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ESTÉTICA, ARTE E DESIGN 525

As Bandas Desenhadas brasileiras contemporâneas


Flávio de Alcântara Calazans1

Introdução Em sendo uma produção de signos con-


vencionais cujas características exigem de-
Objetiva-se realizar um levantamento terminada especificidade seu estudo clama por
panorâmico da produção de histórias em qua- abordagens interdisciplinares, pois, tal qual
drinhos (HQ) na circunscrição espacial do o cinema, a HQ apresenta-se como arte e
território brasileiro e com a delimitação indústria, meio de comunicação que é objeto
cronológica da década de 90 até o início do de teorias como a Semiótica ou Midiologia
Século XXI. bem como também da Antropologia Cultu-
Esta pesquisa exploratória empregará a ral, ou até mesmo enquanto produto
metodologia oriunda da Antropologia, Obser- mercadológico editorial.
vação Participante, na qual o autor envolve- Do mesmo modo que na indústria cine-
se e vivência o objeto na qualidade de matográfica, na HQ também pode-se perce-
desenhista e roteirista, somada à experiência ber um estilo de autor cuja personalidade
acadêmica de fundador e coordenador do imprima à obra sua visão de mundo, men-
Grupo de Trabalho dos pesquisadores de HQ sagem pessoal e sutilezas estéticas, fenôme-
do Congresso Brasileiro de Ciências da no em contraponto com a vasta produção
Comunicação de 1995 a 2000. comercial anônima que visa o lucro rápido
Justifica-se tal estudo devido a serem os e contribui para a alienação das massas
quadrinhos uma forma de expressão na qual consumidoras.
fundem-se as manifestações plásticas da arte Graças a esta peculiaridade pode-se
e literárias do roteiro e dramaturgia, inclu- encontrar no cinema de Hollywood diretores
indo-se os recursos de linguagem cinemato- oriundos do desenho animado que imprimem
gráfica, caracterizando-se como produção um estilo pessoal nas obras, como Terry
cultural da nação brasileira e, como tal, parte Gillian e Tim Burton; o mesmo percebe-
integrante do universo lusofônico da cultura se na indústria dos Comics com um Frank
portuguesa. Miller e Alan Moore, que foram precedidos
Deste quadro poderá advir uma melhor pelos Comix de contracultura de Robert
compreensão das características da manifes- Crumb e sua liberdade de expressão (enfren-
tação cultural HQ por meio dos produtos tando o famigerado Comics Code, o código
autorais ou comerciais oferecidos ao merca- de ética macartista inspirado na obra de
do consumidor dos leitores, cujo nível de Fredric Wertham A sedução do inocente que
exigência e qualidade pode vir a ser inferido acusava a HQ de incentivar a criminalidade
deste panorama. e delinquência juvenil.).
Uma condição histórica diversa faz sur-
2. A produção do patrimônio cultural das gir na Europa a HQ de autor ou de arte,
histórias em quadrinhos no Brasil dirigida a um consumidor mais exigente e
de maior nível cultural, tal qual o álbum Saga
Os quadrinhos apresentam-se como uma de Xam ou a obra de autores como Druillet,
manifestação cultural de um povo, Caza, Moebius, Crepax, Manara, Bourgeon
equiparáveis às festas folclóricas populares, e outros.
à dramaturgia, cinema, literatura e artes Entretanto, no Brasil, as primeiras nar-
plásticas, e em assim o sendo, podem e devem rativas desenhadas em sequência com diá-
ser considerados como bens culturais, parte logos são publicadas em periódicos (revista)
do patrimônio artístico de uma nação. com cunho eminentemente político e dirigidas
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a um leitor adulto, sendo que um dos mais Produções” propicia emprego a diversas
antigos registros históricos é a data de 30 equipes de desenhistas e roteiristas anônimos
de Janeiro, considerada como o Dia do que seguem um padrão de desenho e roteiro
Quadrinho Nacional, quando é entregue o em linha de montagem sob a marca registrada
troféu Ângelo Agostini aos melhores au- “Maurício de Souza”, a exemplo da linha
tores e revistas; isto porque, em 1869, nas Disney.
páginas da revista Vida Fluminense, na ci- Estas tiras e revistas em “formatinho”
dade do Rio de Janeiro, Ângelo Agostini primam pela ausência de símbolos, cenários
começa a publicar seu personagem fixo em ou temáticas brasileiras, os personagens são
quadrinhos de uma página, o Zé Caipora, tipos planos, não chegam a estereótipos, e
um fazendeiro simples que visita a corte do os temas simplórios dos roteiros garantem
Imperador, seguido por uma galeria como o ampla margem de leitores de todas as idades
Nhô Quim e outros. que lêem as revistas em ônibus, trens e praças
Marcados pela charge política surgem a título de passatempo e entretenimento, e
autores cuja obra prima pela crítica de cos- seus risos demonstram o acerto da equipe
tumes e o regionalismo ou mesmo um acen- Maurício que conhece muito bem o nível
tuado bairrismo; sendo um registro histórico, intelectual e emocional dos seus leitores.
foram verdadeiros cronistas de sua época O lucro em merchandising de brinque-
autores como J. Carlos no Rio e suas dos, jogos, produtos de higiene infantil e todo
“Melindrosas”, ou Belmonte em São Paulo tipo de publicidade mantém os lucros e ajuda
criticando Hitler, até Henfil denunciando a a exportação das tiras para diversos países.
ditadura militar com seus quadrinhos já clás- Ao mesmo tempo a editora Abril, pos-
sicos, os Fradins, estes bem menos datados suidora de um enorme parque gráfico, ad-
e alcançando uma dimensão mais atemporal. quire direitos de produção dos desenhos
Esta predominância do aspecto adulto e
animados, séries de televisão ou esportistas
politizado não cerceou o surgimento de obras
populares e produz HQ comercial visando o
infantis como o trio Reco-reco, Bolão e
consumidor infantil ou de mentalidade sim-
Azeitona do autor Luiz Sá na revista infantil
plória e baixa expectativa ou nula exigência
O Tico-Tico, por volta do ano 1905-1907.
de qualidade, feita por equipes anônimas.
Até então, a produção é marcadamente
Assim surgem revistas em formato pequeno
autoral e pessoal: é quando começa a esbo-
(formatinho) e baratas, com tiragens
çar-se uma indústria da HQ, e a partir do
astronômicas nunca exatamente reveladas,
surgimento da produção em linha de mon-
mas que alegam ser de 200 mil exemplares.
tagem pode-se perceber o surgimento de
padrões, os quais podem ser agrupados em São títulos como: He-Man, Xuxa, Os Tra-
duas categorias: 1-Comercial e 2-Autoral. palhões, Seninha, etc...
Toda esta produção oscila conforme a
2.1. Comercial audiência (ou sucesso do esportista) e tem
o objetivo despretensioso de entretenimento
Foi no decorrer da ditadura militar, ao passageiro, tendo os títulos vida muito curta.
término dos anos 60,que começaram a surgir Não pode-se omitir também a existência
as tiras de jornal do gênero infantil de de um incomensurável mercado de HQ
Maurício de Souza em São Paulo, que ateve- pornográfica que dá emprego a centenas de
se à oportunidade de produzir desenhos desenhistas trabalhando sob pseudônimos em
animados com seus personagens para publi- dúzias de títulos sem qualidade ou periodi-
cidade de molho de tomates enlatado, e estes cidade e com uma distribuição irregular, sem
comerciais de televisão trouxeram notorie- nome da editora ou endereço (sobre este tema
dade e sucesso às revistas da Turma da específico com maiores detalhes e aprofun-
Mônica que superam até mesmo a linha damento ver meu artigo: “As Histórias em
Disney em vendas, um fenômeno presente Quadrinhos do Gênero Erótico”. In: Revista
até os anos 90-2000 no mercado brasileiro. Brasileira de Ciências da Comunicação. São
A indústria de “Comic Strips” cuja de- Paulo, INTERCOM, v. XXI, nº 1, jan/jun
nominação comercial é “Maurício de Souza 1998. p. 53-62.).
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Continuando a tradição da charge polí- têm a oportunidade de ter seu desenho


tica local, em 1972 surge na Universidade publicado no Brasil, ocultos sob pseudônimos
de São Paulo (USP) a revista underground e despercebidos, sem destaques ou incentivo,
(que muitos consideram o primeiro fanzine nas revistinhas de super-heróis da editora
universitário) Balão, com HQ bairrista sobre Abril. Assim, Deodato Borges Filho torna-
os problemas em pegar carona e outras se um Mike Deodato, Benedito Nascimento
atribulações dos estudantes: é o período da em Joe Bennet, Rogério Cruz em Roger Cruz
ditadura e a charge subversiva está na moda. e outros.
Os jovens chargistas formam a Escola Segundo a revista Wizard número 06, de
Paulistana de Humor, presente nos jornais janeiro de 1997, página 27, estes têm um
diários até os anos 90, retratando problemas lamentável papel na indústria dos Comics.
da Grande São Paulo, megalópole com 17 Uma nota que vale transcrever da seção As
milhões de habitantes, em um humor que é dez maiores decepções de 1996:
marcadamente municipal, bairrista.
Os autores retratam prédios e monumen- “Desenhista brasileiro não é estepe...
tos das praças públicas (Luis Gê) ou um dos o que vimos foi uma sucessão de ar-
rios que cruza os bairros, o rio Tietê, com tistas brasileiros de talento cobrindo
a série Piratas do Tietê (Laerte) ou a fauna férias de desenhistas americanos ou
noturna dos bares em um traço que orgulha- servindo como quebra-galho a possí-
se da influência de Crumb, a Rebordosa veis problemas de prazo das editoras
(Angeli), todos da revista Balão. nos EUA. Esta situação precisa se
O Brasil prima pela importação, seja de inverter e rápido! Ou nossos
tiras de jornal (e cabe a Maurício de Souza quadrinhistas ficarão rotulados apenas
o mérito de ter criado sua distribuidora e como mão-de-obra”.
quebrado o monopólio norte-americano), bem
como de revistas de super-heróis para o leitor 2.2. Autoral
pré-adolescente do sexo masculino, com
cortes no texto e arte para adaptá-las ao Cabe aqui reiterar que a HQ brasileira
“formatinho” de menor custo. apresenta características autorais desde sua
Ocasionalmente alguns autores obtém origem em 1869, sendo a produção em linha
sucesso no exterior, os quais serão aborda- de montagem uma forma comercial relativa-
dos na próxima categoria, pois sua obra é mente recente em termos históricos, um modo
autoral; cabe aqui observar um fenômeno de produção industrial que remonta aos anos
desta década em particular. 60-70 da ditadura militar, consolidada nos
Editoras norte-americanas como Marvel anos 80 e pode-se considerar uma de suas
e DC produzem “comics” de super-heróis em conseqüências a ambição dos desenhistas em
linha de montagem, com equipes no semi- exportar seu trabalho nos moldes descritos
anonimato de créditos - colocados em cantos anteriormente, sendo partes semi-anônimas da
da página -, que raríssimos leitores perce- engrenagem do sistema de produção de
bem. editoras como Marvel e DC.
Uma geração de desenhistas brasileiros A produção cultural, quer sob a forma de
aprendeu a desenhar imitando Batman e obras musicais, literárias, manifestações fol-
Capitão América. Uma agência local (Art clóricas ou Quadrinhos, surge como manifes-
Comics) conseguiu trazer roteiros para se- tação inconsciente e espontânea mesmo em
rem desenhados aqui, porém o fez para que ambientes adversos, decorrente de pulsões
o desenhista apenas imitasse o estilo do psicológicas que não cabe aqui analisar;
desenhista cujo trabalho fosse modismo de contudo, esta necessidade humana de expres-
momento na editora. sar-se é uma constante cujo resultado é o
Estes desenhistas passam pela “experiên- patrimônio de bens culturais de cada povo.
cia” de ter seus nomes latinos adulterados As Histórias em Quadrinhos já atingiram
para que os poucos leitores a ler os créditos um nível técnico e de conteúdo que permite
não se ofendam em ver desenhos de igualá-las às Artes Clássicas como a Pintura,
“cucarachas”2, e assim diversos brasileiros Escultura/Arquitetura, Literatura e Cinema.
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A HQ assimila toda uma tradição histó- uma estrutura rica e desafiadora com dese-
rica de narrativa em imagens que remonta nho expressivo (meio mangá, meio
aos pictogramas das cavernas, aos hieróglifos caricatural) e diagramação planejada como
egípcios com texto e ilustração juntos, à Via movimentos de câmera (enquadramentos)
Crucis das paredes das igrejas da Idade cinematográficos e uma composição de pran-
Média, com o texto saindo da boca dos santos cha por vezes sem uma única linha de lei-
(filactera, o avô do balão),etc.. tura, coordenada ou paratática.
Tal evolução das Artes Visuais é assimi- Um fator por si só comprobatório das
lada pela HQ, cujo baixo preço de custo e características autorais da HQ brasileira é o
velocidade de produção permitem a realiza- reconhecimento internacional de diversos
ção de experiências gráficas como os planos autores, e uma amostragem aleatória demons-
gerais/panorâmicas de um “Little Nemo” e tra esta história recente:
a narrativa de um Will Eisner, cujo movi- Jô de Oliveira, adapta a linguagem
mento de câmera antecede o “Cidadão Kane”, gráfica das xilogravuras que ilustram os
de Orson Welles. livretos populares de literatura de cordel
Caminhando junto com o cinema, influ- nordestinos, e em 1973 publica na revista
enciando e sendo influenciada por todas as Linus (Itália) sagas de cangaceiros e do
artes, fazendo parte da Aldeia Global, a HQ folclore que envolve o já mítico Lampião,
alcança a maturidade estética ao tratar dos angariando diversos prêmios e sendo publi-
grandes temas e anseios da humanidade, cado em álbum no Brasil.
refletindo o humano do seu autor - que Sérgio Macedo, nascido no estado de
encontra eco no humano leitor que se iden- Minas Gerais, migra para a cidade de São
tifica, emociona-se com a obra. Caetano (Grande São Paulo) em 1970. Já em
Um ser humano comunicando-se, reve- 1972 publica pela revista Grilo seu álbum
lando-se, encontrando-se com outro ser Karma de Gaargot para em 1974 emigrar para
humano. Isto é a suprema emoção estética. a França, onde publica em revistas como
Isto se sente ao ler um livro de autor, Métal Hurlant e Linus, depois na americana
ao ver um filme de autor, ao ler um qua- Heavy Metal, raras vezes publicado no Brasil,
drinho de autor. desenvolve uma visão pessoal do misticismo
Ao ver o nome de Fellini ou Kurosawa, índio que mescla com ficção científica em
já se sabe o que terá no filme, os temas que um estilo personalizado a cores vivas em
preocupam o cineasta. O mesmo acontece ao aerógrafo.
se lerem na capa do álbum os nomes de Cynthia e Ofeliano, do Rio de Janeiro,
Moebius, Crepax, Manara, Eisner, Miller. publicam a série de aventura Leão Negro em
Este quadro proposto por mim serve como tiras no Jornal do Brasil e em 1990 em álbum
parâmetro para classificar as características colorido pela editora Meribérica de Portu-
da hq autoral ou de Arte, diferenciando-a da gal, para em 1996 saírem na coletânea
comercial feita anonimamente: Brasilian Heavy Metal. Misturam harmoni-
Estes dez itens não são fixos. Pode-se osamente elementos de traço europeu com
encontrar um quadrinhista que tenha todas recursos do Mangá japonês e dos Role
as características de arte publicando em Playing Games.
revista de banca ou diagramando tiras em Em 1990 a agência belga Commu recru-
jornais. ta desenhistas de diversos estados para
O que identificará, caracterizará o Qua- publicar álbuns na Europa, versando sobre
drinho de Autor é o estilo, o toque pessoal os bandeirantes paulistas que cruzam a linha
do autor refletido nos temas, na psicologia do tratado de Tordesilhas, lendas indígenas,
dos personagens e na estrutura narrativa. aventuras sexuais no Carnaval, fantasias
O Quadrinho adulto é inteligente, com- futuristas sobre o Rio de Janeiro e a floresta
plexo e sofisticado, exige um público ma- amazônica, etc.. Autores consagrados nas
duro e um quadrinhista competente, que saiba revistas de sexo explícito em quadrinhos no
escrever bons roteiros, com argumentos que parque industrial do eixo Rio-São Paulo são
sobreponham vários núcleos narrativos (ro- editados em álbuns pessoais e autorais,
mance, novela), arquitetados e articulados em como:
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2.2.5. Tabela Comparativa: Autoral e Comercial

HQ de Arte (Autoral) HQ Comercial (Linha de montagem)


Desenho personalizado, estilizado; Desenho padrão, impessoal, acadêmico;
Diagramação de página elaborada Tiras, Quadrinhos em fila indiana, empilhados
como parte da mensagem; na página formando um muro de tijolos;
Roteiro complexo, gêneros literários
Roteiro linear (conto), clichê previsível;
(Romance, Poesia, Novela);
Personagens densos, Personagens planos,
com psicologia, passado e sexo; tipos/estereótipos assexuados;
Diálogos elaborados, Mais ação que diálogos, todos resolvem
ação decorrente da história; problemas com violência física;
Um foco narrativo (ponto de vista do herói),
Narrativa pluri-focal e alinear, complexa;
narrador onisciente e mensagem maniqueísta;
Posições político-filosóficas, do autor,
Apolítico, inofensivo/conservador, alienado;
questionamento sócio-ecônomico;
O autor tem direito autoral e pode até O personagem pertence à editora, que pode
matar o personagem que lhe pertence; mudar o roteirista e o desenhista;
O autor envolve-se com cada HQ e demora A equipe produz dúzias de páginas por mês
a fazer (pouca quantidade e muita qualidade); (muita quantidade para pouca qualidade);
Vendido em álbuns anuais em livrarias
Revista mensal vendida em bancas de jornal,
ou em revistas underground de
grande tiragem, vendas em massa.
Vanguarda para público restrito.

Antônio Amaral, do Piauí, publica o cias da Comunicação (Intercom). Ele é um


álbum Hipocampo (com apoio da Onix Jeans dos representantes de uma nova tendência
e da Fundação Cultural do Piauí) em 1994. emergente na HQ de autor do Brasil, aliando
Tal qual Henfil, seu traço é econômico e sua prática como artista consagrado e com
veloz, criando um padrão estético de reconhecimento no exterior a uma reflexão
abstração único, rompendo com a tradição universitária que abrange uma dissertação de
plástica figurativa e concreta da HQ, seu Mestrado, artigos em Congressos e a edição
texto, como o poeta Augusto dos Anjos, de um fanzine (uma publicação independen-
emprega terminologia científica da física, te impressa em fotocopias xerox e distribu-
medicina, artes e literatura que muito habil- ída pelo correio e à venda em livrarias
mente mistura com folclore indígena (jabutí, especializadas). Ivan dedica igualmente es-
jacaré) flora e fauna local, crítica social e forços e investe seu tempo a estes múltiplos
poesia visual e verbal, criando um universo níveis de atividade e teve roteiro publicado
pessoal e autoral que é impar na história da no álbum Brazilian Heavy Metal em 1996,
HQ do Brasil; um trabalho de vanguarda em 1999 ganha diversos troféus de melhor
exemplar. (Como afirmo no prefácio que fiz roteirista, como “Angelo Agostini” “HQMIX”
para este álbum e para a segunda edição e outros.
colorida em 2000), Amaral fez o desenho que Devido aos preconceitos e desinformação,
abre a coletânea Brazilian Heavy Metal. somados aos interesses perniciosos de alguns
Ivan Carlo de Oliveira, sob o cartunistas consagrados, no Brasil as publi-
pseudônimo Gian Danton, publica pela cações alternativas, “subterrâneas”, indepen-
editora Fantagraph dos EUA roteiros dese- dentes de casa publicadora nas quais circu-
nhados por Benedito Nascimento (que hoje lam trabalhos sem oportunidade no mercado
assina Joe Bennet) em 1995. O mesmo Ivan editorial descrito acima, recebem a pecha de
também edita o fanzine Sequência, com textos fanzine, termo de sentido dúbio e vago que
de análise e crítica de Quadrinhos de Autor. já perdeu qualquer poder de significação ou
É jornalista e cursou pós-graduação descrição e que tornou-se pejorativo, depre-
(Mestrado), apresentando artigos no Grupo ciativo. Um exemplo desse preconceito
de Trabalho Humor e Quadrinhos que co- acontece com os tantos textos de crítica
ordeno no Congresso Brasileiro de Ciên- apresentados em nossos Congressos ou
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publicados em revistas científicas universi- denador do Grupo de Trabalho em HQ no


tárias: uma vez reproduzidos em fanzines Congresso Brasileiro de Ciências da Comu-
passam a ser menosprezados e até mesmo nicação desde 1995 até 2000, selecionando
rejeitados. Em outros casos, revistas que pesquisas de professores doutores universi-
publicam HQ inédita são denominadas de tários do Brasil e exterior.
fanzines para, propositadamente, confundir Tenho observado este quadro da HQ
obras desenhadas com textos de crítica e brasileira e sinto esta tendência crescente de
reflexão acadêmica. autores que começam adolescentes em
No movimento de fanzines há iniciativas fanzines e depois de universitários (artistas,
cuja persistência torna-se simbólica da resis- jornalistas, arquitetos, cineastas, publicitári-
tência cultural nacional, como a super-hero- os, etc), passam a teorizar e refletir sobre
ína Velta de Emir Ribeiro (Paraíba), His- o objeto HQ com uma franca vantagem sobre
torieta de Oscar Kern, ou a revista que edito gerações anteriores somente acadêmicas, pois
desde 1979 em Santos, litoral de São Paulo, somam a seus argumentos a vivência prática
Barata, citada como tal no livro O que é da produção, quer em fanzines, revistas ou
fanzine, de Henrique Magalhães (p. 27 e álbuns no Brasil e exterior.
59) e no Almanaque de Fanzines (p. 39, 55,
67). 3. Considerações finais
Todos estes são exemplos aleatórios de
autores que teorizam sobre HQ seguindo uma Percebe-se deste quadro, que não preten-
tendência internacional iniciada por Will de ser uma descrição exaustiva e sim um
Eisner (EUA) e representada nos anos 90 por breve panorama do final do Século XX e
Scott McCloud, ambos autores que escrevem início do Século XXI e traçar o quadro de
e teorizam sobre a estrutura e signagem da cuja situação histórica surge o mercado da
HQ a partir de uma perspectiva tanto interna qual são decorrentes os hábitos de consumo,
e de vivência autoral quanto de pesquisador a problemática brasileira e as peculiaridades
e crítico. que os autores desenvolveram para dar vazão
Pessoalmente, não posso permitir-me à produção do bem cultural que são as
omitir minha reflexão baseada em experimen- Histórias em Quadrinhos.
tação muito semelhante, uma espontânea A HQ sofre do mesmo problema que a
Observação Participante deste recorte his- literatura, ambas impressas em suporte papel
tórico e seus processos. (grafosfera midiática) que tem pouco pres-
Edito HQ de vanguarda de diversos tígio devido a preconceitos academicistas
autores junto a minha própria em sistema de arcaicos, lutando para sobreviver em um país
cooperativa na revista-fanzine Barata desde de dimensões territoriais continentais, com
1979. Após ter organizado a Primeira Ex- um problema de analfabetismo não assumido
posição de HQ de Santos em 1985, fui eleito pelas autoridades, alta densidade demográfica
diretor executivo da Associação dos no parque industrial do eixo Rio de Janeiro-
Quadrinhistas e Caricaturistas de São Paulo São Paulo, migração em massa com choque
em 1986, onde escrevi a Cartilha de Direito cultural rural-urbano, etc...
Autoral da HQ. Fui jurado da I Bienal de Esta população semi-alfabetizada e sub-
Quadrinhos do Rio de Janeiro (1991), pu- empregada ouve rádio, vê televisão, não
bliquei em cerca de 200 fanzines, além da compra HQ quando pode comprar comida,
publicação independente dos álbuns alterna- e as editoras acostumaram-se a ter menos
tivos: Guerra das Idéias (1987 com a quarta prejuízo e problemas com a censura da
edição em 2001), Guerra dos Golfinhos ditadura publicando material americano, o que
(1991) - também publicado em capítulos na criou uma cultura de repúdio à produção local
revista Porrada Special e Absurdo (sob que somou-se ao espírito colonial de valo-
hipnose em 1992). Participei da coletânea rizar o que é estrangeiro, sendo louvável o
Brazilian Heavy Metal (1996) e “Hora da fenômeno Maurício de Souza, que é a exceção
Horta” com HQ histórica sobre os “Outros para confirmar a regra.
500” do descobrimento e colonização do Autores, cujo espaço para publicação é
Brasil, em 2000; e sou o fundador e coor- cada vez mais reduzido, aproveitam-se da
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charge e cartum dos jornais para divulgar uma que muitos destes são universitários que
tira bairrista como a Escola Paulistana de cursam pós-graduação e participam de con-
Humor, outros sujeitam-se a desenhar super- gressos, realizando pesquisas onde unem a
heróis cobrindo férias dos americanos ou teoria à prática.
desenhando HQ comercial baseada em es- De todo o universo dos quadrinhos bra-
portistas ou programas de televisão, ou ainda sileiros, cerca de 70 autores profissionais e
expor-se como curiosidade mórbida à mídia de fanzines participam da coletânea
rotulando sua própria obra como arte-tera- Brazilian Heavy Metal, dando um panorama
pia, ou desenhando sexo explícito. da produção brasileira nos anos 90.
Porém, centenas de fanzines atuam como Futuras pesquisas poderão detalhar me-
resistência cultural em um movimento alter- lhor este horizonte do quadrinho brasileiro,
nativo que chega a ter distribuidoras atuando identificando os padrões dos estilos autorais
pelo correio, e deste universo surgem autores e as redes de influências internacionais destes
com uma obra autenticamente autoral, sendo e outros autores.
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