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ÉTICA , MORAL E SUJEITO

Daniela Goulart Pestana

“As grandes épocas de nossa vida ocorrem


quando sentimos a coragem de rebatizar o mal
que em nós existe como o melhor de nós
mesmos.” 1

O trabalho que segue tem como objetivo propor uma reflexão sobre as
dimensões da ética e da moral do ponto de vista psicanalítico, bem como salientar para
a necessidade de uma distinção conceitual entre os termos, que classicamente são
tomados como sinônimos. Escolhemos falar de ética nesse trabalho, porque pensamos
ser de suma importância vincular a ética à psicanálise, sobretudo, aos atendimentos
com população de baixa renda, onde os desvios teórico-clínicos por nós observados são
freqüentes, acentuando ainda mais a miséria neurótica que afeta à condição do vivente.
Não estou querendo dizer, com isso, que seja dispensável às outras camadas da
população, ratifico que a ética da psicanálise é imprescindível, quando se é analista. A
ética é único fazer a nortear o analista.
Considerando que a condição de sujeito situa-se para além do significante, e
que o inconsciente está acima destas determinações: classe social, etnia, idioma, ...
nosso trabalho visa a questionar as determinações sociais, bem como a postura elitista
2
que afeta alguns psicanalistas “extra-territorializados” em seus guetos , postura que
nos afasta da causa da psicanálise. Pensamos que a psicanálise não pode ficar alheia à
situação mundial de crise, responsável, pelas graves inversões, inclusive em relação
à concepção de sujeito, que assola o mundo.
Posto isso, afirmamos que é possível exercer a psicanálise em qualquer camada
da sociedade, desde que haja analista de um lado e sujeito dividido do outro lado.
Assim, escolhemos no presente capítulo trabalhar a ética e suas implicações, buscando
disseminar e resgatar o valor do rigor ético advindo da experiência psicanalítica.
Experimentamos pensar algumas das questões “centrais” da ética, não
apenas através dos conceitos e categorias que foram elaborados no interior dos quadros

1
NIETZSCHE, E. Para além do bem e mal. São Paulo, Ed. Hemus, 1981, p.94.
2
FORBES, Jorge. Entrevista dada à Televisão, onde apresenta a idéia desse significante “extra-
territorializados” referindo-se aos analistas que se afastam fechando-se em seus consultórios como uma
forma de se preservar , mantendo-se a parte do mundo atual e dos acontecimentos da vida.
da filosofia ocidental, mas fundamentalmente nos campos práticos da teoria, procurando
também apontar a posição do analista no que se refere à produção diferenciada da ética
na psicanálise.
Um dos objetivos do trabalho é refletir sobre a tensão: sujeito – laço social,
ampliando-a para uma reflexão mais abrangente: ética e moral, objetivando privilegiar a
dimensão do desejo.
A ética ganha sua importância à medida que consideramos o lugar que o analista
deve ocupar na direção da cura.
Lacan no texto, “Subversão do Sujeito e Dialética do Desejo no Inconsciente
Freudiano”, (1960) nos diz:

“Nosso ofício nada tem de doutrinário. Não temos que responder por nenhuma
3
verdade última, especialmente nem pro nem contra nenhuma religião.”

Se em nossa prática não temos que responder por verdade última alguma, só nos
resta dirigir nosso ato no sentido de preservar nele o indizível. A verdade de que se trata
aqui, é da manifestação do inconsciente, do ato falho. Nessa verdade situamos a
irrupção do real e, portanto, a emergência do sujeito desejante. É o sujeito quem fala e
é nesse não dito, nesse sem sentido que o real põe a sua marca. Portanto, não podemos
pensar um analista ou um ato analítico fora do campo da ética.
Alain Badiou em seu livro, “Ética um ensaio sobre a consciência do mal”
(1995), aponta a inflação generalizada que vem sofrendo a referência ética ao longo do
século XX, constatando o uso pulverizado do termo que será objeto de nossas
reflexões. Segundo o autor, a ética vem sendo proferida nos demais campos do saber
sem o real alcance de sua abrangência. Presenciamos a um desgaste do termo
acompanhado por descrédito ao ser mencionada a todo instante sem a devida
aplicabilidade.
Assim, passaremos à análise de alguns textos freudianos, buscando fazer uma
reflexão sobre a origem da ética no campo da psicanálise. Faremos, também, um
recorte do pensamento de Lacan, sobretudo o Seminário 7, A Ética da Psicanálise, em
que traça seu próprio caminho direcionado a uma ética fundada no desejo, tentando
analisar seus fundamentos.

3
LACAN, J. Subversão do Sujeito e Dialética do Desejo no Inconsciente Freudiano in Escritos , p . 330.
Como afirma Lacan,

“Se sempre voltamos a Freud é porque ele partiu de uma intuição inicial,
4
central, que é de ordem ética.”

A pergunta que nos guiará é: Existe uma ética da psicanálise? Qual a relação da
ética na psicanálise com a posição do analista? Tentaremos trabalhar a questão,
passando primeiramente pela filosofia.
O termo ética é derivado do grego, referido a um segmento da filosofia. Em
grego a ética designava uma boa maneira de ser, ao caracterizar uma sabedoria no agir
assentada sobre bases metafísicas.
Pois bem, como a ética era pensada no campo da filosofia? A ética, na
Antigüidade Clássica, relaciona-se ao Bem, num solo cultural em que não dispunha
ainda da categoria de sujeito, solo das idéias puras de Platão .
A ética apresentava-se definida como uma ética do bem. Platão nos transmite a
idéia de um Bem transcendente e Aristóteles um bem imanente; a ética de Aristóteles é
uma ética do Bem supremo. Em sua obra Ética Nicômaco, Aristóteles afirma que os
homens agem de acordo com o princípio do ateísmo prático, sendo sobre esse princípio
basicamente que incide a reflexão filosófica. Aristóteles distinguia a proairesis
(escolha) racional refletida, da boulesis (aspiração). A proairesis incide sobre objetos
que estão a nosso alcance e diz respeito aos meios, a boulesis recai sobre objetos
impossíveis, incidindo sobre os fins. Segundo Aristóteles:

“Toda arte e toda investigação, toda ação e toda escolha visam algum
bem; por isso, o bem tem sido corretamente definido como aquilo para
o que todas as coisas tendem.” 5

A virtude ética, implicada na visão filosófica, aponta uma determinada maneira


de se comportar, tendo em vista de um lado nossos desejos e do outro o fim último a ser
atingido. Toda virtude ética é relativa ao prazer e à dor e consiste essencialmente em
subordinar o desejo à razão. Aqui, a função verdadeiramente humana relaciona-se à
função de atingir o bem humano. Trata-se de determinar a virtude (aretê) da atividade
da alma, enquanto produtora de conhecimento prático, como regra de conduta.

4
LACAN, J. O seminário, livro 7 – A ética da psicanálise, (1959-60), p . 51.
5
ARISTÓTELES. Ética Nicômaco, p.1094 a .
Na Grécia Antiga a questão primordial era: Como um ser pode aperfeiçoar sua
conduta, ao aproximar-se cada vez mais do Bem? Questão que sofrerá grande
transformação a partir do séc. XVIII, ao ser enunciada da seguinte forma: como um
sujeito deve agir em relação à Lei? É sobretudo a partir de Kant que a ética deixa de
marcar o caminho na direção do Bem, apontando para as relações entre as ações de um
sujeito com uma Lei universal.
Kant, em sua obra Crítica da Razão Pura (1781), propõe uma revolução em
torno das idéias que regiam o mundo clássico. O conhecimento, a partir de então,
gravitará em torno da noção de sujeito, este enfocado em sua relação com a lei moral,
não sendo mais a lei subordinada ao Bem. O princípio proposto pelo texto de Kant é
que a Lei determinará o que é o Bem, expresso sob o nome de imperativo categórico;
as ações do sujeito são governadas por respeito à Lei.
Para o filósofo existem mandamentos ou imperativos de cunho categórico e,
portanto, universais, que se impõem a todas as situações, referindo-se aos direitos
humanos, aos casos de crime de ofensa, de crime, de Mal e etc.
A máxima que rege a conduta individual deverá valer também para a conduta de
todos os homens como o princípio de legislação universal. De tal forma que as
exigências imperativas não sejam subordinadas a considerações empíricas ou a
circunstâncias particulares. A doutrina kantiana prioriza a dimensão subjetiva das
relações humanas, relacionando-as a uma Lei universal.
A concepção de sujeito, apresentada por Badiou, propõe ir além da dimensão
de sujeito universal abordada por Kant, procurando mostrar que se trata do sujeito em
sua pontual singularidade. As determinações ditas universais tendem ao apagamento do
sujeito com o discurso universalizante que promove um fechamento em um único
sentido.
Alain Badiou (op. cit.) faz uma crítica à concepção de sujeito humano que, por
trás do discurso em defesa dos direitos humanos, esconde o conquistador
“neocolonialista”, aquele que procura transformar os seus valores circunstanciais e
contingentes numa lei dita para todos, universal.
Diz ele:
“Supõe-se que exista um sujeito humano reconhecível em toda parte,
que possui direitos de algum modo naturais: direito de sobreviver, de
não ser maltratado, de dispor de liberdades fundamentais. Esses
direitos são considerados evidentes e merecedores de um amplo
consenso. A ética consiste em preocupar-se por esses direitos, fazer
com que sejam respeitados.” 6

A dimensão ética abordada por Kant restringe o sujeito, limitando-o em suas


ações ao abordar uma ética universal, que sirva para todos.
Para refletir sobre isso, nos apoiaremos no pensamento de Michel Foucault e de
Lacan a respeito do conceito de sujeito ético, visando aprofundar nossa análise. O que
eles nos dizem?
Focault procura nos mostrar, ao longo de sua obra, que o conceito de sujeito é
histórico e construído, pertencendo a um determinado regime discursivo. Aponta para a
não universalidade do sujeito sendo, assim, perigosa a suposição de uma evidência
atemporal capaz de fundar direitos ou uma ética universal. Para ele, a ética diz
respeito a um modo de relação, a uma escolha própria afirmada em determinadas
situações, que não pode ter validade universal, instaurando a diferença.
Lacan, ao analisar o pensamento de Kant, faz uma crítica contundente,
afirmando que por trás da suposta neutralidade da Lei, se esconde a maldade, a
obscenidade e que aí reside um gozo. Existe um gozo que se evidencia por trás da Lei,
um gozo do supereu que mostra suas garras, entrando em cena camufladamente e
descentrando o sujeito em seu eixo. Sua crítica é de que, na concepção kantiana, o
sujeito da enunciação fica reduzido ao sujeito do enunciado, aprisionado a um único
sentido. Nesse sentido, o imperativo categórico, que é uma lei do supereu, vai contra o
bem-estar do sujeito, atropelando-o. É uma lei indiferente ao princípio do prazer,
comportando uma ordem feroz, um mandamento que não admite refutação, cuja
máxima norteadora é “podes porque deves”.
Se a máxima kantiana é podes porque deves, a máxima lacaniana seria, podes
porque desejas.
Lacan parte de um outro ponto e enfoca o sujeito como aquele que não possui
qualquer substância ou natureza, apresentando-se, antes de tudo, como sujeito do
desejo, cuja determinação desconhece. Fazer advir esse sujeito é o que chamamos de
trabalho de análise, no qual a enunciação dá lugar a produção da verdade.
Assim, a hipótese de um sujeito universal é contestada por Foucault e Lacan que
repensam a pretensão à universalização da ética.

6
BADIOU, Alain. Ética um ensaio sobre a consciência do mal, p . 19.
Passemos agora à análise da moral. A palavra moral tem suas raízes no
vocabulário latino mores, cujo significado é hábito, costumes de uma determinada
sociedade ou grupo nos quais reina um consenso. São estabelecidos, a priori, os
princípios do pensamento e da razão que regem condutas humanas. Os homens medem
a conduta a partir de princípios que possuem validade para todos, na medida em que são
consensualmente estabelecidos e admitidos.
A moral implica uma legislação consensual, delimitando universalmente o que é
o Bem e o Mal para os homens de um modo geral.
Aqui cabe a pergunta: Por que a ética na psicanálise não se reduz à ética
filosófica nem a moral como princípio que rege a conduta? Primeiramente, porque diz
respeito à dimensão do inconsciente, noção central para a psicanálise e ausente na ética
filosófica e a seguir pelo fato de que ela não está centrada numa ética do bem.
A teoria do inconsciente procura indicar que a ação humana possui um sentido
escondido e a psicanálise visa operar promovendo um retorno a esse sentido oculto.
Lacan apontando para a única proposição da ética do desejo, enunciada no seminário
VII nos diz: “Proponho que a única coisa da qual se possa ser culpado, pelo menos na
perspectiva analítica, é de ter cedido de seu desejo” 7, que pode ser expresso pela
pergunta: “Agiste em conformidade com teu desejo?” 8. Foi honesto com o desejo que
lhe habita? Ou cedeu aos caprichos da injunção do supereu, cujo mandamento retira o
sujeito do caminho do desejo e o coloca na reta do gozo? Ceder em seu desejo significa
desvirtuar-se da questão ética. A dimensão ética da psicanálise implica a relação entre
ação e desejo.
Para Lacan, a entidade de desejo, indestrutível tal como Freud nos fala no final
da Interpretação dos Sonhos, distingue-se dos desejos, Lacan abstrai o desejo dos
desejos específicos e o identifica com o “corte significante”, que vem representar para
ele, o nome do indestrutível desejo de Antígona. Lacan determina o desejo puro como
desejo de castração, como o puro poder de dizer não de Antígona. Assim, o desejo é o
que dá suporte ao inconsciente; é o que dá um destino singular e nos coloca numa
determinada trilha, exigindo que paguemos caro por isso, não nos afastando, assim, do
que é o nosso afazer. A ética na psicanálise consiste fundamentalmente numa
implicação do sujeito naquilo que lhe diz respeito.

7
LACAN, J. O Seminário, livro 7- A ética da psicanálise, (1959-60), p . 382.
8
Ibidem,.p. 373.
Portanto, é a partir do reconhecimento de que o sujeito segue um caminho
desejante, que podemos dizer que a psicanálise, diante da teoria ou da prática clínica,
não prescreve. Prescrever, dar receitas, ou diagnósticos rotulados significaria sair do
discurso. A psicanálise é a prática do discurso, é sob as palavras que trabalhamos.
Aceitar passivamente o que é imposto ao sujeito pelo social, seria, nesse sentido, negar
a determinação do inconsciente onde a escolha fica nas mãos do Outro. É o que o
discurso da ciência faz, tentando apagar as determinações do sujeito através da
medicalização. Nesse sentido, podemos dizer que o discurso da ciência forclui o sujeito.
Na indeterminação, abre-se um espaço para que o sistema intervenha sobre o sujeito,
desloca-se o sujeito que passa a ser subserviente à mídia, escravizado pelo seu poder de
atração, o sujeito consome até consumir-se, apagando a sua própria determinação à
serviço do Outro.
A ética da psicanálise, ao contrário da tentativa de colocar o outro no caminho
“correto”, “do bem”, recua diante das virtudes que dizem respeito ao campo do hábito,
dos costumes, que permitem que os membros da sociedade ‘meçam-se’ uns aos outros.
Assim, como podemos entender a via do desejo postulada por Lacan? Como
podemos entender tal colocação? Pensamos que se trata de alcançar alguma
independência em relação às injunções da Lei, mandamento feroz do supereu, bem
como aos imperativos comuns da vida social, padrões de fracasso e sucesso
estabelecidos a priori, visando a tamponar o desejo e empobrecendo conseqüentemente
os laços sociais.
Em oposição a essa máxima, notamos que, muitas vezes, abre-se mão do desejo
em nome do bem, do bem de quem? Kant em seu paradigmático exemplo da caridade
em Fundamentação da Metafísica dos Costumes9, demonstra como uma ação em
princípio feita pelo bem de outrem pode estar a serviço daquele que a executa, estando
a serviço de seu próprio prazer. Kant prossegue sua argumentação, dizendo o que é
moralmente bom, não se cumpre somente de acordo com a lei moral e sim por amor a
essa lei. Aquele que faz uma caridade está fazendo uma ação conforme a lei moral que
considera a caridade um dever para com os outros.
De acordo com Lacan, diferentemente do pensamento de Kant, a ação feita em
nome do bem ou em nome do bem do outro, não serve de escudo para o apaziguamento
da culpa, nem tampouco para fazer calar as tempestades interiores. O pensamento

9
KANT, I . Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Coleção Os Pensadores, editora Abril, São
Paulo, 1974, p . 207.
lacaniano, nesse sentido, redimensiona essa concepção de bem e mal, certo e errado,
bonito e feio, que kantianamente era traduzida sob um determinado aspecto. Ocorre
que um determinado ato de bondade pode esconder a maldade do próximo, querendo
aniquilar o sujeito, reduzi-lo a sua insignificância.
Com esse encaminhamento, estamos tentando apontar para a importância da
ética da psicanálise, tendo em vista que abre possibilidades para o sujeito. Este vai
ser convocado a se posicionar, responder sobre sua “miséria neurótica” ao ser,
interrogado sobre seus atos e com isso a não ceder em seu desejo.

“Não somos livres para escolher o que nos acontece, mas somos livres
para responder desta ou daquela maneira ao que nos acontece.” 10

Com já vimos, atualmente assistimos à apropriação da palavra ética, quase como


presença constante, fazendo parte dos mais variados discursos desde as comunidades
científicas, chegando aos veículos de comunicação cuja força tem peso de lei. É assim
que nos apropriamos da ética para designar uma regulação de atitudes nos mais variados
campos. Constatamos, entretanto, a falta de rigor com que vem sendo proferida e,
como conseqüência, o desgaste de significado pelo uso indevido, seja pela utilização
freqüente, seja pela forma inapropriada ou difusa.
A ética toma contornos não esperados, regida pelo senso comum, ao encabeçar
a idéia de que cada situação tem a sua ética própria e até mesmo cada indivíduo pode
ter a sua ética particular. Não se trata de uma mera simplificação, mas de uma completa
inadequação regida pelo “vale tudo”.
Tendo em vista os desgastes que vem sofrendo a ética também no campo da
psicanálise, passaremos agora ao exame do texto de Freud de 1895, “Projeto para uma
Psicologia Científica”, que já trabalhamos anteriormente , mas retornaremos a ele como
texto de fundamental importância , que nos reenvia à questão da ética em Freud.
Interessa aqui trabalhar a vertente do texto relevante para a formulação de uma
ética da psicanálise. Ao analisar as implicações da miséria neurótica, que articulamos ao
Hilflosigkeit, sobretudo, na população de baixa-renda, não podemos prescindir da
ética. Se supomos que, muitas vezes, o desamparo engendra a miséria neurótica, a ética
da psicanálise indica outro caminho, apontando em direção a uma possível saída pela
via do desejo.

10
SAVATER, Fernando. Ética como amor-próprio, p.48 .
O objetivo de enfocar primeiramente o Projeto, foi uma tentativa de estudar o
conceito de Das Ding, a Coisa, extraído da obra de Freud. O que seria, então, o Das
Ding freudiano e qual o objetivo dessa análise para o trabalho? É em função do
desamparo que o sujeito vê-se obrigado a uma ação específica pela mediação do
Outro; é na relação com o semelhante que o sujeito vai aprender a reconhecer a
experiência da realidade. O bebê reconhece alguns traços mas há algo irreconhecível
que é Das Ding.
Segundo Freud, o sujeito mesmo antes de seu nascimento está marcado pela
relação com o outro, os desejos e fantasias de nossos pais emprestam significado a
nossa existência de forma particular. Fato que o leva a afirmar que o desamparo inicial
é a “fonte primordial de todos os motivos morais”.11 O sujeito, na busca pelo objeto de
desejo que o satisfaça, esbarra com esse Outro que é sempre enigmático e cujo
fundamento é a Coisa.
O que nomeia por “complexo do próximo”, é onde mostra que é através do
semelhante do outro, que se dá a primeira apreensão da realidade pelo sujeito.
Lacan, ao descrever a Coisa nos diz que a Coisa é o vazio. Como entender essa
afirmação? Lacan diz que Heidegger utiliza o “apólogo do vaso” para abordar a
função do significante. O significante, ao ser criado, introduz no mundo paralelamente
o vazio e o pleno. Para Lacan, o vaso é um objeto apropriado para representar a Coisa,
na articulação do Real com o mundo, na medida em que, “há uma identidade entre a
modelagem do significante e a introdução no real de uma hiância de um furo”. 12
Assim, o pote de barro, como símbolo do psiquismo, faz um recorte no Real,
presentificando um vazio que poderia ser preenchido com outros objetos criados e um
vazio que não se preenche.
Das Ding se diferencia “das coisas” Die Sachen, da “representação das coisas”.
“Um furo feito no campo do Outro. O grito é um grito que fura o Outro, não é um grito
de demanda é um grito que fura.” 13, marcando aí que Das Ding é o que resta da coisa
como inassimilável. O limite da Coisa é encontrado no seio da linguagem. Assim, o
sujeito em relação à Coisa não tem nada que lhe dê garantias. Das Ding, no campo da
experiência analítica, é o vazio do ato que faz surgir algo, apontando para a relação
com o significante fazedor.

11
FREUD, S. Projeto Para Uma Psicologia Científica, (1895), p. 431.
12
LACAN, J. O Seminário, livro 7 A Ética da Psicanálise, (1959-60), p . 153.
13
VIDAL, Eduardo. Anotações do Seminário das Quintas-feiras Tema : Um Desejo Inédito
Portanto, Das Ding está na origem desse eterno retorno pela busca do objeto. O
objeto da satisfação jamais é reencontrado, apenas suas coordenadas de prazer.
Vemos que Freud começa a falar do laço social a partir do desamparo humano.
Por quê? O Hilflosigkeit remete ao desamparo do ser no mundo não só como ser de
linguagem, mas desamparado na própria linguagem. O homem padece da falta de
referências estáveis para a linguagem. No mundo globalizado, o sujeito encontra-se a
mercê do gozo e capturado como presa, responde, cedendo em seu desejo e se
deixando levar pelo capitalismo selvagem com seus padrões convencionais, tornando
assim, a face do desamparo ainda mais cruel .
É no laço com o Outro, na relação com o objeto que a experiência da realidade
se mostra dividida, “há uma divisão original na experiência da realidade, porque o
sujeito ao buscar satisfação se depara com algo de enigmático, que o obriga a
14
retroceder” . Das Ding, portanto, é o “primeiro estranho, em relação ao qual o
sujeito constrói o seu caminho desejante.” 15
É na experiência do próximo que se presentifica Das Ding. O encontro de um
objeto é sempre o reencontro onde incide o vazio. É a precariedade do humano que faz
com que o movimento seja retroativo e mantenhamos, assim, a indestrutibilidade do
desejo.
Portanto, o mal-estar do sujeito é estrutural tendo em vista que a pulsão não
pode se satisfazer inteiramente pois está relacionada a Das Ding. O objeto da pulsão é
um objeto inexistente representado como perdido pela ação do recalque. Ao aforismo
lacaniano “Não existe a relação sexual” , depreendemos que um corpo não completa o
outro, um desejo não corresponde ao outro, entre um sujeito e um objeto de que se
goza, existe a linguagem.
A ação do analista não é moral, é ética, mas não é uma ética sem moral. A moral
também faz parte do ato do analista. A experiência da psicanálise trata de ultrapassar a
barreira do bem, trazendo o novo para a discussão ética.
Os psicanalistas não podem se esconder na suposta neutralidade de seus atos
como comumente ouvimos, “minha posição é neutra”, pelo contrário, o ato analítico
implica em uma política e uma ação. Escutar o que as pessoas têm a nos dizer, faz com
que nos impliquemos, tomando uma determinada direção e nesse sentido implica, em
uma ação. A análise tem uma ação que faz parte da responsabilidade do analista.

14
RINALDI, Doris. A Ética da Psicanálise – Um debate entre psicanálise e antropologia, p. 70.
15
Idem, p. 72.
Acreditar no discurso do psicanalista como operação que faz surgir o desejo a
partir de um real impossível, é nisso que reside a nossa aposta. A ética da psicanálise
não é a ética do bem supremo, ela está referida ao Real.

“É nesse sentido que se pode dizer que a ética da psicanálise, como ética do
desejo fundada no referenciamento da ação humana ao Real, não parte de
ideais. Ela não propõe regras, nem normas de conduta, mas prepara para
16
ação moral, sem, contudo, estabelecer seus caminhos.”

Lacan indica que a Ética diz respeito a busca do que volta sempre ao mesmo
lugar, isto é o Real.
No mundo atual da revolução da informação com a globalização, a cultura do
egocentrismo predomina, abafando o espaço de manifestações singulares e díspares em
prol da massificação do pensamento. Nesse sentido, trava-se uma luta ferrenha pelo
Um, visando a manter uma suposta unidade. O Um que traduza o Todo, completando o
sentido e fechando outras possibilidades, cristaliza-se em si, basta-se. É a ilusão da
completude de que é possível fazer Um = Todo, que move os seres em direção ao ideal
de totalização, ideal que sabemos, fadado ao fracasso, busca inatingível.
O discurso freudiano pretende realizar uma crítica contundente da ilusão
humana, considerando que a ilusão do sujeito não se funda na lógica do entendimento,
mas na lógica do desejo, como Freud assinala em “O futuro de uma ilusão” (1927). A
ilusão aqui mencionada diz respeito à pretensão do desejo de que algo seja aquilo que
não pode ser.
A ética na prática analítica é a ética do desejo e a psicanálise pretende colocar
a figura do analisante diante da estrita lógica do seu desejo, cujo desdobramento ético
é o da crítica das ilusões. Cabe ao percurso analítico, a experiência sofrida do
desmoronamento da identidade e da revelação do homem a si próprio. A psicanálise
procura levar em conta as pulsões, apesar da exigência da renúncia pulsional, feita pela
cultura na qual o sujeito tem de abrir mão de uma parcela de seu gozo para viver em
sociedade.
O sujeito é confrontado com os limites de sua existência e com o horizonte,
possibilitado por sua história. É nesse contexto que Freud escreve grande parte de suas
obras voltadas para a cultura, entre elas: “Totem e tabu” (1913) e “O mal-estar na
cultura” (1929).

16
Ibidem, p .71.
Em 1929, Freud escreve “O mal-estar na cultura”, porém, antes mesmo, como
vimos, já apresentava suas preocupações a respeito da disjunção entre o sujeito e o
social, a pulsão e a civilização. Freud deixa claro, nesse texto, que o homem pode
reorganizar os componentes libidinais a fim de adaptá-los, podendo agir de forma a
modificar o mundo em conformidade com seus desejos
Desta data até hoje dá-se um salto, e vemos atônitos perfilarem-se no cenário
as mesmas questões que incomodavam no passado, certamente, com um incremento
maior, porém, em seu bojo, trata-se da mesma questão aberta por Freud, a inadequação
entre as exigências pulsionais e as restrições impostas pela moral civilizada.
Freud em 1926 já anunciava:

“A maldade é a vingança do homem contra a sociedade, pelas


restrições que ela impõe. As mais desagradáveis características do
homem são, geradas por esse ajustamento precário a uma civilização
complicada. É o resultado do conflito entre nossas pulsões de vida e
nossa cultura.” 17

É interessante observar a utilização feita por Freud da expressão, “ajustamento


precário”, mediatizando pulsões de vida e o social. É a eterna luta travada pelo sujeito
ao tentar uma saída frente ao impossível, tendo o desamparo fundamental (Hilflosigkeit)
que caracteriza a posição originária do vivente a nos rasgar permanentemente.

“O desamparo do ser falante não tem solução. Se Freud persiste em


toda a sua obra na noção de trauma, é para dizer que o real é
insuportável. A ilusão mascara e oculta o real; em sentido estrito, o
recusa o desmente.” 18

Portanto, não há como escapar do real, o desamparo fundamental que


caracteriza a posição originária do vivente. Como nos diz Guimarães Rosa: “o real não
está na saída nem na chegada; ele se dispõe para a gente é no meio da travessia” 19.
O real que se apresenta e que é universal e particular ao mesmo tempo, diz respeito ao
sexo. A impossibilidade de sua completude coloca-nos diante de uma busca incansável,
pois a tentativa de fazer um é o que comumente se almeja, porém são meras tentativas
frustradas.

17
FREUD, S. – Entrevista feita à Freud pelo jornalista George Sylvester Viereck em 1926.
18
VIDAL, E. in: Hélio Pellegrino – A Deus org. João Carlos Moura. p . 183.
19
ROSA, J. G. Grande sertão: veredas, Rio de Janeiro, José Olímpio, 1976, 10ª edição.
Sabemos que Freud, com a noção de inconsciente, revolucionou o pensamento
de uma época, subvertendo valores tradicionais, empreendendo uma crítica radical à
moral burguesa, inserindo no discurso vigente novas reflexões acerca do desconforto,
do mal-estar do homem na sociedade. Freud subverte a moral tradicional, demonstrando
como pode coabitar em um mesmo corpo, a santa e a puta, o pastor e o pecador.
“Não nos tornamos mais alegres descobrindo que nós todos abrigamos,
o criminoso e o animal.” 20

A tentativa moral seria a de calar os excessos pulsionais normativizando o ser,


pois querer “uma ordem universal moral” é afirmar a inexistência das singularidades,
ao invés de subvertê-la, mostrando possível o caminho do desejo.
Segundo Doris Rinaldi21, a crítica feita por Freud à moralidade dirige-se ao
sistema de normas e regras que organizam os relacionamentos sociais. Desde seus
primeiros trabalhos, assinala a existência de uma inadequação entre as exigências
pulsionais que clamam por satisfação e as restrições da moral civilizada.
Como bem destaca no texto, “Moral sexual civilizada e doença nervosa
moderna” de (1908), a neurose seria a conseqüência da renúncia pulsional à qual o
indivíduo é obrigado a submeter-se para se inserir na moral social vigente. Para ele, a
civilização repousa sobre a renúncia ou o recalcamento das pulsões.
Na verdade Freud vai demonstrar mais adiante que não se trata apenas de
22
oposição entre civilização e pulsões. E como nos indica Rinaldi “a moralidade em
Freud, portanto, não é apenas algo que no âmbito das relações sociais se sobrepõe aos
desejos individuais, com um caráter repressivo”. A necessidade da moral inscreve-se na
constituição psíquica do homem, na sua forma específica de obtenção da satisfação
que permite ultrapassar a oposição indivíduo-sociedade.
A origem da moralidade em Freud é conseqüência do desamparo primordial do
sujeito humano, na constante necessidade do outro para efetivar a experiência de
satisfação, pois sozinho ele não consegue. Como ele já afirmava no Projeto de 1895.
Logo, é “o próprio laço social com sua origem aí, instaurando a regulação moral”,
como salienta Doris Rinaldi .
As indagações que se impõem são: Quais são os efeitos do desamparo
primordial sob o homem? Como pensar a moralidade em relação ao lugar do analista no

20
FREUD, S. Entrevista, op. cit.
21
RINALDI, Doris. A Ética da Diferença – Um debate entre psicanálise e antropologia, p. 45.
22
Ibidem, p. 46.
fazer da clínica , sobretudo, com população menos favorecida economicamente? Como
fazer valer a singularidade na relação com a alteridade? O que a psicanálise pode diante
do constante empobrecimento dos laços sociais? É a isso que tentaremos discutir,
esboçando caminhos possíveis de resposta.
A relação conflitual entre a pulsão e a civilização, que extraímos da leitura dos
textos de Freud, é de ordem estrutural, onde o conflito jamais será ultrapassado.
As conclusões de Freud sobre a impossibilidade e os limites da felicidade
humana foram formuladas a partir de uma crítica que dirige a Romain Rolland sobre a
inexistência do “sentimento oceânico”, em seu primeiro capítulo do “Mal-estar na
cultura”. A objeção de Freud, em relação ao “sentimento oceânico” repousa sobre as
possíveis relações harmônicas entre o que é da ordem das pulsões e o que é da ordem
da civilização. Podemos nos perguntar: O que se entende por felicidade? Alívio do mal-
estar, desaparecimento do sintoma? Qual o destino que a psicanálise pode oferecer à
infelicidade chamada por Freud de neurótica? Para Freud, essa sempre foi uma tarefa
impossível, como educar e governar. Afirmava a miséria banal como fazendo parte da
condição humana, que esta jamais seria erradicada pela psicanálise.

Essa afirmativa obviamente não resume todo o pensamento freudiano, mas


delimita o alcance da prática analítica. A idéia de Freud era a de dar a alguém a
possibilidade de escolha, que é algo raro, bastante significativo, e que não se resume à
felicidade. Citando Coltte Soler , “trata-se de saber, se em uma análise, podemos
mudar ou não a covardia neurótica”. 23
Pois bem, aberta por Freud, a questão ainda ecoa. Nos dias atuais, observamos
que o “mal-estar” na cultura se traduz pela desconstrução das certezas, queda
vertiginosa das ilusões, dispersão de valores, decadência da ordem que, supostamente
no passado, sustentava o imaginário coletivo permitindo aí um equilíbrio, mesmo que
fosse um equilíbrio de circense na corda bamba.
Assistimos à face atual do capitalismo, juntamente com o avanço tecnológico,
produzir um discurso globalizado que determina crescentes processos de segregação dos
laços sociais, onde impera o egocentrismo, em que as pessoas buscam prazer,
cultivando a solidão. A chamada Revolução da Informação coloca o computador a
serviço do homem que se conecta e desconecta frente primeira insatisfação, com um
simples clicar no mouse, intensificando assim o mal-estar na atualidade. Pensamos que,
23
SOLER, Colette. A psicanálise na civilização, p . 474.
diante desse quadro social, as classes menos favorecidas economicamente ficam,cada
vez mais esmagadas, a falta de recursos para conseguirem responder a esses
imperativos é uma constatação diária. Daí o aumento da violência como uma das
formas de respostas.
Segundo Eduardo Vidal:

“a tirania do ideal conduz inexoravelmente ao mal-estar na civilização ,


título do escrito de 1930, onde Freud demonstra que o homem, desgarrado da
cultura e padecendo da decadência de seu corpo, busca diversos modos de
24
entorpecimento para o sintoma social.”

Na rapidez com que a indústria tecnológica se renova, , do “laptop” ao


“notebook”, o sujeito não constrói a sua demanda, não tendo tempo para formular o
seu pedido. O mundo da informática se moderniza com uma velocidade alucinante e
nele são incluídas promessas de uma realidade virtual capaz de vencer o real da
ausência.

“Forjam-se compulsivos anônimos de sexo, droga, comida, trabalho,


computador ou qualquer objeto que venha tamponar a falta. Nesse
processo, o consumido é o sujeito que desaparece em estados que vão
da apatia até a depressão.” 25

Vemos que os discursos dominantes ocultam e suprimem o sujeito, oferecendo a


promessa de equivalências globalizadas. Em contrapartida, a psicanálise procura
reintroduzir o sujeito, indicando o lugar da falta.
Jacques-Alain Miller em Conferência, a propósito das novas formas de sintomas
nos diz:

“Cada dia algo novo fica novo em menos e menos tempo. A aceleração
da decadência de toda novidade povoa nossas vidas de objetos
obsoletos a serem retirados tão rapidamente quanto possam e devam
ser substituídos.” 26

Miller chamou atenção para esse “novo” mal que afeta a civilização, a
exasperação da novidade, ela faz do sujeito escravo, servo dele mesmo, sendo ele, o

24
VIDAL, Eduardo. - JORNAL, Estado de Minas . Caderno – Pensar de 17 de março de 2001.
25
Ibidem.
26
MILLER, Jacques-Alain. “Conferência de abertura do VII Encontro Brasileiro do Campo Freudiano”,
São Paulo, 1997.
próprio objeto obsoleto. O novo encabeça a promessa de uma vida melhor, porém é o
novo que mais rapidamente envelhece.
Lacan, ao criticar o american way of life , denuncia que o grande inimigo da
psicanálise situa-se na imposição que o discurso globalizante veicula, exigindo dos
sujeitos respostas homogêneas, desconsiderando aí a singularidade, as subjetividades.
Para a psicanálise é justamente o sintoma e os modos de gozo que enlaçam o desejo
tornando cada sujeito único. Retornamos à clássica pergunta que ecoa, em cada um
de nós, analistas. O que pode a psicanálise? Pensamos que a psicanálise pode dar uma
resposta diferente a estes imperativos do mundo moderno, resposta que consiste em
separar o que é da ordem do desejo e do gozo, da promessa de felicidade e do
sofrimento de cada um.
Vemos, ao longo dos séculos, a noção de homem transformar-se radicalmente,
chegando ao individualismo moderno que invade o social com a mesma promessa de
felicidade, minando cada vez mais o sujeito.

“Observa-se uma universalização de valores em torno da noção de


indivíduo, seja como sujeito moral, sujeito da razão ou sujeito
político.” 27

Nossa análise propõe uma reflexão sobre o que a obra de Freud e a experiência
da psicanálise, que dela decorre, nos trazem de novo.
Lacan nos fala da “tirania narcísica” tão característica atualmente, assistimos
silenciosos à promoção do indivíduo enquanto eu. Assistimos à deterioração dos laços
sociais, na busca pelo prazer solitário. O sujeito com a Revolução da Informação é um
navegante solitário que se conecta e desconecta ao seu bel prazer . E o resultado disso é
a depressão, tristeza, situada por Lacan como a dor de existir, que no âmbito da ética, é
considerada covardia moral.
A psicanálise introduz no campo do saber e da experiência do homem a
dimensão do sujeito do inconsciente, demonstrando, ao longo de sua existência no
mundo, resistir firmemente às críticas e apelos empreendidos por outros discursos que
visam a mitigar e desfazer sua consistência . Notamos, porém, que a psicanálise insiste
e resiste mantendo-se sólida ao longo do tempo, fiel a seus conceitos fundamentais,
mostrando eficácia no tratamento das neuroses e oferecendo um outro espaço para o
tratamento das psicoses
27
RINALDI, Doris . A Ética da Diferença, um debate entre psicanálise e antropologia, p . 86.
Portanto, um dos nossos objetivos é desmistificar a crença que paira no
discurso corrente de que a psicanálise ou é “chique”, concepção que vigora nas classes
mais favorecidas, ou é indicada “para louco”, “maluco”, concepção que prevalece nas
camadas mais baixas.
O que nós, analistas, podemos fazer para mudar esse cenário e tentar reverter ou
mesmo subverter esses clichês tão enraizados em nossa sociedade? Estas preocupações
caminham desde o início de minha prática clínica, quando ainda estudante de psicologia
atormenta-me a vontade de buscar uma saída para os impasses da psicanálise no que diz
respeito ao aspecto apontado no estudo. Como fazer para que a psicanálise se torne
mais abrangente? Essas questões me moveram ao trabalho.
Observamos em alguns setores da sociedade o descrédito em relação à
psicanálise, sobretudo, em função da dificuldade que possui de maior penetração e
inserção nas camadas mais baixas.
De acordo com nossa experiência, acreditamos que ampliando os locais de
atendimento psicanalítico comunitário, haveria uma maior divulgação e aceitação da
prática clínica, tendo em vista os benefícios dela decorrentes. A limitação do
atendimento frustra expectativas dos sujeitos, que na longa fila de espera, acabam
desistindo e buscando atendimentos alternativos que não dão conta de suas questões
subjetivas.
Segundo o depoimento de Antonio Quinet:

“Não há clínica social atualmente no Rio de Janeiro que não tenha


filas de espera de pessoas procurando psicanálise. É um fato, portanto,
que , se por um lado vemos esse avanço enorme da ciência, por outro
as pessoas, com seus sintomas, procuram tratamentos além daqueles
oferecidos pela ciência, dentre eles a psicanálise.” 28

A citação acima corrobora o nosso pensamento de que o descrédito à psicanálise


advém também da impossibilidade de atendimento, do número reduzidos de sujeitos
que encontram acolhida em seu sofrimento.
Ratificamos que é possível fazer psicanálise em qualquer camada sócio-
econômica, em qualquer ambiente institucional, com uma única condição: que haja
analista de um lado e sujeito dividido, de outro.

28
QUINET, Antônio. Não há futuro sem a psicanálise, p. 41-42.
A clássica acusação de elitismo feita à psicanálise, que para muitos de nós ecoa
estranhamente, tem sua origem na própria forma em que a psicanálise se organizou e
ainda continua se organizando, pois são as próprias instituições de psicanálise, de um
modo geral, que se excluem e se fecham num gueto.
Segundo nossa opinião seria altamente produtivo promover uma maior abertura
ao diálogo entre as instituições, universidades e espaços onde a transmissão da
psicanálise é feita, permitindo a interpenetração dos discursos para que saiam do gueto,
do “engessamento” em que se encontram.
Como indica Birman:

“A decadência das instituições de psicanálise se deve, portanto, a esse


engessamento do poder crítico dos psicanalistas em relação às figuras
de seus mestres, impedindo-lhes de ter certa irreverência, como a que
Lacan teve em relação a Freud nos anos 1950.” 29

Propomos, além disso, também uma abertura de atendimento que abranja não
só a classe mais desfavorecida economicamente, como a classe média que padece da
mesma precariedade em relação à ausência de escuta.
Ressaltamos que para viabilizar essa proposta, torna-se imprescindível aumentar
o número de psicanalistas devidamente preparados, sem substituí-los por profissionais
que não possuam o que Lacan denomina de tripé da formação do analista. Lembremo-
nos de que Freud destinava uma hora do seu dia ao atendimento gratuito, como já
citado anteriormente.
Assistimos atualmente a uma busca desenfreada do sujeito diante da obrigação
moral de ser feliz e pensamos que o aumento da violência, assumindo proporções
gigantescas, é uma das formas de resposta do sujeito por não atingir o mandamento,
fato que poderia ser amenizado pelo oferecimento do trabalho analítico, em sua
expansão de atendimento.
Como a busca pela felicidade tem conseqüências que vão da depressão aos
estados melancólicos em que o entristecer dos sujeitos, a dor de existir, chega a seu
ponto máximo, pertença ele a qualquer classe econômica, abrir mão do gozo da
neurose é a aposta do analista . Assim, procuraremos pensar, de que modo, a obrigação
moral de ser feliz tira o sujeito da rota do desejo?

29
BIRMAN, JOEL. O cuidado de si no futuro da psicanálise, p. 51.
Lacan, em Televisão, descreve a tristeza como falta ética e uma modalidade de
extravio do desejo, é como se o sujeito saísse de cena , eximindo-se da obrigação
consigo mesmo, diz:

“A tristeza, por exemplo, é qualificada de depressão ao lhe conferir


como suporte a alma; ou a tensão psicológica do filósofo Pierre Janet.
Não se trata, porém, de um estado d´alma, é simplesmente uma falta
30
moral... covardia moral .”

Ele refere-se à tristeza como covardia moral . Por covardia moral entendemos a
fuga do sujeito por não consentir com o dever ético de bem-dizer, de seu sintoma, em
recusa a orientar-se no inconsciente. Deste modo, nos diz Lacan, o sujeito paga com um
pesado tributo por sua covardia. É chamado a assumir uma posição no desejo perante o
Outro, mas refugia-se em sua covardia, em sua covardia de ser um sujeito do desejo. A
tristeza é motivada pelo nada querer saber a respeito do inconsciente. A depressão
neurótica, traduzida como tristeza, poderia levar o nome de “miséria neurótica”? O
sujeito refugia-se na tristeza, na sua neurótica miséria que representa uma resposta
imaginária ao real da existência.
Portanto, recusar-se a se orientar no inconsciente é ficar na covardia moral, o
que é diametralmente oposto ao que Lacan cunhou como desejo inédito31, que
reconhece a determinação do desejo na estrutura do inconsciente. O desejo apresenta-se
indestrutível, irrompendo na barreira do princípio do prazer.
Freud se pergunta por que o homem tem que cair doente para se deparar com a
verdade de sua própria mesquinhez. Pensamos que cabe à psicanálise dizer uma
palavra, não só sobre sua responsabilidade nas novas formas de gozo da modernidade,
como também desmistificar o “rótulo” de que a psicanálise ou é para “malucos” ou
“doente dos nervos” ou “coisa de chique”.
A experiência psicanalítica pretende ir ao âmago do ser falante, na sua
incompletude fundamental e pretende fazer com que o sujeito se transforme em
responsável e advertido.

30
Lacan, J. Televisão, (1974), p.44.
31
LACAN, J. Nota Italiana, (1973), p. 51.
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_________. “Maldição e bem-dizer. Da tragédia de Sófocles, uma questão ética”,


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REVISTA - Stylus, link do Espaço Escola da Associação Fóruns do Campo Lacaniano,


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REVISTA - Letra Freudiana Escola de Psicanálise e Transmissão “Documentos para


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