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Comentário a uma
entrevista de Robert Barro
Este artigo foi motivado pela leitura recente de uma entrevista de Robert Barro. Antes
de se passar à análise da entrevista, contudo, é necessário um pouco de contextualização
sobre o percurso deste autor e as características e relevância da escola de pensamento
económico que representa.
Robert Barro é um dos mais distintos economistas da nova escola clássica e um dos
economistas mais influentes da segunda metade do século XX. A nova escola clássica
emergiu na década de 70 do século passado como contraponto intelectual à hegemonia
do pensamento keynesiano. A sua ascensão foi meteórica: de mão dada com a escola
dos ciclos económicos reais (real business cycles) – com quem partilha grande
familiaridade de premissas e resultados - viria a triunfar, escassos anos depois, na
década de 80, em alguns dos mais influentes departamentos de economia à escala
global, embora o seu ascendente tenha sido mais vincado na academia americana e
menos expressivo no continente europeu. Perdeu o seu lugar cimeiro ao longo da década
de 90, com a consolidação do paradigma novo-keynesiano, mas ocupa ainda um lugar
destacado no ensino e na investigação contemporâneas. Mesmo que parte dos seus
resultados sejam hoje objeto de crítica, a sua vitória epistemológica é inegável: a teoria
das expetativas racionais e os modelos de maximização com base no agente
representativo subsistem como a formulação canónica dos modelos económicos
convencionais, mesmo que existam esforços – sobretudo desde a crise financeira – para
adicionar imperfeições ao modelo base, de modo a que reproduza mais fielmente a
dinâmica efetiva do ciclo económico.
A nova escola clássica assenta o seu edifício teórico num triângulo de premissas que
determinam as suas prescrições de política económica: igualdade contínua entre oferta e
procura em todos os mercados, expetativas racionais e a validade de um agente
maximizador representativo da economia agregada. Tomadas no seu conjunto, garantem
alguns dos seus resultados mais célebres: a ineficácia da política orçamental (fruto da
equivalência ricardiana com expetativas racionais), a ineficácia da política monetária (se
antecipada pelos agentes) e o postulado de que as flutuações económicas se devem
sobretudo a choques reais (este último resultado mais herdeiro dos seus companheiros
dos ciclos económicos reais).
Visto por qualquer cidadão não economista, esta teoria é surpreendentemente absurda:
todos sabemos que o desemprego está historicamente associado a situações de pobreza e
exclusão social; todos sabemos que as pessoas não escolhem, marginalmente, se
pretendem trabalhar mais ou menos uma hora em função do salário real; e,
evidentemente, todos sabemos que o desemprego involuntário existe e que a
incapacidade de usar plenamente o fator trabalho é uma das mais salientes e regulares
características das economias capitalistas.
Neste plano, os novos clássicos registaram a sua mais aclamada vitória na teoria da
inflação. Mas também a teoria da determinação dos salários se transformou num palco
do seu alegado sucesso: a sua teoria permitia fundamentar teoricamente a regularidade
empírica segundo a qual a os salários reais evoluem de forma pró-cíclica. Ou seja, que
os salários tendem a acompanhar o sentido da expansão ou da contração económica.
Pelo contrário, o paradigma keynesiano (na sua versão da síntese neoclássica) assume
que os salários reais são contra-cíclicos, resultado que decorre de assumir uma
produtividade marginal do trabalho decrescente.
Muitos críticos da nova economia clássica argumentaram que existe uma falta de
suporte empírico para a existência de fortes efeitos de substituição intertemporal na
oferta de trabalho. Como reage a esta crítica?
Robert Barro: É difícil obter evidência direta disso, assim como é difícil obter
evidência do quão sensível é o investimento ao custo de financiamento – é o mesmo tipo
de problema. Assim como se pode ver que o investimento é muito sensível ao longo do
ciclo económico, o fator trabalho também se move bastante. Se assumir uma perspetiva
de equilíbrio e observar que o fator trabalho se está a mover, tem de pensar acerca de
quais os incentivos que estão a fazer com que ele se mova. Mas conseguir evidência
direta dos efeitos intertemporais é difícil, porque é difícil isolá-los O mesmo acontece
com o consumo. É difícil destrinçar os efeitos intertemporais, mesmo que as pessoas
estejam dispostas a acreditar que esses efeitos existem. Na verdade, isolar curvas de
oferta e procura também é um exercício difícil. É um problema de identificação difícil.
Este excerto chamou-me a atenção por sintetizar num exemplo breve os enviesamentos
que a comunicação com economistas pode gerar, quando trazida para o espaço público.
A análise da pergunta e dos pressupostos e omissões da resposta permite guiar-nos pela
forma como alguns economistas gostam de publicitar os seus resultados e opiniões sem
submeter a escrutínio as suas premissas.
Em primeiro lugar, a pergunta tem a maior pertinência. Para que as flutuações agregadas
do emprego pudessem ser explicadas exclusivamente por efeitos de substituição
intertemporal entre trabalho e lazer, as elasticidades teriam de ser muito superiores às
verificadas em sucessivos testes empíricos – e, mesmo esses testes, assentam em
pressupostos questionáveis.
Tudo nesta resposta é um problema. Quando alguém que assume que a veracidade dos
resultados e não das premissas é o critério para avaliar o seu modelo e afirma que os
aspetos empíricos do seu modelo são difíceis de medir, qual é o critério de validação
que subsiste? No fundo, Barro escolhe desmerecer a evidência empírica que não lhe é
conveniente (como o caso da taxa de substituição intertemporal da curva da oferta) e
manter as demais que lhe convêm. Na verdade, nem parece que a sua opinião sobre a
difícil estimação do conceito seja particularmente robusta – parece, sobretudo, um
instrumento evasivo.
E haverá boas razões para suspeitar de que o mercado de trabalho não está sempre em
equilíbrio? A resposta é sim. Como foi referido, a incapacidade de empregar plenamente
o fator trabalho é uma das mais recorrentes características das economias de mercado.
As possíveis explicações para essa incapacidade são variadas.
Para o nosso argumento o ponto relevante é que assumir que o mercado de trabalho se
equilibra continuamente é uma hipótese muito pouco razoável. Assentar toda uma teoria
num pressuposto tão evidentemente falso deveria ser considerado um caminho muito
pouco sensato.
Na economia, porém, tudo é muito menos transparente. Tal como noutras ciências
sociais, os pressupostos de partida decorrem de convicções e valores à partida dos seus
autores. Contudo, ao contrário de outras ciências sociais, os economistas utilizam um
exercício dedutivo formalizado – a matemática – que permite obscurecer a relação entre
pressupostos e resultados. Quanto maior a complexidade da matemática utilizada,
menor a capacidade de escrutínio dos passos lógicos que são dados. Muitos economistas
usam o subterfúgio de pedirem aos seus ouvintes que ignorem as premissas e se foquem
nos resultados que, garantem, foram extraídos a partir das mais sofisticas e inatacáveis
técnicas de modelação. Tal ação permite-lhes comunicar resultados favoráveis aos seus
valores com a aparência de uma falsa neutralidade científica.
Escolhi trazer o exemplo da resposta de Robert Barro para este artigo, porque o que
podemos aprender com ela continua muito atual. Todos os dias vemos economistas em
órgãos de comunicação a darem opiniões sobre temas sociais, reclamando para si um
manto diáfano de grande ascetismo e neutralidade científica. Essa neutralidade pura não
existe, nem é qualquer modelo matemático ou econométrico que a confere. Todos os
pressupostos merecem ser discutidos e, raramente, poderá ser dada uma resposta
unívoca às questões. Não existem resultados incontestáveis em ciências sociais.
Por isso, da próxima vez que falar com um economista, tenha cuidado. Depois não diga
que não o avise