias relativas às partes cuja verificação é necessária para que o tribunal atenda o pedido
(e, portanto, para considerar causas de ilegitimidade todas as razões de absolvição que dizem respeito aos sujeitos); a tendência para
fazer da legitimidade um pressuposto processual mais importante que os outros, diferente destes, movendo-se noutro plano. Qualquer
das duas tendências é errónea – a legitimidade é um pressuposto processual subjectivo relativo às partes, e nada mais”.

101
Das Acções Colectivas em Portugal

• personalidade jurídica;
• o figurar expressamente nas suas atribuições ou nos objectivos estatutários
a defesa dos interesses em causa no tipo de acção de que se trata;
• não exercerem qualquer tipo de actividade económica ou profissional con-
corrente com a das empresas ou de profissionais liberais.

Daí que se justifique se harmonizem os dispositivos que regem nesse particular.


Para que não pairem indefinições ou dúvidas insanáveis acerca dos meios pro-
cessuais idóneos para cada um dos domínios perscrutáveis.

De tal sorte que Teixeira de Sousa entende que - mercê das remissões na alí-
nea b) do artigo 13.º da LDC – a acção inibitória é uma autêntica acção popu-
lar, asserção que não merece obviamente a nossa concordância.
Além do mais, há quem entenda que como o molde da legitimidade proces-
sual activa é mais largo na acção inibitória em geral, o artigo 26.º da LCGC deve
abrir-se de modo a nele caber, enquanto titulares da legitimatio ad causam, nas
acções que visam à condenação na abstenção do uso ou da recomendação de
condições gerais dos contratos apostas em formulários pré-redigidos ou em
suportes outros seja qual for a configuração que assumirem, os consumidores
prejudicados ou não pelas cláusulas unilateralmente impostas.
Ou, como outros pretendem, ante a estreiteza do caso julgado, a adopção
da acção popular para obviar às dificuldades postuladas a quem houver cele-
brado já contratos singulares com base nas condições gerais proibidas, objecto
do pleito.
Para que, como na oportunidade se revelará, se colha uma eficácia plena –
“erga omnes” – que não a que emerge do regime privativo da Lei das
Condições Gerais dos Contratos e é desvalorizante porque obriga à inusitada
reprodução processual – a eficácia ultra partes – que não dispensa a proposi-
tura de uma acção singular de declaração de nulidade se o aderente – consu-
midor ou não – pretender prevalecer-se da declaração incidental ínsita na deci-
são inibitória.
E não se nos afigura saudável tamanha dispersão e prolixidade.

Pelo que se entende:


• Que a medida da legitimidade processual activa é distinta consoante as
modalidades de acções colectivas com que se opere
• Que a legitimidade não se afere de modo singular, antes acresce – para se
afirmar – o cumprimento de requisitos outros que exorbitam do quadro regular.
• Que nem sempre se justificam as restrições que, no plano
transnacional/intracomunitário, a Directiva em vigor neste domínio impõe e
menos ainda que a legitimidade dependa, em substância, da inscrição em
102
Das Acções Colectivas em Portugal

lista disponível in casu em instituição oficial com atribuições e competências


no âmbito da protecção dos direitos do consumidor
• Que urge que – com a uniformização das distintas modalidades tipológicas
da acção colectiva como meio processual idóneo para a tutela dos direitos
colectivos do consumidor – se adoptem medidas únicas para a delimitação
conceitual da legitimatio ad causam.

Eis, pois, as conclusões parcelares no que tange à temática versada - a da


legitimidade processual actividade outorgada a distintas personalidades e entida-
des para efectividade dos direitos de dimensão transindividual conferida a distin-
tas massas de consumidores.

3. CASO JULGADO

Caso julgado material (ou interno) consiste segundo o saudoso Miguel de


Andrade,69 em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tri-
bunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a
mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida
a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito
dessa relação): todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova
discussão.
O autor acrescenta: “Este acatamento é-lhe devido de modo absoluto.
Constitui dever oficioso do tribunal, não dependendo da invocação da parte inte-
ressada (art. 500º do CPC). Mesmo que chegue a ser proferida decisão contradi-
tória com aquela, esta é a que prevalece (art. 675.º do CPC). Na falta desta
norma, a doutrina a seguir seria oposta, tal como em matéria legislativa: entre
duas manifestações de vontade antagónicas do mesmo órgão a prevalência cabe
à última, como regra geral.”
Esta é a concepção clássica, no processo individualístico, de caso julgado,
Que só cede perante a procedência de qualquer recurso extraordinário – de
revisão ou oposição de terceiro.
No que tange à disciplina em apreciação, importa, em verdade, escalpelizar
as hipóteses vertidas neste particular.
Analisaremos sucessivamente o caso julgado
• Nas acções inibitórias em geral
• Nas acções inibitórias estatuídas no âmbito das cláusulas abusivas emergen-
tes das condições gerais dos contratos ínsitas em formulários (pré-redigidos) em
circulação no mercado e em quaisquer outros suportes pré-elaborados.

69
Manuel A. Domingues de Andrade, in “Noções elementares de Processo Civil, Coimbra, 1976, pág 304

103
Das Acções Colectivas em Portugal

• Nas acções inibitórias consagradas na Directiva 98/27/CE, do Parlamento


Europeu e do Conselho de 19 de Maio de 1998.
• Nas acções inibitórias transdisciplinares decalcadas do instrumento norma-
tivo emanadas das instâncias legiferantes da União Europeia e contempladas
em Portugal na Lei 25/2004, de 8 de Julho.
• Nas acções populares decorrentes do n.º 3 do artigo 52.º da Constituição
da República Portuguesa e regulamentadas pela Lei n.º 83/95, de 31 de
Agosto.

3.1 Nas acções inibitórias em geral prevista na LDC

As acções inibitórias em geral jamais foram regulamentadas,


Com efeito, a LDC consagra, no seu artigo 10.º, como molde genérico a
acção inibitória susceptível de oferecer cobertura ao tipo caracterizado no art.
24 do primitivo DL 446/85, de 25 de Outubro (ora, com as alterações deco-
rrentes do DL 220/95, de 31 de Agosto renumerado como art. 25.º)
E aí considera
“1- É assegurado o direito de acção inibitória destinada a prevenir, corrigir
ou fazer cessar práticas lesivas dos direitos do consumidor consignados na pre-
sente lei, que, nomeadamente:
a) Atentem contra a sua saúde e segurança física;
b) Se traduzam no uso de cláusulas gerais proibidas;
c) Consistam em práticas comerciais expressamente proibidas por lei.
2- A sentença proferida em acção inibitória pode ser acompanhada de sanção
pecuniária compulsória, prevista no artigo 829-A do Código Civil, sem prejuízo da
indemnização a que houver lugar.”
E nos dispositivos subsequentes regra sucessivamente:
• a forma de processo
• o direito à reparação dos danos (afinal, a disciplina das garantias legais das
coisas móveis e imóveis, na versão original, de todo deslocada, na sistemati-
zação empregue, conquanto os n.ºs 4 e 5 contemplem os casos de responsa-
bilidade emergente do vício de qualidade de produtos e serviços como do
vício de segurança restrito a produtos).
• a legitimidade activa
• o direito à protecção jurídica e a uma justiça acessível e pronta

Não há um efectivo regramento da acção inibitória e sempre se aguardou que


o Ministério da Justiça promovesse a regulamentação de uma tal modalidade: a
despeito das diligências efectuas e de um primeiro ensaio ao tempo em que Vera
Jardim fora titular da pasta, o facto é que se regista uma clamorosa omissão
legislativa que esvazia de conteúdo o seu sentido e alcance.
104
Das Acções Colectivas em Portugal

E nem sequer se nos afigura de preencher a lacuna assimilando, como a


outro propósito faz Teixeira de Sousa, que a considera uma autêntica acção
popular.
A incipiente disciplina da acção inibitória esboçada na Lei 24/96, de 31 de
Julho, e a que exorna a LAP não consentirão na assimilação.
A ser assim, não se justificaria a inserção de um tal molde mais amplo e gené-
rico para acobertar a acção estatuída no âmbito das disposições processuais da
LCGC.
Daí que se afirme a imprestabilidade da acção inibitória, de que ainda há
escassíssimos casos de acções instauradas com base em um tal figurino.

3.2 Acção inibitória no quadro das condições gerais dos contratos

A eficácia do caso julgado perscruta-se no artigo 32º da LCGC.


Aí se estabelece, no n.º 2, que “aquele que seja parte, juntamente com o
demandado, vencido na acção inibitória, em contratos em que se incluam cláu-
sulas gerais proibidas, pode invocar a todo o tempo, em seu benefício a decla-
ração incidental de nulidade contida na decisão inibitória.
Ora, neste particular se consagra a eficácia do caso julgado.
Não é, como em regra ocorre nas acções colectivas, erga omnes, antes se
pode conceituar como ultra partes, em sentido que se aclarará.
Na realidade, a decisão impõe inter partes, a saber, “ as cláusulas contratuais
gerais objecto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado, ou
outras cláusulas que se lhes equiparem substancialmente, não podem ser incluí-
das em contratos que o demandado venha a celebrar, nem continuar a ser reco-
mendadas.
Mas, para além da eficácia restrita às partes, há uma refracção – ainda que
dependente de ulterior diligência processual – nos demais contratos celebrados
com base em condições gerais predispostas.
A decisão inibitória passada ou transitada em julgado constitui uma declara-
ção incidental de nulidade.
Que incide, por conseguinte, nos demais contratos sem os atingir de plano.
Para que a declaração de nulidade se transmude de incidental em real há-de
a vítima lançar mão da acção de declaração de nulidade, nos termos do artigo
24.º da LCDC, que remete para os termos gerais.
A decisão inibitória funcionará, na circunstância, restrita às condições gerais
objecto de proibição definitiva (ou outras que se lhes equiparem substancialmen-
te) como se se tratasse de uma precedent rule.
Daí o sentido e alcance do caso julgado, que se não restringe aos pleiteantes na
lide, antes extravasa, na acepção revelada para os demais contraentes, contanto que
invoquem a declaração incidental de nulidade nos feitos de que fizerem parte.
105
Das Acções Colectivas em Portugal

A decisão não afecta directa, imediata e retroactivamente o negócio jurídico


celebrado.
Só incidentalmente.
O que confere distintos cambiantes à figura.
Que se não subsume, por óbvio, à da eficácia erga omnes.

3.3 Acção inibitória transnacional ou intracomunitária

Não se define no texto do Parlamento Europeu e do Consumo a eficácia do


caso julgado.
O que remete, afinal, para o direito nacional de cada um dos Estados-mem-
bros.
No âmbito da legislação pátria, a remessa para o artigo 10.º da LDC (artigo
2.º) deixa intocado o problema.
Não se define, pois, a eficácia do caso julgado que pode, pois, comportar
plúrimas significações.
No entanto, ao reconduzir-se de análogo modo a acção inibitória transna-
cional à acção popular, aí colher-se-á o regime similar ao do caso julgado ver-
tido na ocorrente hipótese.
Só que não é líquido que a eficácia seja erga omnes secundum eventum litis.
As objecções de Ada Pellegrini Grinover colhem em absoluto como no passo
subsequente se revelará. A despeito das considerações que tece, como se alcan-
çará, Miguel Teixeira de Sousa.

3.3.1 Acção inibitória transnacional consagrada no direito português

Valem a propósito as considerações que se expenderam no passo precedente

A LAP prescreve no seu artigo 19º sob a epígrafe “efeitos do caso julgado”:
“1. As sentenças transitadas em julgado proferidas em acções ou recursos
administrativos ou em acções cíveis, salvo quando julgadas improcedentes por
falte de provas, ou quando o julgador deva decidir por forma diversa fundado em
motivações próprias do caso concreto têm eficácia geral, não abrangendo, contu-
do, os titulares dos direitos ou interesses que tiverem exercido o direito de se auto-
excluírem da representação.
2. As decisões transitadas em julgado são publicadas a expensas da parte ven-
cida e sob pena de desobediência, com menção do trânsito em julgado, em dois
dos jornais presumivelmente lidos pelo universo dos interessados no seu conheci-
mento, á escolha do juiz da causa, que poderá determinar que a publicação se
faça por extracto dos seus aspectos essenciais, quando a sua extensão desacon-
selhar a comunicação por inteiro.”
106
Das Acções Colectivas em Portugal

Ada Pellegrini Grinover70 analisa cirurgicamente o que considera o segundo


ponto sensível das acções colectivas nos termos seguintes:
“Quanto à coisa julgada - segundo ponto sensível das ações coletivas -, a lei
portuguesa adotou dois critérios:
a) como regra geral, o regime da coisa julgada erga omnes, para os casos de
procedência ou improcedência, salvo quando esta se der por insuficiência de
provas (art. 19, 1);
b) para os que tenham exercido o direito de auto-exclusão, sua indiferença à
coisa julgada, seja a sentença positiva ou negativa (art. 19, 1).
Desse modo, a Lei n.º 83/95 combinou dois critérios, sendo o primeiro familiar
ao sistema brasileiro, e o segundo próprio do ordenamento norte-americano.
Com efeito, é típico das leis brasileiras sobre ação popular e ação civil públi-
ca a adoção de uma coisa julgada erga omnes, com o temperamento da
inexistência de coisa julgada nos casos de improcedência por insuficiência de
provas (com o que se evita o risco de colusão entre as partes), sempre que se
trate de direitos de objeto indivisível (interesses difusos e coletivos): art. 18 da
Lei 4.717/65 e art. 103, I e II CDC, aplicável à LACP.
Mas o critério do opt out e do opt in, como forma de submissão, ou não, do
terceiro ao julgado, é próprio das class actions. A rule 23, c 2 e c 3 das Federal
Rules de 1966, expressamente prevê a possibilidade de optar-se pela exclusão
da coisa julgada, sendo abrangidos por ela aqueles que, informados da
demanda "da maneira melhor segundo as circunstâncias" (inclusive mediante
intimação pessoal, quando as pessoas forem passíveis de identificação), não
tiverem procedido ao pedido de exclusão. É o critério denominado opt out,
recentemente reafirmado pela Suprema Corte norte-americana, que dispensou
os demais, não optantes pela exclusão, de expresso consentimento para inte-
grar a demanda (o que corresponderia ao critério do opt in) (8). Em outras
palavras, adotado o critério do opt out, os que deixam de optar pela exclusão
serão automaticamente abrangidos pela coisa julgada, sem necessidade de
anuência expressa, mas desde que tenha havido notícia do ajuizamento da
ação.
A lei portuguesa, no art. 15, segue exatamente o mesmo critério. Os titulares
dos "interesses em causa" são citados para, querendo, intervir no processo a
título principal e para declarar nos autos se aceitam ser representados pelo
autor (opt in) ou se se excluem dessa representação (opt out), entendendo-se
a passividade como aceitação (art. 15.1), ressalvado o direito de ainda a recu-
sarem expressamente até o término da fase probatória (art. 15.4). O n.º 2 do
art. 15 determina que a citação se faça pelos meios de comunicação de massa

70
In “A Ação Popular Portuguesa: Uma Análise Comparativa”, RPDC – Revista Portuguesa de Direito do Consumo, CEDC, Coimbra,
ano II, n.º 5, Março de 1995, pág. 12 e ss.

107
Das Acções Colectivas em Portugal

ou ediliciamente, sem obrigatoriedade de identificação pessoal do destinatá-


rio; e o n.º 3 prevê, no caso de impossibilidade de individualização dos titula-
res, que a citação se faça "por referência ao respectivo universo, determinado
a partir de circunstância ou qualidade que lhe seja comum, da área geográfi-
ca em que residam ou do grupo ou comunidade a que pertençam".
Pode ser que o sistema dê certo em Portugal, país pequeno e habitado por pes-
soas mais esclarecidas e conscientizadas. Mas já suscitou enormes problemas
nos Estados Unidos da América, onde a Suprema Corte chegou a afirmar que
a orientação pela qual o membro da class, que não tenha optado expressa-
mente pela exclusão, seria abrangido pela coisa julgada, depende de sua inti-
mação pessoal, sob pena de não poder-se entender que fora adequadamente
informado (9). E certamente não se adaptaria à realidade existente no Brasil,
país de dimensões continentais, deparando com enormes problemas de infor-
mação completa e correta, de falta de conscientização de parcela ingente da
população, de desconhecimento sobre os canais de acesso à Justiça, de gran-
de distanciamento entre o povo e os tribunais, tudo a desaconselhar a exten-
são da coisa julgada, quando desfavorável a sentença, a quem não integrou
a relação processual e só foi artificialmente "representado" pelo portador em
juízo dos interesses coletivos.
Por isso, a eficácia erga omnes do julgado, favorável ou desfavorável, só foi
adotada, no Brasil, para os interesses indivisíveis (difusos e coletivos), em que
não há mesmo como cindir o comando da sentença que, por sua própria natu-
reza, deverá abranger toda a classe, categoria ou grupo, com o temperamento
da inexistência de coisa julgada em caso de improcedência por insuficiência de
provas (art. 18 da Lei da ação popular e art.s 103, I e II CDC, aplicável à LACP).
Mas, para os interesses individuais homogêneos, divisíveis por natureza e com
titulares individualizados (ou individualizáveis), a lei adotou o esquema da
coisa julgada erga omnes, mas secundum eventum litis: ou seja, em caso de
sentença favorável, todos os componentes do grupo, classe ou categoria serão
beneficiados; mas, em caso de sentença desfavorável, a coisa julgada opera-
rá somente para impedir novas demandas coletivas, ficando aberta aos inte-
ressados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes a via das
ações individuais (art. 103, III e par. 2.º CDC, aplicável à LACP).
No juízo de valor que antecedeu à escolha do legislador brasileiro, verificou-
se que a extensão da coisa julgada a terceiros, que não foram pessoalmente
parte do contraditório, ofereceria riscos demasiados, não arredados pela téc-
nica do opt out, calando fundo nas relações inter-subjetivas, quando se tratas-
se de prejudicar direitos individuais; e suscitando, ainda, problemas de incons-
titucionalidade, por infringência ao contraditório efetivo e real. Por outro lado,
as críticas à coisa julgada secundum eventum litis, na técnica brasileira, podem
ser respondidas com bastante facilidade (10).
108
Das Acções Colectivas em Portugal

A aplicação prática da Lei n. 83/95 dirá se o instituto do opt out terá mais sorte
em Portugal.

Já Miguel Teixeira de Sousa objecta que


“A acção popular visa obter, não a resolução de um conflito meramente indivi-
dual, mas a prevenção ou a cessação da violação de um interesse difuso e a
regulação das relações entre aquele que ameaça violar ou violou aquele inte-
resse e todos aqueles que podem ser ou já foram prejudicados com essa con-
duta. A finalidade dessa acção é a composição global entre todos os interes-
sados, pelo que a decisão que nela venha a ser proferida deve valer para
todos os interessados.
Cabe abordar, assim, o complicado problema da eficácia subjectiva do caso
julgado da decisão de mérito proferida na acção popular. Como o interesse
difuso sobre o qual recaiu a decisão respeita necessariamente a sujeitos dis-
tintos do autor da acção popular, há que verificar se essa decisão pode bene-
ficiar ou prejudicar estes terceiros, isto é, se existem motivos que justificam o
afastamento do princípio segundo o qual o caso julgado não vincula aqueles
que não participaram da acção. A solução prevista no art.º 19.º, n.º 1, da Lei
n.º 83/95 mostra a necessidade de um regime especial quanto ao âmbito sub-
jectivo do caso julgado da decisão proferida na acção popular: "as sentenças
transitadas em julgado proferidas [...] em acções cíveis, salvo quando julgadas
improcedentes por insuficiência de provas, ou quando o julgador deva decidir
por forma diversa fundado em motivações próprias do caso concreto, têm efi-
cácia geral, não abrangendo, porém, os titulares dos direitos ou interesses que
tiverem exercido o direito de se auto-excluírem da representação".
Quer dizer: o art.º 19.º, n.º 1, da Lei n.º 83/95 estabelece que, em princípio, o
caso julgado é vinculativo para os terceiros interessados, excepto se estes tiverem
exercido o direito de auto-exclusão previsto no art.º 15.º, n.º 1, da Lei n.º 83/95.
Mas, mesmo que estes terceiros não tenham usado essa faculdade, deve enten-
der-se que eles não ficam vinculados ao caso julgado se a sua citação não tiver
observado os requisitos estabelecidos no art.º 15.º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 83/95.
Além disso, como se pode inferir do disposto no art.º 16.º, n.º 3, da Lei n.º 83/95
(no qual se prevê a substituição do autor da acção popular pelo Ministério Público
quando aquele desista da lide ou celebre transacção com o demandado), o caso
julgado da sentença homologatória dessa desistência ou transacção (cfr. artº
300.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil) não vale necessariamente erga
omnes. Se assim não sucedesse, não se compreenderia essa possibilidade de
substituição e a decorrente continuação da acção popular pelo Ministério Público.
2. Critério legal
a. A regulamentação que consta do art.º 19.º, n.º 1, da Lei n.º 83/95 define
um âmbito subjectivo do caso julgado secundum eventum litis: semelhante-
109
Das Acções Colectivas em Portugal

mente ao disposto no art.º 103, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor


brasileiro, os terceiros interessados beneficiam, em princípio, do caso julgado
favorável, isto é, daquele que respeita a uma decisão de procedência, mas não
ficam vinculados a uma sentença de improcedência que resulte de uma insufi-
ciência de prova i[48]. Esta eventualidade pode indiciar uma actuação menos
diligente do autor da acção popular ou até um conluio entre essa parte e a
contraparte demandada, situações nas quais importa proteger os interesses de
todos os não intervenientes na acção popular. Algo enigmáticas são, todavia,
as razões que podem levar o juiz, nos termos do art.º 19.º, n.º 1, da Lei n.º
83/95, a restringir o âmbito subjectivo do caso julgado por motivações pró-
prias da situação concreta. Talvez se esteja a pensar nos casos em que o
demandante celebrou uma transacção com o demandado e o tribunal enten-
de que ela não deve valer erga omnes ou em que o tribunal considera que a
acção não pode proceder enquanto acção popular (nomeadamente, porque
não foi violado qualquer interesse difuso), mas pode ser procedente em rela-
ção ao demandante e ao seu próprio interesse individual.
Posto é que, para que este regime sobre o âmbito subjectivo do caso julgado
funcione adequadamente, não existam dúvidas sobre a improcedência da
acção por insuficiência de prova e não pela circunstância de o réu ter demons-
trado a falta da sua fundamentação. O critério prático para se avaliar se a
acção improcedeu por essa referida insuficiência é o seguinte: esse funda-
mento de improcedência verifica-se sempre que a acção foi julgada improce-
dente porque o tribunal teve de decidir, segundo o critério estabelecido no art.
516.º do Código de Processo Civil, uma situação de non liquet contra o autor,
isto é, teve de julgar a acção improcedente pela insuficiência da prova reali-
zada pelo autor quanto aos factos constitutivos da situação por ele alegada.
Como, na hipótese de a acção popular improceder por insuficiência de provas,
pode ser proposta uma outra acção por qualquer outro interessado, o próprio
demandante, que, dado o referido non liquet, não conseguiu a procedência da
acção, vem a beneficiar da eventual procedência desta outra acção. Dado que
o próprio demandante que instaurou a primeira acção e que não conseguiu a
sua procedência beneficia do caso julgado obtido numa posterior acção popu-
lar, existe necessariamente uma confluência de casos julgados contraditórios
nesse mesmo sujeito: um que lhe é desfavorável, outro que o beneficia. Esta
entorse é, todavia, uma consequência inevitável da eficácia inter partes da sen-
tença de improcedência baseada na insuficiência de prova.
A solução adoptada no art. 19.º, n.º 1, da Lei n.º 83/95 permite salvaguardar
os interesses da parte demandada, porque, se ela provou que não violou ou
não ameaça violar o interesse difuso, não poderá ser contra ela proposta por
qualquer outro interessado uma outra acção com o mesmo objecto. Nesta
hipótese, a improcedência da acção vale ultra partes, porque a acção impro-
110
Das Acções Colectivas em Portugal

cedeu pelo facto de a parte demandada ter provado que não violou ou não
ameaçou o interesse difuso, pelo que essa parte poderá arguir a excepção de
caso julgado numa qualquer outra acção relativa ao mesmo objecto proposta
por qualquer outro sujeito (art.ºs 497.º e 498.º do Código de Processo Civil).
O mesmo vale se, após a improcedência da acção popular, alguém pretender
tutelar em juízo o seu interesse individual.
Resta acrescentar que a decisão proferida na acção popular e o respectivo
caso julgado podem ser impugnados nos termos gerais. Importa especialmen-
te referir que qualquer terceiro, ou seja, qualquer interessado que não tenha
intervindo na acção popular, pode impugnar essa decisão, ainda que transita-
da em julgado, através do recurso extraordinário de oposição de terceiro, sem-
pre que se tenha verificado uma simulação processual entre as partes daque-
la acção (art.º 778.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
b. A decisão que proíbe o uso ou a recomendação de cláusulas contratuais
gerais deve especificar o âmbito da proibição, designadamente através da refe-
rência concreta do seu teor e a indicação do tipo de contratos a que a proibi-
ção se reporta (art.º 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 446/85; art.º 11.º, n.º 2, da
Lei n.º 24/96); essa decisão será publicitada (art.º 30.º, n.º 2, do Decreto-Lei
n.º 446/85; art.º 11.º, n.º 3, da Lei n.º 24/96) e registada em serviço próprio
(art.º 34.º do Decreto-Lei n.º 446/85). Quanto à eficácia subjectiva do caso jul-
gado da decisão que decreta a inibição do uso ou recomendação de uma cláu-
sula contratual geral, importa referir que, como acima se mostrou, essa acção
inibitória também pode ser uma acção popular, pelo que há que concluir que o
regime especial definido para aquela acção no art.º 32, n.º 2, do Decreto-Lei
n.º 446/85 prevalece, na parte em que haja divergência, sobre o regime geral
estabelecido para esta última no art.º 19.º, n.º 1, da Lei n.º 83/95.
O trânsito em julgado da decisão inibitória implica que as cláusulas contratuais
gerais que forem objecto de proibição definitiva, ou outras cláusulas que se
lhes equiparem substancialmente, não podem ser incluídas em contratos que o
demandado (isto é, o proponente das cláusulas) venha a celebrar, nem conti-
nuar a ser recomendadas por essa mesma parte (art.º 32.º, n.º 1, do Decreto-
Lei n.º 446/85; art.º 11.º, n.º 4, da Lei n.º 24/96). Assim, aquele que venha
a ser parte, juntamente com o demandado vencido na acção inibitória, em
contratos onde se incluam cláusulas gerais proibidas, pode invocar a todo o
tempo, em seu benefício, a declaração incidental de nulidade contida na deci-
são inibitória (art.º 32.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 446/85; art.º 11.º, n.º 4, da
Lei n.º 24/96). Isto é, permite-se que qualquer interessado se possa servir, na
acção proposta contra o proponente vencido, da declaração incidental da nuli-
dade da cláusula contratual geral realizada na acção inibitória.
Neste ponto, há uma diferença entre o regime geral da acção popular e o regi-
me especial da acção inibitória do uso ou recomendação de cláusulas contra-
111
Das Acções Colectivas em Portugal

tuais gerais. Na verdade, a solução estabelecida para esta acção inibitória apre-
senta a seguinte diferença em relação ao regime respeitante à eficácia do caso
julgado da decisão proferida na acção popular: enquanto, no regime geral da
acção popular, o demandado pode opor a um novo demandante a excepção
de caso julgado e pode, portanto, obstar a uma nova apreciação do mérito da
acção (excepto se a decisão absolutória se fundamentou num non liquet: artº
19.º, n.º 1, da Lei n.º 83/95), no regime previsto para a acção inibitória do uso
ou recomendação de cláusulas contratuais gerais o demandado nunca pode
opor essa excepção de caso julgado a nenhum novo demandante.
Segundo o regime definido no art. 19.º, n.º 1, da Lei n.º 83/95 para o âmbi-
to subjectivo do caso julgado na acção popular, o que é definido no plano abs-
tracto (ou seja, independentemente de qualquer caso concreto) vale igual-
mente no plano concreto. É isto que justifica que, sempre que a improcedên-
cia dessa acção não resulte de uma situação de non liquet, o caso julgado nela
formado seja oponível em qualquer acção individual proposta por qualquer
interessado que não se tenha auto-excluído (cfr. art.ºs 15.º, n.º 1, e 1.º, n.º 1,
da Lei n.º 83/95). Pelo contrário, na acção inibitória do uso ou recomendação
de uma cláusula contratual geral, o que é definido no plano abstracto não vale
no plano concreto, pois que a circunstância de, na acção inibitória proposta, a
cláusula contratual geral não ter sido declarada contrária à boa fé não signifi-
ca que, no caso concreto, ela não possa ser considerada abusiva.
Isto também demonstra que a restrição à eficácia erga omnes do caso julgado
decorrente da insuficiência de prova como fundamento da decisão absolutória
constante do art. 19.º, n.º 1, da Lei n.º 83/95 não é transponível para a acção
inibitória do uso ou recomendação de uma cláusula contratual geral. Como
ficou demonstrado, não é apenas quando a anterior acção inibitória terminou
com a absolvição do pedido com base numa situação de non liquet que o
demandado não pode opor a excepção de caso julgado: ele também não o
pode fazer quando a acção inibitória improcedeu por qualquer outro motivo.”

Lebre de Freitas71 opina em termos próximos do de Ada Pellegrini Grinover.


Daí que importe uma aclaração que ante as dificuldades postuladas pela
experiência ponha cobro às dúvidas subsistentes e à variabilidade interpretativa.
Para que as acções colectivas reflictam o sumo interesse da massa de consu-
midores perante as agressões de que padece o estatuto de cada um e todos neste
congenho. E ante a caracterização dos interesses e direitos em presença.

71
A acção popular no direito português, in Sub Júdice, 2003, n.º 24, págs. 20 e 21. Do mesmo passo, o Código, no seu artigo 822,
conferia legitimidade aos eleitores ou contribuintes para recorrer das deliberações havidas por ilegais: “A qualquer eleitor, ou con-
tribuinte do Estado, no gozo dos seus direitos civis ou políticos, é permitido recorrer das deliberações que tenha por ilegais, tomadas
pelos corpos administrativos das circunscrições em que se ache recenseado, ou por onde seja colectado e, pelas demais entidades referi-
das nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 820 com jurisdição da mesma área.”

112
Das Acções Colectivas em Portugal

3.3.2 Concluindo,

• Revela-se perturbante o que neste particular avulta ante a inconsistência, a


variabilidade e as omissões no que tange à eficácia do caso julgado nas diferen-
tes modalidades das acções colectivas.
• Há que definir de modo unívoco – para se obviar às consequências do pân-
tano interpretativo o regime da eficácia do caso julgado.
• Afigura-se preferível que se cinda a disciplina, considerando-se soluções dis-
tintas consoante a natureza de interesses ou direitos em causa.
• Daí que:
– A decisão passada em julgado haja eficácia erga omnes, excepto se o
pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas em tal hipó-
tese a parte dotada de legitimidade poderá intentar uma acção com idên-
tico fundamento socorrendo-se de novos meios probatórios
– Se se tratar de interesses ou direitos individuais homogéneos, se o pedi-
do improceder, os interessados poderão propor acção singular, a título
meramente individual
– Se, porém, de interesses ou direitos difusos ou colectivos se tratar, a efi-
cácia do caso julgado não prejudica as acções de indemnização pelos
danos pessoalmente sofridos susceptíveis de se instaurar a título singular ou
como de interesses individuais homogéneos.
– Se o pedido, porém, proceder, as vítimas de danos disporão de título
para execução para pagamento de quantia certa.
– Se a acção improceder, com base nas provas produzidas, qualquer inte-
ressado poderá intentar outra acção, com idêntico fundamento, no lapso
de três anos contados do conhecimento geral da descoberta de prova nova
superveniente, insusceptível de produção nos autos, contanto que idónea
para mudar o seu resultado.

113
Das Acções Colectivas em Portugal

III PARTE
DA EXPERIÊNCIA PORTUGUESA

CAPÍTULO I
A DIMENSÃO SOCIAL, CULTURAL E ECONÓMICA
DAS ACÇÕES COLECTIVAS

1. ANTECEDENTES

A acção popular ancora na actio popularis romana.


Na actio popularis se outorga a um qualquer cives, em circunstâncias deter-
minadas, legitimatio ad causam e legitimatio ad processum em ordem à tutela de
interesses públicos.
A actio popularis – colimada com a salvaguarda e o restabelecimento da lega-
lidade e da moralidade públicas – é um instrumento de participação popular na
res publica.
A actio popularis preponderou no direito penal, mas não se excluía, pelo con-
trário, no plano cível: a actio pro libertate e a actio pro tutela foram largamente
adoptadas.
No direito medieval perdeu a relevância e com o regime feudal operou-se a
sua extinção.
No direito moderno, surge, primeiro, no Reino Unido e, mais tarde, na Europa
Continental na Bélgica, em 30 de Março de 1936, e em França, em 18 de Julho
de 1937, em domínios como o do direito eleitoral, o da administração pública e
o da assistência social.
A acção popular, qual modalidade com distinta configuração, surge com a
consagração da democracia popular: e aí avulta a actio popularis correctiva ten-
dente a sindicar a legalidade dos actos emanados das administrações públicas.
Em Portugal, o instituto da acção popular figurava no direito penal, e a acção
penal supletiva no particular ao direito público: a reacção contra quem se apos-
sasse de caminhos e servidões. Mais tarde, no Código Administrativo de 1940, a
consagração da figura – quer na vertente supletiva quer na correctiva – ocorreu
naturalmente72.
A Constituição da República Portuguesa, na sua versão original, em 1976,
consagrava no n.º 2 do seu artigo 49: ”O exercício do direito do sufrágio é pes-
soal e constitui um dever cívico”.
Aquando da primeira revisão, em 1982, o texto manteve-se incólume, con-
quanto se deslocasse para o n.º 2 do artigo 52.

114
Das Acções Colectivas em Portugal

Nos n.os 3 dos artigos 66 e 78, porém, consagra-se o direito de acção popu-
lar em matérias específicas – ambiente e património cultural.
E aí se reconhece a todos o direito de promover, nos termos da lei a prevenção
ou cessação de factores de degradação do ambiente e do património cultural.
O artigo 33, porém, consagra um específico direito de acção popular penal.
A revisão de 1989, concentrou em um só dispositivo – o n.º 3 do artigo 52 –
as previsões que de forma esparsa refulgiam dos n.ºs 3 dos artigos 66 e 78.
Aí se consagrou: “É conferido a todos, pessoalmente ou através de associaçõ-
es de defesa de interesses em causa, o direito de acção popular nos casos e ter-
mos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a
correspondente indemnização, nomeadamente para:
a) Promover a prevenção, a cessação e a perseguição judicial das infracções
contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e a
preservação do ambiente e do património cultural;
b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autar-
quias.”

A Lei 83/95, de 31 de Agosto, regulamentou, pois, o n.º 3 do artigo 52 da


Constituição da República Portuguesa.
A acção inibitória, originalmente consagrada na Lei das Condições Gerais dos
Contratos de 25 de 25 de Outubro de 1985, é expressão de um direito de acção
que em concreto é susceptível de operar no específico domínio das condições
gerais dos contratos.
À acção inibitória especial se seguiu, mais de uma década após, a acção
inibitória geral consagrada na LDC de 31 de Julho de 1996, cuja regulamen-
tação se preteriu indefinidamente. Sem que até ao momento tal viesse a ocorrer.

2. A DIMENSÃO POLÍTICA, EM SENTIDO PRÓPRIO

O direito de acção colectiva, seja qual for a vertente perspectivada, é instru-


mento essencial da democracia.
E, ao que se afirma, de uma das expressões da democracia que se volve em
• Democracia representativa
• Democracia participativa

A democracia é, em termos singelos, o governo do povo pelo povo.


A democracia assume-se em distintas dimensões: a social, a cultural, a eco-
nómica e a política.
A democracia [política] volve-se no exercício pelo povo do poder político.
O poder político “stricto sensu” assenta em postulados de representação, na
perspectiva de um exercício por outrem para tanto legitimado nas urnas, em
115
Das Acções Colectivas em Portugal

sufrágio universal: a democracia representativa ou indirecta como que preenche,


aos olhos do vulgo, o segmento político do direito de “democracia”.
De par, porém, com o conceito de democracia representativa ou indirecta, em
que a soberania popular se afirma, afinal, através do voto, um outro avulta com
particular insistência – o de democracia participativa.
Portugal é uma república soberana, baseada na dignidade da pessoa huma-
na e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre,
justa e solidária.
A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na
soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráti-
ca e no respeito e a garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamen-
tais que tem por objectivo a realização da democracia económica, social e cul-
tural e o aprofundamento da democracia participativa.
A acção popular tradicional reflecte - de modo decisivo – o pendor eminente-
mente participativo do instituto.
Conquanto um tal carácter se não ache ausente da “acção popular” de mas-
sas, como o pretende Colaço Antunes73, o concreto direito de acção por tal via
conferido aos populares e às estruturas associativas e fundacionais assume dis-
tinta configuração porque não se trata de uma interferência directa na gestão da
res publica.
De qualquer forma a natureza pluridimensional dos direitos – e a legitimatio
ad causam que aos particulares se outorga e bem assim às associações e funda-
ções, bem como o direito procedimental – constitui como que uma distinta dimen-
são do que a tais entes se reconhece como emanação de um direito materializá-
vel, na vertente de uma prestação jurisdicional, mediante intervenção dos órgãos
de judicatura accionados em ordem a proferir uma diktat acerca da espécie de
facto controvertida que releva de interesses ou direitos colectivos lato sensu.
É patente, pois, a dimensão política das acções do estilo. Mas não é menos
relevante a dimensão social que se lhe assaca, na esteira de análogo valor que
a ideia de democracia postula.
A concepção que intercorre é, a tal propósito, a de uma participação social
no que assume particular relevância pela solidariedade gerada por intervenções
do estilo em que o elemento de doação, de generosidade avulta por contraposi-
ção ao individualismo e ao egoísmo das condutas interesseiras.
A intervenção em homenagem aos relevantes interesses sociais imbricados na
saúde pública, no ambiente, na qualidade de vida, no domínio público, na massa
de interesses e direitos trans-subjectivos dos cidadãos na sua condição de consu-
midores, louva-se na forma desinteressada como cidadãos e instituições se
movem e agem.
72
“Para uma tutela jurisdicional dos interesses difusos”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LX, 1984,
pág. 192

116
Das Acções Colectivas em Portugal

E tal dimensão deve ser incensada ante a dissolução dos magnos interesses
da comunidade e a alienação reinante materializável e mensurável pelos níveis de
abstenção nos actos eleitorais e no abandono da res publica, em desvirtuamen-
to do próprio sufrágio e de uma efectiva representatividade.

3. A DIMENSÃO CULTURAL

Perspectiva-se uma tal vertente em dois planos distintos.


No âmbito cultural em particular, ao visualizar-se a intervenção em ordem à
preservação do património histórico, monumental e cultural é a hipótese de a
cada um e a todos se facultar o acesso a bens do estilo, para além de se atribu-
írem responsabilidades paralelas, elevando os níveis de culto do povo por quan-
to constitui património comum, exacerbando sensibilidades e concorrendo para
que o que importa à comunidade toque profundamente cada um dos seus mem-
bros, na dominialidade que em todos radica.
No que toca a um outro plano – o da intervenção cívica propriamente dita -
relevam a educação cívica e a quintessencialização da participação74 em domí-
nios de exaltação pátria e de identidade telúrica, espiritual, de legado dos ances-
trais que importa transmitir incólume aos vindouros.
E a sensibilidade que transluz do gesto de intervenção de molde a preservar o
património histórico-cultural – e que o ímpeto de agir e o interesse que nele se
coenvolve pressupõe – é, na realidade, o leit-motiv tecido de uma acurada con-
vivência social e cívica, de generosidade tocante e de louvável desinteresse que,
mediante intuitos do estilo, haverão de estimular-se.
O segmento e a dimensão cultural da democracia cumpre-se destarte.

4. DIMENSÃO ECONÓMICA

O impacte económico da acção colectiva – nas suas modelações – é mani-


festo.
Para além da salvaguarda dos interesses económicos do consumidor, na plu-
rifacetada actividade do mercado de consumo, é mister destacar os recorrentes
equilíbrios de que se reclama a concorrência inter pares.
São patentes os desvirtuamentos que se registam e inquinam o próprio mer-
cado na medida em que a actuação de agentes menos escrupulosos tende a pro-
porcionar-lhes vantagens ilícitas em detrimento dos consumidores e de seus
pares.

74
A Lei 13/85, de 6 de Julho, estabelece emblematicamente que “qualquer cidadão no uso dos seus direitos civis, bem como qualquer
associação de defesa do património legalmente constituída tem., nos casos e termos definidos na lei, o direito de acção popular em defe-
sa do património cultural”.

117
Das Acções Colectivas em Portugal

O fenómeno opera, por um lado, situações de enriquecimento sem causa com


o consequente empobrecimento dos consumidores individual e colectivamente
considerados. E, por outro, gera concorrência desleal, agravando, afinal, o patri-
mónio das empresas que cumprem escrupulosamente as regras.
A massa de interesses ofendidos – tal como o anteprojecto do Código esta-
belece - é plúrima: a saúde e a segurança dos cidadãos – consumidores, a qua-
lidade, eficácia e segurança de produtos e serviços, o acesso a produtos e servi-
ços essenciais de interesse geral em condições de equanimidade e rigor, a adop-
ção de práticas comerciais assentes na lealdade e na confiança, a tutela da posi-
ção jurídica do consumidor ante os contratos de fornecimento de produtos e ser-
viços e as garantias conexas, ante os contratos ao domicílio e equiparados, e
ainda os contratos celebrados à distância quer de produtos e serviços em geral
quer de serviços financeiros, e ainda os dos serviços da sociedade da informação,
em particular o comércio electrónico, o crédito ao consumo, os contratos turísti-
cos e de férias, os dos direitos de habitação periódica, os serviços de radiodifu-
são áudio e audiovisual, o acesso aos serviços da administração da justiça, os da
licitude das condições gerais dos contratos e o mais que cabe, afinal, nesta exten-
sa malha de direitos.
Daí que o impacte económico das acções colectivas – se bem fundadas e
oportunamente deduzidas – se reflicta, a um duplo título:
• na bolsa dos consumidores
• e em uma efectiva e salutar concorrência

As indemnizações (os punitive damages) que se vierem a arbitrar pelas actua-


ções ínvias das empresas repercutir-se-ão favoravelmente no mercado porque
afastarão as más empresas e propiciarão às boas uma presença sólida no mer-
cado. Para que o impunidade não se torne, afinal, no mais pernicioso dos ele-
mentos, premiando quem prevarica e punindo quem cumpre.
Os punitive damages terão de prever-se, a fim de constituírem o antídoto efi-
caz para as situações de afronta ao ordenamento – aos direitos do consumidor e
à concorrência desleal que grassa no mercado.
No geral, como, no particular, no domínio das relações jurídicas de massa
veiculadas por contratos de adesão formados à luz de condições gerais dos con-
tratos predispostos em qualquer dos suportes admissíveis.
A dimensão económica das acções colectivas longe de ser algo desprezível,
representa uma das valências mais importantes do conceito de democracia eco-
nómica na superação das entorses havidas no mercado.

118
Das Acções Colectivas em Portugal

CAPÍTULO II
O ESTADO DA QUESTÃO

1. ACÇÃO INIBITÓRIA EM GERAL

O molde definido pela LDC, no seu artigo 10.º, à míngua de regulamenta-


ção, não tem sido adoptado como instrumento para a consecução da tutela de
interesses e direitos atingidos ou susceptíveis de lesão.
Na sua genérica conformação, a acção inibitória visa prevenir, corrigir e fazer
cessar comportamentos que atentem contra a saúde e a bolsa do consumidor.75
Conquanto a acção inibitória, como molde geral em que se vaza o meio pro-
cessual por excelência para a tutela dos interesses e direitos do consumidor, surja
só com carácter genérico, com a LDC em 31 de Julho de 1996, cerca de um ano
após a publicação da LAP, o facto é que restrito foi o recurso à acção popular
pelas associações de consumidores.
Como de forma episódica se recorreu à acção inibitória em geral após a
vigência da LDC.
Mesmo em acções avulsas propostas pela DECO-Associação Portuguesa para
a Defesa do Consumidor, o molde adoptado era o da acção de declaração sob
a forma ordinária, como é o caso da que proposta fora, em 1998, contra a Palme
- Companhia Internacional de Comercialização e Promoção de cartões, SA, a
propósito da insuficiência de prazo para o exercício do direito de arrependimen-
to ou desistência. E sobre que recaiu a sentença de condenação da Câmara de
Lisboa de 21 de Novembro de 2000.
Daí que a experiência neste particular seja praticamente inexistente.
Por um lado, entende-se que a acção inibitória em geral carece de regula-
mentação, razão por que não é viável se recorra a um modelo falho.
Por outro, há quem entenda que a acção inibitória em geral é uma modali-
dade de acção popular (o que de todo se rejeita) e, por conseguinte, há que lan-
çar mão das regras processuais que enformem aquele peculiar tipo de acção.

75
No Anteprojecto do denominado Código do Consumidor a formulação adoptada é mais ampla. Aí – no artigo 558 – se refere expres-
samente: “mediante decisão judicial pode ser determinada a proibição, a correcção ou a cessação de comportamentos capazes de lesar
os direitos reconhecidos pelo presente Código, designadamente quando estejam em causa:
a) A saúde ou a segurança das pessoas;
b) Práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores;
c) Contratos ao domicílio e equiparados;
d) Crédito ao consumo;
e) Exercício de actividades de radiodifusão televisiva;
f) Viagens, férias e circuitos organizados;
g) Publicidade dos medicamentos para uso humano;
h) Contratos de aquisição de direitos de habitação periódica;
i) Contratos celebrados à distância;
j)Contratos de compra e venda de bens de consumo e garantias a eles relativos;
l) Comercialização à distância de serviços financeiros;
m) Prestação de serviços da sociedade da informação, em especial do comércio electrónico;
n) O uso ou a recomendação de cláusulas contratuais gerais que contrariem o disposto nos artigos…”

119
Das Acções Colectivas em Portugal

A APDC – Associação Portuguesa de Direito do Consumo - requereu inusita-


das vezes ao Ministério da Justiça que se regulamentasse a acção. Em vão.
Ponto é saber, porém, se – uma vez regulamentada - se adoptaria o meio para
prevenir, corrigir ou fazer cessar práticas lesivas do estatuto do consumidor.
Há notícia da acção inibitória em domínios como os da qualidade de vida,
que o tribunal considerou inapropriado.
Nem sequer se discutiu se havia ou não défice de regulamentação.
E como a acção fora proposta contra o Estado, a jurisdição civil (que releva
da ordem judicial) considerou-se inidónea perante a jurisdição administrativa a
que cabia o conhecimento do objecto da pretensão.
A acção inibitória, se regulamentada, terá virtualidades para a consecução
dos objectivos que nela se encerram. A saber, para prevenir, corrigir ou sustar
acções e ou omissões que contendam com o estatuto do consumidor em domí-
nios como os da:
– saúde ou segurança das pessoas
– métodos negociais desleais
– uso ou recomendações de condições gerais ínsitas nas listas negras ou cin-
zentas e que afrontem a cláusula geral da boa-fé
– contratos ao domicílio ou equiparados
– contratos à distância em geral de serviços financeiros, em particular
– crédito ao consumo
– exercício de actividades de radiodifusão, áudio e audiovisual
– contratos de aquisição de direitos de habitação periódica
– contratos de financiamento de produtos e serviços e das garantias a eles
inerentes
– segurança de géneros alimentícios
– serviços da sociedade da informação
– serviços de interesse geral
– serviços de interesse económico geral
– contratos de viagem sob medida e pré-definidas (organizadas)
– e os mais domínios que se imbricam no vasto campo do consumo e do mer-
cado.

Para tanto, é indispensável que se articulem convenientemente as regras, tanto


no que tange às acções singulares que, pelas suas características, exorbitem do
âmbito das disposições genéricas das leis processuais, como no que se refere ao
processo colectivo subjacente às acções colectivas ou de grupo, que há que
recortar convenientemente.
Aliás, os consumidores, detêm legitimidade, os prejudicados, como os que o
não hajam sido (artigo 13 de LDC), para instaurar acções do teor destas. Como
de acções populares.
120
Das Acções Colectivas em Portugal

Registe-se que no quadro dos interesses individuais homogéneos, já depois de


consolidada a doutrina do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça na acção que
opôs a ACOP – Associação de Consumidores de Portugal - à PT – Comunicações,
SA – o Tribunal da Relação do Porto, por aresto de 3 de Março de 2004, definiu
o ditame que segue: “Invocando um grupo de autores o incumprimento parcial e
defeituoso de um contrato de viagem que celebraram com uma agência e via-
gens e pedindo a condenação numa indemnização para cada um, a forma pro-
cessual a ter em conta não é a acção popular [nem a inibitória], mas antes uma
acção comum.”
Ponto é saber se no conceito dos interesses individuais homogéneos
cabem ou não os interesses em discussão.
E o facto é que, a despeito do número, afigura-se-nos que, com efeito,
cabem.
Mas as dificuldades, a que acresce a resistência a submeter os feitos à judi-
catura, mercê da morosidade dos pleitos, afastam os injustiçados da justiça, com
o que se não favorece a paz social, antes se instiga à litigiosidade e a um cres-
cente mal-estar.
As razões profundas de um tal alheamento explaná-las-emos nos passos sub-
sequentes.

2. ACÇÃO INIBITÓRIA EM ESPECIAL

Domínio de eleição das cláusulas abusivas, a LCGC introduziu inovações no


que tange à legitimidade processual activa.
Enquanto a LDC de 1981 cometia, no n.º 1 do seu artigo 10.º, legitimatio ad
causam tão só ao Ministério Público, a LCGC atribuiu legitimidade, na versão ori-
ginal do artigo 25.º,
a) às associações de consumidores;
b) às associações de interesses económicos e às associações sindicais;
c) e ao Ministério Público76.

De 22 de Fevereiro de 1986 – data em que entrou em vigor a LCGC – não é


notável o impulso processual no que tange ao ajuizamento de acções inibitórias
em ordem à supressão de condições gerais dos contratos proibidas porque em
colisão quer com as listas negras, quer com as listas cinzentas da lei, quer ainda
por virtude da preclusão do princípio da boa-fé, enquanto cláusula geral, como
a denominaram os germânicos.
O número de acções inibitórias instauradas é relativamente escasso se se afe-
rir pelo número de formulários em circulação pejados de cláusulas abusivas.

76
O artigo, após o refazimento do diploma em 31 de Agosto de 1995, pelo DL 220/95.

121
Das Acções Colectivas em Portugal

Relevante a intervenção do Ministério Público, cuja legitimidade foi, neste par-


ticular, ab origine reconhecido, ao invés do que ocorre na acção popular, em que
falece, em princípio, uma tal prerrogativa à magistratura de que se trata77.
O Ministério Público dirige as suas baterias fundamentalmente contra:
• instituições de crédito e sociedades financeiras
• empresas seguradoras
• sociedades de locação financeira
• sociedades financeiras de aquisição a crédito.

Particular referência a um aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Abril


de 1999 (relator Lopes Pinto) que confirma as decisões tanto da Comarca de
Oeiras como da Relação de Lisboa no que tange à denominada cláusula
“Kodak” que em caso de perda, extravio ou destruição - dos filmes sujeitos a reve-
lação – enjeita qualquer responsabilidade própria.78
A intervenção do Ministério Público – mercê de flutuações nos ritmos opera-
cionais que se impõe – não é regular.
De qualquer sorte, é a entidade que maior esforço desenvolveu neste particular.

77
Com efeito, a LAP, no seu artigo 16, estabelece que o Ministério Público representa o Estado quando for parte na causa, os ausentes,
os menores e demais incapazes (quer sejam demandantes quer demandados9. O Ministério Público poderá representar ainda outras
pessoas colectivas públicas quando tal for autorizado por lei. Porém no âmbito das suas missões enquanto garante da legalidade, o
Ministério Público poderá, querendo substituir-se ao demandante em caso de desistência da lide bem como de transacção ou de com-
portamentos lesivos dos interesses em causa.
78
No aresto se estabelece: “1. Em causa apenas a validade da cláusula Kodak.
A apreciação desta cláusula e a sua inserção nos sacos de revelação terá de ser feita, como se pede, em abstracto e não casuistica-
mente, isto é, terá de ser apreciada ex ante, sem esperar que o direito seja concretamente exercido por “cada cliente”.
Quando alguém se apresenta para ser revelado um filme ou um rolo, estabelece com a Kodak um contrato através do qual deposita a
película e solicita da Ré a prestação de um serviço (a revelação) contra um preço.
Ao depositar a película no saco para transporte e identificação encontra-se incerta aquela cláusula, cuja validade é questionada.
Quer o extravio quer o estragar da película – causas que escapam totalmente ao controlo do “cliente” e estão apenas no domínio do con-
traente “mais forte” - dão causa a um prejuízo que a kodak deve ressarcir, princípio eu na cláusula é aceite pela Ré (no estragar deve-se
considerar englobado o cumprimento defeituoso, pois que aquela causa abrange quer o estragar de todo ou de parte da película).
A qualificação desse prejuízo (que antes deverá ser qualificado) não é uniforme e variará consoante cada caso (aqui entramos no domí-
nio do ónus de alegar e da prova).
A Ré pretende através dessa cláusula, limitar (exclusivamente) o montante indemnizatório (substituição por igual metragem de película
virgem), o que, se num grande número de casos não ferirá quer o equilíbrio contratual, quer um critério de proporcionalidade, noutros
será manifestamente desproporcionado e desfavorecendo quem, contratando os serviços, depositou a película (a parte “mais fraca” do
contrato).
De salientar neste diálogo de “mais forte” e o “mais fraco”, ainda um outro aspecto muito importante – o princípio da protecção da con-
fiança que, no caso concreto de uma empresa como a Kodak ou da mesma dimensão, adquire um especial relevo.
O “cliente” recorre a uma empresa que, pela sua posição e créditos firmados ao longo do tempo e no mercado quer nacional, quer
internacional, é larga e preferencialmente solicitada para este tipo de contratos.
2. A Ré, perante o “cliente” – o consumidor -, surge numa posição dominante, sem prejuízo do mesmo poder recorrer a uma outra empre-
sa, esta também normalmente gozando ou de idêntica posição em relação àquele ou funcionando como sua representante ou mesmo
como auxiliar, como intermediária.
A Ré é a parte “mais forte” e a cláusula em questão é imposta (em termos de adesão) a quem quiser recorrer aos seus serviços – a alter-
nativa que lhe resta é não aderir.
Discutida durante bastantes anos a validade de certas cláusulas em contratos de adesão ou afins 8afins, pelo menos, na parte em que
as incluem) e adoptadas várias soluções procurando salvaguardar a parte “mais fraca” (v.g., a proibição de letra miúda

122
Das Acções Colectivas em Portugal

Das acções inibitórias cujas decisões subiram, em via de recurso ao Supremo


Tribunal de Justiça, realce para o que figura no quadro infra:

Normas
Data Demandante Demandado Objecto
Violadas (LCGD)

Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça

A nulidade de 7
cláusulas de
contrato tipo
20 Junho 1995 MP CGD Artigo 21 al. e)
de adesão de
utilização de
cartão Multibanco
Artigos 21 f) e g) -
Banco Fonsecas
17 Junho 1999 MP 22 nº 1 b)
e Burnay, SA

Cartão caixa
23 Novembro Artigo 22 nº1 b)
MP CGD automática
1999
Multibanco
- Inutilidade
superveniente da
lide porque retirou
no decurso da
10 Maio 2001 MP Seguradora
acção dos con-
tratos celebrados
e a celebrar
as cláusulas

12 Julho 2001 Legitimidade MP Banco

Cartão ELECTRON Artigos do 21 l)


11 Outubro 2001 MP Banco BES
22 nº 1 b) - 19 d)

Direito de Artigos 22 nº 1 b)
26 Junho 2003 MP Seguradora
resolução - 19 C) -20

11 Outubro 2005 MP Seguradora Artigo 22 nº 1 b)

Artigos 18 c)
19 Setembro 2006 MP Empresa de ALD
e 21 f)

Artigos 32 nº 1
Aplicação de e 33 nº 1
Banco Pinto &
17 Maio 2007 DECO sanção pecuniária - utilização
Sotto Mayor
compulsória de cláusulas já
proibidas

123
Das Acções Colectivas em Portugal

Em geral, mercê do regime próprio da acção inibitória os acórdãos das


Relações não põem termo aos autos, já que deles cabe revista para o Supremo
Tribunal de Justiça.
De todo o modo e a título exemplificativo, refira-se o rol de arestos em que
se decretou a supressão e a não recomendação de cláusulas abusivas no qua-
dro da contratação de massa e a que apuseram a sua chancela os tribunais de
apelação:

Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa


Normas
Data Demandante Demandado Objecto
Violadas (LCGD)

Decidido no
Supremo em 20.de
Junho de 1995
16 Junho 1994 MP CGD
- 1º da lista
- confirmada a
decisão no Supremo

Confirmada a
decisão
5 Abril 2001 MP BES
no Supremo em 11
Outubro 2001

Previdente Artigos 16 - 22 nº1


27 Fevereiro 2003 MP Companhia b) - 19 c)
de Seguros - 280 CC

Sanção pecuniária
compulsória
- confirmada a
Banco Pinto
26 Setembro 2006 DECO decisão
& Sotto Mayor
no Supremo
acórdão
17 Maio 2007

Endemol Artigos 18 a), b),


8 Maio 2007 MP Contrato l) e e) - 21 - 22 nº 1
Big Brother b) e c)

Acórdãos da Relação do Porto


Artigos 19 g) - 18
14 Janeiro 2003 DECO Empresa de DRHP e) e 11 nº 2 a)
da LC

28 Setembro 2004 MP Banco Artigo 21 g)

124
Das Acções Colectivas em Portugal

3. O MOLDE DA ACÇÃO POPULAR

Da acção civil pública lançou mão, ainda em 1990 a ACOP – Associação de


Consumidores de Portugal, em momento em que se debatia a questão de saber
se a norma do n.º 3 do artigo 52 da Constituição da República, era meramente
programática ou se revestia plena exequibilidade.
Na altura, em vigor se achava a Lei 29/81, de 21 de Agosto, que previa no
n.º 3 do seu artigo 10.º, a acção civil pública.
A legitimidade ad causam outorgava-a a LDC em exclusivo do Ministério
Público.79
A acção civil pública, como molde processual, imprestável, de resto, por
jamais haver sido brandido, passou a categoria de objecto de museu ante a
vigência da LDC de 1996 que, em substituição, criou a figura da acção inibitó-
ria em geral por contraposição à que a LCGC consagrara em 25 de Outubro
de 1985, restrita às cláusulas abusivas e com a legitimatio ad causam reconhe-
cida – no âmbito das relações jurídicas do consumo – às associações de consu-
midores e, em geral, ao Ministério Público.
A acção popular instaurada pela ACOP – Associação de Consumidores de
Portugal -, em 1993, em ordem à supressão de práticas comerciais desleais de
que se socorriam as empresas que comercializavam o time-sharing, foi liminar-
mente indeferida por se entender que a ausência de regulamentação tornaria
impróprio o meio.

AS ACÇÕES POPULARES

As instituições de consumidores lançaram mão da acção popular em casos


contados, tanto quanto é lícito inferir dos dados disponíveis nas bases consultadas.
A acção primeira moveu-a a ACOP – Associação de Consumidores de
Portugal -, na data em que a LAP entrou em vigor, contra a PT - Comunicações,
SA, pela pretensa cobrança de 13 mensalidades em um ano (1994) mercê de um
processo de deslizamento da facturação que atingira 1/3 dos seus 4 milhões de
clientes.
79
A Lei 29/81 de 22 de Agosto, estabelecia no n.º 3 do seu artigo 10.º: “ O Ministério Público tem intervenção principal nas acções
cíveis tendentes à tutela dos direitos dos consumidores.” e, numa amálgama de cláusulas, o emprego de cor diferente, de sinal de
destaque, a obrigatoriedade da informação prévia, a nulidade da cláusula, etc.) Em Portugal, rege o Decreto-lei n.º 446/85, de 25 de
Outubro, nomeadamente, para o caso sub judice, o disposto nos seus artigos 18, alíneas c) e d), 21, alínea f), e 22 alínea c), isto sem
prejuízo de se observar que não se estabeleceu um numerus cláusus de proibições, mas se enumerou a título exemplificativo (“desig-
nadamente”), ou seja, que, na apreciação não se deverá perder de vista os princípios que informaram o seu estabelecimento, a ratio da
proibição a eventual violação desses princípios. Está-se no domínio das cláusulas contratuais gerais (convenções limitativas e exoner-
atórias da responsabilidade contratual tendo preferentemente em atenção a especificidade de certo tipo de contratos) e não simples-
mente no da responsabilidade contratual (cláusulas de irresponsabilidade contratual – vd. art.º 809 do CC). 3. Um contraente normal,
ao ler uma cláusula como a questionada, entenderá que, por ela, a Kodak se desonera, se liberta – praticamente dum modo total – da
sua obrigação de indemnizar, caso extravie ou estrague a película que foi depositada e a si confiada para revelar, ou seja, que a Kodak
aceita o depósito e presta o serviço, mas elimina praticamente o risco da prestação e as desvantagens pecuniárias que daquelas duas
causas possam resultar para o “cliente”.

125
Das Acções Colectivas em Portugal

A taxa de assinatura simples montava, ao tempo, em 1850$00 (cerca de


9,25€ na moeda ora com curso legal), o que prefazia num universo de mais de
1 milhão e trezentos mil consumidores uma soma interessante.
O juiz indeferiu liminarmente a petição inicial por entender que os interesses
individuais homogéneos não cabiam no âmbito da LAP, e que os pedidos genéri-
cos não se inscreviam na previsão do artigo 471 do Código do Processo Civil80
Dela agravou a ACOP – Associação de Consumidores de Portugal – para o
Supremo Tribunal de Justiça, carreando sólidos argumentos em favor da tese pro-
pugnada e formulando as conclusões que segue:
• Os interesses dos consumidores do serviço fixo do telefone inscrevem-se no
âmbito de aplicação de aplicação da Lei 83/95, de 31 de Agosto (a protec-
ção dos direitos plasmados na carta do consumidor).
• No caso sub judice presente se acha um congraçamento de interesses indi-
viduais homogéneos.
• Interesses individuais homogéneos são os que se objectivam em bens intei-
ramente divisíveis e aptos a suportar posições de domínio exclusivo que, ade-
mais, se polarizam em um aglomerado identificado de titulares paralelamen-
te justapostos.
• Mercê da origem comum de que promanam e das comuns questões de
direito e de facto que se suscitam (corporizados, no caso, no ilícito contratual
que à agravada vai imputado no petitório inicial) os interesses individuais
homogéneos, de par com os difusos e os colectivos, acham-se incluídos no
domínio da aplicabilidade da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto.
• Desterrar os interesses individuais homogéneos do âmbito de aplicabilidade
da LAP deriva – só pode derivar - de uma interpretação do artigo 1 da Lei
85/93, que dele retire um significado normativo contrário aos imperativos dos
artigos 52 n.º 3 e 60 n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

A PT – Comunicações, SA – insistira em que os interesses individuais homo-


géneos se não achavam abrangidos pela LAP e que a “forma processual” não
seria a da acção popular…

80
O Código Administrativo (DL 31095, de 31 de Dezembro de 1940), no seu artigo 369 rezava: “Qualquer contribuinte, no gozo dos
seus direitos civis e políticos, pode intentar, em nome e no interesse das autarquias locais em que tiver domicílio há mais de dois anos,
as acções judiciais necessárias para manter, reivindicar ou reaver bens e direitos do corpo administrativo que hajam sido usurpados ou
de qualquer modo lesados. 1. As acções referidas neste artigo só podem ser intentadas quando o corpo administrativo as não tiver pro-
posto nos três meses posteriores à entrega de uma ex+posição circunstanciada acerca do direito que se pretende fazer valer e dos meios
probatórios de que dispõe para o tornar efectivo. 2. Os que obtiverem vencimento, no todo ou em parte, nas acções de que trata este
artigo terão direito ao reembolso das quantias que houvessem gasto com o pleito, até 2/3 do valor real dos bens ou direitos mantidos
ou readquiridos.”

126
Das Acções Colectivas em Portugal

O Supremo Tribunal de Justiça – em decisão percursora e de rigor técnico


insuperável -, no acórdão em que figurou como relator o conselheiro Miranda
Gusmão, após os considerandos de que arrancou, decretou:
• O artigo 1 da Lei 83/95, de 31 de Agosto, abarca não só os “interesses
difusos” mas também os “interesses individuais homogéneos”.
• O direito de reparação dos danos do consumidor por incumprimento de
contrato inclui-se na categoria dos “interesses individuais homogéneos”.

“Face a tais conclusões, em conjugação com os pedidos formulados…, pode-


rá precisar-se que:
1. O autor tem legitimidade para propor a presente acção popular dado a
mesma ter por objecto o pedido de indemnização dos assinantes de contratos
do serviço telefónico público por violação do mesmo por parte da contrapar-
te – a Ré PT -. Comunicações, SA.
2. O acórdão recorrido não poderá manter-se dado ter inobservado o afir-
mado [no número precedente].

E concedeu provimento ao recurso. Em assinalável vitória para a instituição de


que se trata.

A DECO – Associação Portuguesa para a defesa do Consumidor – intentara,


porém, com fundamento análogo, em momento anterior ao da promulgação da
LAP, uma acção popular.
À decisão derrogatória da primeira instância81 seguiu-se o recurso de agravo
para a Relação de Lisboa, de improcedência do aventado meio de impugnação.82

81
“(…) A mencionada acção popular e o seu inerente direito, só é reconhecida nos casos e nos termos previstos na lei (ordinária que
não na Constituição da República Portuguesa). Ou seja o direito de acção popular não é dos tais direitos directamente aplicáveis, pois
como a própria Constituição Portuguesa estatui, ela só existe se, e na medida em que, a lei ordinária a regulamentar”. (…) No elenco
dos direitos das associações de consumidores não consta o de, em nome dos consumidores em geral, propor acções de natureza civil,
de cariz indemnizatório ou outro. (…) Não foi intenção do legislador atribuir às associações de consumidores em geral o direito de inten-
tar acções civis tendentes à tutela de interesses colectivos dos consumidores, senão tê-lo-ia dito expressamente em alguma das referidas
alíneas (do artigo 13 da Lei 29/81. (…)” 82 “- Os interesses eventualmente violados pela R. são de natureza colectiva e não são, por isso
mesmo, interesses difusos; - Logo, não cabe à A. a defesa de eventuais violações a tais direitos; - A acção popular visa a defesa de inter-
esses difusos; - Acresce que é duvidoso que as acções populares possam ser dirigidas aos Tribunais, atento o princípio da independên-
cia, consagrado na Lei Fundamental (cf. art.º 206 e 208); - Assim sendo, a A. Ér parte ilegítima na presente acção (apenas pode inter-
vir como assistente em acção que o MP venha a intentar – aliás, é legítimo concluir que tal veio a acontecer face ao teor da certidão
requerida a fls 27); - O despacho recorrido não violou disposição legal, nomeadamente os art.ºs 10.º, n.º 3 e 13, al. h) da Lei n.º 29/81,
de 22 de Agosto, nem os art.ºs 52 e 60 da Lei Fundamental. Improcedem, destarte, todas as conclusões da agravante.”

127
Das Acções Colectivas em Portugal

A ausência de domínio da temática em apreciação, redundou em algo de


denegatório dos controvertidos interesses em presença.
O Supremo Tribunal de Justiça, porém, por acórdão de 17 de Fevereiro de
1998 (vigorava já a LDC de 31 de Julho de 1996) inflecte a posição das instân-
cias e revoga a decisão da Relação de Lisboa:
“Por conseguinte, à luz do preceituado na Lei 24/96, a Relação não podia ter
negado o provimento ao9 agravo da Autora, mas antes revogada a decisão
recorrida, por aquela ser parte legítima, como resulta claramente do que fora
alegado na petição (vide artigo 26 n.º 3 do CPC)”.

A excepção da litispendência (havia a acção instaurada pela ACOP –


Associação de Consumidores de Portugal – com os mesmos pedidos e causa de
pedir) não foi suscitada, ao que se julga saber.
O facto é que as acções populares terão deixado de ser brandidas pelas asso-
ciações, antes e tão-só as acções inibitórias introduzidas em 31 de Julho com
carácter generalizante.
Mal se detectam concretas espécies de facto que se hajam encaixado em
acções inibitórias, a não ser no quadro da qualidade de vida, situações em que
os tribunais rechaçavam.
A DECO – Associação Portuguesa para a defesa do Consumidor – instaurou,
pois em 15 de Janeiro de 1998 uma acção inibitória contra o ICP, e a PT, SA. Mas
na mesma data instaurou também contra a PT, SA, acção popular declarativa de
condenação. Que redundou em condenação da empresa pública de telecomuni-
cações.

Da decisão proferida em primeira instância foi interposta apelação pela PT,


SA, que improcedeu: acórdão da Relação de Lisboa de 14 de Novembro de
2002.
Do acórdão interpôs a concessionária de serviço público de telecomunicaçõ-
es recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

O acórdão proferido foi paradigmático (conquanto se discuta se a jurisdição


cível seria a idónea para dirimir o litígio, já que a convenção de preços entre o
instituto regulador, a administração pública e a concessionária relegaria a dis-
cussão para a jurisdição administrativa, na dualidade de ordens que o ordena-
mento português conhece e em que se estrutura).
E o Supremo Tribunal de Justiça denegou razão à concessionária, logrando a
associação de consumidores obter ganho de causa.

Eis o teor do acórdão de 7 de Outubro de 2003 do Supremo Tribunal:


”I - A fixação de preços no serviço público do telefone fixo tem que obedecer
128
Das Acções Colectivas em Portugal

aos limites legais estabelecidos no DL n.º 207/92, de 02-10, no DL n.º 240/97,


de 18-09, na Lei n.º 23/96, de 26-07 e no DL n.º 40/95, de 15-02.
II - Este regime legal visa a defesa dos interesses dos consumidores, que são,
neste caso, todas as pessoas individuais ou colectivas a quem é prestado pela Ré
(a Portugal Telecom) o serviço público de telefone fixo, em regime de concessão
exclusiva.
III - Um dos instrumentos para se obter a protecção eficaz dos consumidores é
a Convenção de Preços, a celebrar obrigatoriamente de 3 em 3 anos, envolven-
do o Estado, o Instituto das Comunicações de Portugal e a Portugal Telecom.
IV - No que se refere aos preços, a Convenção deve obediência a três princí-
pios fundamentais fixados nos diplomas referidos em I: orientação para os custos,
não discriminação e transparência.
V - A Convenção de Preços para o triénio 1998/2000 define três diferentes
preços: o impulso, a taxa de assinatura e a taxa de instalação.
VI - A taxa de activação é ilegal porque não está prevista na Convenção e por-
que não integra a unidade de medida da comunicação telefónica ali definida.
VII - Com efeito, mediante a taxa de activação o preço da chamada telefónica,
em vez de ser medido pelo impulso, passa a conter dois elementos: um elemento
fixo, que é a activação da chamada, e um elemento variável, que é o impulso.
VIII - O pedido de restituição aos clientes das importâncias cobradas a título de
taxa de activação é processualmente admissível e viável do ponto de vista do direi-
to substantivo, no quadro duma acção popular, intentada com base na Lei n.º
83/95, de 31 de Agosto.
IX - Tal pedido apresenta-se como a consequência inerente à declaração da ile-
galidade da taxa de activação, constituindo um seu efeito condenatório.
X - A sua procedência não se funda no disposto no art.º 22, n.º 2, da Lei
n.º 83/95, porque a indemnização prevista neste normativo só tem lugar quando
os interesses violados são interesses difusos propriamente ditos e não, como suce-
de no caso presente, interesses individuais homogéneos, ou seja, interesses
de titulares, se não identificados, pelo menos perfeitamente identificáveis: os assi-
nantes do serviço fixo de telefone que, no período considerado, pagaram a taxa
de activação.
XI - No art.º 22, da Lei n.º 83/95 estabelece-se um regime cumulativo de res-
ponsabilidade civil subjectiva, que permite aos lesados obter, verificados os res-
pectivos pressupostos, uma indemnização, mas não impede a concretização de
outras formas de tutela dos seus direitos, considerando a natureza específica das
relações de consumo.”

A transacção ocorrida ulteriormente veio a tornar exequível a condenação e


constitui um marco neste particular.
Mas não mais se lançou mão do molde da acção popular.
129
Das Acções Colectivas em Portugal

Uma outra acção popular intentou a apDC – Associação Portuguesa de Direito


do Consumo –, em Março de 1999, de molde a assacar responsabilidades ao
Estado e às seguradoras mercê dos prejuízos que acarretou para os segurados a
vigência de uma lei cujo escopo era o do ressarcimento integral dos prejuízos em
caso de sinistro, no âmbito do seguro da responsabilidade civil por danos próprios.
Porém, com o agravamento dos prémios e o valor venal deslizante, os segu-
rados ou os beneficiários dos seguros contra danos próprios em lugar de serem
justamente ressarcidos saíram prejudicados, avantajando-se as seguradoras que
ampliaram assim os seus réditos.
O tribunal em que a acção fora proposta julgou, porém, no saneador a ilegi-
timidade processual da instituição por não “ter nos seus objectivos tutela dos
direitos em causa”.
Decisão meramente processual que a instituição não impugnou por manifes-
ta ausência de meios, tendo sido condenada em custas.

São patentes as dificuldades das instituições que se socorrem da acção popu-


lar, já que – em caso de decaimento na acção83 – estão sujeitas a custas que orça-
rão entre metade e um décimo do que seria, por direitas contas, devido a final.
A DECO-Associação Portuguêsa para a Defesa do Consumidor, em 1999,
propôs uma acção popular contra a PT com base em parcela estabelecida no
tarifário e considerada atentatória dos direitos do consumidor, correspondente a
uma taxa de activação.
Como o tarifário havia sido estabelecido pelo Estado, havia na circunstância,
ante a configuração da acção, inidoneidade absoluta da jurisdição cível por se tra-
tar de domínio de direito administrativo cabível na jurisdição administrativa e fiscal.
As instâncias e o Supremo jamais suscitaram a inidoneidade da jurisdição. E
a acção prosseguiu em via recursal, até ao Supremo Tribunal de Justiça.
A PT - Comunicações SA, foi condenada no pedido.
E a solução lograda foi a de, em transacção, após prolação da decisão, se
concederem durante um sem número de meses, nos finais de semana, chamadas
gratuitas aos assinantes.
Mas ter-se-ão esgotado as acções populares.
Que, de resto, têm uma aplicação certeira em hipóteses recobertas por dis-
tintos domínios, a saber:
• ambiente
• património cultural
• domínio público

Aí o número de manifestações é assaz considerável.

83
E o decaimento pode resultar de deficiente entendimento dos tribunais, a despeito das vias de recurso que se abrem…

130
Das Acções Colectivas em Portugal

CAPÍTULO III
A CONFLITUALIDADE SUBSISTENTE E
O VALIMENTO DOS MEIOS PROCESSUAIS AO ALCANCE
DOS CONSUMIDORES E SUAS INSTITUIÇÕES

A despeito da dispersão dos meios – e da sua atipicidade – e das indefini-


ções patenteadas, parece lícito asseverar-se que a prestabilidade da acção colec-
tiva portuguesa é manifesta.
Problema distinto seria o de saber se à ausência ou à deficiente regulamenta-
ção se poderia assacar a responsabilidade por uma intervenção tocada como que
por uma acentuada anemia.
Já houve quem afirmasse84 que o “acesso à justiça e os correspondentes ins-
trumentos processuais deverão ser importantes mais pela sua potencialidade de
uso, pela sua virtualidade, do que do que pela sua efectiva utilização.
Só a existência de mecanismos processuais mais eficazes e mais ajustados à
natureza dos conflitos a serem solvidos deverá fazer com que, juntamente com o
conjunto de medidas acima enunciadas, a nova mentalidade tão almejada seja
efectivamente uma realidade, fazendo com que, ao invés do paternalismo do
Estado, tenhamos uma sociedade civil mais bem estruturada, mais consciente e
mais participativa, enfim, uma sociedade em que os mecanismos informais e
inoficiais de solução dos conflitos de interesses mais actuantes e eficazes que os
meios formais e oficiais”.85
Se a perspectiva expendida for a mais ajustada, poder-nos-emos, ao menos,
louvar no sistema pátrio, ainda que toldado pelas suas inconsequências e imper-
feições, porque oferece os meios para que os consumidores façam valer os inte-
resses e direitos supra-individuais, meta-individuais e transindividuais objecto de
lesão ou ameaça de lesão.
Mas é facto que não nos poderemos bastar com virtualidades. Há que mobili-
zar consumidores e instituições para que assumam em suas próprias mãos o seu
destino e actuem os mecanismos ao seu alcance para que se restabeleçam os equi-
líbrios no mercado e se acentue o respeito que o seu estatuto de todo merece.
E, na verdade, quer a acção popular, com os desacertos que possa conter e
noutro passo se sublinham, quer a acção inibitória, à mingua de regulamenta-
ção, quer ainda a acção inibitória especial aí estão a atestar a abertura do orde-
namento a uma problemática que assume particular relevância na sociedade de
massas em que nos movemos.
As fragilidades da sociedade civil como as surpreendemos, e uma quebra na
operacionalidade do Ministério Público neste particular, de 2001 até ao presen-

84
Kazuo Watanabe, in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor
85
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, 5.ª edição, Forense Universitária, Biblioteca Jurídica, São Paulo, 1998, pág. 611.

131
Das Acções Colectivas em Portugal

te, ante a configuração do seu modelo de intervenção, quer como garante da


legalidade, quer como instituição votada à defesa da sociedade, não invalidam
a pertinência dos meios, que carecem afinal, de afinação regradora.
Não se trata de sufragar um perfeccionismo na lei que leve a que a factuali-
dade contra si se revele.
Antes de compatibilizar os meios, definir o seu âmbito de intervenção, dotar
de regras que tornem ajustadas as diligências processuais às situações fácticas
que se destinam a operacionalizar, precisar a eficácia do caso julgado, eliminar
as possibilidade da chicana processual, atribui ao Ministério Público poderes mais
dilatados para evitar o entorpecimento da justiça e as delongas do procedimen-
to, como a susceptibilidade de firmar “termos de ajustamento de conduta”, à
semelhança do que ocorre noutros ordenamentos para que a celeridade, a efi-
cácia e a eficiência se instalem.
Reservar a acção popular para os demais domínios e confirmar a acção inibi-
tória ao extenso âmbito das relações de consumo, com as especialidades postu-
ladas por domínios determinados, se for o caso, como é patentemente o domínio
restrito das cláusulas e das práticas abusivas.
Há que reconhecer que - a não haver meios ideais – há, contudo, meios sus-
ceptíveis de aperfeiçoamento. E que importa corrigir, rectificar, onde uma mera
observação factual o imponha, por um lado, e, por outro adaptar os mecanismos
às necessidades em função da experiência dos operadores judiciários que se
debatem quotidianamente com os problemas emergentes da menor linearidade
do sistema.

É elementar, sobretudo quando se enveredar pela via da revisão dos regimes,


através das pistas que se oferecem nas páginas subsequente.
E há que proporcionar os meios às instituições que relevam da sociedade civil
para que uma cuidada (que não exacerbada) intervenção se opere em homena-
gem ao interesse social.

132
Das Acções Colectivas em Portugal

CAPÍTULO IV
RAZÕES PARA A INOPERÂNCIA DOS MEIOS PROCESSUAIS

1. EXPLICAÇÕES POSSÍVEIS PARA O NÃO-RECURSO ÀS ACÇÕES


COLECTIVAS NO DOMÍNIO DO DIREITO DO CONSUMO

• A Lei da Acção popular entrou em vigor em 29 de Outubro de 1995


• A Lei de Defesa do Consumidor foi publicada em 31 de Agosto de 1996 e
nela se consagrou a acção inibitória em geral.
• A despeito de a DECO - Associação Portuguesa para a Defesa do
Consumidor haver instaurado uma acção popular em 1995, antes ainda da
publicação da LAP, e nela ter decaído com base na não outorga de legitimi-
dade pela LDC de 1981, o facto é que em circunstâncias análogas também
a ACOP-Associação de Consumidores de Portugal não logrou atingir os seus
objectivos em 1993, por razões similares.
• No que toca à generalidade das associações, a carência de meios para o
efeito é inibidora da propositura de acções do jaez destas, a despeito da
ausência de preparos, mas há que realçar que, em caso de improcedência
estarem sujeitas a custas que podem orçar metade e um décimo das devidas
a final, o que pode constituir manifesta ausência de estímulo para convenien-
te e oportuna intervenção.
• No que toca aos consumidores individuais, outro tanto se observa, já que a
constituição obrigatória de patrocínio judiciário obrigará a dispêndios que não
estarão ao alcance de qualquer bolsa e a generosidade espontânea está em
crise, particularmente em uma sociedade tocada por índices de pobreza ele-
vados e com um salário médio que orça os 630 euros, como o revelam os
indicadores financeiros.
• As acções inibitórias em geral, pelo que revelam as estatísticas, só episodi-
camente se adoptam.
• As acções inibitórias em especial, no particular das cláusulas abusivas, regis-
taram um surto considerável, como as propostas pela DECO - Associação
Portuguesa para a Defesa do Consumidor -, verificando-se um notável decrés-
cimo após haver cessado a sua colaboração à instituição em que sempre mili-
tou.
• O Instituto do Consumidor que pugnou pela outorga da legitimatio ad cau-
sam – que veio a consagrar-se na alínea c) do artigo 13 da LCD – jamais usou
da prerrogativa para propor as acções que as circunstâncias poderiam even-
tualmente reclamar.
• O Ministério Público com parcimónia, embora, desencadeou um sem-
número de acções, circunscritas, porém, às Condições Gerais dos Contratos.
• O Ministério Público no uso de atribuições e competências que se lhe outor-
133
Das Acções Colectivas em Portugal

garam no âmbito dos interesses colectivos lato sensu, publicara até 2001 o
denominado “Boletim de Interesses Difusos” que circulava pelas suas estrutu-
ras orgânicas.
• Relativo desinteresse conduziu à sua suspensão em Abril de 2001. Recente
decisão, porém, permite entrever que se retome a iniciativa, abandonando-se
o modelo assente em suporte físico – papel – para se confinar ao digital: é o
que consta, aliás, do sítio da Procuradoria-Geral da República
(www.pgr.pt/interessesdifusos).
• A carência de meios das instituições de consumidores, - na admissão de
juristas com formação específica e enquanto experimentados profissionais do
foro – é também responsável pela relativa inacção verificada.

134
Das Acções Colectivas em Portugal

IV PARTE
De Jure Condendo

CAPÍTULO I
Unidade ou pluralidade tipológica das acções

1. GENERALIDADES

De entre os meios facultados aos consumidores e às instituições que os rea-


grupam em ordem à tutela dos direitos transindividuais que se lhes outorgam,
realce, por ordem cronológica de consagração normativa, para:
• a acção colectiva no particular das cláusulas abusivas apostas em formulá-
rios pré-redigidos e em demais suportes pré-elaborados
• a acção popular cujo escopo serve domínios distintos como os da qualida-
de de vida, saúde, direitos do consumidor, ambiente, património cultural e
domínio público
• a acção inibitória em geral cujo regime se acha plasmado na LDC e se des-
tina a prevenir, corrigir ou fazer cessar práticas lesivas dos direitos dos consu-
midores consignados em distintos instrumentos que, nomeadamente:
– atentem contra a sua saúde e segurança física
– se traduzam no uso de condições gerais dos contratos proibidas
– consistam em práticas comerciais expressamente proibidas por lei.

A indemnização a que houver lugar e bem assim a sanção pecuniária com-


pulsória86 astreinte são cumuláveis.
A acção inibitória prevista na Lei n.º 25/2004, de 8 de Julho, cuja dimensão
é distinta da que se definiu intra muros.
Os objectivos que nela se compendiam exprimem-se como segue:
• A definição de um molde processual para tutela dos interesses dos consu-
midores no Mercado Interno

86
O Código Civil português prescreve no seu artigo 829-A: "1. Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo,
salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o
devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais
conveniente às circunstâncias do caso. 2. A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de
razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar. 3. O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em parte
iguais, ao credor e ao Estado. 4. Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são
automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais
acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar." Em aplicação de um tal dis-
positivo, o artigo 33 do DL 446/85, de 25 de Outubro estabelece: "1- Se o demandado, vencido na acção inibitória infringir a
obrigação de se abster de utilizar ou de recomendar cláusulas contratuais gerais que foram objecto de proibição definitiva por decisão
transitada em julgado, incorre numa sanção pecuniária compulsória que não pode ultrapassar o dobro do valor da alçada da Relação
por cada infracção. 2- A sanção prevista no número anterior é aplicada pelo tribunal que apreciar a causa em 1.ª instância, a requeri-
mento de quem possa prevalecer-se da decisão proferida, devendo facultar-se ao infractor a oportunidade de ser previamente ouvido.
3- O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao requerente e ao Estado."

135
Das Acções Colectivas em Portugal

• A redefinição de prática lesiva dos direitos dos consumidores, já que no


conceito se inclui qualquer prática contrária a tais direitos, designadamente as
que contrariem as legislações dos Estados-membros da União Europeia
• O enquadramento de práticas que afectem interesses localizados noutro
Estado-membro, ainda que com origem em Portugal
• O estabelecimento de regras instrumentais para que o exercício transnacio-
nal do direito de acção possa ocorrer sem obstáculos de qualquer espécie.

Conquanto a acção inibitória – como molde genérico consignado na LDC haja


surgido, em termos cronológicos, ulteriormente ao figurino adoptado na LCGC
(1985), o facto é que as especificidades de regime que se lhe reconhecem a con-
tradistinguem da modalidade em geral recortada na Lei n.º 24/96, de 31 de
Julho de 1996.
A acção inibitória, no particular das condições gerais proibidas (absoluta ou
relativamente) visa, de harmonia com o corpo do n.º 1 do artigo 26 do DL
446/85, de 25 de Outubro87, “obter a condenação na abstenção do uso ou da
recomendação de cláusulas contratuais”.
A análise dos meios processuais para a tutela de interesses e direitos de
expressão trans-subjectiva, transindividual ou meta-individual permite asseverar
que para situações factuais estruturalmente as mesmas, há distintos figurinos, sus-
ceptíveis de perturbar o são entendimento das coisas.

87
Com as alterações:
- Declaração de Rectificação n.º 114-B/95, de 31 de Agosto.
- Decretos-Lei n.° 220/95, de 31 de Agosto
- Decretos-Lei n.° 249/99, de 7 de Julho.
- A outorga de legitimidade processual activa deve ter-se por alargada face ao que prescreve o artigo 13.° da Lei n.° 24/96,
de 31 de Julho, devendo para tanto considerar-se como titulares da acção inibitória:
- os consumidores directamente lesados;
- os consumidores, ainda que não lesados, nos termos da Lei n.° 83/95, de 31 de Agosto;
- o Instituto do Consumidor.
- Decretos-Lei n.° 323/2001, de 17 de Dezembro.

136
Das Acções Colectivas em Portugal

CAPÍTULO II
Propostas de solução

1. POR UM CÓDIGO DE PROCESSO DE CONSUMO?

Um sem-número de hipóteses se perspectiva em ordem à inserção das dispo-


sições adjectivas da acção colectiva no quadro da tutela de interesses e direitos
do consumidor:
- ou se reconduz em capítulo à parte ao Código de Processo Civil, disciplina
que, em princípio, exorbitará do seu escopo tendencialmente egoístico88
- ou se mantém em disposições avulsas, como ora sucede, em particular na
LDC e na LCGC, com as especificidades pertinentes
- ou se edita um Código de Processo Colectivo, como ora se pretende no
Brasil, com a autonomia própria e a remissão, se for caso disso, para as
regras susceptíveis de aplicação subsidiária do Código de Processo vocacio-
nado para as acções singulares.

A primeira solução seria a desejável no quadro de uma unidade sistemática


do direito adjectivo.
Assiste-se, porém, já a uma fragmentação – no âmbito do direito privado – a
saber, a existência em paralelo com o Código de Processo Civil de um Código de
Processo de Trabalho.
Nada obsta a que se edite – ante as especificidades cabíveis – um Código de
Processo de Consumo, com regras apropriadas tanto para as acções singulares,
na geometria conceitual reclamada, como para as acções de grupo ou colecti-
vas, seja qual for a natureza dos direitos lesados ou ameaçados de lesão.
Afigura-se-nos que a solução mais apropriada, de molde a pôr cobro à dis-
persão a que ora se assiste, será a de se elaborar um Código de Processo de
Consumo.
Se, porém, se não pretender enveredar por essa via, é de sublinhar que a pre-
paração e ulterior aprovação de um Código de Processos Colectivos, se tem
como algo de imperativo.
Ademais, é marcante nesta matéria o exemplo do Código modelo para a
América Latina.
Como medida-padrão, como modelo de referência. Tanto mais que o perfil
dos que nele participaram é – em termos científicos - insuperável.

88
Na realidade, a reforma intercalar de 1996, ao lado do conceito de legitimidade singular, aditou o artigo 26-A consagrando uma
regra de legitimidade para as acções e procedimentos cautelares de natureza transindividual para da r cobertura desde logo à disci-
plina da acção popular e das acções inibitórias, entretanto trazidas a lume, respectivamente em 1995, 1986 e 1996.

137
Das Acções Colectivas em Portugal

De forma singela, menciona-se a necessidade


– De eliminar a hipótese da dispersão normativa.
– De admitir a concentração da disciplina em um só texto.
– Na hipótese precedente, curial seria se fundisse a disciplina da acção colec-
tiva no Código de Processo Civil ou, se tal se revelar inviável, de imediato
– De que se criasse de raiz um Código de Processo Colectivo, susceptível de
reagrupar tanto a acção popular como o outro meio processual cujo empre-
go se limitaria à tutela dos direitos meta-individuais do consumidor.

Essa será, a nosso ver, a solução mais adequada, de molde a obviar à profu-
são normativa e à dispersão da disciplina do próprio direito processual.

2. VIAS PRECONIZÁVEIS NO PLANO INTERNO

2.1. Forma de Processo

As acções devem seguir uniformemente a forma sumária, porque mais expe-


dita, tal como ora sucede com a acção inibitória nas modalidades de que se
reveste.

2.2. Valor

O valor deve ser o excedente à alçada da Relação mais um cêntimo de molde


a garantir-se aos pleiteantes que esgotem as vias recursais disponíveis no orde-
namento jurídico-processual.

2.3. Legitimidade processual activa

Conferir-se a legitimidade na acção popular e na inibitória em geral aos cida-


dãos que desfrutem do pleno gozo dos seus direitos.
No que tange à acção inibitória em especial – no domínio das condições
gerais dos contratos a legitimatio causam deve restringir-se às associações, fun-
dações e entidades públicas com tradições neste particular. Não já aos consumi-
dores prejudicados.

2.4. Litispendência

As acções colectivas deverão ser inscritas em um registo nacional por forma a


detectarem-se situações do estilo.

138
Das Acções Colectivas em Portugal

2.5. Caso julgado

A sentença constituirá caso julgado erga omnes “secundum eventum litis”


(excepto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipó-
tese em que um qualquer legitimado poderá intentar outra acção com idêntico
fundamento e nova prova).
– Em matéria de interesses ou direitos eventuais homogéneos – e em caso de impro-
cedência do pedido – os interessados poderão propor acção a título individual.
– Tratando-se de interesses ou direitos difusos ou colectivos, os efeitos do caso
julgado não prejudicarão as acções de indemnização por danos pessoalmen-
te sofridos: se o pedido proceder as vítimas e seus sucessores prevalecer-se-
ão do caso julgado.
– Em caso de decisão improcedente, qualquer legitimado deverá poder pro-
por outra acção, com idêntico fundamento, no lapso de 2 (dois) anos conta-
dos do conhecimento geral da descoberta de prova nova superveniente, desde
que idónea para mudar o resultado.

2.6. Tribunais competentes

Em lugar de se tratar, como ora sucede no quadro das cláusulas abusivas, de


propor as acções no tribunal do lugar da sede da empresa, dever-se-á privilegiar,
no caso das pessoas singulares, ou das associações de consumidores do tribunal
do domicílio ou da sede do demandante.
Os tribunais deverão ser de natureza colegial ou de competência especializa-
da, provendo-se os órgãos de judicatura em função da formação dos julgadores.

2.7.Termo de ajustamento de conduta

O Ministério Público e os demais órgãos públicos dotados de legitimidade


poderão tomar dos interessados “compromisso de ajustamento de conduta”, que
terá a natureza jurídica de transacção, com homologação judicial para valer
como título executivo judicial.
No termo de ajustamento se poderá fixar uma astreinte, vale dizer, uma san-
ção pecuniária compulsória em caso de incumprimento.

2.8. Custas processuais

No que tange a ponto tão sensível, importa consagrar, em matéria de acção


colectiva em sentido lato (acção popular e acções inibitórias) uma isenção sub-
jectiva de custas para os demandantes.
Com ressalva óbvia da litigância de má-fé, como noutro passo se aludiu.
139
Das Acções Colectivas em Portugal

2.9. Fundo de direitos colectivos “lato sensu”

Será constituído um fundo com capacidade de gerir os montantes para lá


carreados em resultado da actividade processual desenvolvida pelos distintos par-
ticipes.

3. DE LEGE FERENDA

3.1 CONDIÇÕES GERAIS DOS CONTRATOS

Reconhece-se que as disposições substantivas da LCGC servem os interesses


em presença.
Outrotanto se não entende no que às disposições processuais se refere.
Há que dotar o Ministério Público, à semelhança do que ocorre no Brasil, das
atribuições – no plano cível – consistentes em assumir a iniciativa de propor os
denominados “termos de ajustamento de conduta” sempre que a actuação dos
predisponentes seja ilícita e – de molde a evitar a instauração das acções judiciais
cabíveis, com as delongas que daí emergem – formar uma sorte de pacto, com-
prometendo-se os predisponentes a renunciar a tais práticas: os “termos de ajus-
tamento de conduta”, uma vez homologadas pelo magistrado judicial, ficam
tendo força de decisão judicial; transitada em julgado, tem o valor e a eficácia
da sentença.
O facto permitirá subtrair aos tribunais inúmeras espécies de facto que se pro-
traiem no tempo ante a susceptibilidade de recurso por lei admitida.
Ademais considerar a hipótese – sempre que se trate de condições gerais
substancialmente idênticas, ainda que emanadas de entidades outras, admitir
que, por requerimento apenso dos autos em que se declarou proibida uma dada
cláusula abusiva, seja – por mero despacho do juiz, salvaguardando o contradi-
tório - tornada extensiva a força do julgado à espécie de facto em presença.
Tornar mais aliciante a astreinte (a sanção pecuniária compulsória), em caso
de inobservância dos ditames da judicatura, cometendo-se ao demandante, que
o requeira, a globalidade dos montantes em que incorrer o demandado relapso.
A eficácia do caso julgado, em lugar de o ser ultra partes (aquele que seja
parte – com o demandado vencido – em contratos singulares vazados em formu-
lário objecto de condenação na abstenção no uso…, poderá requerer em seu
benefício, em acção de declaração de nulidade, a declaração incidental de nuli-
dade contida na decisão inibitória, que o seja “erga omnes” “secundum eventum
litis”.
Que se consagre a isenção de custas aproveitará só aos demandantes para
tanto legitimados, que não para os demandados que não para os demandados:
isenção subjectiva, não objectiva.
140
Das Acções Colectivas em Portugal

Que, em lugar do denominado inquérito administrativo, a cargo do Ministério


Público se instaure o modelo de um inquérito cível, expedito, com lugar ao
“audiatur et altera pars”, mas - reitera-se – a hipótese de consagração, em pleno,
do instituto ao “termo de ajustamento de conduta” susceptível de homologação
pelo juiz natural.
Que de molde a obviar a proliferação das demandas judiciais para aprecia-
ção das cláusulas abusivas apostas em formulários de adesão ou em outros
suportes admissíveis, se constitua uma Comissão Nacional das Cláusulas
Abusivas, de composição tripartidária, com o fito de um prévio controlo adminis-
trativo das condições gerais em circulação no mercado.
Da Comissão Nacional fariam parte, a convite da administração
– os sábios, os magistrados do Ministério Público e os técnicos – especialistas
dos quadros da administração pública, por um lado
– e, por outro, os representantes das actividades económicas (os profissionais)
– e, por outro ainda, os representantes dos consumidores.

Que se confira ao Registo Nacional das Cláusulas Abusivas o papel que,


como registo, lhe deve caber, que não o de uma mera e desarticulada base de
dados que não preenche deveras os objectivos que se lhe assinam “ab initio”.
Urge, pois, que o Registo Nacional seja visto, de molde a cumprir os desíg-
nios que se lhe assacam, cometendo-se a uma estrutura de fôlego: é convicção
que melhor quadraria se se colocasse na Procuradoria-Geral da República, aten-
to o que prescreve o artigo 20.º da LDC: “Incumbe também ao Ministério Público
a defesa dos consumidores no âmbito da presente lei e no quadro das respectivas
competências, intervindo em acções administrativas e cíveis tendentes à tutela dos
interesses individuais homogéneos, bem como de interesses colectivos ou difusos
dos consumidores”.
Ou então, como outros preferem (vide conferência do Procurador da
República, Dr. João Cardoso Alves, in I Congresso Internacional e III Nacional das
Condições Gerais dos Contratos / Cláusulas Abusivas, Porto) que se estabeleça
no seio da Direcção-Geral do Consumidor.
Que, sempre que – em qualquer fase processual ou até no preliminar inqué-
rito promovido a instâncias do Ministério Público – o predisponente demandado
afirmou ter abandonado ou pretender o clausulado em causa, nem assim a
acção, no quadro actual se torna desnecessária. Já que é da decisão inibitória
que os que celebraram já os contratos poderão instaurar as acções que lhes per-
mitirão a supressão das cláusulas apostas nos contratos singulares. (neste senti-
do, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Novembro de 2003 –
relator conselheiro Lucas Coelho –, de cujo sumário se extrai o seguinte: “IV. A
alteração introduzida motu proprio pela [demandada] seguradora na redacção
das cláusulas contratuais abusivas, de forma a expurgá-las dos vícios arguidos,
141
Das Acções Colectivas em Portugal

não determina a inutilidade superveniente da lide, posto que, conforme o artigo


32.º n.º 1 do Decreto-lei n.º 446/85, de 25 de Outubro – redacção Decreto-Lei
n.º 220/95, de 31 de Agosto - apenas da decisão inibitória com trânsito em jul-
gado resulta a tutela cautelar dos interesses a proteger”.

3.2. A acção popular

As entidades que prossigam marcantes fins de interesse público ou dotadas de


estatuto de utilidade pública devem ser isentas de custas sempre que, como
demandadas, decaiam na acção. Salvaguardados, é óbvio, os aspectos que radi-
quem na litigância de má-fé que as leis processuais previnem: litigante de má-fé
é o que, com dolo ou negligência grave, deduz pretensão ou oposição cuja falta
de fundamento não deveria ignorar; ou que altere a verdade dos factos ou omita
factos relevantes para a decisão da causa; ou que pratique omissão grave do
dever de cooperação; ou que entenda fazer do processo ou dos meios proces-
suais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo
ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou prote-
lar, sem fundamento sério o trânsito em julgado da decisão.”
A acção deverá seguir sempre a forma de processo sumário (por razões de
celeridade sem quebra de segurança e da eficiência dos meios processuais),
o’mas o valor deverá exceder o da alçada da Relação (30 000 euros) mais 1 cên-
timo, por forma a permitir se persiga a via recursal sem outros escolhos que não
sejam os antepostos pelo regime próprio dos meios de impugnação das decisõ-
es jurisdicionais.
Que não, como ora sucede, a hipótese de a acção seguir os termos gerais,
influenciada pelos critérios para a atribuição de um dado valor as causas.
Que no quadro da eficácia do caso julgado, se defina inequivocamente que
o seja “secundum eventum litis”.

4. DAS REFLEXÕES NO SEIO DA UNIÃO EUROPEIA

4.1. A lição do parecer de iniciativa do CESE

O bem elaborado parecer com a chancela de Jorge Pegado Liz, enaltece


sobretudo os aspectos fracturantes da class action e do que a Europa oferece, em
geral, na esfera própria de determinados Estados-membros.

142
Das Acções Colectivas em Portugal

A OPÇÃO FUNDAMENTAL: opt-in e/ou opt-out?

Opt-in e Test case


O sistema opt-in importa uma manifestação de vontade da pessoa de forma
a participar do processo: os interessados devem, pois, revelar-se e reunir-se
expressamente na acção antes de proferida a decisão.

Em paralelo, desenvolveram-se os mecanismos denominados “test cases”:


tais meios possuem fortes afinidades com as acções de grupo fundadas no “opt-
in”, já que tem de haver uma manifestação dos interessados para intervir, cum-
prindo-lhes instaurar acções singulares. As peculiaridades do mecanismo radicam
na circunstância de o julgador seleccionar um só dos pedidos individuais, despa-
chando-o: a decisão vertida no processo teste será eficaz para todos os mais
pedidos individuais entrados no tribunal.

Opt-out

A acção de grupo tradicional é baseada num sistema de opt-out que integra


por defeito todas as pessoas vítimas de um comportamento, à excepção das que
manifestarem expressamente a vontade de se auto-excluírem.
Determinados Estados europeus inspiraram-se neste mecanismo para tornear
um processo “sui generis” de acção de grupo.

Opt in e opt out, segundo o tipo de litígio

O sistema recentemente adoptado pela Dinamarca e pela Noruega estabelece


uma distinção entre os litígios de massa que são numerosos no domínio das relações
de consumo e em que os consumidores não propõem acções individuais onde o
mecanismo do “opted-out” permite se considerem efectivamente todos os interessa-
dos e uma sanção do fornecedor à dimensão do benefício ilícito, e os litígios em que
os prejuízos individuais são mais importantes, em que o sistema de opt-in obrigue
cada um dos consumidores a manifestar-se por forma a participar do processo, jus-
tificando-se uma tal manifestação de vontade pela reparação que poderá obter-se.

O PAPEL DO JULGADOR

1. Neste tipo peculiar de processos em que se envolvem múltiplos deman-


dantes, os poderes devolvidos ao juiz constituem questão de suma relevância.
2. Na maior parte dos mecanismos de opt-out, com efeito, a primeira fase do
processo é consagrada ao exame pelo juiz da admissibilidade da acção; nos
test case, a análise dos autos singulares tem análoga finalidade.
143
Das Acções Colectivas em Portugal

3. O interesse desta fase da admissibilidade é o de permitir sustar liminar-


mente as acções manifestamente infundadas ou fantasistas e que poderiam
atingir de maneira ilegítima a imagem da empresa, evitando que processos
abusivos ou desajustados prosperem.
4. O julgador é, afinal, o garante do sucesso da fase da admissibilidade.
Cabe-lhe verificar concretamente se se respeitam as condições para que a
acção seja admitida.
5. É nomeadamente o caso de:
– A efectiva existência de um litígio (é indispensável que o direito reclama-
do não tenha prescrito);
– Que a composição do grupo torne impraticável um processo conjunto
ou um processo com mandato;
– Que haja questões de facto ou de direito comuns aos membros do grupo
(até a causa petendi);
– que a acção proposta contra o fornecedor seja coerente em vista dos fac-
tos alegados (critério do fumus bonis iuris, da verosimilhança do direito);
– que o demandante esteja em condições de representar e de proteger de
modo adequado os interesses dos membros do grupo.
6. Em fase posterior, é de análogo modo importante que o juiz possa homo-
logar eventual proposta de transacção ou de a recusar se estimar que não
serve os interesses dos membros do grupo. Para tanto, deve ter um poder
superior ao da homologação das transacções que a lei lhe confere habitual-
mente na maior parte dos sistemas judiciários dos Estados-membros.
7. A particularidade do processo conduz igualmente a que se preveja moda-
lidades adaptadas de produção de provas. O juiz deve ter a possibilidade de
usar poderes de injunção ante o fornecedor ou terceiro por forma a obter
documentos ou o poder-dever de determinar diligências em ordem à consti-
tuição de novas provas. A legislação que institui a acção de grupo deve pre-
ver expressamente que ao juiz não seja lícito recusar-se a agir neste sentido
logo que os demandantes o requeiram.
8. A fim de permitir aos magistrados que assumam o melhor possível tais
poderes, parece necessário prever que só determinados tribunais, expressa-
mente designados, sejam competentes para dirimir as acções de grupo.
Tornar-se-ia, pois, indispensável adaptar as estruturas judiciais dos Estados-
membros, prevendo uma formação particular dos magistrados de tais jurisdi-
ções.

UMA REPARAÇÃO EFECTIVA DOS DANOS

1. A acção de grupo deve permitir pedir a reparação do prejuízo material


(financeiro), do prejuízo físico e assim como pretium doloris e de outros danos
144
Das Acções Colectivas em Portugal

morais. Sendo o objectivo da acção, a um tempo, a reparação dos consumi-


dores e a dissuasão, parece necessário prever uma indemnização que cubra
inteiramente os prejuízos. Deve ser de análogo modo possível pôr à disposi-
ção dos tribunais métodos de avaliação simples, pouco onerosos e transpa-
rentes sem que o princípio da reparação seja abandonado.
2. Os demandantes na acção de grupo devem poder obter igualmente do juiz
vários modos de reparação. Ao lado da cessação das condutas ou da nuli-
dade de um acto, sempre possível, a reparação dos prejuízos deve poder ser
directa ou indirecta. Para além disso, deve poder fazer-se acompanhar de
outras medidas de reparação como a publicidade da difusão, editais, carta-
zes, etc.
3. A reparação directa e individual não deve ser a única a ser perspectivada
porque em determinadas hipóteses tornar-se-á difícil, ou até impossível, reali-
zar, seja porque os membros do grupo não são identificáveis no quadro do
opt-out, seja porque são demasiado numerosos, seja ainda porque o mon-
tante do seu prejuízo individual é pouco expressivo. O essencial é que haja
sempre reparação dos prejuízos sofridos ainda que de modo indirecto e que
o efeito dissuasor se cumpra.
4. Deve criar-se mecanismos adequados nos casos em que o juiz pode calcu-
lar o montante de cada uma das reparações individuais para os membros
identificados ou identificáveis do grupo (opted-in, test case ou até opted-out
quando o profissional fornece a lista dos clientes a tal reportados, por exem-
plo), mas de análogo modo nos casos em que a distribuição individual se
revele excessivamente onerosa face ao exíguo montante do prejuízo individual.
5. Do mesmo passo se as somas não forem integralmente distribuídas, torna-
se indispensável privilegiar uma medida de reparação indirecta com o con-
junto do montante que constitui então um reliquat. Impõe-se que o juiz na
decisão pormenorize a acção financiada pelo reliquat e que faça cessar as
modalidades de controlo do seu cumprimento que pode ser delegado em um
terceiro.
6. Na hipótese em que a medida de reparação indirecta for impossível, a glo-
balidade do reliquat fixado pelo juiz deve reverter para um fundo de auxílio à
acção de grupo em ordem ao financiamento de novos processos.
7. Se o juiz não puder calcular o montante de cada uma das reparações indi-
viduais caso não seja possível identificar, na íntegra, os membros do grupo
(mecanismo de opt-out exclusivo), deverá dispor da possibilidade de estabele-
cer uma grelha de valoração das diferentes categorias de prejuízos. A distri-
buição de tais montantes pode ser delegada no secretário judicial, mas tam-
bém no advogado que represente o grupo, num terceiro (segurador, revisor
oficial de contas, etc.) com a vantagem de desonerar o tribunal de uma fase
complexa e morosa da apreciação dos pedidos individuais.
145
Das Acções Colectivas em Portugal

8. O juiz, na segunda hipótese, deve prever uma indemnização individual


para os membros do grupo que se derem a conhecer na sequência da publi-
cidade do julgamento e o reliquat deve ser afectado a acções susceptíveis de
reparar indirectamente o prejuízo sofrido pelo grupo.
9. Se não for possível uma qualquer medida indirecta, o reliquat deve reverter
para o fundo de auxílio.

4.2 O “brainstorming” de Lovaina

Do vigoroso debate de ideias travado na Universidade Católica de Lovaina,


importa realçar um sem-número de aspectos que merece reflexão:
Das conclusões que possível é extrair do “brainstorming” de Lovaina, avul-
tam – com desprezo pelos temores patenteados pelos representantes das activi-
dades económicas presentes, por irrelevantes e sem adesão à realidade circum-
envolvente – as que a seguir se enunciam:

A acção colectiva tem de ser perspectivada como mecanismo adequado a


garantir a massa de consumidores ante as bagatelas de consumo que constituem
globalmente violações de tomo aos equilíbrios do mercado.

Preconiza-se o aumento da capacidade das associações na tutela de interes-


ses e direitos dos consumidores em geral.

A eficácia do caso julgado “erga omnes”, de harmonia com as características


do pleito, fortalecerá a carta de direitos do consumidor

A mediação colectiva e bem assim a acção colectiva – a submeter à compo-


sição de interesses e ao julgamento no quadro dos meios alternativos de resolu-
ção de litígios - deverá ser instantemente equacionada

Intui-se a necessidade de distinção dos diferentes tipos de danos, incluindo


aqui os compensatórios, e necessidade de introdução do conceito de ressarci-
mento de danos punitivos que trará uma melhoria do comportamento na respon-
sabilidade dos agentes económicos, num temperamento dos mecanismos que
não consinta eventuais excessos.

A acção colectiva deverá ser promovida com fundamento nos interesses dos
consumidores e não na possível compensação que daí possa advir. Para tal, a
compensação resultante deveria ser canalizada de molde a promover os interes-
ses e a proteger os direitos dos consumidores em geral.

146
Das Acções Colectivas em Portugal

Os inconvenientes da acção colectiva, nos sistemas instituídos, são a onerosi-


dade e a morosidade dos procedimentos legais, o que conduz à ineficácia das
“pequenas causas” ou das denominadas “bagatelas” da relação de consumo.

Torna-se imperiosa a constituição de um Fundo como suporte às acções neste


domínio: nos países onde existem fundos para a propositura de acções colectivas,
o sistemas tem-se mostrado eficaz.

Deverão ser regulamentados os honorários dos advogados de molde a evitar


que as indemnizações arbitradas revertam a favor de quem haja assumido, em
tais acções, o patrocínio judiciário: a experiência revela que, em média, 40% de
tais montantes é absorvido pelos advogados.

O enunciado deverá constituir, em rigor, uma base adequada para as reflexões


que o tema suscitará doravante, não só no que tange à articulação e aperfei-
çoamento dos mecanismos nacionais, como no que se prende com o processo
de instauração de uma acção colectiva que sirva os interesses do Mercado
Interno, servindo obviamente os equilíbrios negociais e interesses e direitos dos
consumidores que não deverão ser espoliados do seu estatuto plasmado na obra
legislativa, regulamentar e administrativa da União Europeia.

4.3. A reflexão em Portugal: o “brainstorming” de Sintra

Das ideias expendidas ao longo do debate havido em Sintra neste mês de


Outubro de 2007 em torno da acção colectiva em Portugal, registem-se as suges-
tões seguintes:
1. As acções colectivas ter-se-ão de manter e aperfeiçoar no ordenamento
jurídico-processual português, já que se trata de instrumentos adequados à
consecução de objectivos eminentemente sociais cujo reforço se impõe: refe-
re-se tratar-se de uma alavanca da democracia participativa por contraposi-
ção à democracia representativa;
2. Que se mantenha a estrutura tripartida dos interesses ou direitos meta-indi-
viduais, dado o conteúdo definido de cada um deles: interesses individuais
homogéneos, interesses colectivos em sentido estrito e interesses difusos;
3. Que se mantenha a acção popular como meio de tutela da qualidade de
vida, do ambiente, da salvaguarda do património histórico e cultural e da
intangibilidade do domínio público, reservando-se a acção inibitória para a
tutela dos interesses e direitos dos consumidores no quadro do mercado do
consumo, com mas especialidades próprias da prevenção e repressão das
cláusulas abusivas ínsitas em quaisquer suportes pré-elaborados com vista à
celebração de contratos de adesão;
147
Das Acções Colectivas em Portugal

4. Que a acção, sem prejuízo das garantias da defesa, deve seguir uma forma
expedita, mantendo-se a susceptibilidade de recurso, esgotando-se as vias
jurisdicionais para o efeito;
5. Que se confira ao Ministério Público a possibilidade de firmar termos de
ajustamento de conduta, como modalidade transaccional susceptível de
homologação judicial para evitar o recurso sistemático a acções que possam
protrair-se no tempo por virtude do recurso sistemático aos meios impugnató-
rios, o que permitirá obviar a todos esses contratempos;
6. Que no quadro da acção inibitória especial, sempre que se trate de cláu-
sulas estruturalmente idênticas, há que prever-se um mecanismo que, de
forma simplificada, permita que através de um mero requerimento o juiz do
tribunal a quo estendendo os efeitos do caso julgado a situações estrutural-
mente idênticas;
7. Que a eficácia do caso julgado se afirme, em geral, secundum eventum litis
et secundum probationem;
8. Que se prevejam mecanismos de mediação colectiva, por forma a preve-
nir-se o recurso sistemático às vias jurisdicionais e lograr-se a composição
amigável dos interesses, se a tanto for possível;
9. Que a adopção de meios processuais que se socorram das acções colec-
tivas salvaguarda, no mercado, uma salutar concorrência e contribui para
equilíbrios que de outro modo dificilmente de atingiriam, se as entidades legi-
timadas fizerem uso – sempre que necessário – dos meios processuais ao seu
alcance;
10. Que se constitua um fundo de interesses e direitos colectivos em sentido
lato que, administrado com eficiência e competência, possa servir como
suporte ao desenvolvimento e às actividades de promoção dos interesses e
protecção dos direitos do consumidor

148
Das Acções Colectivas em Portugal

ANEXOS

CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA PORTUGUESA

VII REVISÃO CONSTITUCIONAL (2005)

Artigo 13.º
(Princípio da igualdade)
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou
isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, reli-
gião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou
orientação sexual.

Artigo 20.º
(Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva)
1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e inte-
resses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios
económicos.
2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judi-
ciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo
razoável e mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos proce-
dimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva
e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.

149
Das Acções Colectivas em Portugal

Artigo 52.º
(Direito de petição e direito de acção popular)
1. Todos os cidadãos têm o direito de apresentar, individual ou colectivamente, aos órgãos de
soberania, aos órgãos de governo próprio das regiões autónomas ou a quaisquer autoridades
petições, representações, reclamações ou queixas para defesa dos seus direitos, da
Constituição, das leis ou do interesse geral e, bem assim, o direito de serem informados, em
prazo razoável, sobre o resultado da respectiva apreciação.
2. A lei fixa as condições em que as petições apresentadas colectivamente à Assembleia da
República e às Assembleias Legislativas das regiões autónomas são apreciadas em reunião ple-
nária.
3. É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em
causa, o direito de acção popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de
requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para:
a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a
saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambien-
te e do património cultural;
b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais.
Alterado pela Lei Constitucional n.º 1/2004 de 24.07.

Artigo 60.º
(Direitos dos consumidores)
1. Os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à
informação, à protecção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como
à reparação de danos.
2. A publicidade é disciplinada por lei, sendo proibidas todas as formas de publicidade oculta,
indirecta ou dolosa.
3. As associações de consumidores e as cooperativas de consumo têm direito, nos termos da
lei, ao apoio do Estado e a ser ouvidas sobre as questões que digam respeito à defesa dos con-
sumidores, sendo-lhes reconhecida legitimidade processual para defesa dos seus associados ou
de interesses colectivos ou difusos.

150
Das Acções Colectivas em Portugal

LEI n.º 83/95,


de 31 de Agosto
Direito de participação procedimental e de acção popular

A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 52.º, n.º 3, 164.º, alínea d), e 169,
n.º 3, da Constituição, o seguinte:

CAPÍTULO I
Disposições gerais

Artigo 1.º
Âmbito da presente lei
1. A presente lei define os casos e termos em que são conferidos e podem ser exercidos o direi-
to de participação popular em procedimentos administrativos e o direito de acção popular para
a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções previstas no n.º 3 do artigo
52 da Constituição.
2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, são designadamente interesses protegidos pela
presente lei a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a protecção do consumo de bens
e serviços, o património cultural e o domínio público.

Artigo 2.º
Titularidade dos direitos de participação procedimental
e do direito de acção popular
1. São titulares do direito procedimental de participação popular e do direito de acção popular
quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações
defensoras dos interesses previstos no artigo anterior, independentemente de terem ou não inte-
resse directo na demanda.
2. São igualmente titulares dos direitos referidos no número anterior as autarquias locais em
relação aos interesses de que sejam titulares residentes na área respectiva circunscrição.

Artigo 3.º
Legitimidade activa das associações e fundações
Constituem requisitos da legitimidade activa das associações e fundações:
a) A personalidade jurídica;
b) O incluírem expressamente nas suas atribuições ou nos seus objectivos estatutários a
defesa e interesses em causa no tipo de acção de que trate;
c) Não exercerem qualquer tipo de actividade profissional concorrente com empresas ou
profissionais liberais.

151
Das Acções Colectivas em Portugal

CAPÍTULO II
Direito de participação popular

Artigo 4.º
Dever de prévia audiência na preparação de planos ou na localização
e realização de obras e investimentos públicos
1. A adopção de planos de desenvolvimento das actividades da Administração Pública, de pla-
nos de urbanismo, de planos directores e de ordenamento do território e a decisão sobre a loca-
lização e a realização de obras públicas ou de outros investimentos públicos com impacte rele-
vante no ambiente ou nas condições económicas e sociais e da vida em geral das populações
ou agregados populacionais de certa área do território nacional devem ser precedidos, na fase
de instrução dos respectivos procedimentos, da audição dos cidadãos interessados e das entida-
des defensoras dos interesses que possam vir a ser afectados por aqueles planos ou decisões.
2. Para efeitos desta lei, considera-se equivalente aos planos a preparação de actividades coor-
denadas da Administração a desenvolver com vista à obtenção de resultados com impacte rele-
vante.
3. São consideradas como obras públicas ou investimentos públicos com impacte relevante para
efeitos deste artigo os que se traduzam em custos superiores a um milhão de contos ou que,
sendo de valor inferior, influenciem significativamente as condições de vida das populações de
determinada área, quer sejam executados directamente por pessoas colectivas públicas quer por
concessionários.

Artigo 5.º
Anúncio público do início do procedimento para elaboração dos planos
ou decisões de realizar as obras ou investimentos
1. Para a realização da audição dos interessados serão afixados editais nos lugares de estilo,
quando os houver, e publicados anúncios em dois jornais diários de grande circulação, bem
como num jornal regional, quando existir.
2. Os editais e anúncios identificarão as principais características do plano, obra ou investi-
mento e seus prováveis efeitos e indicarão a data a partir da qual será realizada a audição dos
interessados.
3. Entre a data do anúncio e a realização da audiência deverão mediar, pelo menos, 20 dias,
salvo casos de urgência devidamente justificados.

Artigo 6.º
Consulta dos documentos e demais actos do procedimento
1. Durante o período referido no n.º 3 do artigo anterior, os estudos e outros elementos pre-
paratórios dos projectos dos planos ou das obras deverão ser facultados à consulta dos inte-
ressados.
2. Dos elementos preparatórios referidos no número anterior constarão obrigatoriamente indi-
cações sobre eventuais consequências que a adopção dos planos ou decisões possa ter sobre
os bens, ambiente e condições de vida das pessoas abrangidas.
3. Poderão também durante o período de consulta ser pedidos, oralmente ou por escrito, escla-
recimentos sobre os elementos facultados.

152
Das Acções Colectivas em Portugal

Artigo 7.º
Pedido de audiência ou de apresentação de observações escritas
1. No prazo de cinco dias a contar do termo do período da consulta, os interessados deverão
comunicar à autoridade instrutora a sua pretensão de serem ouvidos oralmente ou de apresen-
tarem observações escritas.
2. No caso de pretenderem ser ouvidos, os interessados devem indicar os assuntos sobre que
pretendem intervir e qual o sentido geral da sua intervenção.

Artigo 8.º
Audição dos interessados
1. Os interessados serão ouvidos em audiência pública.
2. A autoridade encarregada da instrução prestará os esclarecimentos que entender úteis duran-
te a audiência, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes.
3. Das audiências serão lavradas actas assinadas pela autoridade encarregada da instrução.

Artigo 9.º
Dever de ponderação e de resposta
1. A autoridade instrutora ou, por seu intermédio, a autoridade promotora do projecto, quan-
do aquela não for competente para a decisão, responderá às observações formuladas e justifi-
cará as opções tomadas.
2. A resposta será comunicada por escrito aos interessados, sem prejuízo do disposto no artigo
seguinte.

Artigo 10.º
Procedimento colectivo
1. Sempre que a autoridade instrutora deva proceder a mais de 20 audições, poderá determi-
nar que os interessados se organizem de modo a escolherem representantes nas audiências a
efectuar, os quais serão indicados no prazo de cinco dias a contar do fim do período referido
no n.º 1 do artigo 7.º.
2. No caso de os interessados não se fazerem representar, poderá a entidade instrutora escol-
her, de entre os interessados, representantes de posições afins, de modo a não exceder o núme-
ro de 20 audições.
3. As observações escritas ou os pedidos de intervenção idênticos serão agrupados a fim de que
a audição se restrinja apenas ao primeiro interessado que solicitou a audiência ou ao primeiro
subscritor das observações feitas.
4. No caso de se adoptar a forma de audição através de representantes, ou no caso de a apre-
sentação de observações escritas ser em número superior a 20, poderá a autoridade instrutora
optar pela publicação das respostas aos interessados em dois jornais diários e num jornal regio-
nal, quando exista.

Artigo 11.º
Aplicação do Código do Procedimento Administrativo
São aplicáveis aos procedimentos e actos previstos no artigo anterior as pertinentes disposições
do Código do Procedimento Administrativo.

153
Das Acções Colectivas em Portugal

CAPÍTULO III
Do exercício da acção popular

Artigo 12.º
Acção procedimental administrativa e acção popular civil
1. A acção procedimental administrativa compreende a acção para defesa dos interesses refe-
ridos no artigo 1.º e o recurso contencioso com fundamento em ilegalidade contra quaisquer
actos administrativos lesivos dos mesmos interesses.
2. A acção popular civil pode revestir qualquer das formas previstas no Código de Processo
Civil.

Artigo 13.º
Regime especial de indeferimento da petição inicial
A petição deve ser indeferida quando o julgador entenda que é manifestamente improvável a
procedência do pedido, ouvido o Ministério Público e feitas preliminarmente as averiguações
que o julgador tenha por justificadas ou que o autor ou o Ministério Público requeiram.

Artigo 14.º
Regime especial de representação processual
Nos processos de acção popular o autor representa por iniciativa própria, com dispensa de
mandato ou autorização expressa, todos os demais titulares dos direitos ou interesses em causa
que não tenham exercido o direito de auto-exclusão previsto no artigo seguinte, com as conse-
quências constantes da presente lei.

Artigo 15.º
Direito de exclusão por parte de titulares dos interesses em causa
1. Recebida petição de acção popular, serão citados os titulares dos interesses em causa na
acção de que se trate, e não intervenientes nela, para o efeito de, no prazo fixado pelo juíz, pas-
sarem a intervir no processo a título principal, querendo, aceitando-o na fase em que se encon-
trar, e para declararem nos autos se aceitam ou não ser representados pelo autor ou se, pelo
contrário, se excluem dessa representação, nomeadamente para o efeito de lhes não serem apli-
cáveis as decisões proferidas, sob pena de a sua passividade valer como aceitação, sem preju-
ízo do disposto no n.º 4.
2. A citação será feita por anúncio ou anúncios tornados públicos através de qualquer meio de
comunicação social ou editalmente, consoante estejam em causa interesses gerais ou geogra-
ficamente localizados, sem obrigatoriedade de identificação pessoal dos destinatários, que
poderão ser referenciados enquanto titulares dos mencionados interesses, e por referência a
acção de que se trate, à identificação de pelo menos o primeiro autor, quando seja um entre
vários, do réu ou réus e por menção bastante do pedido e da causa de pedir.

154
Das Acções Colectivas em Portugal

3. Quando não for possível individualizar os respectivos titulares, a citação prevista no número
anterior far-se-á por referência ao respectivo universo, determinado a partir de circunstância ou
qualidade que lhes seja comum, da área geográfica em que residam ou do grupo ou comuni-
dade que constituam, em qualquer caso sem vinculação à identificação constante da petição
inicial, seguindo-se no mais o disposto no número anterior.
4. A representação referida no n.º 1 é ainda susceptível de recusa pelo representado até ao
termo da produção de prova ou fase equivalente, por declaração expressa nos autos.

Artigo 16.º
Ministério Público
1. O Ministério Público fiscaliza a legalidade e representa o Estado quando este for parte na
causa, os ausentes, os menores e demais incapazes, neste último caso quer sejam autores ou
réus.
2. O Ministério Público poderá ainda representar outras pessoas colectivas públicas quando tal
for autorizado por lei.
3. No âmbito da fiscalização da legalidade, o Ministério Público poderá, querendo, substituir-se
ao autor em caso de desistência da lide, bem como de transacção ou de comportamentos lesi-
vos dos interesses em causa.

Artigo 17.º
Recolha de provas pelo julgador
Na acção popular e no âmbito das questões fundamentais definidas pelas partes, cabe ao juíz
iniciativa própria em matéria de recolha de provas, sem vinculação a iniciativa das partes.

Artigo 18.º
Regime especial de eficácia dos recursos
Mesmo que determinado recurso não tenha efeito suspensivo, nos termos gerais, pode o julga-
dor, em acção popular, conferir-lhe esse efeito, para evitar dano irreparável ou de difícil repa-
ração.

Artigo 19.º
Efeitos do caso julgado
1. As sentenças transitadas em julgado proferidas em acções ou recursos administrativos ou em
acções cíveis, salvo quando julgadas improcedentes por insuficiência de provas, ou quando o
julgador deva decidir por forma diversa fundado em motivações próprias do caso concreto, tem
eficácia geral, não abrangendo, contudo, os titulares dos direitos ou interesses que tiverem exer-
cido o direito de se auto-excluírem da representação.
2. As decisões transitadas em julgado são publicadas a expensas da parte vencida e sob pena
de desobediência, com menção do trânsito em julgado, em dois dos jornais presumivelmente
lidos pelo universo dos interessados no seu conhecimento, a escolha do juíz da causa, que
poderá determinar que a publicação se faça por extracto dos seus aspectos essenciais, quando
a sua extensão desaconselhar a publicação por inteiro.

155
Das Acções Colectivas em Portugal

Artigo 20.º
Regime especial de preparos e custas
1. Pelo exercício do direito de acção popular não são exigíveis preparos.
2. O autor fica isento do pagamento de custas em caso de procedência parcial do pedido.
3. Em caso de decaimento total, o autor interveniente será condenado em montante a fixar pelo
julgador entre um décimo e metade das custas que normalmente seriam devidas, tendo em
conta a sua situação económica e a razão formal ou substantiva improcedência.
4. A litigância de má-fé rege-se pela lei geral.
5. A responsabilidade por custas dos autores intervenientes é solidária, nos termos gerais.

Artigo 21.º
Procuradoria
O juíz da causa arbitrará o montante da procuradoria, de acordo com a complexidade e o valor
da causa.

156
Das Acções Colectivas em Portugal

CAPÍTULO IV
Responsabilidade civil e penal

Artigo 22.º
Responsabilidade civil subjectiva
1. A responsabilidade por violação dolosa ou culposa dos interesses previstos no artigo 1.º
constitui o agente causador no dever de indemnizar o lesado ou lesados pelos danos causados.
2. A indemnização pela violação de interesses de titulares não individualmente identificados é
fixada globalmente.
3. Os titulares de interesses identificados tem direito à correspondente indemnização nos termos
gerais da responsabilidade civil.
4. O direito à indemnização prescreve no prazo de três anos a contar do trânsito em julgado
da sentença que o tiver reconhecido.
5. Os montantes correspondentes a direitos prescritos serão entregues ao Ministério da Justiça,
que os escriturará em conta especial e os afectará ao pagamento da procuradoria, nos termos
do artigo 21.º, e ao apoio no acesso ao direito e aos tribunais de titulares de direito de acção
popular que justificadamente o requeiram.

Artigo 23.º
Responsabilidade civil objectiva
Existe ainda a obrigação de indemnização por danos independentemente de culpa sempre que
de acções ou omissões do agente tenha resultado ofensa de direitos ou interesses protegidos nos
termos da presente lei e no âmbito ou na sequência de actividade objectivamente perigosa.

Artigo 24.º
Seguro de responsabilidade civil
Sempre que o exercício de uma actividade envolva risco anormal para os interesses protegidos
pela presente lei, deverá ser exigido ao respectivo agente seguro da correspondente responsa-
bilidade civil como condição do início ou da continuação daquele exercício, em termos a regu-
lamentar.

Artigo 25.º
Regime especial de intervenção no exercício de acção penal
dos cidadãos e associações
Aos titulares do direito de acção popular é reconhecido o direito de denúncia, queixa ou parti-
cipação ao Ministério Público por violação dos interesses previstos no artigo 1.º que revistam
natureza penal, bem como o de se constituírem assistentes no respectivo processo, nos termos
previstos nos artigos 68, 69 e 70 do Código de Processo Penal.

157
Das Acções Colectivas em Portugal

CAPÍTULO V
Disposições finais e transitórias

Artigo 26.º
Dever de cooperação das entidades públicas
1. É dever dos agentes da administração central, regional e local, bem como dos institutos,
empresas e demais entidades públicas, cooperar com o tribunal e as partes intervenientes em
processo de acção popular.
2. As partes intervenientes em processo de acção popular poderão, nomeadamente, requerer
as entidades competentes as certidões e informações que julgarem necessárias ao êxito ou à
improcedência do pedido, a fornecer em tempo útil.
3. A recusa, o retardamento ou a omissão de dados e informações indispensáveis, salvo quan-
do justificados por razões de segredo de Estado ou de justiça, fazem incorrer o agente respon-
sável em responsabilidade civil e disciplinar.

Artigo 27.º
Ressalva de casos especiais
Os casos de acção popular não abrangidos pelo disposto na presente lei regem-se pelas nor-
mas que lhes são aplicáveis.

Artigo 28.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no 60.º dia seguinte ao da sua publicação.

Aprovada em 21 de Junho de 1995.


O Presidente da Assembleia da República, António Moreira Barbosa de Melo.
Promulgada em 8 de Agosto de 1995.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendada em 11 de Agosto de 1995.
Pelo Primeiro-Ministro, Manuel Dias Loureiro, Ministro da Administração Interna.

158
Das Acções Colectivas em Portugal

Lei n.º 24/96,


de 31 de Julho

Estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores


Revoga a Lei n.º 29/81, de 22 de Agosto

A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 161.º, alínea d), e 169.º, n.º 3, da
Constituição, o seguinte:

Artigo 10.º
Direito à prevenção e acção inibitória
1 - É assegurado o direito de acção inibitória destinada a prevenir, corrigir ou fazer cessar
práticas lesivas dos direitos do consumidor consignados na presente lei, que, nomeadamente:
a) Atentem contra a sua saúde e segurança física;
b) Se traduzam no uso de cláusulas gerais proibidas;
c) Consistam em práticas comerciais expressamente proibidas por lei.
2 - A sentença proferida em acção inibitória pode ser acompanhada de sanção pecuniária com-
pulsória, prevista no artigo 829.º-A do Código Civil, sem prejuízo da indemnização a que hou-
ver lugar.

Artigo 11.º
Forma de processo da acção inibitória
1 - A acção inibitória tem o valor equivalente ao da alçada da Relação mais 1$, segue os ter-
mos do processo sumário e está isenta de custas.
2 - A decisão especificará o âmbito da abstenção ou correcção, designadamente através da
referência concreta do seu teor e a indicação do tipo de situações a que se reporta.
3 - Transitada em julgado, a decisão condenatória será publicitada a expensas do infractor, nos
termos fixados pelo juiz, e será registada em serviço a designar nos termos da legislação regu-
lamentar da presente lei.
4 - Quando se tratar de cláusulas contratuais gerais, aplicar-se-á ainda o disposto nos artigos
31.º e 32.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, com a redacção que lhe foi dada
pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto.

Artigo 12.º
Direito à reparação de danos
1 - O consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resul-
tantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.
2 - O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos
de produtos que coloque no mercado, nos termos da lei.
(redacção dada pelo DL 67/2003, de 8 de Abril)

159
Das Acções Colectivas em Portugal

Artigo 13.º
Legitimidade activa
Têm legitimidade para intentar as acções previstas nos artigos anteriores:
a) Os consumidores directamente lesados;
b) Os consumidores e as associações de consumidores ainda que não directamente lesa-
dos, nos termos da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto;
c) O Ministério Público e o Instituto do Consumidor quando estejam em causa interesses
individuais homogéneos, colectivos ou difusos.

Artigo 14.º
Direito à protecção jurídica e direito a uma justiça acessível e pronta
1 - Incumbe aos órgãos e departamentos da Administração Pública promover a criação e
apoiar centros de arbitragem com o objectivo de dirimir os conflitos de consumo.
2 - É assegurado ao consumidor o direito à isenção de preparos nos processos em que preten-
da a protecção dos seus interesses ou direitos, a condenação por incumprimento do fornecedor
de bens ou prestador de serviços, ou a reparação de perdas e danos emergentes de factos ilí-
citos ou da responsabilidade objectiva definida nos termos da lei, desde que o valor da acção
não exceda a alçada do tribunal judicial de 1.ª instância.
3 - Os autores nos processos definidos no número anterior ficam isentos do pagamento de cus-
tas em caso de procedência parcial da respectiva acção.
4 - Em caso de decaimento total, o autor ou autores intervenientes serão condenados em mon-
tantes, a fixar pelo julgador, entre um décimo e a totalidade das custas que normalmente seriam
devidas, tendo em conta a sua situação económica e a razão formal ou substantiva da impro-
cedência.

Artigo 15.º
Direito de participação por via representativa
O direito de participação consiste, nomeadamente, na audição e consultas prévias, em prazo
razoável, das associações de consumidores no tocante às medidas que afectem os direitos ou
interesses legalmente protegidos dos consumidores.

160
Das Acções Colectivas em Portugal

Decreto-Lei n.º 446/85,


de 25 de Outubro
com especial destaque para a alteração introduzida pelo DL n.º 220/95, de 31 de Agosto

CAPÍTULO VI
Disposições processuais

Artigo 25.º
Acção inibitória
As cláusulas contratuais gerais, elaboradas por utilização futura, quando contrariem o disposto
nos artigos 15, 16, 18, 19, 21 e 22 podem ser proibidas por decisão judicial, independente-
mente da sua inclusão efectiva em contratos singulares.

Artigo 26.º
Legitimidade activa
1 - A acção destinada a obter a condenação na abstenção do uso ou da recomendação de
cláusulas contratuais gerais só pode ser intentada:
a) Por associações de defesa do consumidor dotadas de representatividade, no âmbito pre-
visto na legislação respectiva;
b) Por associações sindicais, profissionais ou de interesses económicos legalmente constitu-
ídas, actuando no âmbito das suas atribuições;
c) Pelo Ministério Público, oficiosamente, por indicação do Provedor de Justiça ou quando
entenda fundamentada a solicitação de qualquer interessado.
2 - As entidades referidas no número anterior actuam no processo em nome próprio, embora
façam valer um direito alheio pertencente, em conjunto, aos consumidores susceptíveis de virem
a ser atingidos pelas cláusulas cuja proibição é solicitada.

Artigo 27.º
Legitimidade passiva
1 - A acção referida no artigo anterior pode ser intentada:
a) Contra quem, predispondo cláusulas contratuais gerais, proponha contratos que as
incluam ou aceite propostas feitas nos seus termos;
b) Contra quem, independentemente da sua predisposição e utilização em concreto, as
recomende a terceiros.
2 - A acção pode ser intentada, em conjunto, contra várias entidades que predisponham e uti-
lizem ou recomendem as mesmas cláusulas contratuais gerais, ou cláusulas substancialmente
idênticas, ainda que a coligação importe ofensa do disposto no artigo seguinte.

Artigo 28.º
Tribunal competente
Para a acção inibitória é competente o tribunal da comarca onde se localiza o centro da activi-
dade principal do demandado ou, não se situando ele em território nacional, o da comarca da
sua residência ou sede; se estas se localizarem no estrangeiro, será competente o tribunal do
lugar em que as cláusulas contratuais gerais foram propostas ou recomendadas.

161
Das Acções Colectivas em Portugal

Artigo 29.º
Forma de processo e isenções
1 - A acção destinada a proibir o uso ou a recomendação de cláusulas contratuais gerais que
se considerem abusivas segue os termos do processo sumário de declaração e está isenta de
custas.
2 - O valor das acções referidas no número anterior excede 1$ ao fixado para a alçada da
Relação.

Artigo 30.º
Parte decisória da sentença
1 - A decisão que proíba as cláusulas contratuais gerais especificará o âmbito da proibição,
designadamente através da referência concreta do seu teor e a indicação do tipo de contratos
a que a proibição se reporta.
2 - A pedido do autor, pode ainda o vencido ser condenado a dar publicidade à proibição
pelo modo e durante o tempo que o tribunal determine.

Artigo 31.º
Proibição provisória
1 - Quando haja receio fundado de virem a ser incluídas em contratos singulares cláusulas
gerais incompatíveis com o disposto no presente diploma, podem as entidades referidas no arti-
go 26 requerer provisoriamente a sua proibição.
2 - A proibição provisória segue, com as devidas adaptações, os termos fixados na lei proces-
sual para os procedimentos cautelares não especificados.

Artigo 32.º
Consequências da proibição definitiva
1 - As cláusulas contratuais gerais objecto de proibição definitiva por decisão transitada em
julgado, ou outras cláusulas que se lhes equiparem substancialmente, não podem ser incluídas
em contratos que o demandado venha a celebrar nem continuar a ser recomendadas.
2 - Aquele que seja parte, juntamente com o demandado vencido na acção inibitória, em con-
tratos onde se incluam cláusulas gerais proibidas, nos termos referidos no número anterior, pode
invocar a todo o tempo, em seu benefício, a declaração incidental de nulidade contida na deci-
são inibitória.
3 - A inobservância do preceituado no n.º 1 tem como consequência a aplicação do artigo
9.º.

Artigo 33.º
Sanção pecuniária compulsória
1 - Se o demandado, vencido na acção inibitória infringir a obrigação de se abster de utilizar
ou de recomendar cláusulas contratuais gerais que foram objecto de proibição definitiva por
decisão transitada em julgado, incorre numa sanção pecuniária compulsória que não pode
ultrapassar o dobro do valor da alçada da Relação por cada infracção.
2 - A sanção prevista no número anterior é aplicada pelo tribunal que apreciar a causa em 1.ª
instância, a requerimento de quem possa prevalecer-se da decisão proferida, devendo facultar-
se ao infractor a oportunidade de ser previamente ouvido.
3 - O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao requeren-
te e ao Estado.

162
Das Acções Colectivas em Portugal

Artigo 34.º
Comunicação das decisões judiciais para efeito de registo
Os tribunais devem remeter, no prazo de 30 dias, ao serviço previsto no artigo seguinte, cópia
das decisões transitadas em julgado que, por aplicação dos princípios e das normas constantes
do presente diploma, tenham proibido o uso ou a recomendação de cláusulas contratuais gerais
ou declarem a nulidade de cláusulas inseridas em contratos singulares.

163
Das Acções Colectivas em Portugal

CAPÍTULO VII
Disposições finais e transitórias

Artigo 35.º
Serviço de registo
1 - Mediante portaria do Ministério da Justiça, a publicar dentro dos seis meses subsequentes
à entrada em vigor do presente diploma, será designado o serviço que fica incumbido de orga-
nizar e manter actualizado o registo das cláusulas contratuais abusivas que lhe sejam comuni-
cadas, nos termos do artigo anterior.
2 - O serviço referido no número precedente deve criar condições que facilitem o conheci-
mento das cláusulas consideradas abusivas por decisão judicial e prestar os esclarecimentos que
lhe sejam solicitados dentro do âmbito das respectivas atribuições.

164
Das Acções Colectivas em Portugal

LEI N.º 25/2004,


DE 8 DE JULHO

Transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 98/27/CE, do Parlamento Europeu e
do Conselho, de 19 de Maio, relativa às acções inibitórias em matéria de protecção dos inte-
resses dos consumidores.
A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição,
para valer como lei geral da República, o seguinte:

Artigo 1.º
Objecto
A presente lei procede à transposição para o direito interno da Directiva n.º 98/27/CE, do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Maio, relativa às acções inibitórias em matéria
de protecção dos interesses dos consumidores.

Artigo 2.º
Âmbito
1 - As normas previstas na presente lei aplicam-se à acção inibitória prevista no artigo 10.º da
Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, bem como à acção popular contemplada no n.º 2 do artigo 12.º
da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, destinadas a prevenir, corrigir ou fazer cessar práticas lesi-
vas dos direitos dos consumidores.
2 - Para efeitos do disposto na presente lei, bem como para efeitos da definição do âmbito do
direito de acção inibitória previsto no artigo 10.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, considera-
se que o conceito de prática lesiva inclui qualquer prática contrária aos direitos dos consumi-
dores, designadamente as que contrariem as legislações dos Estados membros que transpõem
as directivas comunitárias constantes do anexo a esta lei, da qual faz parte integrante.

Artigo 3.º
Práticas lesivas intracomunitárias
1 - Quando a prática lesiva que se pretende fazer cessar tenha origem em Portugal, mas afec-
te interesses localizados noutro Estado membro da União Europeia, a correspondente acção
inibitória pode ser directamente intentada por entidade deste último Estado que consta da lista
actualizada das entidades competentes, relativa às acções inibitórias em matéria de protecção
dos interesses dos consumidores, elaborada pela Comissão Europeia e publicada no Jornal
Oficial da União Europeia.
2 - As entidades referidas no número anterior estão obrigadas a apresentar, em anexo à peti-
ção inicial, cópia do Jornal Oficial da União Europeia contendo a publicação mais recente da
lista onde se encontram inscritas.
3 - O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de o tribunal averiguar se, no
caso concreto, existe justificação atendível para o pedido formulado.

165
Das Acções Colectivas em Portugal

Artigo 4.º
Entidades nacionais
1 - O exercício transnacional do direito de acção a que se refere o artigo 2.º pelas entidades por-
tuguesas que, nos termos previstos na lei, têm legitimidade para propor e intervir nas acções e pro-
cedimentos cautelares está dependente de inscrição em lista disponível no Instituto do Consumidor.
2 - Compete ao Instituto do Consumidor a elaboração e a permanente actualização da lista das
entidades portuguesas competentes para exercer, na União Europeia, o mencionado direito de
acção.
3 - O Instituto do Consumidor deve dar conhecimento da referida lista e respectivas actualiza-
ções à Comissão Europeia.

Artigo 5.º
Inscrição
1 - Para efeitos do artigo anterior e sem prejuízo do disposto no n.º 5, devem as entidades inte-
ressadas solicitar a sua inscrição na lista, através de requerimento dirigido ao presidente do
Instituto do Consumidor, acompanhado de documento comprovativo da sua denominação e
objecto estatutário.
2 - Na apreciação do pedido, o presidente do Instituto do Consumidor deve certificar-se de que
a entidade requerente prossegue objectivos de defesa dos interesses dos consumidores.
3 - O despacho sobre o pedido de inscrição deve ser proferido no prazo máximo de 30 dias.
4 - Do despacho de indeferimento do pedido de inscrição cabe recurso, nos termos da lei, com
efeito meramente devolutivo.
5 - O Ministério Público e o Instituto do Consumidor constarão da lista a que se refere o artigo
anterior por direito próprio e sem dependência de requerimento de inscrição.

Artigo 6.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor 90 dias após a sua publicação.

Aprovada em 13 de Maio de 2004.


O Presidente da Assembleia da República, João Bosco Mota Amaral.
Promulgada em 22 de Junho de 2004.
Publique-se.
O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendada em 23 de Junho de 2004.
O Primeiro-Ministro, José Manuel Durão Barroso.

166
Das Acções Colectivas em Portugal

ANEXO

Lista das directivas comunitárias

a) Directiva n.º 84/450/CEE, do Conselho, de 10 de Setembro, em matéria de publicida-


de enganosa (JO, n.º L 250, de 19 de Setembro de 1984, p. 17), alterada pela Directiva n.º
97/55/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Outubro (JO, n.º L 290, de 23 de
Outubro de 1997, p. 18).
b) Directiva n.º 85/577/CEE, do Conselho, de 20 de Dezembro, relativa à protecção dos
consumidores no caso de contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais (JO, n.º L
372, de 31 de Dezembro de 1985, p. 31).
c) Directiva n.º 87/102/CEE, do Conselho, de 22 de Dezembro de 1986, relativa à apro-
ximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas ao crédito ao
consumo (JO, n.º L 42, de 12 de Fevereiro de 1987, p. 48), alterada pela Directiva n.º
98/7/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro (JO, n.º L 101, de 1 de
Abril de 1998, p. 17).
d) Directiva n.º 89/552/CEE, do Conselho, de 3 de Outubro, relativa à coordenação de
certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados membros relativas
ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva: artigos 10.º a 21.º (JO, n.º L 298, de 17
de Outubro de 1989, p. 23), modificada pela Directiva n.º 97/36/CE, do Parlamento Europeu
e do Conselho, de 30 de Junho (JO, n.º L 202, de 30 de Julho de 1997, p. 60).
e) Directiva n.º 90/314/CEE, do Conselho, de 13 de Junho, relativa às viagens, férias e cir-
cuitos organizados (JO, n.º L 158, de 23 de Junho de 1990, p. 59).
f) Directiva n.º 92/28/CEE, do Conselho, de 31 de Março, relativa à publicidade dos medi-
camentos para uso humano (JO, n.º L 113, de 30 de Abril de 1992, p. 13).
g) Directiva n.º 93/13/CEE, do Conselho, de 5 de Abril, sobre as cláusulas abusivas nos
contratos celebrados com os consumidores (JO, n.º L 95, de 21 de Abril de 1993, p. 29).
h) Directiva n.º 94/47/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro, rela-
tiva à protecção dos adquirentes quanto a certos aspectos dos contratos de aquisição de um
direito de utilização a tempo parcial de bens imóveis (JO, n.º L 280, de 29 de Outubro de 1994,
p. 83).
i) Directiva n.º 97/7/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio, relativa à
protecção dos consumidores em matéria de contratos à distância (JO, n.º L 144, de 4 de Junho
de 1997, p. 19).
j) Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, rela-
tiva a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas (JO, n.º L
171, de 7 de Julho de 1999, p. 12).
j) Directiva n.º 2000/31/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho, rela-
tiva certos aspectos legais dos serviços da sociedade da informação, em especial do comércio
electrónico no mercado interno (JO, n.º L 178, de 17 de Julho de 2000, p. 1).
m) Directiva n.º 2002/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro,
relativa à comercialização a distância de serviços financeiros prestados a consumidores (JO, n.º
L 271, de 9 de Outubro de 2002, p. 16).

167
Das Acções Colectivas em Portugal

CÓDIGO MODELO DE PROCESSOS COLETIVOS


PARA IBERO-AMÉRICA
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

Sumário:
1 – Significado social e político da tutela dos interesses ou direitos transindividuais; 2 – O siste-
ma de common law: as class actions norte-americanas; 3 – O sistema de civil law: o tratamen-
to da matéria nos países de Ibero-América; 4 – A necessidade de um Código Modelo de
Processos Coletivos para Ibero-América; 5 – O modelo do Código: um sistema supra-nacional
adequado à realidade dos países da comunidade ibero-americana; 6 – Breve síntese do conte-
údo do Código; 7 – Conclusão.

1 - Tem sabor de lugar comum a afirmação de que o processo tradicional não se presta à defe-
sa dos direitos e interesses transindividuais, cujas características os colocam a meio caminho
entre o interesse público e o privado, sendo próprios de uma sociedade globalizada e resulta-
do de conflitos de massa. E igualmente clara é a dimensão social do reconhecimento e tutela
dos direitos e interesses transindividuais, por serem comuns a uma coletividade de pessoas, e
somente a estas. Interesses espalhados e informais à tutela de necessidades coletivas, sintetica-
mente referíveis à qualidade de vida. Interesses de massa, que comportam ofensas de massa e
que colocam em contraste grupos, categorias, classes de pessoas. Não mais se trata de um feixe
de linhas paralelas, mas de um leque de linhas que convergem para um objeto comum e indi-
visível. Aqui se inserem os interesses dos consumidores, ao meio ambiente, dos usuários de ser-
viços públicos, dos investidores, dos beneficiários da Previdência Social e de todos aqueles que
integram uma comunidade compartilhando de suas necessidades e de seus anseios.
O reconhecimento e a necessidade de tutela desses interesses puseram em relevo sua confi-
guração política. Em conseqüência, a teoria das liberdades públicas forjou uma nova “geração”
de direitos fundamentais. Aos direitos clássicos de primeira geração, representados pelas
tradicionais liberdades negativas, próprias do Estado liberal, com o correspondente dever
de abstenção por parte do Poder Público; aos direitos de segunda geração, de caráter econó-
mico-social, compostos por liberdades positivas, com o correlato dever do Estado a um dare,
facere ou praestare, a teoria constitucional acrescentou uma terceira geração de direitos fun-
damentais, representados pelos direitos de solidariedade, decorrentes dos referidos interesses
sociais. E, à medida em que o direito constitucional dá a esses interesses a natureza jurídica de
direitos, não há mais razão de ser para a clássica discussão em torno dessas situações de van-
tagem configurarem interesses ou direitos.

2 - Nos sistemas do common law a tutela dos interesses ou direitos transindividuais é tradi-
cional: o instituto das class actions do sistema norte-americano, baseado na equity e com
antecedentes no Bill of Peace do século XVII, foi sendo ampliado de modo a adquirir aos pou-
cos papel central do ordenamento. As Federal Rules of Civil Procedure de 1938 fixaram, na
regra 23, as normas fundamentais retoras das class actions. As dificuldades práticas, quanto
à configuração e requisitos de uma ou outra de suas categorias, com tratamento processual
próprio, levaram o Advisory Committee on Civil Rules a modificar a disciplina da matéria na
revisão feita pels Federal Rules de 1966, as quais estão sendo novamente trabalhadas para
eventuais modificações.

168
Das Acções Colectivas em Portugal

3 - Nos sistemas do civil law, coube ao Brasil a primazia de introduzir no ordenamento a tutela
dos interesses difusos e coletivos, de natureza indivisível, antes de tudo pela reforma de 1977
da Lei da Ação Popular; depois, mediante lei específica de 1985 sobre a denominada “ação
civil pública”; a seguir, em 1988, elevando a nível constitucional a proteção dos referidos inte-
resses; e finalmente, em 1990, pelo Código de Defesa do Consumidor (cujas disposições pro-
cessuais são aplicáveis à tutela de todo e qualquer interesse ou direito transindividual). Este
Código foi além da dicotomia dos interesses difusos e coletivos, criando a categoria dos cha-
mados interesses individuais homogêneos, que abriram caminho às ações reparatórias dos pre-
juízos individualmente sofridos (correspondendo, no sistema norte-americano, às class actions
for damages).
O Código Modelo de Processo Civil para Ibero-América recepcionou a idéia brasileira da tute-
la jurisdicional dos interesses difusos, com algumas modificações em relação à legitimação (que
inclui qualquer interessado) e ao controle sobre a representatividade adequada (que no Brasil
não é expresso). Com relação à coisa julgada, o regime brasileiro do julgado erga omnes, salvo
insuficiência de provas, foi igualmente adotado.
No Uruguai, o Código Geral de Processo de 1989 repetiu as regras do Código Modelo de
Processo Civil.
Na Argentina, primeiro a jurisprudência e depois o Código de Código Civil e Comercial da
Nação, de 1993, seguiram o Código Modelo Ibero-Américano, até que a Constituição de 1994
contemplou, no art. 43, os chamados “direitos de incidência coletiva”, para cuja tutela prevê o
“amparo” e a legitimação ampla para o exercício de sua defesa. Mas a doutrina preconiza a
introdução, no ordenamento, de ações específicas, à semelhança das existentes no modelo bra-
sileiro. A jurisprudência, mesmo sem textos legais, tem avançado com criatividade para asse-
gurar a tutela concreta dos direitos e interesses coletivos.
Em 1995, Portugal deu um passo à frente, com a Lei da Ação Popular, da qual também se extrai
a defesa dos direitos individuais homogêneos. Em 1996, Portugal também criou ações inibitó-
rias para a defesa dos interesses dos consumidores. E, desde 1985 o sistema já conhecia ações
relativas às cláusulas gerais, com legitimação conferida ao Ministério Público, e portanto diver-
sa da prevista para a ação popular, que é limitada ao cidadão, às associações e fundações com
personalidade jurídica e às autarquias locais.
A seguir, outros ordenamentos ibero-americanos introduziram, de alguma forma, a tutela dos
interesses difusos e coletivos em seus sistemas. No Chile, foi ampliada a abrangência da ação
popular, com regulamentação em várias leis especiais e no art. 2.333 do Código Civil. No
Paraguai, a Constituição consagra o direito individual ou coletivo de reclamar da autoridade
pública a defesa do ambiente, da saúde pública, do consumidor e outros que por sua natureza
pertençam à coletividade, mas não contempla expressamente instrumentos processuais para
esse fim. No Peru, há alguma legislação esparsa e específica para a tutela de certos direitos
coletivos, no campo das organizações sindicais e das associações dos consumidores. Na
Venezuela, a nova Constituição prevê a possibilidade de qualquer pessoa entrar em juízo para
a tutela de seus direitos ou interesses, inclusive coletivos ou difusos, mas não há lei específica
que regule a matéria. A jurisprudência venezuelana reconhece legitimação para os mesmos fins
ao Ministério Público, com base na legitimação geral que lhe confere a Constituição. Na
Colômbia, a Constituição de 1991, no art. 88, atribuiu nível constitucional às ações populares
e de grupo e autorizou o legislador a definir os casos de responsabilidade objetiva pelo dano
causado a interesses e direitos coletivos. A lei 472 de 1998, que entrou em vigor a 5 de agos-
to de 1999, regulamentou o referido art. 88 da Constituição, definindo o regime das açãos
populares e de grupo. O art. 70 cria o Fundo para a Defesa dos Direitos e Interesses Coletivos

169
Das Acções Colectivas em Portugal

e o art. 80 cria um registro público das ações populares e de grupo, a ser gerido pela
Defensoria do Povo de forma centralizada. (Fonte: Ramiro Bejarano Guzmán, “Processos decla-
rativos”, ed. Temis, 2001, 159-219, especialmente 160-163). É importante ressaltar que a ação
popular destina-se à tutela dos direitos difusos e as ações de grupo à defesa dos que o Código
Modelo chama “direitos individuais homogêneos”.
Na Espanha, a reforma processual civil de 2.000 contempla a defesa de interesses transindivi-
duais mas, segundo parte da doutrina, de maneira incompleta e insuficiente.

4 - Vê-se daí que a situação da defesa dos direitos e interesses transindividuais, em Ibero-
América, é às vezes insuficiente e muito heterogênea. E também se percebe que diversos países
ainda não têm legislação alguma, ou legislação abrangente sobre a matéria.
A idéia de um Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América surgiu em Roma,
numa intervenção de Antonio Gidi, membro brasileiro do Instituto Ibero-Americano de Direito
Processual, reunido em maio de 2.002, no VII Seminário Internacional co-organizado pelo
“Centro di Studi Giuridici Latino Americani” da “Università degli Studi di Roma – Tor Vergata”,
pelo “Istituto Italo-Latino Americano” e pela “ Associazione di Studi Sociali Latino-Americani”. E
foi ainda em Roma que a Diretoria do Instituto Ibero-Americano amadureceu a idéia, incorpo-
rando-a com entusiasmo. E, em Assembléia, foi votada a proposta de se empreender um tra-
balho que levasse à elaboração de um Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-
América, nos moldes dos já editados Códigos Modelo de Processo Civil e de Processo Penal.
Ou seja, de um Código que pudesse servir não só como repositório de princípios, mas também
como modelo concreto para inspirar as reformas, de modo a tornar mais homogênea a defesa
dos interesses e direitos transindividuais em países de cultura jurídica comum. O Código – como
sua própria denominação diz – deve ser apenas um modelo, a ser adaptado às peculiaridades
locais, que serão levadas em consideração na atividade legislativa de cada país; mas deve ser,
ao mesmo tempo, um modelo plenamente operativo.
Incumbidos pela Presidência do Instituto de preparar uma proposta de Código Modelo de
Processos Coletivos para Ibero-América, Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Antonio
Gidi apresentaram o resultado de seu trabalho nas Jornadas Ibero-Americanas de Direito
Processual, de Montevidéu, em outubro de 2002, onde a Proposta foi transformada em
Anteprojeto.
O Instituto Ibero-Americano de Direito Processual convocou então uma plêiade de professores
ibero-americanos para manifestarem sua opinião sobre o Código, papel este coordenado por
Antonio Gidi (Brasil) e Eduardo Ferrer MacGregor (México). Os trabalhos foram publicados pela
Editorial Porrúa sob o título “A tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos –
Rumo a um Código Modelo para Ibero-América” e apresentados no decorrer do XII Congresso
Mundial de Direito Processual, realizado na Cidade do México, de 22 a 26 de setembro de
2003.
Com os aportes acima referidos, a Comissão Revisora, integrada por Ada Pellegrini Grinover,
Aluisio G. de Castro Mendes, Anibal Quiroga León, Antonio Gidi, Enrique M. Falcón, José Luiz
Vázquez Sotelo, Kazuo Watanabe, Ramiro Bejarano Guzmán, Roberto Berizonce e Sergio Artavia
procedeu a aperfeiçoar o Anteprojeto, surgindo assim sua 2a Versão, que em sua redação defi-
nitiva foi revista pelo professor do Uruguai Angel Landoni Sosa. O Anteprojeto foi discutido em
Roma, recebendo algumas sugestões de aperfeiçoamento. Estas foram acolhidas, tendo os
membros da Comissão Revisora, por sua vez, apresentado outras.
Finalmente, votadas as novas propostas, o Anteprojeto converteu-se em Projeto, que foi apro-
vado pela Assembléia Geral do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual, realizada em

170
Das Acções Colectivas em Portugal

outubro de 2.004, durante as XIX Jornadas Ibero-Americanas de Direito Processual, em


Caracas, transformando-se assim no Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-
América

5 - O modelo ora apresentado inspira-se, em primeiro lugar, naquilo que já existe nos países
da comunidade ibero-americana, complementando, aperfeiçoando e harmonizando as regras
existentes, de modo a chegar a uma proposta que possa ser útil para todos. Evidentemente,
foram analisadas a sistemática norte-americana das class actions e a brasileira das ações cole-
tivas (aplicada há quase 20 anos), mas o código afasta-se em diversos pontos dos dois mode-
los, para criar um sistema original, adequado à realidade existente nos diversos países ibero-
americanos.
Tudo isto foi levado em conta para a preparação do Código, que acabou, por isso mesmo, per-
dendo as características de um modelo nacional, para adquirir efetivamente as de um verda-
deiro sistema ibero-americano de processos coletivos, cioso das normas constitucionais e legais
já existentes nos diversos países que compõem nossa comunidade.

6 - Em linhas extremamente gerais, o Código compõe-se de VII Capítulos.


O Capítulo I destina-se a conceituar os interesses ou direitos transindividuais, segundo as cate-
gorias de difusos (aos quais foram subsumidos os coletivos, pela terminologia brasileira) e indi-
viduais homogêneos, já conhecidas de diversos países ibero-americanos. Para os interesses indi-
viduais homogêneos, buscaram-se no sistema norte-americano os requisitos da predominância
das questões comuns sobre as individuais e da utilidade da tutela coletiva no caso concreto
(predominance and superiority), que a experiência brasileira demonstrou serem necessários. A
representatividade adequada – mencionada em muitos estatutos ibero-americanos – é exigida
e detalhada, mediante uma lista exemplificativa de critérios que poderão orientar o juiz em sua
avaliação. A legitimação é a mais aberta possível, para atender a todos os modelos já existen-
tes de processos coletivos em Ibero-América. Fica claro que a legitimação é concorrente e autô-
noma, admitido o litisconsórcio dos co-legitimados. Não se descura do papel de fiscal da lei do
Ministério Público e se prevê o compromisso administrativo de ajustamento de conduta, a ser
tomado pelos legitimados de natureza pública, capaz de evitar ou encurtar o processo, com a
formação imediata de título executivo.
O Capítulo II trata dos provimentos jurisdicionais que se podem obter pelo exercício da ação
coletiva: é aqui que o Código se preocupa eminentemente com a efetividade do processo cole-
tivo, que deve levar a uma resposta jurisdicional realmente capaz de satisfazer os direitos tran-
sindividuais violados ou ameaçados. Encontram-se aí normas sobre a antecipação de tutela e
sobre sua possível estabilização; sobre a ação condenatória à reparação dos danos ao bem
indivisivelmente considerado e à destinação da indenização para a recuperação do bem lesa-
do ou a finalidades conexas; sobre a condenação a uma obrigação de fazer ou não fazer (inibi-
tória), em que a indenização é a ultima ratio, à qual se prefere o regime de multas diárias
(astreintes) ou até mesmo o de mandamentos judiciais aptos à obtenção de um resultado práti-
co equivalente ao adimplemento da obrigação; sobre a condenação a uma obrigação de dar.
O Capítulo III trata de regras processuais aplicáveis, em geral, aos processos coletivos: a com-
petência, o pedido e a causa de pedir, a tentativa de conciliação e de outras formas de auto e
heterocomposição, preservada a indiponibilidade do bem jurídico coletivo. O processo desen-
volve-se por audiências, exercendo o juiz vários poderes de controle e direção, inclusive poden-
do decidir desde logo a demanda pelo mérito, quando não houver necessidade de prova.
Seguem regras sobre a distribuição do ônus da prova, sobre as custas, emolumentos e honorá-

171
Das Acções Colectivas em Portugal

rios, tanto do perito como dos advocatícios, prevendo-se incentivos para a pessoa física, os
sindicatos e as associações autoras, sobre a interrupção do prazo de prescrição para as
pretensões individuais como consequência da propositura da ação coletiva, etc. Finalmente,
cuida-se aqui dos efeitos da apelação, em regra meramente devolutivo e da execução provisó-
ria, matérias em que alguns ordenamentos ibero-americanos são omissos.
O Capítulo IV detém-se sobre as acões coletivas em defesa de interesses ou direitos individuais
homogêneos e, particularmente, sobre a ação coletiva reparatória dos danos individualmente
sofridos (a class action for damages norte-americana), movida pelos legitimados sem necessi-
dade de indicação da identidade das vítimas. Dá-se conhecimento do ajuizamento da ação aos
possíveis interessados, para que possam intervir no processo, querendo, como assistentes ou
coadjuvantes, sendo-lhes vedado, porém, discutir suas pretensões individuais no processo
coletivo de conhecimento. Cuidado especial tomou-se com as notificações. Em caso de acolhi-
mento do pedido, a sentença poderá ser genérica, declarando a existência do dano geral e
condenando o vencido à obrigação de indenizar a todas as vítimas e seus sucessores (ainda não
identificados). Caberá a estes, individualmente ou pelos legitimados coletivos, provar na liqui-
dação da sentença o seu dano pessoal, o nexo causal com o dano global reconhecido pela
sentença, e quantificar o prejuízo individualmente sofrido. Mas o Código também prevê a pos-
sibilidade de o juiz, na sentença condenatória, fixar as indenizações individuais, quando isto
for possível. Cuida-se, também, do caso de concurso de créditos e se prescreve que, decorrido
um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano,
haverá execução coletiva da importância devida a título de danos causados, cuidando de
sua destinação a um fundo. Aqui o Código adota a solução da fluid recovery do sistema norte-
-americano.
O Fundo de Direitos Difusos e Individuais Homogêneos tem regras específicas sobre a gestão e
as atividades, a serem controladas pelo juiz.
No Capítulo V são tratados a conexão, a litispendência e a coisa julgada. Conexão litispen-
dência têm regras claras, incluindo as relações entre ações coletivas ou entre uma ação coleti-
va e as ações individuais. Também está prevista a possibilidade de conversão de várias ações
individuais numa ação coletiva. Para os interesses ou direitos difusos, o regime da coisa julga-
da é sempre de eficácia da sentença erga omnes, em caso de procedência ou improcedência
do pedido, salvo quando a improcedência se der por insuficiência de provas, hipótese em que
a demanda pode ser repetida, com novas provas. Esta solução já é tradicional nos países de
Ibero-América, mas o Código avança, admitindo nova ação, com base em provas novas, no
prazo de 2 (dois) anos a partir da descoberto de prova nova, superveniente ao processo coleti-
vo (coisa julgada secundum probationem, como decorrência especial da clásula rebus sic stan-
tibus). Com relação aos interesses ou direitos individuais homogêneos, a escolha da legislação
brasileira, mantida no Código, é da coisa julgada secundum eventum litis: ou seja, a coisa
julgada positiva atua erga omnes, beneficiando a todos os membros do grupo; mas a coisa jul-
gada negativa só atinge os legitimados às ações coletivas, podendo cada indivíduo, prejudica-
do pela sentença, opor-se à coisa julgada, ajuizando sua ação individual, no âmbito pessoal.
Outras normas cuidam do transporte, in utilibus, da coisa julgada positiva resultante de uma
ação em defesa de interesses ou direitos difusos, em proveito das vítimas individuais do mesmo
evento danoso.
O Capítulo VI introduz uma absoluta novidade para os ordenamentos de civil law: a ação cole-
tiva passiva, ou seja a defendant class action do sistema norte-americano. Preconizada pela
doutrina brasileira, objeto de tímidas tentativas na práxis, a ação coletiva passiva, conquanto
mais rara, não pode ser ignorada num sistema de processos coletivos. A ação, nesses casos, é

172
Das Acções Colectivas em Portugal

proposta não pela classe, mas contra ela. O Código exige que se trate de uma coletividade
organizada de pessoas, ou que o grupo tenha representante adequado, e que o bem jurídico a
ser tutelado seja transindividual e seja de relevância social. A questão principal que se punha,
nesses casos, era o do regime da coisa julgada: em obséquio ao princípio geral de que a sen-
tença só pode favorecer os integrantes do grupo quando se trata de direitos ou interesses indi-
viduais homogêneos, o mesmo princípio devia ser mantido quando a classe figurasse no pólo
passivo da demanda. Assim, quando se trata de bens jurídicos de natureza indivisível (interesses
difusos), o regime da coisa julgada é erga omnes, simetricamente ao que ocorre quando o
grupo litiga no pólo ativo (mas sem o temperamento da improcedência por insuficiência de pro-
vas, inadequado quando a classe se coloca no pólo passivo); mas, quando se trata de bens jurí-
dicos de natureza divisível (interesses ou direitos individuais homogêneos), a coisa julgada posi-
tiva não vinculará os membros do grupo, categoria ou classe, que poderão mover ações pró-
prias ou discutir a sentença no processo de execução, para afastar a eficácia da sentença em
sua esfera jurídica individual. Mutatis mutandis, é o mesmo tratamento da coisa julgada secun-
dum eventum litis para os interesses ou direitos individuais homogêneos, quando a classe litiga
no pólo ativo. No entanto, tratando-se de ação movida contra o sindicato, a coisa julgada,
mesmo positiva, abrangerá sem exceções os membros da categoria, dada a posição constitu-
cional que em muitos países o sindicato ocupa e sua representatividade adequada, mais sólida
do que a das associações.
Por último, o Capítulo VII trata das disposições finais, contemplando uma recomendação ao
intérprete e determinando a aplicação subsidiária dos diversos Códigos de Processo Civil e legis-
lações especiais pertinentes, no que não forem incompatíveis.

7 - Em conclusão, o Código ora apresentado, sem desprezar as experiências de tutela jurisdi-


cional dos direitos e interesses transindividuais de diversos países, cria um modelo original, ade-
rente às regras pré-existentes nos ordenamento ibero-americanos, que aperfeiçoa e comple-
menta. Desse modo, acaba perdendo qualquer característica nacional e se constitui num ver-
dadeiro sistema ibero-americano de processos coletivos, harmonioso e completo, que poderá
ser tomado como modelo pelos países de nossa comunidade, empenhados na transformação
de um processo individualista num processo social.

Outubro de 2004

Roberto Berizonce (Presidente) - Argentina


Ada Pellegrini Grinover - Brasil
Angel Landoni Sosa - Uruguai

173
Das Acções Colectivas em Portugal

INSTITUTO IBERO-AMERICANO DE DIREITO PROCESSUAL


INSTITUTO IBEROAMERICANO DE DERECHO PROCESAL

CÓDIGO MODELO DE PROCESSOS COLETIVOS


PARA IBERO-AMÉRICA

Capítulo I
Disposições gerais

Art. 1.º Cabimento da ação coletiva. A ação coletiva será exercida para a tutela de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos os transindividuais, de natureza indivisí-
vel, de que seja titular um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas por circunstâncias
de fato ou vinculadas, entre si ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base;
II - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendido o conjunto de direitos
subjetivos individuais, decorrentes de origem comum, de que sejam titulares os membros de
um grupo, categoria ou classe.

Art. 2.º Requisitos da ação coletiva. São requisitos da demanda coletiva:


I - a adequada representatividade do legitimado;
II - a relevância social da tutela coletiva, caracterizada pela natureza do bem jurídico, pelas
características da lesão ou pelo elevado número de pessoas atingidas.

Par. 1.º Para a tutela dos interesses ou direitos individuais homogêneos, além dos requisitos indi-
cados nos n.ºs I e II deste artigo, é também necessária a aferição da predominância das ques-
tões comuns sobre as individuais e da utilidade da tutela coletiva no caso concreto.
Par. 2.º Na análise da representatividade adequada o juiz deverá analisar dados como:
a - a credibilidade, capacidade, prestígio e experiência do legitimado;
b - seu histórico na proteção judicial e extrajudicial dos interesses ou direitos dos membros
do grupo, categoria ou classe;
c - sua conduta em outros processos coletivos;
d - a coincidência entre os interesses dos membros do grupo, categoria ou classe e o obje-
to da demanda;
e - o tempo de instituição da associação e a representatividade desta ou da pessoa física
perante o grupo, categoria ou classe.

Par. 3.º O juiz analisará a existência do requisito da representatividade adequada a qualquer


tempo e em qualquer grau do procedimento, aplicando, se for o caso, o disposto no parágra-
fo 4.º do artigo 3.º

Art. 3.º Legitimação ativa. São legitimados concorrentemente à ação coletiva:


I - qualquer pessoa física, para a defesa dos interesses ou direitos difusos de que seja titu-
lar um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas por circunstâncias de fato;
II - o membro do grupo, categoria ou classe, para a defesa dos interesses ou direitos difusos de
que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária
por uma relação jurídica base e para a defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos;

174
Das Acções Colectivas em Portugal

III – o Ministério Público, o Defensor do Povo e a Defensoria Pública;


IV – as pessoas jurídicas de direito público interno;
V – as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem per-
sonalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos
por este código;
VI – as entidades sindicais, para a defesa dos interesses e direitos da categoria;
VII – os partidos políticos, para a defesa de direitos e interesses ligados a seus fins institu-
cionais.
VIII – as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre
seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos neste código, dispensa-
da a autorização assemblear.

Par. 1.º O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto
interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do
bem jurídico a ser protegido.
Par. 2.º Será admitido o litisconsórcio facultativo entre os legitimados.
Par. 3.º Em caso de relevante interesse social, o Ministério Público, se não ajuizar a ação ou não
intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei.
Par. 4.º Em caso de inexistência do requisito da representatividade adequada, de desistência
infundada ou abandono da ação por pessoa física, entidade sindical ou associação legitimada,
o juiz notificará o Ministério Público e, na medida do possível, outros legitimados adequados
para o caso a fim de que assumam, querendo, a titularidade da ação.
Par. 5.º O Ministério Público e os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados
compromisso administrativo de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante
cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.

175
Das Acções Colectivas em Portugal

Capítulo II
Dos provimentos jurisdicionais

Art. 4.º Efetividade da tutela jurisdicional. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos
por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequa-
da e efetiva tutela.

Art. 5.º Tutela jurisdicional antecipada. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar,
total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, com base
em prova consistente, se convença da verossimilhança da alegação e
I - haja fundado receio de ineficácia do provimento final ou
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do
demandado.

Par. 1.º Não se concederá a antecipação da tutela se houver perigo de irreversibilidade do pro-
vimento antecipado, a menos que, num juízo de ponderação dos valores em jogo, a denega-
ção da medida signifique sacrifício irrazoável de bem jurídico relevante.
Par. 2.º Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões
de seu convencimento.
Par. 3.º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão
fundamentada.
Par. 4.º Se não houver controvérsia quanto à parte antecipada na decisão liminar, após a opor-
tunidade de contraditório esta se tornará definitiva e fará coisa julgada, prosseguindo o pro-
cesso, se for o caso, para julgamento dos demais pontos ou questões postos na demanda.

Art. 6.º Obrigações de fazer e não fazer. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da
obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determi-
nará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
Par. 1.º O juiz poderá, na hipótese de antecipação de tutela ou na sentença, impor multa diá-
ria ao demandado, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com
a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.
Par. 2.º O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique
que se tornou insuficiente ou excessiva.
Par. 3.º Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá
o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e
pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força
policial.
Par. 4.º A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar
o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.
Par. 5.º A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa.

Art. 7.º Obrigações de dar. Na ação que tenha por objeto a obrigação de entregar coisa,
determinada ou indeterminada, aplicam-se, no que couber, as disposições do artigo anterior.

Art. 8.º Ação indenizatória. Na ação condenatória à reparação dos danos provocados ao
bem indivisivelmente considerado, a indenização reverterá ao Fundo dos Direitos Difusos e
Individuais Homogêneos, administrado por um Conselho Gestor governamental, de que parti-

176
Das Acções Colectivas em Portugal

ciparão necessariamente membros do Ministério Público, juízes e representantes da comunida-


de, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados ou, não sendo possível, à
realização de atividades tendentes a minimizar a lesão ou a evitar que se repita, dentre outras
que beneficiem o bem jurídico prejudicado.
Par. 1.º O Fundo será notificado da propositura de toda ação coletiva e sobre as decisões mais
importantes do processo e poderá intervir nos processos coletivos em qualquer tempo e grau de
jurisdição para demonstrar a inadequação do representante ou auxiliá-lo na tutela dos interes-
ses ou direitos do grupo, categoria ou classe;
Par. 2.º O Fundo manterá registros que especifiquem a origem e a destinação dos recursos e
indicará a variedade dos bens jurídicos a serem tutelados e seu âmbito regional;
Par. 3.º Dependendo da especificidade do bem jurídico afetado, da extensão territorial abran-
gida e de outras circunstâncias consideradas relevantes, o juiz poderá especificar, em decisão
fundamentada, a destinação da indenização e as providências a serem tomadas para a recons-
tituição dos bens lesados, podendo indicar a realização de atividades tendentes a minimizar a
lesão ou a evitar que se repita, dentre outras que beneficiem o bem jurídico prejudicado;
Par. 4.º A decisão que especificar a destinação da indenização indicará, de modo claro e pre-
ciso, as medidas a serem tomadas pelo Conselho Gestor do Fundo, bem como um prazo razo-
ável para que tais medidas sejam concretizadas;
Par. 5.º Vencido o prazo fixado pelo juiz, o Conselho Gestor do Fundo apresentará relatório das
atividades realizadas, facultada, conforme o caso, a solicitação de sua prorrogação, para com-
plementar as medidas determinadas na decisão judicial.

177
Das Acções Colectivas em Portugal

Capítulo III
Dos processos coletivos em geral

Art. 9.º Competência territorial. É competente para a causa o foro:


I - do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;
II - da Capital, para os danos de âmbito regional ou nacional, aplicando-se as regras per-
tinentes de organização judiciária.

Art. 10.º Pedido e causa de pedir. Nas ações coletivas, o pedido e a causa de pedir serão
interpretados extensivamente.
Par. 1.º Ouvidas as partes, o juiz permitirá a emenda da inicial para alterar ou ampliar o obje-
to da demanda ou a causa de pedir.
Par. 2.º O juiz permitirá a alteração do objeto do processo a qualquer tempo e em qualquer
grau de jurisdição, desde que seja realizada de boa-fé, não represente prejuízo injustificado
para a parte contrária e o contraditório seja preservado.

Art. 11.º Audiência preliminar. Encerrada a fase postulatória, o juiz designará audiência pre-
liminar, à qual comparecerão as partes ou seus procuradores, habilitados a transigir.
Par. 1.º O juiz ouvirá as partes sobre os motivos e fundamentos da demanda e tentará a conci-
liação, sem prejuízo de sugerir outras formas adequadas de solução do conflito, como a media-
ção, a arbitragem e a avaliação neutra de terceiro.
Par. 2.º A avaliação neutra de terceiro, obtida no prazo fixado pelo juiz, é sigilosa, inclusive para
este, e não vinculante para as partes, sendo sua finalidade exclusiva a de orientá-las na tenta-
tiva de composição amigável do conflito.
Par. 3.º Preservada a indisponibilidade do bem jurídico coletivo, as partes poderão transigir
sobre o modo de cumprimento da obrigação.
Par. 4.º Obtida a transação, será homologada por sentença, que constituirá título executivo
judicial.
Par. 5.º Não obtida a conciliação, sendo ela parcial, ou quando, por qualquer motivo, não for
adotado outro meio de solução do conflito, o juiz, fundamentadamente:
I - decidirá se a ação tem condições de prosseguir na forma coletiva;
II - poderá separar os pedidos em ações coletivas distintas, voltadas à tutela, respectiva-
mente, dos interesses ou direitos difusos e individuais homogêneos, desde que a separação
represente economia processual ou facilite a condução do processo;
III - fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determi-
nará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se for
o caso;
IV - esclarecerá os encargos das partes quanto à distribuição do ônus da prova, de acordo
com o disposto no parágrafo 1.º do artigo 12.

Art. 12.º Provas. São admissíveis em juízo todos os meios de prova, desde que obtidos por
meios lícitos, incluindo a prova estatística ou por amostragem.
Par. 1.º O ônus da prova incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações
específicas sobre os fatos, ou maior facilidade em sua demonstração. Não obstante, se por
razões de ordem econômica ou técnica, o ônus da prova não puder ser cumprido, o juiz deter-
minará o que for necessário para suprir à deficiência e obter elementos probatórios indispensá-
veis para a sentença de mérito, podendo requisitar perícias à entidade pública cujo objeto esti-

178
Das Acções Colectivas em Portugal

ver ligado à matéria em debate, condenado-se o demandado sucumbente ao reembolso. Se


assim mesmo a prova não puder ser obtida, o juiz poderá ordenar sua realização, a cargo ao
Fundo de Direitos Difusos e Individuais Homogêneos.
Par. 2.º Durante a fase instrutória, surgindo modificação de fato ou de direito relevante para o
julgamento da causa, o juiz poderá rever, em decisão motivada, a distribuição do ônus da
prova, concedido à parte a quem for atribuída a incumbência prazo razoável para a produção
da prova, observado o contraditório em relação à parte contrária.
Par. 3.º O juiz poderá determinar de ofício a produção de provas, observado o contraditório.

Art. 13.º Julgamento antecipado do mérito. O juiz decidirá desde logo a demanda pelo
mérito, quando não houver necessidade de produção de prova.
Parágrafo único. O juiz poderá decidir desde logo parte da demanda, quando não houver
necessidade de produção de prova, sempre que isso não importe em prejulgamento direto ou
indireto do litígio que continuar pendente de decisão, prosseguindo o processo para a instrução
e julgamento em relação aos demais pedidos nos autos principais e a parte antecipada em
autos complementares.

Art. 14.º Legitimação à liqüidação e execução da sentença condenatória. Decorridos 60


(sessenta) dias da passagem em julgado da sentença de procedência, sem que o autor promo-
va a liquidação ou execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, quando se tratar de interesse
público relevante, facultada igual iniciativa, em todos os casos, aos demais legitimados.

Art. 15.º Custas e honorários. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença con-
denará o demandado, se vencido, nas custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer
outras despesas, bem como em honorários de advogados.
Par. 1.º No cálculo dos honorários, o juiz levará em consideração a vantagem para o grupo,
categoria ou classe, a quantidade e qualidade do trabalho desenvolvido pelo advogado e a
complexidade da causa.
Par. 2.º Se o legitimado for pessoa física, sindicato ou associação, o juiz poderá fixar gratifica-
ção financeira quando sua atuação tiver sido relevante na condução e êxito da ação coletiva.
Par. 3.º Os autores da ação coletiva não adiantarão custas, emolumentos, honorários periciais
e quaisquer outras despesas, nem serão condenados, salvo comprovada má-fé, em honorários
de advogados, custas e despesas processuais.
Par. 4.º O litigante de má-fé e os responsáveis pelos respectivos atos serão solidariamente con-
denados ao pagamento das despesas processuais, em honorários advocatícios e no décuplo
das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.

Art. 16.º Prioridade de processamento. O juiz deverá dar prioridade ao processamento da


ação coletiva, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão do dano ou
pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

Art. 17.º Interrupção da prescrição. A citação válida para a ação coletiva interrompe o prazo
de prescrição das pretensões individuais e transindividuais direta ou indiretamente relacionadas
com a controvérsia, retroagindo o efeito à data da propositura da demanda.

179
Das Acções Colectivas em Portugal

Art. 18.º Efeitos da apelação. A apelação da sentença definitiva tem efeito meramente devo-
lutivo, salvo quando a fundamentação for relevante e puder resultar à parte lesão grave e de
difícil reparação, hipótese em que o juiz pode atribuir ao recurso efeito suspensivo.

Art. 19.º Execução definitiva e execução provisória. A execução é definitiva quando passa-
da em julgado a sentença; e provisória, na pendência dos recursos cabíveis.
Par. 1.º A execução provisória corre por conta e risco do exeqüente, que responde pelos preju-
ízos causados ao executado, em caso de reforma da sentença recorrida.
Par. 2.º A execução provisória permite a prática de atos que importem em alienação do domí-
nio ou levantamento do depósito em dinheiro.
Par. 3.º A pedido do executado, o juiz pode suspender a execução provisória quando dela puder
resultar lesão grave e de difícil reparação.

180
Das Acções Colectivas em Portugal

Capítulo IV
Da ação coletiva para a defesa
de interesses ou direitos individuais homogêneos

Art 20.º Ação coletiva de responsabilidade civil. Os legitimados poderão propor, em nome
próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, dentre outras (art.4º), ação civil coletiva
de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o disposto nos arti-
gos seguintes.
Parágrafo único. A determinação dos interessados poderá ocorrer no momento da liquidação
ou execução do julgado, não havendo necessidade de a petição inicial estar acompanhada da
relação de membros do grupo, classe ou categoria. Conforme o caso, o juiz poderá determi-
nar, ao réu ou a terceiro, a apresentação da relação e dados de pessoas que se enquadram no
grupo, categoria ou classe.

Art. 21.º Citação e notificações. Estando em termos a petição inicial, o juiz ordenará a cita-
ção do réu e a publicação de edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam inter-
vir no processo como assistentes ou coadjuvantes.
Par. 1.º Sem prejuízo da publicação do edital, o juiz determinará sejam os órgãos e entidades de
defesa dos interesses ou direitos protegidos neste Código notificados da existência da demanda
coletiva e de seu trânsito em julgado a fim de que cumpram o disposto no caput deste artigo.
Par. 2.º Quando for possível a execução do julgado, ainda que provisória, ou estiver preclusa
a decisão antecipatória dos efeitos da tutela pretendida, o juiz determinará a publicação de edi-
tal no órgão oficial, às custas do demandado, impondo-lhe, também, o dever de divulgar nova
informação pelos meios de comunicação social, observado o critério da modicidade do custo.
Sem prejuízo das referidas providências, o juízo providenciará a comunicação aos órgãos e
entidades de defesa dos interesses ou direitos protegidos neste código, para efeito do disposto
no parágrafo anterior.
Par. 3.º Os intervenientes não poderão discutir suas pretensões individuais no processo coletivo
de conhecimento.

Art. 22.º Sentença condenatória. Em caso de procedência do pedido, a condenação pode-


rá ser genérica, fixando a responsabilidade do demandado pelos danos causados e o dever de
indenizar.
Par. 1.º Sempre que possível, o juiz calculará o valor da indenização individual devida a cada
membro do grupo na própria ação coletiva
Par. 2.º Quando o valor dos danos individuais sofridos pelos membros do grupo for uniforme,
prevalentemente uniforme ou puder ser reduzido a uma fórmula matemática, a sentença coleti-
va indicará o valor ou a fórmula de cálculo da indenização individual.
Par. 3.º O membro do grupo que considerar que o valor da indenização individual ou a fórmula
para seu cálculo diverso do estabelecido na sentença coletiva, poderá propor ação individual
de liquidação.

Art. 23.º Liquidação e execução individuais. A liquidação e a execução de sentença poderão


ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados à ação coletiva.
Parágrafo único. Na liquidação da sentença, que poderá ser promovida no foro do domicílio
do liquidante, caberá a este provar, tão só, o dano pessoal, o nexo de causalidade e o mon-
tante da indenização.

181
Das Acções Colectivas em Portugal

Art 24.º Execução coletiva. A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitima-
dos à ação coletiva, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiverem sido fixadas em liqui-
dação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções.
Parágrafo único. A execução coletiva far-se-á com base em certidão das decisões de liquida-
ção, da qual constará a ocorrência , ou não, do trânsito em julgado.

Art. 25.º Do pagamento. O pagamento das indenizações ou o levantamento do depósito será


feito pessoalmente aos beneficiários.

Artigo 26.º Competência para a execução. É competente para a execução o juízo:


I – da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual;
II – da ação condenatória, quando coletiva a execução.

Art 27.º Liquidação e execução pelos danos globalmente causados. Decorrido o prazo de
um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano,
poderão os legitimados do artigo 3.º promover a liquidação e execução coletiva da indeniza-
ção devida pelos danos causados.
Parágrafo único. O valor da indenização será fixado de acordo com o dano globalmente cau-
sado, que será demonstrado por todas as provas admitidas em direito. Sendo a produção de
provas difícil ou impossível, em razão da extensão do dano ou de sua complexidade, o valor da
indenização será fixado por arbitramento.

Art 28.º Concurso de créditos. Em caso de concurso de créditos decorrentes de condenação


de que trata o artigo 6.º e de indenizações pelos prejuízos individuais resultantes do mesmo
evento danoso, estas terão preferência no pagamento.
Parágrafo único. Para efeito do disposto neste artigo, a destinação da importância recolhida ao
fundo ficará sustada enquanto pendentes de decisão de segundo grau as ações de indenização
pelos danos individuais, salvo na hipótese de o patrimônio do devedor ser manifestamente sufi-
ciente para responder pela integralidade das dívidas.
Par. 2.º O produto da indenização reverterá para o fundo previsto no artigo 6.º

182
Das Acções Colectivas em Portugal

Capítulo V
Da conexão, da litispendência e da coisa julgada

Art. 29.º Conexão. Se houver conexão entre as causas coletivas, ficará prevento o juízo que
conheceu da primeira ação, podendo ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar
a reunião de todos os processos, mesmo que nestes não atuem integralmente os mesmos sujei-
tos processuais.

Art. 30.º Litispendência. A primeira ação coletiva induz litispendência para as demais ações
coletivas que tenham por objeto controvérsia sobre o mesmo bem jurídico, mesmo sendo dife-
rentes o legitimado ativo e a causa de pedir.

Art. 31.º Relação entre ação coletiva e ações individuais. A ação coletiva não induz litis-
pendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada coletiva (art. 33) não bene-
ficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de 30
(trinta) dias, a contar da ciência efetiva da ação coletiva.
Parágrafo único – Cabe ao demandado informar o juízo da ação individual sobre a existência
de ação coletiva com o mesmo fundamento, sob pena de, não o fazendo, o autor individual
beneficiar-se da coisa julgada coletiva mesmo no caso da demanda individual ser rejeitada.

Art. 32.º Conversão de ações individuais em ação coletiva. O juiz, tendo conhecimento da
existência de diversos processos individuais correndo contra o mesmo demandado, com o
mesmo fundamento, notificará o Ministério Público e, na medida do possível, outros represen-
tantes adequados, a fim de que proponham, querendo, ação coletiva, ressalvada aos autores
individuais a faculdade prevista no artigo anterior.

Art. 33.º Coisa julgada. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa
julgada erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas,
hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento
valendo-se de nova prova.
Par. 1.º Mesmo na hipótese de improcedência fundada nas provas produzidas, qualquer legiti-
mado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, no prazo de (2) dois anos conta-
dos da descoberta de prova nova, superveniente, que não poderia ser produzida no processo,
desde que idônea, por si só, para mudar seu resultado.
Par. 2.º Tratando-se de interesses ou direitos individuais homogêneos, em caso de improcedên-
cia do pedido, os interessados poderão propor ação de indenização a título individual.
Par. 3.º Os efeitos da coisa julgada nas ações em defesa de interesses ou direitos difusos não pre-
judicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou
na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus suces-
sores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos artigos 22 a 24.
Par. 4.º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.
Par. 5.º A competência territorial do órgão julgador não representará limitação para a coisa
julgada erga omnes.

Art. 34.º Relações jurídicas continuativas. Nas relações jurídicas continuativas, se sobrevier
modificação no estado de fato ou de direito, a parte poderá pedir a revisão do que foi estatuí-
do por sentença.

183
Das Acções Colectivas em Portugal

Capítulo VI
Da ação coletiva passiva

Art. 35.º Ações contra o grupo, categoria ou classe. Qualquer espécie de ação pode ser
proposta contra uma coletividade organizada ou que tenha representante adequado, nos ter-
mos do parágrafo 2.º do artigo 2.º deste código, e desde que o bem jurídico a ser tutelado seja
transindividual (artigo 1.º) e se revista de interesse social.

Art. 36.º Coisa julgada passiva: interesses ou direitos difusos. Quando se tratar de inte-
resses ou direitos difusos, a coisa julgada atuará erga omnes, vinculando os membros do grupo,
categoria ou classe.

Art. 37.º Coisa julgada passiva: interesses ou direitos individuais homogêneos. Quando
se tratar de interesses ou direitos individuais homogêneos, a coisa julgada atuará erga omnes
no plano coletivo, mas a sentença de procedência não vinculará os membros do grupo, cate-
goria ou classe, que poderão mover ações próprias ou defender-se no processo de execução
para afastar a eficácia da decisão na sua esfera jurídica individual.
Parágrafo único – Quando a ação coletiva passiva for promovida contra o sindicato, como
substituto processual da categoria, a coisa julgada terá eficácia erga omnes, vinculando indivi-
dualmente todos os membros, mesmo em caso de procedência do pedido.

Art. 38.º Aplicação complementar às ações passivas. Aplica-se complementariamente às


ações coletivas passivas o disposto neste Código quanto às ações coletivas ativas, no que não
for incompatível.

184
Das Acções Colectivas em Portugal

Capítulo VII
Disposições finais

Art. 39.º Princípios de interpretação. Este código será interpretado de forma aberta e flexí-
vel, compatível com a tutela coletiva dos interesses e direitos de que trata.

Art. 40.º Especialização dos magistrados. Sempre que possível, as ações coletivas serão pro-
cessadas e julgadas por magistrados especializados.

Art. 41.º Aplicação subsidiárias das normas processuais gerais e especiais. Aplicam-se
subsidiariamente, no que não forem incompatíveis, as disposições do Código de Processo Civil
e legislação especial pertinente.

Agosto de 2004

185
Das Acções Colectivas em Portugal

ANTEPROJETO DE
CÓDIGO BRASILEIRO DE PROCESSOS COLETIVOS

Janeiro de 2.007
Ministério da Justiça – Última versão
Incorporando sugestões da Casa Civil, Secretaria de Assuntos Legislativos, PGFN e dos
Ministérios Públicos de Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

1 – A Lei n. 7.347/85 – a denominada lei da ação civil pública - acaba de completar 20 anos.
Há muito com o que se regozijar, mas também resta muito a fazer. Não há dúvidas de que a lei
revolucionou o direito processual brasileiro, colocando o país numa posição de vanguarda entre
os países de civil law e ninguém desconhece os excelentes serviços prestados à comunidade na
linha evolutiva de um processo individualista para um processo social. Muitos são seus méritos,
ampliados e coordenados pelo sucessivo Código de Defesa do Consumidor, de 1990. Mas
antes mesmo da entrada em vigor do CDC, e depois de sua promulgação, diversas leis regula-
ram a ação civil pública, em dispositivos esparsos e às vezes colidentes. Podem-se, assim, citar
os artigos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º e 7.º da Lei n.º 7.853, de 24 de outubro de 1989; o artigo 3.º da
Lei n.º 7.913, de 7 de dezembro de 1989; os artigos 210, 211, 212, 213, 215, 217, 218,
219, 222, 223 e 224 da Lei n.º 8.069, de 13 de junho de 1990; o artigo 17 da Lei n.º 8.429,
de 2 de junho de 1992; o artigo 2.º da Lei n.º 9.494, de 10 de setembro de 1997; e os arti-
gos 80, 81, 82, 83, 85, 91, 92 e 93 da Lei n.º 10.741, de 1.º de outubro de 2003.
Outras dificuldades têm sido notadas pela concomitante aplicação à tutela de direitos ou inte-
resses difusos e coletivos da Ação Civil Pública e da Ação Popular constitucional, acarretando
problemas práticos quanto à conexão, à continência e à prevenção, assim como reguladas pelo
CPC, o qual certamente não tinha e não tem em vista o tratamento das relações entre proces-
sos coletivos. E mesmo entre diversas ações civis públicas, concomitantes ou sucessivas, têm sur-
gido problemas que geraram a multiplicidade de liminares, em sentido oposto, provocando um
verdadeiro caos processual que foi necessário resolver mediante a suscitação de conflitos de
competência perante o STJ. O que indica, também, a necessidade de regular de modo diverso
a questão da competência concorrente. Seguro indício dos problemas suscitados pela compe-
tência concorrente é a proposta de Emenda Constitucional que atribui ao STJ a escolha do juízo
competente para processar e julgar a demanda coletiva.
Assim, não se pode desconhecer que 20 anos de aplicação da LACP, com os aperfeiçoamentos
trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor, têm posto à mostra não apenas seus méritos,
mas também suas falhas e insuficiências, gerando reações, quer do legislativo, quer do execu-
tivo, quer do judiciário, que objetivam limitar seu âmbito de aplicação. No campo do governo
e do Poder Legislativo, vale lembrar, por exemplo, medidas provisórias e leis que tentaram limi-
tar os efeitos da sentença ao âmbito territorial do juiz, que restringiram a utilização de ações
civis públicas contra a Fazenda Pública e por parte das associações – as quais, aliás, necessi-
tam de estímulos para realmente ocuparem o lugar de legitimados ativos que lhes compete. E,
no campo jurisdicional, podemos lembrar as posições contrárias à legitimação das defensorias
públicas, ao controle difuso da constitucionalidade na ação civil pública, à extração de carta de

186
Das Acções Colectivas em Portugal

sentença para execução provisória por parte do beneficiário que não foi parte da fase de con-
hecimento do processo coletivo, assim como, de um modo geral, a interpretação rígida das nor-
mas do processo, sem a necessária flexibilização da técnica processual.
E ainda: a aplicação prática das normas brasileiras sobre processos coletivos (ação civil públi-
ca, ação popular, mandado de segurança coletivo) tem apontado para dificuldades práticas
decorrentes da atual legislação: assim, por exemplo, dúvidas surgem quanto à natureza da
competência territorial (absoluta ou relativa), sobre a litispendência (quando é diverso o legiti-
mado ativo), a conexão (que, rigidamente interpretada, leva à proliferação de ações coletivas e
à multiplicação de decisões contraditórias), à possibilidade de se repetir a demanda em face de
prova superveniente e a de se intentar ação em que o grupo, categoria ou classe figure no pólo
passivo da demanda.
Por outro lado, a evolução doutrinária brasileira a respeito dos processos coletivos autoriza a
elaboração de um verdadeiro Direito Processual Coletivo, como ramo do direito processual civil,
que tem seus próprios princípios e institutos fundamentais, diversos dos do Direito Processual
Individual. Os institutos da legitimação, competência, poderes e deveres do juiz e do Ministério
Público, conexão, litispendência, liquidação e execução da sentença, coisa julgada, entre
outros, têm feição própria nas ações coletivas que, por isso mesmo, se enquadram numa Teoria
Geral dos Processos Coletivos. Diversas obras, no Brasil, já tratam do assunto. E o país, pio-
neiro no tratamento dos interesses e direitos transindividuais e dos individuais homogêneos, por
intermédio da LACP e do CDC, tem plena capacidade para elaborar um verdadeiro Código de
Processos Coletivos, que mais uma vez o colocará numa posição de vanguarda, revisitando os
princípios processuais e a técnica processual por intermédio de normas mais abertas e flexíveis,
que propiciem a efetividade do processo coletivo.

2 – Acresça-se a tudo isto a elaboração do Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-
América, aprovado nas Jornadas do Instituto Ibero-americano de Direito Processual, na
Venezuela, em outubro de 2004. Ou seja, de um Código que possa servir não só como repo-
sitório de princípios, mas também como modelo concreto para inspirar as reformas, de modo a
tornar mais homogênea a defesa dos interesses e direitos transindividuais em países de cultura
jurídica comum.
Deveu-se a Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Antonio Gidi a elaboração da primeira
proposta de um Código Modelo, proposta essa que aperfeiçoou as regras do microssistema
brasileiro de processos coletivos, sem desprezar a experiência das class-actions norte-america-
nas. Muitas dessas primeiras regras, que foram apefeiçoadas com a participação ativa de outros
especialistas ibero-americanos (e de mais um brasileiro, Aluísio de Castro Mendes), passaram
depois do Código Modelo para o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos.

3 - O Código Modelo foi profundamente analisado e debatido no Brasil, no final de 2.003, ao


ensejo do encerramento do curso de pós-graduação stricto sensu da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, por professores e pós-graduandos da disciplina “Processos
Coletivos”, ministrada em dois semestres por Ada Pellegrini Grinover e Kazuo Watanabe, para
verificar como e onde suas normas poderiam ser incorporadas, com vantagem, pela legislação
brasileira. E daí surgiu a idéia da elaboração de um Código Brasileiro de Processos Coletivos,
que aperfeiçoasse o sistema, sem desfigurá-lo. Ada Pellegrini Grinover coordenou os trabalhos
do grupo de pós-graduandos de 2.003 que se dispôs a preparar propostas de Código Brasileiro
de Processos Coletivos, progressivamente trabalhadas e melhoradas. O grupo inicialmente foi
formado pelo doutorando Eurico Ferraresi e pelos mestrandos Ana Cândida Marcato, Antônio

187
Das Acções Colectivas em Portugal

Guidoni Filho e Camilo Zufelato. Depois, no encerramento do curso de 2004, outra turma de
pós-graduandos, juntamente com a primeira, aportou aperfeiçoamentos à proposta, agora
também contando com a profícua colaboração de Carlos Alberto Salles e Paulo Lucon. Nasceu
assim a primeira versão do Anteprojeto, trabalhado também pelos mestrandos, doutorandos e
professores da disciplina, durante o ano de 2005. O Instituto Brasileiro de Direito Processual,
por intermédio de seus membros, ofereceu diversas sugestões. No segundo semestre de 2005,
o texto foi analisado por grupos de mestrandos da UERJ e da Universidade Estácio de Sá, sob
a orientação de Aluísio de Castro Mendes, daí surgindo mais sugestões. O IDEC também foi
ouvido e aportou sua contribuição ao aperfeiçoamento do Anteprojeto. Colaboraram na reda-
ção final da primeira versão do Anteprojeto juízes das Varas especializadas já existentes no país.
Foram ouvidos membros do Ministério Público da União, do Distrito Federal e de diversos
Estados, que trouxeram importantes contribuições. Enfim, a primeira versão do Anteprojeto foi
apresentada pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual ao Ministério da Justiça, em dezem-
bro de 2005. Submetido a consulta pública, sugestões de aperfeiçoamento vieram de órgãos
públicos (Casa Civil, Secretaria de Assuntos Legislativos, PGFN e Fundo dos Interesses Difusos),
bem como dos Ministérios Públicos de Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo.
Após novos debates, as sugestões foram criteriosamente examinadas por professores e pós-gra-
duandos da turma de 2006 da disciplina “Processos Coletivos” da Faculdade de Direito da USP
e diversas delas foram incorporadas ao Anteprojeto. Este é agora reapresentado ao Ministério
da Justiça, como versão final, datada de dezembro de 2006.

4 – Em síntese, pode-se afirmar que a tônica do Anteprojeto é a de manter, em sua essência,


as normas da legislação em vigor, aperfeiçoando-as por intermédio de regras não só mais cla-
ras, mas sobretudo mais flexíveis e abertas, adequadas às demandas coletivas. Corresponde a
essa necessidade de flexibilização da técnica processual um aumento dos poderes do juiz – o
que, aliás, é uma tendência até do processo civil individual. Na revisitação da técnica proces-
sual, são pontos importantes do Anteprojeto a reformulação do sistema de preclusões – sempre
na observância do contraditório -, a reestruturação dos conceitos de pedido e causa de pedir –
a serem interpretados extensivamente – e de conexão, continência e litispendência – que devem
levar em conta a identidade do bem jurídico a ser tutelado; o enriquecimento da coisa julgada,
com a previsão do julgado “secundum eventum probationis”; a ampliação dos esquemas da
legitimação, para garantir maior acesso à justiça, mas com a paralela observância de requisi-
tos que configuram a denominada “representatividade adequada” e põem em realce o neces-
sário aspecto social da tutela dos interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogê-
neos, colocando a proteção dos direitos fundamentais de terceira geração a salvo de uma inde-
sejada banalização.

5 – O Anteprojeto engloba os atuais processos coletivos brasileiros – com exceção dos relativos
ao controle da constitucionalidade, que não se destinam à defesa de interesses ou direitos de
grupos, categorias ou classes de pessoas -, sendo constituído de VI Capítulos.
O Capítulo I inicia-se com a enumeração dos princípios gerais da tutela jurisdicional coletiva.
Não foi incorporado no texto a exclusão de certas demandas, pela matéria, hoje constante do
parágrafo único do art. 1.º da Lei da Ação Civil Pública, uma vez que representa uma injustifi-
cada vulneração aos princípios do acesso à justiça, da universalidade de jurisdição e da eco-
nomia processual, bem como inaceitável privilégio da Fazenda Pública. O Capítulo cuida das
demandas coletivas em geral, aplicando-se a todas elas e tratando de manter diversos disposi-
tivos vigentes, mas também regrando matérias novas ou reformuladas – como o pedido e a

188
Das Acções Colectivas em Portugal

causa de pedir, a conexão e a continência, a relação entre ação coletiva e ações individuais, a
questão dos processos individuais repetitivos. Também novas são as normas sobre interrupção
da prescrição, a prioridade de processamento da demanda coletiva sobre as individuais e a uti-
lização de meios eletrônicos para a prática de atos processuais, a preferência pelo processa-
mento e julgamento por juízos especializados, a previsão de gratificação financeira para seg-
mentos sociais que atuem na condução do processo. A questão do ônus da prova é revisitada,
dentro da moderna teoria da carga dinâmica da prova. As normas sobre coisa julgada, embo-
ra atendo-se ao regime vigente, são simplificadas, contemplando, como novidade, a possibili-
dade de repropositura da ação, no prazo de 2 (dois) anos contados do conhecimento geral da
descoberta de prova nova, superveniente, idônea para mudar o resultado do primeiro processo
e que neste não foi possível produzir. Os efeitos da apelação e a execução provisória têm regi-
me próprio, adequado às novas tendências do direito processual, e subtraindo-se a sentença
proferida no processo coletivo do reexame necessário.
O Capítulo II, dividido em duas seções, trata da ação coletiva. Preferiu-se essa denominação à
tradicional de “ação civil pública”, não só por razões doutrinárias, mas sobretudo para obstar a
decisões que não têm reconhecido a legitimação de entidades privadas a uma ação que é deno-
minada de “pública”. É certo que a Constituição alude à “ação civil pública”, mas é igualmente
certo que o Código de Defesa do Consumidor já a rotula como “ação coletiva”. Certamente, a
nova denominação não causará problemas práticos, dado o detalhamento legislativo a que ela
é submetida. Trata-se apenas de uma mudança de nomenclatura, mais precisa e conveniente.
A Seção I deste Capítulo é voltada às disposições gerais, deixando-se expresso o cabimento da
ação como instrumento do controle difuso de constitucionalidade. A grande novidade consiste
em englobar nas normas sobre a legitimação ativa, consideravelmente ampliada, requisitos fixa-
dos por lei, correspondentes à categoria da “representatividade adequada”. A representativida-
de adequada é, assim, comprovada por critérios objetivos, legais, para a grande maioria dos
legitimados, com exceção da pessoa física – à qual diversas constituições ibero-americanas con-
ferem legitimação – em relação a quem o juiz aferirá a presença dos requisitos em concreto.
Por outro lado, a exigência de representatividade adequada é essencial para o reconhecimento
legal da figura da ação coletiva passiva, objeto do Capítulo III, em que o grupo, categoria ou
classe de pessoas figura na relação jurídica processual como réu.
A regra de competência territorial é deslocada para esse Capítulo (no CDC figura indevida-
mente entre as regras que regem a ação em defesa de interesses ou direitos individuais homo-
gêneos, o que tem provocado não poucas discussões), eliminando-se, em alguns casos, a regra
da competência concorrente entre Capitais dos Estados e Distrito Federal ou entre comarcas,
motivo de proliferações de demandas e de decisões contraditórias. Para as demandas de índo-
le nacional é fixada a competência territorial do Distrito Federal, único critério que possibilitará
centralizá-las, evitando investidas do Legislativo atualmente consubstanciadas em proposta de
Emenda Constitucional que pretende atribuir ao STJ a competência para decidir a respeito do
foro competente. Regras de competência devem ser fixadas pela lei e não pelos tribunais. De
outro lado, a relativa centralização da competência vem balanceada pela maior flexibilidade da
legitimação entre os diversos órgãos do Ministério Público, que poderão atuar fora dos limites
funcionais e territoriais de suas atribuições (quer em relação ao inquérito civil, quer em relação
à propositura da demanda – conforme, aliás, já permite a Lei Nacional do Ministério Público).
A mesma flexibilidade é atribuída a outros entes legitimados.
O inquérito civil é mantido nos moldes da Lei da Ação Civil Pública, mas se deixa claro que as
peças informativas nele colhidas só poderão ser aproveitadas na ação coletiva desde que sub-
metidas a contraditório, ainda que diferido. Afinal, a Constituição federal garante o contraditó-

189
Das Acções Colectivas em Portugal

rio no processo administrativo, conquanto não punitivo, em que haja “litigantes” (ou seja, titu-
lares de conflitos de interesses), obtendo-se de sua observância, como resultado, a maior pos-
sibilidade de lavratura do termo de ajustamento de conduta e da própria antecipação de tute-
la, com base nas provas colhidas no inquérito, que poderão atender ao requisito da “prova
incontroversa”.
O termo de ajustamento de conduta é objeto de normas mais minuciosas, esbatendo dúvidas
que existem nessa matéria a respeito dos procedimentos utilizados pelo Ministério Público.
Deixa-se ao Ministério Público maior liberdade para intervir no processo como fiscal da lei. A fixa-
ção do valor da causa é dispensado quando se trata de danos inestimáveis, evitando-se assim
inúmeros incidentes processuais, mas seu valor será fixado na sentença. A audiência preliminar
é tratada nos moldes de proposta legislativa existente para o processo individual, com o intuito
de transformar o juiz em verdadeiro gestor do processo, dando-se ênfase aos meios alternativos
de solução de controvérsias; deixa-se claro, aliás, até onde poderá ir a transação – outra dúvida
que tem aparecido nas demandas coletivas - bem como seus efeitos no caso de acordo a que
não adira o membro do grupo, categoria ou classe, em se tratando de direitos ou interesses indi-
viduais homogêneos. O Fundo dos Direitos Difusos e Coletivos, dividido em federal e estaduais,
é regulamentado de modo a resguardar a destinação do dinheiro arrecadado, cuidando-se tam-
bém do necessário controle e da devida transparência. Além disso, norma de relevante interesse
para os autores coletivos atribui ao Fundo a responsabilidade pelo adiantamento dos custos das
perícias, verba essa que deverá ser incluída no orçamento da União e dos Estados.
A Seção II do Capítulo II trata da ação coletiva para a defesa de interesses ou direitos indivi-
duais homogêneos. E, com relação à ação de responsabilidade civil reparatória dos danos pes-
soalmente sofridos, inova no regime das notificações, necessárias não só no momento da pro-
positura da demanda – como é hoje – mas também quando houver decisões que favoreçam os
membros do grupo: com efeito, o desconhecimento da existência de liminares ou da sentença
de procedência tem impedido aos beneficiados a fruição de seus direitos. Outra novidade está
na sentença condenatória que, quando possível, não será genérica, mas poderá fixar a indeni-
zação devida aos membros do grupo, ressalvado o direito à liquidação individual. Estabelecem-
se novas regras sobre a liquidação e a execução da sentença, coletiva ou individual, amplian-
do as regras de competência e a legitimação, tudo no intuito de facilitar a fruição dos direitos
por parte dos beneficiários. É mantida a fluid recovery, mas com a novidade de que, enquanto
não prescritas as pretensões individuais, o Fundo ficará responsável pelo pagamento, até o limi-
te da importância que lhe foi recolhida.
O Capítulo III introduz no ordenamento brasileiro a ação coletiva passiva originária, ou seja a
ação promovida não pelo, mas contra o grupo, categoria ou classe de pessoas. A denomina-
ção pretende distinguir essa ação coletiva passiva de outras, derivadas, que decorrem de outros
processos, como a que se configura, por exemplo, numa ação rescisória ou nos embargos do
executado na execução por título extrajudicial. A jurisprudência brasileira vem reconhecendo o
cabimento da ação coletiva passiva originária (a defendant class action do sistema norte-ame-
ricano), mas sem parâmetros que rejam sua admissibilidade e o regime da coisa julgada. A
pedra de toque para o cabimento dessas ações é a representatividade adequada do legitimado
passivo, acompanhada pelo requisito do interesse social. A ação coletiva passiva será admitida
para a tutela de interesses ou direitos difusos ou coletivos, pois esse é o caso que desponta na
“defendant class action”, conquanto os efeitos da sentença possam colher individualmente os
membros do grupo, categoria ou classe de pessoas. Por isso, o regime da coisa julgada é per-
feitamente simétrico ao fixado para as ações coletivas ativas.
O Capítulo IV trata do mandado de segurança coletivo, até hoje sem disciplina legal. Deixa-se

190
Das Acções Colectivas em Portugal

claro que pode ele ser impetrado, observados os dispositivos constitucionais, para a defesa de
direito líquido e certo ligado a interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêne-
os, espancando-se assim dúvidas doutrinárias e jurisprudenciais. Amplia-se a legitimação para
abranger o MP, a Defensoria Pública e as entidades sindicais. De resto, aplicam-se ao manda-
do de segurança coletivo as disposições da Lei n. 1.533/51, no que não forem incompatíveis
com a defesa coletiva, assim como o Capítulo I do Código, inclusive no que respeita às custas
e honorários advocatícios.
O Capítulo V trata das ações populares, sendo a Seção I dedicada à ação popular constitucio-
nal. Aplicam-se aqui as disposições do Capítulo I e as regras da Lei n. 4.717/65, com a modifi-
cação de alguns artigos desta para dar maior liberdade de ação ao Ministério Público, para pre-
ver a cientificação do representante da pessoa jurídica de direito público e para admitir a repro-
positura da ação, diante de prova superveniente, nos moldes do previsto para a ação coletiva.
A Seção II do Capítulo V cuida da ação de improbidade administrativa que, embora rotulada
pela legislação inerente ao MP como ação civil pública, é, no entanto, uma verdadeira ação
popular (destinada à proteção do interesse público e não à defesa de interesses e direitos de
grupos, categorias e classes de pessoas), com legitimação conferida por lei ao Ministério
Público. Esta legitimação encontra embasamento no art.129, IX, da Constituição. Aqui também
a lei de regência será a Lei n.8.429/92, aplicando-se à espécie as disposições do Capítulo I do
Código, com exceção da interpretação extensiva do pedido e da causa de pedir, que não se
coaduna com uma ação de índole sancionatória.
Finalmente, o Capítulo VI trata das disposições finais, criando o Cadastro Nacional de Processos
Coletivos, a ser organizado e mantido pelo Conselho Nacional de Justiça; traçando princípios
de interpretação; determinando a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, no que
não for incompatível, independentemente da Justiça competente e notadamente quanto aos
recursos e dando nova redação a dispositivos legais (inclusive em relação à antecipação de tute-
la e à sua estabilização, nos moldes do référé francês e consoante Projeto de Lei do Senado).
Revogam-se expressamente: a Lei da Ação Civil Pública e os arts. 81 a 104 do Código de
Defesa do Consumidor (pois o Anteprojeto trata por completo da matéria); o parágrafo 3.º do
art. 5.º da Lei da Ação Popular, que fixa a prevenção da competência no momento da propo-
situra da ação, colidindo com o princípio do Capítulo I do Anteprojeto; bem como diversos dis-
positivos de leis esparsas que se referem à ação civil pública, cujo cuidadoso levantamento foi
feito por Marcelo Vigliar e que tratam de matéria completamente regulada pelo Anteprojeto.
A entrada em vigor do Código é fixada em cento e oitenta dias a contar de sua publicação.

6 - Cumpre observar, ainda, que o texto ora apresentado representa um esforço coletivo, sério
e equilibrado, no sentido de reunir, sistematizar e melhorar as regras brasileiras sobre processos
coletivos, hoje existentes em leis esparsas, às vezes inconciliáveis entre si, harmonizando-as e
conferindo-lhes tratamento consentâneo com a relevância jurídica, social e política dos interes-
ses e direitos transindividuais e individuais homogêneos. Tudo com o objetivo de tornar sua apli-
cação mais clara e correta, de superar obstáculos e entraves que têm surgido na prática legis-
lativa e judiciária e de inovar na técnica processual, de modo a extrair a maior efetividade pos-
sível de importantes instrumentos constitucionais de direito processual.

São Paulo, janeiro de 2007


Ada Pellegrini Grinover
Professora Titular de Direito Processual da USP
Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual

191
Das Acções Colectivas em Portugal

Capítulo I
Das demandas coletivas

Art. 1.º Conteúdo do Código – Este Código dispõe sobre os processos coletivos relativos às
ações coletivas ativas, à ação coletiva passiva originária, ao mandado de segurança coletivo, à
ação popular constitucional e à ação de improbidade administrativa.

Art. 2.º Princípios da tutela jurisdicional coletiva – São princípios da tutela jurisdicional
coletiva:
a. acesso à justiça e à ordem jurídica justa;
b. universalidade da jurisdição;
c. participação pelo processo e no processo;
d. tutela coletiva adequada;
e. boa-fé e cooperação das partes e de seus procuradores;
f. cooperação dos órgãos públicos na produção da prova;
g. economia processual;
h. instrumentalidade das formas;
i. ativismo judicial;
j. flexibilização da técnica processual;
k. dinâmica do ônus da prova;
l. representatividade adequada;
m. intervenção do Ministério Público em casos de relevante interesse social;
n. não taxatividade da ação coletiva;
o. ampla divulgação da demanda e dos atos processuais;
p. indisponibilidade temperada da ação coletiva;
q. continuidade da ação coletiva;
r. obrigatoriedade do cumprimento e da execução da sentença;
s. extensão subjetiva da coisa julgada, coisa julgada secundum eventum litis e secundum
probationem;
t. reparação dos danos materiais e morais;
u. aplicação residual do Código de Processo Civil;
v. proporcionalidade e razoabilidade.

Art. 3.º Efetividade da tutela jurisdicional – Para a defesa dos direitos e interesses indica-
dos neste Código são admissíveis todas as espécies de ações e provimentos capazes de pro-
piciar sua adequada e efetiva tutela, inclusive os previstos no Código de Processo Civil e em
leis especiais.
§ 1.º O juiz, instaurado o contraditório, poderá desconsiderar a pessoa jurídica, nas hipóteses
previstas no artigo 50 Código Civil e no artigo 4.º da Lei n.º 9.605/98.
§ 2.º Para a tutela dos interesses e direitos previstos nas alíneas II e III do artigo 3.º e observa-
da a disponibilidade do bem jurídico protegido, as partes poderão estipular convenção de arbi-
tragem, a qual se regerá pelas disposições do Código de Processo Civil e da Lei n.º 9.307, de
23 de setembro de 1996.

Art. 4.º Objeto da tutela coletiva – A demanda coletiva será exercida para a tutela de:
I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos os transindividuais, de natureza indivisível, de
que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

192
Das Acções Colectivas em Portugal

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos os transindividuais, de natureza indivisível,


de que seja titular um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas, entre si ou com a parte
contrária, por uma relação jurídica base;
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem
comum.
Parágrafo único. A análise da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou ato nor-
mativo poderá ser objeto de questão prejudicial, pela via do controle difuso.

Art. 5.º Pedido e causa de pedir – Nas ações coletivas, a causa de pedir e o pedido serão
interpretados extensivamente, em conformidade com o bem jurídico a ser protegido.
Parágrafo único. A requerimento da parte interessada, até a prolação da sentença, o juiz per-
mitirá a alteração do pedido ou da causa de pedir, desde que seja realizada de boa-fé, não
represente prejuízo injustificado para a parte contrária e o contraditório seja preservado,
mediante possibilidade de nova manifestação de quem figure no pólo passivo da demanda, no
prazo de 10 (dez) dias, com possibilidade de prova complementar, observado o parágrafo 3º
do artigo 10.

Art. 6.º Relação entre demandas coletivas – Observado o disposto no artigo 22 deste
Código, as demandas coletivas de qualquer espécie poderão ser reunidas, de ofício ou a reque-
rimento das partes, ficando prevento o juízo perante o qual a demanda foi distribuída em pri-
meiro lugar, quando houver:
I – conexão, pela identidade de pedido ou causa de pedir ou da defesa, conquanto diferentes
os legitimados ativos, e para os fins da ação prevista no Capítulo III, os legitimados passivos;
II – conexão probatória, desde que não haja prejuízo à duração razoável do processo;
III – continência, pela identidade de partes e causa de pedir, observado o disposto no inciso
anterior, sendo o pedido de uma das ações mais abrangente do que o das demais.
§ 1.º Na análise da identidade do pedido e da causa de pedir, será considerada a identidade
do bem jurídico a ser protegido.
§ 2.º Na hipótese de conexidade entre ações coletivas referidas ao mesmo bem jurídico, o juiz
prevento, até o início da instrução, deverá determinar a reunião de processos para julgamento
conjunto e, iniciada a instrução, poderá determiná-la, desde que não haja prejuízo à duração
razoável do processo;
§ 3.º Aplicam-se à litispendência as regras dos incisos I e III deste artigo, quanto à identidade
de legitimados ativos ou passivos, e a regra de seu parágrafo 1º, quanto à identidade do pedi-
do e da causa de pedir ou da defesa.

Art. 7.º Relação entre demanda coletiva e ações individuais – A demanda coletiva não
induz litispendência para as ações individuais em que sejam postulados direitos ou interesses
próprios e específicos de seus autores, mas os efeitos da coisa julgada coletiva (art. 13 deste
Código) não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão
no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência efetiva da demanda coletiva nos autos da ação
individual.
§ 1.º Cabe ao demandado informar o juízo da ação individual sobre a existência de demanda
coletiva que verse sobre idêntico bem jurídico, sob pena de, não o fazendo, o autor individual
beneficiar-se da coisa julgada coletiva mesmo no caso de a ação individual ser rejeitada.
§ 2.º A suspensão do processo individual perdurará até o trânsito em julgado da sentença cole-
tiva, facultado ao autor requerer a retomada do curso do processo individual, a qualquer tempo,

193
Das Acções Colectivas em Portugal

independentemente da anuência do réu, hipótese em que não poderá mais beneficiar-se da sen-
tença coletiva.
§ 3.º O Tribunal, de ofício, por iniciativa do juiz competente ou a requerimento da parte, após
instaurar, em qualquer hipótese, o contraditório, poderá determinar a suspensão de processos
individuais em que se postule a tutela de interesses ou direitos referidos a relação jurídica subs-
tancial de caráter incindível, pela sua própria natureza ou por força de lei, a cujo respeito as
questões devam ser decididas de modo uniforme e globalmente, quando houver sido ajuizada
demanda coletiva versando sobre o mesmo bem jurídico.
§ 4.º Na hipótese do parágrafo anterior, a suspensão do processo perdurará até o trânsito em
julgado da sentença coletiva, vedada ao autor a retomada do curso do processo individual
antes desse momento.

Art. 8.º Comunicação sobre processos repetitivos. O juiz, tendo conhecimento da existên-
cia de diversos processos individuais correndo contra o mesmo demandado, com identidade de
fundamento jurídico, notificará o Ministério Público e, na medida do possível, outros legitima-
dos, a fim de que proponham, querendo, demanda coletiva, ressalvada aos autores individuais
a faculdade prevista no artigo anterior.
Parágrafo único. Caso o Ministério Público não promova a demanda coletiva, no prazo de 90
(noventa) dias, o juiz, se considerar relevante a tutela coletiva, fará remessa das peças dos pro-
cessos individuais ao Conselho Superior do Ministério Público, que designará outro órgão do
Ministério Público para ajuizar a demanda coletiva, ou insistirá, motivadamente, no não ajuiza-
mento da ação, informando o juiz.

Art. 9.º Efeitos da citação –A citação válida para a demanda coletiva interrompe o prazo de
prescrição das pretensões individuais e transindividuais direta ou indiretamente relacionadas
com a controvérsia, retroagindo o efeito à data da propositura da ação.

Art. 10.º Prioridade de processamento e utilização de meios eletrônicos – O juiz deverá


dar prioridade ao processamento da demanda coletiva sobre as individuais, servindo-se prefe-
rencialmente dos meios eletrônicos para a prática de atos processuais do juízo e das partes,
observados os critérios próprios que garantam sua autenticidade.

Art. 11.º Provas – São admissíveis em juízo todos os meios de prova, desde que obtidos por
meios lícitos, incluindo a prova estatística ou por amostragem.
§ 1.º Sem prejuízo do disposto no artigo 333 do Código de Processo Civil, o ônus da prova
incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos,
ou maior facilidade em sua demonstração.
§ 2.º O ônus da prova poderá ser invertido quando, a critério do juiz, for verossímil a alega-
ção, segundo as regras ordinárias de experiência, ou quando a parte for hipossuficiente.
§ 3.º Durante a fase instrutória, surgindo modificação de fato ou de direito relevante para o jul-
gamento da causa (parágrafo único do artigo 5.º deste Código), o juiz poderá rever, em deci-
são motivada, a distribuição do ônus da prova, concedendo à parte a quem for atribuída a
incumbência prazo razoável para sua produção, observado o contraditório em relação à parte
contrária (artigo 25, parágrafo 5.º, inciso IV).
§ 4.º O juiz poderá determinar de ofício a produção de provas, observado o contraditório.
§ 5.º Para a realização de prova técnica, o juiz poderá solicitar a elaboração de laudos ou rela-
tórios a órgãos, fundações ou universidades públicas especializados na matéria.

194
Das Acções Colectivas em Portugal

Art. 12.º Motivação das decisões judiciárias. Todas as decisões deverão ser especificamen-
te fundamentadas, especialmente quanto aos conceitos jurídicos indeterminados.
Parágrafo único. Na sentença de improcedência, o juiz deverá explicitar, no dispositivo, se
rejeita a demanda por insuficiência de provas.

Art. 13.º Coisa julgada – Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa
julgada erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas,
hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento
valendo-se de nova prova.
§ 1.º Tratando-se de interesses ou direitos individuais homogêneos (art. 3º, III, deste Código),
em caso de improcedência do pedido, os interessados poderão propor ação a título individual.
§ 2.º Os efeitos da coisa julgada nas ações em defesa de interesses ou direitos difusos ou cole-
tivos (art. 4.º, I e II, deste Código) não prejudicarão as ações de indenização por danos pesso-
almente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste Código, mas, se proce-
dente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação
e à execução, nos termos dos arts. 34 e 35.
§ 3.º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.
§ 4.º A competência territorial do órgão julgador não representará limitação para a coisa jul-
gada erga omnes.
§ 5.º Mesmo na hipótese de sentença de improcedência, fundada nas provas produzidas, qual-
quer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, no prazo de 2 (dois)
anos contados do conhecimento geral da descoberta de prova nova, superveniente, que não
poderia ser produzida no processo, desde que idônea para mudar seu resultado.
§ 6.º A faculdade prevista no parágrafo anterior, nas mesmas condições, fica assegurada ao
demandado da ação coletiva julgada procedente.

Art. 14.º Efeitos do recurso da sentença definitiva – O recurso interposto contra a senten-
ça tem efeito meramente devolutivo, salvo quando a fundamentação for relevante e puder resul-
tar à parte lesão grave e de difícil reparação, hipótese em que o juiz, ponderando os valores em
jogo, poderá atribuir ao recurso efeito suspensivo.
Parágrafo único. As sentenças que julgam as demandas coletivas não se submetem ao reexa-
me necessário.

Art. 15.º Legitimação à liquidação e execução da sentença condenatória – Na hipótese


de o autor da demanda coletiva julgada procedente não promover, em 120 (cento e vinte) dias,
a liquidação ou execução da sentença, deverá fazê-lo o Ministério Público, quando se tratar de
interesse público relevante, facultada igual iniciativa, em todos os casos, aos demais legitima-
dos (art. 20 deste Código).

Art. 16.º Execução definitiva e execução provisória – A execução é definitiva quando pas-
sada em julgado a sentença; e provisória, na pendência dos recursos cabíveis.
§ 1.º A execução provisória corre por conta e risco do exeqüente, que responde pelos prejuízos
causados ao executado, em caso de reforma da sentença recorrida.
§ 2.º A execução provisória permite a prática de atos que importem em alienação do domínio
ou levantamento do depósito em dinheiro.
§ 3.º A pedido do executado, o tribunal pode suspender a execução provisória quando dela
puder resultar lesão grave e de difícil reparação.

195
Das Acções Colectivas em Portugal

Art. 17.º Custas e honorários – Nas demandas coletivas de que trata este código, a senten-
ça condenará o demandado, se vencido, nas custas, emolumentos, honorários periciais e quais-
quer outras despesas, bem como em honorários de advogados, calculados sobre a conde-
nação.
§ 1.º Tratando-se de condenação a obrigação específica ou de condenação genérica, os hono-
rários advocatícios serão fixados levando-se em consideração a vantagem para o grupo, cate-
goria ou classe, a quantidade e qualidade do trabalho desenvolvido pelo advogado e a com-
plexidade da causa.
§ 2.º O Poder Público, quando demandado e vencido, incorrerá na condenação prevista neste
artigo.
§ 3.º Se o legitimado for pessoa física, entidade sindical ou de fiscalização do exercício das pro-
fissões, associação civil ou fundação de direito privado, o juiz, sem prejuízo da verba da sucum-
bência, poderá fixar gratificação financeira, a cargo do Fundo dos Direitos Difusos e Coletivos,
quando sua atuação tiver sido relevante na condução e êxito da demanda coletiva, observados
na fixação os critérios de razoabilidade e modicidade.
§ 4.º Os autores da demanda coletiva não adiantarão custas, emolumentos, honorários peri-
ciais e quaisquer outras despesas, nem serão condenados, salvo comprovada má-fé, em hono-
rários de advogados, custas e despesas processuais.
§ 5.º O litigante de má-fé e os responsáveis pelos respectivos atos serão solidariamente con-
denados ao pagamento das despesas processuais, em honorários advocatícios e em até o décu-
plo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.

Art. 18.º Juízos especializados – Sempre que possível, as demandas coletivas de que trata este
Código serão processadas e julgadas em juízos especializados.
Parágrafo único. Quando se tratar de liquidação e execução individuais dos danos sofridos em
decorrência de violação a interesses ou direitos individuais homogêneos (artigo 34 deste
Código), a competência para a tramitação dos processos será dos juízos residuais comuns.

196
Das Acções Colectivas em Portugal

Capítulo II
Da ação coletiva ativa

Seção I
Disposições gerais

Art. 19.º Cabimento da ação coletiva ativa. A ação coletiva ativa será exercida para a tute-
la dos interesses e direitos mencionados no artigo 4º deste Código.

Art. 20.º Legitimação. São legitimados concorrentemente à ação coletiva ativa:


I – qualquer pessoa física, para a defesa dos interesses ou direitos difusos, desde que o juiz
reconheça sua representatividade adequada, demonstrada por dados como:
a – a credibilidade, capacidade e experiência do legitimado;
b – seu histórico na proteção judicial e extrajudicial dos interesses ou direitos difusos e coletivos;
c – sua conduta em eventuais processos coletivos em que tenha atuado;
II – o membro do grupo, categoria ou classe, para a defesa dos interesses ou direitos coletivos,
e individuais homogêneos, desde que o juiz reconheça sua representatividade adequada, nos
termos do inciso I deste artigo;
III - o Ministério Público, para a defesa dos interesses ou direitos difusos e coletivos, bem como
dos individuais homogêneos de interesse social;
IV – a Defensoria Pública, para a defesa dos interesses ou direitos difusos e coletivos, quando a
coletividade ou os membros do grupo, categoria ou classe forem necessitados do ponto de vista
organizacional, e dos individuais homogêneos, quando os membros do grupo, categoria ou
classe forem, ao menos em parte, hiposuficientes;
V – as pessoas jurídicas de direito público interno, para a defesa dos interesses ou direitos difu-
sos e, quando relacionados com suas funções, dos coletivos e individuais homogêneos;
VI – as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, bem como os órgãos
do Poder Legislativo, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defe-
sa dos interesses e direitos indicados neste Código;
VII – as entidades sindicais e de fiscalização do exercício das profissões, restritas as primeiras à
defesa dos interesses e direitos ligados à categoria;
VIII – os partidos políticos com representação no Congresso Nacional, nas Assembléias
Legislativas ou nas Câmaras Municipais, conforme o âmbito do objeto da demanda, para a
defesa de direitos e interesses ligados a seus fins institucionais;
IX – as associações civis e as fundações de direito privado legalmente constituídas e em funcio-
namento há pelo menos um ano, que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos inte-
resses ou direitos indicados neste Código, dispensadas a autorização assemblear ou pessoal e
a apresentação do rol nominal dos associados ou membros.
§ 1.º Na defesa dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, qualquer
legitimado deverá demonstrar a existência do interesse social e, quando se tratar de direitos
coletivos e individuais homogêneos, a coincidência entre os interesses do grupo, categoria ou
classe e o objeto da demanda;
§ 2.º No caso dos incisos I e II deste artigo, o juiz poderá voltar a analisar a existência do requi-
sito da representatividade adequada em qualquer tempo e grau de jurisdição, aplicando, se for
o caso, o disposto no parágrafo seguinte.

197
Das Acções Colectivas em Portugal

§ 3.º Em caso de inexistência do requisito da representatividade adequada (incisos I e II deste


artigo), o juiz notificará o Ministério Público e, na medida do possível, outros legitimados, a fim
de que assumam, querendo, a titularidade da ação.
§ 4.º Em relação às associações civis e às fundações de direito privado, o juiz poderá dispen-
sar o requisito da pré-constituição, quando haja manifesto interesse social evidenciado pelas
características do dano, pela relevância do bem jurídico a ser protegido ou pelo reconhecimento
de representatividade adequada (inciso I deste artigo).
§ 5.º Os membros do Ministério Público poderão ajuizar a ação coletiva perante a Justiça fede-
ral ou estadual, independentemente da pertinência ao Ministério Público da União, do Distrito
Federal ou dos Estados, e, quando se tratar da competência da Capital do Estado (artigo 22,
inciso III) ou do Distrito Federal (artigo 22, inciso IV), independentemente de seu âmbito territo-
rial de atuação.
§ 6.º Será admitido o litisconsórcio facultativo entre os legitimados, inclusive entre os Ministérios
Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados.
§ 7.º Em caso de relevante interesse social, cuja avaliação ficará a seu exclusivo critério, o
Ministério Público, se não ajuizar a ação ou não intervier no processo como parte, atuará obri-
gatoriamente como fiscal da lei.
§ 8.º Havendo vício de legitimação, desistência infundada ou abandono da ação, o juiz apli-
cará o disposto no parágrafo 3.º deste artigo.
§ 9.º Em caso de inércia do Ministério Público, aplica-se o disposto no parágrafo único do
artigo 8.º deste Código.

Art. 21.º Do termo de ajustamento de conduta. Preservada a indisponibilidade do bem jurí-


dico protegido, o Ministério Público e os órgãos públicos legitimados, agindo com critérios de
equilíbrio e imparcialidade, poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de
conduta à lei, mediante fixação de modalidades e prazos para o cumprimento das obrigações
assumidas e de multas por seu descumprimento.
§ 1.º Em caso de necessidade de outras diligências, os órgãos públicos legitimados poderão fir-
mar compromisso preliminar de ajustamento de conduta.
§ 2.º Quando a cominação for pecuniária, seu valor deverá ser suficiente e necessário para coi-
bir o descumprimento da medida pactuada e poderá ser executada imediatamente, sem preju-
ízo da execução específica.
§ 3.º O termo de ajustamento de conduta terá natureza jurídica de transação, com eficácia de
título executivo extrajudicial, sem prejuízo da possibilidade de homologação judicial do com-
promisso, hipótese em que sua eficácia será de título executivo judicial.

Art. 22.º Competência territorial – É absolutamente competente para a causa o foro:


I – do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;
II – de qualquer das comarcas ou sub-seções judiciárias, quando o dano de âmbito regional
compreender até 3 (três) delas, aplicando-se no caso as regras de prevenção;
III - da Capital do Estado, para os danos de âmbito regional, compreendendo 4 (quatro) ou
mais comarcas ou sub-seções judiciárias;
IV – de uma das Capitais do Estado, quando os danos de âmbito interestadual compreenderem
até 3 (três) Estados, aplicando-se no caso as regras de prevenção;
IV- do Distrito Federal, para os danos de âmbito interestadual que compreendam mais de 3 (três)
Estados, ou de âmbito nacional.
§ 1.º A amplitude do dano será aferida conforme indicada na petição inicial da demanda.

198
Das Acções Colectivas em Portugal

§ 2.º Ajuizada a demanda perante juiz territorialmente incompetente, este remeterá incontinen-
ti os autos ao juízo do foro competente, sendo vedada ao primeiro juiz a apreciação de pedido
de antecipação de tutela.
§ 3.º No caso de danos de âmbito nacional, interestadual e regional, o juiz competente pode-
rá delegar a realização da audiência preliminar e da instrução ao juiz que ficar mais próximo
dos fatos.
§ 4.º Compete ao juiz estadual, nas comarcas que não sejam sede da Justiça federal, proces-
sar e julgar a ação coletiva nas causas de competência da Justiça federal.

Art. 23.º Inquérito civil. O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito
civil, nos termos do disposto em sua Lei Orgânica, ou requisitar, de qualquer organismo públi-
co ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não
poderá ser inferior a 10 (dez) dias.
§ 1.º Aplica-se às atribuições do Ministério Público, em relação ao inquérito civil, o disposto no
parágrafo 5.º do artigo 20 deste Código.
§ 2.º Nos casos em que a lei impuser sigilo, incumbe ao Ministério Público, ao inquirido e a
seu advogado a manutenção do segredo.
§ 3.º A eficácia probante das peças informativas do inquérito civil dependerá da observância
do contraditório, ainda que diferido para momento posterior ao da sua produção;
§ 4.º Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se convencer da inexis-
tência de fundamento para a propositura de ação coletiva, promoverá o arquivamento dos
autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-o fundamentadamente.
§ 5.º Os demais legitimados (art. 20 deste Código) poderão recorrer da decisão de arquiva-
mento ao Conselho Superior do Ministério Público, conforme dispuser o seu regimento.
§ 6.º O órgão do Ministério Público que promover o arquivamento do inquérito civil ou das
peças informativas encaminhará, no prazo de 3 (três) dias, sob pena de falta grave, os respec-
tivos autos ao Conselho Superior do Ministério Público, para homologação e para as medidas
necessárias à uniformização da atuação ministerial.
§ 7.º Deixando o Conselho de homologar a promoção do arquivamento, designará, desde
logo, outro membro do Ministério Público para o ajuizamento da ação.
§ 8.º Constituem crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais multa, a
recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos ou informações, quando requisitados
pelo Ministério Público.

Art. 24.º Da instrução da inicial e do valor da causa – Para instruir a inicial, o legitimado
poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias.
§ 1.º As certidões e informações deverão ser fornecidas dentro de 15 (quinze) dias da entrega,
sob recibo, dos respectivos requerimentos, e só poderão ser utilizados para a instrução da ação
coletiva.
§ 2.º Somente nos casos em que a defesa da intimidade ou o interesse social, devidamente jus-
tificados, exigirem o sigilo, poderá ser negada certidão ou informação.
§ 3.º Ocorrendo a hipótese do parágrafo anterior, a ação poderá ser proposta desacompan-
hada das certidões ou informações negadas, cabendo ao juiz, após apreciar os motivos do inde-
ferimento, requisitá-las; feita a requisição, o processo correrá em segredo de justiça.
§ 4.º Na hipótese de ser incomensurável ou inestimável o valor dos danos coletivos, fica dis-
pensada a indicação do valor da causa na petição inicial, cabendo ao juiz fixá-lo em sentença.

199
Das Acções Colectivas em Portugal

Art. 25.º - Audiência preliminar – Encerrada a fase postulatória, o juiz designará audiência
preliminar, à qual comparecerão as partes ou seus procuradores, habilitados a transigir.
§ 1.º O juiz ouvirá as partes sobre os motivos e fundamentos da demanda e tentará a conci-
liação, sem prejuízo de sugerir outras formas adequadas de solução do conflito, como a media-
ção, a arbitragem e a avaliação neutra de terceiro.
§ 2.º A avaliação neutra de terceiro, de confiança das partes, obtida no prazo fixado pelo juiz,
é sigilosa, inclusive para este, e não vinculante para as partes, sendo sua finalidade exclusiva a
de orientá-las na tentativa de composição amigável do conflito.
§ 3.º Preservada a indisponibilidade do bem jurídico coletivo, as partes poderão transigir sobre
o modo de cumprimento da obrigação.
§ 4.º Obtida a transação, será homologada por sentença, que constituirá título executivo judicial.
§ 5.º Não obtida a conciliação, sendo ela parcial, ou quando, por qualquer motivo, não for
adotado outro meio de solução do conflito, o juiz, fundamentadamente:
I – decidirá se a ação tem condições de prosseguir na forma coletiva, certificando-a como tal;
II – poderá separar os pedidos em ações coletivas distintas, voltadas à tutela, respectivamente,
dos interesses ou direitos difusos e coletivos, de um lado, e dos individuais homogêneos,
do outro, desde que a separação represente economia processual ou facilite a condução do
processo;
III – decidirá a respeito do litisconsórcio e da intervenção de terceiros, esta admissível até o
momento do saneamento do processo, vedada a denunciação da lide na hipótese do artigo 13,
parágrafo único, da Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990 - Código de Defesa do
Consumidor.
IV – fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará
as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se for o caso;
V – Na hipótese do inciso anterior, esclarecerá as partes sobre a distribuição do ônus da prova,
de acordo com o disposto no parágrafo 1.º do artigo 11 deste Código, e sobre a possibilida-
de de ser determinada, no momento do julgamento, sua inversão, nos termos do parágrafo 2.º
do mesmo artigo;
VI – Se não houver necessidade de audiência de instrução e julgamento, de acordo com a natu-
reza do pedido e as provas documentais juntadas pelas partes ou requisitadas pelo juiz, sobre
as quais tenha incidido o contraditório, simultâneo ou sucessivo, julgará antecipadamente a
lide.

Art. 26.º Ação reparatória – Na ação reparatória dos danos provocados ao bem indivisivel-
mente considerado, sempre que possível e independentemente de pedido do autor, a condena-
ção consistirá na prestação de obrigações específicas, destinadas à compensação do dano
sofrido pelo bem jurídico afetado, nos termos do artigo 461 e parágrafos do Código de
Processo Civil.
§ 1.º Dependendo da especificidade do bem jurídico afetado, da extensão territorial abrangida
e de outras circunstâncias consideradas relevantes, o juiz poderá especificar, em decisão fun-
damentada, as providências a serem tomadas para a reconstituição dos bens lesados, poden-
do indicar a realização de atividades tendentes a minimizar a lesão ou a evitar que se repita,
dentre outras que beneficiem o bem jurídico prejudicado;
§ 2.º Somente quando impossível a condenação no cumprimento de obrigações específicas, o
juiz condenará o réu, em decisão fundamentada, ao pagamento de indenização, independen-
temente de pedido do autor, a qual reverterá ao Fundo de Direitos Difusos e Coletivos, de natu-
reza federal ou estadual, de acordo com a Justiça competente (art. 27 deste Código).

200
Das Acções Colectivas em Portugal

Art. 27.º Do Fundo dos Direitos Difusos e Coletivos. O Fundo será administrado por um
Conselho Gestor federal ou por Conselhos Gestores estaduais, dos quais participarão necessa-
riamente, em composição paritária, membros do Ministério Público e representantes da comu-
nidade, sendo seus recursos destinados à realização de atividades tendentes a minimizar as lesõ-
es ou a evitar que se repitam, dentre outras que beneficiem os bens jurídicos prejudicados, bem
como a antecipar os custos das perícias necessárias à defesa dos direitos ou interesses difusos,
coletivos e individuais homogêneos e a custear o prêmio previsto no parágrafo 3º do artigo 17.
§ 1.º Além da indenização oriunda da sentença condenatória, prevista no parágrafo 2º do arti-
go 26, e da execução pelos danos globalmente causados, de que trata o parágrafo 3º do arti-
go 36, ambos deste Código, constitui receita do Fundo, dentre outras, o produto da arrecada-
ção de multas, inclusive as decorrentes do descumprimento de compromissos de ajustamento
de conduta.
§ 2.º O representante legal do Fundo, considerado funcionário público para efeitos legais, res-
ponderá por sua atuação nas esferas administrativa, penal e civil.
§ 3.º O Fundo será notificado da propositura de toda ação coletiva e sobre as decisões mais
importantes do processo, podendo nele intervir em qualquer tempo e grau de jurisdição na fun-
ção de “amicus curiae”.
§ 4.º O Fundo manterá e divulgará registros que especifiquem a origem e a destinação dos
recursos e indicará a variedade dos bens jurídicos a serem tutelados e seu âmbito regional;
§ 5.º Semestralmente, o Fundo dará publicidade às suas demonstrações financeiras e ativida-
des desenvolvidas.

201
Das Acções Colectivas em Portugal

Seção II
Da ação coletiva para a defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos

Art. 28.º Da ação coletiva para a defesa de interesses ou direitos individuais homogê-
neos – A ação coletiva para a defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos será
exercida para a tutela do conjunto de direitos ou interesses individuais, decorrentes de origem
comum, de que sejam titulares os membros de um grupo, categoria ou classe.
§ 1.º Para a tutela dos interesses ou direitos individuais homogêneos, além dos requisitos indi-
cados no artigo 19 deste Código, é necessária a aferição da predominância das questões
comuns sobre as individuais e da utilidade da tutela coletiva no caso concreto.
§ 2.º A determinação dos interessados poderá ocorrer no momento da liquidação ou execução
do julgado, não havendo necessidade de a petição inicial vir acompanhada da respectiva rela-
ção nominal.

Art. 29.º Ação de responsabilidade civil – Os legitimados poderão propor, em nome próprio
e no interesse das vítimas ou seus sucessores, dentre outras (artigo 2.º deste Código), ação cole-
tiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o disposto nos
artigos seguintes.

Art. 30.º Citação e notificações – Estando em termos a petição inicial, o juiz ordenará a cita-
ção do réu e a publicação de edital, de preferência resumido, no órgão oficial, a fim de que os
interessados possam intervir no processo como assistentes, observado o disposto no parágrafos
5.º e 6.º deste artigo.
§ 1.º Sem prejuízo da publicação do edital, o juiz determinará sejam os órgãos e entidades de
defesa dos interesses ou direitos indicados neste Código comunicados da existência da deman-
da coletiva e de seu trânsito em julgado, a serem também comunicados ao Cadastro Nacional
de Processos Coletivos
§ 2.º Concedida a tutela antecipada e sendo identificáveis os beneficiários, o juiz determinará
ao demandado que informe os interessados sobre a opção de exercerem, ou não, o direito à
fruição da medida.
§ 3.º Descumprida a determinação judicial de que trata o parágrafo anterior, o demandado
responderá, no mesmo processo, pelos prejuízos causados aos beneficiários.
§ 4.º Quando for possível a execução do julgado, ainda que provisória, o juiz determinará a
publicação de edital no órgão oficial, às expensas do demandado, impondo-lhe, também, o
dever de divulgar, pelos meios de comunicação social, nova informação, compatível com a
extensão ou gravidade do dano, observado o critério da modicidade do custo. Sem prejuízo das
referidas providências, o juízo providenciará a comunicação aos órgãos e entidades de defesa
dos interesses ou direitos indicados neste Código, bem como ao Cadastro Nacional de
Processos Coletivos.
§ 5.º A apreciação do pedido de assistência far-se-á em autos apartados, sem suspensão do
feito, recebendo o interveniente o processo no estado em que se encontre.
§ 6.º Os intervenientes não poderão discutir suas pretensões individuais na fase de conheci-
mento do processo coletivo.

Art. 31.º Efeitos da transação - As partes poderão transacionar, ressalvada aos membros do
grupo, categoria ou classe a faculdade de não aderir à transação, propondo ação a título indi-
vidual.

202
Das Acções Colectivas em Portugal

Art. 32.º - Sentença condenatória – Sempre que possível, o juiz fixará na sentença o valor da
indenização individual devida a cada membro do grupo, categoria ou classe.
§ 1.º Quando o valor dos danos individuais sofridos pelos membros do grupo, categoria ou
classe for uniforme, prevalentemente uniforme ou puder ser reduzido a uma fórmula matemáti-
ca, a sentença coletiva indicará o valor ou a fórmula de cálculo da indenização individual.
§ 2.º O membro do grupo, categoria ou classe que divergir quanto ao valor da indenização
individual ou à fórmula para seu cálculo, estabelecidos na sentença coletiva, poderá propor
ação individual de liquidação.
§ 3.º Não sendo possível a prolação de sentença condenatória líquida, a condenação poderá
ser genérica, fixando a responsabilidade do demandado pelos danos causados e o dever de
indenizar.

Art. 33.º Competência para a liquidação e execução – É competente para a liquidação e


execução o juízo:
I - da fase condenatória da ação ou da sede do legitimado à fase de conhecimento, quando
coletiva a liquidação ou execução.
II– da fase condenatória, ou do domicílio da vítima ou sucessor, no caso de liquidação ou exe-
cução individual.
§ 1.º O exeqüente poderá optar pelo juízo do local onde se encontrem bens sujeitos à expro-
priação.
§ 2.º Quando a competência para a liquidação e execução não for do juízo da fase de con-
hecimento, o executado será citado, seguindo a execução o procedimento do art. 475-A e
seguintes do Código de Processo Civil.

Art. 34.º Liquidação e execução individuais. A liquidação e execução serão promovidas indi-
vidualmente pelo beneficiário ou seus sucessores, que poderão ser representados, mediante ins-
trumento de mandato, por associações, entidades sindicais ou de fiscalização do exercício das
profissões e defensorias públicas, ainda que não tenham sido autoras na fase de conhecimen-
to, observados os requisitos do artigo 20 deste Código.
§ 1.º Na liquidação da sentença caberá ao liquidante provar, tão só, o dano pessoal, o nexo
de causalidade e o montante da indenização.
§ 2.º A liquidação da sentença poderá ser dispensada quando a apuração do dano pessoal,
do nexo de causalidade e do montante da indenização depender exclusivamente de prova docu-
mental, hipótese em que o pedido de execução por quantia certa será acompanhado dos docu-
mentos comprobatórios e da memória do cálculo.
§ 3.º Os valores destinados ao pagamento das indenizações individuais serão depositados em
instituição bancária oficial, abrindo-se conta remunerada e individualizada para cada benefi-
ciário, regendo-se os respectivos saques, sem expedição de alvará, pelas normas aplicáveis aos
depósitos bancários.
§ 4.º Na hipótese de o exercício da ação coletiva ter sido contratualmente vinculado ao paga-
mento de remuneração ajustada por serviços prestados, o montante desta será deduzido dos
valores destinados ao pagamento previsto no parágrafo anterior, ficando à disposição da enti-
dade legitimada.
§ 5.º A carta de sentença para a execução provisória poderá ser extraída em nome do credor,
ainda que este não tenha integrado a lide na fase de conhecimento do processo.

203
Das Acções Colectivas em Portugal

Art. 35.º Liquidação e execução coletivas – Se possível, a liquidação e a execução serão


coletivas, sendo promovidas por qualquer dos legitimados do artigo 20 deste Código.

Art. 36.º Liquidação e execução pelos danos globalmente causados – Decorrido o prazo
de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano,
poderão os legitimados do artigo 20 deste Código promover a liquidação e execução coletiva
da indenização devida pelos danos causados.
§ 1.º Na fluência do prazo previsto no caput deste artigo a prescrição não correrá.
§ 2.º O valor da indenização será fixado de acordo com o dano globalmente causado, que
poderá ser demonstrado por meio de prova pré-constituída ou, não sendo possível, mediante
liquidação.
§ 3.º O produto da indenização reverterá ao Fundo (art. 27 deste Código), que o utilizará para
finalidades conexas à proteção do grupo, categoria ou classe beneficiados pela sentença.
§ 4.º Enquanto não se consumar a prescrição da pretensão individual, fica assegurado o direi-
to de exigir o pagamento pelo Fundo, limitado o total das condenações ao valor que lhe foi
recolhido.

Art. 37.º Concurso de créditos – Em caso de concurso de créditos decorrentes de condena-


ção de que trata o artigo 26 deste Código e de indenizações pelos prejuízos individuais resul-
tantes do mesmo evento danoso, estas terão preferência no pagamento.
Parágrafo único. Para efeito do disposto neste artigo, a destinação da importância a ser recol-
hida ao Fundo ficará sustada enquanto pendentes de decisão de recurso ordinário as ações de
indenização pelos danos individuais, salvo na hipótese de o patrimônio do devedor ser mani-
festamente suficiente para responder pela integralidade das dívidas.

204
Das Acções Colectivas em Portugal

Capítulo III
Da ação coletiva passiva originária

Art. 38.º Ações contra o grupo, categoria ou classe – Qualquer espécie de ação pode ser
proposta contra uma coletividade organizada, mesmo sem personalidade jurídica, desde que
apresente representatividade adequada (artigo 20, I, “a”, “b” e “c”), se trate de tutela de inte-
resses ou direitos difusos e coletivos (artigo 4.º, incisos I e II) e a tutela se revista de interesse
social.
Parágrafo único. O Ministério Público e os órgãos públicos legitimados à ação coletiva ativa
(art. 20, incisos III, IV, V e VI e VII deste Código) não poderão ser considerados representantes
adequados da coletividade, ressalvadas as entidades sindicais.

Art. 39.º Coisa julgada passiva –A coisa julgada atuará erga omnes, vinculando os membros
do grupo, categoria ou classe e aplicando-se ao caso as disposições do artigo 12 deste Código,
no que dizem respeito aos interesses ou direitos transindividuais.

Art. 40.º Aplicação complementar às ações coletivas passivas – Aplica-se complementar-


mente às ações coletivas passivas o disposto no Capítulo I deste Código, no que não for incom-
patível.
Parágrafo único. As disposições relativas a custas e honorários, previstas no artigo 16 e seus
parágrafos, serão invertidas, para beneficiar o grupo, categoria ou classe que figurar no pólo
passivo da demanda.

205
Das Acções Colectivas em Portugal

Capítulo IV
Do mandado de segurança coletivo

Art. 41.º Cabimento do mandado de segurança coletivo – Conceder-se-á mandado de


segurança coletivo, nos termos dos incisos LXIX e LXX do artigo 5.º da Constituição federal, para
proteger direito líquido e certo relativo a interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais
homogêneos (art. 4º deste Código).

Art. 42.º Legitimação ativa – O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
I – Ministério Público;
II – Defensoria Pública;
III – partido político com representação no Congresso Nacional;
IV – entidade sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funciona-
mento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados, dis-
pensada a autorização assemblear.
Parágrafo único – O Ministério Público, se não impetrar o mandado de segurança coletivo,
atuará como fiscal da lei, em caso de interesse público ou relevante interesse social.

Art. 43.º Disposições aplicáveis - Aplicam-se ao mandado de segurança coletivo as disposi-


ções do Capítulo I deste Código, inclusive no tocante às custas e honorários (art. 17.º e seus
parágrafos) e as da Lei n.º 1.533/51, no que não for incompatível.

206
Das Acções Colectivas em Portugal

Capítulo V
Das ações populares

Seção I
Da ação popular constitucional

Art. 44.º - Disposições aplicáveis – Aplicam-se à ação popular constitucional as disposições


do Capítulo I deste Código e as da Lei n. 4.717, de 29 de junho de 1965.

Seção II
Ação de improbidade administrativa

Art. 45.º Disposições aplicáveis – A ação de improbidade administrativa rege-se pelas dis-
posições do Capítulo I deste Código, com exceção do disposto no artigo 5º e seu parágrafo
único, devendo o pedido e a causa de pedir ser interpretados restritivamente, e pelas disposi-
ções da Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992,

207
Das Acções Colectivas em Portugal

Capítulo VI
Disposições finais

Art. 46.º Do Cadastro Nacional de Processos Coletivos – O Conselho Nacional de Justiça


organizará e manterá o Cadastro Nacional de Processos Coletivos, com a finalidade de permi-
tir que todos os órgãos do Poder Judiciário e todos os interessados tenham acesso ao conheci-
mento da existência de ações coletivas, facilitando a sua publicidade.
§ 1.º Os órgãos judiciários aos quais forem distribuídos processos coletivos remeterão, no prazo
de 10 (dez) dias, cópia da petição inicial ao Cadastro Nacional de Processos Coletivos.
§ 2.º O Conselho Nacional de Justiça, no prazo de 90 (noventa) dias, editará regulamento dis-
pondo sobre o funcionamento do Cadastro Nacional de Processos Coletivos, incluindo a forma
de comunicação pelos juízos quanto à existência de processos coletivos e aos atos processuais
mais relevantes, como a concessão de antecipação de tutela, a sentença e o trânsito em julga-
do, a interposição de recursos e seu andamento, a execução provisória ou definitiva; discipli-
nará, ainda, os meios adequados a viabilizar o acesso aos dados e seu acompanhamento por
qualquer interessado.

Art. 47.º Instalação de órgãos especializados – A União, no prazo de 180 (cento e oitenta)
dias, e os Estados criarão e instalarão órgãos especializados, em primeira e segunda instância,
para o processamento e julgamento de ações coletivas.

Art. 48.º Princípios de interpretação – Este Código será interpretado de forma aberta e flexí-
vel, compatível com a tutela coletiva dos direitos e interesses de que trata.

Art. 49.º Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil – Aplicam-se subsidiariamente


às ações coletivas, no que não forem incompatíveis, as disposições do Código de Processo Civil,
independentemente da Justiça competente para o processamento e julgamento.
Parágrafo único – Os recursos cabíveis e seu processamento seguirão o disposto no Código
de Processo Civil e legislação correlata, no que não for incompatível.

Art. 52.º Vigência – Este Código entrará em vigor dentro de cento e oitenta dias a contar de
sua publicação.

Dezembro de 2006.

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