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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA


CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
COORDENAÇÃO DE HISTÓRIA

GABRIELY DE JESUS TAVARES

OCUPAÇÃO URBANA NA CIDADE DE BOA VISTA/RR:


O BAIRRO LIBERDADE E SUA GÊNESE NO INÍCIO DA DÉCADA DE 1980.

Boa Vista, RR
2015
1

GABRIELY DE JESUS TAVARES

OCUPAÇÃO URBANA NA CIDADE DE BOA VISTA/RR:


O BAIRRO LIBERDADE E SUA GÊNESE NO INÍCIO DA DÉCADA DE 1980.

Monografia apresentada como pré-


requisito para conclusão do Curso
em Bacharelado e Licenciatura em
História pela Coordenação de
História da Universidade Federal
de Roraima

Orientadora: Profa. Dra. Maria das


Graças Santos Dias

Boa Vista, RR
2015
2

Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP)


Biblioteca Central da Universidade Federal de Roraima

T231o Tavares, Gabriely de Jesus.


Ocupação urbana na cidade de Boa Vista/RR: o Bairro
Liberdade e sua gênese no início da década de 1980. / Gabriely
de Jesus Tavares. – Boa Vista, 2015.
72 f. : il.

Orientadora: Profa. Dra. Maria das Graças Santos Dias.


Monografia (graduação) – Universidade Federal de Roraima,
Curso de História.

1 – História de Roraima. 2 – Bairro Liberdade. 3 – Ocupação


urbana. 4 – Migrantes. 5 – Geografia humana. I – Título. II – Dias,
Maria das Graças Santos (orientador).

CDU – 981(811.4)
3

GABRIELY DE JESUS TAVARES

OCUPAÇÃO URBANA NA CIDADE DE BOA VISTA/RR:


O BAIRRO LIBERDADE E SUA GÊNESE NO INÍCIO DA DÉCADA DE 1980.

Monografia apresentada como pré-requisito para


conclusão do Curso de Bacharelado e
Licenciatura em História pela Universidade
Federal de Roraima – UFRR. Defendida em 30 de
Junho de 2015 e avaliada pela seguinte banca
examinadora.

_______________________________________________________________

Prof.ª Dra. Maria das Graças Souza Dias


Coordenação de História - UFRR
Orientadora

______________________________________________________________

Prof.º Me. Orlando de Lira Carneiro


Coordenação de História - UFRR
Membro

_____________________________________________________________

Prof.º Me. Antônio Klinger da Silva Souza


Coordenação de Pedagogia - FARES
Membro
4

Aos meus pais, Valdemar e Inês Tavares que


sempre acreditaram em mim.

Ao meu companheiro, amigo e esposo Humberto


Damasceno que sempre esteve presente me
dando apoio e me motivando a prosseguir.
5

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Senhor meu Deus, pelo sopro de vida, pelas capacidades com as quais
ele tem me abençoado e pela força que ele me concedeu ao decorrer dessa longa
caminhada.
Difícil citar todos aqueles que de forma direta ou indiretamente contribuíram para
minha formação acadêmica, porém quero agradecer aos que foram fundamentais e
estiveram diariamente me apoiando.
Aos moradores do Bairro Liberdade, a Sra. Zoete Fernandes de Souza que se
dispusera a dedicar um pouco do seu tempo a essa pesquisa e abriram tanto as
portas das suas casas bem como um pouco de suas vidas durante as entrevistas. E
ao Sr. Iris Galvão Ramalho cuja participação foi fundamental para o
desenvolvimento dessa pesquisa, meu muito obrigado.
A minha orientadora Maria das Graças Santos Dias pelo suporte no pouco tempo
que lhe coube, pelas suas correções е incentivos. Ao meu coorientador Klinger pela
amizade, confiança e orientação desde os primeiros estágios desse trabalho
monográfico, sempre disposto a me conduzir nesse processo de pesquisa.
A coordenação do curso de História, e aos professores tanto efetivos como
substitutos, que somaram e foram de fundamental importância na minha formação
acadêmica. Por acreditarem em mim e me incentivarem constantemente. Em
particular aos professores Dra. Maria das Graças Santos Dias, Dra. Carla Monteiro
Souza, Msc. Márcia D´Acampora, Dr. Jaci Guilherme e Dr. Alfredo Ferreira de
Souza, meu muito obrigado, para mim todos vocês são fontes de inspiração.

A toda a turma de 2008, aos que ficaram pelo caminho e aos que persistiram no
alvo.
Aos meus pais que foram os principais incentivadores para que eu perseguisse meu
sonho de trilhar a carreira acadêmica. Pelo amor incondicional dado a mim, pela
paciência, e pelo seu apoio diário, suprindo o que eu necessitava para que me
dedicasse plenamente aos meus estudos nos últimos anos.
Aos meus irmãos André Tavares e Gustavo Tavares, que me recebiam em casa
tarde da noite após as aulas, prontos a me incentivar e aliar o stress do cotidiano me
fazendo sorrir.
Ao meu esposo Humberto Almeida Damasceno, de todo os presentes que este
curso me proporcionou você foi o mais valioso. Obrigado por permanecer ao meu
lado, pelo carinho, pelas palavras encorajadoras, pelas sugestões e por me apoiar
nessa caminhada.
6

Todo meu intuito era conquistar a certeza e rejeitar a terra movediça


e areia para encontrar a rocha e a argila. O que me deu muito bom
resultado, pois que, procurando descobrir a falsidade e a incerteza
das preposições que examinava – não por meio de fracas
conjecturas, mas com raciocínios claros e seguros -, não encontrava
nenhuma tão duvidosa das quais não tirasse sempre alguma
conclusão bastante certa, quando mais não fosse a de conter ela
nada de certo.

(René Descartes)
7

RESUMO

Este trabalho busca explicar o surgimento do Bairro Liberdade na


cidade de Boa Vista e a participação dos migrantes durante essa
gênese. Durante a década de 1980 a cidade de Boa Vista passou
por diversas modificações de cunho político, social, econômico e
espacial. Observamos com esta pesquisa que a formação do espaço
e o crescimento demográfico da cidade de Boa Vista estão
fortemente atrelados aos processos de ocupação do Território e do
Estado em diferentes momentos da história local. As novas
configurações do espaço urbano de Boa Vista se apresentaram
como consequência desse crescimento populacional, resultado de
uma migração maciça ao centro urbano. Sendo assim, o resultado
da pesquisa demonstra que o processo de ocupação do bairro
Liberdade em sua gênese, foi consequência da proliferação de
novos loteamentos em direção à zona oeste, produzidos sem a
infraestrutura necessária em razão dos interesses políticos que
promoviam os assentamentos de migrantes.

Palavras-chave: Liberdade. Boa Vista. Ocupação urbana. Migrantes.


8

ABSTRACT

This work seeks to explain the emergence of Liberdade Quarter in


the city of Boa Vista and the participation of migrants during this
genesis. Throughout the 1980s, Boa Vista city went through
several changes of political, social, economic and spatial nature.
We’re able to observe with this research that the formation of Boa
Vista’s space, and its population growth, is strongly linked to the
processes and state of territory occupation at different times in local
history. The new configurations of urban space in Boa Vista
performed as a result of this population growth, which occurred due
to a massive migration to the urban center. Thus, the result of the
survey shows that Liberdade’s occupation process in its genesis,
was a result of the new allotments proliferation toward west,
produced without the necessary infrastructure due to political
interests that promoted the settlements of migrants.

Palavras-chave: Liberdade. Boa Vista. Urban occupation. Migrants.


9

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Plano urbanístico de Boa Vista – 1946. ......................................................................... 23

Figura 2: Mapa da localização das zonas urbanas / 1980........................................................... 27

Figura 3: Mapa da evolução do espaço urbano de Boa Vista década de 1920 – 1980.......... 30

Figura 4: Boa Vista em 1970. ........................................................................................................... 41

Figura 5: Capela Nossa Senhora de Fátima – 1984 .................................................................... 54

Figura 6: Missionárias da Consolata, jovens e crianças do bairro Liberdade em atividades de


lazer na década de 1980. .................................................................................................................. 56

Figura 7: Construção da Diaconia São Bento em 1985 ............................................................... 57


10

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Evolução da população do Município de Boa Vista – 1950 a 1980 ............ 29

Tabela 2: População urbana e rural por décadas em Roraima – 1950, 1960, 1970,
1980. ........................................................................................................................................ 38
11

LISTA DE SIGLAS

INCRA: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária


PND: Plano Nacional de Desenvolvimento
PIN: Programa de Integração Nacional
POLAMAZÔNIA: Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia
SEPLAN/RR: Secretária de Planejamento do Governo de Roraima
SUDAM: Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
SUFRAMA Superintendência da Zona Franca de Manaus
12

SUMÁRIO

CAPÍTULO I - A CIDADE DE BOA VISTA................................................................. 20

1.1 A formação do Espaço urbano do Município de Boa Vista .............................. 21

CAPÍTULO II - MIGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ESPACIAL EM RORAIMA .... 31

2.1 Contexto histórico dos fluxos migratórios Pós- 64 em Roraima ....................... 32

2.2 Migração rumo à capital: trocando o (in)certo pelo duvidoso ........................... 36

CAPÍTULO III - GENÊSE DO BAIRRO LIBERDADE ................................................ 40

3.1 A configuração da “política urbana” de Boa Vista entre 1970 e 1990 .............. 40

3.2. Do mnemônico ao “Liberdade” ........................................................................ 44

3.3 Igreja de São Bento: o coração da Liberdade .................................................. 53

3.4 Nosso atual “Liberdade” ................................................................................... 58

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 59

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 62

ACERVOS E FONTES .............................................................................................. 66

ANEXOS ................................................................................................................... 67
13

INTRODUÇÃO

A fragmentação da História na modernidade, considerada por Dosse1 como


uma “História em Migalhas”, gerou um complexo e vasto universo de práticas
historiográficas, que resultou em uma nova visão dos fatos sociais2. A sociedade
pôde então ser percebida e analisada, de forma mais completa, através de suas
particularidades.
Diferentemente da história que se focava na narrativa dos fatos ditos
“importantes”, e que usava por base os documentos oficiais e as metodologias
positivistas do século XIX, na atualidade, a especialização do saber histórico se
apresenta como uma resposta às novas demandas de uma sociedade, que está se
reinventando e levantando novas problemáticas diariamente, gerando assim novos
enfoques e novas fontes de conhecimento.

Não importa a que enfoque o historiador se dedique ou esteja mais


habituado, dificilmente ele poderá alcançar um sucesso pleno no seu
ofício se não conhecer todos os outros enfoques possíveis – talvez para
conectá-los em determinadas oportunidades, talvez para compor com
alguns deles o seu próprio campo complexo de subespecialidades, ou
talvez simplesmente para perceber que a história é sempre múltipla,
mesmo que haja a possibilidade de examiná-la de perspectivas
3
específicas .

Assim, diante dos novos objetos de estudo apresentados pela sociedade, a


interface entre as várias subespecialidades historiográficas se fez necessário, bem
como a interdisciplinaridade, o que levou uma maior aproximação da História com a
Sociologia, Antropologia, Geografia e outras áreas do conhecimento. Afinal não
existem fatos isolados, sejam eles políticos, econômicos ou sociais.

1
DOSSE, François. A História em Migalhas: dos Annales à Nova História. São Paulo: Edusc,
2003.
2
A fim de tornar a Sociologia uma ciência autônoma, Durkheim defende que a mesma precisava
delimitar seu próprio objeto, assim ele formula a teoria do fato social. Para ele “os fatos sociais devem
ser tratados como coisas", e para defini-los ele afirma: "É um fato social toda a maneira de fazer,
fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coação exterior; ou ainda, que é geral no
conjunto de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independente das
suas manifestações individuais". IN: DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. São
Paulo: Editora Nacional, 1985. p.21 - 13.
3
BARROS, José D’Assunção. Os Campos da História – uma introdução às especialidades da
História. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.16, p. 17-35, Dez. 2004, p. 05.
14

Segundo Castro4, a interdisciplinaridade serve como aporte para novas


técnicas e abordagens da pesquisa histórica. Para esta pesquisa, o diálogo com as
outras áreas do conhecimento se faz necessário para o melhor aprofundamento da
análise de dados. Assim como concordamos com Duby5 ao afirmar que o “homem
em sociedade constitui o objeto final da pesquisa histórica”. Logo essa abordagem
prioriza a experiência humana, sua individualização, bem como a construção de
identidades e comportamentos coletivos sociais na aplicação histórica.
Por conseguinte, caracterizamos nossa pesquisa no campo da História da
Sociedade, compreendemos que nosso foco de análise recai sobre os problemas e
experiências vivenciadas pelos migrantes, no ato de ocupação, da área hoje
conhecida como Bairro Liberdade. A fim de se realizar uma pesquisa satisfatória e
tendo em vista que esta ocupação não pode ser estudada apenas por um único viés,
nós faremos interface com a História Política e privilegiaremos o domínio da História
Urbana.
O que nos autoriza a classificar este trabalho também no domínio da História
Política, de acordo com Barros, é o enfoque tanto no poder Estatal quanto nos micro
poderes6 existentes na vida cotidiana7, que em nossa visão operaram de forma
fundamental no processo de ocupação da região escolhida para análise. Ao nos
referirmos às relações de poder, que se desenvolveram no período e no local
proposto para estudo, definiremos essas relações a partir de Foucault8, pois o
mesmo afirma que os acontecimentos devem ser compreendidos em seu tempo,
história e espaço.

Trata-se (...) de captar o poder em suas extremidades, em suas últimas


ramificações (...) captar o poder nas suas formas e instituições mais
regionais e locais, principalmente no ponto em que ultrapassando as

4
CASTRO, Hebe. História social. In: CARDOSO, C. Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Org.). Domínios
da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p.45-59.
5
Duby apud CASTRO, 1997
6
Em Microfísica do poder (1979) de Foucault, o autor vai tratar de uma rede de poderes que se
exerce na realidade cotidiana das pessoas. Essa rede de poder não parte de uma instância maior,
mas provém do cotidiano dos indivíduos, está intrínseco ao seu dia-dia ao ponto que os mesmos não
podem evitá-lo. É um poder sistemático e repetitivo que exerce controle sobre o comportamento dos
indivíduos.
7
Entendemos que todo homem participa da vida cotidiana de forma social e histórica, logo não
podemos isolar esse caráter da análise em face dos objetivos desta pesquisa, compreendemos que a
vida cotidiana é um dos fatores que transforma o espaço de forma tão heterogênea e hierárquica, e
mantém também o caráter mutável do mesmo. Porém entendemos que não será necessário o
aprofundamento epistemológico da noção de cotidiano, pois os parâmetros teóricos escolhidos aqui
já são suficientes para se alcançar o objetivo da pesquisa.
8
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 24ª ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. p, 182
15

regras de direito que o organizam e delimitam (...) Em outras palavras,


.
captar o poder na extremidade cada vez menos jurídica de seu exercício

O interesse de Foucault, assim como o nosso, é identificar o modo como os


sujeitos atuam de forma dominadora sobre outros sujeitos. Observar o poder não
como algo restrito a um indivíduo, pois o mesmo não é um bem ou propriedade de
poucos, mas ele se exerce em rede, em cadeia. Todos são influenciados por ele e
atuam como centro de transmissão do mesmo.
Quanto ao enfoque sobre o domínio da História Urbana, o mesmo se justifica
pela temática proposta. Desde o século XIX a visão sobre a cidade e suas
modificações resultou em diversos estudos9 (Coulanges; Weber; Benjamin;
Mumford), atualmente as pesquisas voltadas para essa área procuram entender a
estrutura social, destacando as relações travadas entre os vários segmentos sociais
do espaço urbano na modernidade.
Ronald Raminelli10, afirma que os estudos de Simmel propõem que “o real
exprime-se nos detalhes da vida cotidiana, revelando inúmeros aspectos das
complexas relações sociais”. Logo a cidade é “um fato cultural, um caldeirão de
impressões, de sentimentos, de desejos e de frustrações”. Reforçando esta linha de
pensamento Heliana Angotti Salgueiro11 ao estudar as obras de Bernard Lepetit diz
que:

Sem pretensões de ousar um balanço historiográfico de sua obra plural e


inacabada, chamo a atenção apenas para alguns eixos de análise que
se destacam em seus inúmeros artigos e livros: a CIDADE e o ESPACO,
este sempre presente (...) e confrontado ao TEMPO, a gênese do
TERRITÓRIO, das aglomerações e da população; (...) seguem a
organização das REDES URBANAS e a construção e a interpretação de
REPRESENTAÇÕES ESPACIAIS, em que pensar a cidade significa
pensar junto a malha urbana e territorial, enfocando-a ainda como um
observatório das relações entre os homens (...).

Sendo assim nosso “observatório das relações entre os homens” se dará


dentro do espaço urbano. Ao tratarmos dessas configurações construídas pelos

9
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. 9ª ed. Lisboa: Livraria Clássica,1957, 2 vols; WEBER,
Max. “Conceito e Categorias de Cidade”. IN: Velho, Otávio (org.). O fenômeno urbano. Rio de
Janeiro: Zahar, 1987; BENJAMIN, Walter. “Charles Baudelaire, um Lírico no Auge do Capitalismo”.
IN: Obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1989, vol.III; MUMFORD, Lewis. A cultura das
cidades. Belo Horizonte: Itatiaia, 1969
10
SIMMEL apud RAMINIELLI, Ronald. História social. In: CARDOSO, C. Flamarion; VAINFAS,
Ronaldo (Org.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus,
1997, p. 225.
11
LEPETIT, Bernard. Por uma nova história urbana. Seleção de textos, revisão crítica e
apresentação de Heliana Angotti. Salgueiro. São Paulo: Edusp, 2001. p, 15.
16

agentes que promoveram a ocupação inicial, consequentemente trabalharemos com


os conceitos: migração e memória, uma vez que a maioria desses agentes são
migrantes nordestinos. Sujeitos que migraram em decorrência de uma política de
incentivo a colonização de áreas rurais, que se reverteu em um fluxo de migrantes
rumo à capital.
Ana Lia Farias Vale ao analisar o conceito de migração se utiliza da
concepção proposta por Gaudemar (1977) 12. Em sua perspectiva, a migração é um
agente de modificação e a dimensão espacial é vista como um conjunto de relações
sociais. Esta pesquisa não se limita à migração como um mecanismo de colonização
ou redistribuição espacial, mas é levada em consideração a forma como esse
migrante constrói esse espaço urbano (de forma política, econômica, cultural e
social), levando-se em conta suas experiências e seus costumes, ou seja, sua
subjetividade.
Corroborando com essa visão de migração podemos citar Caetano e seu
estudo da proposta feita por Lee13 onde o conceito de migração repousa sobre os
seguintes fatores: condições do local de origem, condições do local de destino,
existência de obstáculos entre a origem e o destino, e fatores pessoais. Dessa forma
Lee “esboça um marco teórico no qual a migração aparece como um processo social
de seleção, ou seja, a mobilidade espacial descortina-se como um processo de
mobilidade social” 14.
Consideramos que a memória desses agentes transformadores da realidade
é de extrema relevância para a compreensão das estratégias utilizadas para
transformar o espaço urbano. Aqui iremos nos apoiar em Jaques Le Goff15 tratando
a memória como um conjunto de funções psíquicas que “conserva certas
informações”, podendo ser utilizadas e atualizadas pelo homem quando o mesmo
adquire novas impressões, podemos então dizer que a memória é seletiva.
A memória pode ser considerada em duas instâncias. A saber: a memória
individual e a memória coletiva. De acordo com Pollack16 seus elementos
constitutivos são:

12
GAUDEMAR 1977 apud VALE, 2007. p, 44.
13
LEE, 1980 apud CAETANO, 1995.
14
Idem p14.
15
LE GOFF, Jacques, 1924, História e memória / Jacques Le Goff; tradução Bernardo Leitão [et al.]
Campinas-SP: Editora da UNICAMP, 1990.
16
POLLACK, Michael. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992.
17

Em primeiro lugar, (...) os acontecimentos vividos pessoalmente. Em


segundo lugar, (...) os acontecimentos que eu chamaria de ‘vividos por
tabela’, ou seja, acontecimentos vividos pelo grupo ou pela coletividade à
qual a pessoa se sente pertencer. São acontecimentos dos quais a
pessoa nem sempre participou, mas que no imaginário, tomaram
tamanho relevo que, no fim das contas, é quase impossível que ela
consiga saber se participou ou não. Esses acontecimentos vividos (...)
não se situam dentro do espaço-tempo de uma pessoa ou de um grupo.
É perfeitamente possível que, (...) da socialização histórica, ocorra um
fenômeno de projeção ou de identificação com determinado
passado (...)

Feito essas considerações esta pesquisa propõe um estudo da memória


individual, pois é uma manifestação do que ocorre no âmbito social onde o individuo
está inserido. A memória individual possui uma singularidade própria e segundo
Halbwachs “cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva,
(...) este ponto de vista muda conforme o lugar que ali eu ocupo, e (...) este lugar
17
muda segundo as relações que mantenho com outros meios.” . Logo a memória
individual é uma memória construída socialmente, e é através dessa memória
individual/social que pretendemos analisar a memória dos grupos envolvidos na
ocupação.
Ao nos referirmos ao ato de posse da terra usaremos o termo ocupação, que
diferencia de outro termo tão amplamente divulgado e até mesmo usado em outras
analises, como invasão. Compreendemos que a carga histórica, sociológica e
política de definição desses termos é completamente antagônica.
Morissawa18 ao tratar desses conceitos a partir de Silva diz que “(...) existem
profundas diferenças entre invadir e ocupar. Invadir significa um ato de força para
tomar alguma coisa de alguém em proveito particular”. Entendemos que o processo
que ocorreu na origem do Bairro Liberdade não foi um ato ilegal de posse, mas sim
uma conjuntura de fatores históricos e sociais que propiciaram a ocupação do
espaço.
Ainda nas palavras Morissawa “ocupar significa, simplesmente, preencher um
espaço vazio, no caso em questão, as terras que não cumprem a função social, e
fazer pressão social coletiva para a aplicação da lei e a desapropriação”, sendo
assim, pressupomos mais adequada a adesão do termo “ocupação” ao tratarmos
desse processo. Pois levamos também em consideração, que esse processo pode
ser resultado de um modelo de ocupação, que foi implantado desde a década de

17
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo, Vértice, 1990.
18
SILVA Apud MORISSAWA, 2001, p,132.
18

1940 no Brasil, e que em Roraima teve maior expressão a partir de 1970 e 1980,
com o incentivo à fixação dos migrantes sobre a tutela do Estado, em loteamentos
na cidade da Boa Vista.
A construção do nosso estudo está organizada em três capítulos. No primeiro
capitulo, abordamos a formação do espaço urbano da cidade de Boa Vista. Para
refletir sobre a cidade de Boa Vista, suas problemáticas, peculiaridades, e identificar
os agentes fundamentais responsáveis pelos eventos ocorridos na cidade, as
tensões sociais resultantes desses eventos, as marcas que ficaram registradas, seja
na memória das pessoas ou no espaço físico. É necessário levar em consideração a
construção desses espaços, e como eles compõem a cidade e a caracterizam.
No segundo capitulo buscamos compreender os fluxos migratórios e seu
impacto nas transformações espaciais que Boa Vista sofreu nas últimas décadas,
refletindo um grande crescimento populacional, resultado de uma migração maciça
ao centro urbano, recém-consolidado, na década de 40. Após a implementação do
Território Federal surgiram as primeiras tentativas para se promover uma efetiva
ocupação da região. Projetos de colonização foram levados adiante por
administrações locais e federais. Apesar do resultado positivo, o desenvolvimento do
território e da ocupação tinha um impedimento, o transporte, que dependia do rio
Branco que não era navegável para grandes embarcações. Tal situação pôde ser
resolvida, após 1976, com a construção da BR-174, que liga Boa Vista a Manaus,
sendo posteriormente estendida até a Venezuela.
Por consequência dessas medidas, o fluxo migratório praticamente duplicou
entre as décadas de 1960 e 1980. O incentivo à migração possuía finalidades
geopolíticas, pois era necessário ocupar as áreas vazias do território, uma vez que o
governo central queria defender as fronteiras internacionais do país, além dos
incentivos promovidos pelos poderes locais que tinham interesse em criar um
contingente eleitoral usando para isso os atrativos naturais do Estado: seu rico
subsolo e a vasta disponibilidade de terras.
No terceiro capitulo refletimos sobre a gênese do bairro Liberdade,
apontando os fatores que se tornaram determinantes para o surgimento desse lugar.
Para tal contamos com as entrevistas dos moradores pioneiros e com o
levantamento bibliográfico realizado nas bibliotecas da Universidade Federal de
Roraima - UFRR, na Universidade Estadual de Roraima - UERR e na Biblioteca do
19

Palácio da Cultura Nenê Macaggi, no Núcleo de Documentação Histórica da UFRR,


internet e em acervos particulares.
Ressaltamos, ainda, que esta pesquisa não tem pretensões de esgotar o
tema sobre a gênese do bairro Liberdade, mas procura ser uma contribuição para a
comunidade acadêmica e para os moradores deste bairro. De fato há diversas
publicações e trabalhos científicos que abordam as modificações urbanas na cidade
de Boa Vista e as razões para o surgimento de diversos bairros na década de 1980,
porém não existe uma análise histórica específica quanto ao bairro Liberdade.
Acreditamos então que esta pesquisa se faz pertinente para a historiografia local,
abordando a migração como fator importante dessa relação, bem como a memória e
a política local, podendo assim ser utilizado como aporte para futuras produções
acadêmicas, tanto no campo da História quanto da Geografia e Ciências Sociais.
20

CAPÍTULO I - A CIDADE DE BOA VISTA

O estado de Roraima tem por capital a cidade de Boa Vista, elevada à


categoria de município, em nove de Julho de 1890, com o nome de Boa Vista do Rio
Branco. O município de Boa Vista foi durante o século XIX e nas primeiras décadas
do século XX, o único lugar considerado urbano em toda a região do rio Branco,
apesar de sua simples estrutura na época19.
As configurações de seu espaço urbano20 foram sendo construídas no
decorrer das décadas por sua população marcada por fortes fluxos migratórios.
Sendo assim, a cidade de Boa Vista surgiu como reflexo das transformações
ocorridas de um sistema integrado: homem, tempo e espaço. Essas modificações,
tanto sociais quanto políticas, são percebidas nas marcas da cidade, marcas que
contam uma história não verbal, carregada de significações, crenças e hábitos.
Nesta análise a cidade é tratada como um objeto privilegiado da pesquisa
histórica, uma vez que no interlace de seus espaços com o tempo, estabelece uma
rede de conexões e tensões sociais que podem ser foco de uma análise
historiográfica. Quanto à Boa Vista, Antonio Tolrino de Rezende Veras21 afirma:

(...) ela deve ser entendida como uma realização humana, uma criação
que vai se constituindo ao longo do processo histórico de sua formação;
de fazenda para povoado, de povoado para freguesia, de freguesia para
vila e sede municipal, posteriormente cidade.

A geógrafa Ana Lia do Vale22 também corrobora com tal afirmação ao propor
que:
(...) a análise histórica é indispensável à compreensão da formação do
território, onde a periodização permite compreender valor, podendo ser

19
SILVA, Paulo Rogério de Freitas. Dinâmica Territorial Urbana em Roraima -Brasil. (Tese
Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana. Universidade de São Paulo, 2007.
20
Ao nos referirmos a “espaço urbano” teremos por base os escritos de Corrêa (2003), que define o
espaço urbano como “o conjunto de diferentes usos da terra justapostos entre si”, onde o uso do
espaço define a área: lugar de uso comercial, de serviço e gestão, áreas residenciais, “entre outras,
aquelas de reserva para futura expansão”. Dessa forma o espaço urbano se apresenta fragmentado e
articulado, “um conjunto de símbolos e lutas”. O modo como essas configurações se estabelecem,
como uma delimitação do espaço, se dá de diversas formas, no entanto, nessa pesquisa
concentramos em: embates de ordem política e na carga subjetiva da memória dos migrantes.
21
VERAS, Antonio Tolrino de Rezende. A produção do espaço urbano e Boa Vista-Roraima; São
Paulo: 2009, p. 40.
22
VALE, Ana Lia Farias. MIGRAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO: As Dimensões Territoriais dos
Nordestinos em Boa Vista / RR. 1ª.ed. Presidente Prudente: UNESP, 1997, p. 92.
21

concretizado a partir de uma variável ou de um conjunto delas. Nesta


perspectiva é fundamental a historicidade da espacialidade de Boa Vista.

Nesse sentido, a fim de compreender a configuração espacial da cidade de


Boa Vista e as transformações ocorridas entre a década de 1970 e 1980, as quais
se apresentaram como consequência do crescimento populacional, resultado de
uma migração maciça ao centro urbano, entendemos que se faz necessário uma
analise através de uma perspectiva histórica sobre os agentes sociais e políticos
responsáveis pela estruturação espacial. Tal estudo nos propusemos fazer a partir
da construção deste capítulo.

1.1 A formação do Espaço urbano do Município de Boa Vista

Para Paulo Rogério de Freitas Silva23 que em suas pesquisas procura analisar
a formação do espaço urbano de Boa Vista através da definição de uma escala
temporal, a gênese da cidade deve ser pensada como fruto de duas vertentes: uma
gênese espontânea e uma gênese induzida. Segundo Silva24, a gênese espontânea
de Boa Vista nasce:

(...) de um lugar que se origina de uma complexibilidade de fatores


determinantes que atuam ao longo dos séculos XVIII e XIX. A edificação
do Forte São Joaquim entre 1775 e 1778, a implantação dos
aldeamentos indígenas planejados, ainda no século XVIII, a criação da
Fazenda Boa Vista em 1830, inicio do século XIX, e instalação da
freguesia de Nossa Senhora do Carmo, em 1858, são determinantes que
se completam para essa gênese.

Diante desse contexto a história da capital se confunde e se mescla com a


história do próprio Estado, pois a cidade de Boa Vista pode ser considerada a
gênese de Roraima uma vez que ao longo do rio Branco, do rio Tacutu e do rio
Uraricoera se instalaram as missões religiosas, militares de aldeamentos indígenas,
bem como as fazendas nacionais, particulares e o Forte São Joaquim.
Posteriormente se fundou a freguesia de Nossa Senhora do Carmo e se instalou o
município de Boa Vista do Rio Branco em 1890.

23
Silva. Paulo Rogério de Freitas; ALMEIDA, Marcelo Mendes; ROCHA, Rafael Alexandre. A
Segregação como Conteúdo da Nova Morfologia Urbana de Boa Vista –RR. Revista Acta
Geográfica, Boa Vista /RR, Ano III, nº 06, jul/dez de 2009.
24
Idem, p.63.
22

Somente em 1926, a vila de Boa Vista do Rio Branco foi elevada a categoria
de cidade, passando a se chamar como Boa Vista em 1938, quando lhe foi
acrescentado dois distritos: Caracaraí e Murupu25. Durante esse período, Boa Vista
possuía apenas algumas poucas ruas e tinha apenas um pequeno aglomerado
populacional.
Esse quadro iria mudar a partir da década de 1940, quando, com o intuito de
promover a ocupação efetiva da região, no governo de Getúlio Vargas foi criado em
1943 através do decreto n° 5.812 de 13 de setembro, o Território Federal do Rio
Branco26. Dessa forma apesar de apresentar população reduzida, a função
administrativa que começa a exercer após a criação do Território, lhe proporciona o
investimento necessário para aumentar sua infraestrutura e se tornar um local
atrativo diante dos demais núcleos populacionais da região Norte. E esta é
conhecida como a primeira fase estratégica para ocupação do Território Federal do
Rio Branco promovida pelo Governo Federal.
Quanto a essa gênese induzida proposta por Silva27, o mesmo afirma:

A partir desse pequeno núcleo pré-existente, planejou-se uma cidade


que pudesse exercer o papel do poder central na fronteira e demonstrar
o significado de Brasil potência, para os que pudessem apreciar o novo
urbano inspirado em Belo Horizonte, havendo considerações de que a
cidade também foi projetada com inspiração em Paris, em uma alusão às
ruas da capital francesa. O núcleo embrionário tornou-se o centro do
poder brasileiro naqueles confins amazônicos. Dessa forma, uma das
formas de entender Boa Vista é a sua posição nessa parte da fronteira
amazônica, limitada pela Venezuela e pela Guiana que compõem a
divisão geopolítica sul-americana.

Com essa finalidade foi elaborado por Darcy Ribeiro Derenusson e


implantado pelo então governador do Rio Branco, Ene Garcez, entre 1944 e 1950,
um projeto urbanístico arquitetado ao lado do núcleo embrionário da cidade. Este
projeto visava um traçado de integração urbana, o que resultou num plano de
avenidas radiais a partir do Centro Cívico, cortadas por ruas de forma circular.

25
SILVA, Op. cit., 2007
26
MAGALHÃES, Maria das Graças Santos Dias. Amazônia: o extrativismo vegetal no sul de
Roraima: 1943-1998. Boa Vista: EdUFRR, 2008, p. 91.
27
SILVA, Op. Cit., 2007, p.203
23

Construído assim para adquirir a forma de um leque, projeto semelhante ao que foi
realizado posteriormente no centro urbano de Goiânia ou de Brasília28.
Este traçado urbano avança rumo a oeste e norte, acompanhando dessa
forma o curso da rodovia BR-174. Além desde marco, está localizada a área de
expansão urbana, onde se encontra o bairro Liberdade, que surgiria posteriormente
na década de 1980.

Figura 1: Plano urbanístico de Boa Vista – 1946.

Fonte: GUERRA (1957)

28
OLIVEIRA, Reginaldo Gomes de. A herança dos descaminhos na formação do Estado de
Roraima. 405 F. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História Social da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. USP, 2003.
24

Desta forma, Silva29 define os espaços da capital:

Podemos definir que Boa Vista possua três espaços urbanos distintos:
primeiro o anuamento histórico do núcleo embrionário, segundo, o
espaço intercalado entre as avenidas Terêncio Lima e Major Williams e o
Rio Branco que é o projeto urbanístico, e terceiro, a mancha urbana que
surge, após esses limites do projeto e que hoje constitui a maior parte do
espaço urbano da capital.

Este planejamento de Boa Vista foi realizado para atender um projeto


geopolítico baseado na Doutrina de Segurança Nacional, o mesmo responsável pela
criação de planos de desenvolvimento para ocupar região Amazônica. De acordo
com essa perspectiva o governo do Território do Rio Branco reativou, entre os anos
de 1940 e 1950 programas de desenvolvimento urbano e rural. De acordo com
Reginaldo Gomes de Oliveira, “essas propostas faziam parte das metas
governamentais instituídas no planejamento das políticas públicas, que foram
apoiadas na Constituição Federal de 1937” 30.
No dia 13 de setembro de 1962, o Decreto Lei - 4.182 alterou o nome do
Território Federal do Rio Branco para Território Federal de Roraima. Neste período
se começa a segunda fase de ocupação do Território, que segundo Maria das
Graças Dias Magalhães teve inicio com o regime militar em 1964, prosseguindo até
o final de 1985, período este em que o Território foi governado pela Aeronáutica.31
Corroborando com essa ideia Silva32 expõe o seguinte:

(...) o ano de 1964 marca o início da segunda fase do território que


terminaria em 1985, sendo assim, a partir desse ano, instalada uma
infraestrutura física e administrativa na cidade de Boa Vista, criando uma
base militar na capital, composta pelo 6° Batalhão de Engenharia de
Construção, do 2° Grupamento de Engenharia de Construção e, também
pela fixação de outros pelotões militares nas localidades de Bonfim,
Normandia e Surumu.

33
Com o regime militar, o processo de ocupação de “áreas vazias” o território
amazônico se intensificou. Com o intuito de promover a integração da região

29
SILVA, Op. Cit., 2009, p.63.
30
OLIVEIRA, Op. Cit., 2003, p. 181.
31
MAGALHÃES, Op. Cit., 2008
32
SILVA, Op. Cit., 2007,p. 153.
33
Esse discurso de é combatido por Bertha Becker quando essa afirma que tal concepção é um “mito
da imagem oficial difundida sobre a fronteira como ‘espaço vazio’, noção que estrategicamente serve
de válvula de escape a conflitos sociais em áreas densamente povoadas e de campo aberto para
investimentos. Mito porque nega a existência das populações indígenas e caboclas, e das sociedades
locais”. (BECKER, 1990, p. 10)
25

baseado em um plano de desenvolvimento nacional foi ciado em 1970 o PND –


Plano Nacional de Desenvolvimento (1972-1974) o PIN – Programa de Integração
Nacional, e o II PND (1975-1979) este responsável pelo Programa de Polos
Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (POLAMAZÔNIA) que foi um programa
desenvolvido especificamente para região, o qual pretendia promover a ocupação do
espaço do território com a implantação de um polo com infraestrutura para uma
exploração mineral de grande porte, além de dinamizar o setor madeireiro e
agropecuário.
O II PND enfatizava a necessidade de correntes migratórias no povoamento
de regiões fronteiriças “desabitadas”, estabelecendo a integração e a soberania
nacional. Mais do que os planos anteriores, obteve resultados concretos para
atenuar as disparidades regionais, causando assim juntamente com o
POLAMAZÔNIA uma grande mudança estrutural na Amazônia34.
O Plano Nacional de Desenvolvimento objetivava montar um complexo
integrado de rodovias, ferrovias e portos. Enquanto que o PIN, cujos lemas eram
“Desenvolvimento com segurança” e “Integração Nacional”, atrairia através de sua
campanha diversos migrantes do Nordeste, uma vez que as estratégias contidas no
seu planejamento, consentia “o território amazônico como polo de desenvolvimento”
para a “agricultura e pecuária, na tentativa de integrar essa região à federação
brasileira”35. Apoiando essa perspectiva Magalhães36 destaca dois objetivos que
aponta como fundamentais:

(...) o primeiro consistia na construção da infraestrutura básica de


transportes e de comunicações. Nesse contexto, a construção das
rodovias federais era primordial como forma de interligar a Amazônia ao
nordeste, ao centro-sul e ao sistema rodoviário interamericano. O
segundo visava ao direcionamento do fluxo migratório ao longo das
rodovias. Em Roraima, os efeitos do Programa foram a construção da
BR 174 (Manaus-Boa Vista-Venezuela), da BR 401 (Boa Vista-
Normandia na fronteira com a Guiana) e da BR 210 ou Perimetral Norte
(Pará-Roraima-Manaus), não concluída.

34
SANTOS, Nélvio Paulo Dutra. Políticas públicas, economia e poder: o Estado de Roraima
entre 1970 e 2000. (Tese Doutorado). Universidade Federal do Pará. Belém/PA: 2004.
35
OLIVEIRA, Op. Cit., 2003.
36
MAGALHÃES, Maria das Graças Santos Dias. Amazônia Brasileira: processo histórico do
extrativismo vegetal na mesorregião sul de Roraima. (Tese Doutorado). Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/RS. 2006, p. 138.
26

Importante salientar que a concentração populacional de Boa Vista está


vinculada diretamente à este processo de ocupação do Estado de Roraima, e
consequentemente a construção dessas rodovias, que possibilitaram a vinda de um
grande contingente de migrantes, principalmente do nordeste, que procuravam lotes
de terra ao longo da rodovia além da oferta de trabalho durante a construção das
mesmas.
A estrada de rodagem BR-174 começou a ser aberta pelo Exército37 durante a
década de 1970, ligando Boa Vista à Manaus e Caracas, essa abertura foi concluída
em 1977 quando se alcançou a Venezuela, porém foi finalizada somente em 199838.
Em decorrência da abertura das BR 174 e 210, que cortam o sul de Roraima,
percebe-se que a cidade de Boa Vista inicia uma nova fase de crescimento,
expandindo de forma acelerada sua área urbana.
De acordo com Silva, para atrair e fixar pessoas no intuito de se ocupar a
fronteira, diversas mudanças foram geradas na capital de Roraima como a
construção do “palácio do governo e outros edifícios públicos, casas residenciais,
instalado a telefonia, luz elétrica, água encanada que mudariam o perfil da capital do
território”. Tais medidas também foram tomadas em razão da localização geográfica
de Roraima, que faz fronteira com Venezuela e Guiana, que naquele período
segundo o autor afirma “enfrentavam problemas de guerrilha e instabilidade política,
39
o que alterava os ânimos na fronteira” . Diante desta conjuntura a capital se
transformou num canteiro de obras.
Da mesma forma, e na mesma velocidade que a cidade era construída, as
parcerias entre o governo central e a elite local foram se solidificando e criando
formas de promover a “convivência entre o governo militar e a base político-
econômica local” o que consequentemente levou a uma “melhor integração com a
expansão das redes de transporte e comunicações”40. Assim as novas relações
politicas-econômicas resultaram em novas configurações espaciais que
acompanhavam a necessidade da elite local e daqueles que aqui se instalavam.

37
A construção das BR 174 e 210, em Roraima, ficou a cargo do 6° Batalhão de Engenharia
e da empresa Paranapanema.
38
SANTOS, Op. Cit. , 2004.
39
SILVA, Op. Cit., 2007, p.154.
40
OLIVEIRA, Op. Cit., 2003, p. 194.
27

Dessa forma Boa Vista foi se tornando “um polo militar, com uma infraestrutura de
órgãos ligados ao governo federal” 41.
Apesar das transformações na capital até 1970, a área ocupada ainda era
pequena, tendo segundo Silva42 uma subdivisão em nove Bairros em 1966. Estes
seriam: “Centro, Nazaré, Mecejana, São Francisco, São Pedro, Mirandinha, Olaria, e
Redenção que foram se redefinindo e formando novos Bairros.”. Alguns bairros
posteriormente foram sendo implantados em forma de loteamentos, forma essa de
absorver o contingente migrante que crescia a cada ano, de acordo com Silva43 a
partir de 1981 isso proporciona o surgimento dos Bairros:

(...) São Vicente e 13 de Setembro na zona Sul, em 1982 foram criados


os Bairros Jardim Floresta, dos Estados e dos Executivos, em 1983;
Pricumã, Liberdade, Marechal Rondon, Centenário e Caçari; em 1985
Buritis, Caimbé; em 1986, Asa Branca e Tancredo Neves; e, em 1989,
Paraviana e Cambará. No ano de 1988, quando o território federal é
transformado em estado, Boa Vista já se subdividia em 25 bairros, em
razão do surgimento dos bairros da Liberdade em 1979, Asa Branca em
1982 e Tancredo Neves em 1987, entre outros, ocorrendo a partir daí
uma fragmentação do tecido urbano do pequeno.

Figura 2: Mapa da localização das zonas urbanas / 1980

Fonte: VERAS (2009)

41
SILVA, Op. Cit, 2007, p.66.
42
Idem
43
SILVA, Op. Cit., 2007, p. 67.
28

Vale salientar que essa rápida expansão se deve principalmente as iniciativas


de políticas locais, tais incentivos passam a ocorrer quando o estado se torna uma
unidade federada mais atrativa, logo, o interesse da política local era lançar bases
para uma sustentação politico-eleitoral. Entre essas politicas de incentivo
destacamos a atuação dos dois períodos do governo Ottomar de Souza Pinto44,
entre 1979 e 1983 e entre 1991 e 1995, governo este, marcado pela politica de
colonização como pode ser observado no seu discurso de posse.45

No espaço físico deste Território, existe abundância de recursos


naturais, que se oferecem com sofreguidão àqueles que para cá
demandarem, com seu talento e com seu trabalho, a fim de se
engajarem na grande luta que se desenvolverá nas imensas planícies do
centro e leste, nas montanhas do norte, e nas florestas do sul [...] que
venham logo, sem demora, nossos irmãos do centro-sul e do nordeste.
Que tragam seus instrumentos de trabalho e seu vigor produtivo [...] que
46
farão crescer e crescer muito o bolo de nossa economia.

Através desse discurso, Ottomar de Souza Pinto deixou claro seu apoio aos
migrantes, na verdade esse apoio se deu na intenção de construir sua base de
sustentação eleitoral. Buscando favorecimento através dessa dinâmica intraurbana
em 1980, Ottomar criou uma Comissão de Apoio a Prefeitura Municipal de Boa
Vista, que estava vinculada a Coordenação da Secretária de Planejamento do
Governo de Roraima, a fim de auxiliara a prefeitura nos trabalhos de urbanização,
bem como verificar e conhecer os problemas urbanos enfrentados pela população
com intuito de engajá-los em suas metas governamentais. O resultado desse
levantamento indicou uma concentração populacional de aproximadamente 85% no

44
O pernambucano Ottomar de Souza Pinto fez parte, também, do grupo dos governadores
militares indicados para o Território Federal de Roraima pela Aeronáutica no período de 1964 até
1985. (k) Com as mudanças políticas no cenário brasileiro decorrente das eleições de 1982, a
abertura política acelerando o fim do governo militar, o movimento “Diretas Já”, apontaram Roraima
como o novo campo político propulsor ao federalismo. Nesse sentido, ex-governadores do ex-
Território Federal, retornaram para Roraima e estabeleceram alianças com as elites locais, instituíram
“currais” eleitorais, estratégias para usufruto da “máquina pública” na política local e no controle da
bancada federal, entre outros mecanismos da política de troca de favores propícios aos interesses
pessoais e à estruturação de poder da nova base política roraimense, favorecida pela
redemocratização brasileira. In: OLIVEIRA, Reginaldo Gomes de. A herança dos descaminhos na
formação do Estado de Roraima. (Tese de Doutorado). São Paulo: Programa de Pós-Graduação
em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. USP, 2003.
45
SILVA, Op. Cit., 2007.
46
FREITAS, Aimberê. A história política e administrativa de Roraima: 1943-1985. Manaus:
Calderaro,1993, p. 196.
29

território, sendo Boa Vista o principal centro de convergência47. Logo é perceptível o


grande crescimento do Município em um curto espaço de tempo, na década de 1950
Boa Vista contava com 17.247 habitantes, já na década de 1980 existe um salto
para 63.619 habitantes. Como mostra a tabela 1:

Tabela 1: Evolução da população do Município de Boa Vista – 1950 a 1980

Município Ano 1950 Ano 1960 Ano 1970 Ano 1980*


Boa Vista 17.247 24.126 36.464 63. 619
Urbana 5.132 10.002 16.727 40.644
Rural 12.115 14.124 19.737 22.975
*Dados sujeitos a retificação.
Fonte: Veras (2009)

As politicas desenvolvidas tanto pelo poder federal quanto estadual de se


criar áreas assentamentos em Roraima, que incentivavam a vinda de migrantes
através de promessas de apoio financeiro e fornecimento de material de consumo,
para o desenvolvimento das suas atividades agropecuárias, se tornou infrutífero.
Esse planejamento causou um refluxo no deslocamento migrante, pois os mesmos
se dirigiam para as áreas urbanas em decorrência da inexistência de infraestrutura
adequada como: habitação, comunicação, transporte, saúde, educação e
assistência social. Em busca de novos meios de sobrevivência, o homem do campo
cede as atrações urbanas da cidade de Boa Vista, e estabelece nas áreas
periféricas da cidade48.
Vale salientar que em 1988, Roraima passa à categoria de Estado, com a
homologação da Carta Constituinte. Durante essa fase de transição ocorre a “corrida
do ouro”, a atividade garimpeira já existia desde 1937, com a extração de diamantes
no nordeste do Estado. Já o garimpo de ouro começou a explorar o oeste do Estado
em 1979, a partir de então a mineração se torna um fator atrativo à migração na
década de 1980. No entanto, com a proibição da atividade garimpeira durante o
governo Collor, os garimpeiros assim como os homens do campo, passam a ocupar
as áreas periféricas da cidade49.

47
VERAS, Op. Cit., p. 2009.
48
SILVA, Op. Cit., p. 2007.
49
Idem.
30

Figura 3: Mapa da evolução do espaço urbano de Boa Vista década de 1920 – 1980

Fonte: Veras, 2009

Esse maciço fluxo populacional em direção à cidade de Boa Vista, forma novas
áreas de ocupação modificando assim os limites da cidade, modificações essas que
ocorreram sem nenhum planejamento, causando problemas na área de
infraestrutura urbana básica. A expansão urbana rumou em direção ao setor Oeste
da cidade, enquanto que os serviços privados e públicos permaneciam na área
central da cidade, o que dificultava o acesso a estes serviços por parte da população
que residia além dos limites da BR-174, em razão da distância entre centro e as
áreas periféricas.
31

CAPÍTULO II - MIGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ESPACIAL EM RORAIMA

Prosseguindo a reflexão quanto ao desenvolvimento espacial de Boa Vista,


se faz necessário tecer comentários pertinentes quanto ao papel da migração, fator
primordial para a compreensão das transformações vivenciadas pela cidade em seu
percurso histórico.
O município de Boa Vista se localiza ao nordeste do Estado, é a cidade mais
antiga do Estado de Roraima, tendo como primeiros habitantes, índios e migrantes
que foram atraídos pela pecuária e o extrativismo. A ocupação da região por meio
da migração foi incentivada pelos poderes públicos, tendo sido iniciada no séc. XVIII
e intensificada no séc. XX. Ao se tornar um centro politico-administrativo e
econômico a partir de 1943, ano da criação do Território Federal do Rio Branco, a
cidade de Boa Vista se transforma em ponto de concentração de um intenso fluxo
migratório. As migrações compõem um dos principais motivos responsáveis pelo
grande crescimento demográfico do Estado, tendo se concentrado em sua maioria
na cidade de Boa Vista50.
Neste sentido a cidade de Boa Vista se constitui num espaço de novas
ocupações humanas e sociais, onde diversas mudanças espaciais se proliferam. O
seu meio urbano se transforma e se renova, torna-se um local de embate onde as
novas estruturas sociais se contrastam com as estabelecidas anteriormente.
Os motivos que impulsionam a migração são inúmeros, seja a busca de
segurança ou por motivos de ameaças naturais como enchentes e secas. Migrar
sempre foi uma característica humana, quando o individuo vislumbra uma melhoria
de vida, ascensão e mobilidade social, migrar se torna natural. Segundo o geógrafo
Milton Santos51:

(...) A mobilidade social se tornou uma regra. O movimento se sobrepõe


ao repouso. A circulação é mais criadora do que produção. Os homens
mudam de lugar, como turistas ou como imigrantes. Mas também os
produtos, as mercadorias, as imagens, as ideias. Tudo voa...

50
SOUZA, Carla Monteiro de.; SILVA, Raimunda Gomes da. Migrantes e migrações em Boa Vista:
os bairros Senador Hélio Campos, Raiar do sol e Cuamé. (Org‟s) Carla Monteiro de Souza e
Raimunda Gomes da Silva. Boa Vista/RR: EDUFRR, 2006.
51
SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo Razão e Emoção. São Paulo:
EDUSP,2001, p. 262.
32

Corroborando com essa análise, o historiador Francisco Marcos Mendes


Nogueira52 afirma que o fenômeno da migração não pode ser mensurado ou
quantificado, uma vez que a mesma contém elementos subjetivos que são inerentes
à condição humana, na qual a subjetividade é permeada de dores e alegrias. “Visto
que a hora de partir para uns, pode ser a hora de ficar para outros.”. Portanto os
motivos da migração são elementos próprios da subjetividade do ser humano, dessa
forma o estudo do fenômeno migratório não pode ser observado apenas pelo ângulo
socioeconômico, se faz necessário uma analise das conjunturas e da realidade no
qual o migrante está inserido, logo é preciso levar em conta os aspectos sociais,
culturais e históricos.

2.1 Contexto histórico dos fluxos migratórios Pós- 64 em Roraima

De acordo com Vale53, a história do Brasil é marcada pelo fenômeno da migração,


usada tanto para efetiva colonização de algumas regiões quanto para o
deslocamento interno, assim cada ciclo econômico trouxe consigo um fluxo
migratório.

A distribuição da população sobre o território brasileiro anterior a 1930


refletia características irregulares, segundo as quais a vida econômica se
concentrava em certos pontos ou regiões, com base em determinados
ciclos econômicos (café, açúcar, cacau, borracha). A distribuição da
população refletia as características destes ciclos, que voltados para
atender a demanda do exterior, não promoviam a integração econômica,
não estimulavam trocas populacionais e, em consequência, a migração
era escassa.

Este quadro se transfere para Amazônia em particular com a crise de 1929,


pois o Estado começa a atuar:

(...) em dois sentidos contraditórios de um lado, as políticas de abertura


de novas fronteiras e da ocupação do interior; de outro, as políticas
favorecendo a concentração, com programas sociais dirigidos às cidades
54
de maior crescimento (...)

52
NOGUEIRA, Francisco Marcos Mendes. O lugar e a utopia: história e memórias de migrantes
nordestinos em Roraima (1980 a 1991). 75f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
História). Universidade Federal de Roraima, Boa Vista, 2011. p. 65.
53
VALE, Op. Cit., 1997.
54
Idem, p.68
33

Um dos objetivos era amparar a população migrante em regiões com “vazio


demográfico” 55 e promover a integração da Amazônia com o resto do Brasil.
Depois de instituído o Decreto – lei 4.182, de 13 de setembro de 1962, que
mudaria o nome do Território Federal do Rio Branco para Território Federal de
Roraima, as primeiras tentativas de efetiva ocupação da região foram iniciadas. Os
projetos de colonização desenvolvidos tantos pelas administrações federais quanto
locais promoveram o deslocamento de centenas de migrantes do Nordeste
brasileiro, principalmente colonos provenientes do Maranhão.
O novo status do Território aliado à criação das colônias agrícolas que foram
organizadas pelo poder público, objetivando a produção local de alimentos e o
consequente povoamento, causou um impacto significativo na população local. O
censo de 1950 contabilizou 18.116 indivíduos, 80% acima da contagem de 1940. A
tendência de crescimento continuou durante os anos 1950, culminando com uma
população de 28.304 habitantes em 196056. As politicas de integração pós-64 em
relação à ocupação da Amazônia estavam ligados a fatores geopolíticos, pois a
“necessidade de fortalecer a ação Federal na região, vistos os perigos que
representavam, para a segurança nacional, a existência de vasta extensão territorial
praticamente vazia em termos populacionais”, além do que a região “era
potencialmente bem- dotada de recursos naturais que poderiam ser explorados”57.
Desta forma segundo Nogueira58:

(...) a migração não é uma exclusividade de Roraima ou dos grandes


centros. Todavia, é dentro deste contexto da “modernização” da
Amazônia que ocorreu um grande fluxo migratório para a Região Norte,
por meio de incentivos do Governo Federal e dos locais. E dentre estes
migrantes, é possível verificar a presença expressiva de nordestinos, em
especial os do Maranhão e os do Ceará.

Diante desse quadro foram-se usados diversos e projetos, e desencadeadas


campanhas para atrair esse migrante para a região. Nogueira aponta como pontos
de atração a abertura de estradas, assim como a criação órgão de apoio financeiro

55
Essa expansão das novas fronteiras pode ser tratada como “o processo de ocupação de um
espaço reputado vazio. O vazio pode ser tanto demográfico como econômico ou jurídico, e o espaço
se encontra tanto na floresta amazônica, como nos cerrados ou em qualquer lugar do Brasil”
(FERREIRA, 1988, p.38)
56
SILVEIRA; GATTI, 1988; SOUZA, 1986; MAGALHÃES, 1986.
57
OLIVEIRA, Adélia E. Ocupação humana. In: SAALATI, Eneas et al. Amazônia: desenvolvimento,
integração e ecologia. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 239.
58
NOGUEIRA, Op. Cit., 2011.
34

às medidas governamentais. Tais como a Superintendência de Desenvolvimento da


Amazônia – (SUDAM) e a Superintendência da Zona Franca de Manaus
(SUFRAMA), órgãos responsáveis pelo apoio à região entre 1960 e 197059. Bem
como campanhas publicitárias lançadas no Nordeste, principalmente no Maranhão e
no Ceará, que apresentavam a Amazônia como uma solução de vida, um lugar de
abundância de terras e de prosperidade financeira.
Para se ter uma ideia desse movimento, a historiadora Carla Monteiro de
60
Souza , que analisa o migrante gaúcho em Roraima, ressalta que:

(...) os relatos orais mencionavam que as informações positivas sobre


Roraima, revestidas de um forte otimismo e repletas de possibilidades,
influenciaram bastante na decisão de migrar para a região. (...) os
principais fatores de atração de migrantes para Roraima eram a
disponibilidade de terra e a existência de significativo incentivo oficial
para ocupação da mesma.

Assim era apresentado Roraima, esses atributos que faziam parte do discurso
de atração foi um dos responsáveis pelo deslocamento de inúmeros migrantes que
buscavam no extremo Norte novas possibilidades, oportunidades estas que não
vislumbravam em seu local de origem.
Entre 1970 e 1980 a expansão da cidade de Boa Vista se deve a priori aos
dois períodos do Governador Ottomar de Souza Pinto 1979 e 1983 e entre 1991 e
1995 intercalado pelo governo de Romero Jucá, entre 1987 e 1989, ambos
migrantes nordestinos e pernambucanos, sendo o primeiro originário de Recife e o
segundo de Petrolina. Estes “estimularam o surgimento de novos bairros com uma
política de incentivo migratório. Os resultados não foram somente o movimento para
o interior em busca de lotes rurais, mas também de lotes urbanos e das vantagens
de uma vida urbana proporcionada pela capital” 61.
Diante desse quadro de incentivo a migração e politicas de assentamento,
Pinho62 afirma que “o estado passa a ser a unidade federada mais atrativa, tendo
como estímulo, a grande vontade política local de formar base de sustentação

59
Idem, p.30
60
SOUZA, Carla Monteiro de. Gaúchos em Roraima. Porto Alegre. Coleção História
42. EDIPUCRS, 2001, p. 96
61
SILVA, Op. Cit., 2007, p.214.
62
PINHO, Zilene Duarte de Lucena. A fronteira e o urbano – a evolução urbana de Boa Vista –
Roraima. (Monografia de Especialização). UFRR, CCSG, Boa Vista, 2001, p. 44.
35

político-eleitoral no novo Estado atendendo populações descapitalizadas de outros


estados do país”.
Segundo Veras63, durante este período:

(...) houve um crescimento significativo da população que passou de


49.885 habitantes em 1970 para 79.159 habitantes em 1980. A taxa
média de crescimento populacional de Roraima deste período foi de
6,83% ao ano, a maior apresentada até aquele momento.

Assim sendo pela primeira vez a população urbana chegou a ultrapassar a


rural. Esse significativo crescimento em um curto espaço de tempo ocorrem quando
novas áreas de loteamento são incorporadas de forma descontrolada e
desorganizada, respondendo especialmente a interesses políticos de
assentamento64 de migrantes, e também em decorrência do deslocamento
populacional aos centros urbanos por falta de politicas de desenvolvimento nos
assentamentos rurais, bem como a descoberta de novos garimpos e a total
pavimentação da BR-174 que liga Roraima à Venezuela num extremo e à Manaus
em outro65.
De acordo com Alexandre Magno Alves Diniz e Reinaldo Onofre dos Santos66,
apesar de todas as mudanças ocorridas no Território, Roraima continuou
esparsamente povoada e economicamente isolada. A grande dependência do rio
Branco para transporte impedia a ocupação e desenvolvimento do Território, pois o
rio não era navegável por barcos de grande porte durante a estação seca.
Tal impedimento só veio a ser resolvido em 1976, quando foi estabelecida a
primeira estrada de rodagem BR-174, que ligava Boa Vista à Manaus.
Posteriormente estendida até a divisa com a Venezuela e concluída em 1998.

A construção dessas estradas marca o início de uma nova era de


ocupação na região, pois além de garantir uma ligação durante todas as
estações do ano, permitiu que vastas áreas fossem exploradas em
67
diversos projetos de colonização .

63
VERAS, Op. Cit., 2009.
64
O projeto de colonização era dirigido pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária) que promoveu uma intensa propaganda para atrair colonos para essa região amazônica,
distribuindo terras para as famílias que desejavam povoar essa região. (OLIVEIRA, 2003)
65
SILVA, Op. Cit., 2007.
66
DINIZ, Alexandre M.A; SANTOS, Reinaldo Onofre. Fluxos migratórios e formação da rede
urbana de Roraima. Disponível:
http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2006/docspdf/ABEP2006_345.pdf Acessado em
01/06/2015.
67
Idem, p. 02.
36

A importância da BR-174 para o desenvolvimento urbano de Boa Vista bem


como seu papel viabilizador para o migrante é apontada por Silva68 da seguinte
forma:

Com essa interligação, o deslocamento da população carente,


proveniente principalmente do Maranhão, do Pará e do Amazonas, foi
facilitado e deu-se o início da era rodoviária, com a chegada de grandes
levas de migrantes, (...) Além do que, ocorreram também,
deslocamentos internos, ou seja, imigração de contingentes de pessoas,
predominando principalmente deslocamento do rural para o urbano,
quando do insucesso de alguns projetos agrícolas no estado ou quando
alguma atividade declina de seu apogeu.

Destacamos a relevância de que aliado aos projetos políticos de


assentamento, o vertiginoso crescimento populacional em Roraima na metade da
década de 1980, ocorre graças ao boom da frente garimpeira. O sonho de
enriquecimento rápido com os garimpos de ouro e diamante fez com que Roraima
recebesse um grande contingente populacional. Segundo Oliveira69 houveram
diversas mudanças advindas desse eventual fluxo migratório, segundo ele “o
comércio foi ampliado; houve maior investimento nos materiais utilizados na prática
do garimpo, os pontos e escritórios de negociação aurífera ganharam ruas inteiras,
conhecidas como ‘Ruas do Ouro’”70. Entretanto as restrições impostas aos garimpos
em terras indígenas a partir da década de 90 diminuíram esse fluxo. Essa corrente
migratória teve expressiva procedência do estado do Maranhão, seguido de Pará e
do Amazonas71.
Diante deste quadro historiográfico dos fluxos migratórios, observamos que a
formação do espaço e o crescimento demográfico da cidade de Boa Vista está
fortemente atrelada aos processos de ocupação do território e do estado em
diferentes momentos da história local.

2.2 Migração rumo à capital: trocando o (in)certo pelo duvidoso

Considerando a análise referida acima, entende-se que o processo ocorrido


para a formação do espaço urbano de Boa Vista é decorrente de uma serie de

68
SILVA, Op. Cit., 2007, p. 155.
69
OLIVEIRA, Op. Cit., 2003.
70
Idem, p. 137.
71
MAGALHÃES, Op. Cit., 2006.
37

fatores de ordem histórica, dos quais os fluxos migratórios rumo a Roraima se


apresentam de forma determinante, conforme Souza72:

(...) a intensificação da ocupação humana era justificada por um discurso


que aliava desenvolvimento regional ao crescimento populacional. O
poder Público, tanto federal quanto estadual, foi e é o grande promotor
das ações de povoamento, através do Instituto Nacional de Colonização
e reforma Agrária – INCRA e do Instituto de Terras e Colonização de
Roraima – ITERAIMA. Os projetos de assentamento espalhados pelo
estado, assim como vários loteamentos urbanos, notadamente em Boa
Vista, atraíram um numero considerável de migrantes(...)

Logo se pode afirmar que a implantação de projetos colonizadores em


Roraima por um lado sempre foram muito dependentes de iniciativas oficiais, por
outro, também apresentam alto grau de espontaneidade. Dessa forma a constituição
dos fluxos migratórios para a região pode ser associada, a vasta disponibilidade de
terras. Somando-se a esse isso, garantias e incentivos oficiais e o acirramento de
pressões fundiária em outros estados do país, o que resultou um expressivo
crescimento demográfico em termos percentuais, tanto no interior, quanto na capital
Boa Vista73.
Ainda de acordo com os levantamentos realizados por Souza, a taxa de
migração para Roraima sofreu um expressivo aumento durante a década de 1980.
Segundo a pesquisadora, além do “surto garimpeiro” na segunda metade da década,
a “ação do INCRA, a partir de 1981, regularizando situações fundiárias que se
formaram na segunda metade dos anos de 1970 e dando garantias de
propriedade”74, criou grandes expectativas o que ocasionou numa significativa
elevação da migração. Essa regularização fundiária tinha por objetivo transformar o
migrante-posseiro em migrante-colono, eliminando assim, prováveis conflitos que
porventura pudessem desestimular a vinda de novos ocupantes, uma vez que os
conflitos com os índios eram inevitáveis.
Conforme Silva75, Roraima foi um dos estados que obteve maior crescimento
demográfico no país no decorrer da década de 1980. Esse dado pode ser atestado
pelo censo de 1991, que registrou um crescimento de 175% passando de 79.159
habitantes para 217.583. Verificou-se que o maior crescimento ocorreu nas áreas

72
SOUZA, Op. Cit., 2009, p.02.
73
Idem
74
SOUZA, Op. Cit., 2001, p.83.
75
SILVA, Op. Cit., 2007.
38

urbanas, pois a população alcançou patamares de 136% de crescimento nessa


categoria de domicílio enquanto que nas áreas rurais o crescimento não passou de
35,3%.

Tabela 2: População urbana e rural por décadas em Roraima – 1950, 1960, 1970,
1980.

População População Total da


Ano % %
Urbana Rural População
1950 5.132 28,33 12.984 71,67 18.116
1960 12.460 42,92 16.411 57,08 28.871
1970 17.481 42,76 23.404 57,24 40.885
1980 48.734 61,56 30.425 38,44 79.159
Fontes: IBGE, Censos Demográficos do Território Federal do Rio Branco, 1950 e 1960; Censos
Demográficos do Território de Roraima, 1970 e 1980.

Essa disparidade entre as áreas urbanas e as áreas rurais se deu em parte


pelos deslocamentos internos, ou seja, a migração de contingente de pessoas,
quando ocorreram os insucessos de alguns projetos agrícolas no estado ou quando
algumas atividades declinaram de seu apogeu. Os programas por parte do governo
federal e estadual de criar projetos de colonização que tinham por finalidade
incentivar a migração para áreas rurais surtiram um efeito oposto, pois, diante da
ausência de politicas de desenvolvimento para esses migrantes, esse contingente
de pessoas dirigia-se para os centros urbanos, principalmente para a capital, devido
a precariedade dos assentamentos e da fixação do migrante-colono no campo76.
Como citado anteriormente, o garimpo foi um importante fator para o surto
demográfico ocorrido em Roraima e para o intenso fluxo rumo à capital, uma vez
que Boa Vista era o local onde alguns familiares dos garimpeiros se assentavam
quando os mesmos iam para o campo, bem como local do comercio e alguns tipos
de serviço necessários à atividade. Corroborando com essa análise, Santos e Diniz77
afirmam:

Os garimpeiros, ao chegarem ao Estado de Roraima, estabelecem


residência na cidade de Boa Vista, utilizando-a como centro de apoio
para a empreitada mineradora. Partindo do aeroporto de Boa Vista, com
víveres, ferramentas, remédios e armas, os garimpeiros se embrenhar
na mata, aonde chegam a ficar meses, retornando à Boa Vista para

76
Idem, 2007.
77
DINIZ; SANTOS, Op. Cit., 2006, p.5.
39

descansar, reabastecer, visitar familiares e principalmente comercializar


os metais e pedras preciosas.

Da mesma forma, Souza78 aponta que devido à natureza da atividade


garimpeira e seu baixo nível técnico, a mesma produz uma ocupação transitória e
incerta, portanto o surto garimpeiro, ocorrido em meados da década de 1980,
contribuiu para o incremento do ritmo de crescimento da população em área urbana.
Ademais, diante do esgotamento e fechamento de muitos garimpos pelo governo
federal, os garimpeiros que não abandonavam Roraima, rumavam principalmente
para Boa Vista.
Sendo assim a cidade de Boa Vista atraiu grande contingente de migrantes
por concentrar parte da estrutura de serviços públicos e privados bem como as
atividades econômicas do estado, logo, é para a capital que convergem de forma
expressiva às expectativas tanto de naturais quanto de migrantes, pois a cidade se
tornou um centro irradiador administrativo, politico, econômico e cultural79.

78
SOUZA, Op. Cit., 2001.
79
SANTOS, Op. Cit., 2009.
40

CAPÍTULO III - GENÊSE DO BAIRRO LIBERDADE

Dando continuidade ao processo de reflexão sobre o espaço urbano de Boa


Vista e buscando compreender os problemas e experiências vivenciadas pelos
migrantes, no ato de ocupação, da área hoje conhecida como bairro Liberdade.
Consideramos que as memórias desses migrantes e das pessoas ligadas ao
desenvolvimento do bairro Liberdade são de extrema relevância para a
compreensão das estratégias utilizadas para transformar o espaço urbano.

3.1 A configuração da “política urbana” de Boa Vista entre 1970 e 1990

Edilson Aires da Silva80 ao se referir à cidade de Boa Vista afirma que a


mesma é “um retrato das politicas-administrativas e econômicas de Roraima”. A
aglomeração das casas comerciais de maior capital estão localizadas no centro.
Bem como as repartições federais e em volta da Praça do Centro Cívico se
encontram os prédios do aparato administrativo estadual, a sede da Igreja Católica e
os hotéis. Nas proximidades do antigo centro histórico, à margem direita do rio
Branco estão as escolas tradicionais. A periferia do final da década de 1970, que
hoje são bairros quase centrais, formada na época por bairros que recebiam a
população destinada à administração civil e militar, como São Francisco, 31 de
Março, Aparecida, São Pedro, Canarinho e o Mecejana. Junto ao rio Branco, foi
construído o Conjunto dos Executivos, para abrigar os altos funcionários do então
Território Federal de Roraima e futuramente, do governo do estado, tanto das
funções do Poder Executivo quanto do Poder Judiciário.
Importante salientar que ocorre a partir da década de 1970, uma evolução
urbana ligada à abertura das rodovias, o que resultou em uma expansão das áreas
periféricas em direção a oeste. Tal expansão se deu também em decorrência da
instalação do 6º Batalhão de Engenharia e Construção (BEC), o qual era

80
SILVA; Edilson Aires. Migração e (re)estruturação urbana de Boa Vista na década de 1980.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História) - Universidade Federal de Roraima. Boa
Vista. 2011.
41

responsável pela construção das rodovias, e que reservou para seu uso uma
extensão do bairro Mecejana.

Boa Vista que, como parte integrante de uma capital administrativa de


uma unidade situada em área de fronteira, reservou a área do Bairro
Mecejana para acolher a população militar, abrigando em 1975 mais de
3.000 hab., estando neste ano, mais de 80% de seus lotes ocupados.
Nele foram construídos conjuntos residenciais e clubes militares. Foi
sendo invadido no decorrer dos anos de 1980, por serrarias, em virtude
da facilidade de escoamento para a Venezuela, através da BR-174, da
madeira beneficiada, onde já havia uma expansão urbana do bairro
Mecejana, que ultrapassava a BR, onde hoje é área do Bairro
81
Liberdade.

Até o final de 1970, os bairros São Francisco, Aparecida, São Pedro, 31 de


Março e Canarinho continuam a se desenvolver e a apresentar um grande
crescimento demográfico82

Figura 4: Boa Vista em 1970.

Autor: MCINTYRE, Loren. National Geographic.


Acervo: Jaime de Agostinho

81
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Atlas de Roraima. Rio de
Janeiro: IBGE, 1981.
82
VALE, Op. Cit., 2007.
42

A figura 04 demonstra a estrutura urbana da cidade de Boa Vista, que no


decorrer da década de 1970 se transformou em um canteiro de obras.
A fim de regulamentar o uso e a ocupação do solo urbano “o prefeito Júlio
Augusto Magalhães Martins, em 03 de setembro de 1976, sancionou a Lei Nº 42\76,
que dispõe sobre o Plano de Urbanismo e Zoneamento de Boa Vista” (p.152).
Dessa forma Boa Vista ficou dividida em Zonas: Zona Residencial; Zona Residencial
de Alta Densidade; Zona Residencial de Média Densidade; Zona Residencial de
Baixa Densidade; Zona de Depósito e Comércio Atacadista; Zona Administrativa;
Zona Comercial e a Área Institucional 83.
Diante deste quadro Vale84 aponta que a área urbana de Boa Vista se
expande da Zona Norte seguindo em direção à Zona Oeste, onde desde 1980,
cresce de forma acelerada. “No Plano Diretor da Cidade de Boa Vista, em seu
Capítulo III no que se refere na divisão de zonas, setores e bairros, esta é uma área
destinada à expansão urbana”. A distribuição dos lotes urbanos da Zona Oeste da
cidade fora feita através de cadastramento junto ao órgão responsável.

Num primeiro momento, o beneficiado recebia a casa pronta; num


segundo momento, foi entregue junto ao lote material para construir; num
terceiro momento, o material recebido para a construção foi madeira e,
por fim, o Governo local entregou apenas o lote para o beneficiário
construir. Todos teriam até o prazo de 60 dias para ocupação, sob a
pena de perdê-lo, caso ultrapassasse esse período, surgindo dessa
forma (nesse último momento da distribuição dos lotes), construções
85
com materiais encontrados no lixo.

Segundo Silva86, que estuda a (re)estruturação urbana de Boa Vista pela


migração, como resultado do grande crescimento demográfico entre 1979 e 1980,
provocado pelos fluxos migratórios. Percebe-se que o modelo de urbanização
implantado em Boa Vista não acompanhou o crescimento da cidade,
desenvolvendo-se assim de forma desordenada. Durante a década de 1980 ocorreu
a criação de novos bairros para acomodar essa massa de migrantes que aqui
chegavam, o que ocasionou numa descaracterização do plano urbanístico
desenvolvido em 1940 para a capital.

83
VERAS, Op. Cit., 2009.
84
VALE, Op. Cit., 2007.
85
Idem, p. 119.
86
SILVA, Op. Cit. 2011.
43

Até o inicio de 1980 a cidade concentrava sua população nos limites da BR-
174, também conhecida como Avenida Venezuela, com exceção do bairro Liberdade
que começava a se formar após esse limite induzido/espontâneo. Entre 1980 e
1989, ocorre uma aceleração da ocupação em direção à zona oeste87, o que
posteriormente formalizaria parte do tecido urbano atual88.
Conforme Santos89 um dos fatores primordiais para a expansão de Boa Vista,
são os dois primeiros governos de Ottomar de Souza Pinto (1979-1983; 1991-1995).
Quanto a isso, Silva90 afirma que “no governo de Ottomar, criou-se uma rede
político-social que ligada de uma forma ou de outra à sua figura, quer via
administração pública, através de cargos administrativos centralizadores ou por
meios clientelísticos”, acabavam por intermediar a entrega de lotes nos bairros
criados a partir da Avenida Venezuela. O que influenciou e determinou a criação da
área hoje conhecida como bairro Liberdade.
Quanto ao baixo índice de regularização dos lotes em área urbana, segundo a
SEPLAN\RR, foi criado em 1979 o Conselho Imobiliário Territorial, que tinha como
objetivo principal regularizar os lotes urbanos, através da emissão de títulos
definitivos de propriedade91.
Destacamos ainda, que entre cinco de Outubro de 1988 a 31 de Dezembro de
1990 é considerado um período de transição do Território Federal para o Estado.
Com a criação do Estado de Roraima em 1988, Boa Vista passa a ter autonomia em
suas politicas-administrativas. Os prefeitos começam a ser eleitos pelo povo e não
indicados pelo governador. Logo os planos de desenvolvimento urbano já não
sofrem a interferência do Governo Central, e passam a ser condicionadas a
planejamentos estratégicos92.
Enfatizamos também que em 1989, ano em que Barac Bento assume a
prefeitura, a cidade encontrava-se sem nenhum plano voltado ao desenvolvimento
urbano, nessa dinâmica espacial, o traçado urbano de Boa Vista ia tomando novas

87
Os motivos foram discutidos no capitulo dois. Entre eles estão: novas áreas de loteamento que
foram incorporadas de forma descontrolada e desorganizada, respondendo especialmente a
interesses políticos de assentamento de migrantes, e também em decorrência do deslocamento
populacional aos centros urbanos por falta de politicas de desenvolvimento nos assentamentos rurais,
bem como a descoberta de novos garimpos.
88
SILVA, Op. Cit., 2009.
89
SANTOS, Op. Cit., 2004.
90
SILVA, Op. Cit., 2011, p.53.
91
SECRETARIA DE PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO. Perfil da cidade de Boa Vista. Governo
do Estado de Roraima. Dezembro. 1980, p. 76.
92
VERAS, Op. Cit., 2007.
44

formas em sua configuração espacial. Tal desordem urbana levou a prefeitura a


elaborar um plano diretor para conduzir uma politica de desenvolvimento urbano,
buscando assim dar a população acesso a equipamentos e serviços. Sendo assim
“a Prefeitura Municipal de Boa Vista - PMBV, em 1989, firmou contrato com a
Prefeitura do Paraná, por meio do Instituto de Pesquisa Urbana de Curitiba para
elaborar um Plano Diretor para a cidade de Boa Vista” 93.
Entretanto não houve nenhuma consulta prévia a população, tão pouco uma
leitura da cidade que apontasse as necessidades por serviços e equipamentos, no
sentido de promover o crescimento de desenvolvimento ordenado de Boa Vista.
Logo, apesar desse plano ter alguns avanços em seu conteúdo relacionados ao
cumprimento da função social da cidade, não possuía instrumentos adequados para
alcançar seus objetivos94.
Em resumo, podemos afirmar que o surgimento do bairro Liberdade encontra-
se atrelado a uma série de fatores político-sociais. Tornando-se assim parte da
expansão da área urbana, ocorrida após 1980, quando novas áreas foram
incorporadas progressivamente diante da proliferação de novos loteamentos,
produzidos sem a infraestrutura necessária, em razão dos interesses políticos que
promoviam os assentamentos de migrantes que eram induzidos a se deslocarem
para Boa Vista.

3.2. Do mnemônico95 ao “Liberdade”

Diante do complexo desenvolvimento da área urbana de Boa Vista bem como


de seus bairros, é que analisamos a gênese do bairro Liberdade. Inicialmente
construiu-se um aporte bibliográfico que subsidiou a visão multidisciplinar dessa
pesquisa, através de livros, revistas, dissertações e periódicos, tanto da História
quanto da Geografia.
No sentido de uma compreensão mais abrangente da pesquisa, faremos uso
de entrevistas, pois a mesma é um tipo específico de documento, construída e
direcionada para os objetivos desta pesquisa. Para tal utilizamos entrevistas por
pautas, onde as questões são pré-estabelecidas.

93
SILVA, Op. Cit., 2007, p. 163.
94
VERAS, Op. Cit., 2007.
95
Relativo a Memória. IN: FERREIRA. Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o
dicionário da língua portuguesa. 3. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
45

A análise dos dados obtidos foi feita através das técnicas da abordagem
qualitativa20, entre elas a interpretativa. Essa forma de análise busca dar um sentido
mais amplo aos dados analisados, e nessa pesquisa, se dará mediante a
comparação com outras fontes, como a documental. Essa forma de pesquisa
proporciona a construção de um texto expositivo e dedutivo, para o entendimento do
objeto analisado, como o bairro Liberdade se constituiu uma parte avançada em
direção a oeste da cidade de Boa Vista.
Para este fim, contamos com a colaboração de quatro moradores de Boa
Vista, sendo três delas moradoras do bairro Liberdade e o outro atuante vereador da
época, que se dispuseram a compartilhar as suas experiências sobre o passado e o
presente do bairro Liberdade. As entrevistas ocorreram nos dias 08 de Março e 01
de Maio de 2012, 07 de Maio e 09 de Maio de 2015. Essas grandes contribuições
foram dadas por Zoete Fernandes de Souza, Deusamar Fernandes dos Santos,
Elisa Pandiani e Iris Galvão Ramalho, que concederam suas entrevistas em suas
casas. Todos os colaboradores assinaram documento de autorização do uso de
suas narrativas e a citação de seus nomes.
Como exposto anteriormente, o desenvolvimento urbano de Boa Vista ocorre
de forma desorganizada, correspondendo aos diversos interesses políticos em
diversos governos, logo as áreas da cidade se expandem sem nenhuma
infraestrutura, sem água, sem energia, sem transporte e sem outros suportes a
população. Conforme o depoimento do senhor Iris, natural de Boa Vista desde 1930:

Até aquela época quando o Júlio Martins assumiu a prefeitura, bairro


mesmo, chamavam de bairro, mas num tinha nenhum bairro que fosse
organizado como bairro. Aqui no centro o bairro que agente conhecia era
o bairro do Caxangá só, e esse era muito incompleto... não tinha rua,
não tinha luz, não tinha água encanada num tinha nada. Eram os bairros,
o que a gente chamava de bairro eram... Calungá, Caxangá, Mecejana
que só até aqui o GRESB, o São Pedro que era só até a Ville Roy a
Major Williams, e o bairro da olaria onde hoje é o Beiral. Tudo bairros
sem qualquer beneficio público.

Para Sra. Deusamar, natural do Maranhão, um dos fatores primordiais para


sua vinda a Boa Vista foram as noticias enviadas por cartas por sua tia, que falavam

20
A expressão "pesquisa qualitativa" assume diferentes significados no campo das ciências sociais.
Compreende um conjunto de diferentes técnicas interpretativas que visam a descrever e a decodificar
os componentes de um sistema complexo de significados. Tem por objetivo traduzir e expressar o
sentido dos fenômenos do mundo social; trata-se de reduzir a distância entre indicador e indicado,
entre teoria e dados, entre contexto e ação. (MAANEN apud NEVES, 1996. p. 1)
46

das facilidades em se conseguir um bom emprego. A mesma migrou pra Boa Vista
em 1974, após uma das visitas de sua tia ao Maranhão durante as férias.
Quanto a Sra. Zoete, migrou junto com a família em 1977, após seu pai
vender todas as posses em Joselândia, no Maranhão, e vir se encontrar com seu tio
que já havia migrado para Boa Vista no ano anterior. Relata que sua família se
estabeleceu no bairro Liberdade, “Nós ficamos aqui na Liberdade, bom... em parte
da Liberdade, era só até ali onde agora fica o Supermercado Gabrielle”, segundo a
mesma “até ali era organizado, só não era asfaltado era chão batido”. A escolha da
localidade se deu em razão de dona Zoete já ter uma irmã estabelecida na área
desde 1974, a Sra. Deusamar. Em 1977 só algumas poucas casas tinham água
encanada e energia, e depois de 1980 é que foi expandida a rede elétrica e o
sistema de água.
Em relação as primeiras ocupações do bairro Liberdade seu Iris Ramalho
recorda:

Aquilo ali era um lavrado, não tinha casa por ali não tinha nada. E o
pessoal foi chegando de fora, com a migração, daí foram invadindo e o
Júlio Martins viu, Júlio Martins que era o prefeito, viu que o bairro estava
ficando tipo uma favela sem rua, sem quadra, sem nada... daí ele abriu
as ruas, várias ruas... até a rua José Queiroz.

O período que o senhor Iris retrata é o período entre 1974 e 1978 durante o
mandato de Júlio Augusto Magalhães Martins como prefeito. Como citado
anteriormente, Júlio Martins foi responsável pela Lei Nº42\76, sancionada em 03 de
setembro de 1976, que regulamenta a ocupação e o uso do solo urbano. A abertura
das ruas teve como objetivo demarcar os loteamentos da área.

Ai ele abriu o bairro lá mas não deu denominação, aí eu andando por lá


vi a situação, perguntava de uma pessoa de outra pessoa, onde é que
você morava? Não eu morava na casa de papai, outro morava na casa
do fulano de tal e vivia encostado por ali, não tínhamos casa e abriu essa
oportunidade e nós viemos pra cá. Digo tá bom então estão libertos de tá
pagando aluguel de tá junto com parente, então vou colocar o nome do
bairro, Liberdade. Aí sai perguntando se aceitavam, a maioria aprovou,
foi quase unanime.

Em indicação formulada pelo então Vereador Iris Ramalho, de 29 de Outubro


de 1974, encaminhada ao Presidente da Câmara Municipal de Boa Vista, existia a
preocupação de se nomear a área que surgia além da BR-174, em razão de ser
próxima ao Mecejana era chamada de Mecejana 2 (ANEXO A). Por meio dessas
47

informações verificamos que a ocupação dessa área urbana era perceptível no início
da década de 1970.
No entanto a nomeação do Bairro só ocorreria na década de 1980, em
indicação feita em 09 de outubro de 1980, o senhor Iris Ramalho registra:

Com o elevado número de construções de todos os tipos que se verifica


depois da BR.174 logo após o bairro Mecejana, há necessidade da
denominação para aquela outra parte, que por ser nas proximidades do
bairro Mecejana chamamos de Mecejana 2, porém, os moradores
daquele novo bairro desejam que seja dada outra denominação a fim de
que não se venha surgir problemas em troca de correspondência
familiar, comercial ou oficial. Depois de umas consultas com as pessoas
do novo bairro quanto a denominação que deveria ser dada ao mesmo,
surgiram dois nomes mencionados na indicação acima, para que sua
Excia, opine por um deles, o que todos os moradores do bairro, bem
como este vereador, ficaremos satisfeitos. (ANEXO C)

Neste ponto observamos que a denominação do bairro se deu de forma


democrática, onde a sugestão do senhor Iris Ramalho foi acatada pela maioria.
Segundo o mesmo, para que a vontade da maioria prevalecesse foi necessária uma
reunião na Escola Ana Libória. Pois segundo o senhor Iris, antes de ser decretado o
nome do bairro pelo Prefeito Major Alcides Rodrigues dos Santos, “alguém chegou
por lá e quis contrariar o pensamento do povo e o meu... e foi falar com o prefeito”.
Então o prefeito Alcides dos Santos promoveu uma reunião com as pessoas que
faziam parte da ocupação, na Escola Ana Libória, para se colocar em votação o
nome do bairro, entre as opções havia alguns nomes como: Bairro da República,
Bairro Getúlio Vargas e Bairro Liberdade. O nome Liberdade venceu pela grande
maioria dos votos.
Assim, em reportagem do Jornal Boa Vista96, que era de propriedade do
governo, no dia 31 de dezembro de 1981, em matéria intitulada “1º Ano de
Realizações – Alcides dos Santos”, o prefeito fala sobre as realizações em seu
primeiro ano de mandato, entre elas ele cita: “A fim de atender a expansão da
cidade criamos os bairros: Pricumã, Liberdade, Buritis, Paraviana e Caimbé”
(ANEXO D).
O desenvolvimento do espaço ocorre bem antes do ato de morar e faz parte
da evolução do espaço urbano, no entanto as características apresentadas se

96
JORNAL BOA VISTA, 1º Ano de Realizações – Alcides dos Santos .Boa Vista. Ano VIII, n. 318,
Dez. 1981, p.03
48

alteram de acordo com cada contexto social, politico e econômico. Em Boa Vista o
processo de urbanização programada pelo governo, com a doação de lotes de forma
desenfreada e desorganizada aliada ao intenso crescimento populacional, ampliou
grandemente as áreas ocupadas com habitações. Dessa forma, muitos bairros como
o bairro Liberdade surgiram sem os recursos necessários, pois as habitações eram
construídas em áreas inadequadas e geralmente de improviso.
Enfatizamos aqui uma das problemáticas que surgiram durante a pesquisa,
referente ao controle de doação de lotes. De acordo com uma das Indicações
formuladas pelo senhor Iris Ramalho, em 27 de abril de 1978, alguns lotes possuíam
até mais de dois requerentes, resultado da falta de organização e controle do Setor
de aforamento21 de lotes de terras urbanas.

Sou conhecedor, como também o público é, que há muitos meses e até


anos vem se verificando nesse Setor, a falta de controle mais cuidadoso
no sentido de aforamentos de terras urbanas, como vereador já fui
procurado muitas vezes para interferir no assusto antes de procurar
solução para dois e as vezes até mais Requerentes para um só lote de
terras, e muitas vezes um desses Requerentes toma a iniciativa de fazer
benfeitorias no local indicado, as vezes até barracas e casas,
constituindo um grave problema, pois vezes por outra tem acontecido
daquele Requerente receber de funcionários do Setor a noticia de que o
seu lote não o que tem a benfeitoria e sim outro lote, e outro Requerente
é quem fica com o direito do lote beneficiado, com esse acontecimento
as vezes tem acontecido atrito entre os dois Requerentes, e poucas
vezes tem acontecido que mais outro Requerente também foi
contemplado com o mesmo lote, ficando todos esses Requerentes sem
saber realmente de quem é o imóvel, ou quem vai ter o direito de posse.
( ANEXO B)

No projeto de Lei Nº 4.615 de 1984, do Sr. João Batista Fagundes, que


dispões sobre a devolução de terras urbanas de Boa Vista (RR) ao Município.
“Estabeleceu-se, a partir de 1974, um verdadeiro pandemônio em torno da questão
fundiária urbana em Boa Vista” (p.9). Através de convênios com o INCRA, foram
expedidas licenças de ocupação para os lotes urbanos, essas licenças eram
provisórias e teriam validade até a data da regularização das terras urbanas.
Porém esse procedimento foi extinto em 1979, quando o Governador Ottomar
de Souza Pinto, entendeu que a Licença de Ocupação deveria ser substituída por
um documento juridicamente mais correto. Ele cria então o Conselho Imobiliário
Territorial através de um decreto executivo, esse órgão fica então incumbido de

21
O mesmo que enfiteuse; contrato pelo qual o proprietário de imóvel transfere seu domínio útil e
perpétuo, mediante o pagamento de um foro anual, valor certo e invariável.
49

normatizar a regularização fundiária de Boa Vista, examinando milhares de casos de


posses de terrenos urbanos. Isso durou até 1983, ano de termino do primeiro
mandato do governador.
Em matéria vinculada no Jornal Boa Vista97, no dia 31 de dezembro de 1981,
com o titulo “Governo entrega mais 500 títulos de propriedade”. Verificamos que
esses títulos de propriedade procuravam regularizar a situação de famílias que já
estavam estabelecidas no local, mas que não possuíam qualquer comprovante de
propriedade, entre elas se encontravam moradores do bairro Liberdade, Mecejana,
Buritis, 13 de Setembro, Centro, Pricumã, São Francisco, Aparecida, 31 de Março
São Pedro e Bairro dos Estados. As famílias deveriam pagar um valor simbólico que
variava de acordo com o tamanho do terreno, o pagamento seria feito em
prestações mensais durante cinco anos (ANEXO E).
Corroborando com essa informação a Sra. Deusamar relata:

Mandei marcar o terreno através de “carnesinho”, pra poder pagar, aí


todo mês pagava uma porcentagem, até terminar de pagar. Aí quando
eu terminei de pagar eu comecei a construir, primeiro eu construí um
barraquinho de madeira e depois da casa de madeira, aí depois que
minha filha, estudou, se formou, casou aí que eu construí.

Desde modo, percebe-se o surgimento dos primeiros núcleos urbanos


situados na Zona Oeste para a acomodação dos migrantes. No relato de dona
Zoete, a mesma cita a esposa do então governador Ottomar, a Sra. Marluce Moreira
Pinto, como alguém responsável pela distribuição dos lotes a população na década
de 1980 através da SETRABES. “Era só dar o nome e depois ela chamava e
entregava o terreno... Cada um recebeu um lote para construir a casa.”.
A participação de Marluce se encontra registrado em matéria publicada no
Jornal Boa Vista98, em 11 de setembro de 1981, reportagem intitulada: “Marluce,
uma mulher de fibra”. A matéria descreve como se formavam aglomerações de
pessoas que se organizavam filas em frente ao Setor de Apoio e Assistência Social,
todos com a finalidade de falar com primeira-dama, em busca de emprego ou
materiais para a construção de suas casas (ANEXO F).

97
JORNAL BOA VISTA. Governo entrega mais de 500 títulos de propriedade. Boa Vista. Ano VIII,
n. 311, Dez. 1981, p.09
98
JORNAL BOA VISTA. Marluce uma mulher de fibra. Boa Vista. Ano VIII, n. 305, Set. 1981, p.03.
50

Na época dos primeiros loteamentos segundo dona Zoete, o governo fornecia


o cimento, as telhas, tábuas para a construção do barraco e o restante do material
era responsabilidade do morador. Ela relata que “faziam aquelas casinhas, que
chamavam privada, aquelas casinhas já davam pronta, pra quem não tinha
nenhuma estrutura. Mas quem já tinha já ia construindo”. Em relação as primeiras
moradias o senhor Iris Ramalho afirma:

As primeiras casas foram todas de madeira, tinha um Sr lá, era até da


Assembleia de Deus, se chamava Abdias, Sr. alto, forte e ele era muito
dinâmico, trabalhador e ele fez uma casa ali na Mário Homem de Melo,
perto de onde é a José Queiroz, lado direito, ali era a casa dele, ele fez
uma casa lá rapidinho. Então o pessoal viu pela “ligeireza” que ele fez a
casa dele, de madeira, e procuravam ele, e ele fazia duas casa numa
noite, duas casinhas de madeira ele trabalhava mais a noite, junto com o
interessado ou interessados e eles faziam aquele “ajuri” e faziam.

A infraestrutura em termos de serviços básicos era inexistente, não havia


água encanada e nem energia elétrica. Segundo a moradora Deusamar, ela
permaneceu em sua casa de madeira por alguns anos sem energia, utilizando
somente velas e depois lanternas. Já a moradora Zoete que chegou ao bairro em
1977, relata que sua família permaneceu por um ano sem energia e sem água, uma
das soluções encontradas para solucionar a falta de água foi a construção de um
poço artesiano no lote da família, solução que também foi adotada por outros
moradores.
Apenas poucas famílias tinham água encanada e energia na década de
1970. A partir de 1980 é que houve a expansão da água encanada e da rede
elétrica. Por meio desses relatos, compreendemos de forma clara que a implantação
desse bairro deu-se de forma precária, onde a instalação da estrutura básica de
saneamento e esgoto era inexistente. A Sra. Deusamar narra que quando chegou ao
bairro, uma das dificuldades após demarcar seu lote foi providenciar a limpeza do
mesmo, segundo a moradora havia muito lixo na região, pois não havia coleta de
lixo e os moradores de outros bairros das proximidades descartavam seu lixo
naquela área. Outra situação precária enfrentada pelos moradores eram as épocas
de chuva, que transformavam as ruas em verdadeiros lamaçais, de acordo com a
Irmã Elisa, as chuvas transformavam o bairro em uma lagoa.
51

Percebe-se também a falta do sistema de esgoto sanitário na cidade através


dos dados do IBGE99, registrando que a rede coletora possuía 52km de extensão,
com 1.460 ligações prediais sendo que 360 foram feitas em 1978, cobrindo apenas
30% da área habitada da cidade. Nos bairros que não fossem abrangidos pela rede
de esgoto era obrigatório o uso de fossa séptica, logo nas áreas mais afastadas do
centro da cidade, a maioria das casas utilizava fossa rústica. De acordo com a
moradora Deusamar, atualmente apesar de instalado o sistema de esgoto o mesmo
se encontra inoperante.
De acordo com a Sra. Zoete e a Sra. Deusamar, nunca houve uma
associação de bairro organizada, pois quando surgiam eram apenas para
interessem políticos em épocas de eleição, a Sra. Zoete afirma que “essa
Associação nunca funcionou, não ofereciam nada. Andaram oferecendo alguns
cursos, mas nunca chegava ao final, e os moradores não se interessavam pela
associação. (...) Presidente do Bairro era figura decorativa. Tinha o prédio da
associação mas era sempre invadida por vândalos que destruíam tudo!”.
Outra problemática enfrentada pelos primeiros moradores era a falta de
transporte público. Todos os entrevistados relataram as dificuldades em se
locomover em direção ao centro, onde se concentrava a maior parte dos serviços
básicos para população e alguns dos moradores do bairro trabalhavam pela região.
Como a Sra. Deusamar que mora em frente a Av. Ataíde Teive e se deslocava por
aproximadamente uma hora a pé até o Hotel Aipana no centro, onde trabalhava. A
moradora relata que saía de casa às cinco da manhã, no escuro por falta de energia
elétrica, para chegar ao trabalho por volta das seis horas da manhã. De acordo com
a moradora Zoete “não tinha ônibus, mas tinha Kombi”, esse transporte tinha o limite
de 10 passageiros o que por várias vezes era ignorado, por causa da frequente
lotação dos passageiros que necessitavam se deslocar ao centro.
Umas das razões para a lotação dos transportes em direção ao centro era
em razão da grande demanda de pessoas que buscavam assistência na área da
saúde. Como a Sra. Deusamar, que quando precisava administrar as vacinas à filha
pequena, precisava se deslocar até o centro, onde ficava a maternidade, “todos os
médicos era tudo lá, quem quisesse vacinar criança, quem quiser era tudo lá, com
muita gente levando criança pra ir pra lá, ficava lotado e a gente não conseguia”. A

99
IBGE, Op. Cit., 1981.
52

falta de um posto de saúde no bairro só foi sanada recentemente, a pouco menos de


um ano, em razão do inchaço provocado pelos moradores da Liberdade nos postos
do bairro Buritis e Mecejana.
Quanto ao acesso à educação por parte das crianças e jovens do bairro, até
meados de 1983, esses moradores precisavam se deslocar em direção a Escola
Estadual Professora Ana Libória ou se deslocar até as escolas do centro da cidade.
Essa problemática foi resolvida com a construção da Escola Estadual Camilo Dias
em 1983, através do decreto nº13 de 07 de março de 1983, sendo reconhecida
posteriormente pelo Conselho de Educação através do parecer nº44 de 17 de
setembro de 1986. Iniciou suas atividades mantendo o ensino pré-escolar, 1ª à 4ª
série, 5ª a 8ª série e ensino médio atendendo a toda comunidade da zona oeste
naquele período.
Em relação à segurança pública, o bairro não contava com a presença dos
órgãos competentes, observa-se através dos diversos relatos feitos pelos
entrevistados. Segundo a Sra. Zoete “Ah no inicio a gente dormia de janela aberta, e
depois começou as matanças”, a Sra. Zoete atribui a onda de violência da época ao
garimpo, relatando que houve uma melhora significativa após a extinção dos
mesmos. No bairro um dos centros de atividade criminosa e que trazia insegurança
a população era o bar conhecido como “Julio Iglesias”, as moradoras entrevistadas
contam que existiam diversos conflitos armados no local. “No final de semana era
um inferno pra gente” relata a Sra. Zoete, já a Sra. Deusamar fala sobre sua
participação do abaixo-assinado promovido pela então igreja Nossa Senhora de
Fátima, posteriormente nomeada como Diocese São Bento, que solicitava o
fechamento do bar.

(...) eu assinei esse abaixo-assinado pra acabar, porque era muita


confusão, era muita briga... era antes de chegar na igreja (...) a missa
era as cinco horas, teve até que mudar o horário da missa porque
quando a gente voltava as seis hora ou seis e meia era a hora das
brigas, eu cansei de passar lá na hora dos tiroteios... correndo porque o
pessoal bebia muito né e dava aquela confusão era gente correndo com
faca na mão, era confusão e era próximo a igreja então era muito
complicado.

Através desses relatos percebe-se a preocupação dos moradores com a


violência presente no bairro, quanto a isso Irmã Elisa relata que o “pessoal se reunia
pra ir pedir na prefeitura, pedir no palácio, e ai sempre se reunia as mulheres por
que os homens era no garimpo”, levando esses abaixo-assinados que solicitavam
53

melhorias na segurança do bairro. Para ela uma das coisas que mais a tocaram
eram as histórias dos garimpeiros que vindos do Maranhão deixavam suas mulheres
sozinhas no bairro por meses ao irem para os garimpos, “quando chegava com um
pouco de ouro, se alguém ali tinha... havia muitas mortes, matavam ele. Quantas
vezes eu fui chamada pro enterro, pra benzer o corpo, porque sabiam que ele tinha
o ouro pra roubar”, as missionárias que moravam ali prestavam assistência a essas
viúvas e aos filhos dos garimpeiros mortos. A mesma relata que quando os crimes
ocorriam no meio da noite não havia a quem recorrer, quando ligavam para
delegacia ninguém atendia as chamadas, as Irmãs Missionárias da Consolata
procuravam então prestar o socorro sempre que necessário “se a policia não pegava
no flagra não pegava mais... quanta gente esfaqueada, quanta pessoas que
levávamos no hospital”.
Para Souza (2006) “as narrativas coletadas são como uma trama muito bem
tecida, cujo mote é o presente vivido (...)” (p.32). Dessa forma é possível
compreender a realidade sócio histórica através da memória de seus narradores,
pois uma das finalidades da memória é fazer uma ponte entre o passado e presente.
Logo percebemos que existe uma unanimidade nas narrativas dos entrevistados,
todos contam sobre as dificuldades em se viver num local sem a infraestrutura
básica como transporte, ruas asfaltadas, saneamento básico, luz elétrica, falta de
água, serviços de saúde e segurança.

3.3 Igreja de São Bento: o coração da Liberdade

A Igreja Nossa Senhora Fátima, hoje denominada Igreja de São Bento


localizada na Avenida Ataíde Teive, é uma parte fundamental do bairro Liberdade,
pois foi em seu espaço que ocorreram os principais encontros da comunidade, bem
como atividades diversas que faziam e ainda fazem parte do cotidiano dos
moradores do bairro. Percebe-se através das entrevistas que os moradores do
bairro Liberdade por falta de opções para usufruir seus momentos de lazer, uma vez
que o bairro não possui praças nem outros espaços para sociabilidade100,
encontraram na igreja um ponto para seus encontros sociais.

100
A igreja aqui é vista como um espaço voltado à socialização dos moradores do bairro, ou seja, a
interação dos indivíduos que a constroem socialmente.
54

As primeiras missas para os moradores do bairro foram celebradas pelo


Padre José Zinto, e ocorreram nas dependências da Escola Estadual Ana Libória,
mesmo local onde ocorreu a votação para a escolha do nome do bairro. Após
adquirir um dos lotes no bairro, houve um mutirão feito pelos próprios moradores
para a limpeza do terreno. Para a celebração das missas parte dos moradores
levavam tijolos e tábuas de madeira para montar bancos improvisados para
acomodação dos mesmos. A partir de 1979 é que se começa a construção do
templo físico, iniciada pelo Padre José Zinto, posteriormente o comando da igreja
passou a ser das Missionárias da Consolata por ordem do dom Servílio Conti, que
era bispo emérito de Roraima.

Figura 5: Capela Nossa Senhora de Fátima – 1984

Fonte: Acervo pessoal Missionárias da Consolata

De acordo com as entrevistas, as Missionárias da Consolata faziam visitas


as famílias do bairro, buscando integrar os moradores a igreja, com o passar dos
anos a Capela já não suportava a quantidade de pessoas que se dirigiam até lá para
os casamentos, batizados, missas e outros dogmas pertencentes à doutrina católica
apostólica romana.
Em 1981 as Missionárias da Consolata passam a morar no terreno da igreja,
sendo então responsáveis também pela construção de um templo maior a partir de
55

1984. Segundo a Sra. Deusamar “elas quando vieram construíram uma casinha de
madeira igual a nossa (...) foi construída igual a da população, por que aqui (...)
todas as casas eram de madeira até os comércios era em casa de madeira”. Para a
Irmã Elisa, migrante italiana que chegou à Roraima em 1985 e que foi uma das
responsáveis pela construção da igreja, era a primeira vez que as missionárias da
Consolata viviam suas vidas consagradas em inserção, ou seja, no meio do povo e
vivendo como povo. A mesma relata: “A minha experiência de vida, a minha
experiência de missão nós vivemos ali naquela casinha da Liberdade, não sei se
você chegou a ver, de madeira só com o telhado sem o forro, faltava água e faltava
a luz a noite com muita facilidade”.
Em sua entrevista um dos pontos que a Irmã Elisa mencionou foi o numero
de jovens e crianças que residiam no bairro, ela relata que “a coisa mais bonita da
Liberdade é que sempre foi um povo jovem, muita juventude e nós irmã pensamos...
‘como vamos atrair essa juventude? ’, deixamos então que vinham a brincar de
bola”, com o apoio e incentivos das Irmãs os jovens usavam uma parte do terreno da
igreja para um campinho de futebol improvisado, onde jogavam todos os dias depois
da escola de manhã ou pela tarde. Dessa forma as missionárias conheciam a
realidade e cotidiano daqueles jovens e crianças, que encontravam naquele espaço
um local de lazer.
A igreja também desenvolvia diversos cursos para a comunidade como corte
e costura, de datilografia, primeiros socorros e confecção de flores de papel.
Posteriormente desenvolveram cursos de catequese e cursos de liderança, que
eram fundamentais, pois de acordo com a Irmã Elisa “pra construir a igreja no
sentido que a igreja não é feita somente de material, é feita de pessoas”.
Através desse contato e influência das Missionárias da Consolata no
cotidiano das famílias que residiam no bairro Liberdade, é que foi se construindo um
senso de comunidade entre os moradores, ainda nas apalavras da Irmã Elisa
“existia aquele achego, se conhecia todo mundo pelo nome (...) tinha aquele achego,
aquela conversa, também nossa casa era sempre aberta... Não sabia onde ia?! ‘Lá
moram as irmãs vamos lá pedir pra elas.’ Era um ponto de referência a nossa casa”.
Assim nos momentos de necessidade os moradores do bairro encontravam entre as
irmãs uma forma de superar as dificuldades, e encontravam nelas o apoio que lhe
era negado pelo Estado e seus governantes.
56

Figura 6: Missionárias da Consolata, jovens e crianças do bairro Liberdade em


atividades de lazer na década de 1980.

Fonte: Acervo pessoal Missionárias da Consolata

As missionárias da Consolata se envolveram nas problemáticas e desafios


encontrados pelos moradores do bairro ao fixarem ali suas residências, problemas
esses também enfrentados por elas mesmas, uma vez que também residiam na
Liberdade: “de tudo fazíamos baixo assinado, pras ruas, pra violência, pra pedir
algumas coisa, não tinha o esgoto ou outras coisas, íamos de casa em casa!”, relata
Irmã Elisa. Para a Sra. Zoete a casa das Missionárias da Consolata “funcionava
como uma espécie de associação, era aonde os moradores de reuniam”, era para
onde eles iam buscando se organizar para encontrar soluções que melhorassem o
bairro. Para Irmã Elisa essa é umas das razões da igreja de São Bento ser
conhecida como Diaconia São Bento, dom Aldo Mongiano que era Bispo na época,
não queria que ali fosse apenas uma paróquia, mas sim uma sede para todas as
comunidades, pois Diaconia vem da palavra servir, logo a Diaconia São Bento é
“uma maneira de servir o povo”.
De acordo com a Sra. Zoete e a Irmã Elisa, as atividades desenvolvidas pela
igreja foram grandes responsáveis para se criar essa “fraternidade” entre os
moradores, festas essas como o arraial de São Bento, “seja de nível religioso seja
em nível material no sentido que as festas que eram algo que uniam o povo, porque
57

fazíamos antes durante e depois, depois sempre tinha uma confraternização...


erámos uma família”. E esse sentimento de família trazia consolo a Irmã Elisa e a
outros migrantes que ali se estabeleciam, para ela foi essa união que a ajudou
superar as diferenças culturais, de alimentação e a saudade de seu lugar de origem.

Figura 7: Construção da Diaconia São Bento em 1985

Fonte: Acervo pessoal Missionárias da Consolata

Tais festas e atividades eram desenvolvidas também no intuito de arrecadar


fundos para a construção da igreja, que foi finalizada em 1987, e dos prédios anexos
ao seu redor onde atualmente ocorrem diversos cursos e onde ocorrem também os
encontros dos Narcóticos Anônimos. Em 1995 as Missionárias da Consolata
deixaram sua casa na Liberdade e os Freis Franciscanos assumiram o trabalho
antes realizado por elas, dando continuidade as atividades desenvolvidas naquele
espaço.
58

3.4 Nosso atual “Liberdade”

O bairro Liberdade atualmente possui uma área de comércio bem


diversificada que se desenvolve em parte da Avenida Ataíde Teive e parte da
Avenida Mário Homem de Melo. No bairro também encontramos agência dos
correios e lotéricas, escolas, delegacia, suas ruas são asfaltadas, no transporte
público dispõe de linhas de ônibus e também conta com os serviços de táxis
lotações.
Mesmo com todo o desenvolvimento com o passar dos anos e com as
melhorias nas condições de vida de seus moradores, algumas problemáticas de
décadas atrás ainda se fazem presentes, como a falta de um sistema de esgoto, a
falta de segurança e áreas de lazer. Dessa forma percebe-se que a configuração
atual do bairro é resultado da expansão desordenada da cidade de Boa Vista, que
apesar de ter crescido e se desenvolvido ainda sofre as consequências da falta de
um planejamento urbano adequado.
Apesar desses problemas seus moradores afirmam gostar de onde moram e
que não trocariam o bairro por outro como a Sra. Deusamar: “falou em ir embora
ninguém pensa em sair daqui. Aqui eu já me acostumei, não sei se vou acostumar a
morar em outro lugar né”, percebe-se assim na fala dos entrevistados um local de
pertencimento.
De acordo com Valle101, esse sentimento de pertencer pode ser definido
como os laços que prendem o sujeito aos comportamentos, modos de ser e estilos
de um grupo, comunidade ou local no qual ele esta inserido, fazendo com que ele
sinta incluido e aja com participação plena, principalmente no que diz respeito aos
papéis sociais, como os valores e normas de conduta.
Percebemos então que o sentimento de pertencimento supera os obstáculos
e insatisfações. Mesmo as criticas feitas ao lugar por parte dos entrevistados,
possuem conotação de desejar o melhor, de agir de forma positiva diante dos
problemas atuais no sentido de corrigir esses aspectos do bairro Liberdade, que os
moradores guardam na memória.

101
VALLE, Edênio. Conversão: da noção teórica ao instrumento de pesquisa. Revista Eletrônica de
Estudos da Religião – REVER. Disponível no site: http://www.puc.br/rever/rv2_2002/t_valle.html
Acesso em 12 de Maio de 2015
59

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo geral desta pesquisa foi compreender o processo de ocupação do


bairro Liberdade na sua gênese, levando em consideração os aspectos sociais e
políticos responsáveis pela legitimação do espaço ocupado. Notamos que a
configuração espacial da cidade de Boa Vista em seu formato radial, se deu em
função do plano urbanístico de 1946. Uma área planejada que se desenvolveu
durante a década de 1940 a 1970, e que a partir da década de 1980 ganha novas
configurações, onde se percebe novas áreas de expansão urbana que continuam a
se desenvolver e que carece de atenção até os dias atuais. Dessa forma, buscamos
por meio dessa pesquisa a compreensão da relação entre a expansão urbana da
cidade de Boa Vista e seus reflexos no bairro Liberdade, bem como a função dos
fluxos migratórios para o surgimento do bairro.
As transformações urbanas ocorridas entre a década de 1970 e 1980, as
quais se apresentaram como consequência do crescimento populacional, resultado
de uma migração maciça ao centro urbano são visíveis e revelam a falta de um
planejamento urbano mais elaborado que correspondesse às necessidades da
população em expansão. Esse significativo crescimento em um curto espaço de
tempo ocorreram, como visto anteriormente, quando novas áreas de loteamento são
incorporadas de forma desorganizada, respondendo especialmente a interesses
políticos de assentamento de migrantes, bem como em decorrência do
deslocamento populacional aos centros urbanos por falta de politicas de
desenvolvimento nos assentamentos rurais, a descoberta de novos garimpos e a
total pavimentação da BR-174 que liga Roraima à Venezuela num extremo e à
Manaus em outro.
Percebemos assim a importância dos fluxos migratórios para a formação do
espaço e o crescimento demográfico da cidade de Boa Vista, sendo a mesma
fortemente atrelada aos processos de ocupação do território e do estado em
diferentes momentos da história local. Os migrantes que se dirigiram rumo a Boa
Vista, foram auxiliados por interesses político tanto no âmbito nacional quanto local,
pois as politicas de ocupação do território eram atreladas as tentativa dos políticos
locais em construir suas bases de sustentação politico-eleitoral. Esses incentivos a
migração resultaram numa expansão urbana da cidade oque consequentemente
contribuiu para ampliar alguns problemas de âmbito social, pois as áreas em
60

expansão cresciam sem o acompanhamento de politicas publicas ou planejamento


adequado.
Logo podemos afirmar que o surgimento do bairro Liberdade é resultado de
uma série de fatores político-sociais. Pois se tornou parte dessa expansão da área
urbana de Boa Vista, ocorrida após 1980, quando novas áreas foram incorporadas
diante da proliferação de novos loteamentos, produzidos sem a infraestrutura
necessária e de forma desorganizada, em razão dos interesses políticos que
promoviam os assentamentos de migrantes que eram induzidos a se deslocarem
para Boa Vista.
O bairro Liberdade é apenas um dos exemplos da expansão urbana
desordenada sofrida pela cidade de Boa Vista. A partir da abordagem histórica feita
nesta pesquisa sobre a ocupação da área analisada, chegamos a um diagnóstico
das atuais capacidades econômicas e sociais apresentadas pelo bairro, sendo as
mesmas resultadas de seu desenvolvimento.
Os problemas apresentados atualmente pelo bairro Liberdade nos mostram a
importância de uma politica publica adequada, onde as ações do Poder Público se
fazem necessárias para garantir aos cidadãos o acesso a moradia, saneamento-
ambiental, a infra-estrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos, ao trabalho
e lazer. Para tal se faz necessário implantar o Plano Diretor, não como um mero
instrumento burocrático, mas como instrumento para se articular as diversas politicas
públicas existentes, fazendo-as convergir em uma única direção. Esse passo é
fundamental para se evitar que problemas semelhantes aos encontrados hoje no
bairro Liberdade, possam ocorrer em novas áreas de expansão urbana em Boa
Vista, bem como trazer soluções eficazes aos problemas já existentes.
Apesar dos problemas enfrentados pelo bairro seja em sua gênese, como os
problemas enfrentados pelos atuais moradores, se percebe através das narrativas
uma fala que denota carinho e pertencimento com relação ao bairro, mesmo com a
falta de estrutura na época de seu surgimento e alguns problemas resultados da
falta de planejamento os moradores gostam do bairro
Entre o bairro Liberdade da década de 1970 e 1980 e o bairro Liberdade nos
dias de hoje, percebemos seu crescimento populacional, o desenvolvimento do
comércio ao longo de suas avenidas onde hoje se encontram diversos tipos de
serviços, bem como a expansão dos serviços públicos. No entanto de acordo com
os entrevistados o bairro tem muito que melhorar, no que diz respeito a saneamento
61

básico, segurança, serviços de saúde e outros serviços básicos, faltas essas


presentes desde sua gênese.
Não foi nosso objetivo nessa pesquisa esgotar as discussões em relação aos
problemas urbanos, apenas dar uma pertinente contribuição a essa temática,
diretamente ligada a questões de ordem social, econômica, politica... Percebemos
por fim que novos estudos devem ser realizados até que soluções eficazes sejam
encontradas.
62

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pesquisadora. Boa Vista, RR. Março de 2012. Uso de gravador portátil digital.

SOUZA, Zoéte Fernandes. Natural de Esperantinópolis, Maranhão. Entrevista


concedida à pesquisadora. Boa Vista, RR. Maio de 2012. Uso de gravador portátil
digital.

SANTOS, Deusamar Fernandes. Natural de Esperantinópolis, Maranhão. Entrevista


concedida à pesquisadora. Boa Vista, RR. Maio de 2015. Uso de gravador portátil
digital.

PANDIANI, Elisa. Natural de Dervio, Itália. Entrevista concedida a pesquisadora. Boa


Vista, RR. Maio de 2015. Uso de gravador portátil digital.

II. Fontes Escritas

JORNAL BOA VISTA. Marluce uma mulher de fibra. Boa Vista. Ano VIII, n. 305,
Set. 1981, p.03.
JORNAL BOA VISTA. Governo entrega mais de 500 títulos de propriedade. Boa
Vista. Ano VIII, n. 311, Dez. 1981, p.09

JORNAL BOA VISTA, 1º Ano de Realizações – Alcides dos Santos .Boa Vista.
Ano VIII, n. 318, Dez. 1981, p.03
67

ANEXOS
68

ANEXOS

ANEXO A: Indicação S/Nº realizada em 19 de outubro de 1974

Fonte: Arquivo pessoal Iris Galvão Ramalho


69

ANEXO B: Indicação nº22 realizada em 27 de Abril de 1978

Fonte: Arquivo pessoal Iris Galvão Ramalho


70

ANEXO C: Indicação nº132 realizada no dia 09 de outubro de 1980

Fonte: Arquivo pessoal de Iris Galvão Ramalho


71

Anexo D: 1 Ano de Realizações – Prefeito Alcides dos Santos

Fonte: JORNAL BOA VISTA, 14 de Agosto de 1981


72

ANEXO E: Governo entrega mais 500 títulos de propriedade

Fonte: JORNAL BOA VISTA, 31 de Dezembro de 1981


73

ANEXO F: Marluce uma mulher de fibra

Fonte: JORNAL BOA VISTA, 11 de Setembro de 1981

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