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Pesquisa no Ensino de Química

Aspectos macro e microscópicos do conceito de


equilíbrio químico e de sua abordagem em sala de aula

Karina Aparecida de Freitas Dias de Souza e Arnaldo Alves Cardoso

O ensino e a aprendizagem de ciências requerem processos de teorização, construção e reconstrução de


modelos que possibilitem a interpretação da natureza e a elaboração de explicações por parte dos estudantes.
Neste artigo, discutimos a importância do raciocínio abstrato na construção e manipulação do conceito de
equilíbrio químico, bem como o prejuízo que a memorização de regras qualitativas pode representar à elabo-
ração dessa forma de pensamento. As discussões fundamentam-se em dados obtidos a partir de atividades
desenvolvidas com graduandos do segundo ano de Farmácia-Bioquímica da UNESP-Araraquara, que cursaram
a disciplina de Química Analítica Qualitativa no primeiro semestre de 2005.

equilíbrio químico, princípio de Le Chatelier, raciocínio teórico-abstrato

Recebido em 28/06/2006; aceito em 28/09/2007

51

T
omando como princípio que os (universo macroscópico), a represen- O professor deve assumir, nes-
processos de idealização e de tação destes em linguagem científica se contexto, o importante papel de
aproximação são essenciais (universo simbólico) e “manipulação orientar seus estudantes na busca
para o desenvolvimento das ciên- mental” de partículas do entendimento e
cias naturais, é importante que os como átomos, íons e Por caracterizar-se como questionamento da
estudantes dessas ciências sejam moléculas (universo o mais elaborado nível do modalidade científi-
iniciados nas idéias e práticas do microscópico) pres- conhecimento químico, a ca de pensamento,
pensamento científico, de maneira supõe que o verda- “manipulação mental” deixa, bem como no de-
a torná-las significativas no plano deiro entendimento com certa freqüência, senvolvimento da
individual (Driver e col., 1999). Nesse e o domínio do co- de ser exercitada, habilidade em tra-
sentido, o ensino e a aprendizagem nhecimento químico chegando, até mesmo, a balhar mentalmen-
de ciências requerem processos de dependem da livre ser desconsiderada como te com os modelos
teorização, construção e reconstru- transição entre esses aspecto essencial para a explicativos. Essa
ção de modelos que possibilitem a três níveis (Johnsto- compreensão dessa ciência tarefa, porém, não
interpretação da natureza e a elabo- ne, 1982). está isenta de obs-
ração de explicações por parte do es- Por caracterizar-se como o mais táculos. Conforme afirma Johnstone
tudante, favorecendo a manipulação elaborado nível do conhecimento (2000):
e a proposição de previsões acerca químico, a “manipulação mental”
[...] [o entendimento do nível
de fenômenos observáveis. deixa, com certa freqüência, de ser
microscópico] é a força de
No caso específico da Química, exercitada, chegando, até mesmo,
nossa disciplina como atividade
a queixa de que esta trata de ques- a ser desconsiderada como aspecto
intelectual, e a fraqueza de nos-
tões fundamentalmente abstratas, o essencial para a compreensão dessa
sa disciplina quando tentamos
que a torna uma disciplina de difícil ciência (Souza, 2007). Quando isso
ensiná-la, ou o mais importante,
ensino e aprendizagem, é muito co- acontece, cria-se no estudante o
quando os estudantes tentam
mum entre professores e estudantes sentimento de que a memória é mais
aprendê-la. (p. 11)
(Gabel, 2000). A idéia de que o importante que a imaginação, sendo
estudo da Química implica, além da o conhecimento um privilégio dos que Neste artigo, discutimos a im-
observação dos fenômenos naturais têm mais tempo para exercitá-la. portância do raciocínio abstrato (em
nível microscópico) na construção e
A seção “Pesquisa no ensino de Química” inclui investigações sobre problemas no ensino de Química, com explicitação manipulação do conceito de equilíbrio
dos fundamentos teóricos e procedimentos metodológicos adotados na análise de resultados. químico, bem como o prejuízo que a

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memorização de regras qualitativas químico à falta de reflexão qualitativa cionados de acordo com o interesse e
pode representar à elaboração dessa prévia, fato que conduz a um ope- a disponibilidade para realização de-
forma de pensamento. As discussões rativismo mecânico. Esse problema las. As atividades consistiram em dois
foram fundamentadas em dados aparece muitas vezes exemplificado problemas envolvendo os conceitos
obtidos a partir das atividades de- no uso acrítico do Princípio de Le referentes ao estudo do equilíbrio
senvolvidas com graduandos do se- Chatelier, quando este é apresentado químico e foram desenvolvidas com
gundo ano de Farmácia-Bioquímica como um preceito fundamental da base na técnica do “pensar em voz
da UNESP, campus Araraquara, que natureza, cuja validade não pode ser alta” (Whimbey, 1984). O uso dessa
cursaram a disciplina de Química questionada (De Heer, 1957; Wheeler metodologia justifica-se na importân-
Analítica Qualitativa no primeiro se- e Kass, 1978; Johns- cia da verbalização
mestre de 2005. tone, MacDonald e no processo de so-
Webb, 1977). As dificuldades no lução de problemas,
Equilíbrio químico: dificuldades em Na tentativa de aprendizado e na dado que é comum
aprender e ensinar estimular os estu- resolução de problemas o fato de os estudan-
A assertiva de que o equilíbrio dantes à prática de que envolvam o conceito tes resolverem ques-
químico é, dentre os tópicos com- um raciocínio teóri- de equilíbrio químico são tões, mesmo sem o
ponentes dos currículos de Química, co-abstrato, próprio resultados da falta de entendimento dos
um dos temas que oferecem maior da atividade cientí- reflexão qualitativa prévia, conceitos envolvidos
dificuldade para o ensino e a apren- fica, a disciplina de fato que conduz a um (Halloun e Hestenes,
dizagem é muito comum na literatura Química Analítica operativismo mecânico 1987). É importante
(Maskill e Cachapuz, 1989; Bergquist Qualitativa, ministra- destacar que, além
e Heikkinem, 1990). As razões são da pelo professor orientador desse da descrição verbal, solicitou-se que
pertinentes, dado que o estudo do trabalho aos alunos do segundo ano os estudantes elaborassem suas res-
tema requer o domínio prévio de do curso de Farmácia-Bioquímica da postas por meio de texto, equações
conceitos como ligações e reações UNESP-Araraquara, foi fundamentada e desenhos.
52 químicas, estequiometria, formação em explicações essencialmente mi- As falas dos estudantes foram gra-
de soluções, noções de cinética e ter- croscópicas, sendo evitado qualquer vadas e transcritas, inserindo nossa
moquímica, entre outros igualmente reducionismo relativo ao Princípio investigação no contexto da pesquisa
importantes. de Le Chatelier ou outras regras qualitativa, principalmente caracte-
A elevada hierarquia conceitual, qualitativas de uso comum. Essa rizada pelos dados predominante-
porém, não é o único fator que con- preocupação teve como causa nossa mente descritivos e por preocupar-se
fere complexidade ao assunto. Em convicção de que afirmações do tipo muito mais com o processo do que
pesquisa realizada por Machado e “o equilíbrio deslocará para a direita com o produto (Neves, 1996). O sis-
Aragão (1996) acerca das concep- (ou esquerda)” são insuficientes tema de avaliação das transcrições
ções de estudantes sobre o equilíbrio como argumento que vise explicar adotado foi a análise de conteúdo.
químico, foi notória a influência das o fenômeno em questão. Assim, o
idéias de natureza macroscópica- equilíbrio foi discutido apenas em A construção do pensamento micros­
sensorial, como o funcionamento de termos cinéticos, ou seja, com base cópico
uma balança ou andar de bicicleta, na teoria de colisões. A primeira atividade solicitava uma
na qual o equilíbrio é estático. Essa Conforme destacam Maskill e previsão acerca do caráter ácido,
observação explicita a dificuldade Cachapuz (1989), o claro entendi- básico ou neutro de uma solução de
em construir um modelo microscó- mento de como as reações químicas acetato de sódio:
pico dinâmico, em que partículas de acontecem por meio de colisões
1. Se adicionarmos acetato
reagentes e produtos coexistem em moleculares é muito importante para
de sódio à água, qual será
um sistema fechado, sujeitas a uma a compreensão da natureza dinâmica
a condição final obtida: uma
freqüência de colisões constantes desse fenômeno. O obstáculo é que
solução ácida, básica ou neu-
que, apesar de resultarem em trans- a própria teoria de colisões represen-
tra? Descreva sua resposta
formações químicas, não provocam ta, por si, um problema para muitos
com o maior detalhamento
alterações observáveis. Tem-se, estudantes.
possível e represente-a em três
então, que a estabilidade macroscó- O curso teve duração de seis
níveis: antes, durante e após
pica do sistema é resultado de uma meses e seu desenvolvimento deu-se
a adição do sal. Represente
dinâmica constante de transforma- juntamente com a disciplina de cará-
sua resposta na forma escrita,
ções (dinâmica microscópica), um ter prático, ministrada pelo mesmo
na forma de equações e em
raciocínio difícil e pouco usual. professor.
desenhos.
Quílez Pardo e col. (1993) atri- Ao final do semestre, duas ati-
buem as dificuldades no aprendizado vidades envolvendo os conceitos
e na resolução de problemas que discutidos durante a disciplina foram A análise das respostas eviden-
envolvam o conceito de equilíbrio apresentadas a 13 estudantes, sele- ciou importante transição a partir do

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uso de regras memorizadas, prova- mais especificamente, com o equilí- Na seqüência, a estudante co-
velmente durante o Ensino Médio brio da água. O que fica evidente é meça a explicar o desenho por ela
desses estudantes, em direção à a simples aplicação acrítica de uma proposto (Figura 1):
elaboração de um raciocínio mais regra memorizada num momento
E2: Aí vai adicionar o acetato
complexo, envolvendo a manipulação anterior de sua vida escolar. Essa
de sódio, o acetato de sódio
de partículas microscópicas, alcança- preocupante prática aparece em ou-
vai tá em Na+ e acetato. Aí vai
do por alguns alunos. Seguem alguns tros momentos do desenvolvimento
ocorrer a colisão, né, do Na+
trechos das entrevistas: das atividades:
com o OH- e do H+ com o íon
E1: Quando eu coloquei o acetato. Aí eu pus aqui quando
sal na água, dissocia o sal e E6: [...] eu concluí que como ocorre a colisão...
a água, na realidade, tá em o hidróxido de sódio é uma
íons H+ e OH-. Então, eu rear- base forte, aí vai prevalecer o Ent.: E aqui não tem mais H+
ranjei os átomos que estavam caráter básico na solução. e OH-? [referindo-se ao último
em solução e formou duas desenho]
substâncias, que foi NaOH e
Conforme evidenciado nos tre-
H2CO3*. Só que NaOH é uma E2: Eu acho que tem porque
chos acima, a “prevalência” de um
base forte, ela fica dissociada não vai reagir tudo, né? [...] não
eletrólito forte em relação a um mais
[...], eu coloquei que a solução vão ser todos que vão colidir,
fraco na determinação do caráter
fica básica por causa dos pKs né? [...] Agora eu fiquei em
ácido ou básico de um meio foi um
das substâncias formadas. dúvida.
argumento bastante utilizado durante
Pelo que eu lembro, o pKb é
as discussões dessa primeira ati- Mediante a consideração de que
maior que o pKa. No caso, o
vidade. Alguns estudantes, porém, as únicas espécies presentes no
pH fica maior que 7,0. apesar de inicialmente utilizarem-se sistema ao final da reação seriam
de regras simplistas, esboçaram NaOH em sua forma não dissocia-
tentativas de avançar rumo a uma da, e H3CCOOH em sua forma não 53
A estudante não fez referência, explicação microscópica para o fenô- ionizada (último desenho proposto
em momento algum da entrevista, à meno, sugerindo o desenvolvimento pela estudante), a explicação para a
existência de algum tipo de equilíbrio do pensamento abstrato: basicidade do meio seria, novamen-
e baseia sua previsão numa regra te, a prevalência da base formada,
E2: [...] os íons sódio vão
envolvendo constantes numéricas. um eletrólito forte. O que chama a
interagir com o hidróxido for-
Esse raciocínio não necessariamente atenção, porém, é a tentativa que
mando hidróxido de sódio,
implica um verdadeiro entendimento a estudante demonstra de justificar
que é uma base forte [...] e o
do fenômeno em questão, conforme sua afirmação com base na teoria
hidrogênio da água vai reagir
fica claro no trecho abaixo, quando de colisões, ou seja, com base em
com o íon acetato pra formar o
a estudante é questionada acerca uma explicação microscópica. Nesse
ácido acético, que é um ácido
das espécies existentes no recipiente processo, a estudante percebe que
fraco. Aí, ó, não vai formar uma
após dissolução completa do acetato existem falhas em sua forma de racio-
base forte e um ácido fraco?
de sódio: cínio, abrindo a possibilidade de um
Então vai prevalecer a base,
processo metacognitivo importante
Ent.: Numa situação final, en- então vai ser uma solução
de autoquestionamento, essencial
tre íons H+ e OH-, tem alguém básica.
para a construção do aprendizado.
em maior quantidade?

E1: Os dois tão na mesma


quantidade, só que... Não!
OH- tem menos porque... Não!
Na verdade tão na mesma
quantidade.
Não parece existir para a estudan-
te qualquer relação entre o caráter
ácido ou básico de uma solução e as
concentrações de íons H+ e OH- ou,

* Cabe destacar que a estudante confundiu o ânion acetato, Figura 1: Desenho proposto pela estudante 2 para a dissolução do acetato de sódio
proveniente da ionização do ácido acético, com o ânion carbonato,
proveniente da ionização do ácido carbônico. em água

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De acordo com Ribeiro (2003), é no científico. Pertence ao professor de depende do “pensar abstratamente”.
processo de auto-apreciação e au- ciências esse importante papel de As falas abaixo exemplificam essa
tocontrole cognitivo que o indivíduo direcionar seus alunos à conquista afirmação:
assume um papel ativo e construtivo da capacidade de abstração. Concor-
E4: [...] quando coloca só o
no seu próprio conhecimento. dando com Maldaner (2003):
íon bário, aumenta essa con-
A capacidade de manipular men-
Os modelos teóricos da centração [de íons bário], vai
talmente modelos explicativos pro-
Química [...] são criações deslocar equilíbrio pra esquer-
postos pela ciência para aquilo que
humanas, próprias da ciência da. Então, o que vai acontecer,
não pode ser visto e o domínio destes
química, cujo entendimento vai aumentar a quantidade de
como ferramentas na previsão de
não pode ser buscado empiri- corpo de fundo.
fenômenos e estados de sistemas
camente pelo esforço pessoal
foram habilidades aparentemente de-
dos indivíduos. O acesso a Ent.: Mas o que significa esse
senvolvidas por alguns estudantes:
essas criações culturais é pos- “deslocar pra esquerda”?
E3: [...] a água tá ali, tem a sível pela mediação didático-
ionização dela que é pequena. pedagógica que, de uma forma E4:: Que vai aumentar essa
Aí quando eu coloco o acetato, ou de outra, deverá ser propor- concentração e vai tá afetando
vai haver a dissolução, aí eu cionada a todos os membros o equilíbrio. Aí aqui [referindo-
vou ter o acetato livre. E esse de uma sociedade que se se ao item b] é do mesmo
acetato pode ter choque com propõe a ser democrática. (p. estilo. Com o aumento do
um monte de coisa... Eu não 102) BaSO4, vai tender pra direita
falei do sódio porque como é pra aumentar a quantidade de
uma base forte vai ficar livre... Aí Princípio de Le Chatelier: obstáculo íons livres.
o acetato vai poder se chocar ao desenvolvimento do raciocínio
com o H+ e formar ácido acé- abstrato? Ent.: E o item c, se colocar
tico. Como o ácido é fraco, mais água?
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ele predomina nessa forma.
A segunda atividade referia-
Então tem um consumo até E 4: Eu não sabia explicar
se ao equilíbrio de um sal pouco
um certo ponto do H+ e isso direito [...] a solubilidade é
solúvel:
desloca o equilíbrio da água, relacionada com a quantidade
na verdade aumenta o número 2. Uma solução contém cor- de água que ela tem. Se eu
os choques de moléculas de po de fundo de sulfato de bário aumento o solvente, vai au-
água pra ionizar e voltar o H+ (BaSO4). O que acontece (a) se mentar a quantidade em massa
pra cá. Só que nisso o H+ é adicionarmos a essa solução que vai tá solúvel, então vai
consumido só que o OH- não, maior quantidade de íons Ba2+?; diminuir a quantidade de corpo
ele fica livre. Então a solução (b) se adicionarmos maior de fundo.
vai ser básica. quantidade de BaSO4?; (c) se
Apesar de ter chegado a uma
adicionarmos maior quantidade
conclusão correta sobre a adição
de água? Descreva sua respos-
A leitura do trecho transcrito acima de maior quantidade de água ao
ta com o maior detalhamento
demonstra maior riqueza conceitual e sistema, fica claro durante a fala da
possível e represente as situa-
argumentativa quando a explicação estudante o não conhecimento dos
ções por meio de equações e
tem por base a explicação micros- mecanismos químicos envolvidos. A
desenhos.
cópica do fenômeno e não a simples utilização da expressão “é do mesmo
constatação de sua ocorrência. A O uso do princípio de Le Chatelier estilo”, para comparar o efeito da
essa capacidade, Johnson-Laird como “norma” natural, que não deve adição dos íons bário e do sulfato de
(1983) atribui uma forma mais com- ser desobedecida, mostrou-se mui- bário sólido ao sistema, demonstra
plexa de pensamento, uma vez que to forte na análise das explicações a adoção de uma regra qualitativa
o estudante estaria raciocinando em apresentadas pelos estudantes. geral, independente da situação em
termos de modelos mentais. A conseqüência era uma previsão questão, ou seja, reflete a validade
A identificação de estudantes incorreta da alteração provocada indiscriminada e inquestionável do
que aparentaram estar num estado especialmente pela adição de sulfato princípio de Le Chatelier para esses
de “transição” entre essa simples de bário sólido à solução saturada do estudantes.
constatação do fenômeno e sua mesmo sal, além da dificuldade em A postura acima foi identificada
explicação em termos de modelos discutir o efeito da adição de maior mesmo dentre os estudantes que
microscópicos sugere a possibilida- quantidade de água à solução, expli- mostraram um maior desenvolvimen-
de de desenvolver neles o raciocínio cação que depende, por exemplo, da to do raciocínio abstrato e maior fa-
teórico-abstrato, ou seja, a possibili- capacidade de trabalhar mentalmente cilidade em lidar com as explicações
dade de encorajá-los no pensamento as interações soluto-solvente, isto é, microscópicas:

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E3: [...] depois que eu adi- aprendi desloca, entendeu? No por exemplo, “o equilíbrio é dinâmico
cionei bário [íons] em maior cursinho. Pelo que eu aprendi, e fica caracterizado quando as veloci-
quantidade, eu vou forçar o vai aumentar essa concentra- dades das reações direta e inversa se
choque de bário com sulfato ção (Ba2+), aí ele vai deslocar igualam sob temperatura constante”
e vai tender a formar mais pra formar mais isso (BaSO4). (Reis, 2001, p. 295) ou, ainda, “a
precipitado [...] adicionando primeira característica do estado de
sulfato de bário é o contrário, Ao uso irrefletido de princípios e equilíbrio é ser dinâmico; trata-se de
né, eu aumento a probabili- leis, assim como à aplicação impen- uma situação permanente mantida
dade de choque de sulfato sada de fórmulas e relações matemá- pela igualdade das velocidades de
de bário com sulfato de bário, ticas, associamos uma visão exacer- duas reações químicas opostas”
tendendo a formar íons, né. E badamente empirista da construção e (Mahan e Myers, 2003, p. 83).
aí diminui o precipitado. aplicação do conhecimento científico, O que ocorre, porém, e aqui
uma vez que somente a descrição do cabem as críticas propostas por
Ent.: E quando você coloca fenômeno parece importante, sendo este trabalho, é que os aspectos
água? sua interpretação e seu entendimento cinéticos e a teoria de colisões não
pertencentes a um segundo plano. mais são utilizados como ferramen-
E3: Eu acho que aumenta a Finalizamos, então, esse tópico com tas de explicação dos fenômenos
água pra solvatar íons, então di- a reflexão de Bachelard (2005): de equilíbrio. As variações nas con-
minuiria o precipitado. Tenderia centrações em equilíbrio provocadas
a formar íons, solubilizar mais. É tão agradável para a
por modificações na pressão, adição
preguiça intelectual limitar-se
de reagentes ou produtos passam
ao empirismo, chamar um
Nesse caso, as previsões acerca a ser explicadas unicamente pelo
fato de fato [...] é um em-
da influência da adição de íons bário e Princípio de Le Chatelier, sem que
pirismo colorido. Não é preciso
de água sobre o equilíbrio foram bem haja a preocupação com as causas
compreendê-lo, basta vê-lo.
discutidas conceitualmente, mas a microscópicas do fenômeno, ou seja,
(p. 37)
necessidade de “cumprir” a exigência sem que haja preocupação com a 55
do princípio levou novamente à previ- teorização do fenômeno.
são errônea para a adição do sulfato Considerações finais O fato de a disciplina de Química
de sódio sólido. Os resultados apresentados suge- Analítica Qualitativa ter sido desenvol-
O uso indiscriminado do princípio rem uma maior reflexão por parte dos vida buscando a abordagem do tema
de Le Chatelier, desvinculado de uma professores e demais profissionais sob o aspecto de cinética de reações,
análise crítica de seu significado, envolvidos com o ensino da Química dentro de um modelo microscópico,
mostra-se, de fato, um obstáculo ao acerca da importância do desenvol- vai contra esse uso ateórico de leis e
desenvolvimento do raciocínio qua- vimento do raciocínio teórico como princípios. Essa abordagem, porém,
litativo abstrato. O resultado, a inter- complementação importante ao não foi imediatamente adotada pe-
pretação inadequada das situações conhecimento de caráter empírico. É los estudantes. Acreditamos que a
propostas, passa a ser, então, fruto preciso estimular a prática do “pensar complexidade envolvida no trabalho
de concepções induzidas pela própria quimicamente”, estabelecendo uma mental com conceitos e posterior
maneira de apresentação desse con- contraposição ao uso formulação de um
A utilização dos fatores
ceito nos livros e, conseqüentemente, de regras memorísti- discurso científico
cinéticos representados na
pela maneira de apresentação do con- cas e livrescas, que e a crença arraiga-
teoria das colisões talvez
ceito em sala de aula (Quílez Pardo e pouco contribuem da no princípio de
seja uma alternativa a
col., 1993a; 1993b). Por esse motivo, ao desenvolvimento Le Chatelier como
essa postura, em direção
segundo Johnstone, MacDonald e intelectual de nossos argumento científi-
ao desenvolvimento do
Webb (1977), essas idéias apresen- estudantes. co contribuam para
raciocínio abstrato e
tadas pelos estudantes não devem No que se refere esse fato.
teórico por parte dos
ser consideradas espontâneas e sim ao estudo do equi- Nossa proposta,
estudantes, melhorando
induzidas pelo ensino. Esse papel de- líbrio químico mais então, é que sejam
seu entendimento
sempenhado pelo ensino escolar da especificamente, sua iniciadas e ganhem
microscópico da natureza
Química fica evidente na fala abaixo: discussão inicia-se espaço reflexões em
geralmente após a apresentação dos torno do uso não só, mas principal-
Ent.: O que você chama de
conteúdos de cinética química, tanto mente, do Princípio de Le Chatelier
deslocar o equilíbrio? Por que
em livros didáticos para o Ensino como explicação absoluta para as
acontece isso?
Médio quanto em livros universitários. modificações que ocorrem no estado
Como forma de estabelecimento de de equilíbrio, destacando seu caráter
E5: Aí tem esse problema,
relações entre os temas, os aspectos facilitador, mas nunca unívoco. Não
né? Que você aprendeu, mas
cinéticos são comumente utilizados estaríamos presos a uma concepção
você não... [...] pelo que eu
na conceituação de equilíbrio como, simplista e exclusivamente empirista

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da ciência quando nos atemos à por parte dos estudantes, melhoran- Karina Aparecida de Freitas Dias de Souza (kfreitas@
primeira postura? Qual é nossa contri- do seu entendimento microscópico iq.unesp.br). Bacharel em Farmácia-Bioquímica,
pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da
buição ao enriquecimento intelectual da natureza, atividade essa que fez UNESP – Araraquara, Licencianda em Química
de nossos estudantes quando faze- da química uma ciência. pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
mos uso dessa prática? e Mestre em Química (Ensino de Química) pelo
A utilização dos fatores cinéticos Agradecimentos Instituto de Química da UNESP - Araraquara. Ar­
representados na teoria das colisões Agradecemos aos estudantes naldo Alves Cardoso (acardoso@ iq.unesp.br).
Bacharel e licenciado em Química pela USP – São
talvez seja uma alternativa a essa que, com muita disposição, partici- Paulo, doutor em Química pela USP, docente do
postura, em direção ao desenvolvi- param da pesquisa, e ao CNPq, pelo Depto. de Química Analítica do Instituto de Química
mento do raciocínio abstrato e teórico auxílio financeiro. da UNESP - Araraquara

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1. p. 9-15, 2000. sitário de Química em descompasso: equilibrio químico: uso de un test con
MACHADO, A.H.; ARAGÃO, R.M.R. dificuldades de futuros professores na proposiciones. Educación Química, v. 12,
Como os estudantes concebem o estado construção do pensamento químico. n. 1, p. 18-26, 2001.

Abstract: Macro and microscopic aspects of the chemical equilibrium concept. The science teaching and learning apply theorization processes, like model construction and reconstruction, intend-
ing the improvement of the students’ capacity of interpreting and explaining natural phenomena. This article discusses the importance of the abstract reasoning in the construction and manipulation
of the chemical equilibrium concept, as well as the qualitative rules (like the Le Chatelier principle) memorization hazards. The discussion is based on activities proposed to second year Pharmacy
students from UNESP – Araraquara, coursing the Analytical Chemistry subject.

Keywords: chemical equilibrium, Le Chatelier principle, abstract reasoning

ENEQ 2008
O XIV Encontro Nacional de Ensino de Química aconte- Prazo para inscrições com submissão de trabalhos: 01/03 a
cerá em Curitiba, na Universidade Federal do Paraná, no 20/04/2008, impreterivelmente.
período de 21 a 24 de julho de 2008, no Setor de Ciências
Sociais Aplicadas do Campus Jardim Botânico, e aborda- Contato pelo endereço eletrônico: eneq2008@quimica.ufpr.br
rá o seguinte tema: “Conhecimento Químico: Desafios e
Possibilidades da Pesquisa e da Ação Docente”. Informações adicionais em www.quimica.ufpr.br/eduquim/eneq2008

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Aspectos macro e microscópicos do conceito de equilíbrio químico N° 27, FEVEREIRO 2008

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