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Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida

Maria Celia Rabello Malta Campos


Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira
Beatriz Picolo Gimenes
Leila Lira Peters
(Organizadores)
Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida
Maria Celia Rabello Malta Campos
Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira
Beatriz Picolo Gimenes
Leila Lira Peters
(Organizadores)

ISBN: 978-85-8334-058-4

2019
Várzea Paulista/SP
Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida
Maria Celia Rabello Malta Campos
Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira
Beatriz Picolo Gimenes
Leila Lira Peters
(Organizadores)

2019
Várzea Paulista/SP
Brincar - Diálogos, reflexões e discussões sobre o lúdico
© 2019 Copyright by Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida, Maria Celia
Rabello Malta Campos, Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira, Beatriz Picolo Gi-
menes e Leila Lira Peters.

Todos os direitos reservados

Editor
Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida
Arte da Capa
Vitória Pinheiro Siebra
Programação Visual e Diagramação
Valdianio Araújo Macedo
Revisão
Os autores
Tipo de Suporte
E-book
Formato E-book
PDF
Edição
Fontoura Editora Ltda.

Ficha Catalográfica
Bibliotecária: Perpétua Socorro Tavares Guimarães CRB 3/801-98

Brincar: diálogos, reflexões e discussões sobre o lúdico / Organizado por


Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida, Maria Celia Rabello Malta
Campos, Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira et al. – Várzea Paulista-SP: Editora
Fontoura Ltda., 2019.
304 p. :il.
ISBN: 978-85-8334-058-4
1. Lúdico 2. Ensino e aprendizagem 3. Cultura lúdica I. Almeida,
Marcos Teodorico Pinheiro de II. Campos, Maria Celia Rabello Malta
III. Teixeira, Sirlândia Reis de Oliveira IV. Titulo
CDD: 372.21

Fontoura Editora Ltda.


Rua Dom Pedro I, 5  Jd. Buriti. Várzea Paulista/SP,
13225-790 Tel.: (11) 4587-9611
E-mail: atendimento@editorafontoura.com.br
Site: www.editorafontoura.com.br
DIRETORIA/CONSELHO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
BRINQUEDOTECAS - ABBri
(Período 2018/2024)

DIRETORIA EXECUTIVA
Maria Celia Rabello Malta Campos - Presidente
Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira - Vice-Presidente
Daniela Linhares - 1ª Secretária
Marisa Schahin - 2ª. Secretaria
Vera Melis - 1ª Tesoureira
Maria Cecília Aflalo - 2ª Tesoureira

MEMBRO VITALICIO
Maria Ângela Carneiro Barbato
Vera Maria Barros de Oliveira

CONSELHO CORRESPONDENTE
Leila Lira Peters
Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida
Tânia Ramos Fortuna

CONSELHO FISCAL
Aidyl M. Queiroz Pérez Ramos
Drauzio Viegas
Lucy Alves Correia

CONSELHO CONSULTIVO
Angela Madeira Lino de Macedo
Beatriz Piccolo Gimenes Luana Carramillo Going
Circea Ribeiro Maria do Carmo Kobayashi
Cleusa Kazue Sakamoto Marta Giardini
Edda Bomtempo
Mônica Pinazza
Edna Marchini
Eliana Tarzia Neide Noffs
Emile Miachon Patricia Smith
Fábio Santos Rosa Maria Lopes Affonso
Ingrid Fabian Cadore Tereza Mirian Meyer Pires
CURRÍCULOS DOS ORGANIZADORES

MARCOS TEODORICO PINHEIRO DE ALMEIDA


Professor da Universidade Federal do Ceará
(UFC) do Instituto de Educação Física e Espor-
tes (IEFES). Doutor pela Universidade de Bar-
celona (UB). Mestre em Educação da América
Latina pela Universidade de São Paulo (USP).
Mestre em Educação pela Universidade de Bar-
celona (UB). Graduado em Educação Física.
Coordenador do Centro de Estudo sobre Lu-
dicidade e Lazer (CELULA) e Coordenador da
Unidade Móvel Brincarmóvel da Universidade
Federal do Ceará. Conselheiro da Associação
Brasileira de Brinquedotecas (ABBri).

MARIA CELIA RABELLO MALTA CAMPOS


Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvi-
mento Humano pelo Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo. Pedagoga com espe-
cialização em Psicopedagogia, atuando na clíni-
ca psicopedagógica, na formação continuada de
educadores e na consultoria escolar. Foi membro
diretor, presidente e editora da Revista Psicope-
dagogia da Associação Brasileira de Psicopeda-
gogia-ABPp. Atualmente integra o Conselho
Vitalício desta entidade. É atual presidente da
Associação Brasileira de Brinquedotecas - ABBri.

SIRLÂNDIA REIS DE OLIVEIRA TEIXEIRA


Doutora em Educação pela Universidade de
São Paulo. Mestre em Psicologia, Psicopedago-
ga, Psicóloga, Pedagoga. É atual vice-presiden-
te da Associação Brasileira de Brinquedotecas
– ABBri. Membro da InternationalToy Library
Association. Autora de vários livros e artigos
científicos publicados no Brasil e no exterior.
Professora na graduação e coordenadora na

BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico 9


Pós-Graduação em Psicopedagogia. Consultora
da empresa Reis Ludos – Educação e Ludicida-
de. Diretora do Colégio Eco Montessori.

BEATRIZ PICOLO GIMENES


Doutoranda em Ciências (EPE/UNIFESP).
Mestrado em Psicologia da Saúde (UMESP/
SP). Graduações: Licenciatura Plena em Mate-
mática e Formação em Psicologia. Especializa-
ções: Terapeuta Familiar para Hospital, Terapia
para Baixa Visão e Reabilitação Visual, Psico-
pedagogia, Bioenergética e Psicoterapia Neo-
Reich. Membro: Titular da ABPp - Associação
Brasileira de Psicopedagogia, da APTF - Asso-
ciação Paulista de Terapia Familiar e da ITLA
- International Toy Library Association; Conse-
lheira da Associação Brasileira de Brinquedote-
cas - ABBri.

LEILA LIRA PETERS


Professora de Educação Física do Colégio de
Aplicação (CA) da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC). É mestre e doutora em
Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação
em Psicologia da UFSC (2000 e 2009) e mes-
tre em Sciences du Jeu e doutora em Educação
pela Université Paris 13 (2007 e 2009), com
Pós-Doutorado nesta mesma instituição. É res-
ponsável pelo Labrinca/UFSC, onde pesquisa
sobre a infância e o brincar em brinquedotecas
no contexto escolar. Conselheira da Associação
Brasileira de Brinquedotecas (ABBri).

10 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


CURRÍCULO DOS AUTORES

Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida

Professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) do Instituto


de Educação Física e Esportes (IEFES). Doutor pela Universidade de
Barcelona (UB). Mestre em Educação da América Latina pela Univer-
sidade de São Paulo (USP). Mestre em Educação pela Universidade
de Barcelona (UB). Graduado em Educação Física. Coordenador do
Centro de Estudo sobre Ludicidade e Lazer (CELULA) e Coordena-
dor da Unidade Móvel Brincarmóvel da Universidade Federal do Ce-
ará. Conselheiro da Associação Brasileira de Brinquedotecas (ABBri).

Maria Celia Rabello Malta Campos

Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano


pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Pedagoga
com especialização em Psicopedagogia, atuando na clínica psicopeda-
gógica, na formação continuada de educadores e na consultoria escolar.
Foi membro diretor, presidente e editora da Revista Psicopedagogia da
Associação Brasileira de Psicopedagogia-ABPp. Atualmente integra o
Conselho Vitalício desta entidade. É atual presidente da Associação
Brasileira de Brinquedotecas - ABBri.

Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira

Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo. Mestre


em Psicologia, Psicopedagoga, Psicóloga, Pedagoga. É atual vice-presi-
dente da Associação Brasileira de Brinquedotecas – ABBri. Membro da
International Toy Library Association. Autora de vários livros e artigos
científicos publicados no Brasil e no exterior. Professora na graduação
e coordenadora na Pós-Graduação em Psicopedagogia. Consultora da
empresa Reis Ludos – Educação e Ludicidade. Diretora do Colégio
Eco Montessori.

BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico 11


Beatriz Picolo Gimenes

Doutoranda em Ciências (EPE/UNIFESP). Mestrado em Psi-


cologia da Saúde (UMESP/SP). Graduações: Licenciatura Plena em
Matemática e Formação em Psicologia. Especializações: Terapeuta Fa-
miliar para Hospital, Terapia para Baixa Visão e Reabilitação Visu-
al, Psicopedagogia, Bioenergética e Psicoterapia NeoReich. Membro:
Titular da ABPp - Associação Brasileira de Psicopedagogia, da APTF
- Associação Paulista de Terapia Familiar e da ITLA - International Toy
Library Association; Conselheira da Associação Brasileira de Brinque-
dotecas - ABBri.

Leila Lira Peters

Professora de Educação Física do Colégio de Aplicação (CA) da


Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). É mestre e douto-
ra em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
UFSC (2000 e 2009) e mestre em Sciences du Jeu e doutora em Educa-
ção pela Université Paris 13 (2007 e 2009), com Pós-Doutorado nesta
mesma instituição. É responsável pelo Labrinca/UFSC, onde pesquisa
sobre a infância e o brincar em brinquedotecas no contexto escolar.
Conselheira da Associação Brasileira de Brinquedotecas (ABBri).

Jeferson Antunes

Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da


UFC, Mestre em Desenvolvimento Regional Sustentável pela UFCA,
graduado em Licenciatura Plena em História pela URCA. Coordena o
projeto de Laboratório Interdisciplinar de Jogos Colaborativos, onde
atua como consultor educacional, palestrante e professor em cursos;
mantém o canal de divulgação científica Pesquisa & Jogos, voltado
a divulgar trabalhos científicos relevantes do campo da pesquisa em
jogos, dialogando entre a ciência e os jogos e suas diversas potenciali-
dades como manifestação cultural. Como pesquisador atua realizando
pesquisas nas áreas de metodologias educativas, ensino cooperativo,
jogos cooperativos, tecnologias da informação e da comunicação, mé-

12 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


todos e técnicas de pesquisa (com foco nos métodos mistos de pesqui-
sa) e áreas afins.

Aline Sobreira Bezerra

Professora da Universidade Federal do Ceará / Departamento de


Engenharia de Alimentos, Graduada em Nutrição pela Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-RIO), Doutora em Ciência
e Tecnologia de Alimentos pela Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM).

Juliane Döering Gasparin Carvalho

Professora do Departamento de Engenharia de Alimentos do


Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Ceará. Gradu-
ada em Farmácia e Bioquímica - Habilitação Tecnologia de Alimentos
pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutora em Tecnologia
de Alimentos pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP.

Francisca Lívia de Oliveira Machado

Tecnóloga/Química na Universidade Federal do Ceará (UFC),


Departamento de Engenharia de Alimentos/ Laboratório de Laticí-
nios. Graduada em Química Industrial pela UFC, Mestre em Enge-
nharia Civil / Saneamento Ambiental pela UFC

Barbara Dezidorio Matos

Aluna de graduação do curso Psicologia pela Universidade Fe-


deral do Ceará – UFC. Bolsista 2015, 2016, 2017 e 2018 do Centro
de Estudo sobre Ludicidade e Lazer – CELULA e da Unidade Móvel
Brincarmóvel da UFC.

BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico 13


Marta Giardini

Formada em Licenciatura em Artes Plásticas, com especialização


em Museologia, atua como arte-educadora desde 1989, em escolas pú-
blicas, particulares e projetos culturais como Secretaria do Menor do
Estado de São Paulo e rede SENAC de ensino. Com a formação em
Pedagogia Waldolf, Terapeuta Naturopata e Yoga tem buscado uma
visão holística em seu trabalho de educação. É sócia fundadora da Mi-
tra Criação Ltda. ME, empresa especializada na criação, produção e
comercialização de jogos de tabuleiro e brinquedos educativos desde
2001. Ex-diretora-presidente da ABRINE – Associação Brasileira de
Brinquedos Educativos e atual membro do conselho consultivo da
ABBRI – Associação Brasileira de Brinquedotecas.

Jorge Massao Takehara

Engenheiro Mecânico formado pela Escola Politécnica da Uni-


versidade de São Paulo, trabalhou na área de projetos e processos no
setor automobilístico, de iluminação e reciclagem industrial. Como
auto ditada, especializou-se na criação de máquinas e equipamentos
industriais, designer de produtos e projetos de reciclagem e educação
ambiental. É idealizador e sócio fundador da Mitra Criação Ltda. ME,
empresa especializada na criação, produção e comercialização de jogos
de tabuleiro e brinquedos pedagógicos desde 2001. A empresa recebeu
prêmio Ludopedia de Melhor Jogo Infantil de 2017 – Design Nacio-
nal voto popular e júri técnico.

Patrícia Rossi dos Reis

Graduada em Educação Física pela Faculdade Metodista


Granbery, Especialista em Educação Inclusiva e Especial.  Professora
do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas
/ Campus São Gabriel da Cachoeira.

14 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Caio Rossi Reis de Almeida

Graduado em Educação Física pelo Instituto Federal do Sudeste


de Minas Gerais (IF SUDESTE - MG).

João Amaral

Pediatra e psicoterapeuta. Professor da Universidade Federal do


Ceará (UFC). Coordenador do Mestrado Profissional em Saúde da
Mulher e da Criança da UFC. Membro da Sociedade Brasileira de
Médicos Escritores (Sobrames). Especialista em Psicoterapia Psicanalí-
tica pela Escola de Psicoterapia Psicanalítica de Fortalena/Centro Uni-
versitário Farias Brito. Especialista em Ensino Médico pelo FAIMER
Institute. Especialista em Educação a Distância pela Universidade de
Brasília (UnB).

Jéssica Renata Bastos Depianti

Enfermeira. Mestre em Ciências/ EPE-UNIFESP e Doutoranda


em Enfermagem/ EEAN-UFRJ.

Luciana de Lione Melo

Enfermeira. Doutora em Enfermagem/ EERP-USP. Líder do


GECAF. Docente da FEnf.-UNICAMP.

Circéa Amália Ribeiro

Enfermeira. Doutora em Enfermagem/ EE-USP. Líder do GE-


Brinq. Docente EPE-UNIFESP.

BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico 15


Ana Paula de Próspero Dalfré

Mestre em Educação (área Psicologia Educacional) pela Univer-


sidade Estadual de Campinas UNICAMP (2013), graduada em Peda-
gogia UNICAMP (1992) e pós- graduada em Psicopedagogia Opera-
tória - UNICAMP (1995) e Neuropsicologia Aplicada a Neurologia
Infantil - UNICAMP (2006). Atua em Psicopedagogia Clínica e na
Formação de professores e psicopedagogos. Docente nas disciplinas de
Dificuldades de Aprendizagem e O Lúdico na Aprendizagem. Especia-
lista em jogos como recursos de aprendizagem.

Tania Regina Pascutti Zacarias

Mestre em Educação - área de Psicologia Educacional – pela Fa-


culdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. Peda-
goga e Especialista em Psicopedagogia Clínica. É diretora de Educa-
ção Infantil na Prefeitura Municipal de Campinas. Atua nos temas:
Dificuldades de Aprendizagem, Jogos em contexto psicopedagógico e
Formação Continuada de Educadores e Psicopedagogos.

Fernando Barros da Silva Filho

Mestrando em Educação Universidade Federal do Ceará LAPE-


DI/DFE/FACED-UFC Práticas Culturais Digitais/NHIME/PPGEB/
FACED-UFC.

José Rogério Santana

Professor associado da Universidade Federal do Ceará/ Coorde-


nador do Laboratório de Práticas Educativas Digitais e Imagéticas LA-
PEDI/ DFE/ FACED-UFC Doutor em Educação Brasileira/ Práticas
Culturais Digitais/NHIME/PPGEB/FACED-UFC.

16 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Luana Caetano de Medeiros Lima

Graduada em Educação Física pela Universidade Federal do Ce-


ará (UFC). Especialista em Educação Infantil pela Faculdade 7 de Se-
tembro (FA7). Professora de Educação Física da EEMTI Adahil Bar-
reto Cavalcante. Coordenadora Pedagógica do Programa de Extensão
Centro de Estudos sobre Ludicidade e Lazer (CELULA), da Universi-
dade Federal do Ceará (UFC). Atualmente centra seus estudos na área
da infância, juventude e cultura lúdica.

Mariana Zamberlan Nedel

Professora efetiva de Educação Física do Colégio de Aplicação


da Universidade Federal de Santa Catarina (CA-UFSC). É mestre em
Educação, linha Educação e Artes, pela Universidade Federal de Santa
Maria-RS, onde também realizou estudos, por três anos, no curso de
Licenciatura em Música. É professora colaboradora e participante do
Labrinca/UFSC, onde pesquisa sobre a infância e o brincar.

BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico 17


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................ 21

CAPÍTULO 1
Porque brincar? ...................................................................................... 31
João Amaral

CAPÍTULO 2
Ciclo criativo de desenvolvimento de jogos cooperativos: um método para
criação de jogos educativos ..................................................................... 37
Jeferson Antunes e Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida

CAPÍTULO 3
Brincadeira, jogo e desenvolvimento – como o brincar/jogar fortalece
a aprendizagem escolar? ......................................................................... 69
Maria Celia Rabello Malta Campos, Ana Paula Dalfré e Tania Regina Pas-
cutti Zacarias

CAPÍTULO 4
Infância, brinquedoteca e humanização na assistência à saúde como um di-
reito ................................................................................................... 97
Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira

CAPÍTULO 5
Brincar com as mãos e a imaginação na hospitalização com precaução.. 115
Beatriz Picolo Gimenes, Jéssica Renata Bastos Depianti, Luciana de Lione
Melo e Circéa Amália Ribeiro

CAPÍTULO 6
Brinquedotecas brasileiras: um jogo de situações, condições e objetivos hete-
rogêneos .......................................................................................... 143
Leila Lira Peters e Mariana Zamberlan Nedel
CAPÍTULO 7
Situações em jogo na era digital: existe limite entre real, virtual e imaginá-
rio? .................................................................................................. 167
Leila Lira Peters

CAPÍTULO 8
Educação alimentar: saúde e o brincar na infância com enfoque em mudan-
ças de hábitos alimentares de pré-escolares ....................................... 181
Aline Sobreira Bezerra, Juliane Döering Gasparin Carvalho e Francisca Lí-
via de Oliveira Machado

CAPÍTULO 9
Recursos lúdicos como ferramenta terapêutica: o uso do jogo e do brinquedo
no setting terapêutico ........................................................................... 197
Barbara Dezidorio Matos e Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida

CAPÍTULO 10
Jogos de Tabuleiro no Século XXI: Utopia ou realidade ........................ 231
Marta Giardini e Jorge Massao Takehara

CAPÍTULO 11
Os jogos indígenas vivenciados por estudantes de São Gabriel da Cachoeira
– Amazonas ..................................................................................... 251
Aline Sobreira Bezerra, Patrícia Rossi dos Reis e Caio Rossi Reis de Almeida

CAPÍTULO 12
A prática da robótica educacional na formação de estudantes de pedagogia.... 263
Fernando Barros da Silva Filho e José Rogério Santana

CAPÍTULO 13
Reconhecendo as emoções e resolvendo conflitos através dos jogos coopera-
tivos................................................................................................. 279
Luana Caetano de Medeiros Lima e Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida
APRESENTAÇÃO
O livro Brincar: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdi-
co nasceu no II ENCONTRO CIENTÍFICO DO DIA INTERNA-
CIONAL DO BRINCAR que aconteceu em Fortaleza no Estado do
Ceará nos dias 23, 24 e 25 de maio de 2018, na Casa José de Alencar.
Este evento foi realizado e promovido pela Associação Brasileira de
Brinquedotecas (ABBri) e em Parceria com o Museu do Brinquedo de
Fortaleza. Ele tinha como objetivo Comemorar e celebrar o Dia In-
ternacional do Brincar através de diálogos científicos com estudiosos,
experts e pesquisadores sobre o tema.
Dia Internacional do Brincar foi criado pela ITLA (Interna-
tional Toy Library Association), já há alguns anos o mês de maio tem
sido consagrado à comemoração lúdica e à valorização do brincar em
diferentes países do mundo, inclusive no Brasil.
O livro tem como proposta apresentar ideias e estudos sobre a
dimensão lúdica, além disso, pensamos em um livro acessível e atua-
lizado sobre temas relacionados ao brincar. O foco desse livro é pos-
sibilitar aos profissionais da educação superior e da educação básica,
pesquisadores, estudantes de graduação e pós-graduação que já atuam
na educação, psicologia, administração, sociologia entre outras e que
fundamentam sua atuação dentro de uma perspectiva lúdica.
O brincar, em suas diferentes formas, certamente desempenha
papel essencial na construção das relações pacíficas, contribuindo posi-
tivamente para o desenvolvimento humano. O lúdico é uma atividade
humana, que sempre fez parte de todas as civilizações, sociedades e
culturas, sendo a única manifestação que foi e é capaz de estimular a
cognição, a sensibilidade, a criatividade, a afetividade e a emoção hu-
mana. O lúdico faz com que o indivíduo e em especial a criança sinta,
conheça e absorva as estruturas mais antigas das experiências humanas.
Neste sentido, o brincar permite maior contato com as fontes criadoras
da poesia, dos sentidos, do mito, dos sonhos.
O brincar é marcado por uma identidade particular, isto é, a
identidade no contexto cultural em que a ação lúdica se realiza. Mas
isto não significa dizer que o jogo, a brincadeira e o brinquedo não
estejam abertos aos múltiplos e diversos cruzamentos de culturas,
porque eles não são uma entidade descontinua, imutável, finita, sem
capacidades de reestruturação permanente, como às vezes e errada-
mente eles têm sido apresentados, com uma visão reduzida e subs-
tantiva do mundo.
O jogo e o brinquedo têm contido neles os mais diferentes ele-
mentos e valores que são suas virtudes e os seus pecados. Virtudes,
porque na essência, eles são constituídos de princípios generosos que
permitem a revitalização permanente. Pecados porque o jogo e o brin-
quedo podem ser também manipulados e desviados para as mais dife-
rentes finalidades ou objetivos podendo, comprometer a verdade.
O brincar socializa, resgata as tradições culturais, costumes e
crenças de uma determinada época. O brincar promove participa-
ção, desenvolvimento pessoal, consciência grupal, derruba obstáculos
de separação e prepara as crianças para crescer abertas para o mundo.
Com o brincar, a criança explora, avalia, compara e se interessa pela
vida. Através do brincar a criança pode ser um adulto consciente, equi-
librado, feliz, afetivo, interativo, inteligente e com um repertório de
experiências significativas.
Assim, consideramos que tanto o jogo quanto a brincadeira
como o brinquedo podem ser englobados em um universo maior, cha-
mado de conduta lúdica ou ato de brincar. Não queremos engessar os
termos e sim ampliar a perspectiva lúdica em diferentes contextos e
saberes sem limitar o ato de brincar. Sabemos que a linguagem cultural
própria da criança ontem, hoje e amanhã é o brincar. A criança comu-
nica-se através dele e por meio dele irá ser agente transformador, sendo
o lúdico um aspecto fundamental para se chegar ao desenvolvimento
integral na infância.
O brincar diverte, educa, valoriza, sociabiliza e influi positiva-
mente no comportamento e na formação das crianças. A essência do

22 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Brincar começa na infância, todas as crianças, desde que nascem, brin-
cam naturalmente. Brincar não só diverte como também educa.
O lúdico é uma ferramenta perfeita para estimular os bebês, des-
de que nascem. Ao brincar, a criança poderá desenvolver capacidades
e despertar habilidades como: estimular a atenção e a concentração;
aumentar a memória; despertar a imaginação, a fantasia e a imitação;
convida à exploração, à criatividade e ao conhecimento; ajudar a crian-
ça a expressar-se e a melhorar a sua linguagem; ajudar a fazer amigos
e a conviver; aumentar a autoestima e a autoconfiança; proporcionar
autonomia e sentido crítico; ensinar a compartilhar, a colaborar e tra-
balhar em equipe; ensinar a competir de uma forma saudável.
Todo individuo deve ter tempo para estudar, para comer, para
dormir e para brincar. O brincar é um direito essencial de cada ser hu-
mano. O brincar é a forma mais completa que temos de comunicar-se
com os outros, consigo mesmo e meio. Por isso é tão importante que
essa atividade também tenha o seu espaço e o seu momento durante
nossa vida.
Para brincar não é necessário ter brinquedos caros nem mesmo
os de moda. A melhor brincadeira ou brinquedo são os que convi-
dem as crianças a explorar ou que as permitam expressar-se através do
seu corpo, dos seus gestos, etc., estimulando assim a sua criatividade e
curiosidade. As melhores brincadeiras são as que não custam dinheiro
e que mais divertem e chamam a atenção das crianças.
Além de tudo isso o brincar: favorece o desenvolvimento dos
vínculos afetivos e sociais positivos, condição única para que possamos
viver em grupo, de forma pacífica; promover experiências e vivências
lúdicas com crianças, família e comunidade; favorecer o multicultura-
lismo, a diversidade, a inclusão, a sociabilidade, fomentando as rela-
ções pacíficas; construir valores aproximando as pessoas e emancipan-
do pensamentos; divulgar o brincar como direito básico de todos é
uma forma de humanizar o planeta e suavizar as relações entre iguais.
O livro Brincar: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lú-
dico foi dividido em 13 capítulos e com a participação dos seguintes
autores: Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida, Maria Celia Rabello
Malta Campos, Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira, Beatriz Picolo Gi-
menes, Leila Lira Peters, Jeferson Antunes, Aline Sobreira Bezerra,
Juliane Döering Gasparin Carvalho, Francisca Lívia de Oliveira Ma-
chado, Barbara Dezidorio Matos, Marta Giardini, Jorge Massao Take-

BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico 23


hara, Patrícia Rossi dos Reis, Caio Rossi Reis de Almeida, João Amaral,
Luíza Copetti Jung, Michelle Rocha de Moura, Jéssica Renata Bastos
Depianti, Luciana de Lione Melo, Circéa Amália Ribeiro, Ana Paula
de Próspero Dalfré, Tania Regina Pascutti Zacarias, Mariana Zamber-
lan Nedel, Fernando Barros da Silva Filho e José Rogério Santana. Sem
a participação destes autores o livro não seria uma realidade.
No Capítulo 1 começamos com o tema “Porque brincar?”
escrito pelo Dr. João Amaral do curso de medicina da Universidade
Federal do Ceará – UFC. O tema especialmente aborda as teorias de
Winnicott sobre o brincar. De acordo com o autor o tema brincar é de
suma importância para a formação do educador ao propiciar as condi-
ções e conhecimentos para que a criança possa ter uma vida saudável.
Facilita o crescimento e desenvolvimento da criança e, portanto, é um
indicador de saúde da criança. O brincar tem uma aplicação muito
grande na educação, na pesquisa e na extensão.
O tema abordado pelos autores Jeferson Antunes e Marcos Teo-
dorico Pinheiro de Almeida no Capítulo 2 sobre o “Ciclo criativo de
desenvolvimento de jogos cooperativos: um método para criação
de jogos educativos” é um campo de estudos dos jogos cooperativos,
associados a educação, nos apresenta possibilidade prática de utilizar-
mos uma linguagem clara ao jovem, o jogo, para nos envolvermos em
ações que possibilitem (re)significar as relações educativas, utilizando
esta ferramenta para motivar o uso e a aprendizagem de habilidades e
competências que adquirimos ao longo da vida e que seriam de difícil
prática em atividades cotidianas.
As autoras do Capítulo 3, Maria Celia Rabello Malta Campos,
Ana Paula Dalfré e Tania Regina Pascutti Zacarias, tratam de uma te-
mática de grande relevância no contexto terapêutico. O tema foi “Brin-
cadeira, jogo e desenvolvimento – como o brincar/jogar fortalece a
aprendizagem escolar?”. Neste artigo a Dra. Maria Celia Malta Cam-
pos se detém na observação da qualidade da brincadeira simbólica e
da linguagem, entendidas como expressão do nível de pensamento das
crianças de Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental.
Na sequência, Ana Paula Dalfré discute uma modalidade de interven-
ção voltada para a promoção das condutas antecipatórias de alunos de
Ensino Fundamental I e II no contexto de um jogo que envolve posi-
ção e deslocamento de peças. Por fim, Tania Pascutti Zacarias analisa
as habilidades cognitivas de alunos de Ensino Médio, relacionando o

24 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


pensamento inferencial empregado em um jogo e como este também
se apresenta na compreensão de textos.
No Capítulo 4 a Dra. Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira apresen-
ta o tema “Infância, brinquedoteca e humanização na assistência à
saúde como um direito”. De acordo com autora nós devemos pensar
a brinquedoteca como uma forma de humanização na assistência à
como um direito na infância foi um grande passo para a humaniza-
ção no atendimento infantil que foi a elaboração, em 1988, por várias
associações europeias, da Carta da Criança Hospitalizada, que dispõe
sobre os direitos das crianças na ocasião de uma internação. Humani-
zar, no campo da saúde, é uma maneira de assistência e atendimento
que valorize a qualidade do cuidado, juntamente com o respeito aos
direitos do paciente e seus valores.
O tema “Brincar com as mãos e a imaginação na hospitaliza-
ção com precaução” desenvolvido no Capítulo 5 pelas autoras Bea-
triz Picolo Gimenes, Jéssica Renata Bastos Depianti, Luciana de Lione
Melo e Circéa Amália Ribeiro. Elas afirmam que geralmente, as crian-
ças hospitalizadas experimentam comportamento de reação pela perda
de controle porque é retirada de seu status normal. As autoras relacio-
nam as causas que motivam a perda de controle: a separação, a restri-
ção física, as rotinas alteradas, a dependência forçada e o pensamento
mágico da criança; apesar de não poderem ser evitadas, a maioria pode
ser minimizada pelo bom planejamento de cuidados da enfermagem.
Essa hospitalização por si só, já é um fator gerador de estresse e sofri-
mento pelo afastamento de sua rotina habitual. Este artigo é resultado
de uma pesquisa realizada pelas autoras onde verificamos o uso da arte
como função de auxílio à saúde mental tem sido muito usada e deno-
minada Arte-terapia. Embora seu papel esteja vinculado à psicoterapia,
neste estudo limita-se como colaboradora de lazer e recreação, cuja
maior função é de focar o aspecto representacional plástico da criança.
No Capítulo 6 a professora Dra. Leila Lira Peters do Colégio de
Aplicação (CA) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
juntamente com professora Mariana Zamberlan Nedel fazem reflexões
e apresentam alguns resultados sobre as “Brinquedotecas brasileiras:
um jogo de situações, condições e objetivos heterogêneos”. O refe-
rido trabalho foi o resultado das atividades realizadas no estágio pós-
-doutoral da Professora Leila Lira Peters. A pesquisa foi financiada com
recursos da Capes 2013/2014. As professoras apresentam uma parte

BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico 25


das informações resultantes do estudo comparativo entre as brinque-
dotecas francesas e brasileiras, quanto às condições objetivas e metodo-
lógicas de funcionamento e ao uso ou não de jogos eletrônicos, relati-
vas ao perfil das brinquedotecas brasileiras. As informações fornecidas
por meio dos dados que são apresentados no artigo demonstram que
existe uma grande variedade de brinquedotecas brasileiras com situa-
ções, condições e objetivos bastante heterogêneos. Porém, as autoras
compreendem que, mesmo com objetivos variados as brinquedotecas
possuem e direcionam o foco no mesmo olhar, todas elas, tem uma
meta principal: oferecer a possibilidade de brincar num espaço com
materiais lúdicos pensados e organizados para tal. Segundo elas, mes-
mo tendo um número relativamente reduzido de participantes do es-
tudo, foi possível encontrar tendências nas quais buscaram analisar de
forma crítica e qualitativa, a fim de evidenciar generalizações e algumas
peculiaridades da nossa realidade. No entanto, as pesquisadoras assu-
mem os limites deste trabalho em aprofundar as especificidades quanto
aos tipos de brinquedotecas evidenciados, por sua grande heterogenei-
dade e pela necessidade de produzir um panorama geral das mesmas
em termos de estruturas, de organização, de vínculos e de objetivos.
O tema do artigo “Situações em jogo na era digital: existe li-
mite entre real, virtual e imaginário?” abordado no Capítulo 7 por
Leila Lira Peters tem como objetivo analisar dinâmicas interativas te-
cidas entre os protagonistas de uma brincadeira, destacando modos de
se relacionar e de se posicionar diante dos outros e dos objetos lúdicos/
tecnológicos, e buscar pistas das significações produzidas e de possíveis
ações metodológicas em brinquedotecas escolares. Segundo a autora
não podemos mais pensar a escola distanciada da cultura midiática,
na qual as crianças vivem na atualidade. Essa cultura, inevitavelmen-
te, trouxe transformações em suas formas de brincar, aprender e de
apreender a realidade. Novas experiências acontecem em ambientes
virtuais e trazem outros modos de as crianças estabelecerem relações
entre si e a cultura.
O artigo “Educação alimentar: saúde e o brincar na infância
com enfoque em mudanças e hábitos alimentares de pré-escolares”,
escrito no Capítulo 8, por Aline Sobreira Bezerra, Juliane Döering
Gasparin Carvalho e Francisca Lívia de Oliveira Machado. Para elas
problemas de saúde pública relacionados à nutrição inadequada ou
insuficiente em crianças têm se tornado motivo de preocupações. A

26 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


obesidade e o sobrepeso, por exemplo, estão associados ao aumento
do risco de hipertensão arterial, distúrbios lipídicos, diabetes e doen-
ças coronarianas. Dessa forma, o ambiente escolar é propício para in-
trodução de hábitos alimentares saudáveis, sendo o professor, muito
mais que um disseminador de conhecimento, pois são tomados como
exemplo e também influenciam na formação das crianças. Para isso, é
necessário que a qualificação do professor seja adequada para adoção
de estratégias de ensino interligadas com a ludicidade.
No Capítulo 9, Barbara Dezidorio Matos e Marcos Teodorico Pi-
nheiro de Almeida destacam a relevância dos “Recursos lúdicos como
ferramenta terapêutica: o uso do jogo e do brinquedo no setting tera-
pêutico”. Os autores pretendem com o presente artigo, aproximar, ain-
da que introdutoriamente, estudos acerca da Terapia Comportamental
Infantil (TCI) a partir da utilização de recursos lúdicos como ferramenta
terapêutica através do uso de jogos e brinquedos no setting terapêutico.
Situando historicamente o conceito de infância, bem como a impor-
tância do brincar no auxílio da socialização infantil. Segundo os autores
fica evidente que atualmente ainda nos deparamos com distintas com-
preensões no campo da psicologia acerca do desenvolvimento humano
e consequentemente, de infância e aprendizagens. Focaremos então, à
visão analítica-comportamental, com foco na abordagem psicoterapêu-
tica infantil e o uso de recursos lúdicos, mais especificamente os jogos e
brinquedos no setting terapêutico. Dito isso, os jogos possuem proprie-
dades que podem ser utilizadas no processo terapêutico, desempenhan-
do diferentes funções, com o propósito de aprimorar a diversidade de
repertórios comportamentais na criança. Tomando o jogo como recurso,
o terapeuta inicialmente pode utilizar para a elaboração de uma avalia-
ção comportamental acerca do repertório já possuído pela criança, com
isso reconhecendo os comportamentos que necessitarão de intervenção.
Marta Giardini e Jorge Massao Takehara diretores da Mitra Cria-
ção Ltda escrevem no Capítulo 10 o artigo “Jogos de Tabuleiro no
Século XXI: Utopia ou realidade”. Para eles os jogos de tabuleiro
vêm de tradições antigas, de povos distintos que nos permite contar
a história do brinquedo e do brincar da humanidade. Um resgate dos
pensamentos e hábitos culturais de praticamente todas as nossas civili-
zações matrizes ou primordiais.
No Capítulo 11 os autores Aline Sobreira Bezerra, Patrícia Rossi
dos Reis e Caio Rossi Reis de Almeida escrevem sobre “Os jogos indíge-

BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico 27


nas vivenciados por estudantes de São Gabriel da Cachoeira – Ama-
zonas”. O artigo produzido pelos autores foi uma investigação feita pelo
Instituto Federal do Amazonas (IFAM) - Campus São Gabriel da Ca-
choeira, com uma iniciativa de garantia do direito de promoção das ma-
nifestações esportivas e culturais, e fortalecimento das identidades entre
as etnias que vivem na região do Alto Rio Negro. O trabalho teve como
proposta entender a importância dos jogos indígenas na sociedade é um
grande desafio, o que implica em reconhecer a diversidade cultural do
país. Dessa forma sugere-se a busca e a valorização da promoção dessas
atividades de cunho esportivo e cultural com o propósito de fortalecer a
identidade étnico-cultural da população indígena.
O tema “A prática da robótica educacional na formação de
estudantes de pedagogia” desenvolvido no Capítulo 12 por Fernando
Barros da Silva Filho e José Rogério Santana da Faculdade de Educação
(FACED/UFC). Segundo os autores Robótica Educacional a pesar de
estar presente em muitas escolas publicas do estado do Ceará, uma
análise realizada nos programas curriculares do curso de pedagogia e
licenciaturas ofertadas pela Universidade Federal do Ceará (UFC) nos
últimos dez anos aponta que a Robótica Educacional ainda não tem
sido contemplada dentro destes cursos de formação de professores.
Para eles, isso implica dizer que o trabalho que tem sido realizado pelos
docentes é proveniente de seus esforços pessoais em capacitar-se para
levar a comunidade atendida esta temática que tem sido fortemente
difundida pelo mundo. Diante disto, os autores compartilham neste
artigo os resultados das experiências com os estudantes de pedagogia
da FACED/UFC e como eles se colocam diante de atividades lúdi-
co-pedagógicas que envolvem a Robótica Educacional. As atividades
analisadas foram desenvolvidas por alunos voluntários matriculados
na disciplina de Informática na Educação do curso de Pedagogia da
Universidade Federal do Ceará nos dois semestres letivos de 2018.
No último Capítulo temos o tema “Reconhecendo as emoções
e resolvendo conflitos através dos jogos”, este artigo foi construído
pelos professores Luana Caetano de Medeiros Lima e Marcos Teodori-
co Pinheiro de Almeida. O presente artigo busca compartilhar e refle-
tir sobre a criação do Jogo Card Game ABC: lidando com as emoções
no Enem cooperativo como ferramenta para o reconhecimento das
emoções, resolução de conflitos e no exercício do autoconhecimento,
reconhecendo assim, as emoções pertinentes para construção de uma

28 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


aprendizagem significativa. Tal feito fundamentou-se na parceria entre
o Laboratório de Jogos e Brinquedos (LJB), da EEMTI Adahil Barreto
Cavalcante e o Programa de Extensão Centro de Estudo sobre Ludici-
dade e Lazer (CELULA), através do projeto Laboratório de Brinque-
dos e Jogos (LABRINJO), do Instituto de Educação Física e Esportes
(IEFES) da Universidade Federal do Ceará.
Através do brincar o ser humano pode aprender o que mais nin-
guém lhe pode ensinar. O ato de brincar nos ensina valores morais e
culturais que muitas vezes não reside nos exemplos dos pais, professo-
res, etc. É através da atividade lúdica que cada cidadão se prepara para
a vida. O brincar deve favorecer o multiculturalismo, a diversidade, a
inclusão, a sociabilidade e fomentar as relações pacíficas.
Nós autores acreditamos no poder do BRINCAR, e, por isso,
esperamos que este livro possa colaborar com os diferentes profissio-
nais que atuam no contexto lúdico, servindo de fonte de inspiração
e informação.
Além disso, não espere que este livro tenha receitas milagrosas ou
atividades prontas, mas sim, indicativos, reflexões, provocações e pos-
sibilidades de atualização sobre os conhecimentos do brincar aplicados
à realidade de atuação.
Verdadeiramente desejamos aos leitores que o brincar faça sem-
pre parte da sua vida.

Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida


Maria Celia Rabello Malta Campos
Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira
Beatriz Picolo Gimenes
Leila Lira Peters
(Organizadores)

BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico 29


CAPÍTULO 1

PORQUE BRINCAR?

João Amaral1

INTRODUÇÃO

O tema brincar é de suma importância para a formação do educa-


dor ao propiciar as condições e conhecimentos para que a criança pos-
sa ter uma vida saudável. Facilita o crescimento e desenvolvimento da
criança e, portanto, é um indicador de saúde da criança. O brincar tem
uma aplicação muito grande na educação, na pesquisa e na extensão.
Constitui uma atividade muito importante para a vida da criança
e do adulto. Caracteriza-se por ser um comportamento repetitivo que
é feito com prazer geralmente quando a criança está relaxada e não
estressada. Quando é feito de forma espontânea caracteriza o brincar
livre e criativo que é diferente quando existem atividades altamente
estruturadas que tiram a espontaneidade da criança, mas que podem
ser ajudadas e estimuladas sob supervisão por um adulto.
O brincar é fundamental para a vida como o sono, o comer e
outras atividades fisiológicas; para o adulto é tão importante quanto o

1 Professor da Universidade Federal do Ceará (UFC). Pediatra e psicoterapeuta.


trabalho. O brincar constitui, portanto, um direito fundamental para
o desenvolvimento da criança. Se a criança tem esse direito é funda-
mental dar condições para que ele se realize.
Um dos autores que mais contribuiu para o estudo do brincar foi
Donald Woods Winnicottt, um pediatra e psicanalista inglês que abor-
dou o tema em seu livro O brincar e a realidade. Winnicott parte de
sua própria experiência de trabalho na análise de crianças para formu-
lar sua teoria sobre o brincar. Ele destaca a importância do brincar na
psicoterapia em que duas pessoas devem brincar juntas. Quando isso
não é possível, cabe ao terapeuta propiciar as condições para que isso
aconteça. No brincar, o terapeuta busca a comunicação com a criança.

IMPORTÂNCIA

A palavra infância vem de fari (falar), fante (falante) e in (ausên-


cia), ou seja, a criança nova que não fala. Isso lembra o quê? O cuidado
materno em um momento que o principal é a empatia da mãe pela
criança que não fala, no qual o que prevalece é a forma de comunica-
ção da mãe com seu bebê mais do que é verbalmente expresso. Brin-
car tem origem latina, vem de vinculuum que significa enlace, a qual
é derivada do verbo vincere que significa prender. Vinculuum virou
brinco e originou a palavra brincar. Portanto, brincar está relacionado
à formação de vínculo da mãe com seu bebê.
O brincar é muito importante e deve ser prioritário na vida da
criança. A brincadeira possibilita uma série de experiências significati-
vas para a criança e adolescente de lidar com a vida. É no brincar que
a criança descobre o mundo. O brincar também propicia aquisição de
habilidades e competências úteis para a sua vida futura. A criança que
brinca é a que está saudável e é um dos sinais na clínica que ela está
melhorando, ou seja, a brincadeira é universal e própria da saúde. O
brincar propicia os relacionamentos grupais, a aquisição de habilidades
e competências, a comunicação entre as pessoas e o desenvolvimento.
Daí, que o brincar é tão importante.
O brincar tem muitas funções importantes. Nos seres vivos têm
uma função adaptativa de lidar com a sobrevivência. É muito co-
mum observarmos jogos de lutas em animais pequenos como uma
forma de aprender atividades que vão exercer posteriormente. Nos
humanos, o brincar está ligado muito ao prazer, alegria e felicidade,

32 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


de estar bem consigo mesmo e com os outros. O brincar propicia e
relação com as pessoas.

MANIFESTAÇÕES

O brincar se manifesta de muitas formas dependendo da faixa


etária da criança. Até os dois anos as brincadeiras da criança são mais
sensoriais relacionadas mais a fase oral e percepção das coisas; ela co-
meça a descobrir as cores, a textura e forma dos objetos, os sons que
acalenta. Entre um e dois anos a criança passa a desenvolver habilida-
des motoras; ela gosta de brincar com brinquedos de encaixe, de em-
purrar e arremessar. Dos três aos cinco anos inicia a fase de imaginação;
a criança gosta muito de brincar de brincadeiras “faz de conta”. Entre
os cinco e sete anos de idade as brincadeiras de grupo passam a ser mais
importante; ela gosta de correr, de jogos ao ar livre. Dos sete aos nove
anos de idade, inicia-se a fase lógica; ela gosta de brincar de jogos de
quebra-cabeças, de jogos com regras simples que vão se tornando com-
plexos na medida em que a criança vai crescendo. Mas, o que importa
é o desejo da criança brincar com determinado brinquedo.
O brincar tem muitos benefícios principalmente emocionais
para a criança. É fundamental para o seu desenvolvimento saudável
levando a um sentimento de prazer. Há evidências científicas de que o
cérebro se desenvolve melhor com o brincar em uma fase em que as si-
napses mais se multiplicam. Além disso, o brincar propicia a formação
de vínculos entre a mãe, o pai e a família, o que é fundamental para a
sua vida futura.

MODELO

Para Winnicott (1982) o brincar se inicia na gestação em um pe-


ríodo que conhecemos como “Preocupação materna primária”. Nesse
período há um processo de regressão materna, em que a mãe regride
mantendo as funções de adulta para identificar-se com o seu filho que
vai nascer. É muito comum vermos a mãe no trabalho conversando
ou cantando em uma linguagem própria e carinhosa para o bebê. No
nascimento o cuidado materno se manifesta com o segurar, o olhar e o
toque da mãe. A criança instintivamente reage a essa situação em um
brincar com a mãe.

CAPÍTULO
1
PORQUE BRINCAR? 33
Na medida em que a criança vai crescendo, ela vai mudando as
formas de interagir com a mãe. Ela passa de uma fase de dependência
absoluta, passando por uma fase de dependência relativa até o rumo
à independência. O brincar vai mudando conforme essas fases. Mas é
fundamental que a mãe tenha um olhar amoroso na fase inicial de modo
que a criança possa introjetar e reproduzir esse amor nas outras fases.
A criança precisa de adultos que a ajudem a desenvolver as suas
capacidades e isso se consegue pelo respeito aos seus sentimentos, de
oferecer condições seguras e adequadas para que possa brincar e se
desenvolver. Do pondo de vista físico precisa de cuidados de alimenta-
ção, de saúde, de educação, mas essencialmente de cuidados amorosos
suficientemente bons.
A primeira tarefa do adulto é de expor-se ao brincar, é permitir-se
brincar com a criança. O problema é que muitos pais não brincaram
quando crianças ou tiveram poucas experiências com seus pais. Outro
problema é que hoje os pais são muito sobrecarregados com o seu tra-
balho, por uma questão de sobrevivência ou para dar conforto aos seus
filhos. Isso causa problema, porque acaba ficando pouco tempo para o
brincar com a criança. Há que encontrar um tempo para brincar com
qualidade com seus filhos criando oportunidades de dialogar e intro-
duzir nas suas vidas e nas vidas das crianças.

PROBLEMAS

Uma série de problemas impede o brincar criativo na cidade. A


maioria das praças públicas é mal equipada com poucos brinquedos e
equipamentos inseguros e inadequados para a idade; não se pode mais
andar com segurança na vizinhança como era antigamente; as ativida-
des são frequentemente restritas pela escassez de outras crianças para
brincar. O ideal é que os pais frequentem o máximo as praças públicas
como a Praça Luiza Távora, facilitando as crianças brincarem livremen-
te sob supervisão, em atividades como correr, andar de bicicleta, passe-
ar e entrar em contato com outras crianças. Nessa praça, tem também
o Espaço Brincar com brinquedos para crianças menores.
Uma série de situações impede o brincar criativo como o bom-
bardeio de programas de TV, games e filmes intermináveis com con-
teúdos violentos, sexualmente explícitos que propagam valores e com-
portamentos prejudiciais e que roubam das crianças a oportunidade

34 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


do brincar e jogar tradicional. O uso excessivo de televisão também
é prejudicial a criança, pois ela passa a ser mera expectadora, sem ter
uma atividade ativa de descoberta, imaginação e criatividade. O ideal
é que a criança fique de duas a três horas em programas adequados a
sua faixa etária.
A privação de oportunidades de brincar pode levar a violência
juvenil. Quando a criança não brinca, certamente ela não teve ape-
go suficiente na sua vida precoce, o que pode repercutir em sua vida
emocional. Além disso, a criança que não brinca é menos estimulada
do ponto de vista neuronal e se desenvolve menos. A negligência pelos
pais, a privação social, as condições estressantes de vida, a falta de es-
timulação apropriada pode resultar em comportamento social e emo-
cionalmente imaturo, impulsividade, violência e redução dramática na
capacidade de aprendizado posterior.
Desde cedo as crianças têm acesso ao computador com ativida-
des de pintar, música e uma infinidade de coisas que acabam fascinan-
do as crianças. Esses jogos podem ser úteis em determinadas situações
para a aprendizagem. O problema é o excesso em que a criança perde
o limite para seu uso ficando muito tempo isolada, sem entrar em con-
tato com o mundo externo e as brincadeiras tradicionais. Há de se ter
um equilíbrio no seu uso.

RESILIÊNCIA

O “faz de conta” é uma brincadeira que desencadeia o uso da ima-


ginação criativa na criança. Por intermédio dessa brincadeira a criança
lida com situações que representam alegria, tristeza, raiva, ansiedade. A
partir dessas diferentes representações ela pode compreender ou lidar
melhor com essa situação quando essa de fato acontecer. As brincadei-
ras infantis imaginativas e jogos de faz de conta são formas poderosas
que viabiliza que eventos complexos e assustadores se tornem com-
preensíveis e manejáveis, as quais estão associadas ao desenvolvimento
de competências relacionadas a entender as intenções dos outros, a
representação simbólica e autorregulação que influenciam toda a vida
da criança.
O brincar fornece um contexto essencial para o desenvolvimento
da resiliência que é a capacidade universal que permite que uma pessoa,
grupo ou comunidade evite, minimize ou supere os efeitos danosos da

CAPÍTULO
1
PORQUE BRINCAR? 35
adversidade. No brincar a criança desenvolve entendimento das regras
e limites que vão se tornando mais complexas. As crianças seguem es-
tas regras até que o conflito se estabeleça entre os jogadores; a criança
então irá afirmar seu ponto de vista da regra que deverá governar o
comportamento de seu personagem; neste confronto aprende que suas
regras são diferentes das dos outros e inicia a negociação; desenvolve a
capacidade de ajustar expectativas para si e para o(s) outro(s) só pode
ocorrer na presença do (s) outro (s).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No brincar surge o dar e receber, cuidado e apoio; as crianças


aprendem a conviver com os outros, praticar o amar e ser amado; ao
brincar de cuidar e dar apoio ajuda a criança construir autoestima e
a assegura que ela é amável e amada, ou seja se estabelece relações
de cuidado, sabem que podem amar e ser amados o que leva a orgu-
lho e aceitação entre seus pares. A autoestima se desenvolve se tiver
oportunidades de brincadeiras onde eles podem receber recompensas
e reconhecimento por seus esforços. Crianças podem ser ensinadas ati-
vamente a esperar sobreviver em face da adversidade. O educador pode
contribuir substancialmente para que isso ocorra.

REFERÊNCIAS

GREEN A. Brincar e Reflexão na Obra de Winnicot. Zagodoni,


2013.
WINNICOTT, D.W. A criança e o seu mundo. 6.ed. Rio de Janeiro,
RJ: LTC- Livros Técnicos e Científicos, 1982.
________ . O brincar e a realidade. s.e. Rio de Janeiro, RJ: Imago,
1975.

36 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


CAPÍTULO 2
CICLO CRIATIVO DE DESENVOLVIMENTO DE JOGOS
COOPERATIVOS: UM MÉTODO PARA CRIAÇÃO DE
JOGOS EDUCATIVOS

Jeferson Antunes1
Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida2

INTRODUÇÃO

O campo de estudos dos jogos cooperativos, associados a educa-


ção, nos apresenta possibilidade prática de utilizarmos uma linguagem
clara ao jovem, o jogo, para nos envolvermos em ações que possibi-
litem (re)significar as relações educativas, utilizando esta ferramenta
para motivar o uso e a aprendizagem de habilidades e competências
que adquirimos ao longo da vida e que seriam de difícil prática em
atividades cotidianas.
Pesquisadores (BROTTO, 2013; MATURANA, 2002; ALMEI-
DA, 2011; ALMEIDA, 2010, 2011, 2012 e 2013; BORDENAVE,
1983; VELÁZQUEZ, 2004 e 2013; OMEÑACA e RUIZ, 1999;
1 Doutorando da Universidade Federal do Ceará - FACED/UFC.
2 Professor da Universidade Federal do Ceará - UFC no Instituto de Educação Física e
Esportes – IEFES.
DEUTSCH, 1949; BANTULÁ, 2001) apontam o fato de que as ati-
vidades cooperativas promovem uma cultura de paz, através da possi-
bilidade de aprender com o outro; possibilitam a interação dialógica, o
reconhecimento de múltiplos pontos de vista, o acolhimento, o senti-
mento de ser parte de um grupo e tomar parte no processo de tomada
de decisão; auxiliando a capacidade de resolver problemas que seriam
de difícil acepção individualmente que, quando associado ao campo
metodológico, fornecem a prática educativa, possibilidade a formação
integral do ser humano.
Muito se houve falar sobre a insatisfação do jovem que não vê
utilidade prática nos conteúdos aprendidos na escola e na universidade.
Fomentar metodologias cooperativas, como o uso de jogos propiciam
um ambiente controlado, onde o educador pode, através de métodos
e técnicas de design de jogos, conceber uma metodologia estruturada
capaz de recriar o ambiente onde os estudantes podem interagir com
estes conteúdos, dar-lhes essa “utilidade”.
É fundamental e urgente realizar um debate sobre o potencial educativo
dos jogos e os benefícios que os jogos trazem. Sabemos que este tema já
é bastante comentado por diferentes estudiosos (PRENSKY, 2012;
SALEN; ZIMMERMAN, 2012; GOLDSTEIN; BUCKINGHAM;
BROUGÉRE, 2004). Com os jogos aprendemos a cada momento, ele
ensina a resolver problemas relacionados com uma tarefa específica,
tomar decisões, criatividade, perspectiva objetiva e subjetiva da cogni-
ção, construção de conhecimento, interação lúdica e está intimamente
relacionado com o jogo simbólico/ faz de conta/ ficção/ abstrato que é de
grande importância no desenvolvimento do jogador.
Notamos, nesse campo, um distanciamento dessa atitude inter-
disciplinar em dialogar com o design, os jogos e o próprio estudo de
métodos educativos, e inter-relacionar estes saberes, sejam pelas prá-
ticas construídas por esses profissionais em suas carreiras ou mesmo
pela facilidade, graças ao advento da internet, de encontrar atividades
fabricadas, prontas para o uso, que servem na maioria das vezes de
entretenimento, sem fundamentação teórica e metodológica capaz de
fomentar momentos lúdicos, inter-relacionando as habilidades e co-
nhecimentos necessários de forma significativa aos participantes.
Existem, contudo, trabalhos pontuais acerca do uso de jogos co-
operativos comerciais e atividades recreativas formatadas nesse âmbito,
relacionadas as metodologias educativas. Todavia, o que percebemos
através de nossas pesquisas é que nos falta um marco metodológico

38 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


que possa valorizar a experiência da produção de jogos e as metodolo-
gias utilizadas durante o processo criativo, estando posicionada nestas
questões nossos elementos de estudo.
Este artigo apresenta as experiências dos integrantes do Labo-
ratório Interdisciplinar de Jogos Colaborativos, projeto de Extensão
da Universidade Federal do Cariri - Ceará, neste campo de estudo.
Nosso objetivo é o de apresentar, por meio de relato de experiência, o
processo criativo que culminou na concepção do jogo colaborativo de-
nominado CRIATIVA, apresentando as tomadas de decisão acerca do
jogo e as relações com os conceitos estudados pelo grupo, bem como a
metodologia do ciclo de produção de jogos educativos, concebida para
e durante a criação deste jogo.
A partir do exposto, pretendemos apresentar uma experiência
inovadora, pautada em um método e técnicas capazes de contribuir
com a produção de jogos cooperativos com finalidades educativa, tor-
nando-se referência para profissionais da educação iniciarem seus es-
tudos e possibilitar a contribuição destes atores, tanto no campo de
estudos como para significar as relações educativas por meio de uma
linguagem acessível.

JOGOS COOPERATIVOS: REFLEXÕES TEÓRICAS E


POSSIBILIDADES EDUCATIVAS

Para iniciarmos a abordagem acerca do design de jogos, temos de


compreender o que são jogos, qual a diferença entre jogos cooperativos
e jogos competitivos, as questões de design abordando plataformas de
jogo e sua importância no contexto da educação como forma de (re)
significar as relações. Todas essas questões e conceitos formam a base
para a construção da CRIATIVA.
Velázquez, (2004 e 2013) comenta que nos últimos anos são
várias as vozes que se elevam apoiando a incorporação dos jogos co-
operativos com a finalidade de promover entre os estudantes os di-
ferentes valores propostos nas sociedades democráticas (OMEÑACA
e RUIZ, 1999; DEUTSCH, 1949; VELÁZQUEZ, 2004). Também
tem aumentado o número de publicações centradas nas possibilidades
do jogo cooperativo, a maioria das publicações mostram uma coleção

CAPÍTULO CICLO CRIATIVO DE DESENVOLVIMENTO DE JOGOS COOPERATIVOS: UM MÉTODO


2 PARA CRIAÇÃO DE JOGOS EDUCATIVOS 39
de atividades motrizes, analógicos e digitais que podem pôr em prática
com alunos da educação infantil, do ensino fundamental, do médio e
superior (ALMEIDA, 2011, 2012, 2013 e 2016; BANTULÁ, 2001;
BROTTO, 2013). No entanto, em uma análise profunda da literatura
sobre o jogo cooperativo, podemos comprovar que nem todos os au-
tores e autoras que escrevem sobre ele o entendem da mesma forma.
Gerando assim uma confusão terminológica e conceitual entre os do-
centes, alguns dos quais chegam a pensar que estão introduzindo jogos
cooperativos em suas classes quando na realidade não é assim.
Os jogos, para Cailois (1990) e Huizinga (2000), fazem parte
da história da humanidade, enchendo de significado atividades lúdicas
que são pensadas com uma vocação social, capazes de interação, com
um sentido e contribuem para a socialização de temas e pessoas.
A design de jogos Mcgonial (2012), afirma que os jogos afetam a
realidade de seus participantes pois oferecem: a) metas que geram um
senso de objetivo claro, b) regras que estimulam os participantes a ex-
plorar criativamente possibilidades, c) trazem um sistema de feedback
claro, que demonstram o progresso para se atingir a meta e d) tudo isso
possibilitado por meio da participação voluntária.
Atingir satisfatoriamente estes pontos seria de difícil acesso me-
todológico, por isso, nos interessamos em jogos, digitais ou analógi-
cos, e em atividades cooperativas por meio destes, visto que, os pontos
apresentados são complexos a nossa realidade, mas quando oportu-
nizados através destas atividades lúdicas provocam o que a psicologia
positiva chama de fluxo, uma forma endógena de se produzir satisfação
(MCGONIAL, 2012), estando esta, inerente a proposta da atividade
através da interação lúdica.
Os jogos cooperativos e competitivos têm a mesma estrutura: me-
tas, regras, feedback e participação voluntária. Nos jogos competitivos a
rivalidade gera uma onda que descaracteriza o ser humano quanto ser
social, favorecendo uns em detrimento de outros, fortalecendo o indivi-
dualismo e a racionalidade instrumental (MATURANA, 2002). Joga-se
para vencer os outros, joga-se para ser o melhor, excluindo o outro pelo
processo, apresentando a vitória individual como resultado da ação. “A
hipervalorização da competição se manifesta nos jogos por meio da ênfase no
resultado numérico e na vitória” (BROTTO, 2013) o que nos leva a per-
ceber o jogo competitivo como uma estrutura rígida, ao qual, o processo
que o conduz é desinteressante, onde apenas o resultado importa.

40 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Para Almeida, (2013) nesta proposta visamos à participação de
todos para alcançar um objetivo comum, onde a motivação não é o
ganhar ou o perder, a motivação está centrada na participação. Neste
sentido, a proposta educativa tem como interesse principal o processo
e não o resultado. Quando a proposta é centrada no processo, permite
ao professor e aos alunos perceberem os aspectos individuais e coletivos
utilizados para se alcançar as metas, que são realizadas com a contri-
buição de todos. O jogo cooperativo é uma ideia na qual jogamos co-
operativamente, descobrimos como estamos no mundo, percebemos o
presente e alcançamos voos para o futuro.
O jogo cooperativo é um caminho alternativo de jogar, ensinar,
trabalhar e viver em paz. O jogo cooperativo pode ser uma alternativa
educativa aos modelos pedagógicos apoiados na competição, no in-
dividualismo, no egocentrismo, no consumismo, no egoísmo, entre
outros. Na cooperação formamos uma consciência coletiva, onde nós
fazemos parte de um mundo maior e que estamos interligados com
toda a humanidade, com a natureza e o cosmos. Para o físico teórico
de sistemas Fritjof Capra:

Não existe nenhum organismo individual que viva em isola-


mento. Os animais dependem da fotossíntese das plantas para
ter atendidas as suas necessidades energéticas; as plantas de-
pendem do dióxido de carbono produzido pelos animais, bem
como do nitrogênio fixado pelas bactérias em suas raízes; e to-
dos juntos, vegetais, animais e micro-organismos, regulam toda
biosfera e mantêm as condições propícias à preservação da vida.
(CAPRA, 2002, p.23 citado por ALMEIDA, 2013, p.23).

Almeida, (2013, p.23) comenta,

Reforçando esta hipótese Gaia Morowitz citado por Capra


(2002, p.23) diz que “a vida é uma propriedade dos plane-
tas, e não dos organismos individuais.” Nós estamos inseridos
em um sistema complexo de redes interligadas. Fazendo uma
aproximação do sistema de redes moleculares ao conceito sistê-
mico da vida podemos dizer que uma das principais intuições
da teoria dos sistemas citados por Capra (2002, p.27) “foi à
percepção de que o padrão em rede é comum a todas as formas
de vida. Onde quer que haja vida, há redes.”

CAPÍTULO CICLO CRIATIVO DE DESENVOLVIMENTO DE JOGOS COOPERATIVOS: UM MÉTODO


2 PARA CRIAÇÃO DE JOGOS EDUCATIVOS 41
Nos jogos cooperativos a situação se inverte. O processo é tão
importante quanto o resultado, sua estrutura alternativa onde os par-
ticipantes jogam uns com os outros, ao invés de uns contra os outros,
estabelece o jogo cooperativo como uma atividade onde todos os partici-
pantes podem ter igual importância. Joga-se para superar desafios, joga-
-se por gostar do jogo e pela satisfação de jogá-lo, nestes jogos o esforço
cooperativo é a ferramenta para vencer, muito mais importante torna-se,
portanto, reconhecer o outro como parceiro, que divide com você o
mesmo interesse em um processo onde as pessoas se complementam.
(BROTTO, 2013; ALMEIDA, 2011, ALMEIDA, 2010)
Almeida, (2010) complementa a ideia quando nos descreve que
a finalidade dos jogos cooperativos é o brincar com o outro, o sucesso
e o fracasso são compartilhados, todos fazemos parte do mesmo jogo.
Essa ideia central da atividade cooperativa vem de encontro ao status
quo, que apresenta a competição como a forma de resolução de situa-
ções problema através da geração de conflitos, criando uma massa de
perdedores em prol de alguns poucos vencedores.
Estabelecemos, por meio dos jogos cooperativos, uma base comum
ao pensamento de Freire (1987, 1996), sendo a educação estruturada por
uma base dialógica, onde os atores do processo se encontram lado-a-la-
do, trabalhando em conjunto para criar os fundamentos necessários da
ação pedagógica, entendendo que “ensinar não é transferir conhecimento,
mas criar as possibilidades para a sua própria produção” (FREIRE, 1996).
Compreendemos que a educação se faz a partir da intercomu-
nicação dos indivíduos que participam do processo, “Ninguém educa
ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, me-
diatizados pelo mundo” (FREIRE, 1987).
Essa metodologia educativa possibilita uma ação educativa ho-
rizontal, podendo-se transcender questões como a motivação para se
aprender um conteúdo, aplicabilidade e a influência de uma “discipli-
na” apresentada no campo de estudos. Na prática, inter-relacionam-se
os temas, conhecimentos, habilidades e processos com as característi-
cas de interesse dos participantes, apresentada na proposta do jogo, o
que vem a refletir em sua ontologia.
Para se dar origem a um jogo cooperativo, utilizamos ferramen-
tas e conceitos apresentados pelo design de jogos ou game design, tendo
em Schell (2011), Schuytema (2008) e Salen e Zimmerman (2012a,
2012b, 2012c e 2012d) nossas referências.

42 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Para Schell (2011) o game design é o “ato de decidir o que um
jogo deve ser”, quais serão suas metas, suas regras, a forma que os par-
ticipantes serão recompensados e de que forma eles participarão e irão
interagir com o “mundo” do jogo a ser explorado.
Schuytema (2008) nos apresenta uma analogia, tendo o design
de jogos como a planta baixa de um jogo, ou seja, a base com que este
deve ser criado. A partir desta planta baixa são inseridos seus elementos
construtivos, entre eles: A mensagem que um jogo deseja passar, sua
função, a diversão como elemento importante de todo jogo e a plata-
forma (analógica ou eletrônica) utilizada como interface. Todos estes
elementos são então inseridos na planta baixa, fomentando a ideia ini-
cial através de um processo criativo que envolve, normalmente, uma
equipe com diversos papéis.
Salen e Zimmerman (2012a, 2012b, 2012c e 2012d) exploram
o conceito de design de jogos de forma dicotômica. Para eles o design
é “o processo pelo qual um designer cria um contexto a ser encontrado
por um participante, a partir do qual o significado emerge”, significado
este ligado ao conceito de semiótica, onde um signo pode representar
algo diferente dele mesmo, este deve ser interpretados pelo participan-
te tendo o contexto ao qual o símbolo é apresentado (o jogo) grande
influência sobre sua interpretação, e a partir desta ação de interpretar,
temos seu significado.
Os jogos, por sua vez, são o resultado das inter-relações entre
o jogo e a interação lúdica, sendo o primeiro um sistema no qual
os participantes se envolvem na resolução de situações problemas,
proposto pelas regras e metas do jogo, que resultam em algo que
possa ser valorado. O segundo, surge na relação entre o jogador e
o desfecho do próprio jogo, de suas regras, onde só é significativa
quando a relação entre as ações e os resultados são discerníveis e
integradas ao contexto (SALEN & ZIMMERMAN, 2012a, 2012b,
2012c e 2012d).
Desta forma, podemos sintetizar as ideias dos dois autores (SA-
LEN & ZIMMERMAN, 2012a, 2012b, 2012c e 2012d) tendo o
design de jogos como o processo de tomada de decisão pela qual o
contexto do jogo toma significado por meio das ações executadas e
pela forma que são interpretadas pelo participante. O processo criativo
de organização dos símbolos e signos, inter-relacionando as regras e o
papel do participante é a função do design de jogos.

CAPÍTULO CICLO CRIATIVO DE DESENVOLVIMENTO DE JOGOS COOPERATIVOS: UM MÉTODO


2 PARA CRIAÇÃO DE JOGOS EDUCATIVOS 43
Com estes temas esclarecidos, tomemos agora parte no processo
criativo de design de jogos utilizado para a concepção da metodologia
educativa, perpassando o conceito de jogos cooperativos, que deu ori-
gem a CRIATIVA.

A intencionalidade pedagógica em uma situação de jogo

Uma das tarefas mais árduas que o homem pode realizar... é inventar
bons jogos. (CARL JUNG)

Muitos podem achar que é impossível romper com certos para-


digmas construídos ao longo da história, pois já estão condicionados a
repassar o que foi aprendido. É necessário termos a consciência de que
para quebrar certas imposições devemos ter atitudes e disseminarmos
a curiosidade, tanto em nós mesmos, como a todos que nos cercam.
Quando um professor se acomoda ele está sinalizando que não acredita
mais no poder renovador e inovador que a educação pode assumir na
vida de muitos e de seus pares. A motivação é algo intrínseco e neces-
sita de estímulos diários, para que não desistamos diante do primeiro
obstáculo.
O professor deve estar consciente de que não domina tudo, mas
que sabe onde encontrar a solução para muitos problemas tidos como
impossíveis de serem solucionados. Muitos profissionais da escola são
resistentes a mudanças, principalmente se for de forma acelerada ou se
alterar sua “zona de conforto”, que foi conquistada com tanto afinco.
Devemos ter ciência de que nada é para sempre e na escola o ativismo
não pode ser regra, pois tudo está sempre se modernizando, principal-
mente se compararmos o perfil dos alunos de 40 anos atrás com os dias
de hoje. Tudo se transforma e nada é para sempre! Antigamente ter
dúvidas era motivo de chacotas entre os alunos, mas hoje ter dúvidas
é sinônimo de interesse. Para Cortella (2014, p.21): “Gente que não
tem dúvida não inova, não cresce, não avança, só repete. Gente que
não tem dúvida é incapaz de fazer o novo.” Para Negri (2013, p.6):

Entendemos a Intencionalidade Pedagógica como sendo toda


ação consciente, planejada e executada pelo professor/educa-
dor, acomodada dentro do cenário pedagógico, determinado
como espaço relacional dos que ensinam e dos que aprendem.

44 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Segundo Negri (2013, p.6) “essa intenção vai além da transmis-
são do conteúdo pelo conteúdo”. Significa dizer que todos os valores,
competências e habilidades implícitos em jogos, brincadeiras e ativida-
des esportivas não serão aprendidas como atitude, sem a intencionali-
dade que provoca a reflexão, desafia a criatividade e produz as desco-
bertas. As qualidades desenvolvidas pelos jogos eletrônicos (JEs) não
permanecerão como atitudes descritas por Daphne Bavelier e James
Paul Gee, se não forem ao lazer. O estudo da intencionalidade pedagó-
gica própria da ação do professor nos leva a concluir que seu uso inten-
cional exigiria: escolha ou produção dos jogos, análise ou elaboração
de roteiros e a apresentação e introdução dos mesmos em momentos
apropriados de acordo com as habilidades e competências que se quer
desenvolver.
A ação pedagógica do professor ensinará que diante de qualquer
situação ou desafio esse será o ordenamento de ações capazes de enca-
minhamento adequado. Negri (2013) conclui afirmando que a Inten-
cionalidade Pedagógica (Quadro 1) não é uma ação isolada, uma vez
que para ser realizada se relaciona, interage, reflete e exige uma postura
aberta de quem a provoca.
O processo apresentado a seguir configura-se como orientação
para os profissionais da educação, no sentido de encontrarem soluções
de objetos que auxiliem o aprendizado. Cada necessidade é única e,
portanto, cada caso deve ser estudado com muita atenção. A experi-
mentação deve ser muito utilizada, pois permite observar como a ajuda
técnica desenvolvida está contemplando as necessidades percebidas.

Quadro 1
INTENCIONALIDADE PEDAGÓGICA DO JOGO NA INTERVENÇÃO
EDUCATIVA
• Escutar seus desejos.
• Identificar características físicas/
Entender a situação psicomotoras.
que envolve o estudante • Observar a dinâmica do estudante no
ambiente escolar.
• Reconhecer o contexto social.

CAPÍTULO CICLO CRIATIVO DE DESENVOLVIMENTO DE JOGOS COOPERATIVOS: UM MÉTODO


2 PARA CRIAÇÃO DE JOGOS EDUCATIVOS 45
• Conversar com usuários (estudante/
família/colegas).
• Buscar soluções existentes (família/
alunos).
Gerar ideias
• Pesquisar materiais que podem ser
utilizados.
• Pesquisar alternativas para confecção do
objeto.
• Considerar as necessidades a serem
atendidas (questões do educador/aluno).
Escolher a alternativa viável • Considerar a disponibilidade de recursos
materiais para a construção do objeto –
materiais, processo para confecção, custos.
Representar a ideia • Definir materiais.
(por meio de desenhos, modelos, • Definir as dimensões do objeto – formas,
ilustrações.) medidas, peso, textura, cor, etc.
Construir o objeto
• Experimentar na situação real de uso.
para experimentação
• Considerar se atendeu o desejo da pessoa
no contexto determinado.
Avaliar o uso do objeto
• Verificar se o objeto facilitou a ação do
aluno e do educador.
• Verificar se as condições do aluno
mudam com o passar do tempo e se há
Acompanhar o uso
necessidade de fazer alguma adaptação no
objeto.
Fonte: Adaptado pelos autores.

Segundo Prensky (2012, p. 156) os jogos prendem nossa aten-


ção por que: Jogos são uma forma de diversão, o que nos proporciona
prazer e satisfação; Jogos são uma forma de brincar, o que faz nosso
envolvimento ser intenso e fervoroso; Jogos têm regras, o que nos dá
estrutura; Jogos têm metas, o que nos dá motivação; Jogos são intera-
tivos, o que nos faz agir; Jogos têm resultados e feedback, o que nos faz
aprender; Jogos são adaptáveis, o que nos faz seguir um fluxo; Jogos
têm vitórias, o que gratifica nosso ego e autoestima; Jogos têm con-
flitos/competições/desafios/oposições, o que nos dá adrenalina; Jogos
envolvem a solução de problemas, o que estimula nossa criatividade e
cognição; Jogos têm interação, o que nos leva a socializar; Jogos têm
enredo e representações, o que nos proporciona simbolizar; Jogos têm
afetividade e prazer, o que nos contagia de emoção e alegria.

46 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Para Prensky (2012) os jogos na melhor de suas possibilidades,
são experiências altamente interativas e sociais. Sabemos que nem to-
dos os jogos apresentam todas as características citadas anteriormente
e nem todos os jogos são bons, no jogo temos virtudes e pecados. Uma
coisa é certa, seja as crianças, ou seja, os adultos todos adoram os jogos,
de corpo e alma. O mesmo autor coloca uma pergunta: “O que faz um
jogo ser um jogo?” Segundo ele compreender o porquê que os jogos nos
envolvem, nos atraem, geralmente mesmo sem percebemos é por causa
de seis fatores estruturais que o jogo contém:

1. Regras;
2. Metas ou objetivos;
3. Resultados ou feedback;
4. Conflito/competição/desafio/oposição;
5. Interação lúdica;
6. Representações ou simbolismo.

Existem milhares, talvez milhões de jogos diferentes, mas todos


eles contêm todos ou quase todos esses fatores. Aqueles jogos que con-
tem estes fatores podem também ser classificados por muitos como
jogos, mas podem ainda pertencer a outras categorias de classificação.
Existe diferentes taxionomia dos jogos (categorias). Nem sempre po-
demos colocar todos os jogos existentes em um número limitado de
categorias especificas.
Atualmente os jogos evoluíram em diferentes dimensões. No
passado os jogos eram classificados em categorias pequenas como: jo-
gos de tabuleiros, jogos de carta, jogos atléticos e jogos infantis. Hoje
temos os jogos de computadores que na antiguidade não existiam.
Podemos classificar os jogos de computadores em oito “gêneros” que
geralmente se sobrepõem, são eles: jogos de ação, jogos de aventuras,
jogos de esporte, jogos de estratégia, jogos de luta, jogos de quebra-ca-
beças; role-playing games e por último os jogos de simulação.
Os jogos digitais/virtuais é um exemplo de evolução das catego-
rias de jogos. Cada jogo tem fatores que envolvem seus jogadores, e
que, cada fator pode agir em uma menor ou maior medida dependen-
do do contexto social, ambiental, dos aspectos econômicos, psicológi-
cos, cognitivos dos atores implicados na ação lúdica.

CAPÍTULO CICLO CRIATIVO DE DESENVOLVIMENTO DE JOGOS COOPERATIVOS: UM MÉTODO


2 PARA CRIAÇÃO DE JOGOS EDUCATIVOS 47
O uso do jogo como conteúdo educativo pode potencializar um
grande impacto no desenvolvimento das seis habilidades necessárias
para o século 21:

1. Autoconfiança: “eu posso fazer”. Isso gera no estudante a


autonomia e o protagonismo;
2. Cooperação: os estudantes precisam trabalhar conjuntamen-
te na co-criação de soluções, buscando atingir um objetivo
mais integrativo e emergente, mantendo a flexibilidade e
compartilhando as responsabilidades;
3. Criatividade: os estudantes devem inovar, produzir múlti-
plas ideias, refiná-las, e considerar as ideias de outros estu-
dantes;
4. Criticismo: os estudantes devem desenvolver suas capacida-
des de analisar, interpretar, avaliar, tomar decisões, e resolver
problemas;
5. Curiosidade: a curiosidade desperta o cérebro para a apren-
dizagem;
6. Proatividade: os estudantes devem desenvolver o hábito de
querer fazer coisas e de colocar a mão na massa, desenvolven-
do também a engenhosidade e a persistência.

O objetivo da educação é estimular nos alunos o desenvolvi-


mento de competências como: criticidade, inovação, trabalho em
equipe, resolução de problemas e protagonismo. Por isso, trabalhar
com as metodologias aprendizagem baseada em projetos e aprendi-
zagem cooperativa (ou aprendizagem por cooperação) pode ser uma
metodologia possível e uma alternativa educativa na escola e nas Ins-
tituições de Ensino Superior - IES. À primeira vista, projetos e apren-
dizagem baseada em projetos podem parecer a mesma coisa – mas,
seus significados são diferentes:

1. Projetos: podem ser feitos em casa, sem orientação do pro-


fessor/facilitador e sem a colaboração em equipe.
2. Aprendizagem baseada em projetos: requer orientação do
professor/facilitador e colaboração em equipe. Tem como
prioridade o processo de aprendizagem e a interação entre os
alunos, e não o produto final. Os alunos são a peça central e

48 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


incentivados a elaborar perguntas e fazer mudanças em pro-
dutos e ideias com base nas respostas (individual e coletiva) a
essas perguntas.

Nesta metodologia, a experiência do professor/facilitador é usa-


da como ferramenta para ajudar a projetar produtos lúdicos, que,
muitas vezes, abordam problemas ou desafios importantes para os
alunos. Eles podem jogar, experimentar, fazer simulações, abordar
problemas e trabalhar com colegas e membros da comunidade em
busca de conhecimento.
Isso representa a essência do movimento maker, uma extensão
mais tecnológica e técnica da cultura Faça-Você-Mesmo ou, em inglês,
Do-It-Yourself (DIY). Esta cultura moderna tem em sua base a ideia de
que qualquer pessoa pode construir, consertar, modificar e fabricar os
mais diversos tipos de objetos e projetos com suas próprias mãos.
O movimento maker está relacionado à aprendizagem prática no
qual o estudante é protagonista do processo de construção do seu co-
nhecimento, aprendendo assuntos de seu interesse e satisfação.
Na aprendizagem prática ocorre a valorização da experiência do
educando, permitindo que esse aprenda com seus erros e acertos, com
a satisfação em compreender assuntos e temas do seu próprio interesse,
que estão relacionados com seu cotidiano.
Sabemos que os métodos de ensino tradicionais nas escolas são
os preferidos pelas instituições de ensino e percebemos a ausência de
metodologias de aprendizagem cooperativa com o protagonismo no
aluno. Os métodos tradicionais de ensino acabam por gerar atividades
individualistas, egocêntricas e competitivas.
Essas metodologias, que tem a competição como principal con-
teúdo, reforçam a concorrência e o sentimento de baixa eficácia pelos
que obtêm menos aproveitamento nos estudos, reforçando a exclusão
social, além de não preparar as crianças e os jovens para os novos de-
safios e exigências do mundo e da sociedade. Dessa forma, a escola é
caracterizada como um ambiente que mais estimula a competição e
o individualismo.  
É muito comum nas nossas instituições de ensino encontrar os
discentes sentados em grupo, mas na realidade, trabalham individual-
mente para resolverem as tarefas propostas. Não discutem entre si, não
partilham ideias nem material, não cooperam. A este propósito, existe

CAPÍTULO CICLO CRIATIVO DE DESENVOLVIMENTO DE JOGOS COOPERATIVOS: UM MÉTODO


2 PARA CRIAÇÃO DE JOGOS EDUCATIVOS 49
uma diferença importante entre agrupar os estudantes e estruturar a
cooperação entre eles. Cooperar não significa distribuir um trabalho ao
grupo para que um membro o realize. Não é pedir tarefas individuais,
em que os estudantes que terminam antes ajudam os outros, não é
simplesmente uma partilha de recursos.
Na aprendizagem cooperativa verificamos cinco características
específicas que não atuam isoladamente, e, sim interdependentes:

1. Interdependência positiva;
2. Responsabilidade individual;
3. Interação frente a frente permitindo o desenvolvimento de
competências sociais;
4. Desenvolvimento de competências interpessoais e grupais;
5. Avaliação do processo do trabalho do grupo de modo a me-
lhorar o funcionamento do mesmo.

A interdependência positiva caracteriza-se por um sentido de


dependência mútua que se cria entre os alunos da célula e que pode
conseguir-se através da implementação de estratégias específicas de rea-
lização, onde se incluem a divisão de tarefas de diferenciação de papéis,
atribuição de recompensas, estabelecimento de objetivos comuns para
todo o grupo e realização de um único produto. Johnson e Johnson
(1999), referem ainda que a interdependência positiva cria um com-
promisso com o sucesso de outras pessoas, para além do seu próprio
sucesso, o qual é a base da Aprendizagem Cooperativa. Referem ainda
os mesmos autores que, sem interdependência positiva, não há coo-
peração. De acordo com PUJOLÀS (2001) há cinco modalidades de
interdependência principais que passamos a referir no quadro 2.

50 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Quadro 2
MODALIDADES DE INTERDEPENDÊNCIA
Modalidade Sua característica
Ocorre quando todos os membros trabalham para
um fim comum, os estudantes estão conscientes que
só alcançam os seus objetivos se, e somente se, todos
os membros da célula também conseguirem os seus.
A célula une-se em função de um objetivo comum
Interdependência de finalidades ou navegam juntos ou se afundam juntos. Quando
a célula alcança os seus objetivos cada estudante da
célula sente-se recompensado por este fato e celebra
juntamente com os seus companheiros o sucesso
da célula. Neste caso falamos de interdependência
positiva de recompensa/celebração.
A atribuição de recompensas ou a celebração de
um êxito alcançado pelas células de aprendizagem
Interdependência positiva de
cooperativa constitui um incentivo, aumenta o
recompensa/celebração
entusiasmo e a autoconfiança de cada um e da célula
aumentando a motivação para novas aprendizagens.
Ocorre quando os estudantes de uma mesma
célula se organizam para concretizarem uma
tarefa que lhes foi atribuída como, por exemplo,
Interdependência de tarefas resolver um problema ou preparar determinado
tema. Normalmente isto acontece quando o tema
é subdividido e uns estudantes fazem um tipo de
pesquisa e outros fazem outro.
Cada membro da célula possui apenas uma parte
dos recursos, informação ou materiais necessários
à realização de uma determinada tarefa. Para que
Interdependência de recursos
a célula consiga atingir o seu objetivo os diferentes
estudantes da célula têm de partilhar o material que
possuem.
Existe quando cada elemento tem um papel que
está dependente dos outros, de tal modo que, para
que a célula consiga atingir os seus objetivos, é
Interdependência de papéis.
necessário que cada elemento da célula desempenhe,
com responsabilidade e eficácia, o papel que lhe foi
atribuído.
Fonte: Adaptado pelos autores.

A modalidade essencial da aprendizagem é a responsabilidade


pessoal e o compromisso individual. Cada grupo deve sentir-se res-
ponsável pelas aprendizagens definidas para sua equipe, e cada mem-

CAPÍTULO CICLO CRIATIVO DE DESENVOLVIMENTO DE JOGOS COOPERATIVOS: UM MÉTODO


2 PARA CRIAÇÃO DE JOGOS EDUCATIVOS 51
bro será responsável pela tarefa que lhe foi atribuída. Ninguém pode
aproveitar o trabalho dos outros.
A responsabilidade individual de acordo com Johnson e Johnson
(1999) citado por Pujolàs (2001) implica que cada estudante da célula
seja avaliado e que a célula saiba que a sua avaliação é o resultado dessas
avaliações individuais. A finalidade das células de Aprendizagem Co-
operativa é que os estudantes aprendam juntos para, posteriormente,
poderem desempenhar sozinhos as tarefas que lhe são propostas.
Pujolàs (2001) considera que uma das finalidades da Aprendiza-
gem Cooperativa é permitir que cada um dos membros de um coletivo
se torne uma pessoa mais sólida e coerente nos seus direitos e deveres.
Assim, o compromisso individual na aprendizagem é a chave para asse-
gurar que todos os membros do grupo saiam fortalecidos, de tal forma
que sejam capazes de realizar sozinhos tarefas parecidas com aquelas
que realizaram na equipe, tanto a nível cognitivo como atitudinal. Para
Johnson e Johnson (1999) citado por Pujolàs (2001) o terceiro ele-
mento da Aprendizagem Cooperativa é a interação frente-a-frente ou
cara-a-cara a qual se caracteriza por manter os alunos numa situação
física permitindo que cada um esteja diante um dos outros e assim, os
diferentes alunos se encorajem e facilitem os esforços de cada um de
modo a alcançarem os esforços da sua equipe.
A este propósito, de acordo com Johnson e Johnson (1999)
eles consideram que algumas atividades cognitivas e interpessoais
só podem realizar-se quando cada educando promove a aprendiza-
gem dos seus companheiros, explicando verbalmente como resolver
os problemas ao analisar conceitos que estão sendo aprendidos, ou
ainda ensinar o que sabe aos seus companheiros. Deste modo, ao
promover a aprendizagem pessoal, os membros do grupo adquirem
um compromisso uns com os outros, assim como com os seus ob-
jetivos comuns.
Aprendizagem Cooperativa consiste em ensinar aos discentes al-
gumas competências sociais e grupais. Os alunos, tal como neces-
sitam de aprender os conteúdos acadêmicos, também necessitam de
aprender as competências sociais necessárias para funcionar como par-
te de uma núcleo coletivo cooperativo.
A avaliação grupal é o quinto e último elemento da aprendiza-
gem cooperativa. Johnson e Johnson (1999) citado por Pujolàs (2001)
referem que esta avaliação ocorre quando os estudantes da célula ana-

52 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


lisam em que medida os objetivos da célula estão sendo alcançados,
tendo em conta as regras definidas. Devem ainda determinar quais
as atitudes positivas e negativas e quais as condutas que a célula deve
manter ou modificar.
A este propósito Pujolàs (2001) considera que esta avaliação deve
ser feita de forma sistemática e periódica permitindo o grupo refle-
tir sobre o seu funcionamento, garantindo assim que todos os mem-
bros recebam o feedback/retroalimentação sobre o seu desempenho e,
portanto, cada estudante tenha oportunidade de se afirmar em alguns
comportamentos e modificar outros.
Se não se verificarem as condições que acabamos de referir, é possí-
vel que o trabalho em um grupo seja improdutivo e que, por isso, o pro-
fessor não o utilize na sala de aula ou então o faça esporadicamente. Mas,
os seres humanos não nascem com essas competências coletivas, com o
tempo vão ganhando habilidades sociais de como trabalhar em equipe
com êxito. Não é algo com que se nasce. Aprende-se, aprimora-se e trei-
na-se. A experiência cooperativa requer uma aprendizagem e vivência.

METODOLOGIA

Para compormos o presente estudo utilizamos de metodologia de


pesquisa bibliográfica que “permite ao investigador a cobertura de uma
gama de fenômenos muito mais ampla” (GIL, 1999) num aporte concei-
tual do objeto a ser estudado, compreendendo as ideias elaborados por
diversos autores, a fim de identificar as estruturas apresentadas e os mé-
todos explorados. Além disso, temos o caráter exploratório da pesquisa
pois “busca [nesse artigo] levantar informações sobre um determinado
objeto, delimitando assim um campo de trabalho” (SEVERINO, 2007)
de forma a promover, descrever e relatar as informações empregadas no
processo de concepção da CRIATIVA.
Organizamos o presente trabalho na forma de relato de experiên-
cia sobre esse processo criativo, descrevendo a experiência de concep-
ção do jogo, ocorrida entre fevereiro e maio de 2015, pelo Laboratório
Interdisciplinar de Jogos Colaborativos. Esse relato consiste na apre-
sentação dos resultados, por meio de observação participante, onde
registramos o exame do processo que conduziu as escolhas, e, para
além disso, seus resultados sem prejulgamentos, com a finalidade de
compreender os dados e seu contexto na pesquisa (MINAYO, 2013).

CAPÍTULO CICLO CRIATIVO DE DESENVOLVIMENTO DE JOGOS COOPERATIVOS: UM MÉTODO


2 PARA CRIAÇÃO DE JOGOS EDUCATIVOS 53
A partir dos resultados apresentados nessa experiência e de seu
relacionamento com os conceitos abordados pelos diversos autores,
apresentaremos nossa metodologia que sistematiza o processo de con-
cepção do jogo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Deste ponto em diante discutiremos os aspectos de design de


jogos que fomentaram a sua concepção, dialogando sobre o ambien-
te controlado propiciado pelo jogo, suas metas, regras, sistema de fe-
edback e mecanismos de participação dos jogadores. O relato desse
processo criativo tem o intuito de contribuir para a criação de outras
metodologias do mesmo aporte, sendo um dos objetivos deste artigo.

Ambiente controlado a partir do jogo cooperativo

Propiciar aos participantes um ambiente controlado é a base para


este jogo, escolhemos uma empresa de publicidade e propaganda, de-
nominada CRIATIVA, como ambiente a ser utilizado para propor essa
experiência ao jogador. Os participantes são parte desta empresa, esta
é a planta baixa do jogo, sua base (SCHUYTEMA, 2008). Nesta base,
podemos encontrar diversos serviços e produtos oferecidos por uma
empresa, mas não estamos tratando de uma empresa real e sim de uma
empresa fictícia, um símbolo, que, portanto, pode ser visto com diver-
sos olhares e interpretações sob a ótica de cada participante, que traz
conhecimentos prévios acerca do ambiente.
Na interpretação deste signo reside o interesse do participante
em realizar as ações propostas pelo jogo, uma vez que ele aborda uma
temática de realização de processos criativos sob pressão, este tem a
possibilidade de imergir no ambiente controlado, onde os jogadores
constroem um conhecimento coletivo, através da dialógica, demons-
trando seu ponto de vista e aprendendo de forma cooperativa ao captar
as impressões dos seus companheiros sobre estes signos e suas interpre-
tações pessoais.
Essa é uma decisão de design de jogo, que influencia a forma
como serão geridos os processos que o conduzem, suas metas, regras,
feedback e forma de participação. Tomamos como base, nesta escolha,

54 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


o questionamento que nos é apresentado por Freire (1996), “Por quer
não estabelecer uma necessária “intimidade” entre os saberes curricu-
lares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como
indivíduos?” Estando para além das questões de design de jogos, to-
mamos esta decisão, por pensar o ambiente de jogo como uma pos-
sibilidade de utilizar estes conhecimentos e habilidades já comuns ao
público, como o pintar e o desenhar, escrever e relatar, administração
financeira e estratégica de recursos, a geometria associada ao conhe-
cimento das cores na construção de um produto, conhecimentos de
estética e do próprio material a ser utilizado, a estratégia produtiva e
o diálogo que fomentam o processo criativo. Tudo isso reconhecendo
nos participantes o desejo de utilizar, de forma criativa, estes pontos,
que seriam de difícil uso em situações cotidianas.
Nesse ambiente controlado o facilitador (papel que cabe ao co-
ordenador do jogo, seja ele um professor ou estudante) pode explorar
estes conhecimentos e habilidades, relacionando todo esse conteúdo
com o signo proposto no ambiente. Inter-relacionando essas esferas
propiciamos um ambiente criativo necessário a resolução de problemas
que serão propostos pelas metas e regras do jogo de forma conjunta.

Metas do jogo

Os objetivos são escolhidos de acordo com o ambiente. Para se


jogar este jogo os participantes devem ser colaboradores da CRIATI-
VA, assim, tomamos como base o pensamento comum do objetivo
de uma empresa, a busca pelo lucro máximo. Realizando serviços e
criando produtos, a empresa é recompensada financeiramente. Quan-
to maior a qualidade e a aceitação destes produtos e serviço, maior é
seu reconhecimento.
Tenha em mente que o papel da meta é o “resultado especifico
que os jogadores vão trabalhar para conseguir. Ela foca a atenção e
orienta continuamente a participação deles ao longo do jogo” (MC-
GONIAL, 2012). Esta deve estar sempre clara aos jogadores, é o ob-
jetivo do jogo, mesmo não sendo a finalidade ao se aplicar um jogo
cooperativo, é importante, pois gera um senso de objetivo.
Para darmos lugar a estas ideias, criamos uma moeda, a moeda
CRIATIVA. Um valor monetário fictício que serve como pagamento
dos trabalhos realizados com sucesso, pagamento de multas contratu-

CAPÍTULO CICLO CRIATIVO DE DESENVOLVIMENTO DE JOGOS COOPERATIVOS: UM MÉTODO


2 PARA CRIAÇÃO DE JOGOS EDUCATIVOS 55
ais e também é utilizada pelos participantes na compra de materiais di-
versos que compõem seus produtos. Ela representa o lucro da empresa.
O primeiro objetivo do jogo é o lucro, terminar o jogo com mais
dinheiro do que se iniciou. Para isso, num primeiro momento, entre-
gamos a todos os participantes uma unidade de moeda CRIATIVA,
explicando que este é o dinheiro da empresa, e pedimos que todos
depositem esse dinheiro no caixa (que pode ser um pote plástico ou
mesmo uma caixa de sapatos) que é posicionado no meio da sala para
que todos tenham acesso.
O outro objetivo do jogo é o de realizar serviços e/ou criar
produtos, que serão utilizados para se arrecadar o dinheiro que “ali-
menta” o caixa. A segunda ferramenta que criamos para o jogo é o
BRIEFING, um documento que apresenta aos jogadores o possível
serviço que eles serão contratados para realizar, explicando o que se
deve criar, o histórico do contratante, suas cores e logotipo; a visão e
a meta do contratante.
Cada BRIEFING apresenta aos jogadores um tempo, a recom-
pensa por realizar o produto com sucesso e também uma multa (caso
estes desejem abandonar um projeto), valor que será subtraído ime-
diatamente do caixa da empresa. Nesta mesma peça temos uma ficha
de avaliação, que serve para o facilitador “julgar” o item criado pelo
grupo, que pode ser um sucesso (lhes rendendo a recompensa), um
fracasso (onde vão perder apenas tempo e material investido) ou a op-
ção de voltar para a prancheta (onde os participantes têm um tempo
extra para tentar finalizar a atividade). Buscando facilitar a realização
da tarefa, cada BRIEFING também traz material adicional que os par-
ticipantes recebem ao escolher resolver aquele problema.
O jogo é dividido em grupos, como veremos no próximo ponto,
e a meta é que cada grupo realize, ao menos, o trabalho requerido em
um BRIEFING com sucesso. Criamos um pacote básico com dez tare-
fas que envolvem desde a criação de logotipo, cartaz, folder de evento,
slogan, comercial para TV, comercial para rádio, e cartão de visitas. Es-
tes serviços requerem a utilização da criatividade e um relacionamento
interdisciplinar de conhecimentos como já apontado quando tratamos
do ambiente.
Notemos que estas duas metas interligam todo o contexto de sig-
nificados explorado na CRIATIVA, o que não poderia ser diferente, já
que, de acordo com o ambiente controlado, estas são razões de existir

56 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


para uma empresa. Ambas são percebidas como metas globais, onde
todos juntos jogam para superá-las.

Regras do jogo

As regras são as diretrizes norteadoras do jogo, que são postas


para limitar a forma como as atividades deverão ser realizadas, entre
elas já observamos o tempo para a realização dos processos criativos, o
gerenciamento de recursos por meio da moeda CRIATIVA e a multa,
caso os jogadores desejem desistir da realização de uma atividade.
Tenha em mente que as regras

Impõem limitações em como os jogadores podem atingir a


meta. Removendo ou limitando as maneiras óbvias, as regras
estimulam os jogadores a explorarem as possibilidades anterior-
mente desconhecidas para atingir o objetivo final. Elas liberam
a criatividade e estimulam o pensamento estratégico (MCGO-
NIAL, 2012).

Não sendo, portanto, formas de punir os participantes, mas sim


de auxilia-los nessa jornada em busca da construção e (re)significação
de conhecimentos e habilidades, estimulando a criatividade. Agora,
veremos algumas outras regras ou mecânicas do jogo.
Os participantes são divididos em grupos de cinco membros,
onde cada um tem um papel determinado, sendo o conjunto dos jo-
gadores denominado de grupo-classe. Esta divisão visa organizar os
participantes e estruturar a metodologia, para isso utilizamos a teoria
de jigsaw apresentada por Aronson (ALMEIDA, 2011) e revisitada por
Slavin (ALMEIDA, 2011), que tem como características: a) O facili-
tador explica o problema proposto na atividade, b) formam-se grupo
heterogêneos, c) dentro de cada grupo são estabelecidos papéis e e) os
membros tem a chance de atuar nos distintos papéis.
A formação de grupos heterógenos em etnia, sexo e idade evita
que os participantes que tem mais afinidade trabalhem em conjunto,
dando oportunidade aos jogadores de conhecer diferentes pessoas e
opiniões, isso é o que acontece realmente em uma empresa, não pode-
mos escolher nossos colegas de trabalho. Os papéis ajudam os jogadores
a realizar as tarefas, dando um maior sentido e organização a atividade,
sendo estes baseados no ambiente escolhido. São eles: a) Contador de

CAPÍTULO CICLO CRIATIVO DE DESENVOLVIMENTO DE JOGOS COOPERATIVOS: UM MÉTODO


2 PARA CRIAÇÃO DE JOGOS EDUCATIVOS 57
tempo: O jogador que cronometra o tempo auxilia o grupo para que o
trabalho seja realizado no período correto, b) mediador: Tem o papel
de percorrer os grupos para dialogar, tirar dúvidas e expor as ideias de
um grupo ao grupo-classe, tornando o jogo mais organizado e fluído,
c) tesoureiro: Ele arrecada os recursos e o gerencia, junto com todos
os tesoureiros dos outros grupos, realizando o controle das finanças da
empresa, d) apresentador: Responsável por apresentar ao facilitador
o produto final, tentando convencer de que este deve ser aprovado e
e) relator: Este jogador realizará anotações acerca de como se deu o
processo criativo e a participação dos jogadores e suas contribuições e
ideias, que serão relatadas no fim do jogo. Este relato é uma pré-avalia-
ção do jogo expondo os momentos e as relações dentro de cada grupo.
Com os papéis explicados, os grupos já divididos devem entrar
em consenso sobre o papel que cada membro irá desempenhar, caso
o grupo seja composto por mais componentes, eles devem repetir um
papel ou caso contrário omitir um papel. O ideal para o formato da
metodologia educativa em sua aplicação é o de cinco integrantes por
grupo. Essa divisão de tarefas é utilizada para que os jogadores tenham
noção de como podem participar da atividade, o que evita a dispersão
do participante e facilita o trabalho em grupo.
Mais duas regras complementam a CRIATIVA, são elas o uso
de ferramentas e aquisição de materiais. Durante o processo criativo,
os participantes poderão adquirir materiais comprados com moeda
CRIATIVA, a fim de realizar suas tarefas, estes materiais podem ser:
Lápis, caneta, pincel, marcador de texto, lápis de cor, giz de cera, bor-
racha, tinta acrílica, revistas e jornais para recortar, folhas de papel em
diversos tamanhos, cores e formatos; fitas coloridas, botões, sementes e
folhas, flores, tecidos diversos.
Na mecânica do jogo os participantes terão de gerenciar seus
recursos para comprar essas matérias de acordo com as situações pro-
blema a serem resolvidas. Assim, se um grupo escolheu criar um cartaz,
ele terá de adquirir folha de papel, lápis e tintas, por exemplo, para
criar o produto tendo o cuidado de pensar estrategicamente para que
estes recursos não custem ao grupo-classe, mais moeda CRIATIVA do
que eles serão recompensados pela atividade.
Uma vez adquirido o material ele é de todo o grupo-classe e deve
ser compartilhado, já que para sua aquisição, uma decisão conjunta
(realizada geralmente pelos tesoureiros) deve ser tomada.

58 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


As ferramentas que são utilizadas em conjunto com os mate-
riais são gratuitas, no entanto, devem ser racionadas, já que são colo-
cadas em quantidade inferior à dos grupos. Ferramentas são: Tesouras,
cola, régua, pinceis, apontador, potes para misturar tintas, transferidor
e compasso, por exemplo, assim, se temos 4 grupos, podemos optar
por ter entre um e dois exemplares de cada uma destas ferramentas.
Dessa forma os membros dos grupos terão de gerenciar seu uso, de
forma dialógica, para que cada um dos grupos possa utiliza-las sem
prejuízo para que o grupo-classe atinja os objetivos do jogo.

Sistema de feedback

Feedback apresenta as respostas do jogo as ações dos jogadores,


dois feedbacks são importantes para se alcançar a vitória no jogo, estes
já foram explicados nas metas do jogo. Cabe-nos agora explicar o fee-
dback contínuo durante o jogo que será dado através da avaliação dos
BREAFINGS.
Quando um trabalho é terminado o jogador que faz o papel do
apresentador do grupo deve convencer o facilitador, que interpretará o
papel de cliente, que este trabalho está finalizado sendo o melhor para
aquele cliente. No BREAFING existe uma ficha de avaliação, com os
principais requisitos feitos pelo cliente e durante a conversa o avaliador
deve preencher a avaliação proposta e apresentar um entre três resulta-
dos: Aprovado, reprovado ou de volta a prancheta.
Esse sistema de feedback continuo possibilita um acompanhamen-
to do progresso da atividade por parte do facilitador e dos jogadores, que
irão saber o quanto eles estão próximos ou distantes da vitória no jogo
(MCGONIAL, 2012). O feedback continuo é importante pois pode
mudar a estratégia do grupo-classe de acordo com seus resultados.

A participação voluntária

Uma condição para participar da aplicação do jogo está em acei-


tar as metas, o sistema de regras e a forma com que o feedback será rea-
lizado, “isso estabelece uma base comum para as múltiplas pessoas jogarem
o mesmo jogo” (MCGONIAL, 2012), tendo estes a liberdade para en-
trar e sair do jogo a hora que desejarem, assegurando aos participantes
o princípio voluntário de participar.

CAPÍTULO CICLO CRIATIVO DE DESENVOLVIMENTO DE JOGOS COOPERATIVOS: UM MÉTODO


2 PARA CRIAÇÃO DE JOGOS EDUCATIVOS 59
Por meio da participação voluntária construímos um sentimen-
to democrático entre os participantes, que unem forças para resolver
situações propostas pelo jogo, “problemas que ao indivíduo parecem in-
solúveis se contar só com suas próprias forças” (BORDENAVE, 1983, p.
12), mas que em grupo, tornam-se menores e menos dificultosos.
Para compreendermos as possibilidades dessa participação,
analisemos a frase de Bordenave (1983): “Participação é fazer parte, to-
mar parte ou ter parte”. Note a clareza dos verbos fazer, tomar e ter; eles
são importantes quando buscamos compreender de que forma pode-se
entender essa conceituação.
Fazer parte de algo, como por exemplo um jogo cooperativo,
demonstra que existe uma relação entre o conjunto e o participante,
no entanto, não requerer uma integração, um sentimento para com
o que se faz parte, o que nos levaria a pensar a participação de forma
passiva por parte do sujeito da ação. Tomar parte significa trazer para si
responsabilidades, e se você toma parte dos problemas apresentados no
jogo, tentando resolvê-los, automaticamente estará interagindo com
um todo, um sistema complexo onde pessoas e ideias interdependen-
tes, sendo uma atitude ativa do sujeito da ação. Por fim, ter parte está
ligado ao sentimento de direito participativo que marca a ação do su-
jeito, ter parte no jogo, é a ação voluntária provocada pelo sentimento
de direito e dever na resolução do problema, é estritamente pessoal
(BORDENAVE, 1983).

Ciclo criativo de produção de jogos educativos

Todos estes pontos fazem parte do processo criativo de tomada


de decisão para a construção da metodologia educativa. Tomamos es-
tas decisões baseados nos estudos dos autores Mcgonial (2012), Schuy-
tema (2008), Salen; Zimmerman (2012a, 2012b, 2012c e 2012d) e
Schell (2011). Para organizar e estruturar esta metodologia criamos, a
partir deste referencial, um ciclo “criativo de produção de jogos educati-
vos”, tendo nos servido de diretrizes e organizado os passos da tomada
de decisão. Essa metodologia é ilustrada na figura abaixo:

60 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Figura 1 - Ilustração da metodologia do ciclo de produção de jogos educativos

Baseados nessa metodologia, organizamos o processo criativo ten-


do em vista que todas estas fases do ciclo são complementares, não-line-
ares, sendo diretrizes e não regras a serem cumpridas de forma restritiva.
Iniciamos realizando a pesquisa bibliográfica acerca do design do
jogo e dos possíveis temas, definimos então quais seriam os objetivos
do jogo, qual a experiência que o jogador vai ter ao participar da ativi-
dade e de que forma desejamos trabalhar.
Para escolher o ambiente ao qual desenvolveremos o jogo utiliza-
mos a metodologia design thinking em conjunto de mapas conceituais
(por meio do software XMind6) relacionando as ideias dos participan-
tes e seus conhecimentos prévios sobre o assunto, o que contribui para
um tomada de decisão interdisciplinar, já que a pluralidade de partici-
pantes fomentou a confecção do jogo.
Optamos por criar um jogo analógico, que utiliza apenas textos
básicos e materiais, optando por uma ferramenta de baixo custo que
não necessita de grandes habilidades para reunir uma turma e ser apli-
cada, apenas a leitura de um manual de regras é suficiente, tornando o
jogo mais prático e acessível.
Baseados no ambiente, retornamos a pesquisa bibliográfica todo
o tempo, agora para obter informações sobre o tema escolhido. Trans-

CAPÍTULO CICLO CRIATIVO DE DESENVOLVIMENTO DE JOGOS COOPERATIVOS: UM MÉTODO


2 PARA CRIAÇÃO DE JOGOS EDUCATIVOS 61
formamos essas informações em metas, regras e um possível sistema de
feedback do jogo. O que aproxima o processo a realidade que deseja-
mos experimentar, propiciando que o ambiente controlado seja o mais
próximo possível (em significados e conceitos) do ambiente real.
Para auxiliar o processo criativo recomendamos que a todo mo-
mento os participantes procurem jogos e experiências lúdicas para
se divertir com o grupo, buscando interações através dos jogos para
conhecer novas mecânicas, sistemas de feedback e formas de partici-
pação. Se você deseja criar um jogo, nada melhor que jogar vários
jogos, poder obter conhecimento nesse campo através de várias e
significativas experiências.
Com o primeiro escopo do jogo em mãos, escrito por meio de
um manual, aplicamos o jogo em sua versão inicial. Observamos se as
regras são conflituosas, se as metas são de fácil ou difícil acesso pelos
jogadores, se o sistema de feedback os mantém motivados, se e como os
participantes estão se divertindo e participando. No caso da CRIATI-
VA utilizamos um questionário qualiquantitativo, através da metodo-
logia do discurso do sujeito coletivo (LEFEVRE; LEFEVRE, 2012),
apresentando esses dados a todos os envolvidos na concepção do jogo,
para avaliarmos se o jogo atingiu seus objetivos.
Após avaliarmos o primeiro escopo, o jogo deve ser completa-
mente revisado. Tomando como base os dados da primeira aplicação,
novas mecânicas podem ser adicionadas e outras retiradas, e novos
testes devem ser feitos de forma gerar novas avaliações e revisões.
Esta fase do ciclo: Teste, avaliação da aplicação do teste e revisão das
metas, regras e feedback; consomem o maior tempo de produção,
sendo a parte mais importante e só culminando no lançamento do
jogo quando o grupo sentir que os objetivos do jogo são plenamente
alcançados pelos participantes.
Bons jogos são criados por meio de testes, o chamado playtest.
Este momento é extremamente necessário, pois alerta a equipe de pro-
dução criativa sobre problemas que podem ser resolvidos, verificando
se o jogo fomenta a experiência a qual foi criado (SCHELL, 2011).
Este ciclo nasce de estudos bibliográficos e da experiência de
concepção da CRIATIVA, chegando a ser simplória se pensarmos
nas ricas experiências de famosos game designers, no entanto, o ob-
jetivo deste ciclo não é o de criar uma ferramenta para designers
experientes, mas o de apresentar um arquétipo que pode ser utilizado

62 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


por docentes, discentes e entusiastas por novas e instigantes metodo-
logias, para a produção de jogos educativos que possam (re)significar
relações educativas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O aporte bibliográfico foi fundamental para o processo criativo,


influenciando tanto a metodologia do ciclo de produção de jogos edu-
cativos, como a definição do ambiente e o “estilo cooperativo” do jogo.
Os estudos realizados pelos membros do Laboratório Interdisciplinar
de Jogos Cooperativos permeiam todo o trabalho, comprovando que
a estruturação de uma metodologia deve ser criteriosa e recheada de
conceitos sobre os temas.
A concepção da CRIATIVA foi uma experiência interdisciplinar
que exigiu tempo, pensamento criativo, pro-atividade e uma equipe
bem estruturada, itens fundamentais a produção de qualquer produto
ou serviço. As escolhas metodológicas (jigsaw, design thinking, mapa
conceitual e discurso do sujeito coletivo) nos ajudaram a estruturar
tanto o formato do jogo como a própria metodologia do processo cria-
tivo, todo o contexto do jogo está inter-relacionado, influenciando e
sendo influenciado pelas metodologias utilizadas.
Outro aspecto de fundamental importância foi a oportunidade
de reunir a equipe para conhecer diversos jogos comerciais, coope-
rativos e/ou competitivos, conhecendo novas mecânicas, sistemas de
feedback e metas. Esta atitude não é meramente um momento de en-
tretenimento da equipe, mas consiste em um aporte empírico, onde o
pesquisador/design de jogos tem a possibilidade de obter visões dife-
rentes acerca do tema deste artigo, reconhecendo no trabalho de outros
designers de jogos, métodos e técnicas que influenciam diretamente o
processo criativo.
Devemos lembrar que todos os passos na metodologia apre-
sentada se inter-relacionam, podem e devem ser alterados de acordo
com a planta baixa. O método é seu aliado e não uma camisa de força
ou mesmo uma muleta. O mesmo vale para as regras do jogo, elas
devem proporcionar desafios que façam com que os participantes
lidem criativamente com situações problema, não sendo concebidas
para engessar o jogo.
Buscamos contribuir com o campo de estudos das metodolo-

CAPÍTULO CICLO CRIATIVO DE DESENVOLVIMENTO DE JOGOS COOPERATIVOS: UM MÉTODO


2 PARA CRIAÇÃO DE JOGOS EDUCATIVOS 63
gias educativas através dos jogos cooperativos, apresentando um relato
de experiência sobre o processo criativo que originou a metodologia
CRIATIVA, bem como o método que guiou este processo e sua equi-
pe, sendo este possível de adaptação para qualquer projeto de extensão,
ensino ou mesmo pesquisa, que deseje tratar do tema de design de jo-
gos voltado a educação.
Este artigo conta com o material produzido nas fases de pesquisa
bibliográfica, definição dos objetivos do jogo, definição do ambiente
a ser explorado através de métodos criativos, escolha da plataforma,
definição das metas do jogo, definição das regras do jogo, definição do
sistema de feedback e teste (primeira rodada de testes), faltando apenas
avaliarmos a aplicação deste teste, revisar as metas, regras e feedback;
para então realizarmos um segundo teste e provavelmente realizarmos
uma nova avaliação e um terceiro teste, que pode possibilitar o lança-
mento da ferramenta.
Contudo, para estudos futuros, pretendemos apresentar os resul-
tados deste primeiro teste, que foi realizado com estudantes da Univer-
sidade Federal do Cariri, Universidade Regional do Cariri e Universi-
dade Estadual do Vale do Acaraú – Campus Crato, onde obtivemos
a participação de 44 pessoas, bem como possíveis reformulações no
sistema de regras, das metas e do sistema de feedback.

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2 PARA CRIAÇÃO DE JOGOS EDUCATIVOS 67
CAPÍTULO 3
BRINCADEIRA, JOGO E DESENVOLVIMENTO
– COMO O BRINCAR/JOGAR FORTALECE A
APRENDIZAGEM ESCOLAR?

Maria Celia Rabello Malta Campos1


Ana Paula de Próspero Dalfré2
Tania Regina Pascutti Zacarias3

INTRODUÇÃO

Há um crescente consenso, advindo de pesquisas em diferentes


áreas como a Psicologia do Desenvolvimento e a Neurociências, acerca
dos benefícios das atividades lúdicas para todas as idades, mas, sobretu-
do, para as crianças. Este consenso fundamenta as ações de várias enti-
dades voltadas para a defesa do direito de brincar, como base essencial
da saúde física e mental do ser em crescimento e forma de inserção da
criança na cultura. Dada às condições atuais de vida urbana e às pres-
sões da sociedade e das famílias para o emprego do tempo de lazer das
crianças em atividades estruturadas, faz-se cada vez mais necessário se
garantir a elas um tempo livre e os espaços que estimulem a atividade
lúdica com segurança e qualidade. A Associação Brasileira de Brinque-
1 Atual presidente da Associação Brasileira de Brinquedotecas – ABBri.
2 Atua em psicopedagogia clínica e na formação de professores e psicopedagogos.
3 Diretora de Educação Infantil na Prefeitura Municipal de Campinas.
dotecas – ABBri (http://brinquedoteca.net.br/) é uma destas organi-
zações que há 30 anos se empenha para a conscientização das pessoas
acerca do valor do brincar livre e criativo para o desenvolvimento psi-
cológico e a qualidade de vida das pessoas em qualquer idade, focando
suas ações na formação de profissionais brinquedistas e apoiando a
organização de brinquedotecas.
As brincadeiras e os jogos de regras são importantes instrumen-
tos de observação e diálogo sobre os processos de pensar e construir
conhecimento, de acordo com Macedo (2011) e Brenelli (1996). Fa-
zendo uma analogia entre jogos de regras e atividades acadêmicas, Ma-
cedo, Petty e Passos (2000) coloca que quanto mais organizado, obser-
vador e analítico for o jogador, mais chances ele terá para ganhar uma
partida, sendo estas habilidades igualmente importantes para o bom
desempenho escolar. Por outro lado, ao analisar suas ações, o sujeito
tem a oportunidade de tomar consciência sobre o que produziu, perce-
be seus erros e acertos e cria novas possibilidades de ação. Este processo
o leva a ampliar o conhecimento que tem de si mesmo, a buscar os pró-
prios recursos, discriminando o que sabe e no que precisará melhorar,
aspectos estes essenciais para que ocorra a aprendizagem, para a Vida
e para a escola.
Estas relações entre o lúdico e o aprender foram assumidas pelas
autoras do presente capítulo na definição das propostas apresentadas,
em que jogos e brincadeiras oferecem o contexto tanto para avaliação
das competências dos alunos como para a orientação de seus processos
de aprendizagem. Na 1ª seção do texto, Maria Celia Malta Campos
se detém na observação da qualidade da brincadeira simbólica e da
linguagem, entendidas como expressão do nível de pensamento das
crianças de Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental.
Na sequência, Ana Paula Dalfré discute uma modalidade de interven-
ção voltada para a promoção das condutas antecipatórias de alunos de
Ensino Fundamental I e II no contexto de um jogo que envolve posi-
ção e deslocamento de peças. Por fim, Tania Pascutti Zacarias analisa
as habilidades cognitivas de alunos de Ensino Médio, relacionando o
pensamento inferencial empregado em um jogo e como este também
se apresenta na compreensão de textos.

70 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


PARTE 1: BRINCADEIRA E LINGUAGEM: AVALIANDO
O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA DA EDUCAÇÃO
INFANTIL E SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Na atuação clínica em Psicopedagogia, é frequentemente em-


pregada a proposta da Hora do Jogo Psicopedagógico (PAIN, 1986;
FERNÀNDEZ, 1991). A observação dos recursos simbólicos da
criança é central para a formulação das primeiras hipóteses diagnós-
ticas pelo psicopedagogo. Além disso, esta observação pode contri-
buir, no contexto escolar, para a detecção precoce de crianças em
“situações de risco” para a aprendizagem saudável. Entretanto, ne-
nhuma produção simbólica é mais fluida e sutil do que a brincadeira
simbólica da criança, que se assemelha muito ao sonho, de modo que
o profissional poderá ter dificuldade para descrevê-la e para extrair
de sua observação algo consistente para um prognóstico acerca dos
processos de desenvolvimento e aprendizagem do sujeito em questão.
Com objetivo de oferecer subsídios ao uso deste recurso de avalia-
ção psicopedagógica, Campos (1996) empregou alguns indicadores
sugeridos nas pesquisas piagetianas para caracterizar a qualidade da
brincadeira simbólica e da linguagem oral da criança entre cinco e
sete anos de idade, aproximadamente.
O interesse da investigação destas duas modalidades de expressão
simbólica para a ação educacional e psicopedagógica deriva da hipóte-
se, baseada na teoria piagetiana, de que a criança representa a maneira
como organiza e compreende a realidade, em sua linguagem oral e na
atividade lúdica. Através dessas manifestações entramos em contato
com o pensamento infantil, já que do ponto de vista do construtivismo
piagetiano, é o nosso modo de organizar o Real que obriga a linguagem
a se organizar de certa forma (RAMOZZI-CHIAROTTINO, 1994;
AFFONSO, 1995). Portanto, a estruturação lógica que o indivíduo
constrói no plano interno será a base de sua linguagem e esta é, portan-
to, reveladora dos níveis em que esta organização se situa.
Entre dois e sete anos de idade, a organização mental da criança
é caracterizada pela “(...) ausência de consciência de si e ausência de
objetividade” (PIAGET,1937:2002, p. 21), ou seja, ela tem uma fraca
discriminação de si como pessoa, ao mesmo tempo que não se diferen-
cia em relação ao exterior, ao outro e a perspectivas diferentes. Quando
o sujeito adota condutas carregadas de uma indiferenciação de pon-

CAPÍTULO BRINCADEIRA, JOGO E DESENVOLVIMENTO – COMO O BRINCAR/JOGAR


3 FORTALECE A APRENDIZAGEM ESCOLAR? 71
tos de vista, falamos de uma incapacidade de descentrar. No lugar de
centração, Piaget (1962:1985) prefere falar de egocentrismo cognitivo,
esclarecendo que este termo não significa individualismo ou egoísmo,
como na linguagem comum, mas indica um pensamento que apenas
considera o próprio ponto de vista, confundindo-o com o do outro,
assumindo que não há diferenças de entendimento.
Piaget explica em “A linguagem e o pensamento da criança”
(1923:1993) que as imagens mentais que a criança inicialmente de-
senvolve são estáticas como quadros ou cenas, animados pelas relações
que a própria criança constrói. A criança evoca e verbaliza sobre ações
passadas, na medida em que consegue produzir imagens e fazer a re-
constituição mental da ação. O início da fala se caracteriza então como
uma “fala egocêntrica”, com função de acompanhar a ação e como
descarga emocional e só gradualmente esta fala desenvolverá uma fun-
ção planejadora da ação, portanto com um caráter antecipatório. No
inicio do seu desenvolvimento, a comunicação verbal se expressa como
uma série de afirmações justapostas, fragmentadas e vagas, marcadas
pelo emprego de palavras como: e, e depois, então, porque (este último
indicando mais uma consequência do que a causa) e só gradualmente
aparecem indicações de Espaço e de Tempo, com uma crescente ordem
na sequência das ações, entrelaçando-as em ligações causais. A preocu-
pação com a compreensão pelo outro só surgirá mais tarde, pois, em
função do egocentrismo intelectual, a criança pequena acredita que
aquilo que está claro para ela, também o está para o outro, principal-
mente se este outro é um adulto.
De acordo com as conclusões de Piaget (1923:1993), não se pode
falar de linguagem socializada na criança antes de 7-8 anos. O que exis-
te são monólogos que, embora realizados coletivamente, não caracte-
rizam uma verdadeira comunicação, por lhes faltar a objetividade (ou
fidelidade) ao que deve ser transmitido, bem como a causalidade. Esta
linguagem colada à ação concreta, vaga nos pronomes usados, confusa
na ordem, é a expressão de um pensamento egocêntrico, no sentido
que Piaget convencionou.
Vale ressaltar que esta modalidade de pensamento não é um im-
pedimento à socialização da criança. A necessidade da comunicação
socializada cresce pela oportunidade de interação social, como atesta a
observação das brincadeiras de “faz de conta” de um grupo de crianças
de cinco anos, realizada por Feldman (2011). Neste contexto lúdico

72 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


e interativo, que impõe uma mudança no sistema de referência pela
necessidade da coordenação de várias perspectivas, verifica-se uma pro-
gressiva descentração dos participantes, modificando diretamente a sua
linguagem.
Mas se a criança pensa e fala de forma egocêntrica, mesmo social-
mente, é porque sua verdadeira comunicação, a sua linguagem social,
não é ainda a verbal, mas é a da brincadeira, aquela em que predo-
minam os gestos, as mímicas e os movimentos que acompanham sua
atividade lúdica. Impossível, portanto, separar a análise da linguagem
da criança de sua brincadeira.
Pelo estudo da evolução da brincadeira simbólica, Piaget (1946:
1978) constata a existência de duas fases neste processo. Na Fase I, entre
dois e quatro anos de idade, predomina a evocação, quando a criança
produz séries de pequenas narrativas dirigidas a ela mesma ou a outra
pessoa, expressando eventos que foram retidos em imagens mentais (o
que viu, o que comeu, etc). Gradualmente, verifica-se a organização de
combinações simbólicas simples, com poucos elementos e poucas relações.
Aparecem os rudimentos da ordenação espacial e temporal, verbalizadas
em pequenos monólogos, porem são cenas isoladas que se esgotam em
si mesmas, sem uma continuidade. Na sequência, aparecem as combina-
ções simbólicas ordenadas, conectadas entre si no Tempo e no Espaço. Na
Fase II, entre quatro e sete anos de idade, surgem as combinações simbó-
licas complexas, como cenas articuladas entre si, com coerência e ordem,
apresentando uma imitação mais exata do real, além da diferenciação de
personagens. A criança agora se esforça para uma maior adaptação da
sua linguagem e menor deformação da realidade. Este tipo de brincadei-
ra pode se coordenar com a brincadeira simbólica coletiva, pois agora a
criança encontra-se no último estágio do jogo simbólico, já caminhando
para formas lúdicas mais socializadas.
As imagens abaixo apresentam exemplos da organização destas
cenas simbólicas nas diferentes fases evolutivas.

CAPÍTULO BRINCADEIRA, JOGO E DESENVOLVIMENTO – COMO O BRINCAR/JOGAR


3 FORTALECE A APRENDIZAGEM ESCOLAR? 73
Figura 1: Cena simbólica simples Figura 2: Cena simbólica complexa

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

Em relação à linguagem, o monólogo predomina nas brincadei-


ras da Fase I, enquanto que a linguagem associada à brincadeira da Fase
II já traz as marcas da linguagem socializada, configurando-se como
uma comunicação verbal, dirigida ao outro e estruturada por aspectos
temporais e espaciais. Piaget denomina de conversa de ação, a narrativa
com caráter geral de descrição da ação, apoiada na manipulação dos
objetos lúdicos e no próprio corpo, a qual facilita à criança a com-
preensão do que é comunicado. A narrativa mais abstrata, que não se
prende os objetos e apoia-se em fórmulas verbais, é denominada pelo
autor de conversa verbal e só garante a compreensão entre crianças,
bem como entre adulto e criança após os oito anos de idade.
Ao se procurar analisar e promover as estruturas mentais da crian-
ça em idade escolar, é central observamos como esta criança enfrenta
(ou ignora) a necessidade da comunicação objetiva, como lida com a
questão da ordem temporal-espacial e das relações causais em suas nar-
rativas e brincadeiras, tomando-as como indícios da sua organização
mental, no caminho que percorre entre o pensamento egocêntrico e o
pensamento operatório.

Metodologia

Procedimentos para a observação: realizam-se sessões indivi-


duais com cada sujeito, onde se faz a apresentação de brinquedos e
objetos com a proposta de uma atividade lúdica. A criança é convidada
a brincar livremente com o material lúdico oferecido pelo examinador,

74 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


pontuando-se que este ficará apenas observando. Após a finalização da
brincadeira pela criança, o examinador pede que ela conte a história
de sua brincadeira. Caso a brincadeira se estenda demasiadamente, o
examinador deverá pedir à criança para lhe dar um fim e contar o que
fez até aquele momento. A brincadeira e a narrativa são observadas sem
intervenção pelo adulto no sentido de instrução, esclarecimento ou
qualquer tipo de orientação que vise modificar a resposta da criança.
O registro: faz-se o registro da brincadeira através de fotografias
das cenas simbólicas montadas pela criança e das suas transformações
ao longo da brincadeira. No momento do relato oral, efetua-se a gra-
vação em áudio.
O material lúdico: empregam-se dois tipos de materiais: 1) um
material figurativo composto de miniaturas de bonecos, animais, car-
rinhos, objetos e mobiliário doméstico; 2) um material não figurativo,
composto de toquinhos de madeira, sucata (rolos de plástico e de pa-
pelão, fios de lã, palitos de madeira), blocos e peças de encaixe de jogos
de construção.
Procedimento para análise dos resultados: retomam-se os re-
gistros em imagem e em áudio e empregam-se os indicadores para a
análise da brincadeira simbólica e da linguagem, como já definidos
anteriormente:
- as categorias do jogo simbólico: evocações, combinações sim-
bólicas (ou cenas) simples, combinações (ou cenas) ordenadas, combi-
nações simbólicas (ou cenas) complexas;
- as funções ou categorias de linguagem: linguagem egocêntrica
ou socializada, diferenciadas entre si pelos aspectos de compreensão
verbal: ordem temporal-espacial, uso de associações livres, uso de liga-
ções de justaposição, uso de ligações causais.
- o tipo de narrativa: conversa verbal ou conversa de ação.

Discussão

A avaliação proposta implica numa descrição e análise da brinca-


deira mediante alguns indicadores retirados das pesquisas piagetianas
acerca da linguagem e do brincar, como manifestações da função sim-
bólica. Exemplificamos esse processo de descrição e análise, mediante
sessão registrada na pesquisa de Campos (1996).

Jo (6a. 3m.): Arrumação da cena: organiza os brinquedos numa

CAPÍTULO BRINCADEIRA, JOGO E DESENVOLVIMENTO – COMO O BRINCAR/JOGAR


3 FORTALECE A APRENDIZAGEM ESCOLAR? 75
linha reta, separando miniaturas de animais, objetos de cozinha, caixas
de mantimentos, blocos e bonecos. Ao contar a história vai manipu-
lando e posicionando estes elementos.

Cena 1: Dois meninos tavam assistindo televisão, o outro tava


olhando a panela para ver se não derramava (relação de implicação). Aí
viu que tinha duas televisões. Aí tirou um sofá, ajudou a tirar o outro
prá pôr aqui juntinho. Aí, depois, a televisão tava junto, prá quando
quebrar uma já tem outra (relação de implicação). E os dois tava lá
junto e o outro tava olhando a panela. Aí viu, aí o outro chamou que
já tá na hora de almoçar: Já tá na hora de almoçar! Já tá na hora de al-
moçar! Aí depois que eles viram «lavar roupa» (não consegue nomear a
caixinha de sabão em pó e a designa pela função) eles pôs um pouco
em cada coisa e começou a lavar com a água que eles estavam esquen-
tando. Depois que eles lavaram tudo, aí eles continuaram a assistir
televisão. Observa-se a criação de um cenário e de personagens;
evocação de atividades do cotidiano doméstico; sequências
temporais e localização espacial; informação adaptada.

Cena 2: Todos os cavalos e as vacas estavam lá bebendo água. Cada


um bebendo sua água e tinha até isto daqui que era... (não consegue no-
mear o objeto de plástico vermelho; pega o objeto, volta-se para o ce-
nário da casa e guarda-o na geladeira; guarda também uma caixa de su-
crilhos). Tinha até sucrilhos, tinha até um monte de sucrilhos. (Pega a lata
de figada e lê “Fi-ga-da”, e guarda a lata junto com os mantimentos).
Aí tinha um outro amigo prá ajudar eles e também estava assistindo (a
TV). E tinha um negócio verde (peça verde do Lego de forma arredon-
dada) que era um fogão pequenininho (classifica pela forma, colocando
junto do fogão). Tinha mais uma gelatina (pega a caixinha e coloca na
geladeira). Tinha um negócio de bolo (caixinha de massa de bolo) que
era igual a este daqui... (compara e classifica, reunindo as duas caixas).
Observa-se uma associação livre em relação à cena anterior. Faz o
reconhecimento dos objetos e os nomeia ao mesmo tempo; em se-
guida, compara, classifica e organiza os objetos em conjuntos. Uso
de informação adaptada.

Cena 3: Aí o amigo deles tava arrumando o negócio das vacas (a


cerca), prá não fugir (justificação). Tava montando o negócio da vaca, a
grade da vaca (repete a fala enquanto tenta montar as peças da cerca).

76 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Todos estavam assim (juntos). Aí eles foram dormir (os animais). Aí o ho-
mem acabou indo prá casa dele dormir também (ajeita o boneco deitado
em cima dos blocos de Lego). Depois que todos estavam dormindo, até o
homem, aí esses dois que estavam aqui vendo TV, foi aí (marcando verbal-
mente a sequência temporal) que eles estavam querendo dormir também
(ajeita os bonecos deitados). Aí então, já era noite (pega a balancinha
e usa o seu ponteiro como se fosse de um relógio), o outro desligou (a
TV) e viu que tava meia-noite (usa várias marcas temporais, concretas
e verbais). Observa-se uma justaposição em relação à cena anterior:
organiza novo conjunto de fazenda ao lado da casa; descrição das
ações no tempo e no espaço; sequências temporais marcadas ver-
balmente, pelo tempo natural e pelas horas; informação adaptada.

O registro das produções simbólicas de Jo. ilustra as possibili-


dades de uso dos indicadores sugeridos para a análise da brincadeira
simbólica e da comunicação oral, e permite perceber o funcionamento
do pensamento egocêntrico. Observa-se que Jo. sente a necessidade
de se comunicar frente ao outro, que é levado em conta por ela. Ela
compara e classifica os objetos lúdicos, agrupando-os em conjuntos
significativos, com fidelidade ao real. No entanto, o resultado dessa
comunicação é uma descrição de cenas isoladas e estáticas que perma-
necem como representações de imagens mentais justapostas e sem uma
coerência que as integre e dê sentido. Predomina em sua brincadeira a
experimentação das características e propriedades dos objetos através
da manipulação motora e é esta ação concreta que controla a organi-
zação das sucessivas cenas. Nota-se a ausência de menção ao mundo
interno dos personagens, seus sentimentos, intenções e pensamentos,
enfim, ao que poderia justificar as suas ações. Aquilo que motiva a ação
apenas é mencionado em relação a situações que evocam o cotidiano
doméstico (como vigiar a panela para não derramar o líquido; ter duas
televisões para quando uma quebrar, se ter outra de reserva). Desse
modo, suas verbalizações podem ser caracterizadas como uma “con-
versa de ação”, e sua brincadeira como expressão de um pensamento
egocêntrico. Diante da qualidade de suas representações simbólicas,
podemos questionar em que nível Jo. (aos 6 anos de idade) elabora os
estímulos do ambiente físico e social e do seu mundo interno, organi-
zando-os de modo simbólico e logico, simultaneamente. A observação
aponta para uma situação de risco de fracasso escolar, frente às deman-
das da escolarização formal, já que estas exigem um nível maior de

CAPÍTULO BRINCADEIRA, JOGO E DESENVOLVIMENTO – COMO O BRINCAR/JOGAR


3 FORTALECE A APRENDIZAGEM ESCOLAR? 77
coordenação de pontos de vista e, portanto, de abstração mental.
Apresentamos em seguida, um quadro-síntese das observações e
das análises efetuadas por meio dos critérios adotados.

Quadro de Registro das Observações


CRITÉRIOS ADOTADOS O QUE FOI OBSERVADO
Tipo de narrativa:
1- conversa de ação 1- conversa de ação
2- conversa verbal
Categoria de jogo simbólico: 2- Combinações simbólicas
1-Evocação ordenadas: aparecem as marcas
2-Combinação simbólica simples temporais e espaciais porem as
3-Combinação simbólica ordenada cenas se esgotam em si mesmas;
4- Combinações simbólicas complexas não havendo continuidade.
Categorias de linguagem:
1 - Linguagem egocêntrica.
1- linguagem egocêntrica
Monólogo.
2- linguagem socializada

1 - ordem natural dos eventos,


em pequenas sequências.
Fatores de compreensão verbal:
1- ordem
2- apresenta associações livres
entre cena 1 e 2.
2- associações livres
3- usa relações implicativas
relacionadas com aspectos
concretos da representação
3- formas de ligação causal
lúdica:...prá quando quebrar
uma (TV), já tem outra; tava
arrumando o negócio das vacas
(cerca) prá não fugir.
4- ligações de justaposição
4- Justapõe cenas: (..) tava junto
com o bolo. Aí o amigo deles tava
arrumando o negócio das vacas...

Através da breve apresentação deste caso, esperamos ter consegui-


do demonstrar que os indicadores empregados na análise das produções
simbólicas das crianças possuem valor orientador e prognóstico, podendo
contribuir para o planejamento de intervenções escolares ou psicopedagó-
gicas no sentido de promover o potencial intelectual e criativo da criança.
Acreditamos que esta é uma importante, senão a principal

78 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


contribuição da psicopedagogia, ao buscar explorar, investigar e
proporcionar meios para preservar a subjetividade - representada
pela figura da criança no papel de narrador - e integrá-la à objeti-
vidade do conhecimento, de modo a favorecer uma aprendizagem
harmoniosa e saudável.

PARTE 2: PROPOSTA INTERVENTIVA NO CONTEXTO DO


JOGO HORA DO RUSH

Nesta proposta interventiva, a evolução da ação do sujeito é ob-


servada e subsidiada pela solução dos desafios do “Hora do Rush”, um
jogo do tipo solitário, comercializado no Brasil pela Big Star em uma
versão nacional do jogo americano Rush Hour. Há também versões
on-line do mesmo jogo.

Figura 3: Embalagem do jogo

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

CAPÍTULO BRINCADEIRA, JOGO E DESENVOLVIMENTO – COMO O BRINCAR/JOGAR


3 FORTALECE A APRENDIZAGEM ESCOLAR? 79
Material e Regras do Jogo

Figura 4: Material do Jogo

Tabuleiro

Veículos

Cartas-desafio

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

O material do jogo é composto por um tabuleiro com 36 casas


(6X6) utilizadas para posicionar e deslocar os veículos. Estes são em
total de 16, sendo 12 carros, 2 caminhões e 2 ônibus. O jogo consiste
na solução de situações-problema apresentadas em 40 cartas-desafio,
agrupadas e sequenciadas em quatro níveis de complexidade (iniciante,
intermediário, avançado e expert). Seguindo o modelo proposto pela
carta-desafio, os veículos são posicionados no tabuleiro e o jogador
é desafiado a retirar o veículo vermelho (X) do tabuleiro do jogo,
cuja saída encontra-se obstruída pelos veículos ao seu redor, como se
vê na Figura 5.

Figura 5: Carta-desafio 1 com a configuração inicial dos veículos no


tabuleiro

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

80 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Como se pode observar na figura acima, os jogadores se deparam
tanto com a insuficiência dos espaços vazios para o deslocamento dos
veículos quanto com a complexidade do posicionamento dos mesmos,
uma vez que o deslocamento de um interfere diretamente no desloca-
mento do outro. Acrescente-se que os veículos só podem deslocar-se
nas vias em que se encontram posicionados: veículos posicionados na
vertical devem se mover apenas para cima e para baixo, enquanto que
os posicionados na horizontal devem apenas se mover para a esquerda
e para a direita. Além disso, não é permitido que os veículos saiam das
vias em que se encontram no início do desafio ou saltem os veículos
que estejam obstruindo a sua passagem.
Cada carta-desafio é acompanhada, no seu verso, por uma car-
ta-resposta com a descrição da melhor sequência de deslocamentos,
tendo em vista o número mínimo de deslocamentos possíveis para a
resolução do desafio. O código usado na carta-resposta é: PC (para
cima); PB (para Baixo); PE (para esquerda); PD (para direita), como
pode ser observado na Figura 6.

Figura
gu 6: Carta-resposta
sp no verso da carta-desafio 4.

O3(PB); X1(PE); A3(PC);


X1(PD); O3(PC);R2(PE);
Q3(PE); P3(PB); X5(PD)

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

CAPÍTULO BRINCADEIRA, JOGO E DESENVOLVIMENTO – COMO O BRINCAR/JOGAR


3 FORTALECE A APRENDIZAGEM ESCOLAR? 81
Pesquisas realizadas acerca do jogo hora do rush

Alguns estudos utilizaram o jogo Hora do Rush como instrumen-


to de pesquisa e intervenção. O Projeto da Mindlab Brasil (http://www.
mindlab.com.br) o emprega como um dos jogos de raciocínio de seus
projetos escolares; Dalfré (2007), no contexto do curso de Extensão em
Neuropsicologia na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP),
estudou as Funções Executivas e o planejamento das ações na resolução
dos desafios propostos pelo jogo com três sujeitos com diagnóstico de
Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e Dalfré
(2013) utilizou o jogo Hora do Rush com o objetivo de analisar a relação
entre as condutas observadas no jogo e os níveis de abstração reflexiva de
trinta escolares do 5º, 7º e 9º anos do Ensino Fundamental.
Nesta seção do presente capítulo será apresentado um recorte
desta última pesquisa, focalizando a metodologia de intervenção em-
pregada no contexto do jogo com finalidade de promover as condutas
antecipatórias dos jogadores. Seu interesse se justifica pela relevância
destas condutas, necessárias tanto para a solução dos desafios propos-
tos pelo jogo quanto para o desempenho acadêmico de escolares, já
que em ambos os contextos é necessário planejar ações, compreender
processos, relacionar conteúdos e rever os erros.

Contexto Teórico – O desafio cognitivo implícito no jogo

Antecipar supõe operar o futuro no presente, implicando em


ações como planejar, projetar, pré-corrigir erros, deduzir algo ainda
não ocorrido, de acordo com Macedo, Petty e Passos (2000). Entretan-
to, de acordo com os estudos de Piaget (1976), as condutas de anteci-
pação não aparecem nos níveis mais elementares do desenvolvimento,
sendo apenas na adolescência que o indivíduo, embora diante de si-
tuações vividas e reais, se volta para a consideração das possibilidades.
Assim, ao contrário do que ocorre com a criança que permanece presa
aos aspectos figurativos e concretos da ação, é a estrutura operatória do
adolescente que lhe permite construir sistemas e teorias acerca daquilo
que observa. No caso do jogo Hora do Rush, verifica-se que a configu-
ração dos veículos no tabuleiro a cada novo deslocamento relaciona-se
diretamente aos conceitos de tempo e espaço.
O conceito de tempo é entendido como a sequência dos deslo-
camentos dos veículos e sugere que, quanto melhor o jogador definir

82 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


as suas ações, maior será o aproveitamento das mesmas. O conceito de
espaço é determinado pelo posicionamento dos veículos no tabuleiro,
que é modificado a cada novo deslocamento, exigindo do jogador a
avaliação constante de suas ações e o reconhecimento das novidades na
configuração que se apresenta.
Esta reavaliação constante do espaço em função do tempo parece
ser neste jogo uma importante condição para se jogar bem. Quando
o jogador considera essa relação entre tempo e espaço como elemento
presente e indissociável da situação do jogo, ele amplia suas chances
para melhorar a qualidade de suas ações, uma vez que saber lidar com
essa interdependência será condição para antecipar as futuras jogadas
e organizar melhor as suas estratégias (MACEDO; PETTY; PASSOS,
2000). Pela observação das ações do sujeito diante dos desafios pro-
postos no jogo, o psicopedagogo pode reconhecer diferentes níveis de
condutas e de reflexões do jogador, assim subsidiando a avaliação dos
recursos cognitivos postos em ação.

Metodologia

Coerente com o desafio cognitivo implícito no jogo em questão,


a intervenção proposta procura favorecer ao jogador a antecipação das
ações e a reflexão sobre os erros cometidos. Mediante modificação nas
regras do jogo, o jogador deve buscar o menor número possível de des-
locamentos e quando este objetivo não for alcançado o jogador pode
repetir a carta na tentativa de diminuir o número de deslocamentos.
Além disso, a ação deve ser descrita verbalmente ao mediador (psico-
pedagogo, professor ou colega) a fim de que a mesma seja registrada.
Ao final do desafio, conta-se o número total de deslocamentos e com-
para-se este total com o número mínimo descrito pela carta-resposta.

Forma de registro

A fim de favorecer o registro dos deslocamentos dos veículos, es-


tes são identificados com uma etiqueta, com base nas letras correspon-
dentes apresentadas pela carta de instruções que acompanha o jogo.
Registra-se também o número de espaços percorridos pelo veículo e
usa-se uma seta para indicar a direção do deslocamento de cada veícu-
lo, como exposto na Figura 7.

CAPÍTULO BRINCADEIRA, JOGO E DESENVOLVIMENTO – COMO O BRINCAR/JOGAR


3 FORTALECE A APRENDIZAGEM ESCOLAR? 83
Figura 7: Código para registro da direção do deslocamento do veículo com uso de setas

Para cima h (PC) Para baixo i (PB)


Para esquerda f (PE) Para direita g (PD)

Procedimentos para a análise dos resultados

As condutas do jogador são observadas mediante os seguintes


critérios: a compreensão das regras do jogo; o êxito na solução das car-
tas-desafio; o êxito na solução da carta-desafio com o número mínimo
de deslocamentos na primeira tentativa; a diminuição no número de
deslocamentos para a solução do desafio na segunda tentativa; a com-
preensão da noção de conjunto dos veículos colocados no tabuleiro e
da relação de interdependência entre eles; o domínio na utilização dos
espaços vazios que já se encontram no tabuleiro ou daqueles espaços
que podem ser abertos pelo deslocamento dos veículos.
Esses procedimentos permitem organizar quatro níveis de con-
dutas de jogo categorizados como:
Nível I: Ausência total de planejamento;
Nível IIA: Predomina a solução por Ensaio e Erro;
Nível IIB: Planejamentos locais;
Nível III: Planejamento de conjunto.
Para maiores detalhes da metodologia empregada na formula-
ção destas categorias, ver a integra da pesquisa (DALFRÉ, 2013) em:
http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/250802.

Discussão

A intervenção no contexto do jogo Hora do Rush vem ao encon-


tro de pressupostos do construtivismo, pelo qual o erro é possível e até
mesmo necessário, uma vez que possibilita ao sujeito a construção de
esquemas, estruturas e conceitos, na busca do equilíbrio do sistema que
se encontra em conflito. A oportunidade de refazer o desafio, revendo
procedimentos e erros, permite ao jogador a invenção de novos meios,
de modo a encontrar uma nova solução que ultrapassasse as contradi-
ções anteriores. Simultaneamente, a segunda tentativa de solucionar o
desafio informa ao psicopedagogo / professor como o jogador enfrenta

84 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


os erros cometidos: 1) negligenciando; 2) alterando seus esquemas de ação
ou 3) antecipando as variações do sistema do jogo de forma a construir
uma solução mais eficiente para o desafio.
Por propiciar a antecipação das ações e a tomada de consciência
das mesmas, o jogo Hora do Rush têm se revelado um recurso interes-
sante aos alunos a partir do segundo ciclo do Ensino Fundamental, pe-
ríodo no qual os desafios acadêmicos lhes solicitam antecipar, planejar,
organizar e corrigir procedimentos. Do ponto de vista do sentimento
de competência, quando um aluno se percebe capaz de responder às
demandas que lhe são propostas, recupera sua autoestima e enfrenta os
desafios que encontra numa evolução contínua entre o desenvolvimen-
to e a aprendizagem.

PARTE 3 - JOGO E LEITURA COMPREENSIVA: RELAÇÕES


POSSÍVEIS

Outra investigação acerca das possibilidades do uso do jogo


na atuação psicopedagógica é encontrada na pesquisa realizada por
Zacarias (2013), com alunos do Ensino Médio de escolas públicas.
Neste estudo, procurou-se estabelecer uma correspondência entre
as condutas empregadas pelos estudantes ao jogar o Jogo Quarto e
aquelas apresentadas pelos mesmos alunos para compreenderem um
texto. Com base na pesquisa citada, esta seção do capítulo apresenta
alguns procedimentos com finalidade de se efetuar uma avaliação de
habilidades cognitivas presentes no contexto de jogo e de leitura. A
justificativa de se buscar uma correspondência entre habilidades de
compreensão leitora e de jogo se deve à hipótese, apoiada na teoria
piagetiana acerca da construção do conhecimento, de que o sujeito,
ao jogar, faz uso de raciocínios que envolvem operações de classifi-
cação, antecipação, inferências, combinatória, elaboração de estraté-
gias, dentre outras. Pesquisas acerca do ato de ler permitem afirmar
que as mesmas operações mentais são solicitadas na construção de
significado na leitura.

Contexto Teórico

A respeito da leitura, Macedo (2011) afirma que tomar consci-


ência do processo de leitura é observar as características do objeto. No
caso de um livro, as características são a sua capa, tamanho, ilustrações,

CAPÍTULO BRINCADEIRA, JOGO E DESENVOLVIMENTO – COMO O BRINCAR/JOGAR


3 FORTALECE A APRENDIZAGEM ESCOLAR? 85
forma, assunto, número de páginas, autor, estrutura textual. O leitor
deverá também tomar consciência e observar os procedimentos de leitu-
ra: como fazer um resumo, como encontrar palavras desconhecidas,
como ler em voz alta ou silenciosamente, como reconhecer a estrutura
textual, como saber a forma de ler, dependendo do tipo de texto, como
compreender o texto.
Ao lermos um texto a fim de compreendê-lo, buscamos estraté-
gias para enfrentar as perturbações presentes no ato de ler, a partir de
coordenações entre múltiplos aspectos presentes no material. Coorde-
nar, neste sentido, significa pensar, observar, organizar, segundo uma
dada referência: “Coordenações são formas de agir ou de pensar pelas
quais coordenamos pontos de vista, observamos uma coisa em relação
à outra, estabelecemos ou criamos nexos” (MACEDO, 2011, p. 8).
Para este autor, ler é um ato inferencial, visto que se trata de fazer um
julgamento sobre o que está escrito, dando-lhe um significado a partir
dos conhecimentos que temos acerca do assunto. É um ato inteligente
que se define pela interação leitor-texto.
Numa leitura piagetiana deste processo de conhecimento, se co-
locam em interação os atributos e qualidades do objeto e do sujeito.
Aquilo que pode ser percebido e descrito, portanto o que é observável
no objeto seria, por exemplo, o que está escrito, a estrutura do texto,
enquanto que os observáveis do sujeito poderiam ser: o modo como
lê, os seus procedimentos como leitor, seus conhecimentos prévios.
Estes observáveis se inter-relacionam, por sua vez, com as coordena-
ções intrínsecas ao objeto - estrutura textual, palavras, sinais, espaços,
ilustrações, ideias, gramática - e com as coordenações internas do su-
jeito, sendo estas exemplificadas nas suas formas de agir e de pensar,
na coordenação de vários pontos de vista ou informações. Todo este
processo interativo e complexo se dá a fim de que o leitor obtenha um
significado do texto para que possa compreendê-lo.
Estudos acerca da leitura compreensiva, como os de Jolibert e
Sraiki (2008) e Solé (1998), a descrevem como dependente de proces-
sos mentais tais como: a formulação de hipóteses de sentido do texto
a ser lido, verificando-as ao longo do texto; a mobilização de experi-
ências e de conhecimentos anteriores; a organização e o planejamento
da atividade de leitor, o estabelecimento de inferências, a avaliação,
regulação de estratégias e de condutas.

86 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Para identificação do nível de compreensão leitora dos estudantes,
é bastante conhecida a técnica do Cloze, desenvolvida a partir de estudos
realizados por Wilson Taylor, que, em 1953, iniciou pesquisas com ob-
jetivo de chegar a uma medida confiável de compreensão de textos. Para
a aplicação do Cloze pede-se que o aluno leia todo o texto com atenção,
sendo este retirado após a leitura. Em seguida, entrega-se o mesmo texto,
porém reescrito com lacunas a intervalos regulares. Pede-se que o aluno
o complete com as palavras que acredita serem as melhores. Bormuth
(1968, apud Alliende e Condemarín, 1987) definiu os níveis de com-
preensão leitora com uso da técnica Cloze, em bases quantitativas, da
seguinte forma: Nível independente (acima de 57% de respostas corre-
tas); Nível de instrução (entre 44% e 57% de respostas corretas); Nível
de frustração (abaixo de 44% de respostas corretas).

Pesquisas acerca do jogo QUARTO

Estudos acerca do jogo Quarto, como os de Ortega e Pylro


(2007) e Silva (2008) investigaram a evolução das estratégias e dos
procedimentos na construção do sistema lógico contido no jogo e dis-
cutiram aspectos teóricos da Psicologia Genética, como a formação do
pensamento dialético por meio dos níveis de compreensão do jogo,
como também pesquisaram acerca do valor de se promover sessões de
intervenção com o jogo Quarto para favorecer as atividades de resolu-
ção de problemas de conteúdo matemático.

Descrição do jogo

O Jogo Quarto (Figura 8) consiste em um tabuleiro quadricula-


do com casas de 4x4 e 16 peças com diferentes atributos entre si: clara
ou escura, redonda ou quadrada, alta ou baixa, furada ou sem furo.
Cada peça possui quatro destes atributos.

CAPÍTULO BRINCADEIRA, JOGO E DESENVOLVIMENTO – COMO O BRINCAR/JOGAR


3 FORTALECE A APRENDIZAGEM ESCOLAR? 87
Figura 8: Tabuleiro do jogo Quarto

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

Outras modalidades de apresentação do jogo são mostradas nas


figuras a seguir:
Figura 9 Figura 10

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

Na Figura 9, é apresentado um tabuleiro com variação na for-


ma das peças. Na Figura 10 vê-se uma produção com material reu-
tilizável, realizado por educadores ambientais da Ecobrinquedoteca
(Campinas/SP).

Regras e objetivo do jogo “Quarto”

Participam dois jogadores. O primeiro escolhe uma das dezesseis


peças e a coloca no tabuleiro, em seguida escolhe uma nova peça e a
entrega a seu adversário para que a coloque em uma das casas do ta-
buleiro a sua escolha. O próximo jogador coloca a peça dada pelo seu
adversário no tabuleiro e, após, escolhe outra peça dentre as restantes

88 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


e a entrega para que seja colocada no tabuleiro pelo primeiro jogador.
Desta forma, os jogadores alternam-se para entregarem as peças ao ad-
versário para que este as coloque no tabuleiro. O objetivo é formar um
alinhamento de quatro peças, dispondo-as em qualquer direção no ta-
buleiro (horizontal, vertical, diagonal), desde que tenham pelo menos
um atributo em comum. O jogo termina quando um jogador entregar
a peça para o adversário e este fizer o alinhamento. O vencedor será o
jogador que entregou a peça e não aquele que a colocou no tabuleiro,
mas para ser declarado vencedor, ele deverá falar a palavra “Quarto”,
demonstrando, assim, que percebeu um alinhamento. Quando o jo-
gador não perceber o alinhamento, o jogo transcorrerá normalmente
até que seja feito um novo alinhamento. Ao acabarem-se as peças e
nenhum alinhamento tiver sido feito não haverá vencedor.

Metodologia

Na avaliação proposta por Zacarias, a técnica do Cloze, já descri-


ta, é complementada com um diálogo entre o pesquisador e o aluno,
nos moldes do método clínico piagetiano, com finalidade de investi-
gar as justificativas usadas na escolha das palavras para completar as
lacunas do texto lido. A análise das justificativas permite a localização
do sujeito avaliado em uma das três categorias ou níveis de conduta
da compreensão leitora, definidas como: Categoria A: a justificativa
da escolha da palavra oculta é pautada na memorização do texto lido
anteriormente ou a encaixes; Categoria B: a justificativa da escolha
da palavra se refere à memorização do texto lido anteriormente e à
escolha de sinônimos, subordinadas ao sentido do texto; Categoria C:
caracterizada por escolhas pautadas no contexto da frase, na coerência
e coesão, no aspecto sintático e semântico.
Do mesmo modo, a análise das justificativas dos alunos nas joga-
das do Quarto permite identificar qual a sua situação entre três níveis
de conduta: Nível I: Na maioria das vezes não antecipa nenhuma si-
tuação em que se dará um alinhamento e não percebe as direções em
que os alinhamentos podem ser feitos; Nível II: Distingue os atributos
das peças em algumas jogadas. Oscila na capacidade de antecipar os
alinhamentos e na aplicação de estratégias; Nível II: Planeja as joga-
das, utiliza estratégias, faz inferências. Justifica suas escolhas de forma
lógica e organizada.

CAPÍTULO BRINCADEIRA, JOGO E DESENVOLVIMENTO – COMO O BRINCAR/JOGAR


3 FORTALECE A APRENDIZAGEM ESCOLAR? 89
A metodologia empregada para a elaboração dos níveis de condu-
ta de jogo e de compreensão leitora na pesquisa de ZACARIAS (2013)
estão disponíveis em: http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/RE-
POSIP/251236

Procedimentos da Avaliação

1. Sessões com o jogo Quarto para a aprendizagem das regras,


em número de acordo com a necessidade verificada;
2. Partidas do jogo e questionamento: após a fase de aprendiza-
gem, joga-se uma série de partidas e se fazem perguntas no
decorrer das mesmas, com relação à conduta adotada para
escolher as peças ou para colocá-las no tabuleiro. O objetivo
é observar se há consciência por parte do jogador dos meios
que levaram a atingir, ou não, o objetivo do jogo. Aspectos
observados no jogo: antecipação das jogadas; discriminação
dos atributos das peças; relação entre as peças e seus atributos
a fim de fazer um alinhamento; exploração de todas as possi-
bilidades de combinação das peças para fazer o alinhamento;
observa o modo de jogar de seu adversário;ao receber uma
peça do adversário, procura colocá-la no tabuleiro de modo
a favorecer sua estratégia ou prejudicar o adversário; percebe
os espaços do tabuleiro como possibilidades de colocação da
peça fornecida por seu adversário.
3. Aplicação da técnica do Cloze e questionamento: após as par-
tidas, aplica-se a técnica de Cloze já descrita anteriormente.
Na sequência, propõe-se perguntas a fim de entender a con-
duta relacionada à compreensão do texto.
4. Aspectos observados no Cloze: os motivos da escolha das pala-
vras para preencher as lacunas; quais as informações mais im-
portantes presentes no texto que levaram à escolha das palavras.

Procedimentos para a análise dos resultados

Os argumentos apresentados pelos alunos possibilitam a análise


das suas condições para construir inferências, sendo estas necessárias
tanto à compreensão leitora, quanto ao jogar bem. Estes resultados
permitirão ao psicopedagogo efetuar uma comparação com aqueles

90 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


obtidos na pesquisa de Zacarias (2013) conforme descrição dos gru-
pos, como segue:

1º Grupo: Alunos que se encontram no nível I de jogo e cate-


goria A na escolha das palavras. As condutas revelam a necessidade
de pegar a peça e colocá-la no lugar que acredita ser o mais adequado
para, assim, conferir se daria ou não o alinhamento. Apresenta a di-
ficuldade em estabelecer a relação parte/todo, coordenando todos os
atributos com as direções e espaços possíveis para fazer o alinhamento.
Exemplos de respostas obtidas nos protocolos da pesquisa: Ao ser ques-
tionado a respeito do lugar onde poderia ocorrer o “Quarto” e com
qual atributo, Luc (17,0): Posso pegar a peça e pôr no lugar? Se eu pôr ela
aqui eu completo as 4 casas, porque ambas são lisas e ambas representam
a mesma figura. E se olhar esta linha 1 na diagonal? É possível fazer o
Quarto? JAN (16,0): Dá pela cor. (não percebeu que daria para fazer o
alinhamento na mesma casa com o atributo tamanho). Com relação à
escolha da palavra, nesta categoria, observamos respostas, como: MUR
(18,0): “escolhi as palavras porque lembrei de poucas palavras, e as que
não lembrei encaixava melhor.”; JAN (16,0): “elas tem mais ligação uma
com a outra, escolhi porque vi o espaço se era pequeno”.

2º grupo: alunos situados no nível II de jogo e categoria B


de compreensão leitora. Por apresentarem condutas intermediárias,
estes sujeitos não esgotam todas as possibilidades de antecipações no
jogo e deixam de perceber outras possibilidades de alinhamentos, de-
monstram fazer antecipação, mas de forma incompleta, centrada ou
no ataque ou na defesa. Exemplos: Você pensou em algum alinhamen-
to quando colocou essa peça? ALE (15,0): Não, se colocasse aqui faria o
Quarto para você, porque todas são grandes...; JOS (17,0): Não, para eu
colocar nesse lugar é para que você não alinhasse. Na escolha da palavra,
observa-se a preocupação com o sentido do texto, mas ainda pautado
na memória e na relação entre as palavras e frases próximas. Exemplos:
BI (17,0): “são as que mais se encaixaram na frase, tenho que observar o
que já está sendo dito na frase para dar mais sentido.; ALE (15,0): “algu-
mas lembrei as outras coloquei de modo que quem ler entenda.”

3º grupo: os alunos que apresentam conduta III no jogo e


categoria C na compreensão leitora. Ao serem questionados a res-

CAPÍTULO BRINCADEIRA, JOGO E DESENVOLVIMENTO – COMO O BRINCAR/JOGAR


3 FORTALECE A APRENDIZAGEM ESCOLAR? 91
peito do alinhamento no jogo, as condutas são de planejar as jogadas,
antecipando os possíveis alinhamentos de forma a coordenar todos os
atributos simultaneamente com o espaço e as direções, antecipando
jogadas futuras. Exemplos: PA (18): Sim, pensei em colocar aqui porque
todos têm furo, sem estragar outros alinhamentos que gostaria de fazer; LE
(16): Eu pensei no alinhamento que eu faria na Vertical e na Horizontal
e pensei se eu colocasse na casa 13 poderia interferir em alguma jogada
minha depois com a peça que você me daria, então eu resolvi colocar esta
peça aqui para tentar alguma coisa. Destaca-se nas condutas de LE, o
argumento lógico, próprio do raciocínio formal, utilizando a propo-
sição “se” e “então” próprias de um raciocínio inferencial. Exemplos
com relação à escolha da palavra: LE (16): “pensei em algumas regras de
português que fariam sentido na frase.”; PA (18): “porque essas palavras
são mais coerentes com o contexto”.

Discussão

Buscando verificar possíveis correspondências entre as condutas


apresentadas pelos estudantes de Ensino Médio no jogo Quarto e na
atividade de texto lacunado, a metodologia proposta permite constatar a
existência de um processo cognitivo similar que as orienta. Observa-se,
nos três grupos identificados com base nas categorias descritas, o proces-
so gradual de construção das inferências, as quais se referem às relações
pautadas no conhecimento prévio e na necessidade lógica, naquilo que
é necessário para obter o êxito, tanto nas jogadas quanto no preenchi-
mento das lacunas para recomposição do sentido de um texto. Além de
recurso de avaliação, o trabalho com o jogo Quarto pode ser considerado
um recurso psicopedagógico estimulante que favorece o desenvolvimen-
to dos processos cognitivos envolvidos na compreensão leitora.
Concluindo, a metodologia empregada pode contribuir para a
avaliação psicopedagógica relativa ao nível do pensamento operatório
formal, de forma qualitativa e interativa, pela observação das justifica-
tivas dos sujeitos em relação ao emprego do raciocínio hipotético de-
dutivo, tal como é esperado para este nível cognitivo. Numa perspec-
tiva interativa e construtiva, o uso de jogos como o Quarto podem se
tornar um recurso desafiante e motivador para os alunos, ajudando-os
a recuperar, segundo Macedo, Petty e Passos (2000, p. 106), o “espírito
do aprender” que está escondido nos conteúdos escolares.

92 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


CONSIDERAÇÕES FINAIS

As contribuições metodológicas discutidas neste capítulo per-


mitem revelar a evolução do pensamento e da ação dos sujeitos da
aprendizagem, na perspectiva teórica piagetiana. A atividade simbólica
e construtiva, presente nas brincadeiras e jogos, é a base para o desen-
volvimento de habilidades de estudo e aprendizagem formal, como
esperamos ter evidenciado nos estudos aqui apresentados. Além disso,
desejamos ressaltar que o uso de atividades lúdicas no atendimento
clínico psicopedagógico permite inferir acerca das possibilidades e dos
limites cognitivos do jogador, de forma interativa e dinâmica, de modo
significativo para a criança ou adolescente, trazendo uma alternativa
importante de ser considerada em relação ao uso de testes padroniza-
dos e com base em mensuração quantitativa.
Este contexto lúdico contém também um elemento de interven-
ção, permitindo a orientação da atividade do aluno, de modo que este
possa construir, gradualmente, níveis mais avançados de conduta, seja
em relação à linguagem e à estrutura cognitiva das crianças pré-opera-
tórias, tal como discutido no estudo de Campos (1996), como na pro-
posta interventiva de Dalfré (2013), que faz uso do jogo de regras para
mobilizar as ações antecipatórias e a reflexão sobre os erros cometidos,
fecundando os níveis operatórios do desenvolvimento e, igualmente,
na contribuição de Zacarias (2013) que apresenta a complexidade da
competência leitora numa relação entre o Jogo de Regras e a Técnica
Cloze com adolescentes do Ensino Médio.
Utilizar jogos com crianças que fracassaram ou estão em risco
de fracassar diante da escolarização pode significar uma nova oportu-
nidade para compreender e pensar o conteúdo proposto pela escola
e, efetivamente, permitir ao aluno se apropriar daquilo que lhe é de
direito: o conhecimento.

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CAPÍTULO BRINCADEIRA, JOGO E DESENVOLVIMENTO – COMO O BRINCAR/JOGAR


3 FORTALECE A APRENDIZAGEM ESCOLAR? 93
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94 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


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CAPÍTULO BRINCADEIRA, JOGO E DESENVOLVIMENTO – COMO O BRINCAR/JOGAR


3 FORTALECE A APRENDIZAGEM ESCOLAR? 95
CAPÍTULO 4
INFÂNCIA, BRINQUEDOTECA E HUMANIZAÇÃO NA
ASSISTÊNCIA À SAÚDE COMO UM DIREITO

Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira1

INTRODUÇÃO

Pensar na brinquedoteca como uma forma de humanização na


assistência como um direito na infância foi um grande passo para a
humanização no atendimento infantil que foi a elaboração, em 1988,
por várias associações europeias, da Carta da Criança Hospitalizada,
que dispõe sobre os direitos das crianças na ocasião de uma inter-
nação. Humanizar, no campo da saúde, segundo Deslandes (2004),
refere-se a uma maneira de assistência e atendimento que valorize
a qualidade do cuidado, juntamente com o respeito aos direitos do
paciente e seus valores.
No plano jurídico, há leis nacionais e internacionais que bus-
cam a garantia do direito a uma infância saudável. Todavia, no que
tange aos direitos da criança, para que a humanização aconteça, é
essencial que o direito de brincar seja garantindo no período da
hospitalização. Reconhecendo essa importância, em 1959, foi in-

1 Atual vice-presidente da Associação Brasileira de Brinquedotecas – ABBri. Consultora


da empresa Reis Ludos – Educação e Ludicidade. Diretora do Colégio Eco Montessori.
cluído na Declaração das Nações Unidas os Direitos da Criança
e reiterado, em 1990, quando a Organização das Nações Unidas
(ONU) adotou a Convenção dos Direitos da Criança. No âmbito
nacional, este direito está disposto no Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), de forma generalizada e amparada ainda pela
Lei n. 11.104, de 21 de março de 2005, a qual dispõe sobre a obri-
gatoriedade de instalação de brinquedotecas nas unidades de saú-
de que ofereçam atendimento pediátrico em regime de internação
(BRASIL, 2005a).
No território brasileiro, podem-se encontrar iniciativas que
convergem especificamente para essa proposição Lei n. 11.104/2005.
A Lei nº. 8.069, elaborada em 13 de julho de 1990, dispõe sobre o
Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências (BRA-
SIL, 1990), nesta estão dispostos artigos referentes à obrigatoriedade
de ações que visam à humanização na hospitalização de menores.

Art. 10. Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à


saúde de gestantes, públicos ou particulares, são obrigados a:
...............................................................................................
V - manter alojamento conjunto, possibilitando ao neonato a
permanência junto à mãe
...............................................................................................
Art. 11. É assegurado acesso integral às linhas de cuidado vol-
tadas à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do
Sistema Único de Saúde,observado o princípio da equidade no
acesso a ações e serviços para promoção, proteção e recuperação
da saúde.
...............................................................................................
Art.12. Os estabelecimentos de atendimento à saúde, inclusive
as unidades neonatais, de terapia intensiva e de cuidados inter-
mediários, deverão proporcionar condições para a permanência
em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de
internação de criança ou adolescente.

Com a crescente preocupação das políticas públicas nas ques-


tões da humanização e dos direitos das crianças e adolescentes, no ano
seguinte, pela Lei nº. 8. 242/91, foi criado o Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA (BRASIL, 1991),
órgão que visa à garantia dos direitos de crianças e adolescentes em
todos os âmbitos – como, por exemplo, erradicação da pobreza e com-

98 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


bate à fome; saúde; educação; crianças e adolescentes com direitos vio-
lados ou ameaçados; dependência química, trabalho infantil.
Mais especificamente, com relação aos direitos da criança e do
adolescente, durante a hospitalização, foi lançada pelo Conanda, em
1995, a Resolução nº. 41, que aprova em sua íntegra o texto oriun-
do da Sociedade Brasileira de Pediatria, relativo aos Direitos da Criança
e do Adolescente Hospitalizados (BRASIL, 1995). Dentre os 20 itens
dispostos nessa Resolução, um em especial chamou a atenção em rela-
ção à proposta deste trabalho: direito a desfrutar de alguma forma de
recreação, programas de educação para a saúde, acompanhamento do
currículo escolar, durante sua permanência hospitalar. Antes disso, no
art. 3° da Lei n. 8.080/90, encontra-se uma alusão ao lazer como um dos
fatores determinantes e condicionantes à saúde. Estas atividades contri-
buem para a humanização da assistência à saúde ao possibilitar à criança
e ao adolescente o acesso aos seus direitos de continuar participando das
atividades naturais da vida fora do hospital, como brincar, estudar e se
relacionar com outras pessoas além dos médicos e enfermeiros.
Segundo Viegas (2008), as maneiras como os hospitais efetivam
as práticas de humanização, muitas vezes, são bem estruturadas, ou-
tras vezes, são mais tímidas, contemplando as especificidades de cada
realidade. Tais iniciativas atendem um público diversificado, desde re-
cém-nascidos até adolescentes, envolvendo diferentes profissionais e
voluntários. Viegas (2008) ressalta ainda as maneiras de humanização
que estão diretamente relacionadas ao brincar, sendo elas: os grupos de
palhaços que visitam os hospitais; as brinquedotecas; os contadores de
histórias; os músicos; as classes hospitalares e as casas de apoio. Dentre
as iniciativas, até aqui destacadas, neste trabalho, interessa uma em
especial: a brinquedoteca hospitalar.
Um dos objetivos da instalação de ambientes voltados para se-
rem espaços de lazer nos hospitais onde as crianças estão internadas
é desconstruir o modelo tecnicista da enfermagem que, ao valorizar
a especialização, fragmentou e desumanizou o cuidado à saúde. Por
isso, vários estudos têm evidenciado a necessidade da humanização da
assistência à saúde, visto que esta representa uma ferramenta vital na
recuperação do paciente, minimizando os prejuízos e os traumas da
hospitalização (BEZERRA et al., 2007).
O profissional da enfermagem é o que permanece mais tempo
com o paciente e faz maior número de procedimentos, os quais, na

CAPÍTULO INFÂNCIA, BRINQUEDOTECA E HUMANIZAÇÃO NA ASSISTÊNCIA À SAÚDE COMO


4 UM DIREITO 99
maioria das vezes, são invasivos e provocam incômodo. Por esse moti-
vo, esses profissionais devem adotar a assistência humanizada, buscan-
do meios para proporcionar um ambiente familiar que minimize os
traumas de uma hospitalização, em especial, para os clientes da pedia-
tria (ROCHA, 2012).

O BRINCAR COMO DIREITO HUMANO

O brincar assumiu o estatuto de direito na segunda metade do


século XX. Historicamente, tem encontrado dificuldades em se apre-
sentar como um direito fundamental de toda criança, uma vez que,
quando apresentado junto com outros, parece ocorrer uma espécie de
hierarquia nos discursos sobre os direitos, na qual a dimensão de pro-
visão e proteção, como é o caso do direito a ter uma família ou a ter
acesso à educação e à saúde, se apresentam como mais importantes,
remetendo o direito de brincar para um espaço de menoridade (TO-
MÁS; FERNANDES, 2014). No entanto, é fácil observar que quan-
do os direitos das crianças à sobrevivência, ao desenvolvimento e ao
bem-estar são violados, há impacto sobre o brincar. Reciprocamente,
o brincar das crianças tem um impacto sobre a sua saúde, bem-estar e
desenvolvimento (BURGHARDT, 2005).
A Declaração dos Direitos da Criança, promulgado em 1959, pro-
clama os direitos da criança, postulando que qualquer criança deve ter
o direito a uma infância feliz e possa gozar, em seu próprio benefício e
no da sociedade, os direitos e as liberdades enunciadas; apelando para
que a sociedade civil, governantes, organizações voluntárias, as autorida-
des locais e os governos reconheçam esses direitos e se empenhem pela
sua observância mediante medidas legislativas e de outra natureza. Nesta
declaração, no princípio 7º foi definido que a criança deverá ter uma
ampla oportunidade para brincar e divertir-se visando aos propósitos da
sua educação e salienta, ainda, que a sociedade e as autoridades públicas
deverão empenhar-se em promover o gozo deste direito.
Ao analisar estes princípios, reflete-se em que dimensões é consi-
derado o direito de brincar, ou seja, quando nele é referido que o direi-
to de brincar e de divertir-se tem os mesmos propósitos que o direito
à educação, remete a utilidade do direito do brincar para dimensões
instrumentais – “[...] capacitá-la a, em condições de iguais oportuni-
dades, desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e

100 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


seu senso de responsabilidade moral e social, e a tornar-se um membro
útil da sociedade.”, conforme Princípio 7 da Declaração dos Direitos
da Criança (ONU, 1959). Fica ausente desta redação a verdadeira di-
mensão lúdica do prazer, do brincar como forma de expressão e de vida
das crianças. É fácil perceber que, ainda hoje, esta instrumentalização
oculta do brincar como uma atividade não produtiva permeia na socie-
dade brasileira, segmentada e capitalista.
Três décadas depois, em 1989, a Convenção sobre os Direitos da
Criança reconhece a importância do brincar na vida das crianças, pro-
movendo o direito de brincar de forma autônoma e mais próxima de
um direito que revela maior compreensão da natureza e dos benefícios
dessa ação. Ao contrário do que aparece na Declaração de 1959, na
Convenção de 1990, é prescrito no art. 31 que

1. Os Estados Partes reconhecem à criança o direito ao repouso


e aos tempos livres, o direito de participar em jogos e atividades
recreativas próprias da sua idade e de participar livremente na
vida cultural e artística.
2. Os Estados Partes respeitam e promovem o direito da crian-
ça de participar plenamente na vida cultural e artística e enco-
rajam a organização, em seu benefício, de formas adequadas de
tempos livres e de atividades recreativas, artísticas e culturais,
em condições de igualdade.

Na redação deste texto, encontram-se aspectos que, ao serem


salvaguardados, poderiam devolver ao cotidiano de muitas crianças a
possibilidade do lúdico e do livre brincar. Ao cumprirem-se esses direi-
tos, reconhece-se o brincar como uma atividade própria da criança e a
necessidade de promovê-lo no seu dia a dia. Quando se faz referência
ao repouso e aos tempos livres, parece responder às indagações e as
preocupações crescentes no sentido cada vez maior da institucionaliza-
ção dos cotidianos infantis nos países do Norte, onde falta tempo para
brincar livremente (TOMÁS; FERNANDES, 2014).
Em busca de melhorias na qualidade do atendimento aos direitos
da população infantil, em 2013, foi revisto e aprovado o reconheci-
mento do brincar pela Convenção dos Direitos das Crianças especifi-
camente no art. 31 com os objetivos de:

CAPÍTULO INFÂNCIA, BRINQUEDOTECA E HUMANIZAÇÃO NA ASSISTÊNCIA À SAÚDE COMO


4 UM DIREITO 101
1. Definir as consequentes obrigações dos Estados na elabora-
ção de todas as medidas de implementação, estratégias e pro-
gramas focados no entendimento e na completa efetivação
dos direitos da criança.
2. Destacar o papel e as responsabilidades do setor privado,
incluindo as empresas que atuam na área de recreação, ati-
vidades culturais e artísticas, bem como as organizações da
sociedade civil, que oferecem esses serviços para as crianças.
3. Elaborar guias para todos que trabalham com crianças, em
todas as ações que desenvolvem, incluindo guias para pais.
(IPA, 2013).

Estes objetivos podem ser cumpridos nos hospitais pediátricos,


pois todos eles dizem respeito, para além do direito, à forma de huma-
nização do atendimento à criança. Por muitas razões, o trabalho tem
sido valorizado em detrimento do ócio e do brincar, sendo estes últi-
mos ainda considerados por alguns como “perda de tempo”, quando,
na verdade, o brincar está presente em todas as dimensões da existência
do ser humano e de modo muito especial na vida das crianças, que
brincam porque é uma necessidade básica, assim como a nutrição, a
saúde, a habitação e a educação. Pelo brincar ela é capaz de exteriorizar
seus medos, angústias, problemas internos e revelar-se inteiramente,
resgatando a alegria, a felicidade, a afetividade e o entusiasmo (SAN-
TOS; CRUZ, 2002).
A ideia do brincar como um tempo livre ou ócio é considerada
positiva por De Mauss (2000), que relata que o ócio pode ser mui-
to bom, mas somente se adotado o sentido específico da palavra. De
acordo com De Mauss (2000) para os gregos, por exemplo, esse termo
tinha uma conotação estritamente física, pois, enquanto “trabalho” era
tudo aquilo que fazia suar, com exceção do esporte, e quem trabalhava,
isto é, suava, ou era escravo ou era um cidadão de segunda classe, as
atividades não físicas (a política, o estudo, a poesia, a filosofia) eram
“ociosas”, ou seja, expressões mentais, dignas somente dos cidadãos de
primeira classe. Nesta perspectiva, o ócio não diz respeito, necessaria-
mente, a um não fazer nada. Um não fazer nada pode ser tão prazeroso
quanto um fazer criativo. É possível pensar no ócio como momentos
de fruição, em que se foge às tarefas rotineiras e investe-se tempo em
atividades que sejam verdadeiras e unicamente prazerosas. A principal

102 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


característica da atividade criativa é que ela não se distingue do jogo e
do aprendizado. Ocorre que as pessoas estão tão acostumadas a desem-
penhar atividades mecânicas, sejam elas físicas ou mentais, que é neces-
sário um grande esforço da parte dessas para aprender uma atividade
criativa, digna de um ser humano (DE MAUSS, 2000).
A importância do brincar e da recreação na vida das crianças tem
sido, há anos, conhecida na comunidade internacional, como eviden-
ciado na Declaração dos Direitos da Criança de 1959 (ONU, 1959)
e fortalecido pela Convenção dos Direitos da Criança de 1989, que,
explicitamente, reconhecem o direito da criança ao descanso, ao lazer,
ao brincar, às atividades recreativas livres e à plena participação na vida
cultural e artística. O Brasil, signatário da Convenção, em concordân-
cia com os dizeres do art. 31 sobre o direito de brincar das crianças,
salienta a necessidade de proporcionar às crianças uma proteção espe-
cial nesse sentido.
Como mencionado anteriormente, a Constituição Federal
de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) e a Lei n.
11.104/2005 (BRASIL, 2005a) asseguram, para as crianças o direito
ao brincar entre outros referidos no citado art. 31, inclusive para as
hospitalizadas. Embora a legislação brasileira garanta esses direitos, o
pouco reconhecimento do seu significado na vida das crianças, por
parte dos adultos, resulta, muitas vezes, na falta de investimento em
recursos adequados e na “invisibilidade” destas como protagonistas so-
ciais que devem ser consideradas no planejamento e na execução das
ações, em nível nacional e local.
Brincando, as crianças desenvolvem suas habilidades motoras
por meio do movimento dos músculos durante as atividades, como
também suas habilidades corporais, sua linguagem, imaginação e cria-
tividade. A brincadeira, por ser automotivadora e prazerosa, oferece
oportunidade para explorar problemas, desenvolver soluções e habili-
dades intelectuais, tais como propor soluções, negociar, fazer estimati-
vas, contabilizar, planejar, comparar e julgar. As crianças que aprendem
a brincar controlando livremente as brincadeiras, sentem um prazer
natural com isso e tendem a manter o interesse por essas atividades.
Brincar permite que elas explorem o mundo e encontrem seu lugar
nele. Ajuda a aprender, a vencer e a perder, uma vez que influencia o
autocontrole, pois enquanto brincam adquirem os conceitos de valo-
res, limites e responsabilidades. Essa autogestão dos fazeres experimen-

CAPÍTULO INFÂNCIA, BRINQUEDOTECA E HUMANIZAÇÃO NA ASSISTÊNCIA À SAÚDE COMO


4 UM DIREITO 103
tados pela criança é uma necessidade humana de estar consigo mesma
e experimentar ser o que quiser como e quando quiser.
Nos diferentes momentos de vida da criança, o descanso e o lazer
são tão importantes para o seu desenvolvimento quanto à satisfação
das necessidades básicas de nutrição, moradia, saúde e educação. A
criança precisa de um período sem obrigações, necessita de entrete-
nimento ou de estímulo, de espaço e tempo que possa escolher como
preencher, ativa ou inativamente, enfim, como quiser.
A brinquedoteca é direito humano nos centros urbanos, onde
a rua foi tomada pelos automóveis, onde muitos parques não fun-
cionam e se perde o espaço público como lugar de brincar. A maioria
das crianças brinca em casa ou em espaços fechados, como escolas,
clubes ou shoppings. Nessa condição, a brinquedoteca aparece como
um espaço importante para o desenvolvimento infantil, pois é um dos
lugares dedicados à brincadeira livre, como tantos outros. Entretanto,
ela apresenta muitas especificidades, uma vez que carece ser preparada
para que o brincar seja possível de maneira segura e diversificada, va-
riando de acordo com o ambiente em que está inserida: escolas, clubes
ou hospitais.
Assim, para atender às recomendações do art. 31, as diferentes
esferas de governo (legislativo, executivo e judiciário) precisam atuar
por meio da intersetorialidade e focar na regulamentação da legislação
que assegure os direitos da criança, em relação a inúmeras atividades
desenvolvidas por diferentes setores, que podem ser impeditivas para o
pleno cumprimento do que determina o mencionado artigo.

POR QUE PRECISAMOS TER BRINQUEDOTECAS NOS


HOSPITAIS?

São muitas as razões que motivam a pensar na importância de


uma brinquedoteca no ambiente hospitalar. Toda pessoa, adulto ou
criança, que passou por uma experiência de internação e que ficou
sujeito às demandas da institucionalização deve saber ou sabe como é
imprescindível sentir-se acolhida e segura durante a situação de vulne-
rabilidade natural decorrente da doença.
Frequentemente, as crianças choram, debatem-se e refugiam-se
nos pais, alheiam-se no isolamento dos seus temores, fogem durante
os procedimentos técnicos, não compreendem a razão do sofrimento

104 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


físico, da dor, “das picadas” (como são designadas as injeções), dos
pensamentos, de ficarem impossibilitadas de estar com os irmãos e os
amigos, de ter que dormir no hospital, de não poder ser acompanhadas
pelos dois pais durante a noite, de pernoitarem num quarto rodeado
de sons e odores estranhos, de despertarem durante a noite com os
gritos e choros dos outros pacientes. Elas revelam, sobretudo, medo do
desconhecido. Seus pais também sofrem com a situação, verbalizam
medo, ansiedade e impotência, depositando nos médicos e enfermei-
ros a esperança de uma ajuda externa sobre o que fazer, como agir,
como devem desempenhar o seu papel de pais numa circunstância que
lhes é totalmente alheia (BRÁZIO, 2014). No fundo, os pais esperam
apenas que lhes ensinem a retomar algum controle sobre a situação,
que lhes mostrem o que virá, como lidar com as birras e recusas da
criança, que lhes expliquem como e o que devem fazer e dizer. Eles
temem pela vida de seu filho, que a cirurgia não corra bem, que ele não
acorde da anestesia e têm medo das más notícias. E por mais irrealistas
e fantasiosos que esses medos possam ser, especialmente no atual con-
texto de evolução técnico-científica, porventura subsistem e estão bem
presentes na realidade dos pais que têm seus filhos internados.
Campos (1995), quando se refere ao paciente, relata que cada
um irá agir e sentir a sua dor, por mais que as pessoas se esforcem para
entendê-lo, ninguém sentirá do mesmo jeito que ele, o paciente, sente.
A experiência de estar doente é vivenciada de maneira única pelo indi-
víduo. Maia (2000) relata que o brincar ajuda a criança a construir e a
elaborar a relação eu–mundo, pois, além do prazer proporcionado pelo
brincar, ela pode dominar suas angústias, controlar ideias ou impulsos.
Para a autora, quando a prática do brincar não acontece no hospital,
ela interrompe este processo de aprendizagem que ocorre de maneira
lúdica e divertida para a criança. Durante o processo hospitalar essa
interrupção ocorre mais frequentemente em virtude do tempo que a
criança passa em tratamento, podendo obter consequências desagradá-
veis na aprendizagem e no desenvolvimento.
O hospital é para a criança uma experiência muito difícil, ela tem
de viver a separação da família, precisa adaptar-se aos ritmos e confiar
em desconhecidos. Neste sentido, um dos objetivos da brinquedoteca
hospitalar é o de auxiliar na recuperação das crianças doentes, ame-
nizar os traumas psicológicos da internação por meio de atividades
lúdicas (KISHIMOTO, 1998). O ambiente na vida da criança hos-

CAPÍTULO INFÂNCIA, BRINQUEDOTECA E HUMANIZAÇÃO NA ASSISTÊNCIA À SAÚDE COMO


4 UM DIREITO 105
pitalizada também é analisado por Pérez-Ramos (2006), que aponta a
importância da necessidade de se dar suporte seguro e acolhedor pelo
brinquedo também à presença da família.
Ao brincar de faz de conta, quando, por exemplo, simula uma
intervenção cirúrgica em uma boneca, a criança utiliza sua imaginação,
memória, percepção e criatividade, para representar a realidade a seu
modo, permitindo a sua manifestação no campo da consciência, de for-
ma menos sofrida e melhor elaborada. Quando ela representa o que está
acontecendo consigo mesma, por meio do brincar, ela projeta algo pal-
pável e visível e, quando isso ocorre, ela tem condições de sentir, ver e
tocar em algo concreto, como no exemplo da boneca. A utilização desse
recurso cria condições para que ela possa entender e aceitar melhor o que
se passa. O lúdico contribui para um melhor, mais tranquilo e seguro
esclarecimento do processo de hospitalização (OLIVEIRA, 2010).
Brincar é uma atividade inerente ao comportamento infantil e
essencial ao bem-estar da criança, pois colabora efetivamente para o
seu desenvolvimento físico-motor, emocional, mental e social, além de
ajudá-la a lidar com a experiência e dominar a realidade. Pode ser con-
siderada como fonte de adaptação, e instrumento de formação, ma-
nutenção e recuperação da saúde. Assim como as necessidades do seu
desenvolvimento, a necessidade de brincar não para quando a criança
adoece ou é hospitalizada (MARTINS et al., 2001; WHALEY, 1989).
A brinquedoteca deve ser um espaço para estimular a criança a
brincar possibilitando o acesso a uma grande variedade de brinque-
dos, dentro de um ambiente especialmente lúdico, com o objetivo de
auxiliar em sua recuperação (CUNHA e VIEGAS, 2004). O brincar
no hospital representa um espaço psicológico onde nesta atividade a
criança pode fazer escolhas e tomar decisões preservando o que numa
instituição de internação lhe é negada: sua autonomia. A perda da au-
tonomia é uma das exigências para se adequar às regras institucionais,
que em longo prazo, representa desumanização, não apenas pelas ra-
zões óbvias do seu afastamento da realidade social, mas pela sua con-
dição de ter que se adequar às normas institucionais para receber o
tratamento. Outro fator que contribui para a desumanização do aten-
dimento institucional é que todo tipo de instituição, por sua tendên-
cia de “fechamento” ou seu caráter total, segundo Goffman (2007), é
simbolizado pela barreira à relação social com o mundo externo e por
proibições à saída submetidas ao esquema físico, como portas fecha-

106 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


das, paredes altas, vigilantes vinte e quatro horas, horário de visita.
Ainda de acordo com Goffman (2007, p. 11), “[...] uma instituição
total pode ser definida como um local de residência e trabalho onde
um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados
da sociedade mais ampla por considerável período de tempo leva uma
vida fechada e formalmente administrada [...]”.
Neste sentido, a internação pode representar uma ruptura das
fronteiras entre o eu e o ambiente, e a própria concepção que se tinha
de si mesmo poderá ser modificada. No caso das interações por longos
períodos, há naturalmente muita mudança e poucas escolhas. Não po-
der escolher por muito tempo, poderá ocorrer o processo de mortifica-
ção do eu e piorar o estado da criança.
As crianças pequenas são mais suscetíveis à ansiedade pré-ope-
ratória devido à sua capacidade limitada em lidar com pensamentos
abstratos, em gerir a ansiedade, em dominar as emoções e em ter com-
petências cognitivas elaboradas e de enfrentamento. A hospitalização
implica a separação abrupta da segurança e das rotinas cotidianas, de
casa e da escola, dos amigos, dos pais e da restante família. A experiên-
cia cirúrgica transporta consigo todo um peso ansiogênico, emocional
e psicossocial, carregado de emoções – como medo, raiva, tristeza –
que pode perigar a saúde física e psicológica da criança ou, até mesmo,
desencadear regressões no desenvolvimento (BRÁZIO, 2014).
Em contrapartida, Petrillo e Sanger, (1972) mostram, em seus
estudos, que o brinquedo no hospital devolve, em parte, aspectos nor-
mais da vida diária e previne maiores perturbações. Além disso, pro-
porciona à criança a oportunidade de reorganizar sua vida, diminuin-
do, assim, sua ansiedade e dando-lhe um sentido de perspectiva. Já
para Santos (1984), entre os fatores que facilitam o processo de adap-
tação da criança ao hospital, estão os objetos familiares. Por exemplo,
seu brinquedo predileto tem um efeito terapêutico e preserva o seu ego
em formação. Por esse motivo, é importante incentivar os familiares
a trazer alguns brinquedos para o hospital. De acordo com Motta e
Enumo (2004), estudos revelam que trabalhos de entretenimento das
crianças e dos adolescentes hospitalizados promovem modificações de
comportamento nos pacientes que participam de atividades lúdicas,
artísticas e recreativas nos hospitais. Desde modo, é possível compre-
ender que brincar contribui para a saúde, pois a brincadeira permite o
desenvolvimento do equilíbrio, da atenção, da concentração e de ou-

CAPÍTULO INFÂNCIA, BRINQUEDOTECA E HUMANIZAÇÃO NA ASSISTÊNCIA À SAÚDE COMO


4 UM DIREITO 107
tras habilidades. Além disso, favorece a construção de conhecimentos,
a expressão dos sentimentos e emoções vividas. Por meio do brincar
no hospital, especialistas e crianças lidam melhor com procedimentos
médicos que geram sentimentos positivos para o enfrentamento da
doença e da hospitalização (WHALEY e WONG, 2001).
As instituições hospitalares têm buscado o cumprimento, pelo
menos em parte, da oferta de brinquedotecas e o acesso aos brinque-
dos, para tornar a estadia da criança internada menos dolorosa e mais
humanizada de forma que, mesmo estando internada em uma institui-
ção “fechada”, ela possa preservar o seu eu, mantendo a singularidade
da sua identidade real. Assim, para a criança, o brinquedo traduz o
real para a realidade infantil, suavizando o impacto provocado pelo
tamanho e força dos adultos, diminuindo o sentimento de impotên-
cia da criança. A simbolização lúdica possibilita à criança transferir
não apenas os interesses, mas também fantasias, ansiedade, angústias,
medo, alegria e desejos, favorecendo assim, a solução equilibrada de
conflitos e frustrações (CHEIDA, 2005). Além dessas contribuições, o
ato de brincar proporciona recursos para a elaboração afetivo-cognitiva
que auxilia na saúde psicológica da criança hospitalizada. “Surge como
uma possibilidade de modificar o cotidiano da internação, diminuin-
do o estresse provocado pela situação e melhora o comportamento das
crianças neste período [...]” (ROCHA, 2012, p.14).
Expressar seus conflitos por meio da brincadeira é a forma mais
natural de autoterapia que a criança dispõe. É possível que o brincar
desempenhe muitos outros papéis no seu desenvolvimento, mas que
sem dúvida a criança o utiliza para mitigar seus sofrimentos, frustra-
ções e derrotas. Brincar é a forma infantil da capacidade humana para
lidar com a experiência e dominar a realidade (ERICKSON, 1958).
Segundo a literatura da especialidade (CARVALHO, 2009;
MORO; MÓDOLO, 2004; POWER, 2010), a presença de níveis ele-
vados de ansiedade pode ter efeitos imediatos, mas também tardios,
sobre a saúde física e psicológica da criança. Elevados níveis de ansie-
dade provocam consequências médicas, como, por exemplo, aumen-
to do tempo de internação e de complicações pós-operatórias, menor
tolerância à dor, maior necessidade de administração de medicação
analgésica, necessidade de administração de dosagens superiores de
anestésicos, indução anestésica atribulada, diminuição da capacidade
de cicatrização tecidular, suscetibilidade a intercorrências infeciosas, e

108 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


risco acrescido para a ocorrência de episódios graves de asma, hiperten-
são, neoplasias e doença coronária; além de consequências psicológicas
– como distúrbios do sono, reinstalação da enurese, distúrbios alimen-
tares, apatia, irritabilidade, ansiedade continuada, regressões compor-
tamentais – e sociais – como indisciplina e pouca colaboração com os
profissionais de saúde.
Já nas décadas de 40 e 50, Bowlby (1958), Spitz (1945), ressaltam
os riscos provenientes da separação entre a criança e a mãe, especial-
mente na hospitalização. No século passado, segundo Shields e Tanner
(2004), a criação de centros de cuidado na família (family-centered care
– FCC) resultou do processo de humanização da Pediatria, o qual teve
um lento desenvolvimento. Estes centros, atualmente em grande nú-
mero, nos Estados Unidos, compreendem o cuidado das crianças e das
famílias, assim como discutem a relação entre os cuidadores, a criança
e sua família. Vários são os estudos publicados a respeito do family-cen-
tered care, sobre a participação efetiva da família durante o processo de
hospitalização da criança (HUTCHFIELD, 1999).
Na França, a Associação Francesa que Apoia Profissionais e Fa-
mílias com Crianças Hospitalizadas Centre National de Ressources sur
l’Enfant et l’Hôpital (SPARADRAP, 1999), criada em 1993, por pais e
profissionais, tem por objetivo orientar as crianças em relação à saúde,
uma vez que o médico e o hospital lhes são, muitas vezes, desconhe-
cidos. Neste sentido, visa a informar e preparar crianças e pais para
lidarem com procedimentos médicos e hospitalização infantil, assim
como com a dor, valorizando sempre a importância da presença da
família e dos que participam de seu cotidiano, em casos de doença e/
ou hospitalização. A Sparadrap, composta por profissionais e voluntá-
rios, criou também, dentre outras publicações, um pequeno manual de
formação lúdica destinado a estudantes e profissionais da saúde sobre
como o brincar pode atuar na comunicação com a criança e sua família
no hospital. Dentre outros temas, aborda a importância da comunica-
ção entre a equipe hospitalar e a família, a necessidade de a família ser
ouvida pela equipe, da adaptação da linguagem médica à compreensão
da família, do levar em consideração a história da criança e da família,
das dificuldades da família em se organizar diante de uma situação de
doença e hospitalização de um filho.
Em Portugal, o Instituto de Apoio à Criança – IAC, por meio
do Setor de Humanização dos Serviços de Atendimento à Criança,

CAPÍTULO INFÂNCIA, BRINQUEDOTECA E HUMANIZAÇÃO NA ASSISTÊNCIA À SAÚDE COMO


4 UM DIREITO 109
com o apoio da Fundação GlaxoSmithKline das Ciências da Saúde,
desenvolveu um projeto que teve como objetivo conhecer as condições
de acolhimento proporcionadas às crianças e aos jovens dos hospitais
portugueses. No IAC, o lúdico na realidade da criança constitui-se em
uma presença forte e atuante (OLIVEIRA, 2010). Tal prestação de
cuidados centrada na criança obriga que o hospital adote um conjunto
de princípios decorrentes das necessidades de saúde e de desenvolvi-
mento da criança e dos direitos que a sociedade lhe reconhece, postu-
lados pela Convenção dos Direitos da Criança e pela Carta da Criança
Hospitalizada (IAC, 2002; ONU, 1990). Desta forma, o acolhimento
da criança e da família no hospital decorre de uma perspectiva de hu-
manização, e a comunicação entre a família e os profissionais assume,
então, um papel relevante neste processo.
O progresso neste campo da humanização tem sido, como se
verifica pelos dados citados, uma curva ascendente, suscitando grande
interesse internacional. No Brasil, com a promulgação do Estatuto da
Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069/90, e da Resolução n. 41 do
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente de 1995,
foram formalizados, dentre outros itens, a autorização à criança a ser
acompanhada pelos seus responsáveis durante o período de sua hospi-
talização, a permissão de desfrutar de formas de recreação, e o consen-
timento em receber todos os recursos terapêuticos disponíveis para sua
cura. Levando em conta que a criança necessita de cuidados especiais
e reconhecimento da importância do brincar para o seu bem-estar, a
Lei Federal n° 11.104/2005, estabelece a obrigatoriedade de instalação
de brinquedotecas em unidades de saúde que ofereçam atendimento
pediátrico em regime de internação.

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114 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


CAPÍTULO 5
BRINCAR COM AS MÃOS E A IMAGINAÇÃO NA
HOSPITALIZAÇÃO COM PRECAUÇÃO

Beatriz Picolo Gimenes1


Jéssica Renata Bastos Depianti2
Luciana de Lione Melo3
Circéa Amália Ribeiro4

INTRODUÇÃO

O Brincar e a Criança

O brincar é tão antigo como a cultura. E a criança brinca por


ser uma das características naturais e instintivas do ser humano (HUI-
ZINGA, 1990). Ela manifesta-se lúdica e mais ostensivamente a partir
dos dois e três anos em atividades de faz-de-conta, que podem ter seus

1 Conselheira da Associação Brasileira de Brinquedotecas – ABBri/ EPE-UNIFESP . Dou-


toranda em Ciências (EPE/UNIFESP). Mestre em Psicologia da Saúde (UMESP/SP).
2 Enfermeira. Mestre em Ciências/ EPE-UNIFESP e Doutoranda em Enfermagem/
EEAN-UFRJ.
3 Enfermeira. Doutora em Enfermagem/ EERP-USP. Líder do GECAF. Docente da
FEnf.-UNICAMP.
4 Enfermeira. Doutora em Enfermagem/ EE-USP. Líder do GEBrinq. Docente EPE-UNI-
FESP.
objetos com um significado distante do real (BRANDÃO; BICHA-
RA; BARRETO, 2016).
É perto dos quatro anos, brincando com as bonecas, panelinhas,
carrinhos e outros objetos que a criança reconstrói suas vivências socio-
culturais, com muita motricidade envolvida e conversas entre si e esses
objetos. Ela reinventa a cena do brincar cada vez que a vivencia, como
momento único; isso a auxilia a entender a cultura que a cerca, bem
como, apropriar-se do seu modo de viver. É também nesse período que
atividades manuais, como a modelagem com massinha, e o desenvolvi-
mento da pinça dão avanço em seu processo lúdico com criatividade,
tendo o desenho um espaço efetivo no cotidiano infantil. (GIMENES,
2009; 2016).
Quando mais crescida, entre sete e nove anos, surgem as evi-
dências de brincadeiras típicas para cada gênero, em que os meninos
apresentam bastante inflexibilidade em se misturar entre as meninas,
principalmente em usar os brinquedos de casinha. Nessa idade tem-se
mais as brincadeiras de construção perto do real e os jogos de regras.
(GIMENES, 2009; 2016).
Mas, a criança sempre brinca em quaisquer condições de vida?
Tania Fortuna (FORTUNA, 2016), Professora de Psicologia da
Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, coordenadora geral do Programa de Extensão Uni-
versitária “Quem quer brincar?”, esclarece em depoimento virtual: “A
gente nasce com as condições prévias para brincar. Nascemos com a
percepção, com a capacidade de imaginar e de comunicar. Mas a brin-
cadeira não nasce pronta, ela precisa ser desenvolvida. Ela é como um
kit básico de sobrevivência da espécie”.

O Brincar Quando Hospitalizada

O estar hospitalizado transforma o cotidiano do indivíduo, prin-


cipalmente da criança. Ficar longe da família, de amigos e de sua ro-
tina de vida diária pode causar-lhe muita dor emocional, levando-a ao
estresse (SIEGEL et al., 2016).
O brincar, como meio natural de expressão infantil, é essencial
para o bem-estar mental, emocional e social da criança, principalmente
quando hospitalizada, porque quando ela brinca, ela é capaz de encon-
trar soluções possíveis e confortáveis para lidar com situações difíceis,

116 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


ou seja, cria um mundo onde pode dominar, usando os brinquedos
para reviver alguma situação, podendo dar o desfecho que considere
melhor, expondo suas emoções e conflitos (FAVERO et al., 2007) .
Henriques (2011) afirma que o brincar terapêutico assim como
o instrumento da relação terapêutica enfermeiro-criança são excelentes
meios de expressão de sentimentos, auxiliando a comunicação e o es-
tabelecimento de uma relação de confiança, promovendo desta forma
outra visão relativa ao hospital e à hospitalização em si.
Desde o ano de 1995, o Conselho Nacional de Defesa da Criança
e do Adolescente (BRASIL, 1995), dispôs sobre os direitos de a crian-
ça hospitalizada desfrutar de alguma forma de recreação durante sua
permanência hospitalar; bem como, o Ministério da Saúde, por meio
do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), atualizado (BRASIL,
2005), vem ratificar essa conquista.
Geralmente, o brincar e o brinquedo têm sido compreendidos
como uma forma de diversão, recreação, de atividade não séria, que
utiliza um objeto que dá prazer e alegria, ou também um jogo por ser
interessante entre outros termos. Contudo, com o processo de Hu-
manização em Pediatria (SILVA et al., 2010) esses recursos passaram,
desde 2010, a ser considerados parte dos cuidados na assistência de
enfermagem à criança hospitalizada, como condição necessária de
compreensão, pois o brincar é essencial para a criança bem-viver, tan-
to quanto a higiene, alimentação, medicamentos, o curativo e outros
procedimentos, trespassando então, o conhecimento técnico-cientí-
fico relacionado à doença. (RIBEIRO; BORBA; REZENDE, 2009).
Assim, o brinquedo usado na assistência de enfermagem para
satisfazer a necessidade recreacional da criança, (DEPIANTI, 2017),
constata-o como alívio das tensões geradas pela hospitalização (estres-
se) e na possibilidade de estabelecer comunicação entre a equipe de
enfermagem e a criança, para explicar e receber informações.

O Que é a Criança Hospitalizada em Precaução

Geralmente, as crianças hospitalizadas experimentam compor-


tamento de reação pela perda de controle porque é retirada de seu
status normal. Hockenberry, Wilson e Winkelstein (2014) relacionam
as causas que motivam a perda de controle: a separação, a restrição
física, as rotinas alteradas, a dependência forçada e o pensamento má-

CAPÍTULO
5
BRINCAR COM AS MÃOS E A IMAGINAÇÃO NA HOSPITALIZAÇÃO COM PRECAUÇÃO 117
gico da criança; apesar de não poderem ser evitadas, a maioria pode ser
minimizada pelo bom planejamento de cuidados da enfermagem. Essa
hospitalização por si só, já é um fator gerador de estresse e sofrimento
pelo afastamento de sua rotina habitual.
O que pensar sobre essa situação de crise ao se potencializar,
quando a criança é transferida para um quarto individual, em ambien-
te de precaução, privando-a da liberdade de contato com os demais?
Essas situações de crises para a criança nem sempre são fáceis de
controlar, pois durante os primeiros anos de vida, a criança é bastante
vulnerável devido à sua limitação de mecanismos de enfrentamento
para o estresse, podendo ficar deprimida e triste, agravando a situa-
ção, quando a criança fica em quarto de isolamento. (MARQUES;
SCHWARTZ; MARCON, 2014).
Independentemente da idade, a criança hospitalizada tende a se
retrair, regredir emocionalmente, e, há certas doenças que conduzem o
paciente durante o tratamento à internação com precaução, que indi-
ca: quarto individual, sem liberdade de sair e ausência de contato com
semelhantes, exceto com o acompanhante e equipe dessaúde, podendo
agravar esse quadro. (DEPIANTI, 2017).
A precaução sobre pacientes é utilizada quando a criança apre-
senta microrganismos multirresistentes, além de confirmação ou sus-
peita de doença grave facilmente transmitida pelo contado direto ou
fômites, como um sapato contaminado do paciente. As doenças que
levam ao isolamento são exemplificadas pelas infecções respiratórias,
gastrointestinais, dermatológicas e entéricas. Portanto, a finalidade de
um sistema de precaução é a prevenção da transmissão de um mi-
crorganismo de um paciente para outro, ou para um profissional da
saúde. E a prevenção referida é aquela que abrange medidas referentes
à transmissão dos agentes envolvidos. (HOCKENBERRY; WILSON;
WINKELSTEIN, 2014).
Para a criança quando é admitida em um quarto privativo, isto
lhe promove um aumento de agentes estressores, comuns na hospitali-
zação, podendo ficar deprimida (CARDIM et al., 2008; CASSEMIRO,
2017). Ela também se depara com a separação da família, mais a perda
adicional do controle e o aumento das alterações ambientais, como a
privação sensorial e o estranho aspecto dos visitantes. Racionalmente, ela
não compreende a relação de causa e efeito entre os germes e a doença,
podendo imaginar esse “isolamento” como uma punição, especialmente

118 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


a criança em idade pré-escolar; enquanto as mais velhas podem entender
melhor a situação, embora necessitem de informações para reduzir as
fantasias e as interpretações equivocadas. (DEPIANTI, 2012).
Há pesquisas recentes que abordam sobre o cuidado emocional
como direito da criança, colocando normas de conduta aos profissio-
nais para que acatem esses requisitos, além do tratamento da doença,
da promoção de seu desenvolvimento e bem-estar, principalmente,
quando hospitalizada. (LAMBER et al., 2014). Para lograr esse intui-
to, faz necessário que os profissionais envolvidos no cuidado à crian-
ça a auxiliem a desenvolver habilidades de enfrentamento diante da
hospitalização, ressaltando o uso de diferentes modalidades lúdicas.
(AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS, 2014).
Nessa perspectiva, escutar a criança e acolher suas reinvindica-
ções favorece na efetivação de relações entre criança-profissional, como
valorosa estratégia na situação de adoecimento-hospitalização, supe-
rando a atuação de neutralidade da criança nesse processo. (SANTOS
et al., 2016).

Desenhar/ Modelar é Brincar?

A arte como função de auxílio à saúde mental tem sido muito


usada e denominada Arte-terapia. Embora seu papel esteja vinculado à
psicoterapia, neste estudo limita-se como colaboradora de lazer e recre-
ação, cuja maior função é de focar o aspecto representacional plástico
da criança. (PAIN, 2009).
Desenhar, modelar, recortar/colar e outras atividades têm função
da “representação visual do domínio figurativo a partir da transforma-
ção da matéria”, descrevem Pain e Jarreau (1996, p. 9). Elas prosse-
guem afirmando, que esse trabalho proporciona um ambiente para a
criança reviver o encontro entre os princípios, mencionados por Freud,
da realidade e do prazer, pois no universo da arte-terapia, a palavra
emerge como efeito de uma vivência.
A imaginação é a capacidade de conceber configurações porta-
doras de significação, mas essa representação mental para se tornar
plástica, deve acionar a busca de recursos representativos capazes de
materializar o projeto em si, idealizado – a invenção de recursos... Tra-
balhar em arte-terapia, então, “... exige uma definição operatória da
noção de símbolo, independente da noção de palavra ou de linguagem

CAPÍTULO
5
BRINCAR COM AS MÃOS E A IMAGINAÇÃO NA HOSPITALIZAÇÃO COM PRECAUÇÃO 119
discursiva”. Considerando símbolo, o “... jogar no universo do ‘como
se’”. (PAIN; JARREAU, 1996, p.52).
O desenhar é um meio de expressão humana que se enquadra na
área lúdica, pois se caracteriza como uma das linguagens de comunica-
ção mais primitiva. O ato de desenhar pela criança (ou pintar...), cons-
titui um processo complexo, que reúne diversos fatores imaginários
criados pela experiência, para formar um novo e significativo resulta-
do. Durante o processo de seleção, interpretação e reformulação desses
fatores, a criança elabora mais que um quadro, porque essa produção
tem “parte de si própria” - como pensa, como sente e como vê o mun-
do à sua volta. (LOWENFELD, 1970; GIMENES; FLORES-MEN-
DOZA, 2000; GIMENES, 2017).
Na criança, o desenho gera um prazer pelo gesto motor, pois ele
aciona os sentimentos, a capacidade intelectual, o desenvolvimento fí-
sico, a acuidade perceptiva, o envolvimento do ato criador, o gosto es-
tético e, até a evolução social da criança como indivíduo. O desenhar é
permitir... “que a criança desenvolva sua própria liberdade e iniciativa,
e, expressando-se como indivíduo reconhecerá esse mesmo direito nos
outros, o que lhe permitirá apreciar e reconhecer as diferenças indivi-
duais.” (LOWENFELD, 1970, p.16; MENEZES; MORÉ; CRUZ,
2008).
Da mesma forma, modelar com argila, massinhas e outros mate-
riais plásticos maleáveis, proporciona imensa sensação tátil de prazer,
principalmente, com a finalização da obra, como resultado criativo.
Portanto, “criar é resultado da possibilidade de comprometimento afe-
tivo na experiência vivida, qualquer que seja”. “... Depende muito mais
de emoção e oportunidade” para depois seguir seu percurso de elabora-
ção (SAKAMOTO, 2007, p. 27).
Mesmo a criação de histórias pela criança é uma ação muito pra-
zerosa, pois ela se utiliza da oralidade para complementar a sua obra,
oferecendo vida ao que ela corporificou com as mãos. Para isso, é ne-
cessário que ela tenha ouvido/ lido muitas histórias, principalmente
os Contos de Fadas, no início da primeira infância. Essa modalidade
literária traz sempre um dilema existencial, permitindo apreender so-
bre problemas relativos à vida real posteriormente. Bettelheim (1980)
afirma que esses contos sugerem, em forma simbólica, sobre a maneira
de como ela lidará com as questões de crescer a salvo para chegar à
maturidade, de enfrentar as crises que lhe surgirem posteriormente.

120 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Assim, a imaginação, com suas fantasias expressas nessas modali-
dades representacionais, que promove a verbalização pela criança e que
“fala” muito de sua personalidade juntamente com a materialização
da criatividade advinda do pensamento dela, em intensa emotividade
(PIAGET, 1978; 1987; PIAGET; INHELDER, 1993; GIMENES,
2000; 2017), em situações diversas e adversas, como da hospitalização
em precaução, favorecendo a ludicidade manifesta. (VALLADARES;
CARVALHO, 2006; DEPIANTI; MELO; RIBEIRO, 2018).

MÉTODO

“Brincando para continuar a ser criança e liberta-se do confina-


mento (...)”, foi esse o tema central emergido na dissertação de mestra-
do da enfermeira pediatra, Depianti (2017, p. xvi), quando ela decidiu
interagir com crianças hospitalizadas e em precaução, proporcionan-
do-lhes atividades lúdicas para recreação, para compreender o signi-
ficado do brincar para elas naquela situação, publicando um artigo a
respeito. (DEPIANTI; MELO; RIBEIRO, 2018).
O presente estudo baseia-se nas fontes acima, mas tem outro obje-
tivo, de refletir sobre os benefícios que a brincadeira traz à criança hos-
pitalizada e em precaução, na visão da Psicogenética (Psicologia do De-
senvolvimento Mental) e da Arte-terapia e, para isso, levantamos o con-
teúdo das mesmas, parcialmente, sobre duas crianças (menina com 10
anos e menino com 8), dentre as oito que brincaram com a enfermeira.
Portanto, o atual trabalho caracteriza-se como Estudo de Caso
Documental Qualitativo (BORBA; SARTI, 2006; SANTOS, 2012),
utilizando-se para a análise dos dados a Teoria Psicogenética (PIAGET,
1977; 1978; 1987; PIAGET; INHELDER, 1993) e a Arte-terapia
(PAIN, 2009).
Depianti (2017) realizou a pesquisa em hospital infantil da ca-
pital paulista, em 2016, com crianças enfermas, com doenças seme-
lhantes – a Leucemia, estando em quarto individual, sem liberdade
de sair e ausente de contato com outras pessoas, que não fossem seu
acompanhante e equipe hospitalar. Coletou os dados por observação
participante com cada criança, mediada por entrevista semiestruturada
e os rigores éticos foram atendidos.
A autora garantiu o sigilo e anonimato das crianças participantes,
dando nomes fictícios de heróis, porém no atual estudo, adotaram-se
letras pela ordem alfabética (DEPIANTI, 2017, p. 35 e 36):

CAPÍTULO
5
BRINCAR COM AS MÃOS E A IMAGINAÇÃO NA HOSPITALIZAÇÃO COM PRECAUÇÃO 121
Criança A - Feminino; 10 anos, filha única; estudando no 6º ano
do Ensino Fundamental, diagnosticada com Leucemia Linfoide
Aguda durante o período de interação lúdica; acompanhada pela
mãe nos três dias de interação lúdica; e,

Criança B - Masculino; 8 anos, tendo dois irmãos paternos, sen-


do filho único por parte materna; cursando o 2º ano do Ensino
Fundamental, com tratamento para Leucemia Mieloide Aguda;
acompanhado pela mãe nos três encontros lúdicos.

Depianti (2017; DEPIANTI; MELO; RIBEIRO, 2018) respei-


tou o uso de equipamento de proteção individual e teve como primei-
ro instrumento interventivo, o brincar recreacional com materiais e
brinquedos dados a cada criança (carrinhos, boneca, utensílios domés-
ticos e um celular de brinquedo; jogo da memória, bola, quebra-cabeça
e dominó), com selo de garantia do INMETRO, respeitando a fase de
desenvolvimento da criança. E o lápis de cor, massa de modelar e giz
de cera, com selo de não toxicidade. Assim, todo o material formou
o “kit surpresa”, sendo tudo ou parcialmente, utilizado no brincar. E
como segundo instrumento, houve o Desenho-Estória com Tema, ela-
borado pela criança, seguindo o procedimento recomendado - PDET
(TRINCA, 2013) e com uma pergunta norteadora: “Vamos desenhar
uma criança que está brincando no quarto do hospital?”.
Afirma que o processo lúdico constituiu-se de três encontros,
cada um com 90 minutos; sendo no último, antes de iniciar a brin-
cadeira, acordado com a criança, que após brincar por um tempo,
haveria um último desenho mediado por entrevista estruturada, com
perguntas não somente relativas ao DE, mas também à sua vivência
hospitalar e o brincar no quarto da precaução, cujo registro foi por um
celular e pela máquina fotográfica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Depianti (2017; DEPIANTI; MELO; RIBEIRO, 2018) anali-


sou os dados pelo Interacionismo Simbólico (CHARON, 2010) e os
passos metodológicos da Análise de Conteúdo (HSIEH; SHANNON,
2005), desvelando sete categorias temáticas, com subcategorias, des-
critas de “a-g” e exemplificadas com material do Diário de Campo e
Entrevista com as duas crianças.

122 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


“Criança A” – Feminino, 10 anos, 6º. Ano Escolar

Figura 1: Desenho livre: Sala de Aula Figuras 2, 3 e 4: Produção Livre – massinha


e pintura: Menina, Pica Pau e Ursinho

Figura 5: DET: “Uma Menina no Hospital” 1. Cama de hospital, 2. Menina, 3.


mesa de apoio com jogo da memória
em cima, 4. Saco surpresa, 5. Suporte
de soro, 6. Sofá do quarto, 7. Porta
do quarto, 8. Janela do quarto.

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

SÍNTESE - DIÁRIO DE CAMPO E ENTREVISTA/


PESQUISADORA (P) E CRIANÇA (A/) (DEPIANTI, 2017)

A/: possuía dois acessos venosos, sendo um em cada braço. Seu


quarto não possuía brinquedos, apenas um estojo com lápis
de cor, lápis grafite, apontador, borracha, folhas com desenhos
para pintar e dois livros de estórias; ela sentada na cama, acom-
panhada pela mãe. Brincou nesses três dias na seguinte ordem:
Jogo Dominó (cinco partidas; outro dia, três); Jogo de Memó-
ria (quatro partidas; outro dia, duas); Quebra Cabeça (colagem
e montagem; outro dia, competição com enfermeira); desenho

CAPÍTULO
5
BRINCAR COM AS MÃOS E A IMAGINAÇÃO NA HOSPITALIZAÇÃO COM PRECAUÇÃO 123
livre (Sala de Aula – um cabide para pendurarem as mochilas e
os casacos, uma mesa com livros para o momento da leitura, a
lousa, a porta da sala e a janela; também a mesa do professor e
seis cadeiras com suas mesas; não desenhado a professora e os
alunos, por não saber desenhar como a enfermeira), mãe - ela
brinca de professora com as primas; modelagem com massi-
nhas (menina no espaço; outro dia, ursinho com flor); pintura
em desenho/ revista (Pica Pau); brincadeira livre com pai (pa-
nelinha e frango – vendas); bexigas (pede ao pai para encher
uma amarela e outra rosa; joga com enfermeira – 10’; depois,
com as duas/sem cair – 15’); Jogo de Percurso com roleta e 60
casas (duas partidas). Finaliza com DE-T, depois de ouvir a
pergunta norteadora.

A seguir, há a análise sobre a produção da Criança A/, exposta


acima, e sobre o resultado discutido em Depianti (2017; DEPIANTI;
MELO; RIBEIRO, 2018), para todas as categorias e algumas subca-
tegorias.

Em (a.)- Interagindo com Situações Antecedentes ao Brincar


- (DEPIANTI, 2017, p. 47-49) Descreve o estado da criança
durante a chegada da pesquisadora nos três dias lúdicos: o am-
biente do quarto; as vivências experimentadas antes do início
do brincar; as interações com os objetos hospitalares, com brin-
quedos e com familiares no ambiente da precaução; a forma
de abordagem para participar (pesquisa/ brincar), a evolução
interativa com a pesquisadora/processo lúdico/evolução clíni-
ca nos três dias de contato. No primeiro dia de interação, al-
guma permanecia sentada na cama, sem nada realizar, mesmo
em companhia da mãe, ou deitada em uso de máscara de O2 e
monitorização cardiorrespiratória. Ex1. A/ sentada em sua cama,
desocupada e em companhia da mãe. Após a leitura do Termo de
Assentimento, a criança aceita prontamente o convite para brincar.

Inicialmente, toda criança brinca prontamente, caso sinta em-


patia pelo parceiro... Certamente, houve esse rapport, ou seja, criou-se
um clima interativo de simpatia para que a criança se comunicasse
com menos resistência durante o encontro. Pain (2009) relata que
todo arte-terapeuta deva ter a atenção aberta, sem antecipação, estar
sensível à ressonância afetiva e representativa... Concentração centrada
no paciente.

124 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Em (b.) - Abrindo-se Para a Interação Lúdica - (DEPIANTI,
2017, p. 49-51) Revela que a criança aceitou prontamente o
convite para brincar, mesmo no primeiro dia, quando ainda
não conhecia a pesquisadora ou apresentava alguma dificulda-
de física. Houve o crescimento interacional positivo, mostran-
do o quanto as crianças encontravam-se mais tranquilas e rela-
xadas. Como durante a esperar do resultado de exames... Ex2. P:
E como ela [a personagem do desenho] se sentia esperando o resultado
desse exame? A/: Nervosa! P: E o que ela fazia para se acalmar? A/:
Brincava! P: E o que mais a acalmava? A/: Os jogos! [OBS - Retira-
mos de outra categoria no original e adequamos nessa].

A/ enquadra-se no período operatório concreto do pensamento,


em que Piaget (1987) menciona como o nível da vida coletiva, no
qual a criança brinca com jogos caracterizados por certas obrigações
comuns – as regras do jogo. Seu pensar encontra-se já mais adaptado
ao real – superando o pensamento intuitivo, a lógica da primeira in-
fância (2-7 anos), a inteligência prática. Agora, vivencia o campo da
experimentação e do desenvolvimento dos sentimentos interindividu-
ais (afeições, simpatias e antipatias).

Em (c.) - Explorando o Material do Kit Surpresa- (DE-


PIANTI, 2017, p. 51-53) Ao receber o kit surpresa, a primeira
manifestação foi explorar os brinquedos diferentemente, des-
cobrindo as diversas possibilidades. Houve quem os manipu-
lavam muitas vezes, enquanto outro que os nomeava, ou os
separava por gênero, conforme significados para as meninas ou
meninos brincarem. Ex3. Abriu o Kit surpresa e olhou para den-
tro dele e falou de maneira contente: Nossa! E sorriu. A mãe disse:
Tudo o que ela gosta!

Segundo Piaget (1978), o interesse é próprio de todo ato de as-


similação mental, ou seja, mergulhado mentalmente no assunto em
estudo. É estar inter-esse! A criança elaborou a contento a estruturação
do jogo dominó, colocando o adesivo, ou ao modelar com massinha.

Em (d.) - Beneficiando-se ao Participar de Uma Brincadeira


Envolvente – (DEPIANTI, 2017, p. 53-61) Estando no quarto de
precaução e brincando, isso a beneficia por mediar situações atípicas
(doença e hospitalização). Brincando, ela é capaz de se tornar prota-
gonista, ganhando o domínio e tendo um espaço para compartilhar

CAPÍTULO
5
BRINCAR COM AS MÃOS E A IMAGINAÇÃO NA HOSPITALIZAÇÃO COM PRECAUÇÃO 125
seus desejos, sentindo-se feliz e organizando-se. Ganhando o domí-
nio... - Ex4. Pega duas bexigas e pede ao pai para enchê-las. Coloca uma
ao seu lado e começa a jogar com a pesquisadora. Ela bate algumas vezes
forte na bexiga para que a pesquisadora não conseguisse pegar. Então de-
cide ficar em pé para continuar o jogo. Propõe depois a jogar com as duas
bexigas simultaneamente, e sem deixá-las cair.

O jogo com bexigas, como bola, tem um caráter dual, em que se


estabelece o vínculo, como também a questão da supremacia do poder
de um sobre o outro, quando a bola não é alcançada pelo parceiro.
A manipulação com bexigas é muito agradável, maleável... Tem
a função de despertar o relaxamento da sensorialidade (PAIN, 2009).
No caso do balão, representa a possiblidade de dar forma a um desejo,
de projetar as emoções pelo soprar, por exemplo.

Expressando seus sentimentos e desejos pela brincadeira, ex-


plícita ou simbolicamente, por dramatização ou conversando
com ela, a criança revela-se... - (DEPIANTI, 2017, p. 54-57)
Ex5. Brincar proporciona a felicidade, em que ela ri, achando
graça e se diverte; como quando A/ sugere: Eu vou desenhar um
jardim! P: E o que eu posso desenhar? A/: Uma sala de aula!...
Também vou desenhar uma sala de aula! Mãe: Ela quer ser pro-
fessora! Ela brinca de professora com suas primas. A/ diz sorrindo:
Eu brinco de ensinar...!

O desenhar é criar a partir da imaginação. A partir dos dois anos


a criança adentra na fase do “realismo fortuito” do desenvolvimento
gráfico. Entre três e quatro anos e meio, há formas reconhecíveis em
seus traçados, mas sem detalhes de significados expressivos; enquan-
to aos cinco-seis, essas linhas já representam pessoas, casas ou árvo-
res, aparecendo o antropomorfismo, como o sol ter olhos e boca, por
exemplo. (PIAGET, 1993; MUNIS, 2012).
Aos seis-sete anos a criança realiza desenhos com temas e clara-
mente identificáveis. Os detalhes evoluem até à idade dos dez anos,
fase do “realismo intelectual”, pois faz o que sabe; e ao ultrapassar os
doze anos ela descobre a perspectiva, entrando na fase do “realismo
visual” (GIMENES; FLORES-MENDOZA, 2000; MUNIS, 2012).
Esses dados provêm de pesquisas estatísticas, podendo o nível de de-
senvolvimento gráfico de quem for avaliado estar atrasado, acompa-
nhar ou antecipar a idade cronológica.

126 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


No caso de A/: seu nível de pensamento encontra-se próximo do
realismo visual, de adentrar no período operatório formal do pensa-
mento (PIAGET, 1987; PIAGET; INHELDER, 1993), pois em DET
(fig. 5), o sofá já se encontra diminuído em relação à cama (outro
plano de fundo); os pés da cama do outro lado estão em tamanhos
menores; e a personagem sentada na cama e tronco virado... Como
também, observamos as proporções nas produções em massinha: me-
nina e ursinho (figs. 2 e 4).

Aliviando o estresse e se organizando pela brincadeira... – (DE-


PIANTI, 2017, p. 59) Ex6. P: E como ela (criança do desenho)
se sentia esperando o resultado desse exame? A/: Nervosa! P: E o que
ela fazia para se acalmar? A/ Brincava! P: E que mais a acalmava?
A/: Os jogos!

Em (e.) - Esforçando-se em Continuar a Brincadeira Apesar


das Dificuldades e Limitações – (DEPIANTI, 2017, p. 62-
63) Embora a criança apresente alguma limitação/ dificuldade
que poderia impedir/ dificultar a brincadeira, ela prossegue,
mas solicitando que pegasse algum lápis colorido, ou manten-
do o membro puncionado imóvel, como o caso da bexiga de
soprar. Ex7. Brinca de jogar bexiga usando apena uma mão, en-
quanto a outra imóvel, com o disposto venoso periférico, cuidando
para não tracioná-lo.

Em (f.) - Definindo o Hospital Como Um Lugar de Sofri-


mento, Procedimentos e Restrições – (DEPIANTI, 2017, p.
63-68) O brincar oportunizou a criança a revelar sua percepção
sobre o hospital e os cuidados de enfermagem. O hospital é
definido como local de estar sozinha, sem ninguém para brin-
car, convivendo com o sofrimento imposto pela doença e as
restrições do ambiente hospitalar, associando o profissional de
saúde àquele que realiza apenas procedimentos técnicos, perce-
bendo-se ameaçada pela presença do mesmo. Mas, aquelas que
brincam são legais e se percebe bem cuidada por elas, a despeito
do sofrimento... - Ex8. P: Essa criança que você desenhou, ela
podia brincar? Podia sair? A/: Ainda não! P: Por quê? A/: Porque
ela estava em isolamento. P: Por que ela estava em isolamento? A/:
Porque ela tinha de fazer um exame primeiro para ver se ela não
tinha nenhuma bactéria (...) P: Como você se sentiu por ter vivido
aqui no quarto esses dias, que você não pôde sair? A/: Bem chato,
me senti um pouco presa!

CAPÍTULO
5
BRINCAR COM AS MÃOS E A IMAGINAÇÃO NA HOSPITALIZAÇÃO COM PRECAUÇÃO 127
A/ apresentou-se bastante pró ativa (PIAGET, 1978; 1987;
1993), porque utilizou todos os materiais que ganhou para brincar,
desde atividades de desenho - em ambos (figs. 1 e 5) podemos vê-
-los com os seus elementos bem distribuídos proporcionalmente ao
tamanho da folha, com certo dinamismo geral, mas diminuídos – tal-
vez pela situação emocional dos momentos que vivencia, constrita ao
quarto. E a pintura (fig. 3 - Pica Pau) – cujo preenchimento apresen-
ta-se homogêneo, com o traço uniforme e pressão normal, respeitando
os limites (contornos) e vizinhanças (domínio das cores).

Em (g.) - Da Brincadeira Solitária à Importância do Brin-


car Compartilhado - (DEPIANTI, 2017, p. 68-72) Sendo
importante ter alguém disponível para brincar durante a brin-
cadeira, a criança revela o quão é importante ter a presença de
um adulto que proporcione e valorize esse momento lúdico
para ela, relatando o quanto ficou feliz por essa companhia, e
quando tinha ninguém, a fazia se sentir triste. No segundo dia
após aguardar os procedimentos, há a troca de confiança entre
a P e A/ em situação do brincar... – Ex9. P: Perguntei como ela
havia passado o dia e me disse que bem. A/ então questiona a P.
A/: O que nós vamos fazer hoje? P: O que você quer fazer hoje?...
Ex10. No final dos três dias, depois de fazer o DET, P pede
uma história sobre o desenho, mas A/ se expressa-se por meio
da personagem, os próprios sentimentos...

P: ... Conte uma estória sobre esse desenho. A/: Uma menina no
quarto do hospital, brincando com jogos, com jogo da memória e
tomando soro. P:...Como ela estava se sentindo? A/: Bem! P: Como
ela [personagem]se sentia vivendo esse momento no quarto do hos-
pital? A/: ...Eu acho que feliz! P: Ela [personagem] brincava com
quem? A/: Sozinha. P:... Do que ela mais sentia falta? A/: Dos
amigos... P: E como é para você? A/: Também, falta dos amigos.
P: Você brinca no quarto com quem? A/: A maioria das vezes so-
zinha... P: Do que você sente falta? A/: De casa! P: Como você se
sente cuidada aqui no hospital? A/: bem... P: Como as enfermeiras
cuidam de você? A/: Bem, elas são bem legais. P: O que elas fazem?
A/: Ah... Elas ficam fazendo... Elas são bem divertidas no jeito
delas. P: ... Mais alguma coisa sobre esse desenho? A/: Acho que
não. P: E como vai ser o nome dessa história. A/: Uma Menina
no Hospital.

128 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


A/ dominou o Quebra Cabeça, que requer organização e inte-
gração interna. Considerado jogo de construção e solitário, parte da
experiência viso-manual junto à construção mental (imagem global e
as partes - Gestalt), pois utiliza a rotação espacial visocerebral percepti-
va; ela ganhou na competição com a pesquisadora. Também, teve bom
desempenho com jogos de regras com valores apropriados à sua idade,
como o de Memória (vínculo e perda), o Dominó (vínculo e identida-
de) e o de Percurso com roleta (aleatoriedade e tolerância à frustração).
(GIMENES; TEXEIRA, 2012; GIMENES, 2017).

“Criança B” - Masculino, 8 anos, 2º. Ano Escolar

Figura 5: Produção Livre: Dobradura, Figura 6: Produção Livre: Massinha


Pintura – Avião - Pikachu

Figura 7: DET: “História da Felicidade e da 1. Cama do quarto, 2. Menino,


‘Timideza’.” 3. Jogo da memória, 4. Mãe
do menino, 5. Pesquisadora,
6.Armário,7. Garrafa de água, 8.
Luminária, 9. Televisão.

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

CAPÍTULO
5
BRINCAR COM AS MÃOS E A IMAGINAÇÃO NA HOSPITALIZAÇÃO COM PRECAUÇÃO 129
SÍNTESE - DIÁRIO DE CAMPO E ENTREVISTA/
PESQUISADORA (P) E CRIANÇA (B/) (DEPIANTI, 2017)

B/: tinha acesso venoso em mão direita. No seu quarto tinha


apenas dois brinquedos: um ursinho pequeno de pelúcia e um
boneco; ele de pé próximo da cama. Brincou nesses três dias na
seguinte ordem: celular (quatro vezes e balançava-se ouvindo o
som; uma vez falou com o Pato Donald que estava ganhando;
outro dia: uma vez); panelinha (fazer comidinha); faca (gritou:
ia, ia, ia; cortou massinha para pizzas – o pai um cliente); Jogo
de Memória (jogou cinco partidas; não deixava ver as peças que
virava; na primeira o pai ajudou jogar); ursinho (anuncia quem
jogaria); Jogo Dominó (três partidas e ganhou a primeira, mas
perdeu duas; inicia com par ou ímpar, falou; outro dia três par-
tidas, venceu as duas primeiras); Quebra Cabeça (quis ajuda
na colagem e montagem, disse não ser bom nisso); modelagem
com massinhas (comidinha – tomate, arroz, feijão e mãe brin-
ca; bolo de milho e chocolate – irmão chega e brinca; Poke-
mon; outro dia - pizza); caminhão de caçamba (transportava as
massinhas – alimentos, ele seria entregador); boneco (embaixo
da cama); folhaA4 (dobra um avião e pinta bandeira brasileira);
bexigas (mãe encheu e foi colocada no avião). 3º. Dia liberado
para Brinquedoteca: TV (Tom e Jerry); geladeira e fogão (fran-
go assado, alface e sorvete); boneco/ escova (penteava o cabelo
– 5x) e robô (na casa feita de blocos). Final, o DE-T.

A seguir, há a análise sobre a produção da Criança B/, exposta


acima, e sobre o resultado desenvolvido e discutido em Depianti
(2017; DEPIANTI; MELO; RIBEIRO, 2018), para todas as cate-
gorias e algumas subcategorias. Lembramos que essas categorias, já
foram descritas no caso anterior, cuja menção aqui segue apenas da
frase inicial.

Em (a.) - Interagindo com Situações Antecedentes ao Brin-


car - (DEPIANTI, 2017, p. 47-49). Revela o estado da criança
antes do brincar... Ex1. B/ retornando do banheiro com a ajuda
de sua mãe e sentando-se para que a pesquisadora pudesse se apre-
sentar. Ex2. No último dia do brincar... B/ sentado no sofá ao
lado da mãe e não mais em precaução. Após a entrada da pesqui-
sadora, mostra os brinquedos que havia pegado na brinquedoteca
para brincar e diz: Eu já estou liberado da precaução!

130 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


É possível identificar B/ com certa autonomia desenvolvida, ape-
sar de enfermo e restrito, pois B/ encontra-se no início do período das
operações concretas do pensamento (PIAGET, 1987).

Em (b.) - Abrindo-se Para a Interação Lúdica - (DEPIANTI, 2017,


p. 49-51) Aceitando prontamente o convite para brincar, como no
terceiro dia... – Ex3. No segundo dia com B/, P foi até seu quarto, abriu
a porta, viu ele deitado em sua cama. No momento em que a viu, levan-
tou-se e falou alto sorrindo: EHHHH!! Ex4. B/ disse a P que já estava
liberado e mostrou os brinquedos que havia pegado na brinquedoteca.
P: Brincaremos um pouco e depois faremos uma atividade. Então, ele
concordou e me chamou para irmos brincar na brinquedoteca.

Observamos que B/ apresentou empatia com a pesquisadora des-


de o primeiro ao último, brincando quando oportuno, mas também,
limitando-se quando necessário, o que o enquadra adequadamente ao
estágio de desenvolvimento mental mencionado, sobre o respeito às
regras (PIAGET, 1987).

Em (c.) - Explorando o Material do Kit Surpresa- (DE-


PIANTI, 2017, p. 51-53) Ao receber o saco com brinquedos...
– Ex5. A mãe nessa hora disse: Fala obrigado filho! E B/ sorridente
responde: Obrigado! A mãe perguntou se ele queria que ela abrisse,
então balançou a cabeça de forma negativa e foi desamarrando
o laço... Mas, preocupada pela punção na mão dele, começou a
retirar, pois falou que iria ajudar; mas ele respondeu que queria
tirar os brinquedos!

Nessa situação pela terceira vez, como nas demais anteriores, po-
demos verificar segundo Piaget (1987), que B/ reforça pelas suas ati-
tudes o enfraquecimento de sua dependência psíquica com o seu res-
ponsável, mas com o devido respeito a quem impõe as normas sociais
no lar. Essa fase é da heteronomia/ consciência e de respeito unilateral
às regras externas, de obediência; e fase inicial do terceiro estágio de
prática às regras – da colaboração que prepara para a cooperação cons-
ciente. (PIAGET, 1977).

Em (d.) - Beneficiando-se ao Participar de Uma Brincadeira En-


volvente – (DEPIANTI, 2017, p. 53-61) Ganhando o domínio brin-
cadeira... – Ex6. Quando tirou o telefone, abriu ele, apertou as teclas e

CAPÍTULO
5
BRINCAR COM AS MÃOS E A IMAGINAÇÃO NA HOSPITALIZAÇÃO COM PRECAUÇÃO 131
colocou no ouvido para ouvir o barulho. Apertou mais uma vez e balan-
çava o corpo de maneira a dançar. Quando tirou a panelinha disse: vou
fazer comidinha!

O brincar com o celular elabora a necessidade de contato e de seu


reconhecimento, principalmente em situações de crise. E as análises ante-
riores ratificam-se aqui, quanto à existência de autonomia que o brincar
promove, independentemente de regras existentes na realidade (externa),
como o quantum a criança vivencia emocionalmente aquele momento lú-
dico em plenitude - que é sério! (PIAGET, 1977; GIMENES, 2000).

Expressando seus sentimentos e desejos pela brincadeira, explí-


cita ou simbolicamente... - (DEPIANTI, 2017, p. 54-57) Ex7.
Na brinquedoteca - B/ pede à pesquisadora para pegar o fogão e
a geladeira dizendo: Vamos brincar de cozinhar! Pegando alguns
brinquedos para simular os alimentos. B/: Vamos fazer frango as-
sado! (...). Hoje nós fizemos asinha de frango, lavamos a alface e
colocamos o sorvete no congelador!

O brincar simbólico nunca não nos abandona desde o seu sur-


gimento até mesmo quando adultos, em questão de saúde mental; a
mudança que ocorre é relativa ao tipo de objeto, à intensidade e ao
nível de amadurecimento das estruturas mentais, sendo estas reduzidas
quando essa fase se inicia (PIAGET, 1978). E cozinhar é semelhante a
criar (PAIN, 2009), pois os pensamentos e sentimentos transformam-
-se e os oferecemos aos outros e/ou a nós.

Tornando-se protagonista durante a brincadeira... Coloca-se na


situação de personagem principal, encontrando seu lugar, posi-
cionando-se e tendo voz - (DEPIANTI, 2017, p. 57-59). Ex8.
Constrói suas peças de dominó e ao terminar, coloca-as na mesa.
P perguntou como que ele jogava e, então, se posiciona e responde:
Antes de jogarmos, tiramos “par ou ímpar” para ver quem começa!
Ex9. Criança pede à pesquisadora... B/: Pegue os brinquedos, as
panelinhas, massinhas, bexigas e o carrinho de caçamba (...). Daí,
ele pega a bexiga, coloca-a no carrinho de caçamba e diz: Você será
a entregadora! Brinca de fazer a comida e, assim que termina,
ordena: Entrega para o cliente!

Aliviando o estresse e se organizando pela brincadeira – (DE-

132 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


PIANTI, 2017, p. 57-61) Ex10. Enquanto brincava com a mas-
sinha, pois fizera bolo de chocolate e milho, dando para P, mãe
e irmão experimentarem. Depois, na conversa com irmão sobre
Pokemon, esse lhe pergunta: B/, por que o boneco está escondido
debaixo da cama? E B responde: Ele está com medo do hospital...
E o irmão contra argumenta: Eu acho que ele tá com vergonha por
que a calça dele caiu e está com a bunda de fora! B/ começa a rir...

Os exemplos mencionados, de 8 a 10, enfatizam o quanto a cria-


ção pelas mãos tem ação terapêutica (PAIN, 2009). Manipular adesi-
vos, brinquedos (estruturados ou não), massinhas e outros materiais
concretos promovem a mudança de estado emocional, dispendendo
energia (catarse), beneficiando o protagonista que se organiza mental
e afetivamente.

Em (e.) - Esforçando-se em Continuar a Brincadeira Apesar


das Dificuldades e Limitações – (DEPIANTI, 2017, p. 62-
63) Embora a criança apresente alguma limitação/ dificulda-
de... Prossegue brincando - Ex11. A mãe de B/ pega a folha de
A4, o lápis de cor e giz de cera e entrega para ele. B/ começa a fazer
um avião em dobradura com limitação, mas consegue. Pintou a
bandeira brasileira no brinquedo e, então, teve a ideia... B/: Assim
que terminado o avião, a gente coloca uma bexiga nele. Mesmo
com um dos braços restrito, logo que terminou de fazê-lo, o jogou
forte para que voasse! A mãe o pegou e o devolveu para ele.

O desenho, a pintura e a dobradura em papel (origami em japo-


nês), estimulam a capacidade de concentração; o ato de dobrar é feito
pelo jogo da percepção e a forma idealizada no caminho de execução,
pela coordenação motora, que possibilita a vivência com figuras geo-
métricas (formas internalizadas), organizando/reestruturando, ao mes-
mo tempo, os conteúdos psíquicos. (GIMENES, 2017).

Em (f.) - Definindo o Hospital Como Um Lugar de Sofri-


mento, Procedimentos e Restrições – (DEPIANTI, 2017, p.
63-68) O brincar com aquelas que brincam são legais e se per-
cebe bem cuidado por elas, a despeito do sofrimento... – Ex12.
Na brinquedoteca, B/ começou a assistir ao desenho animado
“Tom e Jerry” pela tv e a conversar com P sobre o conteúdo dele.
Simultaneamente, pegava um brinquedo, explorava e comentou
como o Tom era mau... Ex13. Pegou alguns brinquedos da caixa e

CAPÍTULO
5
BRINCAR COM AS MÃOS E A IMAGINAÇÃO NA HOSPITALIZAÇÃO COM PRECAUÇÃO 133
indagou P. B/: Você continua a ver as crianças da pesquisa? Então,
P respondeu que sempre que ela estivesse no hospital e se houvesse
alguma delas lá, ela a visitaria; então B/ sorriu aliviado.

Novamente, (PIAGET, 1977; 1987), é demonstrado como B/


apresenta-se na fase operatória concreta, lógica do pensamento, pois
apresenta a noção de identidade e de reciprocidade (locar-se no lugar
do outro), já com a percepção do certo/errado e do bom/mau, identi-
ficando o sofrimento alheio, mas não percebe a importância da figura
materna em sua vida: acolhedora e participativa, projetando bons mo-
delos, confirmada no DET (fig. 7).

Em (g.) - Da Brincadeira Solitária à Importância do Brin-


car Compartilhado - (DEPIANTI, 2017, p. 68-73) Sendo
importante ter alguém disponível para brincar... Não ter al-
guém, faz se sentir triste. Além disso, poder ir à brinquedoteca
também proporciona felicidade a ele, perceber outras crian-
ças... Ex14. P: Conta uma história sobre o seu desenho? B/: Uma
história? Tá bom! Era uma vez um menino que estava doente, aí
levaram ele para o hospital, aí ele estava em isolamento porque
ele veio de outro hospital. Aí veio uma pessoa e trouxe um monte
de brinquedo para ele, aí ele ficou brincando. Aí também, ele foi
liberado e estava na brinquedoteca. Aí ele estava brincando, brin-
cou, brincou... Brincou bastante e ficou feliz! E assim se foi e fim!
[...]. P: Antes de você poder brincar, como estava se sentindo? B/:
Hum, espera aí, meio que triste! P: E agora como você se sente?
B/: Legal, bem legal! P: Por que você se sente assim? B/: Porque eu
tenho alguém para brincar. E agora estou liberado para ir para
brinquedoteca!

Estreitando o vínculo por meio da brincadeira... - Revela o es-


treitamento emocional que se estabeleceu entre a criança e a
pesquisadora, a partir da realização do brincar. - (DEPIANTI,
2017, p. 72-73) Ex15. Na brinquedoteca, B/ falou para que P es-
colhesse um amigo para o boneco dele, então ela escolheu o ursinho
carinhoso e ele um robô. Pediu que P pegasse os blocos de montar
que estavam em uma caixa organizadora. Pegou e começaram a
montar uma casa e assim que ficou pronta B/colocou os dois bo-
necos dentro. Fez também um carregador de energia e colocou na
casa.

134 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Quanto ao desenvolvimento gráfico, B/ encontra-se na fase do
realismo intelectual, contudo, relativo às figuras humanas, além de elas
serem expressas de forma pouco evoluída (palitos), o menino encon-
tra-se demais pequeno, identificando-se pouquíssimo valorizado e in-
seguro, pelo traçado sinuoso manifesto. Daí a importância lúdica para
B/. (PIAGET; INHELDER, 1993).
Brincar, portanto, para B/ foi muito aproveitável, pois se utilizou
de tudo que havia no kit surpresa, de maneira diversificada de modali-
dades lúdicas: brincar funcional, o simbólico, de construção e os jogos
de regras (PIAGET, 1978; 1987), além de os brinquedos na brinque-
doteca. Destacamos o brincar com blocos, caracterizado por jogo de
construção/ acoplagem, e cujos bonecos escolhidos por P e B/ (o urso
e o robô) representando-os simbolicamente, efetivaram uma amizade
muito forte, pela metáfora expressa na casinha construída e aquecida
“onde ambos foram morar”, mesmo que o quarto em que B/ ficara no
hospital, o fizesse se sentir um robô manipulado pelos profissionais da
saúde (PIAGET, 1978; PAIN, 2009).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É possível, neste estudo de caso, identificar como os dois pacien-


tes pediátricos usaram as atividades com papel e lápis coloridos, para
desenhar, pintar e dobrar; massinha de modelar; bexigas e brinquedos
estruturados, como: celular, panelinhas, faca, carrinhos, bonecas, bo-
necos e urso de pelúcia, geladeira/ fogão lúdicos e jogos de construção:
quebra cabeça; blocos para montar; e de regras (memória, dominó e
percurso), vivenciando-os intensamente.
Mesmo as crianças sendo de sexos diferentes e com as respectivas
idades ao estágio mental em que pertencem, segundo a teoria Psicoge-
nética, não impediram que ambas brincassem com o faz-de-conta, fase
simbólica, como fazer comidinha de mentirinha, por exemplo, regre-
dindo lúdica e satisfatoriamente. Embora a teoria afirma que quando
a afetividade está comprometida, isso favorece a estagnação cognitiva,
ou a regressão de atitudes, em que a criança se comporta como se es-
tivesse mais infantil emocionalmente; em ambos os casos, foi salutar
para aliviar a tensão e fortalecer a esperança: “sofro agora, mas terei o
alimento que desejo em breve”.

CAPÍTULO
5
BRINCAR COM AS MÃOS E A IMAGINAÇÃO NA HOSPITALIZAÇÃO COM PRECAUÇÃO 135
A arte-terapia utilizando-se “do fazer arte” como base de comu-
nicação no processo terapêutico, leva o indivíduo a ampliar a percep-
ção de si e a autoconsciência, podendo lidar no campo virtual das po-
tencialidades e possibilidades, contatando com a própria criatividade
e materializando, então, o que foi idealizado. Ela se preocupa com a
pessoa como um todo em relação ao contexto social – atua sob o para-
digma holístico. Assim, semelhantemente, é o que acontece quando a
criança brinca, pois adentra no universo simbólico de empoderamen-
to, atribuindo-se domínio ou poder sobre a situação criada, cujas vi-
vências são ensaios para futuras ações na realidade, quando mais velho.
Exemplificado como o desejo de A/, de ser professora, ou de B/, de ser
vendedor de comida.
Para a arte-terapia, a criança sadia que muito brinca, principal-
mente com a imaginação expressa pelo ato motor do desenhar, o de-
senvolvimento gráfico ocorre paralelamente àquele geral (cognitivo e
afetivo) da criança, pois, ao produzir imagens, ela se re-conhece como
um agente de si mesma, a protagonista de suas ações. Pelo brincar a
cognição se desenvolve, permitindo que a criança entenda seu mundo
físico, pela inteligência prática, e o universo dos símbolos, pela inteli-
gência operatória abstrata - constituída pelo pensamento, imaginação,
memória, raciocínio e linguagens expressivas, que favorecem a mani-
festação de seus sentimentos e da agressividade.
No Estágio Pré-Operacional (dos 04 a 07 anos) ocorre o realismo
intelectual e a criança desenha a partir de um modelo interno, eviden-
ciando as transparências e a presença de expressionismo e subjetivismo.
No caso de A/ e B/, pertencentes ao Estágio das Operações Concretas
(dos 07 a 11 anos) há a diminuição da subjetividade e a criança passa
a desenhar a realidade visível. As figuras humanas tornam-se mais pro-
porcionais, sem transparências e as cores são mais convencionais em
virtude do realismo visual. Observamos, então, quão o desenho é um
importante recurso de comunicação e representação da criança sobre a
qualidade do ambiente, em que vive e interage, bem como a produção
em modelagem, vistos pelo ursinho com flor (A/) e o pokemon (B/),
configurações do universo lúdico e afetivo dessas crianças.
O desenho associado à estória, como técnica de investigação clí-
nica na área da saúde mental, permite a compreensão acerca dos aspec-
tos emocionais das crianças hospitalizadas, pois mesmo doentes, elas
têm necessidade de brincar e se movimentar, de ter alguém com quem
interargir ludicamente, para se adaptar e elaborar as exigências e restri-

136 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


ções da situação de hospitalização. Assim, os dados encobertos, laten-
tes ou inconscientes da personalidade, que apesar de identificados, mas
não comentados neste estudo, foram revalorizados psicologicamente
pelo brincar e manifestos nas produções realizadas – Uma Menina no
Hospital por (A/) e História da Felicidade e da ‘Timideza’ por (B/).
Portanto, o brincar proporcionou bem-estar psíquico e psicoló-
gico nas crianças, cujas representações expressas pelas mãos infantis
evidenciam e corroboram o que já foi mencionado: se a criança estiver
doente e poder contar com a presença de alguém criativo, com quem
possa compartilhar o brincar, é de imenso valor em situação de cons-
trição hospitalar infantil.

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CAPÍTULO 6
BRINQUEDOTECAS BRASILEIRAS: UM JOGO
DE SITUAÇÕES, CONDIÇÕES E OBJETIVOS
HETEROGÊNEOS

Leila Lira Peters1


Mariana Zamberlan Nedel2

INTRODUÇÃO

Como parte das atividades realizadas no estágio pós-doutoral da


Professora Leila Lira Peters3, apresentamos uma parte das informações
resultantes do estudo comparativo entre as brinquedotecas francesas e
brasileiras, quanto às condições objetivas e metodológicas de funcio-
namento e ao uso ou não de jogos eletrônicos, relativas ao perfil das
brinquedotecas brasileiras.
As informações fornecidas por meio dos dados que serão apresen-
tados demonstram que existe uma grande variedade de brinquedotecas
brasileiras com situações, condições e objetivos bastante heterogêneos.
Porém, compreendemos que, mesmo se as brinquedotecas possuem
objetivos variados que lhes direcionam o foco do olhar, o fundamental
1 Professora da Universidade Federal de Santa catariana – UFSC do Colégio de Apli-
cação/CED/UFSC.
2 Professora da Universidade Federal de Santa catariana – UFSC do Colégio de Apli-
cação/CED/UFSC.
3 Pesquisa financiada com recursos da Capes 2013/2014.
é que elas se aproximem da meta principal: oferecer a possibilidade
de brincar num espaço com materiais lúdicos pensados e organizados
para tal.

Indicações sobre as condições metodológicas da pesquisa: para


um início de conversa

Objetivando organizar situações comparativas entre as informa-


ções obtidas e os dados tratados, utilizamos a mesma metodologia de
pesquisa proposta no estudo de Berry, Guitard e Roucous (2006) sobre a
presença de jogos eletrônicos em brinquedotecas. Esse levantamento rea-
lizou-se através da aplicação de um questionário online e/ou via telefone.
O questionário foi traduzido para o português e adaptado à reali-
dade brasileira. A pesquisa junto às brinquedotecas brasileiras ocorreu
igualmente através de um questionário aplicado, de forma online, de-
senvolvido e aplicado através do Google Drive, e/ou via telefone.
Em ambas as pesquisas, o questionário foi composto por ques-
tões abertas e fechadas de múltipla escolha. Mesmo para as questões
fechadas havia a possibilidade de utilização do item “outros”.
Uma primeira parte do questionário foi relativa às questões gerais
sobre as brinquedotecas quanto aos aspectos estruturais: espaço, equi-
pamentos, funcionários, e quanto ao funcionamento, além de uma pré
sondagem acerca do uso de jogos eletrônicos. Havendo a existência de
jogos eletrônicos, questões visando ao aprofundamento do uso, objeti-
vos e sua organização foram propostas, bem como a justificativa de sua
existência ou não na brinquedoteca.
Após a realização de testes pilotos, os questionários foram enca-
minhados para sua aplicação de 26/03/2014 a 10/05/2014.
Na França, o questionário foi encaminhado ao conjunto das
brinquedotecas associadas à ALF em 2008. Das 603 brinquedotecas
associadas, obtiveram 507 questionários completados, totalizando
84% de participação. Entre as 96 brinquedotecas restantes, em 49 não
havia telefone fixo e nas 47 outras brinquedotecas os motivos foram
variados: número indisponível e não válido, indisponibilidade em par-
ticipar e brinquedotecas fechadas.
Já no Brasil, a realidade não foi semelhante. Para ter acesso
às brinquedotecas, inicialmente contatamos a Associação Brasileira de
Brinquedotecas (ABBri) e solicitamos a lista das brinquedotecas asso-

144 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


ciadas em 2014, comprometendo-nos a resguardar o sigilo das infor-
mações. Nessa lista, encontramos 224 brinquedotecas associadas. Em
46 delas não constavam contatos de e-mail e telefônicos, restando 178
contatos de e-mails válidos. Apenas 72 brinquedotecas possuíam con-
tato telefônico próprio (9 celulares), resultando 63 deles. Além disso,
havia 136 números de telefones pessoais (60 celulares), resultando 76
possibilidades de contatos.
Para ampliar nosso estudo, resgatamos no site do Laboratório de
Brinquedos e Materiais Pedagógicos (LAPRIMP) o contato de brinque-
dotecas no seu banco de dados. Nele, encontramos uma lista de 520
brinquedotecas, centros de pesquisas, entre outras. Dessa lista, consegui-
mos resgatar 240 contatos de e-mails válidos e 165 contatos telefônicos.
Além disso, publicamos um convite para a participação geral
na pesquisa pelo jornal “Quem quer brincar” em 29/03, relançado em
29/04, e enviamos um convite para os conselheiros da ABBRi e para a
publicação no seu Informativo. Inicialmente, tivemos um retorno de
apenas 14 brinquedotecas.
Foram enviados 418 e-mails coletados entre os 178 contatos da
lista da ABBri e os 240 e-mails do site do LABRIMP em 30/03/2014.
Até 22/04 obtivemos apenas 10 questionários respondidos. Relançamos
o convite em 22/04, e apenas mais 4 questionários foram respondidos.
É interessante destacar o fato de que as primeiras brinquedotecas
que responderam ao questionário possuíam jogos eletrônicos no seu
espaço, fato este que pode tê-las motivado a participar da pesquisa.
Mas com a participação das demais, logo a diferença entre as que for-
neciam ou não tais jogos começou a aumentar. Consideramos que a
pouca participação das brinquedotecas decorreu da inexistência desse
tipo de serviço na maioria delas, não se sentindo contempladas pela
demanda, mesmo com a explicação do posterior desenvolvimento do
perfil das brinquedotecas brasileiras.
Passamos então à etapa da realização de contatos telefônicos dis-
poníveis da lista da ABBri e do LABRIMP. Das tentativas de contatos
telefônicos com as brinquedotecas associadas à Abbri, em 49 delas ob-
tivemos sucesso em realizar o convite e enviar o link para a partici-
pação na pesquisa. Uma brinquedoteca respondeu por telefone e 20
responderam online. Conseguimos entrar em contato telefônico com
59 das brinquedotecas citadas na lista do LABRIMP, nos quais foram
encaminhados os links dos questionários online. 15 delas responderam

CAPÍTULO BRINQUEDOTECAS BRASILEIRAS: UM JOGO DE SITUAÇÕES, CONDIÇÕES E


6 OBJETIVOS HETEROGÊNEOS 145
de forma online, e mais 3 entrevistas foram realizadas via contato tele-
fônico. Porém, em ambos os casos, grande parte delas, como na Fran-
ça, não puderam ser contadas por vários motivos, tais como: número
indisponível e inválido, indisponibilidade de tempo e/ou pelo fato das
brinquedotecas não existirem mais.
Porém, o que mais nos chamou a atenção foi a dificuldade de
contatar a pessoa responsável pelas brinquedotecas a fim de realizar o
convite para participar da pesquisa. Como poderemos observar nos da-
dos aqui analisados, grande parte das brinquedotecas brasileiras locali-
zam-se em instituições outras que lhes dão suporte, tais como escolas,
universidades e hospitais. No caso, em grande parte delas foi necessário
realizar várias vezes a ligação para encontrar a diretora da escola, a
coordenadora do curso de Pedagogia, e/ou o chefe do departamento/
setor do hospital no qual a brinquedoteca estava inserida para realizar
o convite. Além da dificuldade de chegar no próprio setor da brinque-
doteca. Apesar de todas as tentativas, tivemos uma participação abaixo
do esperado, com um total de 53 brinquedotecas que responderam ao
questionário, cujo perfil será descrito a seguir.

DESENVOLVIMENTO

Panorama das brinquedotecas brasileiras pesquisadas

Dos 27 estados brasileiros, 19 foram representados na pesquisa.


Observamos uma concentração de 13 brinquedotecas na região Sul, 13
no Sudeste, 11 no Norte, 8 no Nordeste e 8 no Centro Oeste. Destaca-
mos a presença de 10 brinquedotecas em São Paulo e 6 no Paraná. Das
brinquedotecas participantes, observamos uma presença maior em ci-
dades com mais de 500.000 mil habitantes, perfazendo 51% delas.
Em relação ao estatuto das brinquedotecas que determina de cer-
ta forma, as fontes de financiamento, as mesmas se configuraram em
(n=11; 21%) associativas, (n=5; 10%) municipais, (n=7; 13%) estadu-
ais, (n=5; 9%) federais e (n=25; 47%) particulares.
Observamos, igualmente, que 87% delas estão integradas a al-
guma estrutura que lhes oferece suporte. Das brinquedotecas pesqui-
sadas, (n=16; 30%) estão vinculadas a universidades, (n=12; 22%)
hospitais, (n=10; 19%) escolas, (n=3; 6%) biblioteca/museu do brin-

146 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


quedo, (n=2; 4%) comércio, (n=1; 2%) APAE, (n=1; 2%) Clube,
(n=2; 4%) outras (igreja e parque ecológico). Apenas (n=6; 11%) delas
afirmam não se vincularem a outras estruturas.
Essa realidade nos levou a categorizá-las por tipos de brinquedo-
tecas: Independentes (n=6; 11%), Escolares (n=10; 19%), Universi-
tárias (n=16; 30%), Hospitalares (n=12; 23%), e Outras (n=9; 17%).
Constata-se que uma das grandes especificidades de nossas brin-
quedotecas é de filiarem-se a outras estruturas, com destaque para es-
colas, universidades e hospitais, o que resulta em 72% delas. As demais
28% parecem se aproximar de centros de lazer, tais como clubes, par-
ques ecológicos, museus, bibliotecas, etc.
Observamos a tendência das brinquedotecas Escolares (n.10) e
Universitárias (n.13) filiarem-se mais a instituições privadas do que
públicas. Podemos constatar 6 escolas privadas, 2 escolas municipais,
1 estadual e 1 federal, assim como, 10 faculdades privadas, 1 faculdade
estadual e 2 federais. As Hospitalares vinculam-se prioritariamente às
instituições associativas (n.5) e públicas (1 municipal, 3 estaduais e 2
federais) do que particulares (n.1). As Outras, também se vinculam
preferencialmente às instituições associativas (1 biblioteca, 1 parque
ecológico, 1 museu, 1 clube e 1 igreja), seguidas igualmente de públi-
cas estaduais (1 Apae e 1 biblioteca/museu) e particulares (2 comér-
cios). Já as Independentes afirmam possuir o estatuto de particulares
(n.3), seguidas de municipais (n.2) e associativas (n.1).
Em relação ao ano de criação das brinquedotecas, observarmos
que entre 2000 e 2010 houve uma crescente abertura de novos es-
paços, com 66% de brinquedotecas implantadas nessa época. Porém,
observamos uma crescente queda desde então. Perguntamo-nos: qual
seria a razão dessa concentração neste período específico?
As brinquedotecas que se destacam nesse período são as brinque-
dotecas escolares, universitárias e hospitalares. Observamos uma ten-
dência no aumento das brinquedotecas Outras e Independentes após
esse período.

Objetivos, modo de funcionamento, espaço, tempo, público e


recursos

Segundo a ALF, as brinquedotecas, ou ludotecas, são concebidas


como espaços culturais onde se pratica o livre brincar, o empréstimo

CAPÍTULO BRINQUEDOTECAS BRASILEIRAS: UM JOGO DE SITUAÇÕES, CONDIÇÕES E


6 OBJETIVOS HETEROGÊNEOS 147
e as animações lúdicas. Sua estrutura volta-se para jogos e brinquedos
que lhes permitam receber um público de todas as idades. Local ge-
renciado por ludotecárias (no Brasil, chamadas de brinquedistas), sua
missão é de “oferecer o brincar”. Formada do latim “ludus” e do grego
“theke” (local de depósito), o neologismo “ludoteca” designa assim um
endereço ou uma coleção de jogos e brinquedos que é disponibilizada
a um público por uma duração de terminada.
Porém, Chiarotto (1991, p.74) as considera como “um local de
empréstimo, mas também de encontro, de animação sociocultural, de
documentação e de reflexão para e pelo jogo”. Privilegiando o jogo
livre, elas oferecem o brincar, propondo um material rico e adaptado
(jogos e brinquedos) num espaço organizado e pensado, com a inter-
venção do adulto que se limita a um acompanhamento das proposi-
ções das crianças (ROUCOUS e BROUGÈRE, 1998, p. 91-98).
As brinquedotecas brasileiras pesquisadas parecem privilegiar os
jogos e brinquedos para uso no local, pois 72% delas afirmam fornecer
apenas este tipo de serviço. Observamos que 1 universidade federal e
1 hospital estadual oferecem apenas o serviço de empréstimo (4%), e
24% delas oferecem ambos os serviços.
No que se refere aos objetivos das brinquedotecas, devido à proxi-
midade dos seus conteúdos, achamos pertinente realizar uma análise a
partir dos tipos de brinquedotecas, aqui categorizadas, tentando buscar
o que é comum e o que as diferencia, destacando suas especificidades.
Nas brinquedotecas escolares, é possível identificar que, através,
no e ao brincar buscam oferecer situações de aprendizagem e desenvol-
vimento de competências, articulando com os conteúdos escolares e
com o desenvolvimento do raciocínio lógico. No brincar, também ob-
jetivam o desenvolvimento da socialização, da autonomia, da expressão
dos sentimentos e afetos, assim como da resiliência nas crianças. Ga-
rantir, possibilitar e ampliar a cultura lúdica também apareceu como
um dos objetivos principais, através de atividades predominantemente
livres e direcionadas, sendo a mediação considerada como importante
nesse processo.
Nas brinquedotecas universitárias observamos o discurso de de-
mocratização do acesso ao brincar, quando acolhe crianças externas à
comunidade universitária ou aos filhos de funcionários. Organizadas
em forma de laboratórios, buscam articular teoria e prática. Nessas
brinquedotecas, o brincar pode ser compreendido e conceituado pelos

148 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


acadêmicos através da experiência em vivências lúdicas, estágios, obser-
vações e intervenções. Destacam sua importância na formação inicial
dos acadêmicos através de sua participação em projetos de pesquisas
e de cursos, além de proporcionar a formação continuada através de
atividades de extensão. Com isso, esperam estabelecer relações com os
conteúdos das diferentes disciplinas ministradas ao buscar desenvolver
um olhar interdisciplinar sobre o brincar e a criança.
As brinquedotecas hospitalares buscam oferecer um ambiente
acolhedor e de entretenimento, a fim de proporcionar o bem-estar
e autoconfiança às crianças e aos seus acompanhantes, fortalecendo
vínculos familiares. Nesse espaço, buscam amenizar situações de stress,
ansiedade e medo decorrentes da experiência de internação, através de
atividades lúdicas que ajudem às crianças a apreender e a se expressar
nessa nova realidade. Além disso, buscam situações estimulantes para
dar continuidade ao desenvolvimento das crianças. Situações lúdicas
e alegres, decorrentes do brincar, são consideradas fundamentais na
recuperação das crianças.
Nas brinquedotecas “Outras”, podemos identificar, igualmen-
te, diferentes objetivos. Nas brinquedotecas ligadas às bibliotecas e ao
museu, destacam a possibilidade de oferecer encontros lúdicos, mas,
sobretudo, de promover e difundir um conjunto de atividades e de
acervos de jogos e brincadeiras em programas permanentes de ação
cultural. Consideram que a preservação, a pesquisa e a comunica-
ção fazem parte de um trinômio do patrimônio cultural lúdico - não
somente infantil, mas de todas as gerações.
Nas brinquedotecas ligadas à APAE e à igreja, observamos o des-
taque para a integração comunitária, a expressão da linguagem e a pos-
sibilidade de alternativas lúdicas para as famílias e para as crianças com
necessidades especiais e/ou de baixa renda.
As brinquedotecas ligadas ao comércio e clubes destacam a possibi-
lidade de fomentar e oportunizar o brincar. É interessante perceber que as
atividades de recreação e a importância dos aspectos ligados à manifestação
de necessidades lúdicas, visando ao “prazer” de brincar livre, sem restri-
ções, foram seus objetivos principais. Buscam oferecer um espaço criativo,
alegre e afetuoso, onde as crianças aprendem os limites e as possibilidades
de suas ações nas próprias regras dos jogos e das brincadeiras.
Já nas brinquedotecas Independentes, observamos igualmente
vários objetivos diferentes. A princípio, possibilitar o brincar para as

CAPÍTULO BRINQUEDOTECAS BRASILEIRAS: UM JOGO DE SITUAÇÕES, CONDIÇÕES E


6 OBJETIVOS HETEROGÊNEOS 149
crianças e seus familiares, deslocam-se em diferentes pontos das ci-
dades e recebendo crianças de escolas, com vulnerabilidade social ou
não, no turno e no contraturno escolar. Também recebem crianças
para brincar em inglês, visando aprender outra língua de forma esti-
mulante e divertida.
Mesmo se as brinquedotecas pareçam possuir objetivos variados
que lhes direcionam o foco do olhar, o fundamental é que se aproxi-
mam da meta principal: oferecer a possibilidade de brincar num espa-
ço com materiais lúdicos pensados e organizados para tal. Mesmo se o
que cada uma das brinquedotecas olhe e faça disso seja diferente.
Observamos que se voltam predominantemente para o público
infantil, com 69% deles. E, quando aprofundamos a questão sobre os
principais usuários, novamente o público infantil se destaca, com 85%
delas, contra apenas 4% de adolescentes. Dos 11% dos adultos acom-
panhantes ou jogadores, encontramos citados 1 usuário em 1 brinque-
doteca independente (particular), 2 em Outras (Apae/estadual e Parque
Ecológico/associativa) e 2 em universitárias (1 particular e 1 federal).
Em relação ao número aproximado de usuários semanais, per-
guntamos sobre a frequência de usuários individuais, de famílias e de
grupos. Mesmo sabendo da dificuldade em responder à questão em
decorrência do fato de que o fluxo nem sempre pode ser previsível, re-
solvemos tabular os dados por tipo de brinquedoteca para ver se havia
uma relação entre o tipo e o número de usuários acolhidos.
Observamos que as brinquedotecas escolares parecem receber
um maior fluxo semanal de crianças. Isto através da citação de um nú-
mero maior e mais constante de crianças e de grupos da própria escola
que a frequentam semanalmente. Porém, sem vínculo com as famílias.
As brinquedotecas universitárias tendem a receber um fluxo me-
nor de visitantes semanal, em comparação com as escolares. Depois
das escolas, na média, parecem receber igualmente um menor número
de grupos exteriores à instituição e de famílias.
Já as hospitalares parecem receber um fluxo maior de visitantes
acompanhados por suas famílias. Esse fluxo maior de famílias tende a
aparecer igualmente nas Outras e nas brinquedotecas Independentes.
Os números são imprecisos, porém observamos aparecer 8 res-
postas Zero quanto à presença das famílias nas escolares, 6 Zeros nas
universitárias, 4 Zeros nas hospitalares e Independentes e 4 Zeros nas
Outras. Por outro lado, não encontramos nenhum Zero quando se

150 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


trata nas respostas sobre a presença de grupos nas escolares, 2 nas uni-
versitárias, hospitalares e Independentes, e 5 nas Outras.
Em relação ao espaço disponível, observamos uma distribuição
heterogênea do espaço, que varia de 10m² a mais de 300m², com o
destaque das brinquedotecas entre 50 a 70 m², com 21% das respostas.
Retabulamos os dados em três grandes medidas que parecem equili-
brar sua distribuição: 40% das brinquedotecas afirmam possuir menos
de 50m², 32% entre 50 e 100m² e 28% mais de 100m².
As brinquedotecas escolares são as que possuem espaços menores,
abaixo de 50m². As hospitalares também se destacam na menor me-
tragem, sendo as respostas distribuídas igualmente entre 50 a 100m²
e mais de 100m². Entre as hospitalares, há apenas uma brinquedoteca
com mais de 300 metros.
As universitárias tendem a possuir entre 50 a 70m², sendo que 3
particulares oferecem entre 150 a 200m².
Observamos uma tendência a aumentar a metragem nas brin-
quedotecas Independentes, que possuem o maior número com mais
de 300m², com destaque para 2 particulares; e as Outras com 1 parque
com mais de 300m e biblioteca e 1 museu do brinquedo com 200m².
No que diz respeito ao tempo semanal de atendimento ao públi-
co, podemos observar que o tempo preponderante é de 20 horas, com
41% das respostas, seguido de 20 a 40 horas com 36% e mais de 40
horas com 23% das informações.
Para uma análise mais detalhada, observamos que as brinquedo-
tecas escolares se destacam no atendimento de 20 a 40h, e as hospita-
lares com mais de 40h. As universitárias, as Outras e as Independentes
parecem destacar-se no atendimento até 20h.
Em relação ao gasto anual aproximado das brinquedotecas, des-
tacam-se as respostas “não sei” e de “até 3.000 reais”, com 28% dos
dados cada uma, seguidas de mais de 50.000 reais com 13%.
Novamente cruzamos as informações sobre o tipo das brinque-
dotecas e, dessa vez, com o estatuto das mesmas para ver se havia ten-
dências. O que parece se destacar é que as brinquedotecas ligadas a
outras estruturas, sobretudo escolares e hospitalares públicas, tendem a
afirmar não saberem o seu gasto anual, pois supostamente, dependem
de decisões de seus superiores. O que pode estar atrelado igualmente
ao seu poder de escolha e de decisão.
Observamos o pouco investimento nas brinquedotecas escolares,
universitárias e hospitalares (públicas) e uma tendência a aumentar os

CAPÍTULO BRINQUEDOTECAS BRASILEIRAS: UM JOGO DE SITUAÇÕES, CONDIÇÕES E


6 OBJETIVOS HETEROGÊNEOS 151
investimentos nas Outras e Independentes que possuem o estatuto de
associativas e particulares.

Discussão dos dados sobre o perfil das brinquedotecas

As informações fornecidas por meio dos dados apresentados de-


monstram uma variedade de brinquedotecas com situações, condições
e objetivos bastante heterogêneos. Porém, podemos destacar tendên-
cias observadas.
As brinquedotecas tendem a se localizar mais nas regiões Sul e
Sudeste e nas cidades com mais de 500 mil habitantes. Supomos que
tais regiões e cidades, com maior suporte econômico, dispõem de mais
recursos e maiores investimentos para o financiamento das brinquedo-
tecas, tanto públicos quanto privados.
Observamos que 66% dessas brinquedotecas passaram a existir
entre 2000 e 2010. Tais brinquedotecas estão frequentemente ligadas
a outras estruturas, tais como escolas, universidades e hospitais. O que
nos levou a desenvolver a hipótese de que esse fenômeno decorre de
avanços legais, sociais e econômicos importantes que ocorreram na úl-
tima década com um governo que parece ter focalizado no bem-estar
social. Além disso, observamos o resultado das conquistas legais ex-
pressas já na Declaração Universal dos Direitos das Crianças (1959) e
no texto decorrente da Convenção dos Direitos das Crianças (1989),
ambos promulgados e adotados pelas Nações Unidas, que foram consi-
derados na elaboração da Constituição Brasileira (1988). A partir dela
foi sancionada a Lei n.8069, que dispõe sobre o Estatuto da Criança
e do Adolescente (1991), que reconhece o “brincar, praticar esporte e
divertir-se” (cap. IV) como parte integrante da formação das crianças.
Constata-se na Declaração Universal dos Direitos da Criança
(1959), que, para ter uma infância feliz, “A criança deve desfrutar ple-
namente de jogos e brincadeiras, os quais deverão estar dirigidos para
a educação; a sociedade e as autoridades públicas se esforçarão para
promover o exercício desse direito” (7o princípio). Portanto, políticas
públicas para a promoção desses espaços são necessárias e pertinentes.
Somam-se a isto, três fatores outros que podem fomentar a hi-
pótese sobre o incentivo à criação de brinquedotecas: 1) a implantação
do artigo 9.394/96 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e
a Resolução nº 7, de 14 de dezembro de 2010, que fixa as Diretrizes

152 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos;
2) a implantação de um item de avaliação dos cursos de Pedagogia feito
pelo INEP; e 3) a instauração da Lei Federal 11.104 de 21 de março
de 2005 (BRASIL, 2005) que indica a obrigatoriedade da inclusão de
brinquedotecas em setores pediátricos de hospitais.
Em 2006 houve a implantação do artigo 9.394/96 da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB), determinando que as crianças
devessem começar a frequentar o 1° ano do Ensino Fundamental com
seis anos completos até o mês de janeiro de 2006, o que ampliou para
9 anos o tempo de escolarização no Ensino Fundamental. Através do
Plano Nacional de Educação (PNE), o Ministério da Educação (MEC)
liberava os estabelecimentos de ensino para construírem seus próprios
planos de ampliação, visando a “um tempo mais longo de convívio
escolar com maiores oportunidades de aprendizagem” (BRASIL, MI-
NISTÉRIO DA EDUCACÃO, 2006, p.9).
Como fundamenta a Resolução nº 7, de 14 de dezembro de
2010, que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental de 9 (nove) anos, tais aprendizagens não se restringem
apenas aos conteúdos curriculares, pois compreende que: “§ 2º As ex-
periências escolares abrangem todos os aspectos do ambiente escolar: aqueles
que compõem a parte explícita do currículo, bem como os que também
contribuem, de forma implícita, para a aquisição de conhecimentos social-
mente relevantes”. (BRASÍLIA, MEC, 2010). Além disso, essa mesma
Resolução destaca a pertinência da escola “(…) de atender às necessida-
des e às características dos estudantes de diversos contextos sociais e culturais
e com diferentes capacidades e interesses” (Ibid).
A nosso ver, a ampliação do Ensino Fundamental para 9 anos,
com a entrada das crianças com 6 (seis) anos na escola, reiterou dis-
cursos que buscavam garantir o direito à expressão da infância e do
brincar na escola, dando abertura para a implantação e justificando a
existência de brinquedotecas escolares.
Além disso, a existência ou não de brinquedotecas deve ser as-
sinalada nos instrumentos de avaliação de Cursos de Pedagogia pelo
INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Aní-
sio Teixeira), o que motivou universidades e faculdades a criarem suas
brinquedotecas em forma de laboratórios de formação. Citamos aqui
os itens referentes à avaliação:

CAPÍTULO BRINQUEDOTECAS BRASILEIRAS: UM JOGO DE SITUAÇÕES, CONDIÇÕES E


6 OBJETIVOS HETEROGÊNEOS 153
“Indicador Conceito Critério de Análise:
3.12 Brinquedoteca
1 Quando o curso não possui brinquedoteca.
2 Quando a brinquedoteca está insuficientemente adequada, consi-
derando os seguintes aspectos: instalações físicas, equipamentos, jogos
educativos e brinquedos.
3 Quando a brinquedoteca está suficientemente adequada, conside-
rando os seguintes aspectos: instalações físicas, equipamentos, jogos
educativos e brinquedos.
4 Quando a brinquedoteca está adequada, considerando os seguintes
aspectos: instalações físicas, equipamentos, jogos educativos e brinque-
dos.
5 Quando a brinquedoteca está plenamente adequada, considerando
os seguintes aspectos: instalações físicas, equipamentos, jogos educati-
vos e brinquedos”. (BRASIL, 2010, p. 14)

Já nos hospitais, sua obrigatoriedade decorreu da Lei Federal


11.104, de 21 de março de 2005 (BRASIL, 2005), de autoria da de-
putada Luiza Erundina, quanto à instalação de brinquedotecas nas
unidades de saúde que ofereçam atendimento pediátrico em regime
de internação, a partir do entendimento de que o brincar no hospital
é importante por contribuir na inibição de sofrimentos e angústias,
“diminuir as sensações desagradáveis (medo, a dor) e para manter o
processo natural de desenvolvimento infantil (processo este que é in-
terrompido quando há uma internação)” (ZAIAS, PAULA, 2009, P.
1251). Segundo a Lei:
Art. 1º Os hospitais que oferecerem atendimento pediátrico con-
tarão, obrigatoriamente, com brinquedotecas nas suas dependências.
Parágrafo único – o disposto no caput deste artigo aplica-se a
qualquer unidade de saúde que ofereça atendimento pediátrico em re-
gime de internação.
Art. 2º Considera-se brinquedoteca, para os efeitos desta lei, o
espaço provido de brinquedos e jogos educativos, destinados a estimu-
lar as crianças e seus acompanhantes a brincar.
Art. 3º A inobservância do disposto no artigo 1º desta Lei con-
figura infração à legislação sanitária federal e sujeita seus infratores às
penalidades previstas no II, do art. 1º da Lei nº. 6.437, de 20 de agosto
de 1977.

154 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Art. 4º Esta lei entra em vigor 180 (cento e oitenta) dias após
a data de sua publicação: Brasília, 21 de março de 2005. (BRASIL,
20015)
Como vemos, essa concentração maior de brinquedotecas es-
colares, universitárias e hospitalares entre 2000 e 2010 foi impul-
sionada pela sanção das leis e processos avaliativos de instituições, o
que demonstra avanços importantes, pois instaura e justifica o seu
direito de existir. Porém, parece não ter havido impulso suficiente
para haver continuidade e controle na sua aplicação e, sobretudo, in-
centivo econômico para tal. Observamos que as Outras brinquedo-
tecas, assim como as Independentes (associativas e particulares), ti-
veram um recente aumento a partir de 2010, o que não aconteceu
nas primeiras. Afirmamos isso a partir do depoimento de responsá-
veis por brinquedotecas hospitalares: “Fico feliz em ver uma pesqui-
sa dessa natureza. Trabalho em brinquedoteca hospitalar e é um desafio
mostrar a importância de uma brinquedoteca dentro do contexto hos-
pitalar, onde a maioria prima pela doença em detrimento do doente.
São anos de luta, passando pela 3ª gestão. A primeira acreditou na sua im-
portância e a criou, a segunda gestão, com um olhar totalmente contrário,
fechou o espaço por 2 vezes, mas com muita luta conseguimos reabrir. A
gestão atual olha com bons olhos”. “Apesar da obrigatoriedade da lei, mui-
tas instituições hospitalares não possuem brinquedotecas, o que é um crime
e uma perda para as crianças e seus familiares. É de suma importância esse
espaço para garantir e oferecer às crianças novas oportunidades e prazerosas
relações de aprendizagens”. No caso das hospitalares, a ABBri investe
esforços junto aos órgãos competentes para fazer valer a Lei e garantir
a implantação e, sobretudo, o funcionamento dessas brinquedotecas.
Ainda em referência aos investimentos, observamos que 68% das
brinquedotecas pesquisadas são mantidas com recursos privados e atra-
vés de associações, e apenas 32% afirmam ser mantidas com recursos pú-
blicos. No entanto, vale lembrar que 87% delas afirmam estarem vincu-
ladas a outras estruturas, principalmente universidades, escolas e hospi-
tais, o que ressalta o baixo investimento em brinquedotecas como espaço
de lazer e público, com pouca autonomia para gerenciar seus recursos e
tomar decisões que lhes concernem. Além disso, os dados demonstram
que 28% delas possuem menos de R$ 3.000,00 de investimento anual.
Mesmo diante dessas dificuldades, avanços e recuos, podemos
observar as especificidades e as diferenças entre os diversos tipos e esta-

CAPÍTULO BRINQUEDOTECAS BRASILEIRAS: UM JOGO DE SITUAÇÕES, CONDIÇÕES E


6 OBJETIVOS HETEROGÊNEOS 155
tutos das brinquedotecas em termos de público atingido, espaço, tem-
po de atendimento.
Algumas tendências puderam ser observadas, tais como o atendi-
mento preferencial ao público infantil de 6 a 12 anos nas brinquedotecas.
O que se destaca é que o fluxo de usuários em brinquedotecas
que recebem menos de 100 usuários semanais é de 50%, num atendi-
mento preponderante de até 20 horas (41%) e num espaço de até 50
m2 (40%).
Porém, se observamos os dados por tipo de brinquedoteca e esta-
tuto, podemos observar que as brinquedotecas escolares (particulares)
são as que apresentam a tendência a receber um maior número de
usuários infantis - entre 100 a 300 -, e de grupos mais constantes, num
espaço menor de 50 m2, num tempo médio de 20 a 40 horas semanais
e recebendo menos recursos para tal (sendo que as próprias professoras
devem atuar como brinquedistas, não recebendo formação para tal).
As brinquedotecas hospitalares (associativas e estaduais/federais)
apresentam a tendência a receber menos de 100 usuários semanais,
apresentando um público mais variado, que abrange famílias e grupos
de diferentes faixas etárias. O espaço que se destaca também é menor
de 50 m2, seguido por uma distribuição igual entre 50 a 100 m2 e mais
de 100 m2. Porém, elas possuem um maior tempo de atendimento
semanal: mais de 40 horas. Quanto aos investimentos, o maior nú-
mero de respostas foi de “não sei” o valor ou entre R$ 3.000,00 a R$
5.000,00 reais anuais.
As brinquedotecas universitárias (particulares/federais) apresen-
tam a tendência a receber menos de 100 usuários por semana, num
tempo médio de até 20 horas semanais e num espaço cuja tendência
é de ser entre 50 a 100m2. Destacam-se, igualmente, os investimentos
de até R$ 3.000,00 reais nas privadas, com algumas com mais de R$
50.000,00 reais. Observamos a tendência de aumentar o valor investi-
do quando se trata de universidade federal.
Já nas Outras brinquedotecas e Independentes, observamos uma
tendência a serem brinquedotecas mais recentes, de cunho particular
ou associativo, que recebem um número menor e mais variado de usu-
ários, num tempo menor de atendimento. Observamos a tendência de
haver espaços maiores e mais recursos para a realização de suas ativida-
des, que se voltam para o lazer e o prazer de brincar.
As brinquedotecas universitárias federais parecem ter mais au-
tonomia no gerenciamento dos recursos e das atividades, três delas

156 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


afirmam criar sua própria forma de gestão de materiais e de gerencia-
mento dos recursos.

Perfil dos membros das equipes de trabalho

Para entender sobre os profissionais que se ocupam dessas brin-


quedotecas, em relação à questão sobre o número dos membros das
equipes, observamos que o valor mais citado fica entre 1 a 5, que cor-
responde a 57% das respostas. Destacamos que em 11 casos existe a
afirmação de possuir apenas 1 membro na brinquedoteca. As profes-
soras também foram citadas como membros indiretos da equipe da
brinquedoteca (escolar e universitária particular).
Para maiores informações sobre os membros da equipe, foram pro-
postas fichas individuais a serem preenchidas para cada um deles. Porém,
tal fato impediu a análise mais apurada sobre sua relação com o tipo
da brinquedoteca e com o seu estatuto, pois impossibilitou realizar-
mos sua relação com as questões anteriores dos questionários.
Foram preenchidas 122 fichas. A partir delas, observamos que
86% dos membros da equipe são do sexo feminino e apenas 14% do
sexo masculino. Portanto, se fizermos a média desses 122 membros,
teremos 3 funcionários por brinquedoteca.
A idade dos membros da equipe varia consideravelmente. No ge-
ral, a idade que mais se destaca é entre 20 a 25 anos, com 22% dos
dados. Porém, se agruparmos a idade dos membros com menos de 30
anos (n=47; 38%), de 30 a 40 anos (n=27; 22%) e com mais de 40 anos
(n=48; 40%), parece haver um maior equilíbrio nesta distribuição.
Realizamos então uma nova tabulação, juntando as funções pre-
definidas com outras funções citadas que entraram na categoria de ani-
madores da brinquedoteca. Neste caso, os animadores (brinquedistas,
terapeutas e pedagogos) passaram em primeiro lugar (n=67; 55%), em
segundo lugar os coordenadores (n=41; 34%), e a equipe de apoio em
terceiro (n=11; 9%) e SR (n=3; 2%).
Salientamos que 90% dos questionários foram respondidos pelos
próprios coordenadores das brinquedotecas, 6% das brinquedistas e
4% outros sujeitos.
No que diz respeito ao tipo de vínculo dessas pessoas, os fun-
cionários se destacam em número (n=58; 47%), seguidos de estagiá-
rios/bolsistas (n=41; 34%), de voluntários (n=11; 9%), proprietários
(n.3=2%), outros (n. 3= 2%) e sem resposta (SR) (n.6=6%).

CAPÍTULO BRINQUEDOTECAS BRASILEIRAS: UM JOGO DE SITUAÇÕES, CONDIÇÕES E


6 OBJETIVOS HETEROGÊNEOS 157
Observamos a tendência dos animadores das brinquedotecas
possuírem vínculo como bolsistas e estagiários. Assim como, a função
do coordenador ser realizada por funcionários, possivelmente contra-
tados pela instituição para realizarem outras funções, tais como: tera-
pêuticas, pedagógicas ou administrativas, nas quais a brinquedoteca
está vinculada.
Da mesma forma, observamos a tendência dos membros da equi-
pe com menos de 30 anos ocuparem as funções de bolsistas/estagiários,
sem vínculo empregatício. Já a idade dos funcionários tende a aumen-
tar a partir dos 40 anos. Interessante observar que os trabalhos volun-
tários são realizados igualmente por pessoas com mais de 40 anos.
Em relação ao tempo de contrato semanal, o que se destaca é o
contrato de 20 horas semanais (n=42; 34%). Se as somarmos aos que ci-
taram menos de 20 horas, tais dados correspondem a 59% do tempo do
trabalho. 40 horas semanais são citadas por 23% das repostas e SR (6%).
Em relação à formação dos membros da equipe, destacamos que
apenas 10% deles não possuem formação universitária (1% Ensino
Fundamental, 9% Ensino Médio). Dos (46%) membros que afirmam
possuir apenas graduação na formação universitária, (26%) ainda é
incompleta. Já (26%) possuem especialização, (8%) mestrado e (8%)
doutorado, SR (2%).
As áreas de formação universitária que mais se destacam são
na Pedagogia/Educação (n=61), Educação Física (n=14) e Psicologia
(n=13), seguidas por Arte e Saúde (n=6) e outras (n=9) (Design 1, Pu-
blicidade 1, Arquitetura 1, Serviço Social 2, Assistente Social 1, Biolo-
gia 2, Científico 1). Porém, em 53% das respostas afirmam não possuir
formação específica sobre brinquedotecas.
Das formações sobre brinquedotecas citadas, podemos relatar
tipos de formações variadas que agrupamos em categorias: cursos da
Abbri (19 respostas); cursos de extensão, formação e disciplinas em
universidades (21 respostas); cursos da Ecobrinquedoteca do Parque –
SP (7 respostas); e outros (13 respostas): Serpiá, Instituto Indianópolis,
Curso Brinquedista USO - coord. Tizuko Kishimoto, Escola Oficina
Lúdica - Adriana Friedman, Cecilia Aflalo e Raquel Altman, além de
cursos de mestrado e doutorado citados.

158 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Discussão sobre o perfil das equipes : trabalho precário mas com
devir...

Os dados evidenciam que as equipes de trabalho são constituídas


em média por 3 membros, responsáveis em garantir a organização e
o funcionamento da brinquedoteca. Os mesmos são, predominante-
mente, do sexo feminino (86%).
Essa predominância feminina nas equipes de trabalho em brin-
quedotecas pode ser vista, de forma geral, por estar associada tradicio-
nalmente à infância e à educação, e ao investimento feminino nesse
mercado de trabalho. Assim, supostamente, pode indicar a precarie-
dade do trabalho de brinquedista/ludotecária. Precariedade a que as
mulheres estão mais expostas na sociedade de forma geral.
Além disso, salientamos a dificuldade em definir o perfil dos tra-
balhadores em brinquedotecas, pois esse é um métier que ainda não é
reconhecido no mercado de trabalho brasileiro. A diversidade de tipos
de brinquedotecas resultantes das diferentes estruturas que as acolhem
também dificultou a tarefa.
Isso se evidenciou na questão sobre as funções realizadas na brin-
quedoteca, que foram inicialmente categorizadas em coordenador/res-
ponsável, animador/organizador e equipe de apoio. Tivemos 34% de
coordenadores, 55% de animadores, 9% de equipe de apoio e 2% SR.
Fomos então buscar mais detalhes sobre o que seriam esses “outros”
que, na verdade, correspondiam a uma grande variedade de funções
citadas para os animadores das brinquedotecas: brinquedistas, tera-
peutas e pedagogos. Esses profissionais receberam diferentes formas
de denominações, tais como: brinquedistas, ludoeducador, ludote-
cária, pedagoga brinquedista, instrutora, discente, atendente. Como
terapeutas: psicólogos, supervisor, terapeutas, auxiliar de reabilitação,
assistente social. E professores, educadores, etc. Acrescentando as no-
vas funções para as pessoas animadoras do espaço, a mesma passou a
representar 55% dos membros das equipes. Tal fato parece evidenciar
uma fragilidade de identidade nesse campo de trabalho.
Sobre o tipo de vínculo com a instituição 47% dos membros são
funcionários contratados, 34% estagiários/bolsistas, 9% voluntários,
2% proprietários, 2% outro e 6% SR. Lembramos que nos foi impos-
sível estabelecer relação entre o vínculo de funcionário à brinquedoteca
ou à função outra na qual está contratado para atuar na estrutura que

CAPÍTULO BRINQUEDOTECAS BRASILEIRAS: UM JOGO DE SITUAÇÕES, CONDIÇÕES E


6 OBJETIVOS HETEROGÊNEOS 159
lhe dá suporte. Neste caso, observamos a tendência dos animadores
das brinquedotecas possuíram vínculo como bolsistas e estagiários e a
função de coordenador ser realizada por funcionários, possivelmente
contratados pela instituição à qual a brinquedoteca está vinculada.
Como vimos, a idade dos membros da equipe varia considera-
velmente. No entanto, a idade que mais se destaca é de 20 a 25 anos
(n=17; 22%). Quando realizamos a relação entre idade e tipo de vín-
culo, observamos a tendência dos membros da equipe com menos de
30 anos ocuparem as funções de bolsistas/estagiários, sem vínculo em-
pregatício. Já a idade dos funcionários tende a aumentar a partir dos 40
anos vinculado à instituição. Interessante observar que os trabalhos vo-
luntários são realizados igualmente por pessoas com mais de 40 anos.
No que diz respeito ao tempo de trabalho, 59% deles afirmam
trabalhar até 20 horas semanais na brinquedoteca.
Destacamos o alto nível de formação dos brinquedistas. Apenas
10% deles não possuem formação universitária, e dos 46% membros
das equipes que afirmam possuir apenas graduação na formação uni-
versitária, 26% deles é ainda incompleta, o que demonstra o grande
número de estagiários/bolsistas atuando como brinquedistas.
As áreas de formação que mais se destacam são pedagógicas, liga-
das aos cursos de Pedagogia, Educação Física, Arte, Biblioteconomia, e
áreas da saúde e Psicologia. Tais dados evidenciam num primeiro mo-
mento a precariedade do trabalho dos animadores das brinquedotecas
e sua falta de identidade. Tal função parece estar sendo feita, em gran-
de parte, por discentes das universidades e sem vínculo empregatício,
caracterizando-se como um local de passagem e efêmero. E no caso,
nas escolas, como uma carga de trabalho a mais para as professoras
que acompanham as turmas e se tornam responsáveis, igualmente, pela
organização e animação do espaço, pois parece não haver a contratação
de brinquedistas para tal.
No entanto, as universidades parecem estar ocupando um espaço
importante na formação dos brinquedistas brasileiros, visto que grande
parte deles não possui formação específica para tal, como, por exem-
plo, a propiciada pela ABBri
Como vimos, apareceu indiretamente nos dados a crescente con-
tratação de pedagogos em hospitais para atuarem como animadores
das brinquedotecas hospitalares, ampliando assim o mercado de traba-
lho dessa profissão. Neste caso, existe a possibilidade de serem contra-

160 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


tados com vínculo empregatício, mesmo que contratado para realizar
funções outras. A Lei ainda é limitada, uma vez que não faz menção à
formação dos profissionais que devem atuar neste ambiente. Porém, “a
deputada Erundina (2005) relatou posteriormente que a brinquedote-
ca não é somente um amontoado de brinquedos, mas requer também a
presença de técnicos, psicólogos, pedagogos de modo a intervir nestes
espaços de maneira adequada” (ZAIAS, PAULA, 2009, p. 1252).
As universidades parecem investir nessa formação, basta observar
os objetivos propostos descritos no capítulo anterior. Observamos que
as universidades públicas tendem a apresentar uma maior autonomia
para gerenciar seus recursos e investir em pesquisas que contribuam
para a formação gratuita e para o (re)conhecimento (das)sobre brin-
quedotecas. Acreditam que quem nelas atue como bolsista passe a
conhecer, acreditar e disseminar a ideia, criando novos espaços. Além
disso, os alunos bolsistas têm a possibilidade de ampliar suas expe-
riências com um auxílio financeiro para suas despesas pessoais, o que
parece ser uma boa iniciativa que poderá ter reflexos como futuros
profissionais em brinquedotecas hospitalares. Mesmo não resolvendo
sobre a questão da inexistência da profissão de brinquedistas, pode
iniciar o debate...

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Optamos em socializar apenas uma parte dos resultados da nossa


pesquisa relativa às brinquedotecas brasileiras. Porém, pesquisadores,
educadores e interessados das mais diversas instituições podem se de-
bruçar tanto sobre os instrumentos da nossa pesquisa quanto aos seus
resultados estatísticos acessando o site do Laboratório de Brinquedos
do Colégio de Aplicação (LABRINCA)4 e aprofundar questões que
lhes interessem em novas pesquisas e em outros debates.
Apesar do número relativamente reduzido de participantes do
nosso estudo, foi possível encontrar tendências nas quais buscamos
analisar de forma crítica e qualitativa, a fim de evidenciarmos gene-
ralizações e algumas peculiaridades da nossa realidade. No entanto,
assumimos os limites deste trabalho em aprofundar as especificida-
des quanto aos tipos de brinquedotecas evidenciados, por sua grande
heterogeneidade e pela necessidade de produzir um panorama geral

4 http://labrinca.paginas.ufsc.br/

CAPÍTULO BRINQUEDOTECAS BRASILEIRAS: UM JOGO DE SITUAÇÕES, CONDIÇÕES E


6 OBJETIVOS HETEROGÊNEOS 161
das mesmas em termos de estruturas, de organização, de vínculos e
de objetivos.
Observamos como são muitas as limitações estruturais das brin-
quedotecas brasileiras e a falta de autonomia no gerenciamento de seus
poucos recursos. Estes espaços dependem de decisões advindas de seus
superiores, diretores de escolas, hospitais, ou gerenciadores de projetos
de pesquisa nos quais estão atrelados. Infelizmente, se observamos uma
tendência na gestão governamental de diminuírem subvenções para
serviços públicos, tais como educação e saúde, menor ainda serão os
recursos voltados para espaços públicos de lazer, tais como a implan-
tação de brinquedotecas públicas voltadas simplesmente para garantir
o direito de brincar às crianças. Mas isto nunca foi e nem será motivo
para desistirmos do nosso ideal, visto que como para as crianças “Tudo
se resolvia com cambalhotas”. (BARROS, 2010, P. 164).

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166 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


CAPÍTULO 7
SITUAÇÕES EM JOGO NA ERA DIGITAL: EXISTE
LIMITE ENTRE REAL, VIRTUAL E IMAGINÁRIO?

Leila Lira Peters1

INTRODUÇÃO

Não podemos mais pensar a escola distanciada da cultura midi-


ática, na qual as crianças vivem na atualidade. Essa cultura, inevitavel-
mente, trouxe transformações em suas formas de brincar, aprender e
de apreender a realidade. Novas experiências acontecem em ambientes
virtuais e trazem outros modos de as crianças estabelecerem relações
entre si e a cultura. Em uma pesquisa realizada com alunos dos Anos
Iniciais do Colégio de Aplicação (CA) da Universidade Federal de San-
ta Catarina (UFSC), constatamos que grande parte deles utiliza assidu-
amente a internet para se comunicar e para acessar jogos eletrônicos.
Independente do poder aquisitivo das famílias, os computadores são
as plataformas de jogos mais utilizadas pelas crianças. Além disso, elas
afirmam jogar comumente sozinhas ou acompanhadas de outras que
se constituem como seus principais companheiros de jogos e, conse-
1 Professora da Universidade Federal de Santa catariana – UFSC do Colégio de Apli-
cação/CED/UFSC.
quentemente, como seus mediadores do uso da internet (PETERS;
JUNG; MOURA, 2014). Tal perfil foi igualmente observado nas pes-
quisas Kids Online Brasil (COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO
BRASIL 2012) e “TIC Crianças” (COMITÊ GESTOR DA INTER-
NET NO BRASIL, 2010).
Vemos que, cada vez mais, as crianças são sujeitos de seus pró-
prios processos de aprendizagem que se passam, sobretudo, entre elas
e através da imersão num mundo virtual construído a partir da lin-
guagem numérica. Compreender as demandas geradas por essa reali-
dade tornou-se um desafio para as famílias e para a escola. É inegável
a necessidade de estabelecermos diálogos com essa cultura midiática e,
sobretudo, mediarmos o seu uso ativo e reflexivo, favorecendo a autor-
regulação por parte das crianças.
Esses indivíduos participantes da pesquisa frequentam a brin-
quedoteca uma vez por semana. Observamos em suas brincadeiras o
interesse manifestado pelos produtos midiáticos, sobretudo os compu-
tadores e os celulares, pelas possibilidades que eles oferecem de aces-
so às redes sociais e aos jogos eletrônicos. Compreendemos que esses
instrumentos tecnológicos são os novos tipos de brinquedo para essa
geração (MUNGUMBA et al., 2003).
No entanto, observamos que, muitas vezes, os adultos (profes-
sores e animadores de brinquedotecas) têm dificuldades em lidar com
situações advindas de temas e de imagens veiculadas pelas inúmeras
mídias – as quais aparecem indiretamente nas brincadeiras infantis
– pelo constrangimento que causam, muitas vezes, entre as próprias
crianças. O objetivo deste trabalho é analisar dinâmicas interativas te-
cidas entre os protagonistas de uma brincadeira, destacando modos de
se relacionar e de se posicionar diante dos outros e dos objetos lúdicos/
tecnológicos, e buscar pistas das significações produzidas e de possíveis
ações metodológicas em brinquedotecas escolares.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA

A videografia e a análise microgenética, à luz da perspectiva his-


tórico-cultural, têm sido utilizadas em nossas pesquisas para captar
minúcias das trocas discursivas caracterizadoras das relações sociais
durante jogos e brincadeiras, gerando processos de significações que
demonstram formas de agir e de se apropriar da realidade por parte das
crianças (PETERS, 2012; PETERS; ZANELLA, 2002).

168 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Recorremos aos princípios da etnografia a fim de captar a dinâ-
mica interativa, tecendo fios invisíveis entre protagonistas de um dado
evento. Tivemos como sujeitos os alunos do 1° Ano do Ensino Funda-
mental do CA da UFSC e sua professora, bem como as alunas bolsistas
do Laboratório de Brinquedos do Colégio de Aplicação (Labrinca) e as
alunas bolsistas das turmas que frequentam o Labrinca. Eles também
foram observados nas situações em que se encontravam no Labrinca,
a brinquedoteca da escola, em 2011, ao participarem de uma pesquisa
sobre as contribuições de uma brinquedoteca escolar para a formação
de crianças do 1° Ano escolar (PETERS, 2012). Para este trabalho,
utilizaremos apenas uma parte dos dados da pesquisa citada. Sua reali-
zação foi aprovada pelo Comitê da Ética da UFSC, de acordo com as
Resoluções 196/96 e 251/97 do Conselho Nacional de Saúde.
Para a coleta das informações, utilizamos observação direta, via
filmagem e diário de campo das experiências que aconteceram na brin-
quedoteca. Depois de realizado o processo de descrição e de categori-
zação das informações fornecidas pelas filmagens, selecionamos os epi-
sódios relacionados ao tema da pesquisa e realizamos sua transcrição,
detalhando enunciados através de turnos das falas, dos movimentos e
expressões gestuais dos sujeitos em relação. As trocas discursivas foram
analisadas a partir da análise de indícios (GINZBOURG, 2007).
O objetivo de nossas análises foi de compreender microprocessos
que evidenciam apropriações da cultura em situações de brincar – atra-
vés de processos de significação. Isso contribui para a constituição e para
a formação das crianças, buscando pistas de ações metodológicas que
possibilitem reflexões sobre formas de agir do adulto em relação às crian-
ças e aos objetos lúdicos/tecnológicos em brinquedotecas escolares.
Visando a fundamentar a compreensão das relações aqui estabe-
lecidas e de suas implicações para os sujeitos envolvidos, partimos do
pressuposto vigostkyano de que a constituição dos sujeitos é mediada
semioticamente. Dessa forma, o processo da apropriação da cultura
decorre da imersão do sujeito na multiplicidade de sentidos postos no
contexto social, no qual são reorganizados e reelaborados a partir do
modo como cada sujeito apreende a realidade e nela intervém.
Tomando como unidade de análise as significações veiculadas na
produção coletiva de jogos e de brincadeiras, compreendemos que os
seus conteúdos decorrem do desenvolvimento histórico e tecnológico
da sociedade e refletem aspectos relacionados às condições sociais, cul-

CAPÍTULO SITUAÇÕES EM JOGO NA ERA DIGITAL: EXISTE LIMITE ENTRE REAL, VIRTUAL
7 E IMAGINÁRIO? 169
turais, assim como do próprio lugar atribuído à criança nas relações
sociais. Portanto, para analisar processos de significação, é importante
localizar as condições concretas de vida dos sujeitos investigados, se-
gundo suas particularidades culturais (VIGOTSKY, 2000).
Apoiando-nos nas proposições do autor sobre o brincar (1998,
tradução recentemente revisada por Prestes, 2008), acreditamos no seu
postulado de que as crianças imitam o que observam no real e, a par-
tir dele, imaginam situações no brincar para realizar seus impulsos e
desejos de ordem afetiva e volitiva. O autor compreende a imaginação
mais como “[...] memória em ação do que uma situação imaginária
nova” (1998, p. 117), portanto, as crianças brincam com/de situações
e com/de elementos do real que são, por sua vez, recriados para serem
elaborados e apropriados.
Acreditamos que o contexto imaginativo e criativo da brincadei-
ra auxilia na reinvenção da realidade pelas crianças e é propulsor de
experiências conjuntas. Resultantes da ação de brincar, as experiências
propiciadas pela mediação dos outros, dos objetos e signos culturais re-
sultam em novas situações vividas pelas crianças, e que deixam, igual-
mente, suas marcas nas próprias crianças (PETERS, 2012).
Partindo desses pressupostos, defendemos a ideia de que o que se
produz no momento da brincadeira também é real e deixa suas mar-
cas nas crianças (PETERS, 2012). Acreditamos que a relação com os
outros, com os objetos lúdicos e consigo mesmas, neste contexto ima-
ginativo de recriação do real, é propulsora de experiências conjuntas
na produção de uma nova realidade, resultantes da brincadeira. Bus-
caremos demonstrar isso através da análise de episódios que descrevem
partes do encadeamento de uma brincadeira entre dois meninos, de
aproximadamente 20 minutos, em uma brinquedoteca escolar.

Episódio 1: Posso mostrar uma foto da minha namorada?

Maicom e Caio brincam sentados em lados opostos da mesa. Ao


centro dela, uma carcaça de TV sem tela que representa um computa-
dor. Caio possui uma boneca sentada ao seu lado, e Maicom, um bebê.
Ambos com um teclado de computador na frente da TV, podendo ver
um ao outro. Pedro se aproxima de Caio e Maicom com um som no
seu ombro, como se estivesse escutando música, e traz consigo duas
caixinhas de som.

170 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


1. Caio: – Dá uma para mim!
2. Maicom: – Põe uma aqui e outra aí. (Maicom indica onde
Pedro deve colocá-la.)
3. Pedro dá uma caixa de som para cada um e sai. Caio coloca a
sua caixa de som virada. Maicom vai até ele e a arruma: – Não é assim,
Caio, está virada.
4. Caio: – Ela está desligada.
5. Maicom pega a caixinha e sem tocar nela procura um botão.
Não o encontrando, recoloca-a no lugar: – Agora, ela está ligada.Co-
meçam, então, a se comunicar online. Para estabelecer o diálogo, eles
se exprimem verbalmente digitando no teclado. Ao final de cada frase,
clicam no teclado de forma mais forte, salientando o movimento de
“enviar a mensagem”. Fazem isto mesmo quando estão com as mãos
ocupadas.
6. Maicom: – E aí cara, tudo bem? (Fala num tom casual, exage-
rando o timbre da voz. Caio responde da mesma forma.)
7. Caio: – Claro que sim. (Ele tenta manter sua boneca sentada ao
seu lado. Com uma mão, ele segura a boneca e com a outra ele digita e
envia a mensagem)8. Maicom: – Para mim, também.
9. Caio: – Posso mostrar uma foto da minha namorada?
10. Maicom: – Sim. (Caio levanta a boneca e mostra. Maicom
a olha com atenção e sorri digitando ao mesmo tempo.). – Uau, que
gostosa! Posso namorar ela?
11. Caio: – Claro que não, seu burro!
12. Maicom: – Seu feio, vou te matar amanhã na escola. Adeus!
(Faz expressão de contrariado. Digita forte como se estivesse bravo,
clica para enviar a mensagem e cruza os braços.)
13. Caio sorri: – Eu trabalho, cara!
14. Maicom: – Então, no trabalho.

Episódio 2: E cadê o meu frango frito?

Os dois recomeçam a conversa, sentados no mesmo local, e con-


tinuam e digitar.
15. Caio: – Bom dia.
16. Maicom: – Bom dia.
17. Caio: – O que temos de lanche hoje? (E olha em direção à sua
professora.)

CAPÍTULO SITUAÇÕES EM JOGO NA ERA DIGITAL: EXISTE LIMITE ENTRE REAL, VIRTUAL
7 E IMAGINÁRIO? 171
18. Maicom: – Não sei.
19. Professora: – Hoje, tem frutas.
20. Caio: – Eu acho que tem frutas.
21. Maicom: – Delícia! Adoro frutas.
22. Caio: – Eu também.
23. Maicom: – E cadê o meu frango frito?
24. Caio: – Eu me esqueci de trazer.
25. Maicom: – Eu te mato.
26. Caio: – Eu te odeio. (Ambos riem.)
27. Caio: – Já passou a hora do lanche, sabia?
Na brincadeira, Maicom e Caio repetem algumas ações, como:
fingir que vão dormir, então fecham os olhos e inclinam a cabeça. Se-
gundos depois, acordam e dão bom-dia um para o outro. Passam ob-
jetos através da televisão e conversam alimentando-se de frango frito,
bacon, batata frita, Coca-Cola.
28. Caio: – Hoje à noite, eu vou dormir contigo, sabia?
29. Maicom: – Não, eu não sabia. Lembra, eu estou com mar-
shmallow, pão de queijo, cachorro quente e um frango frito... Tudo de
bom. Mas só para nós dois [...] se você mostra pelada.
30. Caio: – Eu vou com minha namorada (Segura-a alto para ser
vista por Maicom.)
31. Maicom: – Tchau, tchau. Até de noite.
32. Caio: – Até de noite.

Episódio 3: Site mulheres.com

Caio vai à casa de Maicom, leva consigo sua namorada. Maicom


continua sentado, observa-a e toca seus seios. Caio senta-se ao seu lado,
assim como sua boneca. Maicom e Caio pegam os comandos de jogos.
33. Maicom: – Vamos jogar videogame?
34. Caio: – Dá um controle para mim? (Caio deixa sua namorada
sentada na cadeira.)
Os dois simulam como se estivessem jogando. Depois, param.
Olham na tela:
35. Maicom: – Nossa!
36. Caio solta o seu controle e começa a digitar: – Ô, deixa eu
acessar o site. Site mulher.com.
37. Maicom: – Acessadores de mulheres peladas, que venham aqui

172 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


já. (Clica para enviar, e os dois olham para a tela da TV sorrindo.) –
Nossa, tudo isto!
38. Caio: – Para mim, também. (Um menino se aproxima.) – Sai
daqui, gorducho!
39. Maicom digita: – Menos as gordas.
Uma boneca grande é colocada ao lado. Caio observa e vai logo
procurá-la.
40. Caio: – Achei uma namorada pra ti.
41. Maicom continua sentado. Olha para a boneca e estica os
braços: – Tira a roupa e me dá ela. (Caio lhe passa.) – Agora, é comigo
(Pega a boneca, tira a blusa dela e deita-se simulando o ato sexual.)

Episódio 4: Ela vai ter que ir ao médico, ela está grávida.

Caio volta para sua casa com sua namorada.


42. Maicom: – Vamos fazer uma festa na tua casa ou não?
43. Caio: – Vamos. Claro que vamos.
44. Maicom: – Eu vou trazer minha gata, tá bom?
45. Caio: – Tá bom [...] mulheres peladas.
46. Maicom: – Pega os códigos de senha.
47. Caio: – A minha casa é bem pertinho da tua.
48. Maicom volta para baixo da mesa. Pega sua boneca: – Vamos
fazer sexo agora. (Deita-se sobre sua boneca.)
Caio começa a inclinar-se para descer também, mas para e o ob-
serva. Fica meio sem saber o que fazer e começa a digitar. Maicom
volta para o seu lugar.
49. Maicom: – Bota aí tua gata com seio de fora? (Maicom arruma
sua boneca ao seu lado, enquanto Caio levanta a dele e mostra que está
puxando uma parte do vestido dela. Deixa aparecer um seio e depois o
outro, sempre olhando para o outro lado da sala. Maicom olha para o
lado e não diz nada.)
50. Caio insiste: – Ei, olha a minha!
51. Maicom: – Que delícia!
52. Caio: – Ela vai ter que ir ao médico, ela está grávida. (Ele vai
até a prateleira ao lado, pega um bebê e o mostra a Maicom.) – Olha
o meu bebê!
53. Maicom: – A minha vai ter que ir ao médico também. Vou fazer
sexo com ela. (Volta a deitar embaixo da mesa, simulando o ato sexual.)

CAPÍTULO SITUAÇÕES EM JOGO NA ERA DIGITAL: EXISTE LIMITE ENTRE REAL, VIRTUAL
7 E IMAGINÁRIO? 173
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Vimos que a brincadeira aconteceu a partir da imitação de re-


gras sociais, de formas de agir, de se expressar e de se relacionar dos
adultos quanto ao uso das novas tecnologias. Ao imitá-los, as crianças
demonstram como se apropriam desses instrumentos quanto ao modo
e ao que podem fazer com e através deles. Dessa forma, agem sobre
eles, buscando compreendê-los e produzindo sentidos à sua atividade.
Num primeiro olhar sobre os episódios, observamos o desenca-
deamento de ações através das trocas verbais e gestuais entre Maicom
e Caio. Eles se utilizam de objetos tecnológicos da brinquedoteca que
não funcionam mais e que, naquele momento, foram transformados
em brinquedos: carcaça de TV, teclados, caixas de som e controles re-
motos de jogos eletrônicos. Através deles, criam a narrativa da história
imaginando situações reais, juntamente com suas namoradas bonecas.
Expressam-se com uma linguagem descontraída e num tom de voz
casual (turnos 6, 7, 8, 15, 16, 21, 32, 42 e 43), por vezes agressivo
(turnos 11, 12, 13, 14, 25 e 26) e com gírias, tais como “cara, gostosa
e gata” (turnos 6, 10 e 49) para se comunicar através das redes sociais.
Para isso, o gesto de clicar, visando a enviar a mensagem no final de
cada frase, foi fundamental para dar o tom de realidade à ação.
A nosso ver, grande parte dessas ações decorre da expressão de
hábitos cotidianos de uso das tecnologias e da observação de experi-
ências advindas do entorno das crianças. Os episódios evidenciam a
reprodução de gestos e de expressões verbais adultas no trato com ob-
jetos tecnológicos que, comumente, parecem não ser utilizados pelas
crianças, pelo menos no ambiente escolar.
Em uma análise mais minuciosa, é possível destacar diferentes
formas de lidar com esses objetos pelos dois meninos. A princípio,
Maicom é quem direciona a brincadeira, dando ordens e propondo
temas: como jogar jogos eletrônicos, alimentar-se e preparar uma festa
(turnos 2, 23, 33 e 42). Ele demonstra-se mais à vontade no uso dos
instrumentos tecnológicos (turnos 3, 5) e nas expressões verbais rela-
cionadas aos conteúdos por eles veiculados através do computador, ao
realizar comentários sobre o corpo das bonecas/namoradas (turnos 10
e 51), ao dar ordens de despi-las a Caio (turnos 41 e 49), ao afirmar
fazer sexo com elas (turnos 41, 48 e 53) e ao explicitar estereótipos
(turno 39). É visível o apelo sexual nos seus comentários sobre a mu-
lher como objeto de desejo, tão veiculado nos meios de comunicação

174 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


brasileiros, e nas suas ações gestuais com as bonecas, revelando uma
sexualidade precoce.
Caio aceita prontamente as ideias de Maicom. Também parece
disposto a diversificar a brincadeira ao buscar novos objetos para en-
riquecê-la, tais como: caixas de som, bonecas e bebês (turnos 1, 40,
52) e ao propor temas do cotidiano como trabalho e visita ao médico
(turnos 13 e 52). Diferentemente de Maicom, ele demonstra atenção
à sua namorada, preocupando-se com ela ao deixá-la sempre sentada
ao seu lado, numa cadeira com encosto. Propõe-se a levá-la consigo na
festa (turno 30). Ele parece orgulhoso dela e demanda a aprovação do
seu colega em relação a ela (turnos 9 e 50) e ao seu bebê (turno 52). Po-
rém, demonstra ciúmes quando Maicom quer namorá-la (turno 11).
Ele expressou menos segurança com objetos tecnológicos e, por vezes,
pareceu constrangido com as situações recorrentes de simulação sexual
do amigo com as bonecas, parecendo não saber exatamente como agir.
Os episódios parecem ilustrar, consequentemente, semelhanças
e diferenças quanto à inserção das crianças no universo adulto/adoles-
cente e a experiência decorrente do uso das novas tecnologias para se
comunicar, para buscar informações e para jogar. Ambas demonstraram
familiaridade no uso da internet, bastando digitar um “ponto.com” para
encontrar sites relacionados ao tema procurado: “mulheres.com” ou
“acessadores de mulheres peladas”, por eles digitados (turnos 36 e 37).
Expressam a significação de que a internet é um local onde tudo pode ser
encontrado, basta fazer uma busca rápida de informações. A expressão: –
Nossa, tudo isso! (turno 37), advinda da situação imaginária do resultado
da pesquisa feita por Maicom, ilustra a noção da multiplicidade infinita
de informações provenientes de sites pesquisados.
Além do mais, os episódios trazem indícios de um modo de vida no
qual o universo privado acontece no/através do computador: ele é como
o ponto central nos lares. O mundo gira como uma ciranda na frente
dele para buscar informações, trocar informações, pedidos de comida,
encontros amorosos que têm valor quando partilhados socialmente.
Não buscamos aqui analisar as motivações dessas crianças, ge-
radas pela curiosidade e pela necessidade de elaboração da descoberta
de elementos da sexualidade. Mas a narrativa da brincadeira evidencia
a significação de que o uso de instrumentos midiáticos, através da in-
ternet, aparece como sem limites, onde tudo pode ser encontrado e
partilhado. Uma vitrine onde é possível expor sua própria privacidade,

CAPÍTULO SITUAÇÕES EM JOGO NA ERA DIGITAL: EXISTE LIMITE ENTRE REAL, VIRTUAL
7 E IMAGINÁRIO? 175
cujos estímulos e feedbacks de seus pares servem de justificativa para
suas próprias escolhas e ações. Além do mais, o computador parece
ocupar um lugar central na vida dos sujeitos. Tudo passa através dele e
na frente dele: a busca e a troca de informações e de relacionamentos,
via encontros e jogos. Ele é que parece ditar o tempo e os hábitos coti-
dianos de repouso e de alimentação.
Contudo, ao mesmo tempo, parecem romper com a lógica das
relações virtuais, diversificando a experiência nos encontros reais ima-
ginados, através das visitas e das festas partilhadas com suas namora-
das. Na brincadeira, ao se relacionar via computador e através dele
(passando diretamente os objetos pela carcaça da TV que o represen-
ta), há uma conjunção de elementos do real, do virtual e do imaginário
rompendo a ordem estabelecida, porém não sem consequências, uma
vez que, por exemplo, as namoradas deveriam ir ao médico por esta-
rem grávidas.
Apesar disso, a pergunta que fica é: será que essas crianças – e os
adolescentes com os quais elas têm contato – dispõem de conhecimen-
to técnico e maturidade psicológica para defender-se dos riscos que o
uso da internet traz consigo? O que os episódios sinalizam parece ser
a falta de maturidade das crianças para filtrar as informações tanto
pesquisadas quanto fornecidas por elas, no caso, visivelmente não ade-
quadas ao público infantil.
Seria mais do que óbvio lembrar a função dos adultos quanto
ao acompanhamento e à mediação do uso das mídias eletrônicas no
ambiente familiar. Mas a questão aqui é outra, como agir numa brin-
quedoteca escolar onde este tipo de situação se evidencia durante a
brincadeira?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreendemos que a mediação dos outros, dos objetos lúdicos


e dos signos culturais, advindos do real, é permanentemente mobili-
zada nas situações imaginárias durante as brincadeiras. O que resulta
em uma nova situação e em uma nova experiência que deixam, igual-
mente, suas marcas na vida das crianças (PETERS, 2012). Por isto,
reforçamos a necessidade de nos questionarmos sobre os riscos do uso
das novas tecnologias nas brincadeiras oriundas da era digital, pois “É
preciso ter claro que lidar com esse universo “virtual” amplo e com-

176 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


plexo pode apresentar várias armadilhas “reais” para as crianças e suas
famílias.” (PETERS, JUNG e MOURA, 2014, 97)
Lembramos que as crianças da escola afirmam serem usuárias
assíduas da internet para acessar jogos online, e em proporções signifi-
cativas. A mediação que seu uso é feita, sobretudo, entre pares. Além
disso, mais da metade das crianças pesquisadas afirmam alimentar-se
enquanto jogam. Segundo dados revelados pela Kids Online Brasil
(2012), os pais brasileiros têm confiança quanto às competências do
uso da internet por parte de seus filhos, acessada em casa ou em outros
ambientes, identificando poucos perigos.
Consideramos que os jogos online e as atividades decorrentes de
uso da internet podem oportunizar aprendizagens e desenvolvimento
de inúmeras habilidades e capacidades, além de novos processos de
socialização. Porém, as crianças também podem encontrar-se diante de
situações de risco e de experiências inadequadas decorrentes da falta de
maturidade e de orientação nas suas escolhas.
Desse modo, destacamos a importância da criação de espaços
para diálogo e para a mediação crítica, reflexiva e criativa no trato com
as tecnologias e com o discurso midiático nos processos educacionais
de crianças e de adolescentes. No caso analisado, nenhum adulto in-
terveio diretamente no momento da brincadeira, que pareceu passar
despercebida. Porém, situações como esta já haviam se evidenciado, e
a professora da sala de aula realizou um trabalho com as famílias sobre
o uso das mídias.
Além disso, o que temos procurado metodologicamente é bus-
car um olhar acolhedor para tentar compreender o que se passa na
brincadeira e de nela intervir direta ou indiretamente respeitando seu
processo. Quando achamos pertinente, adentramos na própria brin-
cadeira como um personagem que nela se insere a fim de questionar/
refletir sobre os lugares sociais, os estereótipos, situações de abuso ou
de conflitos nela postos. Nesta situação analisada, a professora ou esta-
giária poderia adentrar na brincadeira como esse novo personagem ou
o próprio objeto lúdico já integrado na brincadeira, como no caso da
boneca, dando vida a ela e exprimindo-se através dela.
Além disto, propomos ações indiretas a partir do que observamos
para ampliar o debate com a escola e a família das crianças. Propomos para
isto: 1) inserir jogos eletrônicos no Labrinca, visando a ampliar às crianças
da escola o acesso a essa nova forma de expressão da cultura lúdica, a capa-

CAPÍTULO SITUAÇÕES EM JOGO NA ERA DIGITAL: EXISTE LIMITE ENTRE REAL, VIRTUAL
7 E IMAGINÁRIO? 177
cidade de uso das ferramentas tecnológicas e da internet de forma ativa e
criativa, a compreensão dos riscos, dos maus hábitos e a necessidade do seu
uso com discernimento; 2) apresentar os resultados das pesquisas para a es-
cola e para as famílias a fim de estabelecermos diálogos e refletirmos sobre
ações que ampliem o brincar das crianças, qualificando-o. E, ao mesmo
tempo, protegendo-as e resguardando o seu direito à infância.
Finalmente, reiteramos a importância de pesquisas como esta
que permitem evidenciar situações que normalmente passam desper-
cebidas no cotidiano das brinquedotecas. A possibilidade da análise
de microprocessos traz consigo ferramentas empíricas que permitem o
acesso às minúcias do brincar e tornam-se importantes para conhecer
o que se passa e como se passa. Tais ferramentas servem de dispositivos
que podem fundamentar mediações durante as atividades lúdicas, evi-
tando possíveis constrangimentos tanto para as crianças quanto para
os adultos. Sabemos que um olhar acolhedor e uma boa conversa sobre
as experiências das crianças podem ajudá-las a compreender que tudo
tem o seu tempo e o seu lugar para acontecer.

REFERÊNCIAS

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Tradução: Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
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178 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


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CAPÍTULO SITUAÇÕES EM JOGO NA ERA DIGITAL: EXISTE LIMITE ENTRE REAL, VIRTUAL
7 E IMAGINÁRIO? 179
CAPÍTULO 8
EDUCAÇÃO ALIMENTAR: SAÚDE E O BRINCAR
NA INFÂNCIA COM ENFOQUE EM MUDANÇAS DE
HÁBITOS ALIMENTARES DE PRÉ-ESCOLARES

Aline Sobreira Bezerra1


Juliane Döering Gasparin Carvalho2
Francisca Lívia de Oliveira Machado3

INTRODUÇÃO

A primeira infância é definida pela Lei 13.257 de 8 de março de


2016 como o período compreendido entre zero e seis anos de vida da
criança, sendo a fase em que a legislação estabelece como áreas priori-
tárias de políticas públicas a alimentação, a nutrição, a educação infan-
til, o brincar e o lazer (BRASIL, 2016). Nessa fase, é primordial que
haja garantia de crescimento e desenvolvimento saudáveis, os quais
estão atrelados à nutrição adequada logo nos primeiros anos de vida
da criança, tendo em vista que as limitações na ingestão de nutrientes
podem levar a distúrbios nutricionais, tanto por carências quanto por
excessos (CARVALHO et al., 2015).

1 Professora da Universidade Federal do Ceará – UFC / Engenharia de Alimentos.


2 Professora da Universidade Federal do Ceará – UFC / Engenharia de Alimentos.
3 Tecnóloga da Universidade Federal do Ceará/Química/UFC.
Problemas de saúde pública relacionados à nutrição inadequada
ou insuficiente em crianças têm se tornado motivo de preocupações.
A obesidade e o sobrepeso, por exemplo, estão associados ao aumento
do risco de hipertensão arterial, distúrbios lipídicos, diabetes e doenças
coronarianas (SANTOS; ALVES, 2015; TEIXEIRA et al., 2001).
Dessa forma, a inserção de hábitos de alimentação saudável em
crianças na idade pré-escolar tende a prevenir doenças, bem como pro-
mover a saúde, quando esses hábitos são contínuos na adolescência e
vida adulta (CARDOSO; SOUZA, 2008).
As primeiras influências alimentares da criança desde o seu nasci-
mento são de responsabilidade dos pais, os quais devem desempenhar
papel importante em oferecer alimentos saudáveis e evitar a introdu-
ção de alimentos considerados inadequados para uma dieta saudável
(LEAL; KLUG, 2007; RIBEIRO, 2015).
A escola, por sua vez, também tem papel coadjuvante na inserção
de hábitos alimentares saudáveis. De acordo com dados da pesquisa de
Pinheiro et al. (2012), que avaliaram a intervenção escolar na educação
alimentar infantil, a principal fonte de conhecimento de crianças sobre
a importância das vitaminas e minerais foi atribuída à mídia (68%) em
detrimento do ambiente escolar (23%). A aplicação e desenvolvimento
da educação alimentar no ambiente escolar são essenciais, tendo em
vista que a assimilação de conhecimento na infância ocorre de forma
mais fácil (CAPELARI et al., 2014).
Sendo assim, atividades educativas e lúdicas podem ser aplicadas
na pré-escola como ferramentas facilitadoras no aprendizado das crian-
ças, a respeito de hábitos de alimentação saudável. As brincadeiras,
jogos e brinquedos são instrumentos importantes na construção de
conhecimento no processo de desenvolvimento da criança, pois o lúdi-
co abre novas possibilidades para educação de qualidade, favorecendo
aspectos como percepção e concentração, atraindo assim a atenção dos
aprendizes aos conteúdos ministrados de forma diferenciada e lúdica
(BUENO, 2010). Dessa forma, o ambiente escolar é propício para
introdução de hábitos alimentares saudáveis, sendo o professor, muito
mais que um disseminador de conhecimento, pois são tomados como
exemplo e também influenciam na formação das crianças. Para isso, é
necessário que a qualificação do professor seja adequada para adoção
de estratégias de ensino interligadas com a ludicidade.

182 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


PRIMEIRA INFÂNCIA E NUTRIÇÃO

A primeira infância, que compreende os seis primeiros anos de


vida, é a fase na qual acontece o desenvolvimento cerebral e de capaci-
dades fundamentais para que outras habilidades, consideradas comple-
xas, se desenvolvam posteriormente. Esse desenvolvimento, quando se
dá em outra fase da vida, não apresenta os efeitos positivos esperados
na vida adulta.
O poder público instituiu por meio de diretrizes, as linhas e ações
estratégicas a fim de garantir os direitos básicos da criança. Dentre as
linhas elencadas estão à alimentação saudável, o combate à desnutri-
ção, o combate a anemias carenciais e a prevenção do sobrepeso e obe-
sidade infantil, de acordo com o Plano Nacional da Primeira Infância
(BRASIL, 2016).
A alimentação é um fator de grande relevância na primeira infân-
cia. Inicia-se o ciclo alimentar logo após o nascimento do bebê, quan-
do o mesmo deve ser amamentado pela mãe. O Ministério da Saúde
recomenda que a amamentação seja feita de forma exclusiva até o sexto
mês e complementar até os dois (2) anos de idade (BRASIL, 2002). A
partir de então, inicia-se novo ciclo de hábitos alimentares no cotidia-
no, no qual os alimentos mais comumente ingeridos determinarão o
perfil nutricional da criança no decorrer de sua vida (FELIX, 2009).
Apesar da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2011) reco-
mendar a amamentação exclusiva até o sexto mês de vida de bebês, a
pesquisa de Carrazoni et al. (2015), focando no histórico de crianças
em seu primeiro ano de vida, verificou que 95,4 % das crianças estuda-
das não atendiam a essa recomendação. Situações como essas apresen-
tam interligação com a obesidade infantil, segundo pesquisa (OLIVEI-
RA; CERQUEIRA, 2003). Outro estudo mostrou que crianças com
menos de um ano, amamentadas com leite de origem não materna,
apresentaram aumento no risco de morbidade e desnutrição (CRUZ;
ALMEIDA; ENGSTROM, 2010).
Existem necessidades fundamentais para a garantia do desenvol-
vimento da primeira infância, e uma dessas necessidades é a nutrição
adequada, visto que a má nutrição desencadeia, além de problemas
físicos, distúrbios relacionados ao aprendizado das crianças ainda em
idade pré-escolar (YOUNG, 2010). Assim, os primeiros anos de vida
de uma criança são importantes na formação da base para a adolescên-
cia e a vida adulta.
CAPÍTULO EDUCAÇÃO ALIMENTAR: SAÚDE E O BRINCAR NA INFÂNCIA COM ENFOQUE EM
8 MUDANÇAS DE HÁBITOS ALIMENTARES DE PRÉ-ESCOLARES 183
Problemas associados à alimentação infantil

A alimentação desde a infância é de grande importância para a


saúde na vida adulta do ser humano. Problemas relacionados a dis-
túrbios nutricionais infantis, tais como a desnutrição e a obesidade,
comuns nos dias atuais, podem promover consequências às vezes irre-
versíveis, gerando sérios problemas de saúde pública.
Segundo Gonçalvez et al. (2013), os transtornos alimentares são
muito comuns na infância e estão associados ao ambiente familiar e à
exposição aos meios de comunicação. Outros fatores, tais como a ge-
nética, apresentam relação com alguns transtornos nutricionais, como
é o caso da obesidade infantil, porém os fatores ambientais tais como
hábitos alimentares errôneos, estilo de vida da família e condições só-
cio-econômicas favorecem o surgimento desses transtornos (OLIVEI-
RA et al., 2003).
Quando se fala em desnutrição infantil, costuma-se associar a
falta de comida, porém não significa necessariamente que a criança
desnutrida não é alimentada diariamente. A desnutrição infantil, dis-
túrbio menos abordado em artigos científicos que a obesidade, porém
não menos importante quanto à atenção que deve ser dada por pais e
co-responsáveis, representa a carência de nutrientes essenciais que aca-
bam impactando no desenvolvimento físico, intelectual e emocional
(PIMENTEL, 2018).
A desnutrição em crianças com menos de 5 anos de idade com-
promete a saúde de forma direta, contribuindo para desenvolvimento
cognitivo deficiente, aumento no “risco de infecções”, surgimento de
doenças crônicas e representa fator implícito em cerca de 45% das
mortes em crianças menores de 1 ano (ARAÚJO et al., 2016).
Os hábitos alimentares de crianças nos dias hodiernos têm oca-
sionado maior incidência em casos de obesidade infantil, foi o que
constataram Pedraza et al. (2017), que realizaram uma avaliação do
estado nutricional e hábitos alimentares em escolares de Campina
Grande - PB. Os autores constataram em seu trabalho que os índices
de obesidade ou sobrepeso superam em três vezes mais os índices de
subnutrição, na amostragem estudada.
O cenário atual de fato aponta para maior incidência de obe-
sidade infantil, frente a desnutrição e má-nutrição. A educação ali-
mentar e nutricional desde a infância com incentivo de hábitos ali-
mentares saudáveis associados é uma estratégia favorável, objetivan-

184 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


do melhorar os índices de distúrbios nutricionais em pré-escolares
(SOARES et al., 2014).

Influência da mídia na alimentação infantil

Fatores que contribuem para o aumento nos casos de distúrbios nu-


tricionais, como a obesidade, podem ser atribuídas em parte, à mídia. Na
grande maioria das vezes, os alimentos veiculados pelas propagandas são
de baixo valor nutricional, porém o público infantil acaba sendo influen-
ciado, o que acarreta aumento no consumo e consequentemente, maior
incidência de obesidade infantil (SPANIOL, 2014).
Mesmo diante de tal problemática, permanece a busca pela pra-
ticidade que, aliada a divulgação massiva da indústria de alimentos
por meio de propagandas de produtos direcionados à infância, têm
aumentado o consumo de alimentos industrializados por crianças
(MURRAY et al., 2015).
Segundo Fechine et al (2015), pais e professores relatam que o
consumo de alimentos industrializados é fator que predispõe ao au-
mento do peso em crianças, contribuindo para a instalação de quadros
de sobrepeso e obesidade infantil. Os professores referem que os pais
são seduzidos pela praticidade dos alimentos industrializados, além de
observarem a influência da propaganda na formação dos hábitos ali-
mentares das crianças em casa, mostrando que existe forte influência
da mídia no comportamento alimentar infantil.
Tratando das questões alimentares, a mídia utiliza de estratégias
de publicidade como a utilização de brindes, histórias ou personagens
conhecidos no meio infantil para influenciar os hábitos alimentares e
alavancar as vendas de produtos, os quais causam impacto negativo na
saúde das crianças (MILANI et al., 2015).
A legislação brasileira estabelece normas que limitam a comer-
cialização de alimentos infantis acompanhados de brindes ou brinque-
dos (Lei nº 8985/2012); que apontam diretrizes para a promoção da
alimentação saudável (Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº
408/2008) e que dispõe sobre a abusividade do direcionamento de
publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescen-
te (Resolução nº 163/2014 do Conanda). Apesar das políticas públi-
cas existentes no Brasil, a população precisa denunciar as propagandas
consideradas abusivas para que sejam removidas da mídia.

CAPÍTULO EDUCAÇÃO ALIMENTAR: SAÚDE E O BRINCAR NA INFÂNCIA COM ENFOQUE EM


8 MUDANÇAS DE HÁBITOS ALIMENTARES DE PRÉ-ESCOLARES 185
A legislação do resto do mundo apresenta-se muito mais rígida
com relação à publicidade de alimentos infantis que não promovem
hábitos saudáveis. Na Irlanda, é proibida qualquer publicidade du-
rante os programas na TV aberta destinada ao público infantil. Na
Inglaterra, é proibido o uso de mascotes em publicidade de alimentos.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) defende o fim da pu-
blicidade de alimentos não saudáveis para as crianças, as quais estimu-
lam o consumo de alimentos e bebidas com baixo teor nutricional e al-
tos índices de sódio, açúcares e gorduras, principalmente direcionados
ao público infantil. Neste sentido, a indústria pode investir no design
de embalagens para alimentos, utilizando seu potencial para incentivar
a criação de peças que realizem associações positivas entre produtos e
personagens infantis, valorizando alimentos e hábitos saudáveis (EN-
GLER; GUIMARÃES; LACERDA, 2016).

O BRINCAR E A ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL NA INFÂNCIA

Ludicidade e o brincar

Segundo a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da


Criança (artigo 31) (BRASIL, 1990) e o Estatuto da Criança e do
Adolescente do Brasil (artigos 40 e 16) (BRASIL, 1990), brincar é um
direito de todas as crianças, pois contribui para o seu desenvolvimen-
to e bem-estar. Para a criança, brincar é sempre mais interessante em
qualquer contexto em que ela esteja inserida. Quando a criança brinca,
ela faz escolhas sobre qual brincadeira realizar, com quem, onde e com
o que brincar, e isso ocorre mesmo quando a criança ainda é muito
pequena (menos de um ano), pois nessa idade, a criança já apresen-
ta preferências por jogos e brincadeiras (THORNTON; TALBOT;
FLORES, 2013). A brincadeira faz parte do processo de escolha, deci-
são e socialização do ser humano.
Assim, a infância é considerada uma fase relativa, dentro do con-
texto social, pois está relacionada, dentre outras, com as diferenças cul-
turais e étnicas, de modo que o brincar incorpora essas diferenças e
acaba por refletir nas ações e hábitos cotidianos. É notório que a figura
da criança se baseia em um indivíduo que tem suas próprias vontades,

186 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


sendo capaz de tomar decisões e demonstrar sentimentos e estados.
No entanto, existe um elo comum entre a maioria das crianças, senão
todas, que é o gostar de brincar. A brincadeira é considerada ação que
proporciona prazer e bem-estar, além de promover o ensino, envolvi-
mento, relaxamento e desenvolvimento de habilidades e criação de um
mundo imaginário (KISHIMOTO, 2014).  
Ainda muito pequeno, o ser humano é estimulado a interagir
com o mundo por meio dos brinquedos. Ferramentas como jogos,
brinquedos e brincadeiras são diversamente utilizados por educadores
no estímulo e no repasse de conceitos visando proporcionar o apren-
dizado (BOHM, 2015).  O lúdico e a educação infantil estão intima-
mente relacionados. Desta maneira, professores da educação infantil
buscam novas estratégias, levando em consideração o quão prazeroso
é brincar para as crianças, a fim de proporcionar o desenvolvimento
e a seriedade ao mesmo tempo, de modo que desperte o interesse das
crianças em aprender. Segundo Ferrari, Savenhago e Trevisol (2014),
o desenvolvimento cognitivo, afetivo, social e moral da criança andam
de mãos dadas com o lúdico na educação infantil.
Conforme citado por Almeida (2011), a abordagem do ensino
tradicional em detrimento do lúdico, o qual envolve o brincar, re-
presenta um efeito negativo na vida da criança. A escola representa
o espaço apropriado para a vivência de manifestações lúdicas, onde
a criança pode expressar sua criatividade, autonomia e alegria. Não
deve existir limitação quanto ao ato de ensinar, devendo o profes-
sor mostrar vários caminhos e ferramentas para que o aluno escolha
aqueles mais apropriados e compatíveis com seus princípios e valores
(ALMEIDA, 2014).
Devido aos avanços tecnológicos ocorridos desde o início do sé-
culo XXI, foram colocados novos desafios para a Educação Infantil,
não podendo mais esta modalidade educacional se deter a métodos
tradicionais de ensino, sendo este fato um verdadeiro desafio para o
professor em se submeter a formação continuada, em busca de estraté-
gias de ensino consideradas estimulantes e envolventes para as crianças,
as quais facilitam a transmissão de conhecimento. Assim, é primordial
um novo viés na prática didático-pedagógica voltada para a educação
infantil e que promova o desenvolvimento cognitivo com a aplicação
de atividades sistemáticas e que favoreçam a aprendizagem (MOMO,
2012; SOARES, et al., 2018).

CAPÍTULO EDUCAÇÃO ALIMENTAR: SAÚDE E O BRINCAR NA INFÂNCIA COM ENFOQUE EM


8 MUDANÇAS DE HÁBITOS ALIMENTARES DE PRÉ-ESCOLARES 187
Educação alimentar infantil

A educação nutricional, quando desenvolvida nos primeiros anos


de vida, apresenta resultados positivos e cria um conjunto de hábitos
alimentares benéficos nos anos seguintes, os quais perduram por toda a
vida adulta. Intervenções com vistas à melhoria da nutrição em crian-
ças, com o objetivo de construir hábitos alimentares saudáveis, podem
ser admitidos, tanto no contexto familiar como no contexto escolar
(ROSA et al., 2015). A escola deve ser considerada coadjuvante na
educação alimentar de crianças, pois essa instituição desenvolve, de
forma mais direcionada, ações que envolvam também outros atores,
como a família e a comunidade, detendo o poder de influenciar posi-
tivamente os hábitos alimentares deste público (WATTS et al., 2012).
A criança passa por um novo mundo de descobertas com o início
da introdução de alimentos, que ocorre após a amamentação exclu-
siva ou alimentação por fórmulas infantis, iniciando uma fase inicial
de adaptação a alimentos não consumidos anteriormente. É comum
que ocorra repulsa nas primeiras tentativas em oferecer alimentos tais
como frutas e verduras, sendo importante que ela se familiarize com o
alimento novo após prová-lo. O contato, segundo um estudo realizado
nos Estados Unidos, deve ir para além do paladar, sendo importante
que o alimento seja percebido também de forma sensorial, a qual de-
verá ser estimular os sentidos visuais, do odor, da textura e que seja
oferecido em quantidades mínimas a fim de condicionar e aumentar a
aceitação (RAMOS; STEIN, 2000).
A educação alimentar e nutricional infantil, inicia-se no âmbito
familiar, tendo em vista que a criança é influenciada pelos hábitos ali-
mentares de toda a família. Esse primeiro momento é primordial, pois
as escolhas alimentares posteriores também sofrerão tal influência. Na
escola, hábitos de alimentação saudável também devem ser estimula-
dos de forma continuada com estratégias que criem atitudes positivas
diante dos alimentos, encorajando a aceitação e promovendo a com-
preensão da ligação entre alimentação e saúde (COSTA et al., 2013).
A Lei nº 13.666/2018, que altera a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, estabelece que o tema transversal de educação
alimentar e nutricional deve ser incluído no currículo escolar, a fim de
reduzir a obesidade infantil e assegurar informações sobre alimentação
saudável aos cidadãos desde novos (VALE, 2018).

188 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Segundo Costa et al. (2013), a intervenção nutricional em pré-
-escolares não é muito eficaz em curto prazo, sendo a aplicação à longo
prazo imprescindível, tornando indispensável a criação de novas estra-
tégias que subsidiem a formação de hábitos alimentares saudáveis.  

O lúdico na educação alimentar infantil

A utilização de métodos lúdico-pedagógicos na educação alimen-


tar de crianças em idade pré-escolar apresenta resultados promissores,
como observado por Capelari e Bezerra (2015) que desenvolveram ativi-
dades lúdicas voltadas ao público-infantil baseadas na contação de histó-
rias, elaboração de sanduíches pelas crianças, identificação e degustação
de frutas e legumes, buscando despertar neste público o interesse e a
curiosidade em experimentar os alimentos, muitos ainda desconhecidos
por elas. Os autores relataram que algumas crianças, mesmo afirmando
que não gostavam de determinados alimentos, se dispuseram a experi-
mentá-los. Também foi observado que a maioria das crianças, em um
momento de recordatório alimentar, demonstrou dificuldade em lem-
brar-se dos variados tipos de alimentos e do que havia comido, fato esse
que foi atribuído provavelmente ao fato de se tratar de alimentos que
não estavam inseridos em sua alimentação rotineira.
Outro estudo avaliou o impacto em pré-escolares da educação
nutricional, com intuito de estimular hábitos alimentares saudáveis e a
prevenção da anemia. Nesse estudo, foi utilizada uma abordagem lúdi-
ca, com a representação da anemia e dos elementos (ferro, vitamina C
e a saúde) como personagens de uma história. Além disso, os autores
utilizaram cartilha educativa e análise da satisfação. Com a pesquisa,
os autores concluíram que a metodologia lúdica na educação alimentar
infantil melhorou a assimilação do conteúdo proposto entre os pré-es-
colares (ROSA et al., 2015).
Com relação à utilização de métodos lúdico-pedagógicos para
educação nutricional com pré-escolares, Salvi e Ceni (2009) elabora-
ram atividades junto a crianças com idades entre três e cinco anos
durante seis meses em uma creche de Erechim/RS. Segundo os auto-
res, as crianças eram envolvidas em atividades com histórias infantis,
atividades artísticas, teatros, jogos e músicas. Essas atividades de cunho
lúdico, segundo os autores, fizeram com que as crianças apresentassem
maior interação com os alimentos, tendo em vista o interesse das mes-

CAPÍTULO EDUCAÇÃO ALIMENTAR: SAÚDE E O BRINCAR NA INFÂNCIA COM ENFOQUE EM


8 MUDANÇAS DE HÁBITOS ALIMENTARES DE PRÉ-ESCOLARES 189
mas em ajudar na escolha dos alimentos, em participar no preparo e
distribuição de refeições, aceitando facilmente novos alimentos.
Se encarado como um direito da criança, o brincar vai muito
além de um simples conceito, surgindo a necessidade de adaptações
das escolas com o intuito de organizar melhor os ambientes para esti-
mular o envolvimento da criança com o brincar, como aborda Almeida
(2017, p. 40):

“[...] O valor lúdico para as crianças na escola dependerá muito


de como ela serão encaradas, nesse contexto, pelos adultos que
a frequentam. As diferentes mediações educativas realizadas
pelo educador, a organização dos espaços e tempos da escola
e dos jogos, brincadeiras, brinquedos e materiais lúdicos que
se encontram ao alcance das crianças durante o ato lúdico, são
atitudes que podem fazer a diferença no brincar da escola e na
ampliação do repertório lúdico delas.”

Com relação à aplicação do lúdico na Educação Infantil Ferrari,


Savenhago e Trevisol (2014), concluíram que os professores dessa mo-
dalidade educacional consideram que o lúdico é extremamente impor-
tante para a criança em todos os ambientes em que a mesma se encon-
tra, sendo a escola o local que realmente crianças aprendem brincando.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do conteúdo exposto, pressupõe-se que atividades lúdicas


e o brincar como meio facilitador de aprendizado apresentam eficácia,
já constatada em estudos referenciados. A educação alimentar influen-
cia diretamente na saúde da criança, com consequências na vida do
futuro adulto.
Dentro desse viés, o projeto de extensão com o título “Núcleo
de Educação Alimentar, Saúde e o Brincar na Infância”, foi elaborado
e aprovado junto à Pró-reitoria de Extensão da Universidade Federal
do Ceará. O projeto visa realizar avaliação nutricional de pré-escola-
res, detectar seus hábitos alimentares e auxiliar na educação alimentar
dessas crianças, a partir de metodologias que envolvam o brincar e o
lúdico. As crianças da primeira infância serão protagonistas nas abor-
dagens e práticas relacionadas a educação saudável.

190 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Para conhecer os hábitos alimentares das crianças, será estabe-
lecido contato com os seus familiares e responsáveis, objetivando re-
lacionar os hábitos à saúde da criança. Assim será possível identificar
problemas ligados à alimentação e usar o brincar para trabalhar de
forma lúdica a modificação de hábitos alimentares para se alcançar a
alimentação saudável.
De acordo com o que foi estudado e exposto nesse artigo, con-
clui-se que o lúdico e o brincar são consideradas ferramentas indis-
pensáveis na aplicação de conceitos importantes sobre alimentação
saudável no período pré-escolar. Nessa faixa etária ocorrem os picos
de aprendizagem e escolhas que influenciarão o restante da vida dessas
crianças. Desse modo, a criança estará realizando atividades prazerosas
e fortalecendo a máxima de que “é brincando que se aprende”.

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196 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


CAPÍTULO 9
RECURSOS LÚDICOS COMO FERRAMENTA
TERAPÊUTICA: O USO DO JOGO E DO BRINQUEDO
NO SETTING TERAPÊUTICO

Barbara Dezidorio Matos1


Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida2

INTRODUÇÃO

Pretendemos com o presente artigo, aproximar, ainda que in-


trodutoriamente, estudos acerca da Terapia Comportamental Infantil
(TCI) a partir da utilização de recursos lúdicos como ferramenta te-
rapêutica através do uso de jogos e brinquedos no setting terapêutico.
Situando historicamente o conceito de infância, bem como a impor-
tância do brincar no auxílio da socialização infantil.
Para tanto, utilizaremos teóricos de enorme relevância para com-
preendermos o embasamento de nossa abordagem. O trabalho é de
cunho teórico-bibliográfico com ênfase na TCI à luz de autores como
Ariès (1986), Regra (2000), Del Prette (2006), Gadelha e Menezes
(2004), entre outros.
1 Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará – UFC.
2 Professor da Universidade Federal do Ceará – UFC do Instituto de Educação Física
e Esportes – IEFES.
O conceito de infância, no ocidente, modificou-se ao decorrer
do tempo, tais mudanças ocorreram devido a construção histórica que
o conceito perpassou ao longo do tempo. Conforme Niehues e Costa
(2012) do adulto em miniatura da Idade Média à criança cidadã na
Contemporaneidade, a infância é abordada nos mais diversos campos,
inclusive de acordo com os preceitos sociais de cada época.
Desta forma, segundo Ariès (1986), até a idade média, a infância
não era tratada como etapa diferenciada da vida humana, tanto que
a arte medieval não retratava essa fase pois a infância não possuía um
lugar nesse mundo, o autor aponta ainda que, na sociedade medieval,
“assim que a criança tinha condições de viver sem a solicitude constan-
te de sua mãe ou de sua ama, ela ingressava na sociedade dos adultos
e não se distinguia mais destes” (p.156). Ao ser retratada, a criança era
vista de maneira deformada, um adulto em miniatura, sem caracterís-
ticas infantis. Diante da modificação na representação do infante,

Foi no século XVII que os retratos de crianças sozinhas se tor-


naram numerosas e comuns. Foi também nesse século que os
retratos de família, muito mais antigos, tenderam a se organizar
em torno da criança, que se tornou o centro da composição.
(ARIÈS, 1986, p. 65)

Durante o período da Roma Antiga, Niehues e Costa (2012)


apontam que o nascimento de uma criança estava diretamente ligado
a aceitação paterna, não sendo, assim, um fator unicamente biológico,
pois o ato de elevar uma criança do chão simbolizava que ela estava
sendo aceita por aquela família, consistia portanto, num ato de ado-
ção. Ademais, vale salientar que as autoras apontam que durante esse
período o aborto, o abandono e a morte de crianças eram atitudes
corriqueiras e consideradas legítimas, isso ocorria pelos mais diversos
motivos dentre os quais podemos destacar a má formação de bebês
recém-nascidos, pobreza, questões hereditárias em famílias mais abas-
tadas, etc.
Ariès (1981) apud Niehues e Costa (2012) aponta que com as
mudanças nas condutas e a partir da difusão de novos pensamentos da
Igreja Católica a forma de se pensar a família se modificou, o que for-
tificou os laços de sangue, além de que o ato de matar crianças estava
ligado a bruxaria. Conforme Heywood (2004) apud Niehues e Costa
(2012) a infância passa a ser reconhecida somente

198 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


a partir do discurso cristão do “culto ao menino Jesus” e do
“massacre dos inocentes” praticado por Herodes. Segundo o
autor, passa a se difundir a idéia de que a criança é um media-
dor do céu e da terra, e que destes vêm falas de sabedoria. Foi
neste cenário, que se emerge o sentimento de infância. (p. 285)

Embora “[...] a visão que temos dessa fase e os valores atrelados


aos cuidados infantis normalmente parecem naturais e inquestionáveis
[...]” (GEHM, 2013, p. 4), ressalta-se que conceitos e significados são
construídos com base histórica e social, e que, portanto, valores especí-
ficos marcam essa fase vital, de aprendizagens e descobertas.
Com o perpassar dos séculos, a infância vem sendo objeto de
investigação em campos de estudos diversos, diante de suas particu-
laridades. Diante disso, “[...] o reconhecimento da infância como um
período da existência humana constituído por um sistema normativo
marcou e ainda marca profundamente o campo científico.” (SILVA,
2014, p. 140)
Essa ideia cronológica que toma a infância como uma etapa da
existência humana, dotada de padrões de desenvolvimento normati-
vos, segundo Silva (2014), foi inicialmente pensada pela área das ciên-
cias da saúde, facilitando por meio de pesquisas, o uso desses padrões
por diversos campos, como o educacional. Portanto, quando a criança
saiu do anonimato, surgiram ciências com o propósito de estudar esse
grupo agora em evidência e esses novos modos de interação com a
criança impactaram também nas relações estabelecidas entre terapeuta
infantil e cliente no setting terapêutico.
Para Buckley (1989) e Cairns (1998) apud Gehm (2013) acredi-
ta-se que “[...] o estudo da criança e do desenvolvimento psicológico
tenha sido introduzido nos Estados Unidos por Stanley Hall (1844-
1924).” (p. 12), com início pautado em testes de inteligência. Porém,
após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), novas perspectivas
europeias acerca do desenvolvimento humano foram incorporadas
aos círculos intelectuais norte-americanos. Leite (2010/1972b) apud
Gehm (2013) aponta que diversas teorias destacaram-se na esfera do
desenvolvimento psicológico, como “[...] a psicanalista, a organísmica,
a behaviorista, a perspectiva sociológica, a de Kurt Lewin e a de Jean
Piaget [...]” (p. 13), ademais, “[...] houve uma tendência à especializa-
ção das teorias em algum aspecto do comportamento, por exemplo, a
Psicanálise colocou seu foco na sexualidade; Jean Piaget, no conheci-

CAPÍTULO RECURSOS LÚDICOS COMO FERRAMENTA TERAPÊUTICA: O USO DO JOGO E DO


9 BRINQUEDO NO SETTING TERAPÊUTICO 199
mento [...]” (p.13), já o Behaviorismo propunha a abrangência do com-
portamento em sua totalidade, em todos os seus tipos, e segundo De
Rose e Gil (2003), o que os psicólogos chamam de desenvolvimento.
Segundo Mendres e Frank-Crawford (2009) apud Gehm (2013),
Sidney W. Bijou é considerado o pioneiro no estudo do desenvolvi-
mento utilizando um referencial compatível com a Análise do Com-
portamento a partir dos estudos de John B. Watson. Posteriormente ele
fora influído pela teoria skinneriana mas também recebeu influência
de outras teorias para a construção de suas ideias, acabando por funcio-
nar como ponto de partida para pensar o desenvolvimento sob olhar
da Análise do Comportamento e influenciando pesquisas posteriores.
A partir dessa breve explanação histórica acerca do papel da crian-
ça na sociedade e a sua consequente inclusão como objeto de estudo
em diversos campos, e como se deu a introdução do estudo da infân-
cia e do desenvolvimento utilizando os ideais defendidos pela Análise
do Comportamento, mostra-se necessário delinear e clarificar acerca
da classe comportamental do brincar, tão característico dessa fase do
desenvolvimento e campo no qual nos debruçaremos para explicar a
utilização de recursos lúdicos, como os jogos, na psicoterapia compor-
tamental infantil.
De Rose e Gil (2003) apontam que a noção que os analistas do
comportamento têm acerca de contingências de reforçamento lhes dá
alicerce para discutir e pensar a respeito do brincar e os impactos no
desenvolvimento, além disso, enfatizam o potencial comportamen-
to de brincar “[...] como meio para ensinar outros comportamentos
ou como uma condição na qual novos comportamentos podem ser
adquiridos [...]” (p.375), para tanto, os autores exploram o conceito
cunhado por Rosales-Ruiz e Baer, em 1997, de cunha comportamen-
tal, salientando que não seriam transições entre estágios como as de-
mais teorias clássicas disseminam, mas que buscava

distinguir um tipo de classe comportamental que expõe o in-


divíduo a novas contingências, as quais, por sua vez, abrem
oportunidades para a aquisição de comportamentos novos e
significantes que têm efeitos em longo prazo sobre o desenvol-
vimento comportamental. Alguns exemplos de cunhas com-
portamentais seriam andar, imitação generalizada e ler. (DE
ROSE & GIL, 2003, p. 375)

200 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Diante disso, os autores afirmam que

o conceito de cunha comportamental pode ser aplicado ao


brincar se considerarmos que o brincar pode ser uma oportu-
nidade para modificar vários repertórios da criança, cada um
deles criando a possibilidade de acesso a novos ambientes, que
irão, por sua vez, dar origem a novos comportamentos. En-
tre estes novos comportamentos, poderíamos incluir o próprio
comportamento de aprender a brincar, o qual, por sua vez, aju-
dará a criança a aumentar e sofisticar seu comportamento de
ouvinte, assim como a estabelecer e refinar o papel dela como
falante e instrutor. (DE ROSE & GIL, 2003, p. 381)

Portanto compreende-se que a classe comportamental do brin-


car, seja com brincadeiras ou jogos, de diferentes tipos e propósitos, é
uma atividade de papel significativo no desenvolvimento e que pro-
porciona interação entre os indivíduos, promovendo a possibilidade de
aspectos e situações reforçadoras.
O uso de ferramentas lúdicas no processo terapêutico, embora
recente, vem mostrando impacto relevante na intervenção com o pú-
blico infantil, uma vez que, além dos vários benefícios, é importante na
formação e manutenção de vínculo terapeuta-cliente.
Segundo Del Prette (2006) a importância dos jogos vem sendo
enfatizada por pesquisadores e teóricos como uma maneira pela qual
a criança aprende a controlar o ambiente e fortalecer suas habilidades
sociais e de raciocínio. O jogo intensifica os contatos da criança com o
mundo, fornece a oportunidade de fazer e manter amizades e ajuda a
criança a desenvolver uma autoimagem adequada.
Dito isso, os jogos possuem propriedades que podem ser utiliza-
das no processo terapêutico, desempenhando diferentes funções, com
o propósito de aprimorar a diversidade de repertórios comportamen-
tais na criança. Tomando o jogo como recurso, o terapeuta inicialmen-
te pode utilizar para a elaboração de uma avaliação comportamental
acerca do repertório já possuído pela criança, com isso reconhecendo
os comportamentos que necessitarão de intervenção.
Utilizando o que fora dito até aqui, fica evidente que atualmen-
te ainda nos deparamos com distintas compreensões no campo da
psicologia acerca do desenvolvimento humano e consequentemente,
de infância e aprendizagens. Focaremos então, à visão analítica-com-

CAPÍTULO RECURSOS LÚDICOS COMO FERRAMENTA TERAPÊUTICA: O USO DO JOGO E DO


9 BRINQUEDO NO SETTING TERAPÊUTICO 201
portamental, com foco na abordagem psicoterapêutica infantil e o
uso de recursos lúdicos, mais especificamente os jogos e brinquedos
no setting terapêutico.

O BRINCAR (JOGO E O BRINQUEDO) NO DESENVOLVI-


MENTO INFANTIL

Todas as maneiras de brincar podem ser transformadas na for-


ma e conteúdo no sentido de atender às necessidades dos sujeitos que
brincam. Estudo sobre o brincar representa grandes possibilidades in-
vestigativas e que podem trazer contribuições surpreendentes ao en-
tendimento de crianças em diferentes contextos sociais. Além disso,
diferentes estudos apresentam novas discussões, rompendo com a ideia
de que a criança não faz nada enquanto brinca ou como se o brincar
não fosse uma ação importante que merece a atenção de estudiosos
(ALMEIDA, 2014c).
O brincar não significa simplesmente passar o tempo ou recre-
ar-se, isto porque, o brincar é a forma mais completa que a criança
tem de comunicar-se e relacionar-se consigo mesma, o outro e o meio.
No brincar temos a linguagem, o pensamento, a motricidade, gerando
canais de comunicação e possibilidades. Sabemos que a linguagem cul-
tural própria da criança ontem, hoje e no amanhã é o brincar.
Segundo Almeida, (2014c) no lúdico não existem apenas pro-
blemas de desenvolvimento ou educativos, onde as crianças tentam
dominar através do brincar (usando o jogo, o brinquedo e a brincadei-
ra). Com frequência, brincar faz parte de seu esforço de simplesmente
entender o mundo. A garota que cuida das suas bonecas como sua mãe
faz com ela, e as crianças que brincam de trabalhar como os pais, estão
na verdade, tentando entendê-los, a princípio como pessoas, mas tam-
bém por suas ocupações, imitando seus atos. A criança pequena que
brinca imitando os irmãos mais velhos está tentando entendê-los e, ao
mesmo tempo, o que significa ficar mais velha.
De acordo com Almeida, (2014c) os esforços lúdicos da criança
podem ser realmente auto curativos, como quando brinca de cuidar
de bonecas, ou de animais de pano ou de verdade, como gostaria
que os pais cuidassem dela, e assim, por substituição, tenta compre-
ender as deficiências sentidas. Para Almeida, (2014c) o brincar vem
primeiro e os brinquedos vêm depois, não brincamos porque temos

202 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


brinquedos, os brinquedos são resultados de nossa vontade de brin-
car. Se o brincar é o resultado dos nossos desejos ou da nossa vontade
própria, o jogo simbólico será um grande instrumento catalisador
do brincar infantil. Além de ser um recurso educativo e terapêutico
importante no brincar das crianças e uma ponte entre a realidade e
a fantasia.
A história da brincadeira e consequentemente dos jogos sempre
esteve atrelada a fatores econômicos e sociais, inseridos na cultura, uti-
lizados na transmissão de valores e que vem passando por constante
mudança e construção, assim

a brincadeira é a porta de entrada da criança na cultura, sua apro-


priação passa por transformações histórico-culturais que seriam
impossíveis sem o aspecto sócio-econômico, neste sentido, a his-
tória, a cultura e a economia se fundem dialeticamente forne-
cendo subsídios, ou melhor, símbolos culturais, com os quais a
criança se identifica com sua cultura. (ALVES, 2007, p.2)

Conforme Del Prette (2006), o brincar é impactante no desen-


volvimento por ser bastante comum na infância, seja por meio de brin-
cadeiras, brinquedos ou jogos, estruturados ou não, além disso os jogos
são satisfatórios ao promoverem interação entre os envolvidos, ou seja,
a socialização dos indivíduos. Para Freud citado por Bettelheim (1988,
p.165) é através da brincadeira que,

a criança efetua suas primeiras grandes realizações culturais e psi-


cológicas, é através da brincadeira que ela expressa a si própria;
isso é verdade mesmo para um bebê, cuja brincadeira consiste
em nada mais do que sorrir para a mãe enquanto ela lhe sorri.
Percebeu também o quanto e como as crianças exprimem bem
seus sentimentos e pensamentos por meio das brincadeiras. São,
por vezes, sentimentos sobre os quais a própria criança permane-
ceria ignorante, ou sob os quais estaria esmagada se não lidasse
com eles representando-os sob a forma de fantasia lúdica.

Dentro dessa ótica, o brincar apresenta-se, como conteúdo impor-


tante, na perspectiva terapêutica. Os benefícios que a utilização do jogo/
brinquedo pode trazer na Terapia Comportamental Infantil (TCI) são
de grande relevância para o desenvolvimento da criança. O brincar e a
ludicidade são para Brown (ALMEIDA, 2014a, p. 21):

CAPÍTULO RECURSOS LÚDICOS COMO FERRAMENTA TERAPÊUTICA: O USO DO JOGO E DO


9 BRINQUEDO NO SETTING TERAPÊUTICO 203
Brincar é como nós somos feitos, como nós desenvolvemos
e nos ajustamos a mudanças; permite que expressemos nossa
alegria e nos conecta mais profundamente com o melhor de
nós mesmos e dos outros; é a forma mais pura de expressão
de amor. Quando um número suficiente de pessoas elevar o
brincar ao status que ele merece em nossas vidas, veremos que
o mundo será um lugar para vivermos.

De acordo com Almeida, (2014a) o brincar infantil constitui-se


uma atividade na qual as crianças, sozinhas ou em grupo, procuram
compreender o mundo e as ações humanas nas quais se inserem coti-
dianamente. No jogo, no brinquedo e na brincadeira, a criança expres-
sa sua visão do mundo de forma simbólica.
Para Winnicott (1975) é no brincar, e talvez apenas no brincar,
que a criança ou o adulto fruem sua liberdade de criação e de imagina-
ção. O jogo e o brinquedo devem ser apropriados pela criança de dife-
rentes formas e possibilidades, através da ação lúdica ela reproduz e re-
presenta cenas do seu dia a dia. Segundo Bomtempo (2005) o brincar
é um pedaço de cultura colocado ao alcance de todos em especial na
vida da criança. No brincar a criança pensa, representa, age e imagina.
Para Vygotsky (1991), o brincar é uma situação imaginária cria-
da pela criança onde o jogo, o brinquedo e a brincadeira são elementos
importantes no desenvolvimento da criança, em uma situação lúdica
ela cria novas interações entre situações cognitivas (do pensamento) e
situações reais (do dia a dia).
De tal modo, é através da brincadeira que a criança consegue
resolver conflitos e entender situações da “vida real”. É o momento em
que a criatividade aflora e tenta identificar seus limites, para alcançar
a superação, conhecendo o outro e praticando a empatia. Contudo,
a brincadeira proporciona às crianças uma liberdade para ser o que
desejar ou assumir papéis que almejam. Mas, as influências sociais in-
terferem diretamente na ação do brincar de uma criança, controlando
o tempo e modo de expressar-se.
Neste sentido, Bettelheim (1988, p.165) coloca que toda in-
teração lúdica tem um significado e uma importância na vida da
criança, segundo ele, devemos olhar de forma diferente o brincar de
faz de conta e principalmente respeitar todo e qualquer manifestação
lúdica infantil.

204 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Nenhuma criança brinca espontaneamente só para passar o
tempo, se bem que ela e os adultos que a observam possam
pensar assim, Mesmo quando entra numa brincadeira em parte
para preencher momentos vazios, sua escolha é motivada por
processos íntimos, desejos, problemas, ansiedades. O que está
acontecendo com a mente da criança determina suas atividades
lúdicas; brincar é sua linguagem secreta, que devemos respeitar
mesmo se não a entendemos.

Da mesma forma Froebel (1912) citado por Arce (2002), co-


menta que o brincar é a fase mais importante da infância – do desen-
volvimento humano neste período – por ser auto ativa a representação
do interno – a representação de necessidades e impulsos internos. A
brincadeira é a atividade espiritual mais pura do homem neste estágio
e, ao mesmo tempo, típica da vida humana enquanto um todo – da
vida natural interna no homem e de todas as coisas. O brincar dá ale-
gria, liberdade, contentamento, descanso externo e interno e paz com
o mundo.
Como dizia Freud o sonho é a “estrada real” para o mundo in-
terno consciente e inconsciente da criança; se quisermos conhecer seu
mundo interno e ajudá-la precisamos aprender a andar nessa estrada.
Através de uma brincadeira de criança, podemos compreender como
ela vê e constrói o mundo, o que ela gostaria que ele fosse e quais as
suas preocupações e que problemas a estão assediando. Pela brincadei-
ra, ela expressa o que teria dificuldades de colocar em palavras falada
ou escrita.
Freud em seus estudos reconheceu os múltiplos problemas e
emoções que as crianças expressam brincando, outros estudiosos, mos-
traram como elas usam a brincadeira para trabalharem e dominarem
dificuldades psicológicas bastante complexas do passado e do presente.
Tão valiosa é a brincadeira nesse contexto, que a “ludoterapia”, “lu-
dodiagnóstico” e a “Psicanálise através do Brinquedo” tornaram-se o
caminho principal para ajudar a criança pequena em suas dificuldades.
Na perspectiva psicanalítica, nossa experiência é vivida num
campo de realidade psíquica, o campo fenomênico dado pelo mundo
tal como o percebemos. Para a psicanálise, nossa relação com o mundo
é mediada por molduras invisíveis dadas por nossos órgãos dos senti-
dos, capacidade cognitiva, valores, desejos e hábitos. Não se trata de
uma “realidade falsa”, mas a realidade, tal como a percebemos. Nesse

CAPÍTULO RECURSOS LÚDICOS COMO FERRAMENTA TERAPÊUTICA: O USO DO JOGO E DO


9 BRINQUEDO NO SETTING TERAPÊUTICO 205
sentido, o que experimentamos como realidade não é um dado puro
ou objetivo, mas o resultado de uma ação psíquica que configura às
suas condições o que a ela chega.
Segundo Bettelheim (1988) a menina que brinca de boneca,

Antecipa sua possível maternidade futura e também tenta en-


frentar pressões emocionais do presente. Se ela estiver com
ciúme do cuidado que um irmão recebe da mãe, brincar de
boneca permite-lhe que represente e domine seus sentimentos
ambivalentes. Ela lida com os aspectos negativos tratando mal
a boneca, que representa o irmão. Desse modo simbólico, pode
puni-lo pelos ciúmes sofridos, dos quais ele é a causa inocente.
Pode remediar as atitudes negativas para com o irmão e satis-
fazer os elementos positivos de sua ambivalência quando cuida
bem da boneca, assim como a mãe faz com ele, e, desse modo,
livrar-se da culpa e identificar-se com a mãe. Em acréscimo, a
menina também se identifica com a boneca, recebendo indi-
retamente o cuidado que a mãe prodigaliza ao irmão. Assim
numa infinidade de formas, brincar de boneca está intimamen-
te ligado à relação da menina com a mãe. (p. 211-212).

No espaço imaginário também pode ser associado a um espa-


ço de ilusão, que muitos psicanalistas chamam de espaço transicional,
constituído nas primeiras relações da criança, no espaço intermediário
entre seu mundo interno e o externo; entre a experiência de ser fundi-
do com o outro (quem faça a função dos cuidados maternos) e a cons-
trução da capacidade de se relacionar com o mundo externo.
O “espaço entre” é nossa própria capacidade de fantasiar, o espa-
ço lúdico e criativo que tanto admiramos nas crianças pequenas e que,
em parte, perdemos com o ingresso nas coisas sérias do mundo adulto.
Em “O escritor e a fantasia”, Freud caminha nessa direção, ao compa-
rar a atividade criativa com o brincar infantil:

(...) brincar infantil: Não deveríamos buscar na infância os pri-


meiros traços de atividade criativa? A ocupação mais querida e
mais intensa da criança é a brincadeira. Talvez possamos dizer
que toda criança, ao brincar, comporta-se como um criador
literário, pois constrói para si um mundo próprio, ou, mais
exatamente, arranja as coisas de seu mundo numa ordem nova,
do seu agrado. (...) Não obstante todo o investimento de afe-
to, a criança distingue muito bem da realidade o seu mundo

206 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


de brincadeira, e gosta de basear nas coisas palpáveis e visíveis
do mundo real os objetos e situações que imagina. (FREUD,
1908, p. 328).

O psicanalista inglês Donald Winnicott (1951) considera que


essa atividade criativa e de brincar deriva de um espaço transicional,
aquele que se constitui nos primeiros anos de vida, entre o fechamento
em si e a capacidade de estabelecer verdadeiras relações de objeto. A
criação de uma realidade interna através daquele espaço é a condição,
inclusive, para a capacidade de estar só, o que Winnicott identifica
como um indicador de amadurecimento subjetivo:

(...) todo indivíduo que alcançou a condição de ser uma uni-


dade (com uma membrana limitadora entre o exterior e o seu
interior) possui uma realidade interna, um mundo interno que
pode ser rico ou pobre, e que pode estar em paz ou em estado
de guerra. (...) existe uma terceira parte na vida do indivíduo,
parte essa que não podemos ignorar, uma região intermediária
da experimentação, para a qual contribuem tanto a realidade
interna quanto a vida externa (...) Estou, portanto, estudando
a substância da ilusão, aquela que admitimos na criança, e que,
na vida adulta, é inerente à arte e à religião. (WINNICOTT,
1951, p. 317).

Trata-se de um espaço lúdico, com potencial criativo. Diz Win-


nicott (1951, p. 320) sobre o objeto transicional:

O objeto é afetuosamente acariciado tanto quanto amado com


excitação e mutilado (...). Seu destino é o de poder ser gradual-
mente descatexizado (desinvestido), de modo que, no decorrer
dos anos, ele se torne não tanto esquecido, mas relegado ao
limbo. Com isso quero dizer que, na saúde, o objeto transi-
cional não “vai para dentro”, nem o sentimento a seu respeito
sofre repressão necessariamente (...). Neste ponto, meu tema
amplia-se, abarcando o brincar, a criação e a apreciação da arte,
o sentimento religioso, o sonho, e também o fetiche, a mentira
e o roubo, a origem e a perda dos sentimentos de afeição, a adi-
ção a drogas, o talismã do ritual obsessivo, e assim por diante.

A capacidade lúdica seria a mais fundamental de nossas caracte-


rísticas. O termo ‘ilusão’ remete ao latim inludere, no lúdico, nossa ca-

CAPÍTULO RECURSOS LÚDICOS COMO FERRAMENTA TERAPÊUTICA: O USO DO JOGO E DO


9 BRINQUEDO NO SETTING TERAPÊUTICO 207
pacidade de transcendermos o imediato, criarmos sentidos e narrativas
para nossas experiências e habitarmos outros espaços. Segundo Bogost
(2016, p. 68-9).

Os games não são atraentes porque são divertidos, mas porque


eles são limitados; porque eles erguem fronteiras; porque preci-
samos aceitar suas estruturas para brincar com eles.

A TERAPIA COMPORTAMENTAL INFANTIL

Embora Conte e Regra (2000) destaquem que existam indícios


de atendimento comportamental com crianças em 1920, foi somente
a partir de 1950 que a psicoterapia comportamental fixou-se como
modelo psicoterápico. A atuação com o público infantil com base na
Análise do Comportamento passou por mudanças graduais e impor-
tantes, não só de nomenclatura.
Segundo Watson e Gresham (1998) apud Gadelha e Menezes
(2004), na época em que era conhecida por modificação do compor-
tamento, a terapia com base comportamental baseava-se em uma não
participação direta da criança durante o processo terapêutico, assim
como as entrevistas com ela não eram comuns e suas dificuldades eram
acessadas por meio de instrumentos como “[...] inventários e check-
-lists que abrangiam uma variedade de comportamentos-problema
presentes nos quadros de ansiedade, depressão, timidez e agressividade
[...]” (p. 59); as queixas acerca dos comportamentos da criança partiam
dos pais ou da escola e as entrevistas eram realizadas com os adultos
e a partir dos relatos obtidos, o terapeuta procurava indicar os com-
portamentos-problema da criança. Quanto às crianças, “[...] não eram
perguntadas sobre como se sentiam ou sobre o que observavam de seu
próprio comportamento ou do comportamento dos pais [...]” (p.59);
além disso,

raramente os eventos privados da criança faziam parte da aná-


lise da queixa [...] [eles] poderiam ser relevantes, porém pare-
ciam não servir aos propósitos da investigação ou mesmo da
atuação na clínica [...] [além disso] acreditava-se que a alteração
de contingências ambientais relevantes afetaria tanto as respos-
tas públicas como as respostas privadas. (CONTE & REGRA,
2000, pp. 80-81 - grifos nossos)

208 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Porém, diante das especialidades que foram surgindo, “[...] es-
tudos relacionados ao comportamento verbal, comportamento gover-
nado por regras e equivalência de estímulos, dentre outros [...]” (GA-
DELHA E MENEZES, 2004, p. 59) e as necessidades advindas com
o reconhecimento da infância como um grupo com demandas diversas
e que requer abordagens diferenciadas às dos adultos, a criança foi se
tornando parte ativa da psicoterapia e transformou-se em mensageira
de suas próprias queixas, comportamentos e sentimentos, além disso,
o próprio terapeuta foi sendo reconhecido como a outra parte da re-
lação terapêutica, e os seus comportamentos na sessão também foram
sendo considerados relevantes e analisados funcionalmente em relação
ao ambiente.
Dito isso, a Terapia Comportamental Infantil propriamente dita se
estabeleceu como modelo psicoterapêutico em 1960. Com isso, o com-
portamento infantil passou a ser analisado funcionalmente de acordo
com o ambiente em que está inserido, tais como a família e a escola,
e seus comportamentos privados também passaram a ser considerados
pertinentes. Segundo Conte (1993) apud Moura e Conte (1997),

é necessário ainda que o psicoterapeuta infantil tenha capaci-


dade para permanecer relaxado frente à criança, que goste e
saiba brincar, tenha habilidade para fazer coisas que as crianças
gostem, seja flexível e criativo, saiba lidar com pressões, e não
seja ansioso em relação à obtenção de resultados positivos ime-
diatos. (p.6)

Assim, destacamos que é fundamental para o profissional atuante


com esse público, ter conhecimentos acerca do universo infantil, mos-
trando que sabe lidar com os progressos assim como também com a
não obtenção de resultados imediatos, testando hipóteses e utilizando
estratégias que busquem o fortalecimento do vínculo terapêutico.

USO DE RECURSOS LÚDICOS E O PAPEL DO JOGO E DO


BRINQUEDO NA PSICOTERAPIA COMPORTAMENTAL

Conforme Regra (2000), o uso de recursos e as formas de inter-


venção durante o processo terapêutico foram se modificando com o
passar das décadas e com isso formas inovadoras de compreensão desse
processo também foram surgindo. Dentre tais recursos, estão inclusos

CAPÍTULO RECURSOS LÚDICOS COMO FERRAMENTA TERAPÊUTICA: O USO DO JOGO E DO


9 BRINQUEDO NO SETTING TERAPÊUTICO 209
os lúdicos, incluindo o brincar como terapêutico e o jogo como inter-
venção efetiva nesse processo.
Silva (2016) aponta que o brincar dentro do setting terapêutico
é um método de acesso indispensável e importante para que a criança
tenha acesso ao seu próprio mundo, mostrando-se como um dispositi-
vo de avaliação e intervenção que reforça o comportamento da criança.
Ademais, Del Prette (2006) afirma que o brincar possibilita a constru-
ção e o estabelecimento da aliança terapêutica, o que consequentemen-
te diminui o risco de abandono da terapia, “[...] pode contribuir, por
essa via, para o engajamento da criança no processo e, portanto, para a
efetividade da terapia.” (p.5)
Segundo Gadelha e Menezes (2004), o uso de recursos lúdicos,
embora seja algo considerado novo pela Terapia Comportamental In-
fantil “[...] tem mostrado uma área de atividade clínica que beneficia
crianças e suas famílias, pois favorece a aquisição de comportamentos
sociais importantes e a melhora nas interações sociais [...]” (p.58), sa-
lientando ainda que por recursos lúdicos podemos considerar qualquer
objeto que a criança em sua leitura lúdica venha a ser considerado um
brinquedo. Além disso, cabe salientar que na interação com a criança,
é importante compreender como o ambiente tem influenciado o com-
portamento, e que, portanto, as relações são fundamentais e diante das
quais apreender a função de suas expressões e como ela interioriza tais
experiências, para tanto, os recursos lúdicos buscam tornar essa comu-
nicação terapeuta-cliente viável e fortalecida. Dentre tais recursos,

incluem desenhar ou contar histórias, fantasiar, imaginar e in-


terpretar situações, usar bonecos e jogos, pinturas, colagens,
argila, massa plástica de modelagem, música, entre outros ins-
trumentos que caracterizam uma situação natural para a crian-
ça e um ambiente livre de censura para a exposição de seus
sentimentos. (GADELHA e MENEZES, 2004, p. 60)

É através das intervenções lúdicas e observações, apoiadas em


um vínculo terapêutico que torna-se possível o terapeuta acessar com-
portamentos mais próximos aos “naturais”, ou seja durante a terapia
é possível que a criança apresente comportamentos bem próximos aos
que ela mostra em ambientes não controlados.
Até então a modalidade do brincar espontâneo era o predomi-
nante e que continua muito presente no setting até os dias atuais, po-

210 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


rém os jogos foram sendo inseridos gradualmente e ganharam espaço
como ferramenta terapêutica. A partir dos jogos, a criança pode de-
senvolver diferentes repertórios e exercer diferentes funções dentro de
algum cenário específico. Cabe ao terapeuta infantil avaliar, a priori, o
repertório comportamental da criança e como a mesma reage perante
seus pares e com o profissional, identificando aspectos que estão pre-
sentes em seu comportamento na vida cotidiana e quais intervenções
serão necessárias.
Vale salientar, que os jogos também proporcionam consequências
naturais reforçadoras. Conforme De Rose e Gil (2003) o jogo é um
espaço de contingências, podendo ser entendido como um espaço de
múltiplas probabilidades, expondo a criança a diversos estímulos, pro-
porcionando a aquisição de comportamentos diferenciados diante de
tais estímulos, enriquecendo assim o seu repertório comportamental.  
No quadro 1 apresentamos Jogos/Brinquedos para Desenvol-
vimento de Habilidades no Processo Terapêutico com seus objetivos
e como trabalhar a habilidade desejada. Essas habilidades foram dividi-
das nos seguintes eixos: habilidades de leitura e escrita; raciocínio lógi-
co e resolução de problemas; atenção e concentração; baixa tolerância
a frustração e habilidades numéricas e raciocínio numérico.

Quadro 1

JOGOS/BRINQUEDOS PARA DESENVOLVIMENTO DE HABILIDADES NO


PROCESSO TERAPÊUTICO
Como trabalhar a
Jogos Objetivo do jogo
habilidade
HABILIDADES DE LEITURA E ESCRITA
A leitura pode ser trabalhada
Este jogo possui 24 temas que a
com a escolha dos temas,
criança pode escolher para responder. em que a própria criança
A partir da letra que cair na roleta, a
precisa ler para escolher
criança deve jogar a bolinha no lugar
dentre os 24 temas e a
Responda se indicado e se acertar e for a mais
escrita pode ser trabalhada
Puder rápida, deve falar uma palavra que
com a identificação de qual
inicia com a letra que caiu na roleta.
letra inicia a palavra que
Caso acerte ganha uma ficha, ao final
ela precisa verbalizar para
quem tiver mais fichas no tabuleiro
ganhar a fichinha (soletração
ganha o jogo.
e ditado).

CAPÍTULO RECURSOS LÚDICOS COMO FERRAMENTA TERAPÊUTICA: O USO DO JOGO E DO


9 BRINQUEDO NO SETTING TERAPÊUTICO 211
Pode ser trabalhada a leitura
O jogador terá de fazer as ações que
neste jogo, pois as crianças
estiverem descritas nas cartas, como
Se Vira devem ler as cartinhas para
equilibrar a bolinha embaixo do
identificar a tarefa a ser
queixo ou por a carta sobre a cabeça.
cumprida.
Pode ser trabalhado a
leitura, pois a criança
precisará ler as cartas para
Jogo formado por 104 cartas que
dar continuidade a história
trazem palavra em sua face. É a partir
formada conjuntamente
dela que os jogadores devem contar
Eu Conto! com os outros jogadores.
histórias. Cada um dos participantes
Com o jogo, também pode
deve contribuir para o desenrolar da
ser trabalhado a formação
história até seu desfecho.
de conceitos e de conexão
de ideias para a formação de
texto.
Os jogadores devem conseguir falar
o maior número de palavras de
Podemos trabalhar leitura,
acordo com um determinado tema, em que a criança terá que ler
enquanto corre o tempo. De acordo
o que está escrito nos balões
com o número de palavras ditas,
Tribo das do tabuleiro, e também
o jogador poderá sortear as cartas
Palavras escrita na identificação das
personagens que são divididas em
iniciais das palavras, para
cabeça, tronco e pernas para que se
acertar a letrinha que foi
forme um personagem. Aquele que
conseguir formar o maior número de selecionada para cada tema.
personagens corretas vence o jogo.
O objetivo é desvendar o personagem
do adversário. Cada jogador seleciona Pode ser trabalhada a leitura
um dos personagens e faz perguntas com as crianças, a partir do
Cara a Cara sobre as características do personagem momento e que essas têm que
do adversário para adivinhar o que ele ler os nomes dos personagens
escolheu. As respostas são sempre sim que fazem parte do jogo.
ou não.
Com esse jogo pode ser
Um tema é escolhido pelo jogador,
trabalhada a escrita, quando
como frutas, carros, flores, cores,
a criança precisa pensar em
Batalha das etc. Então a criança lança o dado,
palavras que iniciem com a
Letras para sortear uma letra. Em seguida,
letra sorteada e que derrubem
fala uma palavra do tema escolhido o maior número de letras do
iniciada pela letra sorteada.
adversário.
Com ele a leitura pode ser
Um participante deve acertar o que o trabalhada, pois a criança
outro está desenhando. O jogo tem precisará ler as cartinhas para
Acerte o
528 palavras para serem desenhadas, desenhar para seu parceiro
Desenho
além de quadros brancos com as ou para o seu adversário
canetas especiais. adivinhar, o que está sendo
desenhado.

212 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Neste jogo a criança precisa
ler as sílabas expressas nas
No jogo, são apresentados códigos cartas e raciocinar em cima
Jogo Palavra (sílabas) que devem ser decifrados de seus conhecimentos sobre
Secreta para a formação de uma nova palavra. outras palavras, para fazer a
O primeiro o código, vence. junção das sílabas e formar
uma nova palavra, que não
havia sido expressa no jogo.
Jogo pode ser utilizado para
aprimoramento da escrita,
A criança precisa usar o raciocínio haja
vista que a criança vai
Corrida das
precisar montar a palavra
Palavras –Turma para formar palavras e subir cada vez no tabuleiro,
e buscar a
da Mônica mais no tabuleiro.
vitória, quando conseguir o
maior número de palavras
formadas.
O jogador lança-se um dado, para
definir quantos discos devem ser
virados. Então, trata-se de formar
com eles uma palavra de duas ou
Criança vai trabalhar sua
mais letras. Os discos usados são
habilidade de escrita, pois
retirados do tabuleiro e ficam à frente
terá que formar palavra com
do jogador. Os que não utilizaram
Jogo Vira Letras as fichas viradas, a partir do
tornam a ser virados, permanecendo
na mesma posição no tabuleiro. Nas número tirado no dado,
trabalhando a formação de
jogadas seguintes, elas poderão ser
palavras.
úteis a um competidor que precise de
uma determinada letra e saiba onde
encontrá-la. Vence quem conquistar
mais discos.
Soletrando é uma competição de Neste jogo, pode-se trabalhar
soletrar para as crianças. É possível a escrita de forma mais
realizar a atividade também no dinâmica, ou seja, com
Jogo Soletrando computador. Se necessário, poderão a criança digitando no
pedir dicas. De maneira interativa, a computador o que pode
marcação dos pontos e das rodadas é ser mais interessante para
feita no tabuleiro. algumas crianças.
Jogo com diversas cartas em que a
criança terá que fazer a mímica do que
está sendo apresentado na carta. O
Pode ser trabalhada a
jogo continua com a criança pegando
leitura a partir das palavras
Jogo uma carta em cada jogada, mas tendo
apresentadas nas cartinhas
Memomímica que apresentar todas as outras cartas
que a criança terá que ler
que já haviam sido pegas por ele em
para fazer as mímicas.
sequência, através de mimica, sem
olhar as cartas novamente. Caso
esqueça alguma carta perde o jogo.

CAPÍTULO RECURSOS LÚDICOS COMO FERRAMENTA TERAPÊUTICA: O USO DO JOGO E DO


9 BRINQUEDO NO SETTING TERAPÊUTICO 213
Trabalhar a escrita por meio
A criança gira a roleta, tira uma letra da brincadeira, identificando
e preenche sua cartela com temas que erros e auxiliando na correção
Stop – Turma da serão sorteados dentro do saquinho. dos mesmos quando ocorrer.
Mônica O que a Magali gosta de comer? Do A leitura pode ser trabalhada
que a turminha brinca? A criança deve no sorteio, em que a própria
responder rápido e pedir stop. criança terá que ler os temas,
para formar as categorias.
HABILIDADES DE RACIOCÍNIO LÓGICO E RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS
Neste jogo, as crianças terão
que pensar logicamente e
resolver problemas juntando
A partir de um crime, a cada rodada
as dicas que receberam
os participantes buscam eliminar ao longo da partida, para
pelo menos uma possibilidade, até
descobrirem os mistérios.
Detetive que finalmente restarão pouquíssimas
Eles terão que resolver
cartas e será possível fazer a acusação,
problemas, à medida que
sobre o crime. Caso acerte, vence o
terão que dar dicas para o
jogo. Mas, se errar, é eliminado.
adversário, evitando ajudá-lo
demais, para ele não ganhar
o jogo.
Neste jogo, a criança será
colocada em contato com a
Jogo em que a Criança recebe uma
realidade diária das famílias,
mesada, mas ao longo do jogo
em que terá que lidar com
terá que pagar por muitas coisas,
dinheiro e estruturar suas
como shopping, escola de Natação,
contas, ela terá que fazer
construção da casa da árvore, sem
Jogo da Mesada saber se vai sobrar dinheiro, para tudo. cálculos e pensar logicamente
como estruturar suas
O jogo termina quando a criança
despesas. A criança entra em
chegar ao final do mês, pagando todas
contato com a resolução de
as suas contas e empréstimos. Quem
problemas, pensando se pode
tiver mais dinheiro sobrando no final
gastar o dinheiro ou não,
do mês é o grande vencedor. quanto gastar e de que forma
gastar.
Neste jogo, as crianças
precisam buscar as melhores
estratégias para chegarem
O objetivo do jogo é levar todo o
à caixa forte com a maior
dinheiro desde a casa do participante
quantidade de dinheiro.
até a Caixa Forte. Os participantes
Elas terão que escolher por
podem escolher vários caminhos:
caminhos mais arriscados e
alguns são mais longos e seguros,
Jogo Corrida a arcar com as consequências
outros são mais curtos, porém mais
Caixa Forte que podem surgir, ou
arriscados. Durante o percurso, os
caminhos mais demorados e
jogadores podem ganhar ou perder
perderem o jogo. Um jogo
dinheiro, conforme vão avançando. muito interessante para a
O objetivo é chegar à caixa forte com
criança trabalhar resolução
mais dinheiro que os outros jogadores.
de problemas e raciocínio
lógico quando precisa decidir
por qual caminho seguir.

214 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Criança precisará raciocinar
logicamente em onde
War é uma batalha em que cada
colocar suas pecinhas para
jogador precisa usar toda sua
atingir seus objetivos, terá
War inteligência, raciocínio e astúcia para
que levantar hipóteses de
derrotar seus adversários e conquistar
territórios e continentes. quais são os objetivos de
seus adversários para assim
combatê-los.
O objetivo é desvendar a personagem Jogo que a criança vai precisar
do adversário. Cada jogador seleciona desenvolver um raciocínio
uma das personagens e faz perguntas lógico, para fazer as perguntas
Cara a Cara sobre as características da personagem certas ao seu adversário, para
do adversário para adivinhar o que ele que assim consiga desvendar
escolheu. As respostas são sempre sim a personagem antes do
ou não. adversário.
Neste jogo, pode ser
trabalhado com a criança o
raciocínio lógico, em que as
crianças precisarão fazer sua
jogada e ao mesmo tempo
O objetivo do jogo é imobilizar ou
se protegerem. A criança terá
capturar todas as peças do adversário.
que resolver problemas que
Na dama, suas pedras andam só
se apresentarão ao longo do
para frente, uma casa de cada vez.
jogo, como o adversário virar
Dama Quando a pedra atinge a oitava linha
do tabuleiro ela é promovida à dama. dama, e como fugir dele para
virar dama também. Jogo
A dama é uma peça de movimentos
que exige das crianças muita
mais amplos, ela anda para frente e
atenção para resolver os
para trás, quantas casas quiser.
problemas que se apresentam
e muito raciocínio para
encontrar as melhores
jogadas e estratégias para
ganhar o jogo.
A criança precisa identificar
as melhores formas de
O jogador que enfileirar primeiro alcançar seu objetivo,
quatro das suas peças nas posições fazendo com que seu
Lig 4
vertical, horizontal ou diagonal, vence adversário não identifique
o jogo. o que se está buscando e
também tentando bloquear o
adversário.
Jogo em que a criança
Ao todo são 50 quebra-cabeças
precisa de muito raciocínio
diferentes. O jogador escolhe um
lógico, mexendo nas peças
dos quebra-cabeças e vai tentando
e muitas vezes trocando
encaixar as peças. O jogador vai
algumas que já haviam sido
Cilada encaixando as peças sobre as formas
encaixadas, para que todas
correspondentes no tabuleiro, em
qualquer ordem. Para vencer a Cilada, sejam encaixadas. A criança
precisa resolver o problema
você tem que encaixar todas as peças
que é encaixar todas as peças
do quebra-cabeça que você escolheu.
do quebra-cabeça escolhido.

CAPÍTULO RECURSOS LÚDICOS COMO FERRAMENTA TERAPÊUTICA: O USO DO JOGO E DO


9 BRINQUEDO NO SETTING TERAPÊUTICO 215
Neste jogo, as crianças
poderão trabalhar com suas
Um jogo no qual participam dois habilidades de raciocínio
jogadores que posicionam sua lógico e aprimorá-las para
esquadra e tente imaginar como seu atingir as embarcações
Batalha Naval adversário organizou a dele. Lógica, adversárias. Elas terão que
dedução e estratégia são elementos resolver o problema na
para disparar tiros certeiros e destruir identificação de onde estão
embarcações inimigas. as embarcações adversárias
a partir dos ataques
malsucedidos.
Neste jogo, a criança vai
precisar pensar logicamente,
O jogador escolhe um bloco e precisa
para retirar as peças certas
ser preciso em seus movimentos, para
da torre, colocando a força
não deixar a torre cair. Depois de
adequada e identificando o
retirar o bloco o jogador deve passar o
Jenga lado certo de retirar as peças,
bloco que retirou da base para o topo.
para que a torre não caia.
O último jogador a conseguir mover Além disso, a criança terá
um bloco da torre sem deixá-la cair
que pensar em como colocar
será o vencedor!
a peça novamente na torre
sem derrubá-la.
Neste jogo, a criança terá que
criar estratégias de ataque e
de defesa. A criança precisará
O jogador deve preparar os soldados raciocinar logicamente para
e definir uma estratégia de guerra. identificar onde atacar e
Combate Ele deve avançar com sua tropa, sem com quem atacar. Também
descuidar de proteger o prisioneiro precisará, no começo do
inimigo. jogo, buscar uma estratégia
para esconder o prisioneiro e
não deixar que o adversário o
encontre com facilidade.

O objetivo é chegar ao personagem


da carta sorteada antes do adversário, As crianças podem trabalhar
mas como é um labirinto, o tabuleiro com esse jogo a resolução
está sempre em movimento. Estimula de problemas, montando
a coordenação, estratégia, memória, estratégias de como alcançar
Labirinto criatividade e lógica para chegar os personagens que caíram
primeiro ao objetivo. A cada rodada, o para elas. Elas também
jogador pode transformar o caminho, poderão atrapalhar ou
para que seu boneco consiga chegar ajudar seu adversário, com as
primeiro e, ao mesmo tempo, jogadas que realizarem.
atrapalhar o adversário.

Para jogar, é preciso preencher as A criança terá que criar


Sudoku Júnior casas do tabuleiro com as fichas dos estratégias para se organizar
Turma da personagens da Turma da Mônica, durante o jogo e também
Mônica sem repeti-los nas linhas, nas colunas raciocinar muito para ganhar
ou nos quadrantes. o jogo.

216 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


HABILIDADES DE ATENÇÃO E CONCENTRAÇÃO
Neste jogo a criança vai
precisar estar atenta a todos os
detalhes, como cores e locais
Os jogadores recebem as cartelas com das personagens ou objetos.
Quanto mais concentrada a
figuras que estão no tabuleiro. Depois criança estiver mais rápido
do sinal, devem tentar localizá- será o processo de localização
Lince
las rapidamente, com suas fichas e colocação de suas fichas.
coloridas. Quem colocar primeiro as Neste jogo o profissional
fichas será o vencedor. pode ensinar a criança a
discriminar detalhes, como
observar formas, cores,
locais, etc.
Criança precisará estar atenta
Neste jogo, o jogador deve puxar uma às jogadas que irá fazer. Ao
vareta para fora do tubo, mas com longo do jogo terá que avaliar
cuidado, se a bolinha cair ela vai para onde deixará cair menos
Cai não Cai
sua divisão, e ao final do jogo, quem bolinhas. Para isso, terá que
tiver menos bolinhas na sua divisão, é estar atenta e concentrada às
o vencedor. suas jogadas e às jogadas de
seu adversário.
A criança precisará estar
O jogador que enfileirar primeiro atenta
a todas as jogadas de
quatro das suas peças nas posições bloquear quandopara
seu adversário, poder
Lig 4 o mesmo
vertical, horizontal ou diagonal, vence estiver com três fichas
o jogo.
seguidas, caso contrário
perderá o jogo.
O objetivo desse jogo é tentar colocar
os elásticos de cabelo nos dedos Neste jogo, a criança
conforme a combinação mostrada precisará estar atenta às cores
Entrelaçados nas cartas o mais rápido possível. Em dos elásticos e à ordem de
seguida o jogador deve bater na sineta colocação dos mesmos, em
e a carta será sua. Quem tiver mais sua mão.
cartas ganha.
A criança terá que ficar atenta
às cartas para discriminar as
Jogo MR Potato O
jogador deve encontrar todas as
características apresentadas
peças e montar seu próprio Potato
Head Monta na ficha sorteada, para montar
Head primeiro. O jogador que tocar
Batatas sua batata igual. Terão muitas
o sino primeiro, vence o jogo.
fichas diferentes em cena
para distrair a criança.
O jogador escolhe um dos quebra-
O jogador terá que estar
cabeças e vai tentando encaixar
atento às formas e dimensões
Cilada as peças. Para vencer a Cilada, é
para encaixar as peças certas
necessário encaixar todas as peças do
no lugar certo.
quebra-cabeça escolhido.

CAPÍTULO RECURSOS LÚDICOS COMO FERRAMENTA TERAPÊUTICA: O USO DO JOGO E DO


9 BRINQUEDO NO SETTING TERAPÊUTICO 217
O jogador escolhe um bloco e precisa
ser preciso em seus movimentos, para
não deixar a torre cair. Depois de Neste jogo a criança precisará
retirar o bloco o jogador deve passar o de atenção para discriminar
Jenga
bloco que retirou da base para o topo. qual a melhor peça a ser
O último jogador a conseguir mover retirada, para a torre não cair.
um bloco da torre sem deixá-la cair
será o vencedor.
Neste jogo, a criança
precisará de concentração e
O jogador deverá montar uma
atenção para identificar as
estratégia colocando as mãos e os pés
melhores jogadas, em que
Twister nos círculos coloridos indicados pela deverá buscar os círculos
roleta, mas precisará de cuidado para
mais próximos das cores
não se desequilibrar e cair. Caso caia,
indicadas, que muitas vezes
os oponentes ganham.
poderão estar atrás da criança
ou ao seu lado.
Pode-se começas a trabalhar
a atenção com a criança a
partir da montagem da cena
no tabuleiro, deixando que
a própria criança identifique
onde deve colocar cada
O jogador vai precisar sair do carrinho.
Depois, durante
o jogo, ela vai precisar ficar
congestionamento, para isso precisará
Hora do Rush
mexer com os outros carros liberando concentrada
nas jogadas que
precisará fazer, discriminado
a passagem do carro vermelho.
ao longo do jogo quais
carrinhos estão bloqueando
sua passagem, e isso pode não
estar evidente, pois pode ser
um carrinho mais distante
e não o que está logo à sua
frente.
Neste jogo, a criança estará
sobre controle dos estímulos
O jogador deve repetir as sequências cores e sons, atentando-se
Genius
de luzes e sons sem errar. para discriminar a sequência
de cores e sons apresentados
e depois repeti-los na sua vez.
A criança deverá identificar
e criar uma estratégia para
O objetivo do jogo é eliminar os eliminar o maior número
Resta 1 pinos até que reste só um no centro de pinos, para isso precisará
do tabuleiro. discriminar com quais
pinos ela deverá mexer para
alcançar seus objetivos.

218 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Neste jogo, a criança vai
O objetivo é fazer o maior número de
precisar identificar quais
pontos, retirando as varetas do monte
varetas estão mais acessíveis
sem que elas se mexam. Cada cor de
para retirada e buscar as que
Vareta vareta tem uma pontuação. Somente valem mais pontos. Para isso
a vareta preta poderá ser usada para
retirar as outras, e perderá a vez aquele a criança vai ter que focar
que estiver tentando tirar a vareta sua atenção nos estímulos
escolhida e mexer com as outras. apresentados e discriminar as
melhores jogadas.
Neste jogo, a criança deverá
Se a primeira carta da sua pilha
ficar atenta ao estimulo cor,
for igual à carta de outro jogador, a
que irá aparecer nas cartas,
criança deverá ser a primeira a bater quanto mais rápido ela
Whac a Mole na Carta-Marreta. O primeiro que
identificar que as cartas são
bater, fica com todas as cartas das duas
iguais, ou seja, tem as mesmas
pilhas. Vence quem ficar com todas as
cores, e bater na marreta,
cartas
mais cartas irá ganhar.
HABILIDADES DE BAIXA TOLERÂNCIA A FRUSTRAÇÃO
Neste jogo, podem ser
Não é necessário saber ler para jogar. trabalhados com a criança
Pelo caminho, as crianças passam por os comportamentos de
diversos castelos de doces. A criança frustração, pois o mesmo
gira a roleta e anda até a cor indicada, pode estar ganhando e de
Candy Landy
para encontrar o rei dos doces. Porém repente tirar um doce que
se na roleta cair um doce pelo qual o está atrás dele no tabuleiro
jogador já passou, o mesmo terá que e o mesmo terá que voltar
voltar para casa indicada. todas as casas até a que tirou
na roleta.
Um jogo que possibilita
que os comportamentos de
frustração apareçam, além de
Nesse jogo, ganha quem capturar mais todos os comportamentos de
Tapa Certo imagens dos personagens utilizando raiva também. Como é um
as “mãozinhas” com ventosas. jogo rápido, com trocas de
personagens rápidas, pode ser
um jogo muito interessante
para trabalhar a frustração.
Um jogo que a criança precisa
de muita atenção e cuidado.
Como tem grandes chances
O jogador deve tirar as peças do de
encostar nas bordas,
paciente sem encostar nas bordas, ou écomportamento
alta a probabilidade do
Operando
de frustração
o nariz dele acende.
ocorrer. O profissional pode
dar modelos a criança de
como se comportar quando
perder.

CAPÍTULO RECURSOS LÚDICOS COMO FERRAMENTA TERAPÊUTICA: O USO DO JOGO E DO


9 BRINQUEDO NO SETTING TERAPÊUTICO 219
Um jogo em que a
criança pode apresentar
comportamentos de
frustração todas as vezes que
Com a ajuda de um trampolim, a
não consegue arremessar
criança deve arremessar e acertar o
e acertar seu macaco na
macaco na árvore. Assim, o jogador
Pula Macaco árvore. Além disso, o
ganha uma banana. Quanto mais
comportamento também
bananas juntar, mais chance terá de
pode aparecer quando acerta
ganhar. o macaco e o mesmo fica
pendurado, mas o adversário
o derruba, perdendo assim
sua banana.
Um jogo que coloca a
criança em contato com a
expectativa e a espera. Ela
Se o pirata pular na sua vez, perde-se terá
que trabalhar com a sua
Jogo Pula Pirata frustração, pois em algum
o jogo.
momento o pirata vai pular
na sua vez. Um jogo rápido
que permite o ganhar e
perder várias vezes.
Jogo para trabalhar a
frustração na medida em que
o adversário deve se esforçar
O jogador usa a tromba do Elefun para pegar mais que a criança,
Jogo Elefun
para pegar os lanches. No final, quem assim o comportamento
Picnic no Safari
pegar mais lanchinhos ganha o jogo. vai aparecer e poderá ser
trabalhado, pelo modelo do
profissional e pelo contato
com o perder e o ganhar.
Um jogo que não permite
Se o jogador puxar a batata errada, muitas manobras da criança
Jogo Puxa-Puxa voa batata pra todo lado, e assim o para ganhar, pois ela terá que
Batatinha
jogador perde o jogo. tirar uma batata que pode ser
a que leva todas para o ar.
O comportamento de
O objetivo é manter o coelho dentro frustração pode aparecer no
da toca. Ao girar a seta do disco, momento de girar a roleta
descobre-se o que fazer, quantas e não conseguir nenhuma
cenouras tirar. O jogador deve colocar cenoura, ou conseguir menos
Jogo Pula
as cenouras recolhidas na cesta, mas se cenouras que os adversários.
Coelho
puxar a cenoura errada, o coelhinho O mesmo comportamento
pula para fora da toca. Quem pegar pode aparecer quando um
o coelho ganha duas cenouras de seu dos adversários pega o coelho
adversário. e escolhe a criança para
perder duas de suas cenouras.
Nesta brincadeira, o jogador precisa Um jogo que pode trabalhar
quebrar os cubos de gelo um a um a frustração, na medida
Quebra Gelo usando o martelinho. Mas não pode em que a criança escolhe a
derrubar o urso, pois, se ele cair, o jogada errada derrubando o
jogador perde o jogo. urso e perdendo o jogo.

220 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Cada jogador tem a chance de jogar
um dado e de mover o número de
passos de acordo com o número Um jogo com várias subidas
apresentado no dado. Caso caia em e descidas, no qual pode-se
Jogo da Cobra e uma casa com a escada, o jogador vai trabalhar a frustração durante
Escada seguir até o fim dela. Caso caia em todo ele e não apenas no seu
uma casa com a cobra o jogador deve final, pois a criança vai subir
mover seu pião para baixo até o fim da e descer várias vezes.
cobra. O primeiro jogador a alcançar
a última casa é o vencedor.
HABILIDADES NUMÉRICAS E RACIOCÍNIO NUMÉRICO
Com esse jogo pode ser
trabalhado a identificação
dos números ditados na
cartela. Também pode ser
trabalhado com a criança a
Uma pessoa ficará responsável por verbalização dos números
girar o globo e dizer as bolinhas.
de forma correta, a partir da
Bingo Quando o jogador completar o que
identificação dos números e
foi pedido, como cartela cheia ou
sua nomeação. Outro ponto
quadrado, o jogador ganha o jogo.
que pode ser trabalhado são
os formatos que se pede para
ganhar o jogo, cartela cheia,
criança terá que preencher a
cartela toda, por exemplo.
Jogo em que a criança recebe uma
mesada, mas ao longo do jogo terá que Neste jogo, a criança terá que
realizar alguns pagamentos, sem saber fazer contas, para conseguir
se vai sobrar dinheiro, para tudo. O pagar suas dívidas e também
Jogo da Mesada jogo termina quando a criança chega para identificar como
ao final do mês, pagando todas as suas economizar. A criança vai
contas e empréstimos. Quem tiver poder fazer empréstimos, mas
mais dinheiro sobrando no final do terá que pagá-los também.
mês é o vencedor.
A criança terá que
Neste jogo, é possível fazer diversos
identificar os números e
investimentos. Para isso, o jogador
Banco consequentemente seu
deverá montar uma estratégia e ter
Imobiliário dinheiro, fazer contas para
muita atenção para realizar as compras
comprar ou vender imóveis e
e vendas no momento certo.
por fim cuidar para não falir.
Com esse jogo, a criança pode
aprender e aprimorar a leitura
Três atividades diferentes que vão
das horas e dos minutos.
ajudar a criança a compreender
Pode ser trabalhado com a
melhor as horas e os minutos. Durante
Hora Certa criança o reconhecimento
as brincadeiras, a criança é estimulada
de sua rotina, tempo para
a detalhar sua rotina diária e aprender
cada atividade e como se
os horários de cada atividade.
organizar para fazer todas as
suas atividades.

CAPÍTULO RECURSOS LÚDICOS COMO FERRAMENTA TERAPÊUTICA: O USO DO JOGO E DO


9 BRINQUEDO NO SETTING TERAPÊUTICO 221
O objetivo do jogo é levar todo o
dinheiro desde a casa do participante Neste jogo, a criança terá
até a Caixa Forte. Os participantes que lidar com dinheiro,
podem escolher vários caminhos: algumas vezes pagando,
alguns são mais longos e seguros, outras recebendo. Um jogo
Jogo Corrida a
Caixa Forte outros são mais curtos, porém mais em que se deve colocar a
arriscados. Durante o percurso, os criança para fazer os cálculos
jogadores podem ganhar ou perder e para identificar qual moeda
dinheiro, conforme vão avançando. ela deve pegar, para trabalhar
O objetivo é chegar à caixa forte com identificação de números.
mais dinheiro que os outros jogadores.
Cada participante começa o jogo com Neste jogo, são trabalhados
14 pedras e o objetivo é se livrar de a identificação de números
todas elas, baixando jogos sobre a e também a sequência
mesa. Os jogos podem ser sequências numérica. Como neste jogo
Rummikub numéricas de mesma cor, ou de podem ser juntados diversos
números iguais e cores diferentes. O jogos já formados, a criança
grande diferencial é que o jogador terá que criar estratégias e
pode “encaixar” suas pedras nos jogos estar atenta a todas as jogadas
baixados pelos outros jogadores. dos adversários.
Jogo para tornar a multiplicação uma
brincadeira muito divertida. Por meio
de um mecanismo com bolinhas, dois Jogo para se trabalhar a
números são sorteados. O jogador tabuada, possibilitando que a
Pega Pega
deve então multiplicar esses números criança brinque e identifique
Tabuada
e tentar ser o primeiro a encontrar os resultados corretos da
o resultado correto. Para quem não multiplicação.
souber a resposta, basta olhar no
gabarito que acompanha o produto.
Um jogo em que a criança
Neste jogo, as crianças fazem compras terá que comprar coisas, mas
na padaria, no açougue, entre outras
saber o momento certo de
lojas. O tabuleiro tem um mecanismo
Compre Bem– comprar e como economizar.
giratório que faz os preços aumentarem
Turma da Jogo em que a criança terá
ou diminuírem, possibilitando o
Mônica que fazer contas. Ela terá que
melhor momento para as compras. comprar para ganhar, mas
Ganha aquele que terminar a partida
também terá que finalizar o
com mais mercadorias e dinheiro.
jogo com dinheiro.
Neste jogo, a criança terá
que fazer várias escolhas
que vão influenciar sua vida
financeira. Nele, a criança
Neste jogo os jogadores devem terá
que fazer contas, para
ver quanto está ganhando
ganhar dinheiro, ter filhos, terão que
Jogo da Vida
construir uma carreira. Um jogo que pelas atividades que
e quanto terá pagar
que for
simula a vida real.
desenvolvendo ao longo do
jogo. Jogo em que a criança
pode fazer empréstimos, mas
que também terá que pagar
por mais essas despesas.

222 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


O Sudoku é um quebra-cabeça que Um jogo em que a criança
pode levar ao desenvolvimento e precisa estar atenta a
estimulação da lógica, memória, sequências numéricas para
Sudoku
concentração e raciocínio. O jogador não repetir os números.
deve preencher os espaços em branco A criança precisa saber os
com números de 1 a 9, sem repeti- números e coloca-los no jogo
los na horizontal ou vertical nem nos para seu desenvolvimento
quadrados menores. adequado.
Fonte: Silva, 2016, p. 15-36. Adaptado pelos autores.

A partir de estudos realizados por Zacardi (2013) foi sistema-


tizado seis categorias especificando o tipo de informações contidas
sobre o uso do material lúdico (jogo e brinquedo) em cada trabalho.
O referido estudo gerou as seguintes categorias: sem brinquedos; re-
comenda, mas não utiliza; não psicológicos; com brinquedos sem
objetivo; com brinquedo e objetivos inespecíficos; e com brinquedos
e objetivos especificados. No quadro 2 descrevemos as características
de cada categoria.

Quadro 2

CATEGORIAS SOBRE O USO DO MATERIAL LÚDICO (JOGOS E


BRINQUEDOS) NO USO TERAPÊUTICO
Categorias Características
Esta categoria reuniu todos os estudos que em nenhum
momento citou a utilização de material lúdico. Ou seja,
apesar dos trabalhos terem sido indexados pelas palavras
“psicoterapia infantil” e “terapia comportamental
infantil”, o trabalho não descreveu se utilizou material
Sem brinquedos
lúdico ou não. Os trabalhos incluídos nesta categoria
em geral tratavam de estudos onde eram realizadas
intervenções de orientações com os pais, tinha como
objetivo validar algum instrumento ou apresentavam
teorias sobre a psicoterapia infantil.
Esta categoria descreve os estudos encontrados que
realçavam a importância da utilização de brinquedos
na psicoterapia infantil, porém não citavam a utilização
dos mesmos. Os trabalhos incluídos nesta categoria
Recomenda, mas não utiliza
em geral tratavam de estudos voltados para orientação
de como o psicoterapeuta, através do material lúdico,
pode se beneficiar no processo terapêutico – ou seja,
esta categoria incluiu trabalhos teóricos.

CAPÍTULO RECURSOS LÚDICOS COMO FERRAMENTA TERAPÊUTICA: O USO DO JOGO E DO


9 BRINQUEDO NO SETTING TERAPÊUTICO 223
Nesta categoria foram agrupados todos os estudos
que apareceram com os indexadores, “psicoterapia
infantil” e “terapia comportamental infantil”, mas que
Não psicológico
não representavam intervenções psicológicas, sendo
de outras áreas, como da fonoaudiologia, da educação
física e da medicina.
Esta categoria agrupou os estudos encontrados nesta
pesquisa que relataram utilizar materiais lúdicos
Com brinquedo sem objetivo durante o estudo, mencionaram quais os brinquedos
foram utilizados, mas não mencionaram os objetivos
para a utilização de tais brinquedos
Os estudos que integram esta categoria citaram materiais
lúdicos durante as intervenções, porém apenas citaram
objetivos gerais da terapia, sem especificar objetivos
Com brinquedos e objetivos
específicos para a utilização de cada material lúdico.
inespecíficos
Em alguns estudos é possível supor qual finalidade
de determinado material, porém é difícil precisar
exatamente.
Esta categoria apresentou os estudos encontrados que
Com brinquedo e objetivos citaram a utilização de materiais lúdicos. Neles, os
específicos autores especificaram a finalidade de estar utilizando
aqueles materiais durante as intervenções.
Fonte: Zacardi, (2013, p. 20-21). Adaptado pelos autores.

A forma como cada jogo e brinquedo serão utilizados em um set-


ting terapêutico deverá obedecer a singularidade do sujeito e do caso,
mas o objetivo para a utilização do material lúdico precisa ser especi-
ficado e estar claro para o terapeuta. Segundo Zacardi (2013, p. 37).

Quando se utiliza um brinquedo na psicoterapia, seja para co-


nhecer a criança, para criar empatia ou para avaliar a queixa,
tais materiais estão sendo utilizados com objetivos. Em todas
essas circunstâncias o psicoterapeuta tem uma finalidade para
a utilização do brinquedo. A forma, portanto, de como se fará
uso desses brinquedos com a criança se torna diferente de acor-
do com a história de cada uma. De qualquer maneira, a ques-
tão aqui é que o terapeuta pode ter objetivos específicos para
a utilização de um material lúdico (ex., pedir para a criança
desenhar livremente para investigar seus sentimentos) ou pode
utilizar os materiais sem reflexão ou motivos, caracterizando o
“lúdico pelo lúdico”.

224 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


A mesma autora em sua pesquisa conclui que observou que os
estudos que apresentam os objetivos específicos para a utilização de
materiais lúdicos estão limitados a um número muito reduzido de tra-
balhos. Lamentavelmente, a maioria dos psicoterapeutas utilizam os
materiais lúdicos (jogos e brinquedos) sem uma finalidade específica
no setting terapêutico.
No quadro 3 temos resultados de estudos que explicitam clara-
mente a relação entre um material lúdico e algum objetivo específico.
Nestes estudos podem ser observados que continham os brinquedos e
seus objetivos especificados, juntamente com a idade e a queixa apre-
sentada pelos pacientes que participaram da terapia que serviu de base
para o estudo realizado por Zacardi (2013).

Quadro 3

REFERÊNCIA DOS ARTIGOS E A RELAÇÃO ENTRE O PERFIL DO PACIENTE, OS MATERIAIS


LÚDICOS E SEUS RESPECTIVOS OBJETIVOS
AUTORES IDADE SEXO QUEIXA BRINQUEDOS OBJETIVOS
1. Reforçar o
ir à escola e
participar das
atividades; reforçar
comportamentos
Gosch e Transtorno alternativos ao
Vandenberghe 9 M de Conduta e 1. Jogo de Damas. comportamento
(2004) Hiperatividade agressivo; treinar
o comportamento
da criança de
ter paciência,
esperando a sua vez
de jogar.
1. Massa de modelar
caseira, pintura a
dedo, confecção de
desenhos, mosaicos e
1. Levar a criança
fantoches.
a pedir a ajuda do
terapeuta.
2. Jogos de memória
Moura, Grossi e Comportamentos de sílabas, palavras e
7 M
Hirata (2009) Agressivos figuras, montagem de
2. Treinar atenção
palavras, atividades de
e concentração nas
discriminação visual,
atividades escolares.
leitura de livros de
estórias, recorte e
colagem de palavras,
jogos de achar
palavras e ditados.

CAPÍTULO RECURSOS LÚDICOS COMO FERRAMENTA TERAPÊUTICA: O USO DO JOGO E DO


9 BRINQUEDO NO SETTING TERAPÊUTICO 225
1. Desenvolver
meios para lidar
1. Fantoches, com a vida e
bonecos, desenhos em motivar perspectiva
cartazes. de melhora.
Tratamento de
câncer 1. Identificar
Costa e Kanitz
e trabalhar
(2000) 14 M e
4 a 12 1. Papel sulfite, giz cooperação.
Campos, Toledo 6F
Crianças atendidas de cera, lápis de cor, 2. Observar a
e Faria (2001)
em unidade básica cola, interação entre pais
de saúde barbante e palito de e filhos.
sorvete. 3. Verificar de
2. Jogo da mímica. que forma pais
3. Fantoche. conseguem se
relacionar com os
filhos.
1. Tratar os estados
emocionais
1. Jogo das emoções
2. Trabalhar os
2. Massa de modelar
sentimentos pelo
Habigzanget et Vítimas de abuso 3. Construção
9 a 16 F abusador
al. (2009) sexual de história em
3. Identificar
quadrinhos de
emoções,
experiências vívidas
comportamentos e
pensamentos.
1. Ensinar a
nomear os
Habigzanget et Vítimas de abuso 1. Jogo das emoções. sentimentos
9 a 13 F
al. (2008) sexual 2. Massa de modelar. 2.Trabalhar seus
sentimentos com
relação ao abusador
1. Lápis de cor, 1. Descrever
canetinhas hidrocor, o ambiente
Doença
lápis, papel sulfite e hospitalar.
respiratória e
5a9 livros infantis.
Soares (2004) MeF procedimento
meses
médico de
2. Brinquedos 2. Descrição de
inalação
de miniaturas procedimento
hospitalares. médicos.
1. Livro de João e 1. Discussão do
Maria. tema cooperação
2. Livro do 2. Discussão do
Chapeuzinho tema obediência
Vermelho. 3. Discussão dos
Problema de
Silvares (2000) 6 a 10 MeF 3. Livro da galinha temas cooperação e
conduta
ruiva. bondade.
4. Livro do lobo e os 4. Discussão do
sete cabritinhos. tema obediência.
5. Brincando com as 5. Identificação de
expressões. sentimentos.
Fonte: Zacardi, (2013, p. 34).

226 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


CONSIDERAÇÕES FINAIS

De todas as pessoas, as crianças são as mais imaginativas. Aban-


donam-se sem reserva a cada ilusão. (J.B.MACAULAY, Mil-
ton, citado por BETTELHEIM, 1988, p.205)

Diante dos delineamentos teóricos aqui expostos, destacamos


que fora possível traçar um panorama para compreendermos de forma
histórica o papel da criança na sociedade e o percurso percorrido até
a infância tomar ares de categoria relevante e com aspectos próprios.
A consequente inclusão da infância como objeto de estudo em
diversos campos, e como se deu a introdução do estudo da infância e
do desenvolvimento utilizando os ideais defendidos pela Análise do
Comportamento foram cruciais para embasar a nossa investigação.
O uso de ferramentas lúdicas no processo terapêutico, embora re-
cente, vem mostrando impacto relevante na intervenção com o público
infantil com o propósito de conhecer tanto o repertório anterior ao início
da terapia, como para identificar os comportamentos-problema e as possi-
bilidades de modificação e aprendizagens de novos comportamentos.
As ideias apresentadas neste trabalho podem possibilitar reflexões,
dados e estratégias exitosas e bem sucedidas nos setting terapêuticos.
Se novos trabalhos sobre a psicoterapia infantil também apresentarem
tais informações, este estudo poderá ser ampliado e continuamente
alimentado. Tal prática poderá ser útil para os Terapeutas infantis.
Com a realização e divulgação de diferentes estudos poderemos
comparar a utilidade de se empregar os jogos, brinquedos e brinca-
deiras listados neste artigo com a utilidade de se utilizar estratégias do
brincar livre e especialmente no brincar dirigido com fins especifica-
mente terapêuticos.

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CAPÍTULO RECURSOS LÚDICOS COMO FERRAMENTA TERAPÊUTICA: O USO DO JOGO E DO


9 BRINQUEDO NO SETTING TERAPÊUTICO 227
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228 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


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CAPÍTULO RECURSOS LÚDICOS COMO FERRAMENTA TERAPÊUTICA: O USO DO JOGO E DO


9 BRINQUEDO NO SETTING TERAPÊUTICO 229
CAPÍTULO 10
JOGOS DE TABULEIRO NO SÉCULO XXI:
UTOPIA OU REALIDADE

Marta Giardini1
Jorge Massao Takehara2

TRADIÇÃO E IDEALISMO NOS JOGOS DE TABULEIRO

Poder trabalhar com algo que acreditamos, que nos faz sentir par-
te de um mundo macro, dentro do nosso mundinho particular; poder
vivenciar culturas diversas, viajar no tempo e no espaço, sem se deslocar
fisicamente e, o principal, poder levar conhecimento e diversão para as
outras pessoas, é privilégio de poucos e foi assim, buscando uma reali-
zação pessoal e profissional que nos tornamos pequenos fabricantes de
brinquedos, em especial de jogos de tabuleiro de madeira. Ouvíamos
muito das pessoas que se aproximavam da nossa mesinha de exposição e
vendas de jogos: “Hoje não se tem mais interesse neste tipo de produto.
As crianças só querem saber de jogos eletrônicos e de celular”.
Dentre estas pessoas, recebíamos também, algumas que se mistu-
ravam com o público que, simplesmente ficavam hipnotizadas e apai-
xonadas pelos objetos lúdicos que apresentávamos naquele momento.

1 Sócia Fundadora da Mitra Criação.


2 Sócio Fundador da Mitra Criação.
A sensação era de um processo de “iniciação”, onde as pessoas se iden-
tificavam com a sua mais íntima vontade de abandonar o presente e se
conectar mentalmente e emocionalmente com algo que já parecia fazer
parte do seu melhor.
Bem se sabe hoje que os jogos de tabuleiro vêm de tradições anti-
gas, de povos distintos que nos permite contar a história do brinquedo
e do brincar da humanidade. Um resgate dos pensamentos e hábitos
culturais de praticamente todas as nossas civilizações matrizes ou pri-
mordiais.
Figura 1: Enciclopédia de Jogos - MITRA

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

Nossa língua portuguesa nos dá o privilégio de distinguirmos o


brincar e o jogar (play). Esta distinção não está na maioria das outras
línguas e se pararmos para pensar melhor, isto nos leva a uma reflexão
bem interessante. O brincar é espontâneo e inerente a todas as crianças
e assim gostaríamos de preservá-lo em toda a sua essência, porém, todo
brincar está envolto a regras básicas, para que não se torne um descom-
promisso entre as pessoas que brincam juntas. O jogar, por sua vez,
não foge deste conceito básico, no entanto, demorou para se tornar
uma atividade acessível as crianças. É como se elas, crianças e jovens,
tivessem conquistado este direito (de jogar) recentemente, um assunto
de, não menos que meados do séc. XX. O jogar, aqui nos referindo aos
jogos de tabuleiro, sempre teve sua presença no mundo dos adultos.
Os faraós e o povo egípcio, por exemplo (estamos falando de cerca de
5 mil anos a.C.), jogavam Senet (Figura 2), com a ideia e crença de
que teriam que enfrentar o Deus Rá após a morte, num desafio de uma

232 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


partida do jogo. Logo, eram enterrados junto com seus tabuleiros em
seu mausoléu.
Figura 2: Jogo Senet. Mitra.

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

Todo Rei da Idade Média na Europa, jogava Gamão (Figura 3),


tornando-o “o jogo dos reis e o rei dos jogos” até a invenção do ba-
ralho e a ascensão do Xadrez. Enfim, a história dos jogos é ricamente
ilustrada de mitos e realidade, interagindo com a necessidade nata do
ser humano em se desafiar e promover disputas e comparações para se
destacar em uma sociedade cheia de diversidades e controle de poder.

Figura 3: Jogo Gammon. Mitra.

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

CAPÍTULO
10
JOGOS DE TABULEIRO NO SÉCULO XXI: UTOPIA OU REALIDADE 233
UMA PROPOSTA DE LUDICIDADE

Trazer a luz dos nossos olhos da atualidade este poder de viajar


no mundo em tabuleiros e seus componentes (muitas vezes abstratos
e simbólicos), fazendo destes, personagens de poder e de ação sobre
um adversário, é resgatar a ludicidade que nos envolve em todos os
aspectos humanos, nos descompromissando com a realidade dos fatos,
sem nos distanciar de uma trajetória exclusivamente humana, repleta
de imaginação e devaneios. A cultura do brincar faz parte de pratica-
mente todos os seres vivos, incluindo as espécies de animais, mas o
brinquedo, o jogo, como um objeto lúdico, é exclusivamente parte da
natureza humana.

Figura 4: 11º Encontro de Jogos de Itatiba – 2018 (um grupo de


amigos com restrição de audição se divertindo muito!)

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

Um ambiente de produção de brinquedos, seja ele artesanal ou


industrial, é para nós, quase uma tarefa sacramentada, uma atividade
primordial como algo que não podemos deixar de transmitir para as
novas gerações, sem que seu aspecto lúdico seja engolido pela pratici-
dade da modernidade e da tecnologia.
O lúdico, a partir da simples ação de jogar, permeia o caminho
da cultura, da educação, da saúde, do bem-estar social e do lazer, sem
deixar cicatrizes do seu mal-uso ou algo que venha denegrir sua ima-

234 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


gem (exceto os jogos de azar, de apostas ou disputas em dinheiro que
perderam sua identificação com a diversão, o lúdico e o brincar). Antes
mesmo de buscarmos as qualidades de um jogo em seu rico conteúdo
de aprendizagem e material de apoio para uso na educação, devemos
elevá-lo como uma das mais atraentes formas de brincar, indicado para
todas as faixas etárias (Figura 5).

Figura 5: Dia internacional do Brincar – MUBE – Museu Brasileiro de


Esculturas – SP – 2017.

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

ESTUDOS E INFLUÊNCIAS

Vários autores, que norteiam os estudos da evolução e do conhe-


cimento humano nos trazem inspiração para nos mantermos alinhados
com nossa proposta de trabalho com os jogos e, por que não, com o
que consideramos nossa missão de vida.
Rudolf Steiner (1861 – 1925), considerado o pai da Antroposofia
e da Pedagogia Waldorf, por exemplo, nos introduziu um pensamento
ligando a espiritualidade a uma visão mais humanizada entre processo
produtivo e comercialização. Dentro de uma rotina, até então, consi-
derada estritamente comercial ou “capitalista”, vislumbramos, num de
seus textos (registro de palestras), uma citação nos envolveu profunda-
mente em nosso trabalho:

Os espíritos do tempo é que dão as grandes diretrizes das suces-

CAPÍTULO
10
JOGOS DE TABULEIRO NO SÉCULO XXI: UTOPIA OU REALIDADE 235
sivas épocas. As diferentes individualidades dos povos possibili-
tam ao espírito da época estender-se por toda a Terra. (LANZ,
RUDOLF, 1985)

Segundo o professor Francisco Tupy3 (2019) quem dera pu-


déssemos ouvir com clareza os espíritos do nosso tempo! Ouvimos
recentemente, de estudiosos de jogos, que após muitos estudos,
não se descobriu um “Deus do Jogo”, mesmo porque os deuses
também jogavam!
Os jogos de tabuleiro também nos revelam, se assim focarmos,
uma forma de pensarmos sobre o processo evolutivo de nossa espécie.
Quando falamos da divisão do mundo em Reinos (mineral, vegetal,
animal e do homem), precisamos entender que todos eles estão pre-
sentes em nós, não há como nos distanciarmos desta responsabilidade
de preservação até como uma autopreservação, mas que cabe a nós,
defendermos este status capaz de preservar de forma única, as memó-
rias, as experiências, sensações, emoções e sentimentos que fazem nossa
biografia humana.

ELEMENTOS DA BIOGRAFIA HUMANA CONTADA A PARTIR


DA HISTÓRIA DOS JOGOS

A humanidade, por uma questão de sobrevivência, sempre for-


mou sociedades competitivas com disputas por poder, domínio ou
pela preservação da espécie, mais especificamente, dos seus genes. A
história dos jogos de tabuleiro nos mostra que, estes, refletem a iden-
tidade, anseios e desafios de uma determinada sociedade ou civilização
em um determinado período.
Os jogos modernos, tanto os eletrônicos como os de tabuleiro,
nos mostram muito bem a essência da nossa sociedade globalizada,
onde as peças representam objetos que antigamente não existiam (ar-
mas de fogo, veículos de diversos tipos, etc).
A humanidade, hoje, é formada por sociedades que lutam para
sobreviver e fazer prevalecer ou ampliar o seu domínio, seja econômi-
co, territorial ou tecnológico. Resumindo, a humanidade, é em sua
essência, uma sociedade competitiva e isso reflete nos jogos de tabu-
3 Game designer, doutor e mestre sobre videogames na educação e comunicação pela
ECA – USP. – Canal do Youtube – http://smarturl.it/CasadoSaber - Vídeo: “Os Bene-
fícios dos Games”.

236 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


leiro e nas brincadeiras infantis. Vemos vários segmentos da sociedade
trabalhando para divulgar jogos e brincadeiras cooperativas, mas, para
que estas atividades se tornem atrativos para a maioria, antes, ela pre-
cisará mudar a sua essência competitiva para cooperativa e isso só será
possível a partir do momento em que dominarmos o nosso ego.
É muito interessante observar os participantes enquanto jogam
uma partida de jogo de tabuleiro pois, cada ação e decisão tomada,
sempre reflete essa questão. Seguem algumas reflexões que fomos “ga-
rimpando” em nossos momentos de produção, no chão de fábrica, em
eventos, conversas entre amigos e clientes e mesmo durante a criação
dos jogos. Muitas questões nos revelaram relações bens interessantes
com conceitos de espiritualidade e evolução, seja ela de um povo, de
uma época ou de um indivíduo.

A Geografia Sagrada

Ousamos aqui fazer uma comparação dos jogos, como uma ma-
nifestação reconhecida de espaços culturais, como um palco de uma
ordem e harmonia superior, providos de mitos e lendas, que apuram
um certo sentido histórico.4
Quando conhecemos um jogo antigo, como o da família da
Mancala, um tradicional jogo africano, estamos nos aproximando de
uma cultura que permeou as primeiras civilizações de nossa história. A
expansão do jogo, em suas variantes de tabuleiros e regras, nos mostra
até hoje, o quão importante era a agricultura e o ato de semear entre os
povos. Numa mistura de disputa e cooperação, a regra deste jogo nos
ensina a importância de “distribuirmos” as sementes, não só em nossos
campos, mas também no campo do nosso adversário; condição única
para conquistarmos uma boa colheita.5

História e Cultura

A capacidade do jogo de tabuleiro de remanescer no tempo é


algo realmente intrigante em nossos tempos digitais e virtuais. Te-
mos visto hoje, muitos jogos adaptados para serem jogados de forma
4 Glossário Holístico – link: http://glossarioholistico.blogspot.com/. Acesso em 24/01/19.
5 http://www.mitra.net.br/index.php?p=2&p2=Mg==&pagina=catalogo&produto=241&-
t=Oware&csec=21&ccat=0&p1=18 – Canal da Mitra no Youtube – Vídeo – “Como
jogar Oware” – acesso em 24/01/19.

CAPÍTULO
10
JOGOS DE TABULEIRO NO SÉCULO XXI: UTOPIA OU REALIDADE 237
virtual (ou online) que mantém as mesmas características ou qualida-
des de conteúdo, mas basta apresentarmos um tabuleiro físico, com
uma estética e apresentação convidativa, que qualquer pessoa, seja
ela criança ou adulto, se sentirá atraído para conhecer este objeto, até
então, estranho.

Mitologia

Podemos acompanhar a trajetória de um jogo, passando por vá-


rias culturas e se adequando a sua época e local. Ainda utilizando o
jogo Mancala como exemplo, foram registrados mais de 200 nomes
e regras diferentes, mas sempre mantendo sua essência de um jogo
de semeadora e colheita. Basta seguirmos a expansão africana, sua co-
lonização e influências, para entendermos o sucesso deste jogo, que,
inclusive, faz parte da configuração de jogos virtuais de alguns celulares
modernos e aplicativos.

Espiritualidade

A cultura do lúdico nos abre caminho para enxergarmos as carac-


terísticas e a imagem de cada povo, como uma manifestação da espiri-
tualidade do homem, em suas crenças, princípios e buscas individuais.

A CLASSIFICAÇÃO DOS JOGOS ANTIGOS

Podemos arriscar dizer que até final do Séc. XX, os jogos de ta-
buleiro podiam ser classificados em apenas seis categorias básicas. Não
temos como afirmar se esta classificação segue alguma taxonomia cien-
tificamente aceita ou apenas citada informalmente pelos “gamers” de
nossa geração, mas logo adiante falaremos, do que, na nossa leiga opi-
nião, seria o “divisor de águas” que mudaria esta história, praticamente
no nosso século XXI, tornando os jogos clássicos (ou antigos) numa
classificação genérica de “Jogos Abstratos”.
No quadro 1 temos a classificação de alguns jogos antigos para que
possam apreciar alguns exemplos clássicos. Basta também lembrarem de
um jogo da sua infância que conseguirão facilmente classificá-lo.

238 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Quadro 1

CLASSIFICAÇÃO DOS JOGOS ANTIGOS


TIPO JOGO CARACTERÍSTICAS IMAGEM

Suméria - cerca de 2500 a.C. Um


jogo de percurso, onde vence quem
Jogo Real de
conseguir colocar todas as suas pe-
Ur
ças, percorrer e retirá-las do tabu-
leiro.
JOGOS DE PERCURSO

Preferido entre os antigos nobres


Romanos este jogo de percurso,
chamado “Rei dos jogos e o jogo
dos Reis”, popularizou-se em toda
Gamão (ou
a Europa durante a Idade Média
Gammon)
e é hoje, um dos mais jogados em
todo o mundo, pois diz-se nunca
terminar de aprendê-lo.

É conhecido como o “Jogo dos Fa-


raós”. Este jogo de percurso, consi-
derado o precursor do Gamão, traz
Senet
uma cultura egípcia de 5000 anos,
tornando-o um ritual dentro de si
mesmo.

CAPÍTULO
10
JOGOS DE TABULEIRO NO SÉCULO XXI: UTOPIA OU REALIDADE 239
Por volta do Séc. X era conhecido
como “Fierges” mas há informações
que remetem a origem do jogo ao
Egito antigo. As regras, na forma
Dama
como as conhecemos hoje, surgi-
ram na Idade Média quando o jogo
se tornou muito popular e se espa-
lhou para o resto do mundo.

Vindo da Ilha de Madagascar, este


jogo de habilidade tática utiliza
um método peculiar de captura
Fanorona
e bloqueio, por aproximação e
(derivado do
afastamento das peças, combinando
Alquerque)
a simplicidade de movimentos com
JOGOS DE CAPTURA

uma complexidade de combinações


estratégicas.

Originário da Lapônia. Relembra


lutas históricas entre guerreiros
Sami nômades e colonizadores fin-
landeses que, no primeiro milênio
Dablot
DC, chegaram em busca por terras
férteis para o cultivo. Seu objetivo
é capturar as peças do oponente ou
imobilizá-lo.

É uma variante Africana de um


jogo de captura. As peças devem
se mover, sempre para a frente.
Kharbaga Chegando no lado oposto, são
coroados “Mullah” (ou Sultão) e
passam a se mover em qualquer
direção.

240 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Este milenar jogo do Nepal é uma
surpreendente disputa de forças
JOGOS DE CAÇA E PERSEGUIÇÃO que irá desafiar sua personalidade.
Cada jogador possui um objetivo
Bagha Chall distinto: quem joga com as cabras,
deve cercar os 4 tigres no tabulei-
ro enquanto o outro jogador, deve
capturar 5 das 20 cabrinhas.

Conhecido na Escandinávia até


400 d.C., foi levado pelos Vikings
à Groenlândia, Islândia, Irlan-
da, Inglaterra, País de Gales e no
Hnefatalf Extremo Oriente Europeu. Dois
objetivos distintos caracterizam o
jogo: os defensores do Rei X Mer-
cenários.

Um jogo da corte dos Imperadores


JOGOS DE CONQUISTA DE TERRITÓRIO (OU

Chineses, do Shogum, dos samu-


rais e monges do Japão Feudal. O
fascínio deste jogo de disputa de
Go território está na simplicidade das
ESTRATÉGIA DE GUERRA)

regras e na complexidade que o


jogo alcança.

Originário do Tibet. Tem como ob-


jetivo capturar as peças do adversá-
rio e dominar a maior área possível.
Quando capturadas, as peças alte-
Ming Mang ram a sua propriedade e cor passan-
do a pertencer ao adversário.

Da família das Mancalas, é um jogo


CAPTURA (SEMEADURA)

de raciocínio que recria o ambiente


JOGOS DE CONTA E

africano. O tabuleiro representa a


terra mãe que, junto com as peças
de sementes compartilhadas de-
Oware
monstram as relações humanas e
os mistérios cosmológicos da agri-
cultura.

CAPÍTULO
10
JOGOS DE TABULEIRO NO SÉCULO XXI: UTOPIA OU REALIDADE 241
De origem Fenícia, por volta do
ano 1000 a.C., o tabuleiro da trilha
era o símbolo do poder e represen-
tava o extenso universo de conquis-
Trilha (ou
tas de seu povo. O Tabuleiro era o
Moinho)
mar, o centro, Tiro, a capital e as
casas, cada uma das colônias como
Cáidiz e Cartago. Jogo de 3 alinha-
dos.
Zimbábue – África - deve seu nome
a um complexo de construções anti-
gas chamado de Grande Zimbábue
JOGOS DE TRÊS ALINHADOS

ou “Grande Casa de Pedra” onde


viviam os antigos governantes de
um grande império, conhecido por
Tsoro Yema- suas ricas minas de ouro. Era joga-
tatu do pelas crianças, como o nome do
jogo sugere, com pedras em tabu-
leiros desenhados no chão de terra.
Hoje as crianças usam tampinhas
de garrafas, comuns também por
lá, mas continuam desenhando o
tabuleiro no chão de terra.
Tem origem nas Filipinas, um país
de muitas ilhas, e é muito popular
entre seu povo. Algumas famílias
mantêm tabuleiros de madeira rica-
mente adornados enquanto outras
Tapatan Shi- traçam o diagrama do tabuleiro no
sima assoalho ou nas soleiras das portas
de suas casas. Os filipinos usam pe-
ças arredondadas especiais para este
jogo feitas em madeira clara para
um jogador e em madeira escura
para o outro.
Fonte: Organizado pelos autores, MITRA.

A APLICAÇÃO DE JOGOS DE TABULEIRO NA EDUCAÇÃO

Acreditamos que todo aprendizado é mudança de comportamen-


to interno. Logo, a educação não está imersa unicamente nas escolas,
mas em todas as experiências que temos no decorrer de nossas vidas.
Hoje se fala, dentre as ciências que permeiam os estudos sobre a aplica-
ção dos jogos na educação, o termo JOGOS FINITOS E INFINITOS
de acordo com CARSE, James P. (2003), tem como princípio as nossas
próprias ações e reflexões.

242 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Não conseguiremos avançar neste assunto aqui, mas fica nosso
convite para um momento meditativo sobre nossas ações e situações de
vida onde conseguimos vislumbrar claramente o final de uma partida,
com um desfecho feliz ou até mesmo trágico de momentos vividos e
outras onde nunca saímos de um empate total, como num tabuleiro
sem começo e sem fim! Enfim ...
Como produzir experiência através dos jogos?

Figura 6: Jogando Mancala na escola

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

O caminho que queremos apontar neste momento é da autoedu-


cação: O FAZER está integrado ao SENTIR que estimula o PENSAR.

Figura 7: Jogando Chroma 4 - buscando o objetivo de formar um quadrado


utilizando todas as peças do jogo, sem que as cores iguais se toquem.

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

CAPÍTULO
10
JOGOS DE TABULEIRO NO SÉCULO XXI: UTOPIA OU REALIDADE 243
O médico psiquiatra e escritor de livros sobre Educação, familiar
e escolar, Içami Tiba (2015) relata em suas palestras algo como:

Você quer educar? Seja educado. Ser educado é ser ético, pro-
gressivo, competente e feliz. Jovens que não tiveram nenhuma
educação em valores vivem e aprendem o que aparece no mo-
mento, deixam-se levar por aquilo que é vigente. Quem tem
valores sólidos dentro de si é capaz de olhar para uma situação
sem ser envolvido por ela, e pode analisá-la e criticá-la.

Não é difícil identificarmos nos jogos de tabuleiro, uma capaci-


dade imensa de trabalharmos estas qualidades do “ser educado”.
O jogo de tabuleiro, em sua variedade e expansão produtiva de
hoje, permite atingirmos facilmente as Habilidades e Competências
apontadas atualmente nas leis e diretrizes que regem a Educação do
nosso país. Para nós, neste momento, o jogo como elemento da educa-
ção nos ensina muito mais que raciocínio lógico, coordenação motora
e respeito ao outro. Ensina-nos, principalmente a esperar sua vez de
jogar e a sentir um certo CONTENTAMENTO.
O jogo mexe com nossos sentidos. Gera vontade interior. Po-
demos ver e sentir este feedback do nosso aluno ou filho ou mesmo
diante de um grupo de amigos que se reúne num dia qualquer para
simplesmente jogar.
Enfim, o jogo deve proporcionar contentamento ou será abolido
automaticamente do repertório social.

O JOGO DENTRO DO MODELO HOLÍSTICO DE


CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO HUMANO

Podemos classificar nosso processo sugerido de ensino através de


jogos (também conhecido como “gameficação”) como uma luta arma-
da contra os quatro pilares do excesso da educação atual:

• Excesso de coisas;
• Excesso de opções;
• Excesso de informações;
• Excesso de rapidez.

244 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Acreditamos piamente que os princípios da educação moderna
devam estar totalmente voltados para uma Educação Holística, com
seus objetivos e metas focados em compreender a totalidade de uma
pessoa: corpo, emoção, intelecto e espírito.6

Educar para a condição Humana

Retomando o início dos nossos argumentos aqui apresentados


em forma de puro devaneio, falta-nos hoje, focarmos a educação ou o
trato com nossas crianças e jovens, no que diz respeito as qualidades
anímicas do próprio ser humano.
Neste momento é nosso grande dever, levantarmos como a abor-
dagem do jogo influencia as pessoas. O estudo dos jogos pode nos
proporcionar diferentes experiências de aprendizagem.

Compreender e superar desafios

A educação deve tentar compreender e superar os desafios da


nossa própria personalidade. O estudo dos “Temperamentos huma-
nos” é um tema que nos fascina bastante, pois sempre temos que estar
atentos à individualidade, nossa e do outro, e não apenas na comple-
xidade do todo ou das necessidades reais de um grupo. (GOEBEL;
WOLFGANG; GLOCKLER; MICHAELA, 1990).
Num exercício prático, tente imaginar ou observar crianças jo-
gando de forma espontânea e logo conseguirá identificar os quatro
Temperamentos Humanos, ou também chamados de os quatro humo-
res. Identifique aqueles jogadores que ficam muito bravos e alterados
quando estão perdendo uma partida (os coléricos). Aqueles alunos que
captam o objetivo e a estratégia de um jogo tão rapidamente quanto
perdem o interesse pelo mesmo (os sanguíneos).
Aquelas pessoas (crianças ou adultos) que não se animam em
nada diante da folia e empolgação da maioria, preferindo apenas
ficar apenas olhando o “agito do salão”, se possível, totalmente des-
percebido por todos (os melancólicos) e por fim, aquela criança
aparentemente com dificuldade para reter as regras e informações
do jogo, mas que, num determinado momento, passa a ganhar se-
guidamente várias partidas com primor de dedicação e responsabi-
lidade (os fleumáticos).

6 Findhorn Fundation. https://www.findhorn.org/about-us/. Acesso em 24/01/19.

CAPÍTULO
10
JOGOS DE TABULEIRO NO SÉCULO XXI: UTOPIA OU REALIDADE 245
Estes são tipos de jogadores que iremos encontrar em mesas de
jogos, em salas de aula, em espaços lúdicos, em casa com nossos filhos,
sobrinhos ou netos. Como cativar todos de um grupo a jogar e gerar
uma boa experiência? Este é o ENCANTAMENTO de educar!

Melhorar seu relacionamento interpessoal

O jogo de tabuleiro mexe com nossos padrões de comportamen-


to. A ideia não é criarmos um único padrão de comportamento. A
ideia da autoeducação é dominarmos os nossos padrões de comporta-
mento e como ele se comporta diante de si mesmo e do social. Basta
compararmos duas imagens: uma de um jovem solitário jogando um
jogo eletrônico e outra de uma dupla ou grupo de jogadores interagin-
do numa mesa de jogo de tabuleiro.
Se, de um lado, é inegável e invejável para qualquer “buda” ou
buscador espiritual, o nível de concentração e atenção que este jogador
se encontra solitário, por outro lado, a interação e a conexão entre os
jogadores é fascinante, pois há de se entrar na mente do nosso próprio
adversário para se conseguir formatar uma estratégia de jogo. É preciso
praticamente tentar adivinhar o que o meu adversário está pensando
para que eu possa agir, movimentar ou executar uma jogada. Então,
existe aí quase que uma tentativa de telepatia e essas experiências de
comportamentos vão mudando conforme você vai aprimorando o seu
comportamento individual e social.

Perceber seu potencial criativo inerente (competências)

Enfrentar uma realidade condicionada ao tema de um jogo ou


mesmo prosseguir numa estratégia de jogadas para que se possa atingir
o sucesso, tem muito mais a ver com ludicidade e criatividade do que
inteligência e raciocínio lógico. É brincando e jogando (playing) que
descobrimos nossas preferências, nossas habilidades e competências
para a escolha de uma profissão futura, por exemplo, que possa reati-
var, nutrir nossas vontades interiores e preservar as qualidades anímicas
da criança que somos (pois não deixamos de sê-las nunca!)
As informações chegam até nós em forma de conhecimento. O
conhecimento gera uma mudança de padrão interno, gerando interes-
se de querer fazer algo. Esse interesse nos move para uma atitude, mas
para isso, precisamos saber como devemos fazer. Então, eu preciso bus-

246 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


car uma técnica que me torne capaz de ter esta habilidade de executar
o meu objetivo.
Esses três conceitos: conhecimento, habilidade e atitude vão for-
matar então a minha competência. Resumindo: saber o quê e porquê
eu quero fazer ao querer fazer, mas também saber fazer são buscas que
vem de algo externo para que, então, eu consiga internamente analisar
este conhecimento, essa habilidade e uma atitude gerando então uma
competência. (Ver Princípios da Cultura Maker – ou faça você mesmo)7.

Contribuir em um contexto mais amplo, social e planetário

O quarto ponto essencial a nossa condição humana é que não


sabemos viver isolados. Todos concordam que precisamos viver em
grupo, educar os nossos relacionamentos para, então, entendermos o
que é o “inconsciente coletivo”. As ideias, por exemplo, a grosso modo
de dizer, ficam soltas no cosmos e serão captadas por quem estiver vi-
brando nessa mesma energia.
Pode parecer uma filosofia vazia, mas o jogo de tabuleiro parece
estar bem conectado com essa ideia. Vários jogos, por exemplo, são
jogados em vários países diferentes. De onde vem esse conhecimento
e este interesse, de forma tão semelhante? Há de termos que analisar
muito este contexto social que vem de encontro com essa evolução
humana planetária.

Figura 8: Tarde lúdica – Silveiras – SP - 2008

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.


7 Cultura Maker. links: http://www.futura.org.br/trilhas/o-que-e-a-cultura-maker-e-o-que-e-
la-tem-a-ver-com-a-educacao/. http://www.revistaeducacao.com.br/movimento-maker-
-alunos-se-tornam-produtores-de-conhecimentos-e-objetos/. Acesso em 24/01/19.

CAPÍTULO
10
JOGOS DE TABULEIRO NO SÉCULO XXI: UTOPIA OU REALIDADE 247
Explorar o propósito e significado da vida

Para Zohar e Marshal (2000) podemos explorar o propósito


e significado da vida em três grandes enigmas de quem realmente
somos: passado, presente e futuro. No que envolve o nosso pen-
samento, seria então: O que nós estamos fazendo aqui? Para que
precisamos adquirir conhecimento? Por que eu preciso ser uma pes-
soa bondosa, praticar o bem? Todos esses temas estão sendo muito
bem explorados hoje pelo novo conceito de “inteligência espiritu-
al”. Será que nossas escolas estão engajadas nos seus currículos com
esta inteligência?

Figura 9: Estudo de estratégias para jogar “Jogo do Sapinho”

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

FINALIZAÇÃO OU INÍCIO DE TUDO?

A história dos jogos de tabuleiro vem acompanhando a história


da civilização humana, o seu desenvolvimento e suas peculiaridades.
Ao final do século XIX, com a ampliação da influência da primeira
revolução industrial, os jogos passaram por uma lenta e gradativa evo-
lução e diversificação incorporando, pouco a pouco temas dos mais
diversos à mecânica abstrata, até então dominante.
Talvez pelo crescimento da influência norte americana no mun-
do, principalmente após as duas grandes guerras, jogos com origem ou
comercializados naquele país se tornaram muito populares no mundo
tais como “Monopoly / Banco Imobiliário”, “War / Risk”, “Jogo da

248 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Vida”, etc. Esses tipos de jogos, que tem origem abstrata, mas que mis-
turam diferentes temas e algumas variações na sua “mecânica” (forma
de jogar) dominaram o mundo até o surgimento do Catan de Klaus
Teuber (em 1995). Podemos arriscar dizer que o lançamento do jogo
“Descobridores de Catan” (no Brasil ficou conhecido como “Coloni-
zadores de Catan”) foi um marco na história dos jogos de tabuleiro,
não só no Brasil, mas no mundo todo.
Catan com sua “mecânica” simples e extremamente dinâmico, e
em que todos os jogadores participam de todas as jogadas, abriu um
leque de novas possibilidades e diversidades para a forma de se parti-
cipar de uma partida de um jogo de tabuleiro, acelerou o crescimento
e vem cativando uma legião de novos apreciadores desta modalidade
de diversão, e por que não dizer, o responsável pelo boom de jogos de
tabuleiro dos últimos anos. Com essas possibilidades descortinadas es-
tamos presenciando uma mudança gradativa, acelerada e aumento da
complexidade na classificação dos jogos de tabuleiro e de sua “mecâni-
ca” pois, há uma miscigenação de uma ou várias das seis classificações
básicas anteriores em diferentes níveis.
O caminho da Ciência e Educação hoje está bem aberto aos jo-
gos de tabuleiro. Ainda temos muito trabalho pela frente. Muitas teo-
rias estão sendo exploradas com primor que aqui, neste momento, não
teremos a chance de explorar.
Só para citar algumas, poderemos encarar mais profundamente
a “Teoria do Círculo Mágico”, citada por Johan Huizinga (Holanda,
1872 – 1945) em seu livro “Homo Ludens – O Jogo como elemen-
to de cultura”; poderemos acompanhar os estudos mais recentes da
“Neurociência”; podemos estudar cada vez com mais solidez, sobre a
“Plasticidade Cerebral“. Não temos mais como negar que tudo que
o nosso cérebro acha que acontece, gera mudanças nele mesmo. O
grande “pulo do gato” dos jogos, sejam eles antigos ou modernos, de
tabuleiro físico ou eletrônico, está na relação da imaginação e interação
do mundo virtual com a realidade. Nosso cérebro não sabe diferenciar
o que é real e o que é virtual, o que é imaginado ou sentido por nossas
emoções; o que é inventado pela nossa própria mente.
Daí o jogo ser importante para nossas vivências atuais. Cada
experiência que temos numa partida de jogo mexe nas nossas sinap-
ses formando novos caminhos neurais que definem como pensamos e
agimos. Somos gratos por poder compartilhar com o nosso trabalho,

CAPÍTULO
10
JOGOS DE TABULEIRO NO SÉCULO XXI: UTOPIA OU REALIDADE 249
que o jogo de tabuleiro nos provem grandes ferramentas cognitivas,
que nos possibilita sentirmos parte de um processo de transformação
que nunca para.

REFERÊNCIAS

LANZ, R. Passeios através da História à luz da Antroposofia”. 1.


ed. Antroposófica, São Paulo, 1985.
CARSE, JP. Jogos Finitos e Infinitos – A vida como jogo e possibili-
dade. Nova Era, Rio de Janeiro, 2003.
GOEBEL, W.; GLOCKLER, M. Consultório Pediátrico – Um con-
selho Médico-Pedagógico. 1.ed. Antroposófica, São Paulo, 1990.
ZOHAR, D.; MARSHAL, I. Inteligência Espiritual – La inteligencia
que permite ser creatico e tener valores y fe. Barcelona: Plaza e Janés,
2000.

250 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


CAPÍTULO 11
OS JOGOS INDÍGENAS VIVENCIADOS POR ESTUDANTES
DE SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA - AMAZONAS

Aline Sobreira Bezerra1


Patrícia Rossi dos Reis2
Caio Rossi Reis de Almeida3

INTRODUÇÃO

A população indígena do Brasil se encontra em sua maioria na


região Norte do país, com aproximadamente 306 mil habitantes, cor-
respondendo a 37,4% do total. Segundo o censo de 2010, das 896 mil
pessoas que se declaravam ou se consideravam indígenas, 572 mil vi-
viam na área rural e 324 mil residiam em terras indígenas oficialmente
reconhecidas (IBGE, 2010). A partir de 1991, o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) incluiu os indígenas no censo de-
mográfico nacional, onde se constatou que o número de brasileiros
que se consideravam indígenas cresceu 150% na década de noventa
(AZEVEDO, 2008).

1 Professora da Universidade Federal do Ceará – UFC / Engenharia de Alimentos.


2 Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas/
Campus São Gabriel da Cachoeira.
3 Graduando em Educação Física/IF SUDESTE – MG.
Esse crescimento em nível populacional requer uma resistência
diária. Os povos indígenas vêm enfrentando uma acelerada e complexa
transformação social, caminhando em busca de novas respostas para
garantir sua sobrevivência física e cultural e a valorização de suas iden-
tidades (SILVA et al, 2013).
Assim surgem os jogos indígenas, os quais, para os povos apre-
sentam características únicas como o divertimento, atividade voluntária,
quando praticadas em tempo livre, ou como função cultural reconheci-
da como ritual (HUIZINGA, 1993), sendo realizados de modo bastante
variado e dinâmico para afirmar sua vida lúdica e/ou ritual (FASSHE-
BER, 2006). Outro fator de relevância são as variações de jogos apresen-
tados pelas diversas etnias, sendo um fator de agregação e valorização de
suas origens.
Com isso, transformações e adaptações vêm sendo realizadas nas
tradições indígenas a partir do contato com o mundo dos não indíge-
nas, expressando um processo de ressignificação de valores culturais
(FASSHEBER, 2006), que opera na construção de novas relações so-
ciais com uma nova forma de organização de equipes, torneios, torci-
das, identidades e rivalidades. Alguns jogos ainda existem na literatura
ou são transmitidos por gerações e vivenciados em especial na semana
onde se comemora o dia alusivo ao indígena, como o arco e flecha,
cabo de força, canoagem, corrida da tora, zarabatana e mergulho.
Nesse contexto, o Instituto Federal do Amazonas (IFAM) - Cam-
pus São Gabriel da Cachoeira, como iniciativa de garantia do direito
de promoção das manifestações esportivas e culturais, e fortalecimento
das identidades entre as etnias que vivem na região do Alto Rio Negro,
tem proposto a inclusão no calendário letivo anual desta instituição e
de sua comunidade, a realização dos jogos indígenas, como atividade
de extensão, abrangendo o público discente e a comunidade, resga-
tando a autoestima e fortalecendo a identidade cultural dos povos in-
dígenas, incentivando os jovens a conhecer, preservar e valorizar suas
tradições culturais.

REFERENCIAL TEÓRICO

Os primeiros relatos na América de jogos foram feitos por mis-


sionários e cronistas no século XVI, onde muitos desses estavam inseri-
dos em cerimônias sagradas e rituais considerados demoníacos e níveis

252 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


de violências não compatíveis com comportamentos desejados pelo
padrão europeu dos colonizadores (CAMARGO et al., 2009).
Os jogos constituem patrimônio material e imaterial das socie-
dades e culturas, e se inscrevem no escopo do prazer, da sensibilidade e
das emoções, onde sua essência reside em sua intensidade, fascinação e
capacidade de excitar, expressas pela incerteza e pelo acaso, congregam
valores culturais importantes, que asseguram a identidade de grupos.
O prazer traz alegria, sensação agradável e bem estar. Já a sensibilidade
traz a percepção do outro, os encontros e os desencontros, enquanto
que as emoções trazem a sensação de ganhar, de perder e de se superar
(CAMARGO et al., 2009; HUIZINGA, 1993; FERREIRA, 2002).
Mais recentemente tem havido uma maior valorização dos jogos
indígenas, tanto numa visão histórica, quanto no processo de salvaguar-
dar essa riqueza lúdica. As preocupações levaram a investigar a gênese do
jogo, a competição, as apostas, entre outros. Entender sua importância
nas sociedades indígenas é um grande desafio, o que implica em reco-
nhecer a diversidade cultural do país. Diante do processo de mudanças
sociais entre os povos indígenas, tem-se buscado a valorização e propi-
ciado novas construções entre os jogos “tradicionais” (CAMARGO et
al., 2009).
Sintetizando, os jogos têm uma organização informal, implícita na
cultura local; as normas são simples e legitimadas pela tradição; alto de
tolerância física; maior integração das pessoas em todas as idades (mu-
lheres, homens, jovens e crianças), e ampliação da participação da comu-
nidade de acordo com cada cultura. No entanto, o esporte tem uma or-
ganização formal, específica e institucionalizada, legitimadas por meios
racionais e burocráticos, cujas normas e regras seguem a padronização
internacional, havendo distinção entre os jogadores e papéis sociais espe-
rados (DUNNING, 1997; ROCHA FERREIRA, 2005).

METODOLOGIA

O presente trabalho de caráter qualitativo e exploratório foi reali-


zado em comemoração a semana alusiva aos povos indígenas e baseado
na observação dos participantes e na avaliação das atividades propos-
tas. O projeto foi desenvolvido em três etapas, sendo selecionadas as
seguintes atividades: canoagem, mergulho, zarabatana, arco e flecha,
corrida da tora, corrida do aturá e cabo de força.

CAPÍTULO OS JOGOS INDÍGENAS VIVENCIADOS POR ESTUDANTES DE SÃO GABRIEL DA


11 CACHOEIRA – AMAZONAS 253
A primeira etapa do projeto aconteceu no IFAM, campus São
Gabriel da Cachoeira, nos turnos diurno e noturno, entre os dias 19
e 20 de abril de 2017, envolvendo 864 alunos dos cursos técnicos em
agropecuária, administração, informática, secretaria escolar, agente co-
munitário de saúde e enfermagem, nas modalidades integrado, sub-
sequente e do Programa Nacional de Integração da Educação Básica
com a Educação Profissional na Modalidade de Educação de Jovens e
Adultos (PROEJA). Os jogos selecionados para este público foram: za-
rabatana, arco e flecha, corrida da tora, corrida do aturá, cabo de força,
nos naipes feminino e masculino.
A segunda etapa do projeto aconteceu na Praia do município de
São Gabriel da Cachoeira, no turno diurno, no dia 21de abril de 2017,
envolvendo 200 alunos do IFAM e de instituições de ensino estadual
e municipal da região. Os jogos selecionados para este público foram:
mergulho, canoagem, zarabatana, arco e flecha, cabo de força.
A terceira etapa foi realizada na Federação das Organizações In-
dígenas do Alto Rio Negro (FOIRN), no dia 21 de abril de 2017,
no período noturno envolvendo todos os participantes do evento e a
comunidade indígena. Nesse dia foram realizadas as entregas das pre-
miações aos participantes ganhadores das competições e apresentadas
bebidas e danças típicas. O projeto contou com a parceria da Fundação
Nacional do Índio (FUNAI), Federação das Organizações Indígenas
do Rio Negro (FOIRN) e Instituto Federal do Amazonas – Campus
São Gabriel da Cachoeira (IFAM - CSGC).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Atividades realizadas na semana alusiva ao indígena

Canoagem

A canoagem é considerada uma modalidade alternativa, uma vez


que sua prática proporciona estímulos para melhorar todos os com-
ponentes físicos que são considerados pelo American College of Medi-
cine and Science in Sports (2009) essenciais para a saúde. Dentre esses
benefícios estão a melhoria da capacidade cardiorrespiratória, força e
resistência muscular, flexibilidade e composição corporal.

254 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Essa modalidade atende a diferentes públicos e gostos, visto que
oferece uma variedade de atividades que abrangem desde a canoagem
em águas calmas, onde barcos que exigem muita concentração e equilí-
brio são utilizados, até o caiaque polo, que apresenta muitas manobras
e competição entre equipes (ALVES et al., 2011).
A atividade de canoagem (Figura 1) ocorreu no período vesper-
tino e contou com a participação de 32 discentes de ambos os sexos,
das instituições de ensino envolvidas. A mesma aconteceu na praia de
São Gabriel da Cachoeira onde os participantes saíam da base fluvial
da Brigada do Exército e remavam em canoas por cerca de 1 km contra
a correnteza até a chegada na praia.

Figura 1: Atividade de canoagem

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

Zarabatana

A zarabatana é um tubo comprido, através do qual são expeli-


dos pequenos projéteis através do sopro e tem como objetivo atingir
um alvo. Essa atividade tem como benefícios minimizar os problemas
respiratórios, porque envolve todo ciclo respiratório, influenciando no
aumento da pressão expiratória máxima. Além desse benefício é con-
siderada uma atividade lúdica (LEITÃO et al., 2015). A atividade de

CAPÍTULO OS JOGOS INDÍGENAS VIVENCIADOS POR ESTUDANTES DE SÃO GABRIEL DA


11 CACHOEIRA – AMAZONAS 255
zarabatana (Figura 2) ocorreu no período diurno e noturno no IFAM e
matutino na praia, contou com a participação de 108 discentes de am-
bos os sexos. Os competidores se localizavam a cerca de 30 metros do
alvo e tinham como objetivo acertar os projéteis na parte central deste.

Figura 2: Atividade de zarabatana

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

Arco e Flecha

O arco e flecha constitui um símbolo de homenagem e repre-


sentação das pessoas e seus antepassados, em suas diversas culturas
e povos, que utilizaram a arma como um instrumento de caça ou
bélico (QUEVEDO, 2015). A atividade de arco e flecha (Figura 3)
contou com a participação de 108 discentes de ambos os sexos e foi
realizada no IFAM e na praia de São Gabriel da Cachoeira. O objeti-
vo era disparar flechas em um alvo que se encontrava a cerca de 30m
de distância.

256 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Figura 3: Atividade de arco e flecha

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

Mergulho

O mergulho é uma prática antiga, que como esporte, vem ga-


nhando seu espaço no mundo esportivo. No mergulho em apneia, ou
mergulho livre, o praticante mantém o ar em seus pulmões durante a
imersão sem o uso de equipamentos, ocorrendo suspensão voluntária
da respiração. (LITJENS, 2002).
A atividade de mergulho (Figura 4) ocorreu na praia de São
Gabriel da Cachoeira envolvendo cerca de 30 pessoas de ambos os
sexos e tinha como objetivo se manter em baixo da água em apneia
por mais tempo.
Figura 4: Atividade de mergulho

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

CAPÍTULO OS JOGOS INDÍGENAS VIVENCIADOS POR ESTUDANTES DE SÃO GABRIEL DA


11 CACHOEIRA – AMAZONAS 257
Corrida da Tora

Segundo Vasquez e colaboradores (2006), nesta atividade os par-


ticipantes se deslocam em grupos alternando a tora entre os ombros
e percorrendo uma distância comparada a um campo de futebol. A
corrida de tora (Figura 5) contou com a participação de 90 alunos de
ambos os sexos que percorriam ao redor do campo de futebol com
uma tora nos ombros pesando cerca de 10 kg para as mulheres e 15 kg
para os homens. O objetivo era que a tora passasse por toda a equipe,
sendo vencedora a equipe que cruzasse a linha de chegada com o me-
nor tempo.

Figura 5: Atividade corrida de tora

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

Corrida do Aturá

A corrida do aturá é uma prática indígena onde os participantes


colocam o aturá (cesto com uma fita feito de picunha) sobre a testa,
com cerca de 7 kg e correm uma distância de cerca de 100 metros. É
praticado por mulheres e vence aquela que ultrapassar primeiro a linha
de chegada. A corrida de aturá (Figura 6) contou com a participação
de 30 mulheres (auxiliadas pelos homens da equipe) dos turnos diurno
e vespertino.

258 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Figura 6: Atividade corrida de aturá

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

Cabo de Força (“cabo de guerra”)

Nessa atividade os participantes se colocam em fila, um atrás do


outro, segurando uma corda. Cada equipe puxa a corda para o seu
lado, no intuito de que a corda ultrapasse uma marca central que está
sinalizada. A equipe vencedora é aquela que consegue ultrapassar o
sinal e ter a marca central mais próximo de sua zona. É uma prova que
envolve força e resistência (VASQUEZ et al., 2006).
A atividade de cabo de força (Figura 7) contou com a partici-
pação de 90 discentes nas categorias feminino e masculino. Esta foi
composta por dez participantes e dois reservas em cada equipe, sendo
realizada no IFAM e na praia de São Gabriel da Cachoeira/AM.

Figura 7: Atividade cabo de força

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

CAPÍTULO OS JOGOS INDÍGENAS VIVENCIADOS POR ESTUDANTES DE SÃO GABRIEL DA


11 CACHOEIRA – AMAZONAS 259
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entender a importância dos jogos indígenas na sociedade é um


grande desafio, o que implica em reconhecer a diversidade cultural do
país. Dessa forma sugere-se a busca e a valorização da promoção dessas
atividades de cunho esportivo e cultural com o propósito de fortalecer
a identidade étnico-cultural da população indígena.

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ppincott Williams& Wilkins, 2009.
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CAPÍTULO OS JOGOS INDÍGENAS VIVENCIADOS POR ESTUDANTES DE SÃO GABRIEL DA


11 CACHOEIRA – AMAZONAS 261
CAPÍTULO 12
A PRÁTICA DA ROBÓTICA EDUCACIONAL NA
FORMAÇÃO DE ESTUDANTES DE PEDAGOGIA

Fernando Barros da Silva Filho1


José Rogério Santana2

INTRODUÇÃO

A pouco mais de uma década evidenciou-se dentro das redes pu-


blicas de educação do Ceará um forte movimento científico mobiliza-
do pelas mostras e feiras científicas, inicialmente promovidas de forma
individual pelas instituições escolares. Estes eventos desde então, têm
ganhado cada vez mais espaço e atenção diante das políticas públicas cul-
minando atualmente em um evento anual chamado Ceará Científico.
Dentre as várias áreas do conhecimento abordadas pelos projetos
escolares trazemos neste trabalho um enfoque especial para a Robóti-
ca Educacional, que por apresentar considerável audiência, tornou-se
categoria própria dentro deste evento, desligando-se das ciências da
natureza e matemática como antes era posto.
Apesar de estar presente em muitas escolas publicas do estado do
Ceará, uma análise realizada nos programas curriculares dos cursos de
1 Mestrando em Educação Universidade Federal do Ceará LAPEDI/DFE/FACED-UFC.
2 Professor da Universidade Federal do Ceará/ LAPEDI/ DFE/ FACED-UFC.
pedagogia e licenciaturas ofertados pela Universidade Federal do Ceará
nos últimos dez anos aponta que a Robótica Educacional ainda não
tem sido contemplada dentro destes cursos de formação de professores.
Isso implica dizer que o trabalho que tem sido realizado pelos
docentes é proveniente de seus esforços pessoais em capacitar-se para
levar a comunidade atendida esta temática que tem sido fortemente
difundida pelo mundo.
Diante disto nos instigamos a verificar como estudantes de peda-
gogia da Universidade Federal do Ceará se colocam diante de ativida-
des lúdico-pedagógicas que envolvem a Robótica Educacional.
As atividades analisadas foram desenvolvidas por alunos volun-
tários matriculados na disciplina de Informática na Educação do curso
de Pedagogia da Universidade Federal do Ceará nos dois semestres le-
tivos de 2018.
O material didático utilizado consiste em blocos interativos e
peças modulares desenvolvidos especialmente para contemplar as ati-
vidades de formação docente na elaboração, construção e programação
de robôs para fins educacionais e lúdicos (Figuras 1, 2 e 3).

Figura 1: Blocos interativos Figura 2: Peças modulares Figura

3: Peças modulares

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

264 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Para melhor desenvolvimento das atividades e facilitar as obser-
vações foram construídas três unidades deste material didático, o qual
codificamos de CK 2.2 (ConectaKit – Versão 2.2).

ESTRUTURA DAS ATIVIDADES

Na primeira atividade os estudantes foram orientados a explorar


o material didático em relação a sua estrutura, formas modulares e pos-
sibilidades de utilização. Evitou-se realizar a demonstração de como os
blocos interativos funcionavam justamente para verificar o potencial
intuitivo do material.
A segunda atividade tinha como objetivo utilizar da programa-
ção com a linguagem Logo para interagir com os blocos componentes
do kit, o que se deu por meio de uma atividade em grupo que consistia
em realizar a programação de um semáforo digital, para a turma de
2018.1 e uma árvore de Natal para a turma de 2018.2 (figura 4), sendo
que cada estudante acrescentava uma nova linha de comando no códi-
go fonte criando no software, SuperLogo.

Figura 4

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

Esta atividade tinha a intenção de verificar como se dava a constru-


ção de conceitos de forma colaborativa através da interação entre os estu-
dantes, ao trabalhar com o código fonte herdado do estudante anterior.

CAPÍTULO A PRÁTICA DA ROBÓTICA EDUCACIONAL NA FORMAÇÃO DE ESTUDANTES DE


12 PEDAGOGIA 265
Por fim, na terceira atividade os estudantes foram divididos em equipes e
orientados a utilizar dos materiais disponíveis para realizar a construção de
carrinhos acionados pela lanterna de seus aparelhos celulares.
A intenção desta atividade era verificar o potencial lúdico da ati-
vidade envolvendo os estudantes e o material didático no que diz res-
peito a variedade de possibilidades em função da construção sugerida
pelo manual disponibilizado.
A fim de obter um parâmetro de comparação, as mesmas se-
quências didáticas trabalhadas com os estudantes de pedagogia foram
aplicadas em crianças com faixa etária entre 10 a 14 anos, estudantes
da rede pública de Fortaleza entre 6º ao 9º ano do ensino fundamental
dois no semestre letivo de 2018.2. Todas as atividades foram registra-
das com a devida autorização dos participantes e as imagens, vídeos e
áudios foram capturados e arquivados utilizando de todos os cuidados
inerentes a garantia da segurança e integridade da imagem dos partici-
pantes, sendo estas organizadas e transcritas para análise a posteriori.

Primeira atividade: Exploração dos blocos interativos

A postura do professor baseada na sequência Fedathi teve funda-


mental importância para avaliar o potencial exploratório do material
didático utilizado nas atividades de robótica educacional com as tur-
mas de pedagogia matriculadas no semestre de 2018.1 e 2018.2 na
disciplina de Informática na Educação.
Com o mínimo de intervenção observou-se que o primeiro bloco
interativo a chamar a atenção dos estudantes foi o bloco de energia
(Figura 5), muito provavelmente em função de sua forma apresentar-se
ligeiramente diferenciada dos outros blocos.
Em função da insegurança apresentada pelos estudantes em rela-
ção a integridade do material, foi verbalizado que eles deveriam tentar
identificar relações, similaridades e diferenças entre os blocos presentes
e não se preocuparem na ocasião de eventuais quebras ou danos estru-
turais. Esta situação ocorreu nas duas turmas avaliadas, o que reflete
uma possível carência na formação docente no que diz respeito a ma-
nipulação de objetos bem como familiaridade com materiais didáticos
tecnológicos.
Em geral, após a superação da insegurança quanto a manipula-
ção dos blocos, os estudantes passaram a tentar realizar conexões entre

266 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


os diferentes blocos. Presenciou-se um momento de exaltação quando
eventualmente um grupo percebeu que ao conectar um bloco de luz
ao bloco de energia, o primeiro acende revelando o fenômeno físico de
conversão de energia elétrica em energia luminosa.

Figura 5: Bloco de energia

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

Nesta situação foi observado que imediatamente as outras equi-


pes levantam questionamentos sobre quais procedimentos a equipe
que efetivou o fenômeno utilizou, a fim de o reproduzirem com seus
próprios materiais.
Neste momento evidencia-se tanto a aprendizagem colaborativa
como a prática da replicação experimental, onde o aluno observa o fe-
nômeno e tenta reproduzi-lo inserindo gradualmente novas variáveis.
Na prática isso foi evidenciado ao observar que após perceberem que o
bloco de luz ligava ao ser conectado diretamente ao bloco de energia,
instigando então e inserir outros blocos entre os dois já citados.
O teste com o bloco sensor de luminosidade criou um espaço de
discussão interessante dentro da turma. Primeiramente é importante
deixar claro que nenhum bloco teve sua função explicitada no início
das atividades. Suas funções foram sendo estabelecidas à medida que
eram experimentadas pelos estudantes. Ao colocar o bloco sensor entre
o bloco de energia e o de luminosidade, algumas equipes presenciaram
a acionamento da luz e outras não.
Além disto, eventualmente presenciavam o acionamento da luz
com intensidades variáveis e quando se deslocavam entre as equipes

CAPÍTULO A PRÁTICA DA ROBÓTICA EDUCACIONAL NA FORMAÇÃO DE ESTUDANTES DE


12 PEDAGOGIA 267
para comparar os fenômenos, ocorria mudanças no acionamento da
luz. Alguns estudantes apontaram a possibilidade de mau contato en-
tre os blocos e sugeriram a troca dos mesmos entre as equipes, perma-
necendo assim a mesma situação até que uma das equipes percebeu a
influência da luz ambiente que incidia sobre o bloco intermediário,
explicitando assim sua função como sensor de luminosidade.
As duas turmas apresentaram um fluxo de pensamento e ações
similares, o que evidencia a eficácia do proposito do qual foi cons-
truída a sequência didática. Por fim, foi sugerido aos estudantes que
pensassem em formas de construção de mecanismos que interagissem
os blocos experimentados, finalizando assim as observações gerais da
primeira atividade experimentada.

Segunda atividade: Programação com jogo de interpretação

A segunda atividade foi organizada de tal forma a possibilitar que


todos os alunos presentes fizessem parte da composição do código fon-
te programado para execução de funções estabelecidas na construção
proposta na ocasião. Na turma de 2018.1 foi construído o semáforo
digital apresentado na figura 6.

Figura 6

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

O objetivo era simular uma atividade na qual os estudantes se co-


locaram como técnicos de trânsito responsáveis em realizar a reprogra-
mação de um semáforo desativado. O hardware construído consistia

268 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


em três blocos de luz conectados a porta paralela de um computador
através de um bloco especial desenvolvido para comunicação para co-
municação via DB25.
Foram utilizados os pinos 2, 3 e 4 da porta paralela, conectados
individual e respectivamente a blocos de luz vermelha, amarela e ver-
de. Em função da limitação de tempo o hardware já estava montado
quando os estudantes iniciaram a atividade, mas isto foi superado na
medida que os alunos iam chegando e o monitor da atividade já ia os
envolvendo dentro do contexto teatralizado.
Como os estudantes já haviam tido atividades prévias sobre a
programação em linguagem Logo, no início desta atividade, o monitor
limitou-se a apresentar o código básico para acionamento do pino 2 da
porta paralela, sendo o seguinte:

portasaídab 888 1 (comando 1)

O primeiro estudante tinha o objetivo de identificar o comando


de acionamento de cada um dos três blocos, sendo que já tinha, neste
caso conhecimento sobre o primeiro comando.
Intuitivamente o estudante junto com indicações dos outros co-
legas da turma decidiu alterar uma variável no comando anterior a fim
de verificar sua resposta no hardware. A modificação foi feita através da
substituição do algarismo 1 pelo algarismo 2 no comando apresentado
acima, ficando desta forma:

portasaídab 888 2 (comando 2)

Ao enviar o comando para a porta paralela a turma evidenciou


o acionamento do bloco conectado ao pino 3 (bloco de luz amarela).
Imediatamente sugeriu-se pelos estudantes presentes que fosse
agora utilizado a algarismo 3, na expectativa de acionar o terceiro blo-
co (luz verde). Seguindo as orientações da turma o estudante no con-
trole inseriu o código: portasaída 888 3, mas ao enviar o comando a
porta paralela, não foi evidenciado o que se esperava.
Notou-se a surpresa geral ao verificarem que o comando sequen-
cialmente lógico não atendia ao resultado esperado, pois ao invés de
acionar o terceiro bloco, o que ocorreu foi o acionamento simultâneo
do primeiro e segundo bloco. Na tentativa de verificar o comporta-

CAPÍTULO A PRÁTICA DA ROBÓTICA EDUCACIONAL NA FORMAÇÃO DE ESTUDANTES DE


12 PEDAGOGIA 269
mento do sistema proposto, o aluno no controle da interface decidiu
utilizar o comando: portasaídab 888 4, segundo a sequência numérica
e com isto efetivou o acionamento individual do terceiro bloco.
Neste momento surgiu uma discussão entre os estudantes, a fim
de identificarem a lógica de construção que os comandos utilizados
apresentam em relação a resposta do hardware. A fim de organizar as
informações, o monitor da atividade montou uma tabela no quadro
utilizando os dados levantados pelos estudantes.

Comando em linguagem Logo Fenômeno observado no harware


portasaídab 888 1 Acende bloco 1
portasaídab 888 2 Acendo bloco 2
portasaídab 888 3 Acende bloco 1 e 2
portasaídab 888 4 Acende bloco 3

O professor então lançou então o seguinte questionamento: “qual


a relação entre o comando 3 com o acionamento dos blocos 1 e 2?” Ime-
diatamente os estudantes verificaram e afirmaram que temos uma rela-
ção de adição, ou seja, para o acionamento de vários blocos simultâneos,
basta realizar a soma dos algarismos que os acionam individualmente.
Diante disto, justifica-se a necessidade do algarismo de aciona-
mento do pino seguinte ser sempre o dobro do pino anterior o que
possibilitou espaço para o professor explicar como é estruturado o sis-
tema de numeração decimal na computação. Tendo agora todos os
comandos de acionamento identificados e cientes de como proceder
para o acionamento individual, um novo estudante assume o comando
do sistema e decide estabelecer comandos mais simplificados para rea-
lizar o acionamento dos blocos. A sugestão do estudante foi utilizar da
função “aprenda” da linguagem Logo para efetivar este procedimento
estabelecendo os seguintes comandos:

Comando simplificado
Comando nativo da
proposto por estudante Resposta do Hardware
linguagem Logo
via programação
portasaídab 888 1 LVerm Luz vermelha ativa
portasaídab 888 2 LAm Luz amarela ativa
portasaídab 888 3 LVerd Luz verde ativa

270 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


portasaídab 888 7 TL Todas as luzes ativas
portasaídab 888 0 TA Todas as luzes apagadas

Os comandos foram programados e posteriormente testados


individualmente pelo estudante, efetivando e finalizando sua contri-
buição na atividade, passando para um novo estudante o controle do
sistema. O terceiro estudante teve dificuldades em dar continuidade a
atividade e para inseri-lo ao contexto o monitor da atividade verbali-
zou o seguinte discurso:

O turno do técnico de trânsito (estudante dois) finalizou e ele


identificou que o problema no semáforo era que os comandos
que acionam cada uma das luzes ainda não existiam. Com isso
ele resolveu criar cada um desses comandos e deixou para você
(estudante três), a tarefa de juntar estes comandos em um pro-
grama que faça cada luz acender em um determinado período
de tempo.

Após estas instruções o estudante três abriu a caixa de programa-


ção do programa SuperLogo e redigiu as seguintes linhas de comando:

aprenda semáforo
LVerm
LAm (comando 3)
LVerd
Fim

Antes de realizar a execução do comando “semáforo” outro es-


tudante argumentou sobre a necessidade de estabelecer o intervalo de
tempo entre os comandos de acionamento de cada luz, colocando-se
como situação surpresa sobre planejamento do professor, pois na in-
tencionalidade da atividade, esperava-se que o estudante três executasse
o comando “semáforo” e verificasse que somente o bloco verde acende-
ria, o que abriria oportunidade de levantar sobre este questionamento.
Porém, aproveitou-se da situação e com o auxílio do monitor, o
estudante três foi orientado e inserir o comando de tempo entre cada
comando de luz, ficando o código fonte da seguinte forma:

CAPÍTULO A PRÁTICA DA ROBÓTICA EDUCACIONAL NA FORMAÇÃO DE ESTUDANTES DE


12 PEDAGOGIA 271
aprenda semáforo
LVerm
espere 60
LAm (comando 4)
espere 60
LVerd
espere 60
Fim

O teste do comando “semáforo” mostrou o acionamento sequen-


cial do bloco vermelho, amarelo e verde em intervalos de um segundo
(equivalente a 60 na linguagem Logo) permanecendo com a luz verde
acionada prementemente. Neste momento assume o controle o quarto
estudante que tinha como objetivo ajustar o tempo de acionamento de
cada luz assim como em um semáforo real.
Foram realizadas as seguintes alterações no código fonte:

aprenda semáforo
LVerm
espere 900
LAm (comando 5)
espere 240
LVerd
espere 1800
Fim

A intensão na variação dos valores do comando “espere” era de


simular de forma mais real o comportamento do semáforo sendo que,
900 corresponde a 15 segundos de semáforo fechado (vermelho), 240
corresponde a 4 segundo de semáforo em alerta (amarelo) e por fim,
1800 corresponde a 30 segundo de semáforo aberto (verde).
O teste revelou a devida funcionalidade do que se esperava da
programação redigida, porém surgiu o argumento que na passagem do
semáforo ocorre entre o verde para o vermelho e não do vermelho para
o verde como até então programado. Diante desta argumentação, um
quinto estudante procedeu a correção do código fonte e acrescentou o
efeito de pisca-pisca da luz amarela, representado pelo comando “repi-
ta 4 [LAm espere 30 AT Espera 30]”:

272 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


aprenda semáforo
LVerd
espere 900
repita 4 [LAm espere 30 AT Espera 30] (comando 6)
LVerm
espere 1800
Fim

Por fim, o sexto estudante ficou com a responsabilidade de iden-


tificar como fazer para o semáforo funcionar continuamente, pois até
então, após a execução de todos os comandos, ele permanecia travado
com a luz vermelha acesa. A primeira sugestão do estudante foi “co-
piar” e “colar” o código criado em uma infinidade de vezes. O monitor
acrescentou que a solução era plausível, porém em algum momento o
código iria ser completamente consumido e eventualmente finalizado,
levando-o novamente ao travamento.
Uma nova sugestão foi inserir todo o comando dentro de um
comando “repita” com variável ajustada em um número de vezes sufi-
ciente a consumir um intervalo de tempo considerado como “manu-
tenção” preventiva do equipamento. Esta sugestão também foi apro-
vada pelo monitor da atividade, porém foi contestada a necessidade
de considerar gastos com manutenção que poderiam ser direcionados
para outros benefícios.
Neste ponto o professor faz a seguinte indagação: “quando o
programa “semáforo” está sendo executado, para ele ser executado no-
vamente o que deve ser feito?” O sexto estudante respondeu que o
programa deve ser executado antes que o próprio programa termine.
Diante desta resposta o professor pediu a abertura do código fonte do
programa e realizou uma nova indagação: “no seguinte código, como
executamos o comando “semáforo” no final do programa?”
Diante deste questionamento o sexto estudante acrescentou o
comando “semáforo” antes do comando fim, consolidando assim, o
que posteriormente na execução do programa o professor conceituou
como loop de programação.

CAPÍTULO A PRÁTICA DA ROBÓTICA EDUCACIONAL NA FORMAÇÃO DE ESTUDANTES DE


12 PEDAGOGIA 273
aprenda semáforo
LVerd
espere 900
repita 4 [LAm espere 30 AT Espera 30] (comando 7)
LVerm
espere 1800
semáforo
Fim

A turma de 2018.2 realizou a atividade utilizando da mesma


sequência didática, a diferença se deu unicamente que, com eles foi
explorado melhor a identificação dos comandos individuais de aciona-
mento dos pinos, pois na construção da árvore de Natal proposta para
a atividade, a mesma era composta de 8 blocos de luz.
Esta atividade evidenciou mais uma vez a possibilidade de cons-
trução do conhecimento de forma colaborativa entre os estudantes
envolvidos em atividades de robótica educacional bem como demons-
trou que a postura do professor fundamentado na sequência Fedathi
tem grande valia quando se pretende trabalhar a construção do conhe-
cimento a partir de saberes dos estudantes.

Terceira atividade: Corrida de carrinhos

Na terceira atividade os estudantes receberam os blocos interativos,


peças modulares, parafusos e ferramentas para realizarem uma atividade
de construção de carrinhos (Figura 7). Baseados na experiência adqui-
rida na primeira atividade, as equipes procederam com a construção de
veículos tendo como principal fonte de tração, dois blocos de motores
dispostos de forma invertidas sobre uma base de construção.
Figura 7

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

274 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Esta experiência teve seu desenvolvimento prejudicado em fun-
ção de previamente os alunos terem eventualmente tido contato com
material técnico que apresentava sugestões de montagem. Isto findou
direcionando-os a realizar as montagens similares a sugestão proposta
impedindo-os de explorar suas potencialidades de criação.
Apesar de não ter atendido ao interesse experimental inicial, este
dado vem a ser um importante indicador sobre os prejuízos da prática
limitadora dos manuais presentes nos materiais didáticos de robótica
educacional, que findam, por ofuscar a criatividade e a habilidade de
relacionar objetos e possibilidades dos estudantes. Pode-se comprovar
este fenômeno ao comparar esta terceira atividade realizada com os
estudantes de pedagogia com a mesma atividade realizada com estu-
dantes da rede pública de educação de prefeitura de Fortaleza.
Apesar do foco deste trabalho se situar sobre a formação docente
não se pode deixar de considerar os dados observados com os estu-
dantes da educação básica. Os dados relatados a seguir foram obtidos
nas oficinas realizadas por meio de projeto de extensão devidamente
credenciado junto a Pró-reitora de Extensão da UFC em parceria com
a Prefeitura de Fortaleza.
A atividade tinha como contexto a realização de uma corrida de
carrinhos acionados a partir de uma fonte de luz. A característica talvez
mais importante desta atividade era que nesta corrida os carrinhos não po-
deriam correm ao mesmo tempo. A intencionalidade nesta atividade era
fazer os estudantes envolvidos a pensarem como seria possível realizar uma
corrida na qual todos os corredores não participassem simultaneamente.
Durante as construções individuais das equipes era comum ou-
vir a discussão entre os estudantes sobre, espaço, tempo e velocidade.
Termos estes que em nenhum momento foi mencionado pelos ofici-
neiros presentes e devidamente orientados, principalmente na prática
da sequência Fedathi.
Isso serve pra evidenciar que a atividade sugerida elevou os estu-
dantes a um estado de necessidade de compressão, experimentação e
domínio sobre os fenômenos da natureza, ou seja, o processo inverso
das rotinas escolares que normalmente se observam em aulas expositi-
vas de ciências da natureza.
O momento mais marcante desta atividade ocorreu ao obser-
var que os próprios alunos já estavam formulando matematicamente a
função da velocidade média a fim de verificar qual dos carrinhos seria
mais rápido (Figura 8).

CAPÍTULO A PRÁTICA DA ROBÓTICA EDUCACIONAL NA FORMAÇÃO DE ESTUDANTES DE


12 PEDAGOGIA 275
Figura 8

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

Retornando ao que se expunha acerca da limitação da criativida-


de imposta pelos manuais, os alunos da educação básica das oficinas
relatadas não tiveram contato com os mesmos e, por conseguinte a
variedade de construções foram bem maiores do que as apresentadas
pelos estudantes de pedagogia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As atividades de robótica educacional desenvolvidas com os estu-


dantes de pedagogia neste trabalho possibilitaram investigar como eles
reagem ao ter contato com uma proposta temática ainda não discutida
dentro do currículo docente.
Em primeira mão nota-se resistência e espanto, além de even-
tuais exclamações de incapacidade por acharem que não conseguem
realizar as atividades de forma lúdica e com potencial pedagógico. Mas
esta situação vai dando espaço a momentos de entusiasmo a medida
que as atividades são desenvolvidas.
Não se pode deixar de citar a importância da forma de expor a
atividade por parte do professor ou monitor, o que é fundamental para
envolver os estudantes nos trabalhos e consequentemente desenvolver
neles a prática pedagógica por meio dela própria.
Além do envolvimento dos estudantes de pedagogia podemos
identificar também um indício muito importante, que inicialmente
não era objeto de estudo deste trabalho, mas eventualmente se fez pre-
sente nos experimentos desenvolvidos e tem mérito de ser discutido.

276 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Trata-se justamente do risco apresentado pela utilização do manual de
instruções, normalmente difundidos entre os kits comerciais de robó-
tica educacional.
Estes manuais findam por limitar a construção dos estudantes
e, por conseguinte limita o desenvolvimento da ação do professor a
seguir as orientações estabelecidas, o que vem a descaracterizar a natu-
reza construcionista da robótica educacional a direcionando para um
perfil reproducionista.

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Universidade FEEVALE. Nova Hamburgo, RS, 2013.

CAPÍTULO A PRÁTICA DA ROBÓTICA EDUCACIONAL NA FORMAÇÃO DE ESTUDANTES DE


12 PEDAGOGIA 277
CAPÍTULO 13
RECONHECENDO AS EMOÇÕES E RESOLVENDO
CONFLITOS ATRAVÉS DOS JOGOS COOPERATIVOS

Luana Caetano de Medeiros Lima1


Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida2

INTRODUÇÃO

Iniciamos nosso diálogo ressaltando o papel assumido pelas Ins-


tituições de ensino formal de educação, que atualmente, passam por
inúmeros desafios, não só os que já são de nosso conhecimento, como:
sobrecarga de funções que os docentes assumem diante da realidade; a
desvalorização salarial; e principalmente a falta de interesse dos discen-
tes, que cada vez mais assusta o futuro de tais Instituições; e os desafios
referentes às novas propostas das Escolas de Ensino Médio em Tempo
Integral (EEMTI).
A Escola pública, segundo Cortella (2014), apresenta um desafio
que precisa ser sanado, que é o de facilitar o processo de ensino e de
aprendizagem, já que os alunos são do século XXI, os professores do
século XX e as metodologias aplicadas são pertencentes ao século XIX.
Percebe-se que a estrutura educacional está fundamentada em aulas
1 Professora da EEMTI Adahil Barreto Cavalcante
2 Professor da Universidade Federal do Ceará – UFC do Instituto de Educação Física
e Esportes – IEFES.
tradicionais, onde as práticas da maioria dos docentes promovem certo
tipo de repulsa, por parte dos alunos, para com a monótona transmis-
são de conteúdo, deixando em segundo plano as emoções dos envolvi-
dos no processo educacional. Além disso, a falta de práticas pedagógi-
cas inovadoras, contextualizadas e significativas aos discentes, acelera
a criação do fosso educacional entre a teoria e a prática, fomentando a
exacerbação do individualismo.
Bernard Charlot acredita que o necessário a fazer para que os
alunos aprendam, resume-se numa equação pedagógica:

A equação pedagógica que vou explicar é: sucesso é igual à ati-


vidade, sentido e prazer. O aluno não aprende se ele não tem
atividade intelectual. Ele não tem atividade intelectual se a si-
tuação não faz sentido para aprender. Uma vez um adolescente
francês me disse: na escola, gosto de tudo fora os professores
e as aulas. Claro que ele não vai aprender. Atividade, senti-
do e prazer. Prazer não exclui esforço. O que devemos tentar
construir é uma escola com atividade intelectual do aluno, com
sentido e com prazer. (CHARLOT, 2010, p.3).

Entendemos a relevância das palavras de Bernard Charlot, pois


nada adianta planejarmos “algo positivo” aos alunos, se o que eles de-
sejam é totalmente contrário. Assim, muitas escolas insistem em ela-
borar Projetos Políticos Pedagógicos perfeitos na teoria e muitas vezes
acabam por esquecer em avaliar a intencionalidade pedagógica, de for-
ma significativa e contextualizada, de seus docentes ou até mesmo o
que motiva seu público alvo em permanecer estudando. No entanto,
tais aspectos negativos, impulsionam a escola a construir uma imagem
contrária aos objetivos previamente estabelecidos, perante a comuni-
dade escolar, passando a ser um problema e não a “solução” de muitas
dificuldades futuras que possam surgir no caminho.
Observando a rotina diária de uma escola, percebemos que as
relações resultam numa diversidade inesgotável. Essa Instituição for-
mal de ensino é o local apropriado para fomentar discussões e reflexões
sobre os temas pertinentes na sociedade e um dos que está sendo alvo
de muitos pesquisadores relaciona-se a necessidade de entendermos
e até mesmo controlar determinadas emoções. Demonstrar emoções
como: raiva, medo, alegria, tristeza, dentre outros, podem muitas ve-
zes, serem verdadeiros tormentos aos discentes, que em sua maioria

280 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


não conseguem entender o motivo que ocasiona tais manifestações.
Com isso, inúmeros fatores originados por amigos, familiares e até
mesmo frustrações podem ocasionar em atitudes resultantes em comu-
nicações agressivas e violentas.

Uma vez que são as emoções que dão origem aos sentimentos,
esses dois tipos de reação estão totalmente relacionados entre
si. Da mesma forma que uma emoção desperta um sentimen-
to, um sentimento é capaz de gerar mais emoções da mesma
espécie. Ter consciência de como você reage e se sente diante
de cada emoção, portanto, é fundamental para se recuperar de
uma emoção ou sentimento negativo. Esse processo é funda-
mental para manter o equilíbrio emocional. As emoções são re-
ações inconscientes, enquanto os sentimentos são uma espécie
de juízo sobre essas emoções. (SBie, 2016).

Atualmente, muitos alunos apresentam desafios centrados nas


emoções, resultando em conflitos diários, que afetam diretamente no
processo de ensino e de aprendizagem dos mesmos. Assim, a falta
do controle emocional e da maturidade, dos alunos, na resolução de
conflitos, atrapalha uma aprendizagem significativa, atrativa e contex-
tualizada que a EEMTI Adahil Barreto Cavalcante objetiva oferecer à
comunidade escolar.
A construção do projeto centrou olhares, em 2018, numa de-
manda diagnosticada pelo núcleo gestor, que buscava mecanismos
para superar a desmotivação, por exemplo, dos alunos das turmas de 3º
ano, responsáveis diretamente pelos índices da escola. A falta de sen-
tido da escola e do legado que os mesmos poderiam deixar com ações
motivadoras aos ingressos no ano de 2019, eram quase inexistentes. E
como poderíamos sanar tal desafio? Mediante a tais questionamentos a
professora de Educação Física, atuante nos projetos: Núcleo de Traba-
lho, Pesquisa e Práticas Sociais (NTPPS), Laboratório de Jogos e Brin-
quedos (LJB) e Aprendizagem Cooperativa, na escola, prontificou-se a
desenvolver um projeto, inicialmente em suas turmas, que trabalhasse
as emoções dos discentes.
Entendemos que todo projeto supõe rupturas com o presente e
promessas para um futuro promissor. Onde ao projetar significa tentar
sair de sua zona de conforto, quebrando assim, um estado confortável
para arriscar-se, na busca de uma nova estabilidade. Um projeto edu-

CAPÍTULO RECONHECENDO AS EMOÇÕES E RESOLVENDO CONFLITOS ATRAVÉS DOS


13 JOGOS COOPERATIVOS 281
cativo pode ser tomado como promessa na tentativa para determinada
ruptura, onde ações possíveis tornam-se visíveis e seus atores e autores
passam a assumir suas responsabilidades em todo processo educativo,
inovando para obter uma educação de qualidade.
Nessa perspectiva, o presente artigo busca compartilhar e re-
fletir sobre a criação de um Card game cooperativo como ferramenta
para o reconhecimento das emoções, resolução de conflitos e no exer-
cício do autoconhecimento, reconhecendo assim, as emoções perti-
nentes para construção de uma aprendizagem significativa. Tal feito
fundamentou-se na parceria entre o Laboratório de Jogos e Brinque-
dos (LJB), da EEMTI Adahil Barreto Cavalcante e o Programa de
Extensão Centro de Estudo sobre Ludicidade e Lazer (CELULA),
através do projeto Laboratório de Brinquedos e Jogos (LABRINJO),
do Instituto de Educação Física e Esportes (IEFES) da Universidade
Federal do Ceará (UFC).

O LABORATÓRIO DE JOGOS E BRINQUEDOS (LJB)

O Laboratório de Jogos e Brinquedos (LJB) da EEMTI Adahil


Barreto Cavalcante norteia suas ações nos seguintes pressupostos: 1.)
Oferecer formação lúdica em cursos, oficinas, palestras e grupos de
estudos: A formação lúdica é a base estrutural do projeto, pois através
de observações de comportamentos dos sujeitos implicados na utiliza-
ção de jogos, brinquedos e brincadeiras podemos adequar ao contexto
especifico de aprendizagem. 2.) Disponibilizar espaços lúdicos e de la-
zer com qualidade para alunos-professores-comunidade: O LJB apre-
senta-se como possibilidade de espaços de convívio coletivo em um
ambiente que permita relações psíquico-saudáveis entre todos. Des-
sa forma são atendidos aspectos fundamentais como: atender padrão
ergométrico; respeitar limites de densidade de ocupação do espaço;
oferecer diversidade de tipos de brincadeiras e brinquedos que podem
ser utilizadas de forma simultânea e fortalecer as relações sociais. 3.)
Oferecer formas de intervenções lúdicas: A equipe técnica (gestores,
coordenadores, monitores, educadores) deve desenvolver estratégias
lúdicas durante a execução de suas atividades e na mediação de situa-
ções espontâneas por meio de jogos, brinquedos e brincadeiras a partir
das intervenções vividas na instituição: criação de jogos e brinquedos,
ensinar brincadeiras antigas (identificadas através de pesquisas); criar e

282 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


disponibilizar novos jogos baseados na cultura lúdica; vivencias lúdicas
variadas com oficinas específicas. 4.) Desenvolver pesquisas e estudos:
Realizar pesquisas relativas à aprendizagem, concentradas principal-
mente, nas áreas de educação, psicologia, saúde e cultura lúdica; jogos,
brinquedos e brincadeiras.
O Laboratório de Jogos e Brinquedos da escola EEMTI Adahil
Barreto Cavalcante (LJB) tem como princípios básicos três perspectivas:

1. Perspectiva com relação aos alunos;


2. Perspectiva com relação aos professores;
3. Perspectiva com relação à comunidade.

O LÚDICO NO CONTEXTO EDUCATIVO

Dentro de uma perspectiva histórica e antropológica podemos


admitir segundo Duflo (1990) que existem três grandes apropriações
da história do conhecimento em relação ao lúdico. Em uma primeira
apropriação temos a compreensão do jogo dentro de uma estrutura éti-
ca, muito influenciado pelas ideias teológicas (a moralidade religiosa).
Nesta perspectiva o jogo torna-se uma atividade perigosa na vida cris-
tã. O lúdico passar a ser na moralidade cristã uma atividade capaz de
desvirtuar o comportamento do homem comedido e de fé. Na segunda
forma de apropriação temos o pensamento filosófico, onde o lúdico
enquanto um instrumento e objeto epistemológico, isto é, como um
elemento do saber com sua lógica própria de pensar e de produzir co-
nhecimentos sobre a vida e o mundo. Na terceira apropriação histórica
do lúdico temos grandes influências de diferentes teóricos que preco-
nizam o jogo dentro de uma perspectiva estética e pedagógica (educa-
tiva). Tema que será apresentado no decorrer deste tópico.
Educar não se limita a repassar informações ou mostrar apenas
um caminho, aquele caminho que o professor considera o mais corre-
to, mas é ajudar a pessoa a tomar consciência de si mesma, dos outros
e da sociedade. É aceitar-se como pessoa e saber aceitar os outros. É
oferecer várias ferramentas para que a pessoa possa escolher entre mui-
tos caminhos, aquele que for compatível com seus valores, sua visão
de mundo e com as circunstâncias adversas que cada um irá encontrar.
Educar é preparar para a vida.

CAPÍTULO RECONHECENDO AS EMOÇÕES E RESOLVENDO CONFLITOS ATRAVÉS DOS


13 JOGOS COOPERATIVOS 283
Como comentam Maturana e Gerda (2004) “Saber é fazer e
fazer é saber”, significa dizer que um organismo se desenvolve de fato
ao longo de sua história individual e dependerá de como ele vive essa
história. Uma criança só chegará a ser, em seu desenvolvimento, o ser
humano que sua história de interações com sua mãe, seu pai, sua famí-
lia e os outros seres que a rodeiam permitir.
Nesta abordagem do processo educativo a afetividade ganha des-
taque, pois acreditamos que a interação afetiva ajuda mais a compre-
ender e modificar as pessoas do que um raciocínio brilhante, repassa-
do mecanicamente. Esta ideia ganha adeptos ao enfocar o lúdico no
processo do desenvolvimento humano. O jogo é uma necessidade do
ser humano em qualquer idade e não pode ser vista apenas como di-
versão ou para passar o tempo. O lúdico facilita a aprendizagem, o de-
senvolvimento pessoal, social e cultural, colabora para uma boa saúde
mental, prepara para um estado interior fértil, facilita os processos de
socialização, comunicação, expressão e construção do conhecimento.
Assim, acreditamos que o jogo faz parte da essência humana.
O lúdico é um processo no caminho da aprendizagem, mas um
processo vital e influenciável, e observamos que são nos espaços lúdicos
públicos como: a praça, a rua, a avenida, os parques, etc., onde o jogo
espontâneo e o jogo livre mantém sua posição de importância, pois é
no desenvolvimento de muitos aspectos intangíveis que o brincar se
sobressai dentro destes espaços. Atitudes como: a cooperação, a mo-
tivação, a perseverança, a concentração, a reflexão, a autonomia e o
divertimento como aprendizagens são alguns dos eixos que não podem
ser quantificados dentro de determinados aspectos tangíveis.
De acordo com Almeida (2015) para jogar de modo efetivo, pre-
cisamos de: Companheiros de brincadeiras, espaços ou áreas para brin-
car, materiais para brincar, e que o brincar seja valorizado pelas pessoas
que as cercam; Oportunidades para brincar em pares, em pequenos
grupos, sozinhas, perto de outras pessoas, com adultos, etc.; Tempo
para explorar, através da linguagem, aquilo que fizeram e como elas
podem descrever a experiência; Tempo para continuar o que iniciaram;
Experiências para ampliar e aprofundar aquilo que já sabem e aquilo
que já conseguem fazer; Estimulo e motivação para fazer e aprender
mais; Devem ter oportunidades lúdicas dirigidas e espontâneas; Cul-
tura de paz e valores que fortaleçam suas potencialidades humanas e de
saberes; Espaço para brincar (na cidade, na escola em casa etc.). Apesar

284 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


de existirem muitas controvérsias e posicionamentos diferentes entre
os vários estudiosos, existe entre eles um ponto em comum com rela-
ção ao brincar. Esses investigadores concordam que o lúdico desempe-
nha um papel importante no desenvolvimento humano.
O lúdico tem como objetivo duas perspectivas: Diagnosticar e
Propor Desafios. Através dos espaços estruturados ou não estruturados
para brincar podemos verificar duas possibilidades lúdicas: o jogo es-
pontâneo ou o jogo orientado (dirigido). Resultados teóricos impor-
tantes podem ser alcançados através deste estudo. As descobertas in-
vestigativas sobre o brincar em espaços lúdicos podem definir critérios
tais como: A duração do envolvimento em um determinado jogo; As
competências do sujeito envolvidas na ação lúdica; O grau de inicia-
tiva, criatividade, autonomia e criticidade que o jogo proporciona ao
participante; A verbalização e linguagem que acompanham o brincar;
O grau de interesse, motivação, satisfação, tensão aparente durante o
jogo (emoções, afetividade, etc.); Construção do conhecimento (ra-
ciocínio, argumentação, etc.); Evidências de comportamento social
(cooperação, colaboração, conflito, competição, integração, inclusão,
etc.); Evidenciar na criança comportamento de preservação e respeito
aos equipamentos e materiais lúdicos e da democratização do uso dos
mesmos; Verificar fatores de apropriação do espaço lúdico.
A aplicação de jogos, brincadeiras e brinquedos em diferentes
situações educacionais dentro de um espaço para brincar pode ser um
meio para estimular, analisar e avaliar aprendizagens específicas, com-
petências e potencialidades dos sujeitos envolvidos. No jogo espon-
tâneo em ambientes lúdicos podemos registrar as ações a partir da:
observação, registro, análise e tratamento. Com isso, podemos criar
para cada ação lúdica um banco de dados sobre o mesmo, subsidiando
de forma mais eficiente e científica os resultados das ações. E possível
também fazer o mapeamento da trajetória lúdica durante a vivência
dentro do brincar, buscando dessa forma entender e compreender me-
lhor suas ações e fazer intervenções e diagnósticos mais seguros aju-
dando o indivíduo ou o coletivo. As informações obtidas pelo brincar
espontâneo permitem diagnosticar: Ideias, valores interessantes e ne-
cessidades do coletivo ou do indivíduo; Estágio de desenvolvimento
do sujeito; Comportamento dos envolvidos nos diferentes ambientes
lúdicos; Conflitos, problemas, valores, etc.
Com isso podemos definir, a partir de uma escolha criteriosa, as
ações lúdicas mais adequadas para cada pessoa envolvida, os jogos e

CAPÍTULO RECONHECENDO AS EMOÇÕES E RESOLVENDO CONFLITOS ATRAVÉS DOS


13 JOGOS COOPERATIVOS 285
brinquedos apropriados para cada idade e respeitando assim o princí-
pio básico de individualidade de cada ser humano. Já no jogo dirigido,
podemos propor desafios a partir da escolha de jogos, brinquedos ou
brincadeiras determinadas por um adulto ou responsável.
Estes jogos orientados podem ser feitos com propósitos claros
de promover o acesso a aprendizagens de conhecimentos específicos
como: matemáticos, linguísticos, científicos, históricos, físicos, esté-
ticos, culturais, naturais, morais etc. Os jogos dirigidos têm também
como propósito ajudar no desenvolvimento: Cognitivo; Afetivo; So-
cial; Motriz; e na Construção da moralidade (nos valores). Quando
falamos que o ser humano apresenta várias inteligências, percebemos
que para muitos é algo “novo” e inovador, pois por muitos anos acredi-
tou-se que a inteligência era única e que poderia ser medida.
Segundo Antunes (2006):

A certeza de que a mente humana abriga diferentes inteligên-


cias pode ser confirmada quando se observa casos de lesão ce-
rebral, adquirida ou não, e essa pessoa perde elementos espe-
cíficos de uma ou mais inteligências, conservando intactos os
demais. Nessas circunstâncias descobre-se, por exemplo, que
o dano cerebral levou a linguagem, mas não a sensibilidade
musical; a capacidade matemática, mas não o sentimento de
empatia e de solidariedade. (ANTUNES, 2006, p.7)

As inteligências múltiplas apresentam características específicas,


mas interagem entre si para desenvolver uma ação. Por exemplo, quan-
do um adolescente chuta uma bola e avisa ao colega que ele deve rece-
bê-la, ocorre uma interação, mas pode acontecer uma maior percepção
de um tipo de inteligência com relação às demais. Neste exemplo, a
cinestésico corporal é bem mais visível do que a inteligência lógico
matemática ou a viso espacial.
Entender que os alunos são significativamente complexos e que
necessitam de um olhar que supra suas necessidades é perceber que a
metodologia aplicada, atualmente, dentro da sala de aula deve ser mo-
dificada para alcançar o objetivo comum a toda comunidade escolar:
que o aluno consiga absorver o conhecimento.
O incentivo pode iniciar desde a infância e permanecer por toda
a fase da adolescência, basta ser iniciado um processo educativo que

286 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


requer tempo e compromisso por todos os envolvidos. Com isso, cabe,
principalmente, aos professores oportunizar diferentes metodologias
capazes de desenvolver as diversas inteligências.

AS RELAÇÕES AFETIVAS NA ESCOLA

Compreendemos que ao jogar, muitos conseguem manifestar


diferentes emoções, com o intuito, de entender o contexto onde está
inserido. Por muitos anos as emoções foram consideradas opostas a
razão, passando muitas vezes a serem desconsideradas, sobre o desen-
volvimento humano. Atualmente, este cenário no âmbito escolar tem
mudado um pouco, pois muitas investigações ressaltam importância
da valorização e de um maior entendimento sobre a interferência dos
sentimentos dos discentes na construção do desempenho escolar.
Os autores Sawaia (2000), Heller (1979), Vygotsky (1991) e Es-
pinhosa (2000), citado Bomfim (2010), são opositores ao pensamento
de que a afetividade é oposta a razão e acrescentam que esta concep-
ção deva ser inibida. Os autores ressaltam a necessidade de realizarmos
observações para entendermos as relações, independente do ambiente
que seja disseminada a afetividade. Assim, na escola pública, por exem-
plo, percebemos que necessitamos estabelecer instrumentos avaliativos
e ações relevantes que possam identificar e promover o entendimento
sobre quais os sentimentos demonstrados por seus protagonistas, que
podem interferir diretamente nas relações construídas entre todos que
estão inseridos neste contexto.
A concretização do discurso da comunidade escolar revela, mes-
mo que de forma subjetiva, os conceitos e sentimentos pertinentes a
seus desejos e anseios. Bomfim (2010) estabelece os aspectos relevantes
na relação do sujeito com a cidade, que por sua vez pode ser transfe-
rido para relação do sujeito com a escola. A autora afirma: “Ter como
referência o sentir para compreender a cidade é estar implicado na
experiência, no cotidiano, é o afeto, as emoções como palco mediador
das construções e das descobertas.” (BOMFIM, 2010, p. 52).
Contudo, surge no processo educativo às experiências que po-
dem ser positivas, pois promovem uma aprendizagem significativa re-
gada de momentos relevantes que são disseminados por toda vida dos
educandos, mas por outro lado, a rotina escolar pode promover mo-
mentos frustrantes que bloqueiam os sonhos dos alunos e repercutem

CAPÍTULO RECONHECENDO AS EMOÇÕES E RESOLVENDO CONFLITOS ATRAVÉS DOS


13 JOGOS COOPERATIVOS 287
no fracasso escolar, termo bem conhecido, que fortalece os índices de
evasão escolar, repetência, abandono, dentre outros.
Acreditamos que o ensino deva ser colaborativo e interativo, o
aluno passa a ser o protagonista de todo processo educacional e as rela-
ções são construídas a partir das experiências mediadas pelo professor.
A escola apresenta-se, neste contexto, como um ambiente formal de
educação que une sujeitos diversos e com normas que insistem em
“padronizar” o ensino, não respeitando assim a individualidade e o
tempo que cada um apresenta para absorver o conhecimento. O que
precisamos realmente são mudanças de atitudes de todos os compo-
nentes deste processo educacional.

EDUCAÇÃO EMOCIONAL E A ADOLESCÊNCIA

A educação emocional ganha destaque atualmente no cenário es-


colar, onde os sentimentos expressados por muitos adolescentes, nosso
público alvo, acabam por interferir no processo de ensino e de apren-
dizagem, resultando muitas vezes em lastimáveis perdas. Identificar os
fatores externos que impulsionam conflitos internos é algo complexo e
que merece um olhar diferenciado pela comunidade escolar.
Ao observarmos os adolescentes, percebemos que é uma fase onde
os conflitos são bem relevantes, pois o processo de aceitação diante do
contexto ao qual estar inserido influencia diretamente no seu modo de
agir, pensar e até mesmo ser. Com isso, atividades educativas que pro-
movam o reconhecimento e o controle emocional ainda permanecem
na teoria, pois a maioria dos educadores não teve, em sua formação
acadêmica, disciplinas que fundamentasse suas ações no processo.
Sabemos que intervenções focadas em jogos, que trabalham as
emoções dos discentes, podem auxiliar numa conscientização mais fi-
dedigna de como devemos agir diante de determinados desafios, como
por exemplo, as avaliações internas e externas escolares. Sendo assim,
especialistas apontam que 60% do desempenho de um discente numa
avaliação estar relacionado ao estado emocional e os 40% restante des-
tina-se aos conteúdos adquiridos.
Compreendemos assim, que a maioria das escolas ainda não
despertou para este diagnóstico, pois suas ações acabam por ser mais
conteudistas, apresentando pouco interesse em trabalhar a Inteligência
emocional de seu alunado. Quando os mesmos são capazes de traba-
lhar sua autoestima, conseguem de forma brilhante enfrentar os desa-

288 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


fios que surgem em sua caminhada. Mas muitos acabam por desistirem
antes mesmo de tentar, deixando de diagnosticar as causas que levaram
ao fracasso, para encontrar soluções plausíveis que sirvam de motiva-
ção em situações adversas. Tal omissão muitas vezes pode ocasionar em
atitudes extremas que colocam em risco sua própria vida. Por isso, exis-
te uma grande necessidade de desenvolvermos atividades e criarmos
jogos que permitam refletir sobre os sentimentos demonstrados pelos
alunos diante dos desafios impostos.

JOGO COOPERATIVO COMO ESTRATÉGIA LÚDICA NA


RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

O jogo cooperativo é uma ótima estratégia lúdica de resolução


de conflitos, sendo assim uma alternativa nova e desafiante ao discurso
tradicional das práticas vivenciadas nas escolas públicas e privadas, seja
no contexto formal e informal. Diferente do jogo competitivo, o jogo
cooperativo usa um sistema de não competição ou de adversários ofe-
recendo assim, uma oportunidade para o diálogo construtivo que pode
ser sustentado. Tais jogos necessitam que os participantes construam
sobre e que acrescentem no ponto de vista dos demais; e premia as
respostas criativas aos argumentos de outros em vez da oposição a eles.
Ao contrário ao pensamento tradicional, o jogo cooperativo
muda da oposição para cooperação. O objetivo dos participantes é res-
ponder juntos, planejar e construir opções inovadoras para resolver
coletivamente os temas difíceis ou oposições. Assim, podemos investi-
gar feitos, focar na atenção, ensinar detalhadamente sobre um tema e
valorizar as diferentes linguagens.
No jogo cooperativo todos ganham e participam. O ganhar do
outro é substituído pela ênfase em resolver o conflito. A transformação
de uma cultura de conflito, violência e de guerra para uma Cultura de
Paz e Não-Violência é o maior desafio da humanidade.
No manifesto da UNESCO no ano 1994 por uma Cultura de
Paz e Não-Violência alguns países do planeta se comprometeram em
cumprir seis pontos básicos: 1) Respeitar a vida; 2) Rejeitar a violência;
3) Ser generoso; 4) Ouvir para compreender; 5) Preservar o planeta; 6)
Redescobrir a solidariedade.
Acreditamos que a vivência com jogos cooperativos é uma al-
ternativa para os adolescentes aprenderem a resolver os conflitos de

CAPÍTULO RECONHECENDO AS EMOÇÕES E RESOLVENDO CONFLITOS ATRAVÉS DOS


13 JOGOS COOPERATIVOS 289
forma não violenta no contexto escolar e uma opção educativa para
os professores, educadores e pais estimularem uma educação de paz e
em valores. Onde conteúdos como: autoestima, tolerância, coopera-
ção, altruísmo, paz, inclusão, ajuda, confiança entre outros, podem ser
abordados de forma lúdica e criativa, além de brincar e aprender.
A escola e a família necessitam urgentemente introduzir em seus
processos educativos propostas inovadoras de conteúdos que tratem
de temas como: exclusão, sexismo, belicismo, xenofobia, racismo, ego-
centrismo, etc. O jogo pode ser um conteúdo ímpar para refletir sobre
estes temas com as crianças. Podemos na escola e na família construir
mentes de paz e para paz. Quando falamos de paz, falamos de uma
paz positiva! Creio que a paz não é a ausência de conflitos, a paz é uma
forma madura das pessoas resolverem os conflitos.
Um jovem capaz de resolver seus próprios conflitos através de
formas não violentas, será possivelmente um cidadão capaz e maduro
para viver em um mundo de paz.

O que é conflito?

De acordo com Almeida, (2011a), conflito é a oposição ou de-


sacordo entre pessoas em relação com um mesmo assunto ou tema.
Resolver os conflitos nos ajuda a crescer, evoluir e amadurecer como
pessoas. A resolução de conflitos através do brincar é um método indu-
tivo de aprendizagem baseado na busca e descobrimento, por parte das
crianças, dando respostas e soluções as questões planejadas em torno
do problema. A resolução pode ser planejada em contextos de atuação
individual, porém, como assinalam diversos autores, também pode ser
planejada em um contexto de ação coletiva, oferecendo ótimas opor-
tunidades e possibilidades. A paz não é a ausência de conflitos, é a
capacidade de resolvê-los sem prejudicar ao outro ou a si mesmo. Um
cidadão maduro para o conflito é uma pessoa madura para viver em
uma sociedade de PAZ.
A primeira iniciativa para a solução de um problema sempre é o
detectá-lo e aceitá-lo como tal. Aceitar que o problema é importante e
que merece ser resolvido costuma ser mais difícil, já que nem sempre
as partes estão de acordo sobre a relevância do conflito: quem agride
ou discrimina a outros se desculpa sempre minimizando seus atos, en-
quanto a vítima tende naturalmente a exagerar a ofensa recebida. Nes-

290 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


ta primeira etapa, então, deverá explorar profundamente a percepção
pessoal que cada um tem do problema, definir com total claridade até
alcançar o consenso adequado a respeito de sua importância.
É evidente que isto deverá fazer-se através da conversação e de
diálogo, e por isso é vital que se ponham em jogo as melhores aptidões
de comunicação: A) Respeito pelos pontos de vista alheios mesmo que
o seu não se coincida com o outro; B) Tolerância e ajuda para com os
membros do grupo que tenham dificuldades ao expressar-se; C) Paci-
ência e boa vontade para escutar aos outros. Certas atitudes pessoais
são necessárias, além das anteriores:

• Autocontrole: não deixar-se levar pela ira diante de opiniões


que são adversas;
• Confiança: presumir sempre a honestidade e a sinceridade
nos outros;
• Honestidade: dizer sempre a verdade e ser sinceros ao ex-
pressar opiniões;
• Humildade: admitir desde o princípio que jamais podere-
mos ter toda a razão.

O espírito de grupo deve prevalecer nesta etapa, e em geral


durante todo o processo de resolução de um conflito. O grupo deve
sentir-se unido, se não nas opiniões ou nos julgamentos de seus
membros, na convicção que deve ser encontrada uma solução para
benefício de todos.
É conveniente que cada um fortaleça este conceito recordando
que o bem coletivo está acima do bem individual; que o problema é de
todos, não só das partes, e que além das necessidades dos antagonistas
há um grupo de pessoas que reclamam um acordo como condição in-
dispensável para restabelecer a harmonia. Por conseguinte, a educação
orientada a acabar com as guerras há de combinar o espírito crítico e
a capacidade de resolver os conflitos por métodos incruentos. A edu-
cação para a paz vê o conflito como um de seus principais objetivos e
é tomada como referência e ponto de partida para a seguinte reflexão:
sabemos resolver os conflitos?
O conflito costuma considerar-se negativo porque o percebemos
através das consequências destrutivas que tem a forma habitual de re-
solvê-los. Entramos no conflito com uma atitude de competitivida-

CAPÍTULO RECONHECENDO AS EMOÇÕES E RESOLVENDO CONFLITOS ATRAVÉS DOS


13 JOGOS COOPERATIVOS 291
de. Conflito não é igual a violência, é algo habitual nas relações entre
grupos sociais e interpessoais. É a interação de pessoas com objetivos
incompatíveis.
Para Almeida, (2011a) a violência supõe a ruptura, a negação do
conflito, supõe optar por resolvê-lo de forma destrutiva. Na resolução
do conflito está o caminho para conseguir a paz. Negamos assim, a
ideia de paz passiva como ausência de conflitos e assumimos o conceito
de paz positiva, de resolução não violenta de conflitos, é um processo
não uma meta. A práxis da Educação para a paz é aprender a descobrir
e a enfrentar os conflitos para resolvê-los adequadamente. A resolução
de problemas é um método indutivo de aprendizagem baseado na bus-
ca e descobrimento, por parte dos alunos, dando respostas e soluções
as questões planejadas em torno do problema.
A resolução de problemas pode ser planejada em contextos de
atuação individual, porém, segundo Almeida, (2011a), mas também
pode ser planejada em um contexto de ação coletiva, onde segundo
eles, oferece ótimas oportunidades. Para este autor, quando um gru-
po tem o mesmo objetivo, ou um problema comum para resolver, se
reúne forças em dimensões incríveis para produzir soluções. A parti-
cipação do grupo na resolução de problemas é a única condição que
leva aos âmbitos social, emocional e cognitivo a interação com grande
intensidade e equilíbrio.
Este processo de interação, para conseguir uma solução para
benefício de todo um grupo, implica no equilíbrio nos seguintes
componentes: oportunidade de que todos os alunos podem sugerir
soluções; oportunidade de provar a solução de qualquer um; a nego-
ciação e modificação de soluções; o esforço do grupo com respeito
à solução aceita; a tolerância do grupo com respeito à solução não
aceita; um clima de inclusão.
Com os métodos de aprendizagens nos jogos cooperativos nin-
guém perde, ninguém é excluído ou isolado por causa de alguma defi-
ciência de qualquer ordem ou porque cometeu um erro, dentro de uma
aprendizagem cooperativa todos ganham e todos participam, onde o
elemento fundamental é compartilhar mutuamente o sentimento de
responsabilidade social, de respeito, de fraternidade e de solidariedade
dentro de um contexto lúdico e prazeroso. Este tipo de sentimento leva
as pessoas a perceber a interdependência existente entre tudo e todos.

292 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Resolução de conflitos: características e procedimentos

Para resolver conflitos necessitamos: a) Não ficar nervoso; b)


Pensar no que aconteceu. Quando conseguimos resolver os conflitos:
1) Ficamos bem; 2) Passamos a ter uma boa convivência com nossos
colegas; 3) Temos a certeza que as soluções foram justas para todos.
O que devemos fazer em uma situação de conflito: a) Negociar;
b) devemos cooperar; c) Devemos mediar; d) Ser flexível. E o que não
devemos fazer: a) Evitar o conflito; b) Competir. Em um conflito não
é importante: 1) Ser agressivo: a agressão é negativa, não só para quem
a recebe é também para seu autor; 2) Competir: impor nosso ponto de
vista sem escutar o(s) outro(s).
Em um conflito devemos ter em conta duas estratégias simples:
1) Devemos dialogar para chegar a um acordo; 2) Acordo tem que
favorecer ambas as partes. Para conseguir estas metas anteriores são
necessários dois aspectos de intervenção no conflito: 1) Negociar: pro-
cesso de discussão para chegar a um acordo aceitável para todos. O
coletivo tem que estar satisfeitos; 2) Mediar: um terceiro elemento que
ajuda as partes chegarem a um acordo.
Acreditamos que quando um grupo tem o mesmo objetivo, ou
um problema comum para resolver, se reúne forças em dimensões in-
críveis para produzir soluções. A participação do grupo na resolução de
problemas é a única condição que leva aos âmbitos social, emocional e
cognitivo a interação com grande intensidade e equilíbrio.
O jogo  tem algumas características cognitivas que contribuem
para aprendizagem e consequentemente na construção do conheci-
mento. No ato lúdico elaboramos esquemas que estabelece uma ativi-
dade conjunta e compartilhada onde demanda delas uma ação lúdica
em três possibilidades: 1) Na colaboração; 2) Na cooperação; 3) A co-
ordenação de ações lúdicas compartilhadas. Estas possibilidades devem
ser utilizadas na busca de soluções em situações problemas ou na reso-
lução de conflitos estabelecidas no brincar infantil. Algumas estratégias
para uma boa negociação de conflitos na hora do jogo:

1. Recolher a informação - a informação deve ser:


• Objetiva;
• Sistematizada;
• Selecionado;
• Classificada.
CAPÍTULO RECONHECENDO AS EMOÇÕES E RESOLVENDO CONFLITOS ATRAVÉS DOS
13 JOGOS COOPERATIVOS 293
2. Analisadas detalhadamente;
3. Definir o problema - se definimos o problema podemos co-
nhecer e levar em conta as necessidades dos demais;
4. Buscar alternativas - devemos estimular as pessoas implicadas
no conflito a buscar e propor ideias ou alternativas;
5. Imaginar consequências – imaginar o que aconteceria se este
conflito não for resolvido;
6. Tomar uma decisão - recordar o conflito, as alternativas e suas
consequências. Encontrar uma solução aceitável;
7. Criar uma mudança - criar uma norma a partir do conflito;
8. Aprender com o conflito.

A resolução de problemas em grupos cooperativos nos leva a


importantes consequências educativas, tais como: produção de novas
ideias; estimular cognitivamente as suas capacidades para resolver pro-
blemas e buscar soluções. Neste sentido, abre caminhos para o pensa-
mento divergente e criativo; a tarefa se converte em um processo co-
letivo de indagações onde as potencialidades cognitiva, motriz, social
passam a ser uma só; a transferência da decisão ao grupo durante os
conflitos cria oportunidades para compartilhar ideias e confrontá-las
com as demais. Deste modo, as conquistas são resultados do diálogo,
da negociação e vivência dentro do grupo; a satisfação do êxito é com-
partilhada coletivamente.

CONHECENDO A PROPOSTA

Iniciamos nossas ações pautadas em objetivos que possibilitas-


sem a integração dos alunos através dos desafios cooperativos, com o
intuito de sensibilizar e mostrar que não existe só uma única forma
egocêntrica e individualista, de alcançar os objetivos do jogo. Deve-
mos conhecer os princípios que norteiam outras formas de conseguir
o mesmo objetivo, mas com uma meta coletiva comum e que neces-
sita da contribuição entre os pares para alcançar os objetivos do jogo
proposto. Com isso, podemos citar algumas emoções, que são impul-
sionadas por conflitos, como: raiva, medo, alegria tristeza, vergonha,
surpresa, aversão, amor, dentre outros.
Diante da falta de sentido que a escola assume para muitos dis-
centes, objetivamos construir um jogo que pudesse trabalhar as emo-

294 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


ções dos alunos. Com tal pensamento, idealizamos algo que pudesse pro-
mover uma reflexão sobre um dos principais objetivos determinados às
turmas de 3º ano, que são as avaliações externas, por exemplo, o Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM). Contudo, estabelecemos que a pro-
dução seria feita pelos próprios discentes, pois a contribuição, por estarem
envolvidos no processo, seria fidedigno ao objetivo central do jogo.
Diante de tantas discussões e vivências com jogos cooperativos
escolhemos um Card Games cooperativo TOGETHER (c)1971, pro-
duzido no Family Pastimes3 Co-operative Games do Canadá e desen-
volvido por Jim Deacove.

Figura 1: Together

Fonte: https://familypastimes.com/.

O referido Card Games serviu como base para construção da nos-


sa proposta de protótipo, o jogo ABC: lidando com as emoções no
ENEM. O jogo foi construído com o intuito de promover uma reflexão
sobre os principais desafios enfrentados pelos alunos diante do ENEM.
O projeto foi desenvolvido em 2018, utilizando uma metodologia
ludiformes (ALMEIDA, 2015 e 2014), como: aprendizagem coopera-
tiva (ALMEIDA, 2011b; PUJOLÀS, 2001), promovendo educação
para paz na escola através da Educação Física e dos jogos cooperativos
(VELÁZQUEZ, 2004).
Participaram da construção e validação do jogo os alunos do 3º
ano, sendo representados por 3 alunos (um do 3º ano e dois do 1º ano),

3 https://familypastimes.com/.

CAPÍTULO RECONHECENDO AS EMOÇÕES E RESOLVENDO CONFLITOS ATRAVÉS DOS


13 JOGOS COOPERATIVOS 295
na disseminação dos resultados obtidos em cada intervenção, à comuni-
dade escolar. Os encontros tiveram a duração de 50 minutos, realizadas
nas aulas de Educação Física, utilizando para tal fim a sala de aula e a
quadra poliesportiva, perfazendo 6 meses. Foram utilizadas as seguintes
técnicas: observação participante, produção de imagens fotográficas e
oficinas lúdicas de criação de jogos de Card games cooperativos.
Para criação do jogo realizamos reflexões na busca de elencarmos
os principais problemas enfrentados pelos adolescentes, pertencentes
às turmas de terceiros anos, que estão prestes a “decidir” seu futuro, se
desejam uma formação acadêmica ou simplesmente entrar no mercado
de trabalho. Então escolhemos os desafios mais relevantes e comuns a
todos, pois só assim poderíamos validar o jogo, eliminando qualquer
tipo de pensamento individualista.
O jogo ABC: lidando com as emoções no ENEM busca traba-
lhar e potencializar a comunicação não violenta (CNV) para:

1. Mediar conflito;
2. Fortalecer as habilidades socioemocionais;
3. Desenvolver o autorrespeito;
4. Estimular o autocuidado;
5. Potencializar a autoapreciação;
6. Ser um apoio para ambas as partes olharem juntas aquilo que
é importante para si e para o todo;
7. Apoiar as pessoas a falarem a partir do seu mundo interno;
8. Reduzir a acusação;
9. Desconstruir a figura de inimigo;
10. Entender mais sobre as pessoas;
11. Trazer mais vida às relações humanas;
12. Conectar-se através do lúdico;
13. Aumentar e qualificar o a escuta humana;
14. Encontrar novas soluções para resolver conflitos.

Durante o jogo ABC: lidando com as emoções no ENEM os


participantes podem trazer exemplos e histórias reais e sensíveis para
elas. Ao cultivar um ambiente de respeito, amor, compreensão, acolhi-
mento, tolerância e inclusão, estamos cuidando de criar uma experiên-
cia prazerosa, afetiva e satisfatória para todas as pessoas envolvidas na
experiência lúdica. No quadro 1 apresentamos as cartas problemas e
no quadro 2 as cartas soluções.

296 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


Quadro 1

CARTAS PROBLEMAS

ANSIEDADE PROBLEMAS FÍSICOS NO CORPO

ESTRESSE NERVOSISMO

BAIXA AUTOESTIMA PENSAMENTO NEGATIVO

PRESSÃO FAMILIAR INSÔNIA

MEDO DA REPROVAÇÃO EXPECTATIVAS DOS FAMILIARES E


AMIGOS
INSEGURANÇA DEPRESSÃO

ALUNO CONFUSO DESÂNIMO

FALTA DE CONCENTRAÇÃO DESPREPARO EMOCIONAL

INQUIETAÇÃO DORES MUSCULARES E DE CABEÇA

TOTAL DE CARTAS: 36
ONDE CADA PROBLEMA SE REPETEM 2 VEZES
Fonte: Autores.
Quadro 2

CARTAS SOLUÇÕES

RELAXAMENTO MEDITAÇÃO

EQUILÍBRIO EMOCIONAL ATITUDES SAUDÁVEIS

ATITUDES POSITIVAS PENSAMENTO POSITIVO

EXTRAVASAR SEU NERVOSISMO DIMINUIR A PRESSÃO


FAMILIAR
NÃO SE INFLUENCIE PELO CONCENTRE-SE EM SEU
NERVOSISMO ALHEIO PRÓPRIO FOCO
CONVERSAR/DESABAFAR COM CONFIE EM SI MESMO
ALGUÉM
DIVERTI-SE DOMÍNIO DOS PENSAMENTOS

DESMISTIFIQUE O VESTIBULAR FOCADO E CONCENTRADO

ATIVIDADE FÍSICA PRÁTICA DE RESPIRAÇÃO


TOTAL DE CARTAS: 72
ONDE CADA SOLUÇÃO SE REPETEM 4 VEZES
Fonte: Autores.

CAPÍTULO RECONHECENDO AS EMOÇÕES E RESOLVENDO CONFLITOS ATRAVÉS DOS


13 JOGOS COOPERATIVOS 297
ABC: lidando com as emoções no ENEM é um jogo de cartas
de Problemas e Soluções (Figuras 2, 3 e 4) que tem como objetivo apoiar
a prática de comunicação não violenta (CNV) e exercitar a empatia,
tolerância, inclusão e cooperação. O jogo usa como mecânica ação
simultânea e cooperativa, com meta coletiva comum e com interde-
pendência positiva entre as equipes. Os elementos do jogo são: rejoga-
bilidade, possibilidade de cooperação e facilidade de aprendizado. O
jogo é composto por: 2 decks de cartas (36 cartas Problemas e 72 cartas
Soluções); manual de regras; Idade + 14; números de jogadores – 1 a
50. Algumas orientações sobre como jogar:

1. Os alunos são divididos em grupos sociais simulados (sala de


aula, tribos, nações, cidade etc.). Cada grupo recebe Cartas
de Problemas Mundiais e uma parte dos Cartões de Soluções;
2. O jogo consiste em dividir os alunos em equipes, cada uma
representará uma sala de 3º ano da escola, contendo seis in-
tegrantes. Os mesmos devem indicar um líder de sua turma,
como relator das reflexões relevantes aos demais colegas;
3. Embaralhar as 36 cartas problemas onde cada problema se
repetem 2 vezes. E depois, embaralhar as 72 cartas soluções
onde cada solução se repetem 4 vezes;
4. O facilitador entrega para cada turma 5 cartas soluções e 5
cartas problemas que precisam ser solucionadas de acordo
com tempo estipulado, inicialmente. O número de cartas
Problema e Soluções distribuídas pelo facilitador vão depen-
der de alguns fatores como: o tempo e a quantidade de joga-
dores;
5. Cada turma deverá priorizar, dentre as cinco cartas recebidas,
o problema mais desafiador para ser sanado;
6. O líder irá negociar com as outras turmas as cartas que não ti-
veram êxito, ao solucionarem os quatro problemas restantes;
7. Através de discussões, acordos, doações, reflexões, os joga-
dores tentam resolver todos os problemas que enfrentam em
seu grupo;
8. O jogo será finalizado quando as equipes forem unificadas e
através de reflexões relevantes possam solucionar, de forma
cooperativa, todos os problemas do coletivo;
9. Caso isso não aconteça, no tempo estipulado pelo facilita-

298 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


dor, TODOS irão perder. O objetivo do jogo é resolver os
problemas de todos os grupos. Nenhum Problema pode ficar
sem Solução e o mais importante é que no final (perdendo
ou vencendo), o jogo permite que todos aprendam uns com
os outros.

Figura 2: Jogo Card Game “ABC: lidando com as emoções no ENEM”

Figura 3: Cartas Problemas

Figura 4: Cartas Soluções

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

CAPÍTULO RECONHECENDO AS EMOÇÕES E RESOLVENDO CONFLITOS ATRAVÉS DOS


13 JOGOS COOPERATIVOS 299
ANÁLISE DAS AÇÕES DESENVOLVIDAS

No quadro 4 temos as ações realizadas em cada etapa e seus res-


pectivos aspectos positivos e negativos.

Quadro 4

AÇÕES
ASPECTOS POSITIVOS ASPECTOS NEGATIVOS
DESENVOLVIDAS
Aceitação e envolvimento
Medo de se expor diante dos
dos alunos no processo de
demais colegas.
criação do jogo.
Pouco interesse inicialmen-
Conflitos positivos sobre
te, pois não se sentiam capa-
pontos de vista divergentes.
zes de contribuir.
Criação do Card Game Falta de integração geral da
cooperativo: ABC: lidando Exposição de sentimentos. turma.
com as emoções no Enem
Respeito pelas as angústias Formação de grupos isola-
elencadas pelos colegas. dos, com poucas interações.
Criticidade, pois estavam
Dificuldade em falar das an-
relatando fatos decorrentes
gústias que sofria diante de
de suas próprias experiên-
seus familiares.
cias.
Ficaram mais integrados, Desinteresse em deixar um
depois das discussões; legado para escola.
AÇÕES
ASPECTOS POSITIVOS ASPECTOS NEGATIVOS
DESENVOLVIDAS
Falta de experiência em
Superação de limites. apresentações nas feiras
científicas, fora da escola.
Apresentação do Jogo, Experiência relevante para Nervosismo, baixa
ABC: lidando com as vida escolar dos alunos. autoestima.
emoções no Enem, no
encontro das escolas Dificuldade em conciliar a
estaduais da CREDE participação dos dois nos
Troca de experiências.
encontros para construção
01, ficando em 5º lugar
do trabalho científico.
e compartilhamos tais
experiências com alunos Alunos de turmas diferentes
Reconhecimento dos
de outros municípios. (menina do 1°ano e o
esforços na criação do jogo.
menino do 3°ano).
Divergência de
Elevação da autoestima.
pensamentos.

300 BRINCAR: Diálogos, Reflexões e Discussões Sobre o Lúdico


AÇÕES
ASPECTOS POSITIVOS ASPECTOS NEGATIVOS
DESENVOLVIDAS
Palestra na disciplina de Alegria dos alunos por co-
Nervosismo.
Jogos Cooperativos, no nhecer a Universidade.
curso de Educação Física Mostrar que existem outras
do Instituto de Educação possibilidades para suas es- Baixa autoestima.
Física e Esportes (IEFES), colhas no futuro.
na Universidade Federal
do Ceará (UFC). Com o Vergonha de dar seu
tema: jogos cooperativos Troca de experiência.
depoimento.
na escola pública.

Fonte: Autores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo realizado disseminou práticas inovadoras e relevantes no


âmbito escolar, que de alguma forma contribui para uma educação de
qualidade. A experiência com o Jogo Card Game ABC: lidando com
as emoções no ENEM serviu para: disseminarmos a vivência dos jogos
cooperativos, mostrando que existem outras formas relevantes de apren-
dermos, não necessariamente vencendo os adversários, mas sim juntos;
potencializarmos mais a absorção do conhecimento, através de reflexões
sobre o controle das emoções e a resolução de conflitos internos e exter-
nos dos discentes; fortalecemos a prática dos valores humanos (respeito
mútuo, empatia, cooperação, dentre outros); Possibilitamos a interde-
pendência positiva de suas características, motoras, sexuais, étnicas ou
sociais, eliminando situações embaraçosas, traumáticas e a marginaliza-
ção dos mesmos; e desenvolvemos com os alunos o exercício de cidada-
nia e assim de forma práxis criar a prática da empatia.
Com a aceitação dos alunos no desenvolvimento das ações per-
tinentes ao projeto em 2018, conseguimos deixar um legado para as
turmas que iniciarão suas atividades escolares no ano de 2019. Ressal-
tamos que a escola deve fomentar ações permanentes que incentivam
a construção de práticas fundamentadas nos valores humanos e que
possibilitam a quebra de certos “tabus emocionais”. Sendo assim, as
ações do projeto possibilitaram uma aprendizagem significativa aos en-
volvidos no processo, mas não sobre os conteúdos curriculares, pois os
olhares foram centrados no autoconhecimento, controle das emoções
e no respeito às diferenças.

CAPÍTULO RECONHECENDO AS EMOÇÕES E RESOLVENDO CONFLITOS ATRAVÉS DOS


13 JOGOS COOPERATIVOS 301
Contudo, conseguimos alcançar parcialmente os objetivos deste
estudo, pois uma ação isolada não extingue uma cultura individualista
e egocêntrica com raízes profundas, mas pode promover aspectos re-
levantes como: Resolução de conflitos; Confiança, contato e estima;
Cooperação; Tomada de decisões e Comunicação.
Tal momento possibilitou ao aluno colocar em prática sua critici-
dade, pois os mesmos acabam confrontando seus pensamentos com os
dos colegas, entendendo um pouco mais sobre os aspectos relevantes às
emoções. Promover aulas que trabalham com as emoções dos discen-
tes, ainda são pouco desenvolvidas pelos docentes, pois muitos não se
acham preparados para tal feito e acabam acreditando que as emoções
não vão interferir na absorção dos conteúdos referentes às suas disci-
plinas. Acreditamos que tais pensamentos devam ser combatidos, pois
os discentes são seres únicos, regados de emoções e conhecimentos,
adquiridos em suas experiências.

REFERÊNCIAS

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Assis, SP: Storbem, 2015.
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CAPÍTULO RECONHECENDO AS EMOÇÕES E RESOLVENDO CONFLITOS ATRAVÉS DOS


13 JOGOS COOPERATIVOS 303
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