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Uma pepita de ouro tão pequena quanto uma unha foi o pagamento que a uruguaia
Karina Núñez recebeu por oferecer serviços sexuais dentro de uma mina no Chile,
aonde um cafetão a levou anos atrás para forçá-la a trabalhar e ficar com quase
tudo o que ela ganhava.
Do pouco que restava a esta trabalhadora do sexo de 53 anos, "tinha que pagar 50
dólares pelo canário" que precisava levar com ela, preso em uma gaiola, para saber
se havia ar suficiente dentro da mina, onde atendia mineiros em longas sessões de
quatro dias e quatro noites.
Karina, que se autodenomina como "liberta", mantém as cicatrizes das surras que
levou em seu longo périplo. Mas nada conseguiu dobrar seu espírito rebelde. Esta
mulher conseguiu se libertar e há anos se dedica a documentar a situação de outras
mulheres com o mesmo destino, tornando-se uma referência tanto para as
autoridades quanto para as ONGs que trabalham com o tema do tráfico de seres
humanos no Uruguai.
Atualmente, "três em cada dez" prostitutas que atendem nas whiskerias, como são
chamados os prostíbulos no Uruguai, são vítimas de tráfico, diz Karina, que por
muito tempo exerceu este ofício percorrendo rodovias em seu país. Ela conhece
como ninguém o mundo que se move nos arredores dos prostíbulos e assegura que
nos últimos anos muitas estrangeiras entraram no negócio, especialmente pela
fronteira com o Brasil.
A trapaça
Mas quando elas chegam, vêm que o paraíso de trabalho não existe. E nessa hora,
a rede diz: "'Temos a solução, tem a whiskeria'. E as mulheres cedem ao
desespero, à dívida que têm, à família que espera" o envio do dinheiro.
"Não são forçadas fisicamente, não as prendem, nem as acorrentam", mas se não
pagarem a dívida, vem a ameaça: "sabemos onde está a tua família".
"No Uruguai tem muito (proxenetismo encoberto) e o tráfico está preso aí", afirma a
senadora e ex-ministra do Interior, Daisy Tourné.
A juíza Julia Staricco, que processou alguns casos de tráfico no país, afirma que "é
muito difícil trabalhar contra este delito" porque "as vítimas não querem depor por
medo" de represálias.
Há alguns meses, foram soltos dois cafetões "que manipulam o eixo da (zona) leste
e estão fazendo uma limpeza e pondo a casa em ordem e está todo mundo
assustado (...) Muitas colegas foram embora desses espaços e outras prefeririam
morrer a falar", disse a mesma fonte, destacando que ambos são relacionados a
Sergio "Zorro" Escobar, um conhecido cafetão, atualmente preso.
Cubanos
"De onde as cubanas e os cubanos vão tirar 800 dólares para uma passagem, se
ganham 20 dólares por mês?", pergunta Maria Elena Laurnaga, socióloga e
cientista política, que dirige com a Casa Abierta, na cidade de Rivera, na fronteira
norte com o Brasil, um programa piloto sobre tráfico com financiamento dos Estados
Unidos.
"Vêm em grupos" e "aqui têm que devolver o dinheiro. Passam pelo Suriname,
entram no Brasil" para depois chegar ao Uruguai, acrescenta.
Para tirar a carteira de residente no Uruguai, é preciso pedir visto, o que permite
acessar políticas públicas como saúde e previdência social.
"Por trás da história dos cubanos, há uma história do tráfico que se configurou no
Brasil ou no Paraguai. Muitos seguem para Montevidéu. Quanto disso é tráfico?
Não sei", disse Laurnaga.
Oscar Borba, chefe da unidade policial contra o tráfico e crimes sexuais desta
cidade de 100.000 habitantes, diz ter entrevistado cubanas nesta whiskeria, mas
que as supostas vítimas se negam a denunciar.
MIGUEL ROJO/AFP
Superposição de redes
"De um tempo para cá, há mais mulheres de importação (...) Os clientes gostam,
claro! Chamam sua atenção porque são estrangeiras (...) Vêm do outro lado (Brasil)
nada mais para ver, atraem a clientela", diz em uma casa de um bairro periférico de
Rivera a ex-trabalhadora sexual Rosa María Rial, de 52 anos, que à noite se fazia
chamar "La Gitana" (a cigana).
"Acontece que tudo é na educação. Você não vai encontrá-la acorrentada e presa
no sótão. Tudo é mais psicológico. Quando você se dá conta, a mantêm em uma
rede da qual não consegue se libertar", conta a senadora Tourné.
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