A PESSOA DO FUTURO O que elas experimentam em cada momento seria novo
e único, algo nunca antes experimentado por seu self em O interesse demonstrado por Rogers pelo indivíduo psi- desenvolvimento. Elas veriam cada experiencia como urna cologicamente sadio rivaliza semente com o de Maslow novidade e a apreciariam plenamente no momento pre- (ver Cap. 9). Enquanto Maslow era, sobretudo, um pes- sente. Rogers (1961) se referiu a essa tendencia a viver o quisador, Rogers era, antes de tudo, um psicoterapeuta, momento como viver existencial. As pessoas do futuro cuja preocupacáo comas pessoas psicologicamente sadias nao teriam necessidade de se iludir e nenhuma razáo para se desenvolveu a partir de sua teoría geral da terapia. Em impressionar os outros. Elas seriam jovens de mente e es- 1951, Rogers apresentou pela primeira vez suas "carac- pírito, sem ideias preconcebidas sobre como o mundo de- terísticas da personalidade alterada"; entáo, ele ampliou veria ser. Elas descobririam o que significa urna experiencia o conceito de pessoa em funcionamento pleno em um para elas vivendo aquela experiencia sem o preconceito de trabalho publicado (Rogers, 1953). Em 1959, sua teoría expectativas anteriores. da personalidade sadia foí exposta na série de Koch, e ele Quarto, as pessoas do futuro permaneceriam con- voltou a esse tópico com frequéncía durante o início da fiantes em sua capacidade de experimentar relacoes har década de 1960 (Rogers, 1961, 1962, 1963). Um pouco moniosas com os outros. Elas nao sentiriam necessidade de mais tarde, ele descreveu o mundo do futuro e a pessoa ser estimadas ou amadas por todos porque saberiam que do futuro (Rogers, 1980). sao prezadas e aceitas incondicionalmente por alguém. Se as tres condicóes terapéuticas necessárias e sufi- Elas buscariam intimidade com outra pessoa que é prova- cientes de congruencia, consíderacáo positiva incondi- velmente sadia assim como elas e tal relacáo contribuiría cional e empatia forem ideais, entáo que tipo de pessoa para o crescimento contínuo de cada parceiro. As pessoas emergiria? Rogers (1961, 1962, 1980) listou várias carac- do futuro seriam auténticas em suas relacóes com os ou- terísticas possíveis. tros. Elas seriam o que parecem ser, sem dissímulacáo ou Primeiro, as pessoas psicologicamente sadias seriam fraude, sem defesas e fachadas, sem hipocrisia e farsa. Blas mats adaptáveis. Assim, de um ponto de vista evolutivo, elas se importariam comos outros, mas sem julgamentos. Elas teriam maior probabilidade de sobreviverem - daí o título procurariam significado além de si mesmas e ansiariam "pessoas do futuro". Elas nao apenas se adaptariam a um pela paz espiritual e interna. ambiente estático, mas se dariam conta de que a confor- Quinto, as pessoas do futuro seriam mais integradas, midade e a adaptacáo a urna condicáo fixa possuem pouco mais plenas, sem fronteiras artificiais entre os processos valor para a sobrevivéncia a longo prazo. conscientes e os inconscientes. Como teriam a capacidade Segundo, as pessoas do futuro seriam abertas as suas de simbolizar com acurácia todas as suas experiencias na experiéncias, simbolizando-as de modo preciso na cons- consciencia (awareness), elas veriarn de modo claro a di- ciencia (awareness), em vez de negá-las ou distorcé-las. ferenca entre o que é e o que deveria ser; como usariam Essa simples declaracáo está repleta de significado. Para as seus sentimentos organísrnicos como critérios para a pessoas que estáo abertas a experiencia, todos os estímu- avaliacáo de suas experiencias, elas diminuiriam a distan- los, sejam eles provenientes do interior do organismo ou cia existente entre seu self real e seu self ideal; como nao do ambiente externo, sao livremente recebidos pelo self teriam necessidade de defender sua importancia pessoal, As pessoas do futuro ouviriam a si mesmas e considera- elas nao apresentariam fachadas para as outras pessoas; riam sua alegria, sua raíva, seu desanimo, seu medo e sua e como teriam confianca em quem sao, elas poderiam ex- ternura. pressar abertamente quaisquer sentimentos que estives- Urna característica relacionada as pessoas do futuro a é sem experimentando. coniianai em seus selves organísmicos. Essas pessoas em fun- Sexto, as pessoas do futuro teriam urna confianca bási cionamento pleno nao dependeriam dos outros para orien- ca na natureza humana. Elas nao magoariam os outros me- tacáo, porque perceberiam que suas próprias experiencias ramente para ganho pessoal; elas se importariam com os sao os melhores critérios para fazer escolhas; elas fariam outros e estariam prontas para ajudar quando necessário; o que parece certo para si porque confiariam em seus sen- elas experimentariam raiva, mas seria possível confiar que timentos internos mais do que nos conselhos dos país ou nao atacariam os outros sem razáo: elas sentiriam agressí- nas regras rígidas da sociedade. Contudo, elas também vidade, mas a canalizariam em dírecóes apropriadas. perceberiam claramente os direitos e os sentimentos das Por fim, como as pessoas do futuro sao abertas a todas outras pessoas, os quais levariam em consideracáo quando as suas experiencias, elas desfrutariam de urna maior ri tomassem decisóes. queza na vida do que outras pessoas. Elas nao distorceriam A terceira característica das pessoas do futuro seria os estímulos internos, nem abafariam suas ernocóes. Por urna tendencia a viver plenamente o momento. Como essas conseguinte, elas sentiriam mais profundamente do que os pessoas estariam abertas a suas experiencias, elas expe- outros. Elas viveriam no presente e, assim, participariam rirnentariam um estado constante de fluidez e mudanca. de modo mais intenso do momento em curso.
GINZBURG, Carlo. Micro-História: Duas Ou Três Coisas Que Sei A Respeito. In: O Fio e Os Rastro: Verdadeiro, Falso, Fictício. São Paulo: Cia Das Letras, 2007.