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Variável
Introdução
[...] desde que se veja a lei como uma norma que “é uma vez
por todas” e imposta à liberdade. É uma oposição entre uma
idéia personalista do homem e uma noção legalista do ético
(LUIJPEN, 1973, p. 203).
Sartre trata de negar a existência de valores a priori: não há uma lei moral inscrita
num céu inteligível tampouco um imperativo categórico universalmente válido. Não há uma
lei ética geral, o que há é a decisão humana de criar valores. Na sua liberdade de escolha,
portanto, reside o único fundamento no qual o homem pode apegar-se. Os valores não
possuem existência e significação em si, pelos quais possam se impor à vontade.
Em O Existencialismo é Um Humanismo, Sartre empreende uma crítica ao
pensamento moral tradicional, tanto o cristão como o kantiano. Na obra em questão, Sartre diz
ter sido procurado por um aluno que lhe impôs a seguinte questão: os pais estavam em
conflito, seu irmão mais velho havia morrido na guerra e ele era o único consolo da mãe. O
jovem estava diante de um dilema, ficar com a mãe ou ir para guerra e vingar seu irmão. Qual
moral poderia ajudá-lo a decidir, a cristã ou a kantiana? Partindo do exemplo citado, Sartre
tece sua crítica afirmando que
A doutrina cristã diz: sede caridosos, amai o próximo,
sacrificai-vos por vosso semelhante, escolhei o caminho mais
árduo, etc., etc. Mas qual é o caminho mais árduo? Quem
devemos amar como irmão, o combatente ou a mãe? Qual a
utilidade maior: aquela, vaga, de participar de um corpo de
combate, ou a outra, precisa, de ajudar um ser especifico a
viver? Quem pode decidir a priori? Ninguém. Nenhuma moral
estabelecida tem uma resposta (SARTRE, 1987, p. 10).
O que Sartre deseja destacar com tais críticas é o fato de que caminhos prontos não
existem. O pensamento sartreano se opõe a ideia de que o homem ao chegar ao mundo já
encontra valores dados e bem definidos que se impõe a liberdade, de fora para dentro.
Nenhuma moral pode nos dizer como devemos agir concretamente, na práxis cotidiana; deste
modo, nem a moral cristã e tampouco a kantiana, poderá, de fato, auxiliar o jovem em
questão, visto que sempre quem terá que decidir somos nós a partir da analise da situação que
se apresenta:
A moral kantiana que, com seu caráter formal e universal, negligencia, por um lado, as
características contingentes da realidade humana em situação, e por outro, deixa encoberto
nesta fórmula, que tal possibilidade, aí afirmada, retorna e recai incondicionalmente sobre o
dever interiorizado. Este aspecto incondicional da possibilidade não leva em consideração o
meu ser passado, as minhas vivências anteriores, nem as minhas reais possibilidades; todos
esses aspectos ficam suplantados pelo imperativo do dever, cujo cumprimento fará de mim
um sujeito de interioridade. A lei moral universal não pondera o momento, a situação em
jogo. Outro fator determinante para a desconstrução sartreana da ideia de uma lei moral
universal reside no fato de Sartre ser um pensador da tradição pós-metafísica e rejeitar a
existência de um ente metafísico que possa justificar a existência de valores a priori. O fato é
que o homem
[...] ao perceber assim como Nietzsche que Deus está morto,
percebe também que os grandes ideais e que as pretensões por
um absoluto também vieram por terra. Nesse sentido, não deixa
de enfaixar o homem no próprio homem e de colocá-lo diante
da responsabilidade inteiramente autônoma (SAYÃO, 2006, p.
78).
Logo, se até então cabia aos homens o dever de obedecer aos preceitos divinos, agora,
com a dita Morte de Deus, desaparece o absoluto que ditava princípios e valores igualmente
absolutos. A tarefa de ditar princípios e valores é agora uma tarefa de responsabilidade do
próprio homem. Conclui-se, deste modo, que a não-existência de um ente metafísico é
fundamental para a proposta sartreana.
O fato é que pondo isto, Sartre abre a possibilidade de uma ética variável, fundada na
liberdade de escolha humana e capaz de pesar a situação: não há valores prescritos, nem
receitas pré-determinadas; a cada momento e em cada situação o homem deve decidir, pela
sua liberdade, o melhor caminho a seguir. Alias, a pergunta pela possibilidade de uma moral
variável já não faz sentido, visto que a única moral possível no universo sartriano é,
precisamente, a moral variável, já que a mesma se apresenta como aquela capaz de levar em
conta as contingências, a situação na qual o sujeito da ação está inserido.
A crítica sartreana a moral tradicional irá apelar, ainda, para o conceito de
responsabilidade. Alias, como veremos, tanto a crítica como a proposta de Sartre de uma
moral variável dependem, cada uma a seu modo, do conceito de responsabilidade.
É exatamente por existir o outro que o homem aparece num mundo já significado e
instrumentalizado. Cabe ao Para-si, no exercício da liberdade que o impele a agir e escolher,
atuar sobre o mundo e consequentemente sobre tais significações.
É por existir o outro que vislumbramos a necessidade de uma ética, mas a conduta
ética do homem sartreano não se dá por ocasião do outro, mas, é uma conseqüência da
liberdade do indivíduo. A conduta ética em Sartre se dá de dentro para fora, ou seja, não há
imposições externas, mas é o sujeito que, ao inserir-se no mundo, vai eleger e fundamentar
seus próprios valores.
Portanto, Sartre vai nos mostrar que a escolha é situacional, variável, e expressa à
liberdade que temos e somos, logo, só é possível pensar um moral variável, que está em
eterno processo de adequação a práxis do sujeito da ação. No entanto, a nossa liberdade
implica também a liberdade do outro, logo, é necessário que cada homem funde suas escolhas
e ações tanto na liberdade que lhe é intrínseca quanto numa responsabilidade intersubjetiva,
ou seja, uma responsabilidade que nasce do considerar o outro também como sendo
onticamente liberdade:
Queremos a liberdade através de cada circunstância particular.
E, querendo a liberdade, descobrimos que ela depende
integralmente da liberdade dos outros, e que a liberdade dos
outros depende da nossa. Sem dúvida, a liberdade, enquanto
definição do homem, não depende de outrem, mas, logo que
existe um engajamento, sou forçado a querer, simultaneamente,
a minha liberdade e a dos outros; não posso ter como objetivo a
minha liberdade a não ser que meu objetivo seja também a
liberdade dos outros (SARTRE, 1987, p. 19).
Deste modo, conclui-se que o que Sartre propõe é uma moral variável, que se define
na práxis e encontra seu fundamento na liberdade do homem; este é chamado a assumir sua
condição de liberdade ontica com responsabilidade, tendo sempre em mente que cada escolha
livre carrega consigo o peso angustiante da responsabilidade. O próprio fato de ter que
escolher continuamente sem o amparo do imperativo do dever, próprio de uma lei moral
universal, é em si mesmo fonte de angustia. Contudo, não trata-se de uma responsabilidade
apenas subjetiva, mas, intersubjetiva, na medida em que leva em consideração o outro,
assumindo este também como sendo liberdade diante de minha própria liberdade: O homem
que é para-si é também ser-Para-outro, e assim sendo, todo homem se insere numa cadeia
relacional que se caracteriza pelo encontro de duas liberdades que conferem valor e
significado ao mundo. Logo, em certa medida, a liberdade do outro se impõe como limite a
minha liberdade, embora, esse limite só se legitime no seio de minha liberdade, visto que não
sofremos passivamente os juízos alheios. Em todo caso, cada homem é entendido em Sartre
como absolutamente livre e encontra o fundamento dos valores em sua própria liberdade,
cabendo a este a responsabilidade da escolha livre e do assumir as conseqüências desta.
Referencias Bibliográficas
SAYÃO, Sandro Cozza. Sobre a leveza do humano: um diálogo com Heidegger, Sartre e
Levinas. Porto Alegre, 2006. Tese (Doutorado em Filosofia). Pós-graduação em Filosofia da
PUCRS, 2006. 265 p.