Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
a um leitor adulto, sendo que um dos mais Produções” propicia emprego a diversas
antigos registros históricos é a data de 30 equipes de desenhistas e roteiristas anônimos
de Janeiro, considerada como o Dia do que seguem um padrão de desenho e roteiro
Quadrinho Nacional, quando é entregue o em linha de montagem sob a marca registrada
troféu Ângelo Agostini aos melhores au- “Maurício de Souza”, a exemplo da linha
tores e revistas; isto porque, em 1869, nas Disney.
páginas da revista Vida Fluminense, na ci- Estas tiras e revistas em “formatinho”
dade do Rio de Janeiro, Ângelo Agostini primam pela ausência de símbolos, cenários
começa a publicar seu personagem fixo em ou temáticas brasileiras, os personagens são
quadrinhos de uma página, o Zé Caipora, tipos planos, não chegam a estereótipos, e
um fazendeiro simples que visita a corte do os temas simplórios dos roteiros garantem
Imperador, seguido por uma galeria como o ampla margem de leitores de todas as idades
Nhô Quim e outros. que lêem as revistas em ônibus, trens e praças
Marcados pela charge política surgem a título de passatempo e entretenimento, e
autores cuja obra prima pela crítica de cos- seus risos demonstram o acerto da equipe
tumes e o regionalismo ou mesmo um acen- Maurício que conhece muito bem o nível
tuado bairrismo; sendo um registro histórico, intelectual e emocional dos seus leitores.
foram verdadeiros cronistas de sua época O lucro em merchandising de brinque-
autores como J. Carlos no Rio e suas dos, jogos, produtos de higiene infantil e todo
“Melindrosas”, ou Belmonte em São Paulo tipo de publicidade mantém os lucros e ajuda
criticando Hitler, até Henfil denunciando a a exportação das tiras para diversos países.
ditadura militar com seus quadrinhos já clás- Ao mesmo tempo a editora Abril, pos-
sicos, os Fradins, estes bem menos datados suidora de um enorme parque gráfico, ad-
e alcançando uma dimensão mais atemporal. quire direitos de produção dos desenhos
Esta predominância do aspecto adulto e
animados, séries de televisão ou esportistas
politizado não cerceou o surgimento de obras
populares e produz HQ comercial visando o
infantis como o trio Reco-reco, Bolão e
consumidor infantil ou de mentalidade sim-
Azeitona do autor Luiz Sá na revista infantil
plória e baixa expectativa ou nula exigência
O Tico-Tico, por volta do ano 1905-1907.
de qualidade, feita por equipes anônimas.
Até então, a produção é marcadamente
Assim surgem revistas em formato pequeno
autoral e pessoal: é quando começa a esbo-
(formatinho) e baratas, com tiragens
çar-se uma indústria da HQ, e a partir do
astronômicas nunca exatamente reveladas,
surgimento da produção em linha de mon-
mas que alegam ser de 200 mil exemplares.
tagem pode-se perceber o surgimento de
padrões, os quais podem ser agrupados em São títulos como: He-Man, Xuxa, Os Tra-
duas categorias: 1-Comercial e 2-Autoral. palhões, Seninha, etc...
Toda esta produção oscila conforme a
2.1. Comercial audiência (ou sucesso do esportista) e tem
o objetivo despretensioso de entretenimento
Foi no decorrer da ditadura militar, ao passageiro, tendo os títulos vida muito curta.
término dos anos 60,que começaram a surgir Não pode-se omitir também a existência
as tiras de jornal do gênero infantil de de um incomensurável mercado de HQ
Maurício de Souza em São Paulo, que ateve- pornográfica que dá emprego a centenas de
se à oportunidade de produzir desenhos desenhistas trabalhando sob pseudônimos em
animados com seus personagens para publi- dúzias de títulos sem qualidade ou periodi-
cidade de molho de tomates enlatado, e estes cidade e com uma distribuição irregular, sem
comerciais de televisão trouxeram notorie- nome da editora ou endereço (sobre este tema
dade e sucesso às revistas da Turma da específico com maiores detalhes e aprofun-
Mônica que superam até mesmo a linha damento ver meu artigo: “As Histórias em
Disney em vendas, um fenômeno presente Quadrinhos do Gênero Erótico”. In: Revista
até os anos 90-2000 no mercado brasileiro. Brasileira de Ciências da Comunicação. São
A indústria de “Comic Strips” cuja de- Paulo, INTERCOM, v. XXI, nº 1, jan/jun
nominação comercial é “Maurício de Souza 1998. p. 53-62.).
ESTÉTICA, ARTE E DESIGN 527
A HQ assimila toda uma tradição histó- uma estrutura rica e desafiadora com dese-
rica de narrativa em imagens que remonta nho expressivo (meio mangá, meio
aos pictogramas das cavernas, aos hieróglifos caricatural) e diagramação planejada como
egípcios com texto e ilustração juntos, à Via movimentos de câmera (enquadramentos)
Crucis das paredes das igrejas da Idade cinematográficos e uma composição de pran-
Média, com o texto saindo da boca dos santos cha por vezes sem uma única linha de lei-
(filactera, o avô do balão),etc.. tura, coordenada ou paratática.
Tal evolução das Artes Visuais é assimi- Um fator por si só comprobatório das
lada pela HQ, cujo baixo preço de custo e características autorais da HQ brasileira é o
velocidade de produção permitem a realiza- reconhecimento internacional de diversos
ção de experiências gráficas como os planos autores, e uma amostragem aleatória demons-
gerais/panorâmicas de um “Little Nemo” e tra esta história recente:
a narrativa de um Will Eisner, cujo movi- Jô de Oliveira, adapta a linguagem
mento de câmera antecede o “Cidadão Kane”, gráfica das xilogravuras que ilustram os
de Orson Welles. livretos populares de literatura de cordel
Caminhando junto com o cinema, influ- nordestinos, e em 1973 publica na revista
enciando e sendo influenciada por todas as Linus (Itália) sagas de cangaceiros e do
artes, fazendo parte da Aldeia Global, a HQ folclore que envolve o já mítico Lampião,
alcança a maturidade estética ao tratar dos angariando diversos prêmios e sendo publi-
grandes temas e anseios da humanidade, cado em álbum no Brasil.
refletindo o humano do seu autor - que Sérgio Macedo, nascido no estado de
encontra eco no humano leitor que se iden- Minas Gerais, migra para a cidade de São
tifica, emociona-se com a obra. Caetano (Grande São Paulo) em 1970. Já em
Um ser humano comunicando-se, reve- 1972 publica pela revista Grilo seu álbum
lando-se, encontrando-se com outro ser Karma de Gaargot para em 1974 emigrar para
humano. Isto é a suprema emoção estética. a França, onde publica em revistas como
Isto se sente ao ler um livro de autor, Métal Hurlant e Linus, depois na americana
ao ver um filme de autor, ao ler um qua- Heavy Metal, raras vezes publicado no Brasil,
drinho de autor. desenvolve uma visão pessoal do misticismo
Ao ver o nome de Fellini ou Kurosawa, índio que mescla com ficção científica em
já se sabe o que terá no filme, os temas que um estilo personalizado a cores vivas em
preocupam o cineasta. O mesmo acontece ao aerógrafo.
se lerem na capa do álbum os nomes de Cynthia e Ofeliano, do Rio de Janeiro,
Moebius, Crepax, Manara, Eisner, Miller. publicam a série de aventura Leão Negro em
Este quadro proposto por mim serve como tiras no Jornal do Brasil e em 1990 em álbum
parâmetro para classificar as características colorido pela editora Meribérica de Portu-
da hq autoral ou de Arte, diferenciando-a da gal, para em 1996 saírem na coletânea
comercial feita anonimamente: Brasilian Heavy Metal. Misturam harmoni-
Estes dez itens não são fixos. Pode-se osamente elementos de traço europeu com
encontrar um quadrinhista que tenha todas recursos do Mangá japonês e dos Role
as características de arte publicando em Playing Games.
revista de banca ou diagramando tiras em Em 1990 a agência belga Commu recru-
jornais. ta desenhistas de diversos estados para
O que identificará, caracterizará o Qua- publicar álbuns na Europa, versando sobre
drinho de Autor é o estilo, o toque pessoal os bandeirantes paulistas que cruzam a linha
do autor refletido nos temas, na psicologia do tratado de Tordesilhas, lendas indígenas,
dos personagens e na estrutura narrativa. aventuras sexuais no Carnaval, fantasias
O Quadrinho adulto é inteligente, com- futuristas sobre o Rio de Janeiro e a floresta
plexo e sofisticado, exige um público ma- amazônica, etc.. Autores consagrados nas
duro e um quadrinhista competente, que saiba revistas de sexo explícito em quadrinhos no
escrever bons roteiros, com argumentos que parque industrial do eixo Rio-São Paulo são
sobreponham vários núcleos narrativos (ro- editados em álbuns pessoais e autorais,
mance, novela), arquitetados e articulados em como:
ESTÉTICA, ARTE E DESIGN 529
charge e cartum dos jornais para divulgar uma que muitos destes são universitários que
tira bairrista como a Escola Paulistana de cursam pós-graduação e participam de con-
Humor, outros sujeitam-se a desenhar super- gressos, realizando pesquisas onde unem a
heróis cobrindo férias dos americanos ou teoria à prática.
desenhando HQ comercial baseada em es- De todo o universo dos quadrinhos bra-
portistas ou programas de televisão, ou ainda sileiros, cerca de 70 autores profissionais e
expor-se como curiosidade mórbida à mídia de fanzines participam da coletânea
rotulando sua própria obra como arte-tera- Brazilian Heavy Metal, dando um panorama
pia, ou desenhando sexo explícito. da produção brasileira nos anos 90.
Porém, centenas de fanzines atuam como Futuras pesquisas poderão detalhar me-
resistência cultural em um movimento alter- lhor este horizonte do quadrinho brasileiro,
nativo que chega a ter distribuidoras atuando identificando os padrões dos estilos autorais
pelo correio, e deste universo surgem autores e as redes de influências internacionais destes
com uma obra autenticamente autoral, sendo e outros autores.
532 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume I