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2.

Vivências de paternidade
As concepçoõ es sobre famíília e parentesco saõ o resultados de processos histoí ricos e
sociais especííficos e as novas tecnologias de reproduçaõ o saõ o hoje um aspecto
fundamental na constituiçaõ o familiar, especialmente a ocidental. Atualmente naõ o saõ o
apenas casais heterossexuais que podem e conseguem ter filhos, jaí eí possíível determinar
a paternidade bioloí gica de uma criança e o controle de natalidade eí mais efetivo e
individualizado. Elisabeth Roudinesco apresenta uma anaí lise sobre as mudanças
conceituais de famíília ocidental. Segundo ela,
“Podemos distinguir treê s grandes perííodos na evoluçaõ o da famíília. Numa
primeira fase, a famíília dita ‘tradicional’ serve acima de tudo para
assegurar a transmissaõ o de um patrimoê nio. Os casamentos saõ o entaõ o
arranjados entre os pais sem que a vida sexual e afetiva dos futuros
esposos, em geral unidos em idade precoce, seja levada em conta. Nessa
oí tica, a ceí lula familiar repousa em uma ordem do mundo imutaí vel e
inteiramente submetida a uma autoridade patriarcal, verdadeira
transposiçaõ o da monarquia de direito divino. Numa segunda fase, a
famíília dita ‘moderna’ torna-se o receptaí culo de uma loí gica afetiva cujo
modelo se impoõ e entre o final do seí culo XVIII e meados do XX. Fundada
no amor romaê ntico, ela sanciona a reciprocidade dos sentimentos e os
desejos carnais por intermeí dio do casamento. Mas valoriza tambeí m a
divisaõ o do trabalho entre os esposos, fazendo ao mesmo tempo do filho
um sujeito cuja educaçaõ o sua naçaõ o eí encarregada de assegurar. A
atribuiçaõ o da autoridade torna-se entaõ o motivo de uma divisaõ o incessante
entre o Estado e os pais, de um lado, e entre os pais e as maõ es, de outro.
Finalmente, a partir dos anos 1960, impoõ e-se a famíília dita
‘contemporaê nea’ — ou ‘poí s-moderna’ —, que une, ao longo de uma
duraçaõ o relativa, dois indivííduos em busca de relaçoõ es ííntimas ou
realizaçaõ o sexual (ROUDINESCO, 2003: 12).”

As reivindicaçoõ es e consequente ocupaçaõ o das mulheres em posiçoõ es antes


exclusivamente masculinas, como os espaços polííticos e mercado de trabalho,
desencadearam transformaçoõ es culturais nas relaçoõ es de geê nero. Entretanto, a
concepçaõ o e criaçaõ o de filhos ainda eí assunto feminino e campo de desigualdade. A
princíípio, a proposta do toí pico era analisar como novas viveê ncias de paternidades se
constituem e como isso se relaciona a construçaõ o de masculinidades. Entretanto,
considero importante pensar como a paternidade dita tradicional se situa nesse contexto
e como ela eí afetada pelas mudanças nas dinaê micas sociais. Naõ o haí como desconsiderar
os processos pelos quais novas concepçoõ es sobre paternidade se formam nem ignorar
toda a multiplicidade de experieê ncias que pautam essas viveê ncias.
Está a paternidade para a masculinidade assim como a maternidade para a
feminilidade?

Como os homens concebem a paternidade e o qual eí o impacto na ideia de


masculinidade desses pais? Se o discurso sobre a maternidade constroí i a sua
naturalidade e essencializa o desejo das mulheres, tornando-se fundamental para uma
feminilidade normativa, qual eí o discurso sobre paternidade? Rosely Gomes Costa parte
dessa premissa ao analisar em sua pesquisa as representaçoõ es masculinas da
paternidade. Segundo a autora, o estudo apontou associaçoõ es entre paternidade,
masculinidade e reproduçaõ o, “mas sempre mediadas por geê nero e por conexoõ es
especííficas” (COSTA, 2002: 339). Este eí um aspecto importante em ressaltar porque naõ o
eí a toda masculinidade que serve a paternidade, eí aà masculinidade dos homens casados.
Deste modo, o casamento reformula a constituiçaõ o da masculinidade ao estabelecer a
paternidade nesse aê mbito. Dos aspectos que pautam essa ideia de paternidade – a
capacidade de sustentar os filhos e educaí -los moralmente – eí construíído o pai a partir do
modelo ideal
“significa ser um bom pai estaí articulada, principalmente, em torno da
educaçaõ o, atençaõ o, e sustento material que este deve dar aos filhos. Um
bom pai deve estar presente nos momentos bons e nos maus; deve
orientar, ensinar o que eí certo e o que eí errado; deve dar uma boa
educaçaõ o; deve expressar amor e carinho pelos filhos. Mas
principalmente, o pai deve ser o provedor, aquele que sustenta material e
economicamente o filho. Por seu lado, a maõ e eí representada como aquela
que se ocupa do cuidado dos filhos tais como limpaí -los, dar-lhes de
comida, colocar para dormir (COSTA, 2001:102).”

Tanto a paternidade quanto a responsabilidade consequente saõ o projetos dessa


masculinidade agora acessada pelo casamento e pelo nascimento dos filhos. Pode-se
afirmar que enquanto aà s mulheres a maternidade eí o “destino”, aos homens a
paternidade ainda eí discutíível. Embora exista certa expectativa em relaçaõ o a reproduçaõ o
masculina, essa naõ o estaí condicionada aà “natureza”; naõ o haí o discurso do desejo natural
masculino pela paternidade. Costa aponta que no contexto de sua pesquisa, a
paternidade eí um desejo que se estabelece em algum momento da trajetoí ria de vida,
geralmente com o casamento, voltado aà descendeê ncia, “a paternidade seria um projeto
para o futuro, enquanto a maternidade aparece como a atualizaçaõ o de uma continuidade.
Nesse sentido, […] os entrevistados naõ o concebem a paternidade como um desejo e um
evento naturais em suas vidas, da maneira como concebem as mulheres que entrevistei
(COSTA, 2002: 344).”
Neste contexto, o trabalho incorpora um aspecto importante, uma vez que, para
sustentar os filhos, o homem precisa trabalhar e consequentemente, passar mais tempo
fora de casa. O efeito produzido eí tanto o distanciamento emocional que a figura moral
do pai necessita, quanto a essencializaçaõ o da persona materna enquanto cuidadora dos
filhos e elemento fundamental no aê mbito domeí stico. Soí crates Nolasco aponta essa
relaçaõ o ao afirmar que
“as denominaçoõ es bom pai, pai honrado, pai provedor, sobrepostas aà s
evideê ncias do que seja masculino (expressões da virilidade, iniciativa e
objetividade), reforçam a imagem que socialmente se espera de um homem.
Assim, o masculino e a paternidade formam um par de reforço muí tuo,
garantindo e consolidando o modelo de autoridade e de poder a ser
desempenhado pelos homens. […] Os homens descobrem a paternidade como
algueí m que recebeu mais uma obrigaçaõ o. A paternidade nasce de um
sentimento de obrigatoriedade, e toda esta reflexaõ o sobre suas bases teê m
procurado desarticular uma coisa da outra. Ela se transforma em mais um
campo para demonstraçaõ o de competeê ncia, força e autoridade, limitada a dar
conforto material (NOLASCO, 1993:150-165).”

Esse projeto de paternidade tem um duplo efeito. Naõ o apenas reafirma a


atribuiçaõ o da maõ e em cuidar dos filhos e da casa em detrimento do trabalho assalariado,
mas tambeí m a do pai que se distancia da atençaõ o aos cuidados dos filhos e proximidade
emocional. Deste modo, a necessidade dos filhos pela maõ e eí naturalizada e ateí mesmo
desejaí vel nesse ideal de famíília. Naõ o que em momento algum o pai naõ o se encarregue
das crianças, mas soí o faz em caso de impossibilidade da maõ e.

Teorias de reprodução e a produção da paternidade


Segundo a loí gica, se a paternidade eí um projeto futuro e a maternidade eí a progressaõ o
de um desejo inato, a atribuiçaõ o de responsabilidades se desenvolve a partir dessa ideia.
O que digo eí no que se refere a reproduçaõ o e filhos, a loí gica se manteí m contíínua quando
obrigaçoõ es saõ o distintas por geê nero. Como aponta Rosely Costa, o cuidado sobre a sauí de
reprodutiva e os filhos saõ o consideradas atribuiçoõ es femininas, enquanto o sustento e
educaçaõ o moral saõ o atribuiçoõ es masculinas. Ou seja, “em princíípio, cabem aà s mulheres
as responsabilidades por ter e evitar filhos, isto eí , cabem a elas as atitudes referentes aà
procura e uso de meí todos anticoncepcionais, assim como a procura e realizaçaõ o de
tratamento para esterilidade. Aos homens cabe garantir o sustento material dos filhos e
educaçaõ o moral.”(COSTA, 2001:4-5)
Entretanto, seria superficial abordar a paternidade apenas sob esse vieí s. Mesmo
que as concepçoõ es sobre paternidade e maternidade sejam construíídas dessa forma, naõ o
implica necessariamente que o homem naõ o deseje tambeí m ter filhos. Para ele, ter filhos
representa acesso a uma masculinidade onde a autoridade, distinçaõ o social e poder saõ o
suas prerrogativas, aleí m de confirmar sua virilidade. Neste sentido, Gomes aponta que,
embora o cuidado material e a educaçaõ o moral das crianças seja um aspecto
fundamental da paternidade, o projeto ideal eí o modelo reprodutivo representado pela
fecundaçaõ o atraveí s da relaçaõ o sexual do casal em condiçaõ o de matrimoê nio. O uso de
tecnologias de reproduçaõ o nesse contexto eí a fim de garantir a transmissaõ o sanguíínea do
pai e da maõ e os filhos (COSTA, 2002: 342). Tal como argumenta Strathern,
“As nossas relaçoõ es de parentesco, tal como nossa constituiçaõ o geneí tica,
eram algo que naõ o podííamos alterar. Mais ainda, quando se considerava
que essas relaçoõ es pertenciam ao domíínio da ‘natureza’, esta uí ltima
passava a representar tambeí m tudo que era imutaí vel, ou intríínseco aà s
pessoas e as coisas; essas qualidades essenciais sem as quais pessoas e
coisas naõ o seriam o que eram. Naõ o se tratava apenas de considerar que as
relaçoõ es de parentesco eram construíídas a partir de materiais naturais,
mas que a relaçaõ o entre parentesco e ligaçaõ o natural simbolizava a
imutabilidade das relaçoõ es sociais (STRATHERN, 1991: 1014).”

Neste aspecto, as tecnologias reprodutivas possibilitam, de certa maneira, a


manipulaçaõ o do natural: concepçaõ o e contracepçaõ o, hereditariedade geneí tica. Assim,
“as questoõ es relativas aà atribuiçaõ o de maternidade e paternidade no uso
das tecnologias reprodutivas referem-se justamente aà possibilidade de
separaçaõ o da reproduçaõ o (compreendida como ter um filho) dos
elementos femininos e masculinos tidos como participantes desse
processo. Isto eí , aà possibilidade de separaçaõ o entre reproduçaõ o e relaçaõ o
sexual, reproduçaõ o e gametas (oí vulo e espermatozoí ide), reproduçaõ o e
gravidez. Tais questoõ es referem-se ao julgamento de qual desses
elementos (relaçaõ o entre o casal, gametas ou gravidez) seraí considerado
como o mais importante na atribuiçaõ o da maternidade e da paternidade.
As opinioõ es a respeito dessas atribuiçoõ es dependem de qual elemento
seraí visto como o mais importante, aliado aà recorreê ncia a paraê metros ora
bioloí gicos, ora sociais, informados pelo desejo, pela situaçaõ o e pelas
possibilidades em relaçaõ o aà procriaçaõ o (COSTA, 2002: 343).”

A combinaçaõ o dos atributos morais e bioloí gicos representa o modelo ideal de


paternidade. Como demonstra o trabalho de Rosely Costa (2001), o desejo por filhos
“proí prios” de “sangue” coaduna com a responsabilidade de educaí -los moralmente. No
texto citado, a autora realiza seu trabalho em um ambulatoí rio com homens que buscam
tratamento para esterilidade. Observa-se nas falas que, embora muitos deles jaí
exercessem a paternidade de alguma forma – alguns cuidavam dos filhos da
companheira de relacionamentos anteriores – a vontade de ter filhos com a companheira
refletia uma certa “comprovaçaõ o” de virilidade. Aleí m disso, haí uma diferenciaçaõ o entre
“cuidar, gostar” e “fazer filhos”. Mesmo que os filhos de outros homens sejam cuidados e
amados, naõ o saõ o filhos “do seu sangue”. Nesse sentido, o projeto de paternidade soí se
realiza planamente atraveí s dos fluidos corporais: esperma e sangue (COSTA, 2001: 206).

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