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QUESTÃO SOCIAL
autor do original
TAIS PEREIRA DE FREITAS
1ª edição
SESES
rio de janeiro 2015
Conselho editorial sergio cabral, claudete veiga, claudia regina de brito
Diagramação fabrico
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2015.
Prefácio 7
7
do assistente social frente às expressões da questão social a partir das especifi-
cidades de diversas dimensões da realidade brasileira contemporânea.
Desejamos que esses sejam momentos ricos de estudo e compreensão dessa
dimensão que caracteriza o trabalho do assistente social no Brasil. Aproveite as
indicações de leituras complementares (livros, revistas, sites, blogs) ao longo
do material e construa as suas análises e interpretações acerca dessa temática.
Esse capítulo irá permitir que você conheça os fundamentos e origens da ques-
tão social, diretamente relacionados ao modo de produção capitalista. Procu-
ramos trazer alguns elementos de análise histórico-sociológica de cunho mar-
xista, tendo em vista que Karl Marx foi o teórico que melhor estudou o modo de
produção capitalista e que orienta a teoria social crítica apresentando elemen-
tos que contribuem para a análise critica das relações sociais.
Ao longo desse capítulo você irá estudar os determinantes históricos que
constituíram o modo de produção capitalista, bem como as fases desse referi-
do modo, possibilitando então o entendimento de que a questão surge a partir
da estruturação do capitalismo.
A partir dessa discussão teórica inicial, mais densa, apresentamos então
a formulação conceitual da questão social, como ela é entendida pelo Serviço
Social e destacamos a questão agrária como uma das principais expressões da
questão social, tendo em vista que a questão da terra é central para o modo de
produção capitalista.
Encerramos o capítulo com a reflexão acerca da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, propondo a discussão sobre como a negação dos direitos ali
propostos, configura-se em diversas expressões da questão social.
Desejamos que você aproveite ao máximo os indicativos de leituras com-
plementares e que através desse capítulo, seja possível o início do estudo da
temática “Questão Social” tão importante para o Serviço Social.
OBJETIVOS
A partir do estudo desse Capítulo o aluno terá uma leitura crítica acerca do surgimento histó-
rico da questão social, entendendo tanto os seus fundamentos como a forma através da qual
essa questão se manifesta na realidade concreta. Dessa forma, espera-se que ao término
desse capítulo o aluno possa:
10 • capítulo 1
• Apreender a gênese da questão social, bem como o conceito de questão social e suas
transformações.
• Compreender as manifestações concretas da questão social, entendendo suas particula-
ridades.
REFLEXÃO
Na apresentação da disciplina, destacamos que o objetivo era oferecer aos alunos a possi-
bilidade de estudo e compreensão dos elementos sócio-históricos, políticos, econômicos e
culturais que caracterizam a origem e o agudizamento da questão social, contribuindo para o
entendimento dos processos de desigualdade e exclusão social. Neste capítulo vamos pen-
sar as origens desses elementos e compreender os principais aspectos para a conceituação
de questão social.
capítulo 1 • 11
Mas o que é capitalismo? O que caracteriza esse modo de produção? Trata-se
de uma tarefa no mínimo complexa definir o sistema capitalista. Todavia, para
o estudo acerca da questão social é necessário que você, tenha no mínimo uma
concepção acerca do assunto, definição essa que vai permitir que você se apro-
prie de discussões e reflexões sobre os demais temas que se interrelacionam.
12 • capítulo 1
Karl Heinrich Marx (1818-1883) ou simplesmente Karl Marx é o principal teórico que
estudou o sistema capitalista. Marx escreveu diversos textos fundamentais para a com-
preensão desse sistema, mas sua obra magistral é “O Capital” (1867) onde ele apro-
funda essa análise. Vale ressaltar que apenas o primeiro volume foi publicado com
Marx ainda vivo, sendo que os demais foram publicados postumamente, organizados
por Friedrich Engels, amigo e colaborador. Marx e Engels são considerados os funda-
dores da corrente teórica denominada Marxismo, visto que ambos escreveram juntos
diversos textos que marcaram o início de uma corrente sociológica crítica.
Karl Marx vai discutir de forma mais rápida e de mais fácil entendimento
o surgimento do sistema capitalista no livro “A origem do capital: a acumula-
ção primitiva”. Nesse livro, ele destaca que para a produção capitalista existe
a necessidade da mais valia e para existir mais valia é preciso que haja a pro-
dução capitalista. O conceito de mais valia é essencial para Marx e nos ajuda a
entender o processo de surgimento do sistema capitalista. Mais valia é o lucro
acumulado a partir da produção de mercadorias. Considerando que a matéria
prima e as condições objetivas para a produção da mercadoria (espaço físico,
ferramentas) tem um valor X, após acrescentar-se o trabalho, esse valor eleva-
-se. Ou seja, é o trabalho que agrega esse valor. Mas esse trabalho não é remu-
nerado a partir do valor que produz, mas é sempre menor que isso, gerando um
lucro, um excedente. Esse lucro é então conceituado como mais valia.
CONCEITO
O termo mais valia é bastante utilizado quando se discute trabalho e exploração do trabalho
na sociedade capitalista. Para a discussão da questão social ele é também fundamental,
visto que tal questão tem origem na sociedade capitalista que se estabelece a partir da ne-
cessidade do lucro, obtido também da exploração da mais valia. Para a compreensão desse
termo e de outros importantes para o Serviço Social, o Dicionário de Filosofia pode contribuir
de forma significativa, na medida em que nesse dicionário encontra-se o termo junto com
a explicação histórica que dá sentido ao mesmo. Dessa forma recomendamos a leitura do
verbete MAIS VALIA no Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano, edição revista e am-
pliada, publicada em 2007. A descrição do termo encontra-se na página 638 e o Dicionário
está disponível para download na http://charlezine.com.br/wp-content/uploads/2011/11/
Dicionario-de-Filosofia-Nicola-ABBAGNANO.pdf
capítulo 1 • 13
É possível apontar a partir da leitura do texto de Marx que a causa da acumu-
lação primitiva pode ser definida a partir do momento histórico em que o traba-
lho é separado daquelas condições, que são exteriores a ele mas são indispen-
sáveis para sua realização, tais como espaço físico, ferramentas, matéria prima.
Ou seja, o trabalhador renuncia a propriedade do produto de ser trabalho
porque nada possui além de sua força física e alguém detém a posse das con-
dições necessárias para a produção: o chamado capitalista. Dessa forma fica
explícita a separação radical entre produtor e meio de produção, separação esta
que representa os fundamentos do sistema capitalista.
Em relação aos aspectos históricos, é preciso destacar que o modo de pro-
dução capitalista surge com a decadência do modo de produção feudal. O tra-
balhador para poder vender sua força de trabalho não pode mais estar ligado a
terra, como no sistema feudal, e então sai desse espaço, convertendo-se então
de produtor a assalariado.
Mas esse processo de saída da terra é muito mais expulsão tendo em vista
que o processo de transformação de produtores em assalariados, vendedores
de sua força de trabalho é mais profundo. Eles só irão vender-se “depois de terem
sido despojados de todos seus meios de produção e de todas as garantias de
existência oferecidos pela antiga ordem de coisas” (p.12), o conhecido processo
de expropriação.
Tendo como referência a Inglaterra, Marx aponta que tal processo de expro-
priação desenvolve-se já a partir de fins do século XIV com o roubo das terras
comunais (eram terras formadas por pastos, florestas e bosques, sendo que de-
las se podia tirar ervas medicinais, lenhas e ainda levar o gado para pastar) que
engrossar as grandes fazendas, os despojos dos bens da Igreja, a alienação de
maneira fraudulenta dos domínios do Estado, a pilhagem dos terrenos comu-
nais, a transformação da propriedade feudal em propriedade moderna foram os
processos que levaram a acumulação primitiva, que “conquistaram a terra para
a agricultura capitalista, incorporaram o solo ao capital e entregaram à indústria
das cidades os braços dóceis de um proletariado sem lar nem pão”. (p.50)
Vale destacar que esse povo, expulso da terra, não se habituou tão facilmen-
te as novas determinações da economia que se formava, mas com legislações
violentas, açoites, tortura e escravidão essa população foi submetida a discipli-
na do sistema assalariado.
14 • capítulo 1
É preciso apontar ainda que na gênese da produção capitalista, o Estado é
o grande aliado da burguesia que nascia (é o Estado que vai regular salários,
prolongar a jornada de trabalho), sendo esse um momento essencial da acu-
mulação primitiva. Ainda de acordo com Marx a classe assalariada na segunda
metade do século XIV era uma parte muito pequena da população mas que es-
tava socialmente unida e o modo de produção ainda não possuía caráter espe-
cificamente capitalista.
Marx afirma que a origem do sistema capitalista é um processo que se de-
senvolve lentamente. Tem-se como referência do surgimento desse modo de
produção a partir da ordem feudal, o arrendatário capitalista, desenvolve-se
inicialmente como servo, sendo que a partir da segunda metade do século XIV
esse lugar é ocupado pelo arrendatário livre a quem o proprietário de terras for-
nece tudo o que lhe é necessário: gado, sementes, instrumentos da lavoura e
ele torna-se com o tempo meeiro, partilhando com o proprietário o produto
total de acordo com a proporção fixada no contrato. Esse sistema vai dando lu-
gar a um novo tipo de arrendamento, onde o arrendatário “adianta o capital”,
emprega assalariados e faz produzir, pagando ao proprietário em espécie ou
dinheiro uma parte do produto líquido, a título de renda da terra. A Revolução
Agrícola do fim do século XV enriquece esses arrendatários. Marx aponta al-
guns fatores para esse enriquecimento:
capítulo 1 • 15
Esse processo vem acompanhado do aumento da produção, pois apesar da
diminuição da população camponesa, de cultivadores, a terra continua forne-
cendo a mesma quantidade de produtos (até mais) porque a Revolução Agrícola
veio acompanhada do aperfeiçoamento nos métodos de cultivo. A expropriação
e transformação dos camponeses em assalariados desenvolveu o processo de
separação da agricultura de toda espécie de manufatura.
Podemos então apreender a partir do que Marx coloca que quando olhamos
para o surgimento do sistema capit ao fundo da acumulação primitiva vamos
encontrar a expropriação do produtor imediato, a dissolução da propriedade. O
regime de produtores independentes tem como pressuposto o parcelamento da
terra e a dispersão dos meios de produção. O movimento de eliminação deste re-
gime é o que transforma os meios de produção individuais (dispersos) em meios
de produção socialmente concentrados, transformando a propriedade pequena
de muitos em propriedade colossal de poucos. A propriedade privada baseada
no trabalho pessoal será “suplantada pela propriedade privada capitalista fun-
dada sobre a exploração de trabalho de outrem, sobre o assalariado” (p.109)
O modo de produção capitalista desenvolve-se em especial a partir dos anos
1500, a partir da Europa e mesmo que não seja possível precisar exatamente o
marco cronológico de início desse sistema, pode-se para fins didáticos marcar
os anos 1500 como referência para o início do desenvolvimento desse sistema.
A partir do surgimento dele, podemos destacar que o mesmo têm três grandes
fases ou períodos históricos:
16 • capítulo 1
para a garantia de mão de obra assalariada e que portanto teria também
condições de consumir.
CONEXÃO
Ampliando a análise da questão social para além do Serviço Social podemos apontar o artigo
“Questão Social: um conceito revisitado” publicado na Revista “Contribuiciones a las Ciên-
cias Sociales”, onde trabalha-se essa questão a partir de Robert Castel, Pierre Rosanvallon,
Amartya Sem destacando as especificidades que cada um aponta para o entendimento da
temática. Essa pluralidade é importante para que você, aluno, compreenda que podem haver
entendimentos diferenciados e daí a necessidade de formação teórica continuada buscando
sempre desvendar os meandros da realidade. O estudo da questão social configura-se es-
sencial não apenas durante o período de estudos mas também para o exercício profissional.
Na introdução do texto tem-se:
capítulo 1 • 17
Originalmente, a questão social foi constituída em torno das transformações econômicas,
políticas e sociais ocorridas na Europa do Século XIX, devidas à industrialização. Inicialmente
essa questão foi levantada quando com a tomada de consciência da sociedade, ou parte
dela, dos problemas decorrentes do trabalho urbano e da pauperização como fenômeno
social. Hoje a “questão social” é a expressão das desigualdades e lutas sociais em suas
múltiplas manifestações e todos os segmentos sociais envolvidos (trabalhadores e despro-
tegidos) são heterogêneos.O presente artigo tem o objetivo de apresentar uma breve retros-
pectiva da evolução do tratamento teórico da questão social por autores ligados a diferentes
disciplinas da área social. São abordados os trabalhos de três autores que tratam da questão
social de forma diferenciada. Primeiramente, o sociólogo francês Robert Castel, que defende
que a questão social sofreu modificações ao longo do tempo, mantendo-se em essência a
mesma. Em segundo, é apresentado o trabalho do historiador e cientista social Pierre Rosan-
vallon, que afirma que a questão social se modificou e exige uma nova postura política na sua
solução. Finalmente, são apresentadas algumas idéia do economista indiano Amartya Sen
que faz uma análise do desenvolvimento econômico tratando sempre da questão social sem,
no entanto, cita-la diretamente. Disponível em: http://www.eumed.net/rev/cccss/03/fpod.
htm Acesso em Setembro de 2014.
Questão social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da so-
ciedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais
coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus
frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade. A globalização
da produção e dos mercados não deixa dúvidas sobre esse aspecto: hoje é possível ter
acesso a produtos de várias partes do mundo, cujos componentes são fabricados em
países distintos, o que patenteia ser a produção fruto de um trabalho cada vez mais cole-
tivo, contrastando com a desigual distribuição da riqueza entre grupos e classes sociais
nos vários países, o que sofre a decisiva interferência da ação do Estado e dos governos.
18 • capítulo 1
Essa contradição fundamental da sociedade capitalista entre o trabalho coletivo e a
apropriação privada da atividade, das condições e frutos do trabalho - está na origem do
fato de que o desenvolvimento nesta sociedade redunda, de um lado, em uma enorme
possibilidade de o homem ter acesso à natureza, à cultura, à ciência, enfim, desenvolver
as forças produtivas do trabalho social; porém, de outro lado e na sua contraface, faz
crescer a distância entre a concentração/acumulação de capital e a produção cres-
cente da miséria, da pauperização que atinge a maioria da população nos vários países,
inclusive naqueles considerados “primeiro mundo”.
capítulo 1 • 19
questão social. Para melhor compreensão dessas expressões, vamos apontar
um exemplo entre elas, qual seja a questão agrária, visto que ela configura-se
como fundamental para a compreensão da questão social atual no Brasil, e
caso o profissional de Serviço Social não atente-se para uma leitura crítica e de
totalidade, pode ter o entendimento de que se trata de uma problemática isola-
da, quando na verdade ela está no cerne da questão social do Brasil.
Questão Agrária
A questão agrária é uma expressão central da questão social no Brasil. Ela é fru-
to do processo que se desenvolve quando o pequeno produtor rural, ou as pes-
soas que sobrevivem do cultivo da terra se veem obrigados a deixar essa terra
que passa a servir para a monocultura, para os grandes grupos empresariais.
Esse trabalhador/produtor não encontra outra alternativa senão a ida para o
espaço urbano ou ainda a organização em movimentos de luta pela terra, bus-
cando assegurar a sua permanência nela. Essa questão agrária no Brasil, pode
ser entendida aqui a partir das transformações nas relações de produção. Tal
questão agrária está e sempre esteve ligada a posse da terra, a propriedade pri-
vada daquilo que em termos clássicos é entendido como bem natural. O ponto
de partida para este debate deve passar pelo conceito de propriedade e pelas
dimensões históricas da posse da terra no Brasil. O conceito de propriedade, da
forma como foi apropriado para o entendimento da posse da terra, traz subja-
cente a lógica do sistema capitalista; é um termo essencial ao capital, é o con-
ceito usado na justificativa da exploração, expropriação e violência. O conceito
de terra como propriedade privada está arraigado à forma de pensar e organizar
a sociedade brasileira.
A questão da posse da terra sempre foi central na reflexão acerca da socie-
dade brasileira e ocupa lugar de destaque nos diferentes momentos históricos
brasileiros, a partir de diversas dimensões de análise. Importante citar algumas
destas dimensões a partir da análise de José de Souza Martins (1980). A aboli-
ção (oficial) da escravatura abre caminho para a chegada dos imigrantes, prin-
cipalmente europeus (Itália, Alemanha, Suíça, Portugal, Espanha) e japoneses
que vinham para o Brasil através de acordos firmados entre o governo brasileiro
e o governo de seus países de origem para substituir a mão de obra escrava. Es-
ses imigrantes recebiam terras (afastadas das grandes fazendas e de qualidade
inferior) para desenvolver a pequena propriedade através da agricultura fami-
liar, principalmente no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e
20 • capítulo 1
Espírito Santo. Mas longe de permitir uma melhor distribuição de terra no Bra-
sil (como poderia se supor), essa política de colonização nunca permitiu que es-
tas pequenas propriedades competissem com as grandes fazendas no que diz
respeito à produção e análise histórica permite reconhecer que essas pequenas
propriedades de agricultura familiar foram sendo tomadas pelas grandes fa-
zendas e o trabalhador, expropriado e expulso do campo.
Outra dimensão importante para a análise da posse da terra no Brasil diz
respeito à Amazônia, o conflito dos posseiros, conflito este que segundo José
de Souza Martins (1980) pode ter origem a partir do regime de sesmarias que
vigorou até 1822 onde as terras eram concedidas a homens de condição e san-
gue limpos (não-negros) que deveriam trabalhar nestas terras para se apropriar
definitivamente delas. Os que não estão incluídos neste sangue limpo (os bas-
tardos, mestiços, filhos de brancos e índias) eram obrigados a buscar novas
terras, a abrir uma posse nova: podem ser caracterizados como os primeiros
posseiros.
Assim, tem-se que a questão agrária, que pode ser visualizada nos conflitos
por terra, no trabalho dos boias-frias, na monocultura que toma conta das ter-
ras férteis do país é uma expressão da questão social.
O profissional de Serviço Social ao trabalhar com os Movimentos de luta
pela posse da terra, com os sindicatos de trabalhadores rurais, nas empresas
responsáveis pelo agronegócio precisa visualizar nesses espaços as contradi-
ções que caracterizam a questão social, e que nesse contexto expressam-se sob
a forma da questão agrária.
Assim, a questão social pode ser visualizada em todas as problemáticas pre-
sentes na realidade brasileira contemporânea, cabendo ao assistente social e
demais profissionais que lidam com essa questão em seu cotidiano de trabalho
a compreensão de todos esses indicadores.
Cumpre destacar que essa é apenas uma das expressões da questão social
no Brasil, escolhida para ilustrar esse capítulo por ser central na compreensão des-
sa temática, na medida em que para o modo de produção capitalista a posse da
terra configura-se como elementar para seu desenvolvimento.
Contudo, temos diversas outras expressões dessa questão e que serão tra-
balhadas ao longo desse livro, como o desemprego gerado pela reestruturação
produtiva, a questão habitacional, a questão de gênero, de raça, geracional.
capítulo 1 • 21
Considerações Finais
Essas são algumas reflexões que possibilitam melhor compreensão de como a
questão social se manifesta, em especial no Brasil. Vale destacar que existem
diversas outras formas de expressão, que cotidianamente são colocadas para o
assistente social, cabendo a esse profissional não atentar-se apenas ao imedia-
to e considerar essas situações como problemáticas individuais mas perceber
e trabalhar com o entendimento de que elas fazem parte de um totalidade que
se configura na apropriação cada vez mais privada do fruto do trabalho coletivo.
ATIVIDADE
1. Em relação ao modo de produção capitalista, existe algum elemento central que o
caracteriza?
2. Em relação ao município onde você reside, quais são as principais expressões da ques-
tão social?
REFLEXÃO
Para nossa reflexão vamos trazer a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Documento
adotado pelas Organizações das Nações Unidas (ONU) em 1948 e que sintetiza em 30
artigos os direitos básicos dos seres humanos. A escolha desse texto para reflexão se dá
porque ele representa na atualidade um dos documentos mais aceitos em matéria de direitos
humanos no cenário mundial como um referencial dos direitos que todos os seres humanos
possuem. Ou seja, estabelece-se o que se espera e se deseja para o ser humano no mundo
todo. A reflexão que surge a partir da leitura dessa Declaração é: Esses direitos estão garan-
tidos para todos? E se não estão, a que se deve essa não garantia? Teria alguma relação com
a desigualdade presente no modo de produção capitalista?
Preâmbulo
22 • capítulo 1
Considerando que o desconhecimento e o desprezo dos direitos do Homem
conduziram a atos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade e
que o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar
e de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta ins-
piração do Homem;
capítulo 1 • 23
Artigo 1°
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.
Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em
espírito de fraternidade.
Artigo 2°
Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclama-
dos na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça,
de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem
nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação.
Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político,
jurídico ou internacional do país ou do território da da naturalidade da pessoa,
seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a
alguma limitação de soberania.
Artigo 3°
Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo 4°
Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o
trafico de escravos, sob todas as formas, são proibidos.
Artigo 5°
Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desu-
manos ou degradantes.
Artigo 6°
Todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento, em todos os lugares, da
sua personalidade jurídica.
Artigo 7°
Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da
lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole
a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
24 • capítulo 1
Artigo 8°
Toda a pessoa direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais compe-
tentes contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela
Constituição ou pela lei.
Artigo 9°
Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Artigo 10°
Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja eqüi-
tativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que
decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação
em matéria penal que contra ela seja deduzida.
Artigo 11°
1. Toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente até que
a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo
público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asse-
guradas.
Artigo 12°
Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua famí-
lia, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e
reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a
proteção da lei.
Artigo 13°
1. Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residên-
cia no interior de um Estado.
capítulo 1 • 25
2. Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, in-
cluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país.
Artigo 14°
1. Toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de benefi-
ciar de asilo em outros países.
2. Este direito não pode, porém, ser invocado no caso de processo realmente
existente por crime de direito comum ou por atividades contrárias aos fins e
aos princípios das Nações Unidas.
Artigo 15°
1. Todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade.
Artigo 16°
1. A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de
constituir família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. Du-
rante o casamento e na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais.
Artigo 17°
1. Toda a pessoa, individual ou coletiva, tem direito à propriedade.
Artigo 18°
Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de
religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção,
26 • capítulo 1
assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em
comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo
culto e pelos ritos.
Artigo 19°
Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que
implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar,
receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e idéias por
qualquer meio de expressão.
Artigo 20°
1. Toda a pessoa tem direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas.
Artigo 21°
1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direção dos negócios, pú-
blicos do seu país, quer diretamente, quer por intermédio de representantes
livremente escolhidos.
Artigo 22°
Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social;
e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e
culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação interna-
cional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país.
capítulo 1 • 27
Artigo 23°
1. Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condi-
ções eqüitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho
igual.
Artigo 24°
Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres, especialmente, a uma
limitação razoável da duração do trabalho e as férias periódicas pagas.
Artigo 25°
1. Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar
e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação,
ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços
sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na
invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsis-
tência por circunstâncias independentes da sua vontade.
Artigo 26°
1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo
menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elemen-
tar é obrigatório. O ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o aces-
so aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em
função do seu mérito.
28 • capítulo 1
2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao
reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favore-
cer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos
os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades
das Nações Unidas para a manutenção da paz.
Artigo 27°
1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da
comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos
benefícios que deste resultam.
Artigo 28°
Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacio-
nal, uma ordem capaz de tornar plenamente efetivos os direitos e as liberda-
des enunciadas na presente Declaração.
Artigo 29°
1. O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possí-
vel o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade. No exercício deste
direito e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações
estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento
e o respeito dos direitos e
capítulo 1 • 29
Artigo 30°
Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada de ma-
neira a envolver para qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito de
se entregar a alguma atividade ou de praticar algum ato destinado a destruir os
direitos e liberdades aqui enunciados.
Disponível em http://www.dudh.org.br/declaracao
Acesso em 15 de Setembro de 2014
LEITURA RECOMENDADA
Recomendamos a Leitura do Capítulo I “O Serviço Social na Contemporaneidade” do Livro “O
Serviço Social na Contemporaneidade: Trabalho e Formação Profissional” de Marilda Vilela
Iamamoto. Nesse Capítulo, a autora aborda de forma aprofundada o entendimento da ques-
tão social e a forma como o Serviço Social trabalha com ela.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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tins Fontes Editora, 2007.1026 p.
ANTUNES, Ricardo (org) A Dialética do Trabalho: escritos de Marx e Engels. Volume II.
São Paulo: Expressão Popular, 2013.232 p.
BARBOSA, Alexandre de Freitas. (org) O Brasil real: a desigualdade para além dos indica-
dores. São Paulo: Outras Expressões, 2012. 149p.
30 • capítulo 1
IAMAMOTO, Marilda Vilela. O Serviço Social na Contemporaneidade: Trabalho e For-
mação Profissional. 8 ed. São Paulo: Cortez Editora, 2005. 326p.
MARX, Karl. A origem do Capital: a acumulação primitiva. São Paulo: Global Editora,
1977.140p.
NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. 8.ed. São Paulo: Cor-
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Paulo: Hucitec Editora, 1980. 190 p.
PONTES, Reinaldo Nobre. Mediação e serviço social: um estudo preliminar sobre a ca-
tegoria teórica e sua apropriação pelo serviço social 3.ed. São Paulo: Cortez, 2002. 350p.
NO PRÓXIMO CAPÍTULO
No capítulo 2 apresentaremos a reflexão sobre o conceito de classes sociais e sua relação
com a questão social. Bons estudos.
capítulo 1 • 31
2
Classes Sociais e
Questão Social
2 Classes Sociais e Questão Social
Este capítulo sobre classes sociais e questão social complementa a análise inicia-
da no capítulo anterior, apresentando os elementos necessários para a compre-
ensão da luta de classes dentro do modo de produção capitalista e quais os rebati-
mentos dessa luta nas configurações da questão social.
A partir de referenciais críticos da filosofia busca-se analisar o conceito de
classe social, entendendo que esse é bastante amplo e necessita-se de um cui-
dado maior ao analisá-lo. Apresentamos a definição a partir do Dicionário de
Filosofia e discutimos como esse conceito está presente na atualidade, pon-
tuando então como se desenvolve o conflito de classes e como isso rebate na
questão social.
Encerrando o capítulo trabalhamos as relações do Serviço Social nessas
questões, pontuando como o Serviço Social trabalha com a questão social. Fi-
nalizando, trazemos para a reflexão um texto bastante importante, que apre-
senta alguns parâmetros para o entendimento de classe social no Brasil con-
temporâneo.
Esse texto, na verdade uma reportagem, sistematiza as classes sociais no
Brasil usando como parâmetro o critério de renda e comparando com o crité-
rio utilizado pelo Governo Federal. É interessante porque possibilita uma apro-
ximação mais pontual com a realidade concreta brasileira e contribui para a
compreensão dos elementos que compõem a ideia de classe social.
Ao longo do capítulo temos algumas indicações de textos e leituras com-
plementares que vão te auxiliar no entendimento de mais essa dimensão im-
portante para a compreensão da questão social no Brasil, e consequentemente
para a análise do trabalho profissional do Serviço Social, na medida em que
essa questão constitui-se base de fundação do trabalho do assistente social.
Desejamos bons estudos e temos certeza de que a leitura desse texto base,
bem como dos indicativos complementares e ainda as reflexões propostas na Ati-
vidade e no Texto de Reflexão possibilitarão um estudo aprofundado das classes
sociais e questão social no Brasil.
34 • capítulo 2
OBJETIVOS
A partir do estudo desse Capítulo o aluno compreenderá a luta de classes dentro da lógica
capitalista, conceituando esses entendimentos, e ainda a questão social e suas expressões
no âmbito da acumulação capitalista, contextualizando também o trabalho do assistente so-
cial. Dessa forma, espera-se que ao término desse capítulo o aluno possa:
• Definir o conceito de classes sociais
• Conceituar questão social
• Compreender a luta de classes na lógica capitalista
• Estabelecer relações entre Serviço Social e a Questão Social
REFLEXÃO
No primeiro capítulo nós estudamos as origens do modo de produção capitalista e as deter-
minações históricas que constituem a questão social, apontando algumas de suas formas
de manifestação na contemporaneidade. Encerramos com a reflexão acerca da Declaração
Universal dos Direitos Humanos que estabelece diversos direitos que acabam sendo cerce-
ados no modo de produção capitalista, contribuindo para o agudizamento da questão social.
O Serviço Social é uma profissão liberal, ou seja, que possui um Código de Ética
e uma Lei que regulamenta profissão. Dessa forma, qualquer pessoa que deseje
ser assistente social precisa cumprir as determinações estabelecidas na Lei, ou
seja, concluir um curso superior em Serviço Social e cumprir as normativas do
Código de Ética.
Para a profissão o conceito de classe social é fundamental, na medida em que
a profissão desenvolve-se no processo histórico de desenvolvimento da socieda-
de e em um processo dialético influencia e é influenciada por essa sociedade.
Tendo em vista que o Código de Ética é a sistematização dos compromis-
sos éticos da profissão, podemos apontar que nos princípios fundamentais, em
pelo menos dois deles fica explicito que no Serviço Social tem uma discussão
muito presente acerca de classes sociais.
capítulo 2 • 35
III. Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial
de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e polí-
ticos das classes trabalhadoras;
CLASSE (in. Class; fr. Classe, ai. Klasse, it.Classe). Em sentido sociológico, corresponde
ao que os antigos chamavam de “parte da cidade” e designa um grupo de cidadãos
definido pela natureza da função que exercem na vida social e pela parcela de vanta-
gens que extraem de tal função. Platão admitia três Classes, ou melhor, três partes da
sua cidade ideal: a dos governantes ou filósofos, a dos guerreiros e a dos agricultores
e artífices; confiava à primeira a tarefa de distribuir os indivíduos entre as classes. Aris-
tóteles enumera oito Classes: agricultores, operários mecânicos, comerciantes, servos
agrícolas, guerreiros, juizes,ricos e magistrados. (...) A noção de C. ficou muito acentua-
da no séc. XVIII, por obra da Revolução Francesa e de todo o movimento cultural que a
promoveu e a acompanhou.
36 • capítulo 2
Em filosofia, porém, ela só ganha destaque graças a Hegel, que considerava a divisão
das Classes como um ajustamento necessário da sociedade civil, devido a bens privados,
ou seja, ao capital, à aptidão dos indivíduos que, em parte, é condicionada pelo capital, a
circunstâncias contingentes devidas à diversidade das disposições e das necessidades
físicas e espirituais. Hegel atribuiu às Classes a função mediadora entre o governo e o
povo; sua determinação exige nelas tanto o sentido e o sentimento de Estado e governo,
quanto o dos interesses dos grupos particulares e dos indivíduos. O conceito de Classes,
assim elaborado por Hegel, foi usado por Marx como fundamento da sua doutrina da
luta de classes. (ABBGNANO, 2007, p.144/145, grifo nosso. Retiramos do texto as
indicações de notas bibliográficas presentes no original para facilitar a leitura)
Temos assim que o conceito de classes vem desde os antigos gregos e im-
plica um grupo de cidadãos, classificados e definidos a partir da função que
exercem na sociedade onde estão inseridos, mas também pelas vantagens, ou
privilégios que tal função lhes permite. Tem-se que algumas classes possuem
diversos privilégios, enquanto outras não possuem nem mesmo os direitos bá-
sicos garantidos.
No modo de produção capitalista, em especial a partir do liberalismo eco-
nômico, mesmo que as classes sociais estejam bastante definidas, busca-se tra-
balhar com a ideia de que essa divisão não existe e depende apenas do esforço
individual de cada um.
CONCEITO
O liberalismo econômico é uma teoria surgida no final do século XVIII que pregava que o
Estado não deveria intervir nos rumos da economia, tendo em vista que o mercado se regu-
laria automaticamente. Essa ideia é expressa no termo “mão invisível do mercado”, difundida
por Adam Smith. Segundo Smith, a prosperidade econômica e a riqueza são conquistadas
através do trabalho livre, sem nenhuma espécie de intervenção ou regulação estatal. Assim, o
enriquecimento e a acumulação de riquezas vai depender exclusivamente de cada indivíduo,
do esforço que ele emprega para a conquista de seus objetivos. Dessa forma, o liberalismo
econômico e a partir do final do século XX, o neoliberalismo prega o individualismo negando
a existência de classes sociais, e pontuando que cada pessoa depende apenas dela para
garantir seu desenvolvimento.
capítulo 2 • 37
Contudo, como afirmamos anteriormente, o Serviço Social baseado na te-
oria crítica, trabalha com a ideia de que no modo de produção capitalista exis-
tem classes sociais e que essas classes estão em correlação de forças buscando
assegurar os seus interesses.
Assim, conforme apresentado no Capítulo 1, o modo de produção capitalis-
ta se desenvolve a partir de um grupo de pessoas que possuem os meios neces-
sários para produção (matéria prima, ferramentas, espaço físico), ou seja, os
capitalistas, ou proprietários, e outro grupo de pessoas que por não possuírem
esses meios de produção precisam vender sua força de trabalho para garantir
sua sobrevivência. Esses são os trabalhadores, assalariados, ou em uma leitura
mais crítica, os explorados pelo modo de produção capitalista. Assim, no âm-
bito da leitura marxista acerca do modo de produção capitalista temos duas
classes sociais fundamentais: os capitalistas e os trabalhadores.
CONEXÃO
Para aprofundar a discussão acerca de classes sociais no Brasil podemos apontar de forma
especial as mudanças em relação a classe trabalhadora. O texto indicado é “A classe traba-
lhadora frente às mudanças no perfil do assalariamento no Brasil” de Rita Matos Coitinho. No
texto, fruto de seu mestrado em Sociologia, a autora discute as modificações na chamada
classe trabalhadora.
RESUMO
38 • capítulo 2
brasileira contemporânea e procura demonstrar quem são
os componentes da classe trabalhadora na atualidade.
capítulo 2 • 39
mais complexa a análise da classe trabalhadora, uma vez que
esta se encontra mais fragmentada. Palavras-chave: classes
sociais, classe trabalhadora, assalariamento.
Considerando que a questão social tem sua origem na contradição entre ca-
pital e trabalho e que agudiza-se a partir do desenvolvimento econômico, que
amplia os horizontes para a sociedade com avanços tecnológicos, científicos,
culturais, mas que não garante que todos tenham acesso ao fruto desses avan-
ços, podemos apontar que a existência das classes sociais está diretamente re-
lacionada com a questão social.
No último século a Medicina se desenvolveu de forma espetacular, crian-
do-se os mais modernos tratamentos, cirurgias e remédios para praticamente
todas as doenças existentes. Contudo, esses tratamentos estão disponíveis ape-
nas para uma parcela bem pequena da população, sendo que os demais estão
excluídos desse processo.
O que exclui essas pessoas do acesso a esses bens? A estrutura da socieda-
de com base no modo de produção capitalista, que cria classes detentoras de
todos os recursos e classes que trabalham produzindo a riqueza, mas que não
possuem acesso a ela.
Assim, classe social está diretamente relacionada à questão social. E a luta
de classes é uma forma de enfrentamento da questão social, na medida em que
conforme Iamamoto, a questão social é também rebeldia.
(...) Questão social, que sendo desigualdade é também rebeldia, por envolver sujeitos
que vivenciam as desigualdades e a ela resistem e se opõem. É nesta tensão entre
produção da desigualdade e produção da rebeldia e da resistência que trabalham os
assistentes sociais, situados nesse terreno movidos por interesses sociais distintos,
aos quais não é possível abstrair ou deles fugir porque tecem a vida em sociedade”.
(IAMAMOTO, 2005.p.28)
40 • capítulo 2
Nesse contexto, mesmo que a classe social limite e exclua as pessoas do
acesso a bens e serviços produzidos coletivamente nessa sociedade, essas pes-
soas resistem também a essas desigualdades, produzindo essa luta de classes
e contribuindo ainda para a caracterização da questão social, também como
resistência.
É possível portanto entender que a luta ou conflito de classes não é apenas
os conflitos armados, ou protestos, ou movimentos que acontecem eventual-
mente, mas que trata-se de um processo que desenvolve-se cotidianamente no
âmbito da sociedade que se desenvolve sob o modo de produção capitalista na
medida em que não é possível harmonizar totalmente os interesses, visto que
eles estão sempre em oposição.
CONCEITO
Em relação ao termo luta de classes vale esclarecer que o mesmo foi criado por Karl Marx
e não se resume a uma ou outra dimensão da vida em sociedade mas envolve aspectos
econômicos, políticos, culturais, ambientais, enfim, toda a sociedade que se estabelece sob
o modo de produção capitalista. Essa luta/conflito se desenvolve porque os capitalistas, pro-
prietários dos meios de produção ou burguesia, conforme denomina Marx, exercem seu
poder de mando em todos os aspectos da vida em sociedade, determinando (também a partir
da ideologia) a forma como a classe trabalhadora deve viver. Assim, tem-se um conflito his-
tórico, que de acordo com a teoria crítica só se resolve quando houver a superação do modo
de produção capitalista. Ou seja, o conflito, a luta de classes é parte do modo de produção
capitalista. Referência: MARX, Karl. O Capital : Crítica da Economia Política. Livro 1, Volume
2. 25 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira Editora, 2011. 966p
capítulo 2 • 41
O projeto ético político hegemônico do Serviço Social estabelece que a pro-
fissão tem o compromisso maior com a classe trabalhadora, ou seja, de acordo
com o direcionamento político da categoria, o assistente social defende sim
apenas um lado na luta de classes: o dos trabalhadores.
O compromisso ético da profissão em relação à luta de classes é evidente-
mente pela classe trabalhadora e assim o profissional posiciona-se de forma
clara a favor dos trabalhadores.
Evidente que isso não significa o rompimento com a classe capitalista, até
porque isso não seria possível tendo em vista a necessidade de condições objeti-
vas que assegurem a própria sobrevivência do profissional. Contudo, o assisten-
te social precisa compreender que ele próprio é um trabalhador, e que portanto,
seus interesses não são os mesmos dos detentores dos meios de produção.
Trabalhar com a defesa dos interesses das classes trabalhadoras, mas sem o
rompimento definitivo com a classe capitalista só é possível com o desenvolvimen-
to da competência ético-política. Não se trata de duas caras, ou ser um profissional
“em cima do muro”, mas sim de encontrar as estratégias necessárias para o diá-
logo com as classes detentoras do poder. A opção em favor da classe trabalhadora
deve ser sempre radical, ou seja, não pode haver dúvidas quanto à sua necessidade,
mas o discurso pode ser devidamente apropriado para o momento presente.
CONEXÃO
A dissertação de Mestrado em Serviço Social de Tais Pereira de Freitas, intitulada “Entre as
safras da cana-de-açúcar: desafios para o profissional de Serviço Social na agroindústria ca-
navieira”, trata do trabalho do assistente social em defesa dos direitos dos trabalhadores do
corte da cana-de-açúcar, apresentando a necessidade de um trabalho efetivo do assistente
social junto aos trabalhadores, sem desconsiderar o necessário diálogo com os proprietá-
rios e empregadores. Em especial no capítulo 03 a autora aponta os desafios presentes,
mas destaca também as possibilidades para o trabalho. Cumpre destacar um trecho final do
capítulo 03, onde a autora destaca a competência política do assistente social, ou seja, os
significados de uma intervenção tendo em vista o conflito de classes.
42 • capítulo 2
Sobre a competência política do assistente social é preciso destacar que a prática pro-
fissional está atrelada ao fazer política entendida na concepção para além de política
partidária, no conceito de formas de organização, direção, administração. Fazer política
para o Serviço Social é estar no jogo de forças que se estabelecem entre trabalhadores
e empresa, entre Poder Público e usuários dos serviços sociais entre outros. (FREITAS,
2009, p.93)
Disponível em: http://www.franca.unesp.br/Home/Pos-graduacao/ServicoSocial/Dis-
sertacoes/tais.pdf (Acesso em 18 de Setembro de 2014)
capítulo 2 • 43
veis a sua realização, quais sejam matéria prima e instrumentos, entre outros,
ficando de um lado o trabalhador e, de outro, o que possui essas condições.
O trabalho do assistente social na contemporaneidade exige um profissio-
nal competente na leitura atenciosa e crítica em relação às configurações da
sociedade, uma vez que o trabalho profissional só tem sentido na história da so-
ciedade na qual está inserido e da qual faz parte, e, portanto as mudanças que
ocorrem nesta incidem sobre a práxis do Serviço Social. “Pensar o Serviço Social
na contemporaneidade requer os olhos abertos para o mundo contemporâneo
para decifrá-lo e participar de sua recriação”. (IAMAMOTO, 2005, p.19)
Pensar o trabalho profissional do Serviço Social na realidade brasileira atu-
al não pode prescindir da leitura que iniciamos no capítulo anterior, ou seja,
de considerar sobretudo a macro estrutura brasileira, assentada sobre as bases
de um estado capitalista monopolista, estado esse mínimo no que diz respeito
ao bem social, mas ao mesmo tempo um Estado máximo para o capital, finan-
ciando o desenvolvimento das grandes empresas e bancos e repassando para a
sociedade civil a responsabilidade de atuação frente às demandas decorrentes do
agudizamento da questão social.
O mundo do trabalho também sofre alterações significativas. Conforme ve-
remos no próximo capítulo, atualmente visualiza-se um retrocesso em relação
aos direitos trabalhistas, mas com o discurso do moderno, da eficiência econô-
mica e administrativa, reduzindo gastos e aumentando os lucros. Com isso, as
empresas vão sendo terceirizadas e as relações de trabalho precarizadas, com
a retomada de formas de trabalho arcaicas como o trabalho em casa, trabalho
familiar, além do não reconhecimento de direitos sociais e trabalhistas.
Considerando que o trabalho profissional do Serviço Social tem interlocu-
ção com todos esses aspectos da realidade brasileira contemporânea, é possível
tecer algumas considerações/reflexões sobre os determinantes desse trabalho.
No cotidiano do trabalho profissional do assistente social por vezes sobres-
saem as ações emergenciais, ou mesmo socioassistenciais, ou seja, aquelas
de atendimento direto à população usuária de serviços, compreendendo por
exemplo, entrevistas, acolhimentos, visitas domiciliares, encaminhamentos,
garantia de acesso a benefícios.
Contudo, esse não é (ou pelo menos não deveria ser) o foco de ações do Ser-
viço Social na medida em que o assistente social trabalha fundamentalmente
44 • capítulo 2
com as ações socio-educativas, ou seja, aquelas voltadas para o enfrentamento
da problemática atual mas que tem como foco o futuro; ações que buscam ga-
rantir a emancipação dos usuários.
Nesse contexto, o assistente social é o profissional competente para atuar nos
mais diversos segmentos, com planejamento, organização, implementação, exe-
cução, avaliação, pesquisa, consultoria, assessoria e gestão.
Mas essas ações estão sempre voltadas para atender às demandas dos usu-
ários dos serviços buscando-se garantir o acesso aos direitos que estão garanti-
dos em toda a Legislação Brasileira.
Cumpre destacar que dessa forma, o assistente social tem como foco de seu
trabalho as expressões da questão social, ou como afirma Iamamoto, (2005,
p.27) “O Serviço Social tem na questão social a base de sua fundação como es-
pecialização do trabalho”.
Exatamente por isso, decifrar as novas mediações por meio das quais se expressa a
questão social, hoje, é de fundamental importância para o Serviço Social em uma dupla
perspectiva: para que se possa tanto apreender as várias expressões que assumem, na
atualidade, as desigualdades sociais - sua produção e reprodução ampliada - quanto
projetar e forjar formas de resistência e de defesa da vida. Formas de resistência já pre-
sentes, por vezes de forma parcialmente ocultas, no cotidiano dos segmentos majoritá-
rios da população que dependem do trabalho para a sua sobrevivência. Assim, apreender
a questão social é também captar as múltiplas formas de pressão social, de invenção e
de re-invenção da vida construí das no cotidiano, pois é no presente que estão sendo
recriadas formas novas de viver, que apontam um futuro que está sendo germinado. Dar
conta dessa dinâmica supra referida, parece ser um dos grandes desafios do presente,
pois permite dar transparência a valores atinentes ao gênero humano, que se tornam
cada vez mais opacos no universo da mercantilização universal e do culto do individua-
lismo. Enfim, decifrar as múltiplas expressões da questão social, sua gênese e as novas
características que assume na contemporaneidade, atribuindo transparência às iniciati-
vas voltadas à sua reversão e/ou enfrentamento imediato. (IAMAMOTO, 2005, p.28/29)
capítulo 2 • 45
ATIVIDADE
1. Faça uma pesquisa bibliográfica acerca da história das classes sociais e aponte quais
os determinantes que mudam com o modo de produção capitalista
REFLEXÃO
Considerando que o conceito de classes sociais está sempre sendo discutido, e que o as-
sistente social precisa atentar-se para essas reflexões apresentamos a reportagem “Veja
Diferenças entre conceitos que definem classes sociais no Brasil”, publicado em Agosto de
2013, no portal G1.A reportagem é de Gabriela Gasparini.
Um novo critério para a definição das classes sociais no Brasil será adotado a partir de
2014 pela Associação Brasileira de Empresas e Pesquisas (Abep), que representa a ativida-
de de pesquisa de mercado, opinião e mídia do país. O conceito está no livro “Estratificação
Socioeconômica e Consumo no Brasil”, lançado no último dia 15, e foi elaborado pelos pro-
fessores Wagner A. Kamakura (Rice University) e José Afonso Mazzon (FEA-USP).
O critério contrasta com o usado pelo Governo Federal, lançado em 2012 pela Secreta-
ria de Assuntos Estratégicos (SAE). Um dos pontos é que estabelece sete estratos sociais,
enquanto o da SAE aponta 8.
A faixa de renda familiar em cada um também varia. No da SAE, por exemplo, a renda
familiar do grupo “extremamente pobre” (a base da pirâmide) é de até R$ 324, quanto o novo
modelo determina uma base com renda média familiar de R$ 854 (que por ser média, pode
variar um pouco para cima ou para baixo).
O G1 conversou com Mazzon, que apontou as principais diferenças entre os critérios.
46 • capítulo 2
GRUPOS DE RENDA DA POPULAÇÃO
CLASSIFICAÇÃO DO GOVERNO (SAE)
NOVO CRITÉRIO
GRUPORENDA
RENDA PER RENDA A SER ADOTADO
GRUPO MÉDIA
CAPITA FAMILIAR PELA ABEP EM
FAMILIAR
2014
Extremamente
Até R$ 81 Até R$ 324 1 R$ 854
pobre
Pobre, mas
não extrema- Até R$ 162 Até R$ 648 2 R$ 1.113
mente pobre
Baixa classe
Até R$ 441 Até R$ 1.764 4 R$ 2.674
média
Média classe
Até R$ 641 Até R$ 2.564 5 R$ 4.681
média
Alta classe
Até R$ 1.019 Até R$ 4.076 6 R$ 9.897
média
Baixa classe
Até 2.480 Até R$ 9.920 7 R$ 17.434
alta
Acima de
Alta classe alta Acima de 2.480 --
R$ 9.920
capítulo 2 • 47
O professor explica, contudo, que mesmo que uma pessoa deixe o emprego, ela continua
com o antigo padrão de vida por um determinado período de tempo, mesmo que a renda
corrente seja zero – para isso ela pode usar, por exemplo, recursos de um dinheiro guardado
na poupança, crédito etc. “Eu consigo viver mantendo o meu padrão [por um determinado pe-
ríodo], mas a renda corrente caiu para zero, se essa pessoa fosse medida pelo outro critério,
ela saiu da linha”, explica.
48 • capítulo 2
marketing e decisões estratégicas que dependem de análise de potencial de mercado. “Claro
que serve para política pública, não há a menor dúvida que pode ser usado também na área
de marketing social”, explica.
O professor explica, ainda, que a definição criteriosa de classes sociais no Brasil é im-
portante por uma questão de ‘Justiça social’. “As classes que nos quereremos mostrar tem
perfis diferentes, quando eu falo em perfil estou falando de um padrão de vida como um todo,
se a gente quiser uma sociedade menos desigual a gente teria que reduzir distâncias entre
classes socioeconômicas”, avalia.
Disponível em http://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/2013/08/veja-diferen-
cas-entre-conceitos-que-definem-classes-sociais-no-brasil.html Acesso em 18 de Setem-
bro de 2014.
LEITURA RECOMENDADA
Para sistematizar as discussões que foram realizadas nesse capítulo, em especial no que diz
respeito a classes sociais e o conflito de classes recomendamos a leitura do livro “O que é
Marxismo” da Coleção Primeiros Passos. O livro é de autoria de José Paulo Netto e trabalha
de maneira bastante clara os fundamentos da teoria marxista, que é onde discute-se o con-
ceito de luta de classes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5 ed. revista e ampliada.São Paulo: Mar-
tins Fontes Editora, 2007.1026 p.
ANTUNES, Ricardo (org) A Dialética do Trabalho: escritos de Marx e Engels. Volume II.
São Paulo: Expressão Popular, 2013.232 p.
BARBOSA, Alexandre de Freitas. (org) O Brasil real: a desigualdade para além dos indica-
dores. São Paulo: Outras Expressões, 2012. 149p.
capítulo 2 • 49
BRASIL. Lei 8.662 de 07 de Junho de 1993. Dispõe sobre a profissão de assistente social
e dá outras providências. Brasilia: Presidência da República, 1993.
MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço Social: Identidade e Alienação. São Paulo: Cortez
Editora, 1993.168p
MARTINELLI, Maria Lúcia. (Org) Pesquisa qualitativa: um instigante desafio. São Paulo:
Veras, 1999. 143 p.
MARX, Karl. A origem do Capital: a acumulação primitiva. São Paulo: Global Editora,
1977.140p.
MARX, Karl. O Capital : Crítica da Economia Política. Livro 1, Volume 2. 25 ed. Rio de Janei-
ro: Civilização Brasileira Editora, 2011. 966p.
MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 14.
ed. Petrópolis: Vozes, 1999. 102 p.
NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. 8.ed. São Paulo: Cor-
tez Editora, 2011.
MARTINS, José de Souza. Expropriação & Violência: a questão política no campo. São
50 • capítulo 2
Paulo: Hucitec Editora, 1980. 190 p.
PONTES, Reinaldo Nobre. Mediação e serviço social: um estudo preliminar sobre a ca-
tegoria teórica e sua apropriação pelo serviço social 3.ed. São Paulo: Cortez, 2002. 350p.
REIS, Marcelo Braz Moraes dos. Notas sobre o Projeto ético político do Serviço So-
cial. In: Coletânea de Leis, Belo Horizonte, CRESS MG, 2005. 30p.
NO PRÓXIMO CAPÍTULO
No capítulo 3 discutiremos o mundo do trabalho e as mudanças ocorridas no mesmo, enten-
dendo as suas contradições enquanto expressões da questão social e como se dá o trabalho
do assistente social nessa dimensão. Te esperamos lá. Bons estudos.
capítulo 2 • 51
3
Reestruturação
Produtiva e Questão
Social no Século XXI
3 Reestruturação Produtiva e Questão
Social no Século XXI
OBJETIVOS
O estudo desse capítulo permitirá ao aluno compreender a relação entre questão social e
mundo do trabalho, possibilitando a discussão acerca das expressões da questão social no
cotidiano dos trabalhadores, relacionando com o contexto neoliberal e apontando possibi-
lidades para o trabalho do assistente social nesse cenário. Dessa forma, espera-se que ao
término desse capítulo o aluno possa:
• Entender as mudanças no mundo do trabalho dentro do contexto neoliberal
• Entender as expressões da questão social no mundo do trabalho
• Identificar estratégias de atuação do assistente social nesse contexto
54 • capítulo 3
Você se lembra?
REFLEXÃO
No capítulo anterior nós estudamos acerca das classes sociais e a relação com o modo de
produção capitalista, destacando que o conflito e luta de classes nesse sistema constituem-
-se também como formas de expressão da questão social, e que o assistente social precisa
atentar-se para as mudanças ocorridas em relação às manifestações da questão social para
assim construir sua práxis profissional.
Sabemos que é a partir do trabalho, em sua realização cotidiana, que o ser social se
distingue de todas as formas pré-humanas. Os homens e mulheres que trabalham são
dotados de consciência, uma vez que concebem previamente o desenho e a forma que
querem dar ao objeto do seu trabalho. (...)
capítulo 3 • 55
O trabalho é também fundamental na vida humana porque é condição para a existência
social. Conforme disse Marx, em O Capital: Como criador de valores de uso, como tra-
balho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existência do homem, independente
de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do metabo-
lismo entre homem e natureza e portanto, vida humana.” (Marx, K. O capital, V.I, p.50).
E ao mesmo tempo em que os indivíduos transformam a natureza externa, têm também
alterada sua própria natureza humana, num processo de transformação recíproca que
converte o trabalho social num elemento central do desenvolvimento da sociabilidade
humana. (ANTUNES, 2013, p.07/08)
Mas, se, por um lado, podemos considerar o trabalho como um momento fundante da
vida humana, ponto de partida do processo de humanização, por outro, a sociedade
capitalista o transforma em trabalho assalariado, alienado, fetichizado. O que era uma
finalidade central do ser social converte-se em meio de subsistência. (...) O trabalho,
como atividade vital, se configura então como trabalho alienado, expressão de uma
relação social fundada na propriedade privada, no capital e no dinheiro. Alienado frente
ao produto do seu trabalho e frente ao próprio ato de produção da vida material, o ser
social torna-se um estranho frente a ele mesmo: o homem estranha-se em relação ao
próprio homem, tornando-se estranho em relação ao gênero humano, como também
nos mostrou Marx.
56 • capítulo 3
Ou seja, Antunes nos mostra que é o modo de produção capitalista que
transforma o que era uma finalidade central do ser humano, o que dava prazer,
o que permitia que o ser humano se reconhecesse no que produzia (fosse mú-
sica, poesia, ou uma ferramenta) em algo deslocado do ser humano, alienado,
separado do ser social.
Essa forma alienada com vistas apenas a garantia de sobrevivência vai ca-
racterizar o trabalho no modo de produção capitalista, em especial a partir da
Primeira Revolução Industrial e das duas demais Revoluções que seguiram, na
medida em que com a Primeira Revolução (Século XVIII) surgiram transforma-
ções importantes como a máquina a vapor, com a Segunda Revolução (Mea-
dos do século XIX) começam as modernizações de equipamentos e produtos,
produzindo-se carros, televisores e na Terceira Revolução (Século XX, a partir
da década de 1920) conhecida como Revolução Tecnólogica desenvolve-se a
produção de sofwtares, robôs e diversos produtos eletroeletrônicos que recon-
figuram de maneira significativa a forma de produção e consequentemente de
trabalho no mundo.
CONEXÃO
Acerca das Revoluções Industriais ocorridas no mundo, vale destacar a leitura do texto “Revolu-
ções Industriais: Primeira, Segunda e Terceira Revoluções” de Anselmo Lázaro Branco que faz
capítulo 3 • 57
um resumo simples e objetivo desses momentos históricos apontando as principais transfor-
mações ocorridas. Abaixo trechos do texto e a indicação do link para leitura do artigo completo.
Disponível em http://educacao.uol.com.br/disciplinas/geografia/revolucoes-industriais-primei-
ra-segunda-e-terceira-revolucoes.htm Acesso em 21 de Setembro de 2014.
58 • capítulo 3
3.2 A reestruturação produtiva
capítulo 3 • 59
que essa crise, que se mostra em alterações significativas no modo de produ-
ção, nas formas de trabalho e em outras configurações da sociedade não ace-
nam o fim de um sistema, mas adequações na sua estrutura produtiva objeti-
vando fundamentalmente sua manutenção. Teixeira (1996, p.73-74) sintetiza essas
reflexões no seguinte trecho:
Hoje o capital revolucionou sua estrutura produtiva ao ponto de tornar o trabalho vivo
evanescente dentro da estrutura produtiva da empresa. Por conta disso, o trabalho dire-
to, imediato, não é mais a unidade dominante dentro das grandes unidades de capital. E
não é mais porque essas unidades retêm as tecnologias mais sofisticadas e avançadas,
a alma do segredo da produção, e repassam para trabalhadores, tornados “independen-
tes e autônomos”, a tarefa de produzir o grosso do produto. (TEIXEIRA, 1996, P.73-74)
• A partir de 1980 teria-se então outra fase dessa reestruturação que confi-
guraria o mundo do trabalho precarizado da contemporaneidade. Tem-
-se o predomínio de um padrão de acumulação capitalista, bem como
uma “mundialização do capital” e ainda o que se pode ser chamado de
Terceira Revolução Industrial, ou Revolução Tecnológica.
60 • capítulo 3
Esse momento irá trazer em seu bojo alterações profundas na estruturação
do mercado de trabalho, reduzindo-se oportunidades de emprego, exigindo-se
trabalhadores polivalentes, multifuncionais e que se disponham a “colaborar”
com a empresa. Segundo Alves (2000, p.66/67):
capítulo 3 • 61
Todavia as contradições continuam inerentes a esse modo de produção,
mudando apenas a forma como isso se apresenta no concreto, aparentemente
não mais compradores e vendedores de força de trabalho, mas “produtores in-
dependentes de mercadorias” (TEIXEIRA, 1996, p.73), o que parece mascarar a
exploração da mais valia. Contudo, essa ilusão não resiste a análise detalhada.
O trabalhador continua produzindo para outrem, só que agora longe do espaço
empresarial/industrial, desvinculado do “patrão”, mas ainda assim sem acesso
aos rendimentos reais dessa produção o que desconstrói a idéia de “fim do
trabalho” e mostra que o que ocorre é uma busca de assegurar as condições
para a prevalência da exploração, para que se mantenha na atual configuração
societária, a lógica de obtenção de lucro através da produção de mercadorias.
CONEXÃO
Uma das expressões da reestruturação produtiva é o trabalho informal. As dificuldades para
conceituação do que é o trabalho informal devem-se em grande parte à heterogeneidade
de manifestações de trabalho não formal, não regulamentado, onde não estão garantidos os
direitos preconizados nas legislações específicas, no caso brasileiro, a Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT). Dessa forma, pensa-se trabalho informal em oposição a trabalho formal.
Todavia, esse entendimento não contempla a amplitude das possibilidades conceituais acerca
da categoria “trabalho informal”. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) em documento
da série “Trabalho Decente no Brasil” (OIT,2010) vai discutir algumas das questões relaciona-
das ao trabalho informal, iniciando por um histórico da dificuldade de definições acerca do tra-
balho informal e apontando então as razões para o emprego do conceito “economia informal”,
em substituição a trabalho informal. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT),
economia informal é o termo que melhor traduz essa heterogeneidade das expressões da in-
formalidade, visto que abrange tanto a definição de “unidade produtiva”, quanto à definição de
“ocupação”. No entanto, para as reflexões acerca dos impactos em relação ao agudizamento
da questão social que volta-se prioritariamente para as problemáticas relacionadas a ocupa-
ção e não a unidades produtivas, podemos utilizar o conceito de trabalho informal, entendido
como condição construída a partir de situações prejudiciais ao trabalhador: flexibilização de
direitos trabalhistas e previdenciários, rendimentos baixos e irregulares, locais de trabalho não
definidos, jornadas extensas de trabalho, baixos níveis de qualificação.
Para essas e outras as discussões acerca do trabalho informal recomendamos a leitura da
cartilha “Economia Informal: aspectos conceituais e teóricos” de José Dari Krein e Marcelo
Weihasput Proni.
62 • capítulo 3
Disponível em http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/employment/pub/eco-
nomia_informal_241.pdf Acesso em 22 de Setembro de 2014.
capítulo 3 • 63
vez mais coletiva enquanto que a apropriação do que é produzido mantém-se pri-
vada, monopolizada por alguns grupos e indivíduos. O processo de reestrutura-
ção produtiva expressa o paradoxo da mudança das formas tradicionais de tra-
balho (desenvolvidas principalmente a partir da industrialização da produção)
para manifestações heterogêneas de ocupações com objetivo de geração de ren-
da e garantia de sobrevivência, mas que ao mesmo tempo assegura a continuidade
do sistema econômico do capital não sendo alteradas as condições essenciais
para seu desenvolvimento.
Assim, as problemáticas que envolvem as relações trabalhistas na contem-
poraneidade podem ser entendidas também a partir da análise da questão so-
cial e seus diversos rebatimentos cabendo ao assistente social entender essas
determinações e se preparar para nelas intervir, como veremos no próximo item.
ATENÇÃO
O assistente social, qualquer que seja o espaço socioocupacional onde esteja inserido pre-
cisa preparar-se para a intervenção junto aos trabalhadores, sejam formais ou informais.
Assim, cabe ao profissional procurar informações acerca das leis que regem as relações as
trabalhistas bem como os direitos e garantias gerais dos quais os trabalhadores são sujeitos.
Assim, é importante o conhecimento acerca da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT),
das normativas previdenciárias e das resoluções e normativas do Ministério do Trabalho. O
assistente social deve procurar informar-se em especial acerca da principal ocupação eco-
nômica do município onde atua e assim acompanhar resoluções, acordos coletivos e demais
informações importantes para os trabalhadores, na medida em que o Serviço Social trabalha
diretamente com a garantia de direitos.
64 • capítulo 3
Para entendermos como o Serviço Social historicamente se posicionou a fa-
vor da classe trabalhadora, é preciso olhar para a história da profissão no país,
que começa a desenhar-se a partir da década de 1930, quando o país vive um
momento de vinculação da economia ao mercado mundial, a passagem de um
modelo agrário-exportador para a formação de um polo industrial.
Aggio e Barbosa (2002), analisam esse período destacando que até 1930, as
relações econômicas, políticas e sociais no Brasil são marcadas pela economia
agrário-exportadora de café, e pela República na qual a participação política se
limitava a São Paulo e Minas, o que entre outros aspectos vai culminar na Revo-
lução de 1930. Após disputas políticas, e mesmo disputas armadas, o processo
culmina na posse de Getúlio Vargas em 03 de Novembro de 1930, em caráter
provisório, mas que na verdade vai perdurar por 15 anos.
Com a chegada de Vargas ao poder “inaugura-se nova fase na relação Esta-
do-Sociedade, privilegiando o papel do Estado como garantia do bem comum”
(AGGIO, BARBOSA, 2002, p.21). O país busca entrar na fase de desenvolvimento
industrial, tomando-se todas as medidas necessárias para tal desenvolvimento.
O Estado que desponta nesse período traz para si a responsabilidade de
cuidar da reprodução da força de trabalho e nessas configurações surge o que
Iamamoto (2011, p. 175) denomina protoformas do Serviço Social. A profissão
surge dessa forma em conseqüência do desenvolvimento do sistema capitalis-
ta, das forças produtivas, das relações sociais.
A orientação filantrópica, caritativa e religiosa dos primeiros anos da pro-
fissão direcionou o agir profissional para o desenvolvimento de ações que visa-
vam prioritariamente amenizar os efeitos das relações sociais desiguais sem,
entretanto questionar a origem das desigualdades e mesmo a intervenção nos
espaços financiados pelo Estado também se orientava pelo conceito de filan-
tropia, uma vez que a assistência social era considerada benefício do Estado e
não direito do cidadão, e o profissional, inserido neste contexto, reproduzia em
suas ações este conceito de assistência social como repasse de benefícios.
Nesse contexto, o Movimento de Reconceituação a partir da década de 1960
estabelece novas bases teórico-metodológicas para o agir profissional, questio-
nando o que estava posto em relação tanto a aspectos teóricos quanto às práti-
cas profissionais que até então caracterizavam a profissão.
Desde o Movimento de Reconceituação, transformações ocorreram na so-
ciedade e também na profissão e na atualidade pensar o Serviço Social implica
capítulo 3 • 65
em considerar sobre tudo a macro estrutura brasileira, assentada sobre as ba-
ses de um Estado capitalista com forte orientação neoliberal, o que propõe de-
safios amplos para o trabalho, exigindo competências que se relacionam com
as dimensões téorico, técnica, ética e política.
O compromisso com as classes trabalhadoras, sempre foi a tônica do dis-
curso da profissão, ainda que em seu surgimento no Brasil, este discurso ser-
visse mais para legitimar o trabalho comprometido com o capital, com a ame-
nização das desigualdades por ele criadas. Com os movimentos de ruptura, a
profissão foi sendo pensada e construída de forma que o compromisso com as
classes trabalhadoras não estivesse apenas no plano do discurso, mas que se
tornasse efetivo na atuação cotidiana, nas orientações teóricas e nas concep-
ções políticas. O grande marco dessa mudança de rumos ainda é o Movimento
de Reconceituação, mas desde lá, outras mudanças foram acontecendo e a pro-
fissão hoje tenta construir uma atuação mais dinâmica, comprometida com as
classes trabalhadoras, mas que consiga dialogar com o capital, com o Poder
Público, com as classes historicamente detentoras do poder.
A opção é radical, também conforme destacamos no capítulo anterior, mas
os profissionais já percebem a necessidade de entender a resistência que por
vezes se processa mesmo na operacionalização de práticas pensadas pelas clas-
ses detentoras de poder e capital e que significa instrumentalizar, preparar-se
para o diálogo e a defesa e garantia de direitos historicamente conquistados. O
Serviço Social tem condições de encarar esse desafio sem que os princípios éti-
cos, políticos e ideológicos da profissão sejam perdidos, para isso necessitando
que o profissional se disponha a mobilizar-se, enquanto categoria, construindo
projetos de ação marcados pela competência técnica, teórica, ética e política.
O assistente social deve estar capacitado para apreender, pela perspectiva da tota-
lidade, as determinações da vida social da sociedade burguesa, o processo histórico
da sociedade brasileira, o significado social da profissão e das suas demandas, a sua
inserção na divisão social do trabalho e, principalmente, compreender a estatura política
que envolve a profissão. (Lara, 2009, p.57)
66 • capítulo 3
cessidade de o profissional de Serviço Social estar antenado e preparado para a
intervenção junto às classes trabalhadoras.
ATIVIDADE
1. Faça uma pesquisa em seu município acerca dos espaços de trabalho, apontando se
aconteceram mudanças nos últimos anos nesses espaços, como por exemplo venda de
empresa, entrada de investimentos estrangeiros entre outros aspectos.
REFLEXÃO
O Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e os Conselhos Regionais de Serviço Social
são os órgãos que representam a categoria profissional de assistentes sociais no Brasil.
O CFESS possui um boletim informativo denominado “CFESS Manifesta” onde discute-se
questões fundamentais acerca do trabalho do assistente social, em especial em datas co-
memorativas. Em 2009, no dia 01 de Maio o CFESS lançou o boletim “CFESS Manifesta
Tempo de lutar pelos direitos da Classe trabalhadora” que reproduzimos aqui para a reflexão.
Disponível em http://www.cfess.org.br/arquivos/diadotrabalho2.pdf Acesso em 22 de Se-
tembro de 2014.
capítulo 3 • 67
to dos conflitos e dos interesses antagônicos entre o capital e trabalho.
Entendemos o trabalho como elemento fundante da sociabilidade huma-
na, mas sob as particularidades da sociedade capitalista prevalecem pro-
cessos intensos de exploração e de alienação. Ao invés da emancipação
humana, temos dois terços da humanidade sem acesso a uma vida digna,
vivendo a partir da inserção precária no mundo do trabalho ou em situação
de desemprego,que tem levado parcelas significativas da população a viver
sem esperança e perspectiva de futuro. Mais do que nunca, é necessário
desmistificar as relações sociais presentes no mundo capitalista, comba-
tendo sua naturalização. A realidade mundial, neste contexto histórico, com
a lógica perversa do capital financeiro, protagoniza uma das maiores crises
do capital da história, cujas consequências já impactam milhões de traba-
lhadores(as). Serão aproximadamente 23 milhões de postos de trabalho
que desaparecerão em todo o mundo somente em 2009 e sem perspectiva
de criação de novosempregos a curto e médio prazo. A restrição de acesso
aos direitos sociais e ao trabalho implica profundas mudanças em suas
vidas cotidianas.
68 • capítulo 3
pela falta de acesso a uma sociedade cuja própria concepção não é de
abranger a todas e todos.
“Tempos bicudos”, como diz o poeta, que exige de nós ousadia de continuar
acreditando na construção coletiva e em uma sociedade compromissada
com a emancipação humana, ousadia para resistir a toda forma de explo-
ração e de opressão e as tentativas de aniquilação do indivíduo enquanto
ser social.
LEITURA RECOMENDADA
Para a ampliação das reflexões acerca da reestruturação produtiva, recomendamos a leitura
do livro “Neoliberalismo e Reestruturação Produtiva: As novas determinações do mundo do
trabalho” organizado por Francisco Oliveira e Manfredo Araújo. O livro é composto de 05
ensaios acerca da reflexão crítica sobre as radicais transformações na base material da so-
ciedade capitalista e suas repercussões no campo das idéais. No prefácio tem se a reflexão
sobre a atualidade do tema e um panorama do que seria então essa reestruturação produtiva
e a crise do capital. Celso Fredeiro autor do Prefácio traz a reflexão para o cenário brasileiro,
onde segundo ele “os ecos da ofensiva neoliberal ganham tonalidades próprias” (p.7) e nesse
cenário o que se questiona é o Estado Providência (inciado com a Revolução de 30, como
uma pálida versão do Welfare State). Frederico faz uma análise do Brasil pós Revolução
capítulo 3 • 69
de 1930, como sendo um período marcado pela “realização prática de uma filosofia social”,
onde o Estado é remodelado, para ser o Estado Providência, objetivando uma ordem que
protegesse “os humildes da voracidade das leis de mercado”. (p.08) Essa referida crise traz,
segundo Frederico “o retorno do velho liberalismo”(.p.09) e é a partir dessa crise do capital
que se desenvolvem os 05 ensaios: Modernidade e crise: reestruturação capitalista ou fim
do capitalismo? (Francisco José Soares Teixeira); Desemprego e luta de classe: as novas
determinidades do conceito marxista de exército industrial de reserva (José Meneleu Neto);
Nova ofensiva do capital, crise do sindicalismo e as perspectivas do trabalho – o Brasil nos
anos noventa (Giovanni Alves); A nova problemática do trabalho e a ética (Manfredo Araújo
de Oliveira); O neoliberalismo em debate (Francisco José Soares Teixeira).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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capítulo 3 • 71
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NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. 8.ed. São Paulo: Cor-
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REIS, Marcelo Braz Moraes dos. Notas sobre o Projeto ético político do Serviço So-
cial. In: Coletânea de Leis, Belo Horizonte, CRESS MG, 2005. 30p.
NO PRÓXIMO CAPÍTULO
No capítulo 4 continuaremos discutindo algumas questões relacionadas à classe trabalhado-
ra, mas enfocaremos a questão da pobreza relacionada a desigualdade e ainda as primeiras
questões acerca de vulnerabilidade e questão social. Até lá. Bons estudos.
72 • capítulo 3
4
A Classe Trabalhadora:
Desigualdades e
Vulnerabilidades
como Expressões da
Questão Social
4 A Classe Trabalhadora: Desigualdades
e Vulnerabilidades como Expressões
da Questão Social
Nesse capítulo, continuando as análises anteriores iremos aprofundar a discus-
são acerca da classe trabalhadora, apontando como as mudanças no mundo do
trabalho, em especial a partir da reestruturação produtiva, contribuem para o
aumento da condição de vulnerabilidade da classe trabalhadora.
Para isso, apresentamos inicialmente a discussão do conceito de pobreza,
pontuando que esse é multifacetado e comporta diversas dimensões. Discuti-
mos também nesse item como o Serviço Social entende e trabalha a pobreza.
Continuando, pontuamos a vulnerabilidade no mundo do trabalho, e por
fim, destacamos a assistência social como forma de combate a pobreza. No
texto de Reflexão, apresentamos uma sistematização da Política Nacional de
Assistência Social (2004) contribuindo para que o aluno possa ter uma visão
global dessa política e seus objetivos. Desejamos bons estudos.
OBJETIVOS
Esse Capítulo apresentará ao aluno a reflexão acerca dos novos conceitos de pobreza e a
condição de vulnerabilidade no mundo do trabalho, buscando entender como o surgimento
do modo de produção capitalista cria também a desigualdade. A partir dessas reflexões bus-
ca-se ainda apresentar a assistência social como forma utilizada no Brasil para o enfrenta-
mento da pobreza. Espera-se que ao término dessa unidade o aluno possa:
• Entender os novos conceitos de pobreza
• Relacionar questão social e condição de vulnerabilidade no mundo do trabalho
• Compreender a relação entre modo de produção capitalista e desigualdade
• Entender a assistência social como forma de combate a pobreza
REFLEXÃO
No capítulo anterior nós estudamos acerca do mundo do trabalho e do processo de reestru-
turação produtiva, entendendo que os desdobramentos desse agudizam a questão social na
74 • capítulo 4
contemporaneidade. Buscamos entender também como se desenvolve o trabalho do assis-
tente social tendo em vista esses referenciais.
A pobreza é uma situação social e econômica caracterizada por uma carência marcada
na satisfação das necessidades básicas. As circunstâncias para especificar a qualidade
de vida e determinar se um grupo em particular se cataloga como pobre tem o costume
de ser o acesso a recursos como educação, moradia, água potável, assistência médica,
etc. Mesmo assim, é costume que se considerem como importantes para efetuar esta
classificação às circunstâncias de trabalhos e nível de recursos. A variedade de elemen-
tos citada faz com que a tarefa de medir a pobreza seja regida por diversos parâmetros.
Sabe-se que existem dois critérios: o chamado “pobreza absoluta” que se enfatiza nas
dificuldades para alcançar níveis mínimos de qualidade de vida (nutrição, saúde, etc.) e
o chamado “pobreza relativa”, que se enfatiza na ausência de recursos para a satisfação
das necessidades básicas, seja em parte ou em sua totalidade. (Disponível em http://
queconceito.com.br/pobreza Acesso em 24 de Setembro de 2014., grifos nosso)
capítulo 4 • 75
ideia de carência de condições objetivas para a satisfação das necessidades bá-
sicas. Vale destacar que essas necessidades básicas, apesar de variar de acordo
com a constituição cultural de cada povo, tem alguns elementos comuns, dos
quais podemos apontar que Declaração Universal dos Direitos Humanos, apre-
sentada como texto de reflexão no Primeiro Capítulo faz uma síntese.
Assim, temos que a ideia de pobreza implica na carência de condições para as-
segurar as necessidades básicas. Mas ampliando a análise, o texto citado também
aponta que esse fenômeno tem as dimensões econômicas e sociais. Ou seja, a ca-
rência de condições não é apenas econômica (mesmo que essa seja determinante)
mas implica em carência também no aspecto social, cultural, político. A pobreza
é portanto uma situação que se constrói a partir do momento em que o indivíduo
não tem renda, não tem trabalho, não tem acesso a direitos, informações, cultura,
esporte, lazer. Enfim, trata-se de uma situação de exclusão, de carência de todos os
recursos necessários para o desenvolvimento da vida, pessoal e social.
Maria Carmelita Yazbek, no livro “Classes Subalternas e Assistência Social”
(1993) vai trabalhar esse conceito de pobreza de forma ampliada tendo como refe-
rência teórica a obra de Gramsci, que aponta a ideia de classe subalterna, no sen-
tido de quem perdeu o poder de decidir sobre sua própria vida, quem perdeu o
direito de escolha.
Em especial no segundo capítulo do livro, intitulado “Classes Subalternas
como expressão de um lugar social: a exclusão integrativa” a autora vai inicial-
mente discutir a noção de pobreza, que nas palavras dela é “ampla, ambígua
e supõe gradações”, mas que para a caracterização das situações de pobreza é
fundamental o recurso a análises sociológicas e antropológicas. A autora sin-
tetiza a discussão apontando o que pode ser indicado como as três principais
dimensões da pobreza no Brasil: renda, exclusão e subalternidade.
76 • capítulo 4
Do ponto de vista da exclusão e da subalternidade, a experiência da pobreza constrói
referências e define “um lugar no mundo”, onde a ausência de poder de mando e de-
cisão, a privação de bens materiais e do próprio conhecimento dos processos sociais
que explicam essa condição ocorrem simultaneamente a práticas de resistência e luta.
(YAZBEK, 1993, p.63)
CONEXÃO
Para o debate acerca da pobreza no âmbito do Serviço Social indicamos a leitura do número
especial de revista Katalysis, volume 13, número 02, 2010 que teve como eixo temático o
Serviço Social e a pobreza. Apresentamos alguns trechos do Editorial e recomendamos a
leitura dos artigos para auxiliar no entendimento da relação da profissão com esse debate.
Este número da Revista Katálysis traz como eixo temático o Serviço Social e a pobreza.
Trata-se de uma relação histórica, que, com diferentes conotações, acompanha o exercício
profissional desde os anos de 1940 quando a profissão se institucionaliza na sociedade
brasileira como um dos mecanismos acionados pelo Estado e pelo patronato, em sua in-
tervenção reguladora frente à emergente questão social no país.Efetivamente, a pobreza é
parte da experiência diária do trabalho dos assistentes sociais. Convivemos muito de perto
com a experiência trágica de pertencer às classes subalternizadas em nossa sociedade;
conhecemos esse universo caracterizado por trajetórias de exploração, pobreza, opressão
e resistência, observamos o crescimento da violência, da droga, e de outros códigos que
sinalizam a condição subalterna: o desconforto da moradia precária e insalubre, as estraté-
gias de sobrevivência frente ao desemprego, a debilidade da saúde, a ignorância, a fadiga, a
resignação, a crença na felicidade das gerações futuras, o sofrimento expresso nas falas, nos
silêncios, nas expressões corporais, nas linguagens além dos discursos. (...)
Do ponto de vista conceitual, é fundamental não perder de vista que a pobreza é expressão
direta das relações vigentes na sociedade, relações extremamente desiguais, em que convivem
acumulação e miséria. A pobreza brasileira é produto dessas relações que, em nossa socieda-
capítulo 4 • 77
de, a produzem e reproduzem, quer no plano socioeconômico, quer nos planos político e cultu-
ral, constituindo múltiplos mecanismos que “fixam”, os pobres em seu lugar na sociedade. (...)
Quanto mais os assistentes sociais forem capazes de explicar e compreender as lógicas que
produzem a pobreza e a desigualdade, constitutivas do capitalismo, mais condições terão
para intervir, para elaborar respostas profissionais qualificadas do ponto de vista teórico, po-
lítico, ético e técnico (o conhecimento teórico é a primeira ferramenta do trabalho do assis-
tente social). Mas, se fundamental é decifrar as lógicas do capital, sua expansão predatória e
sem limites, desafiante é, também, saber construir mediações para enfrentar as questões que
se colocam no tempo miúdo do dia a dia da profissão. É nesse tempo que podemos partejar o
novo, construir resistências, construir hegemonia, enfrentar as sombras que mergulham esta
imensa parcela de humanidade explorada, enganada, iludida, massacrada, gente que fica à
espera em longas filas para receber os “benefícios” que os assistentes sociais operacionali-
zam. (Maria Carmelita Yazbek)
Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-49802010
000200001 Acesso em 24 de Setembro de 2014.
78 • capítulo 4
Essas situações, fragilizam os trabalhadores tanto individualmente, quanto
como classe, uma vez que eles não encontram mais elementos para articularem-
se na defesa de seus interesses coletivos, estando cada vez mais em voga a indivi-
dualização,a disputa entre os próprios trabalhadores por produção cada vez mais
elevada, prêmios e reconhecimento por parte da empresa da sua colaboração.
Assim a classe trabalhadora hoje não possui as mesmas configurações do
século passado. Antunes e Alves (2004) vão discutir esses aspectos apontando
mutações no mundo do trabalho, mutações essas que fragmentaram e comple-
xificaram o entendimento acerca da classe trabalhadora e que em nossa leitura,
contribuíram para a vulnerabilização desses trabalhadores.
Desse modo, para se compreender a nova forma de ser do trabalho, a classe trabalha-
dora hoje, é preciso partir de uma concepção ampliada de trabalho. Ela compreende a
totalidade dos assalariados, homens e mulheres que vivem da venda da sua força de
trabalho, não se restringindo aos trabalhadores manuais diretos, incorporando também
a totalidade do trabalho social, a totalidade do trabalho coletivo que vende sua força
de trabalho como mercadoria em troca de salário. Ela incorpora tanto o núcleo central
do proletariado industrial, os trabalhadores produtivos que participam diretamente do
processo de criação de mais-valia e da valorização do capital (que hoje, como vimos
acima, transcende em muito as atividades industriais, dada a ampliação dos setores
produtivos nos serviços) e abrange também os trabalhadores improdutivos, cujo traba-
lhos não criam diretamente mais-valia, uma vez que são utilizados como serviço, seja
para uso público, como os serviços públicos, seja para uso capitalista. Podemos tam-
bém acrescentar que os trabalhadores improdutivos, criadores de antivalor no processo
de trabalho, vivenciam situações muito aproximadas com aquelas experimentadas pelo
conjunto dos trabalhadores produtivos. A classe trabalhadora, hoje, também incorpora
o proletariado rural, que vende a sua força de trabalho para o capital, de que são exem-
plos os assalariados das regiões agroindustriais, e incorpora também o proletariado
precarizado, o proletariado moderno, fabril e de serviços, part-time, que se caracteriza
pelo vínculo de trabalho temporário, pelo trabalho precarizado, em expansão na totali-
dade do mundo produtivo.Inclui, ainda, em nosso entendimento, a totalidade dos traba-
lhadores desempregados. (ANTUNES, ALVES, 2004, p. grifos nossos)
Partindo das análises dos autores citados podemos destacar que essa clas-
se trabalhadora, ou classe que vive do trabalho, conforme denominação deles,
capítulo 4 • 79
passa por transformações e podemos entender que essas transformações in-
cluem processos de vulnerabilização.
A grande maioria dos trabalhadores brasileiros da atualidade não possuem
mais as garantias trabalhistas asseguradas pela Consolidação das Leis Traba-
lhistas e para além disso tem-se acompanhado o crescimento de formas preca-
rizadas de trabalho, além do aumento da pressão para produção como forma
de manter o trabalho, contribuindo para o aumento de adoecimentos advindos
de relações trabalhistas marcadas por assédio moral, perseguições e diversos
outros elementos.
80 • capítulo 4
Em relação a essa última situação, vale destacar que a condição de gênero e
raça ainda constitui-se no Brasil como elemento que dificulta o acesso a espa-
ços e oportunidade, configurando-se um panorama que prejudica as mulheres
negras em praticamente todas as dimensões da vida em sociedade, entre elas
a do trabalho.
Considerando de forma mais detalhada o mercado de trabalho, no docu-
mento “Igualdade de Gênero e Raça no Trabalho: avanços e desafios” (OIT,
2010, online) afirma-se que homens e mulheres, negros e brancos tem experi-
ências diferenciadas em relação ao mercado de trabalho, sendo que a condição
de raça é muitas vezes fator que irá determinar as oportunidades de acesso e
permanência no mercado de trabalho, incluindo-se aí as condições de trabalho
(remuneração, direitos, proteção social).
Em relação ao desemprego os números apontam de forma nítida a vulnera-
bilidade da mulher negra. Segundo o estudo, em 2006, entre as pessoas acima
de 16 anos, a taxa de desemprego total foi de 8,4%, sendo que entre os negros
essa taxa é dois pontos percentuais maior que entre os não negros (9,4% para
os negros e 7,4% para os não negros). Contudo, se a análise combina gênero e
raça, a situação mais vulnerável é a das mulheres negras. Os números da taxa de
desemprego em 2006: 5,6% para os homens não negros e 7,1% para os homens
negros; 9,6% para as mulheres não negras e 12,5% para as mulheres negras.
(OIT, 2010 online, p.62)
Se a análise volta-se para informalidade, as taxas são elevadas para todos os
trabalhadores brasileiros, chegando a 51, 7% dos trabalhadores maiores de 16
anos, ocupados em 2006. Todavia, novamente se tem o aumento das condições
de vulnerabilidade para as mulheres negras inseridas no mercado de trabalho.
Os números (em percentagem) dos trabalhadores na informalidade em 2006
no Brasil: 42,8% dos homens não negros e 57,1% dos homens negros; 47,5%das
mulheres não negras e 62,6% das mulheres negras. (OIT, 2010, online). Se con-
siderarmos a média nacional da informalidade em 2006, a taxa entre homens
e mulheres negros é maior do que a média nacional, o que indica a existência
real de mecanismos de exclusão dos trabalhadores e trabalhadoras negras no
mercado de trabalho formal brasileiro.
Finalmente, quanto aos rendimentos, os números apontam uma vez mais
a desigualdade de gênero e raça presente nas relações de trabalho no Brasil. O
estudo faz distinção entre trabalho formal (aquele com carteira assinada e di-
reitos trabalhistas garantidos) e trabalho informal (sem carteira assinada e sem
capítulo 4 • 81
direitos trabalhistas garantidos). A base para a análise é o ano de 2006 e a uni-
dade de moeda o real. Assim, tem-se: Rendimentos por hora dos trabalhadores
formais: R$ 9,09 para os homens não negros e R% 5,16 para os homens negros;
R$ 7,44 para as mulheres não negras e R$ 4,69 para as mulheres negras. Em
relação aos Rendimentos por hora dos trabalhadores informais: R$5,14 para os
homens não negros e R$ 2,83 para os homens negros; R$ 3,87 para as mulheres
não negras e R$ 2,46 para as mulheres negras. (OIT, 2010, online)
Esses são apenas alguns dados e exemplos que mostram como o mundo do
trabalho está afetado na atualidade pelas situações de vulnerabilidade, originá-
rias da contradição fundamental entre capital e trabalho, ou seja a questão social.
CONEXÃO
Uma das ocupações atuais no mercado de trabalho caracterizada cada vez mais pelos pro-
cessos de precarização e negação de direitos é a de operador de telemarketing e call cen-
ters. Esses trabalhadores, que muitas vezes causam irritação ao ligarem oferecendo serviços
ou nos atenderem em situações de reclamações como consumidores estão no centro de
uma cadeia de exploração da força de trabalho. Recomendamos a leitura do artigo “O tele-
marketing e o perfil sócio-ocupacional dos empregados em call centers” de autoria de Daniel
Gustavo Mocelin e Luis Fernando Santos Correia da Silva. O artigo apresenta uma pesquisa
sobre o perfil desses operadores de telemarketing, conforme destacado no Resumo do arti-
go, que transcrevemos abaixo:
Este artigo traz resultados de pesquisa sobre trabalhadores de um call center, em Porto
Alegre, buscando analisar combinadamente como se trabalha e quem trabalha em atividades
de telemarketing. Os call centers são organizações empresariais de prestação de serviços
de telemarketing. Seus operadores são trabalhadores com escolarização elevada, frente aos
níveis do mercado de trabalho brasileiro, o que apontaria para uma profissionalização da
atividade. Paradoxalmente, as condições de trabalho, caracterizadas pela intensificação do
trabalho e baixa remuneração, mas com exigência de qualificação média, influenciam as
estratégias e os sentidos desse emprego para jovens trabalhadores, acabando por defini-lo
como “emprego trampolim”, que responde apenas a uma superação transitória da condição
material e simbólica e não a busca de profissionalização e estabilidade, mesmo com as exi-
gências de conhecimentos técnicos especializados e reciclagem constante. As característi-
cas do setor e a emergência desse novo tipo de trabalhador auxiliam compreender o trabalho
no setor de serviços.
82 • capítulo 4
Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-497920080
00200012 Acesso em 25 de Setembro de 2014.
capítulo 4 • 83
tos (sejam eles de que natureza forem) estão submetidas à condições que lhes
limitam/impedem o acesso a tais direitos.
Igualdade deveria constituir-se dessa forma principio para a vida social,
mas é possível observar que historicamente foi se transfigurando e reduzin-
do-se apenas a busca de garantia para condições iguais de consumo. Torna-se
necessário a ação a partir da perspectiva do acesso e usufruto de direitos que
são comuns a todos os seres humanos, mas que na sociedade contemporânea
estão acessíveis a alguns e inalcançáveis para outros, o que objetivamente torna
aqueles sujeitos e esses seres descartáveis e invisíveis. Nesse sentido, igualdade
relaciona-se diretamente à concretização da ideia de justiça social.
Assim, conceituando igualdade percebemos que no Brasil temos um qua-
dro instalado de desigualdades, oriundo da constituição capitalista do país. É
possível portanto afirmar que pobreza, vulnerabilidade e desigualdade estão
intrinsecamente relacionadas no Brasil com a forma de produção que cada vez
mais separa os poucos que possuem dos muitos que não possuem, restando
para esses a exclusão social.
Para o entendimento do conceito de “exclusão social”, faz necessário consi-
derar a complexidade do mesmo, que não limita-se a fatores econômicos (ain-
da que esses predominem) e nem pode ser simplificado como sendo o oposto
de inclusão. Exclusão é fenômeno que se manifesta de formas distintas, em
realidades as mais diversas, comportamento rebatimento também diferencia-
dos. Sawaia (2008, p.09) sintetiza essa idéia no seguinte trecho:
Dessa forma, essa exclusão social da qual são vítimas muitos dos trabalha-
dores é fenômeno que precisa ser estudado e discutido, buscando-se o entendi-
mento das dimensões que constituem tal processo. Faz-se necessário entender
que as condições de vida e trabalho a que muitos trabalhadores se submetem
para garantia de sua sobrevivência são dimensões desse processo de exclusão.
Muitas vezes trata-se de trabalhadores excluídos do processo econômico, do
84 • capítulo 4
processo social da produção de mercadorias, das relações formais de compra e
venda dessas mesmas mercadorias.
Essa exclusão acarreta outras criando-se um estigma em torno desses tra-
balhadores, colocados a margem do sistema econômico e nessa sociedade es-
truturada em torno desse mesmo sistema, estar a margem do mesmo significa
estar a margem da vida em sociedade.
É preciso pensar as questões relacionadas a pobreza, vulnerabilidade, desi-
gualdade sob a perspectiva da ética, na medida em que o enfoque ético permite
o questionamento acerca dos propósitos da existência humana, os objetivos da
vida em sociedade, a necessidade de construção/preservação de relações sociais
assentadas sob pressupostos que estão para além da simples sobrevivência mas
da garantia de condições dignas para reprodução da vida. Eticamente, é preciso
questionar como faz Teixeira e Oliveira (1996, p.192) o propósito para o qual pla-
neja-se a economia e quem são os sujeitos para esse planejamento. Estabelecer
que existem sujeitos necessários e sujeitos desnecessários para a ordem econô-
mica e que o planejamento contempla apenas os considerados necessários (leia-se
úteis), restando aos desnecessários encontrar alternativas para sua mantença, é
sem dúvida uma lógica perversa que não pode ser ética, na medida em que não
parte do entendimento da responsabilidade com a vida de todos. Ético é o cui-
dado, o sentir-se responsável pela vida humana buscando, no entendimento mí-
nimo, a sua conservação e, na perspectiva máxima, o seu desenvolvimento. Para
uma reflexão ética das relações sociais no âmbito do trabalho faz-se necessário
garantir que os frutos desse trabalho sejam coletivamente apropriados e que ga-
ranta aos trabalhadores as condições necessárias a sua sobrevivência. Mesmo
que tal reflexão se apresenta de forma utópica, é prá esse horizonte que deve se
apontar na busca da superação da imediaticidade do real.
capítulo 4 • 85
sil as políticas sociais se voltam para a perspectiva do enfrentamento da “ques-
tão social” mas que permitem apenas o “acesso discriminado a recursos e ser-
viços sociais” e assim são políticas “ casuísticas, inoperantes, fragmentadas,
superpostas, sem regras estáveis ou reconhecimento de direitos” (p. 37) e para
a compreensão desse caráter das mesmas é preciso pensá-las no panorama das
transformações econômicas , sociais e políticas do Brasil.
Para isso, faz-se necessário apontar um breve histórico dessa política no
Brasil. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 constituiu-se
marco no entendimento da assistência social como política pública e direito do
cidadão, ao estabelecer os contornos jurídicos da política, pontuando o dever
do Estado de garantia do atendimento as necessidades sociais.
O ordenamento definido na Constituição pontua o reconhecimento legal/
institucional do dever estatal na condução da assistência social, iniciando o
processo de construção de política pública, e não mais apenas ações filan-
trópicas e benemerentes executadas especialmente pelas instituições de ca-
ridade existentes no país ou ainda, mesmo quando executadas pelo Estado,
impregnadas do caráter de filantropia e benesse, como pode ser encontrado
nas propostas da Legião Brasileira de Assistência (LBA).
Em 1993, regulamentando o direcionamento dado pela Constituição à Po-
lítica Pública de Assistência Social, têm-se a Lei Orgânica da Assistência Social
(LOAS) que em seu texto, vai explicitar os objetivos, principios e diretrizes dessa
política, e ainda a forma de gestão da mesma, destacando as competências de
cada uma das esferas de governo e a possibilidade de ações não governamen-
tais na execução da política.
Ainda na dimensão dos marcos da história da política pública de assistência
social, têm-se em 2004 a aprovação da Política Nacional de Assistência Social
(PNAS) e, em 2005, o início da implementação do Sistema Único da Assistência
Social (SUAS) que constitui-se sistema descentralizado e participativo, forma
de organização da gestão das ações na área da assistência social. O Sistema Úni-
co da Assistência Social (SUAS) aprovado pela Lei 12.435 de 2011 é para onde
convergem-se os caminhos percorridos para efetivação da assistência social
como política pública.
É preciso destacar que, como existem muitas normativas e orientações téc-
nicas acerca da política de assistência social, muitas vezes o (a) aluno não sabe
exatamente o que estudar. Quando não são solicitados textos específicos, é
preciso ter a visão geral sobre a temática e quais são os principais documentos
relativos a essa política.
86 • capítulo 4
DOCUMENTO ASSUNTO
Estabelece a Assistência
Constituição Federal de 1988- Artigo 203
Social como Política Pública
Regulamenta a Política de
Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS – 1993)
Assistência Social
capítulo 4 • 87
do-se, particularmente no âmbito federal, recursos exclusivos para auxiliar na
gestão da política, tais como o Índice de Gestão Descentralizada do Sistema
Único da Assistência Social (IGD SUAS) e Índice de Gestão Descentralizada do
Programa Bolsa Família (IGD Bolsa Família) através dos quais se repassam aos
municípios valores mensais como incentivo para melhoria na gestão.
Tal ênfase coloca para os trabalhadores na política da assistência social no-
vos desafios, passando a requerer maior atenção na administração de tempo,
recursos, pessoal, além do acompanhamento sistemático da efetividade das
ações executadas, através da construção de indicadores, elaboração de relató-
rios, planejamentos, pactuações, adesões, enfim, elementos que caracterizam
a gestão, e que até recentemente eram relegados a segundo plano na Assistên-
cia Social dado a construção histórica do caráter de benefício.
Evidente que esse direcionamento para a gestão responde a determinações,
pautadas na necessidade de se atingirem metas internacionais, propostas por
organismos mundiais e que precisam ser refletidas, todavia, faz-se necessário
também pensar sobre a necessidade de gestão para a efetividade do trabalho
que é desenvolvido, independente de metas impostas ou não. Para os gestores
da política pública de assistência social é imprescindível o entendimento da
gestão como ferramenta para a melhoria dos serviços, benefícios, programas e
projetos disponibilizados a população e dessa forma, o enfoque não é apenas o
proposto pelas instâncias internacionais através do Governo Federal, mas sim
a qualidade dos serviços prestados a população, conforme preconizado no Có-
digo de Ética do Assistente Social.
Podemos concluir esse capítulo apontando que o conceito de pobreza não
pode ser compreendido a partir de um único determinante e que historicamen-
te ele contempla também as discussões acerca de vulnerabilidades e desigualda-
de. Além disso podemos destacar que assistência social é uma forma de enfren-
tamento a essas situações e que no Brasil ela estrutura-se como política pública.
88 • capítulo 4
ATIVIDADE
1. Faça uma pesquisa bibliográfica acerca do histórico da pobreza no Brasil e as formas de
atendimento dessa população.
2. Elabore uma reflexão acerca da vulnerabilidade social no Brasil e como ela se manifesta
no município onde você reside.
REFLEXÃO
Considerando que Assistência Social hoje constituiu-se uma forma de atendimento as situ-
ações de pobreza e vulnerabilidade social, expressões da questão social e que no Brasil ela
configura-se como política pública, estando organizada no Documento “Política Nacional de
Assistência Social” de 2004 vamos apresentar uma sistematização desse Documento elabo-
rado por nós para fins didáticos.
Esse texto sintetiza as principais concepções da Política Nacional de Assistência Social e
foi elaborado para fins exclusivamente didáticos a partir do texto da própria política aprovado em
Outubro de 2004, através da Resolução 145 do Conselho Nacional de Assistência Social. As
ideias e conceitos aqui apresentados são reproduções/transcrições do texto da Política, sinteti-
zados para facilitar o estudo.
APRESENTAÇÃO
Destaca-se que o propósito da Política é transformar em ações diretas os pressupostos da
Constituição e da Lei Orgânica da Assistência Social.
INTRODUÇÃO
Os avanços na construção da Política decorrem também de seu reconhecimento como direi-
to do cidadão e dever do Estado. Tem-se o reconhecimento de direitos, mas é fundamental
a construção e implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) que vai or-
ganicamente estruturar a Política de Assistência Social, a partir daqui denominada apenas
POLITICA. Para a gestão da POLITICA, a proposta é baseada no pacto federativo, sendo
detalhadas as atribuições e competências dos três níveis de governo através das delibera-
capítulo 4 • 89
ções das conferências, conselhos e comissões (CIB, CIT). A gestão deve ser descentralizada
e participativa. Finalmente, na concepção da POLITICA está presente a perspectiva da infor-
mação, monitoramento e avaliação.
90 • capítulo 4
A POLITICA tem princípios, diretrizes, objetivos e usuários definidos. Os Princípios são
os mesmos da LOAS e podem ser sintetizados da seguinte forma: DIVULGAR TODOS OS
BENEFICIOS, SERVIÇOS, PROGRAMAS E PROJETOS, GARANTINDO A IGUALDADE DE
ACESSO NO ATENDIMENTO, RESPEITANDO A DIGNIDADE DOS CIDADÃOS E UNIVER-
SALIZANDO OS DIREITOS SOCIAIS PORQUE O ATENDIMENTO AS NECESSIDADES SO-
CIAIS É MAIS IMPORTANTE DO QUE AS EXIGÊNCIAS DE RENTABILIDADE ECONÔMICA.
As Diretrizes estão em consonância com a LOAS, mas abordam também a família e
podem ser sintetizadas na seguinte frase: DESCENTRALIZAR, INCENTIVANDO A PARTICI-
PAÇÃO POPULAR MAS SEM ESQUECER A PRIMAZIA DO ESTADO E A CENTRALIDADE
NA FAMILIA PARA CONCEPÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DOS BENEFÍCIOS, SERVIÇOS,
PROGRAMAS E PROJETOS.
Quanto aos Objetivos, a POLITICA vai PROVER benefícios, serviços, programas e pro-
jetos de proteção básica e/ou especial; CONTRIBUIR com a inclusão e equidade dos usuá-
rios; ASSEGURAR a centralidade na família e garantia de convivência familiar e comunitária.
Em relação aos USUÀRIOS, são “CIDADADÃOS E GRUPOS QUE SE ENCONTRAM EM
SITUAÇÕES DE VULNERABILIDADE E RISCOS”.
Quanto a organização dos serviços da POLITICA, estão estruturados em dois tipos de
proteção social: básica e especial.
capítulo 4 • 91
inclusão produtiva e projetos de enfrentamento a pobreza, serviços para crianças de 0 a 06
anos, serviços socioeducativos para crianças, adolescentes e jovens na faixa de 06 a 24 anos,
centros de informação e educação para o trabalho voltados para jovens e adultos.
92 • capítulo 4
reitos socioassistenciais.
Novas bases para a relação entre estado e sociedade civil: A sociedade civil participa
na POLITICA sendo parceira na execução dos serviços e exercendo o controle social. To-
davia a supremacia das ações é do Estado, que deve desenvolver habilidades específicas
destacando-se a formação de redes, espaços de colaboração, ações integradas multiplican-
do os efeitos e chances de sucesso. A rede não substitui a ação do Estado mas deve ser
alavancada a partir de decisões políticas do Poder Público em consonância com a sociedade.
capítulo 4 • 93
constitucional de percentuais mínimos do orçamento da seguridade para a assistência social.
LEITURA RECOMENDADA
Recomendamos a leitura do Livro “Classes Subalternas e Assistência Social” de Ma-
ria Carmelita Yazbek publicado pela Editora Cortez em 1993 e que trabalha a pobreza e a
94 • capítulo 4
assistência social no âmbito do debate acerca da questão social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5 ed. revista e ampliada.São Paulo: Mar-
tins Fontes Editora, 2007.1026 p.
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Sociedade no Brasil (1930-1964) – São Paulo: Annablume, 2002, 230p.
ANTUNES, Ricardo (org) A Dialética do Trabalho: escritos de Marx e Engels. Volume II.
São Paulo: Expressão Popular, 2013.232 p.
BARBOSA, Alexandre de Freitas. (org) O Brasil real: a desigualdade para além dos indica-
dores. São Paulo: Outras Expressões, 2012. 149p.
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e dá outras providências. Brasilia: Presidência da República, 1993.
CATANI, Afrânio Mendes. O que é Capitalismo. Coleção Primeiros Passos. Ed revista e amplia-
da. São Paulo: Brasiliense Editora, 2011, 144p.
capítulo 4 • 95
CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. Código de Ética Profissional. Brasília:
CFESS, 1993.
MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço Social: Identidade e Alienação. São Paulo: Cortez
Editora, 1993.168p
MARTINELLI, Maria Lúcia. (Org) Pesquisa qualitativa: um instigante desafio. São Paulo:
Veras, 1999. 143 p.
MARX, Karl. A origem do Capital: a acumulação primitiva. São Paulo: Global Editora,
1977.140p.
MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro 1, Volume 2. 25 ed. Rio de Janei-
ro: Civilização Brasileira Editora, 2011. 966p.
MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 14.
ed. Petrópolis: Vozes, 1999. 102 p.
96 • capítulo 4
NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. 8.ed. São Paulo: Cor-
tez Editora, 2011.
MARTINS, José de Souza. Expropriação & Violência: a questão política no campo. São
Paulo: Hucitec Editora, 1980. 190 p.
PONTES, Reinaldo Nobre. Mediação e serviço social: um estudo preliminar sobre a ca-
tegoria teórica e sua apropriação pelo serviço social 3.ed. São Paulo: Cortez, 2002. 350p.
REIS, Marcelo Braz Moraes dos. Notas sobre o Projeto ético político do Serviço So-
cial. In: Coletânea de Leis, Belo Horizonte, CRESS MG, 2005. 30p.
YAZBEK, Maria Carmelita. Classes Subalternas e Assistência Social. São Paulo: Cor-
tez, 1993. 165p
NO PRÓXIMO CAPÍTULO
No capítulo 5 será discutido de forma mais detalhada as expressões da questão social na
contemporaneidade e como se desenvolve o trabalho do assistente social nesse contexto.
Bons estudos e até lá.
capítulo 4 • 97
5
Questão social:
Transformações
Contemporâneas
e o Trabalho do
Assistente Social
5 Questão social: Transformações
Contemporâneas e o Trabalho
do Assistente Social
Ao longo desse livro temos estudado os principais aspectos relacionados à
questão social, desde sua origem, intrinsicamente relacionada ao modo de
produção capitalista, até seus rebatimentos mais diretos e visíveis como a desi-
gualdade social, a pobreza e a exploração.
Estudamos também de forma detalhada os rebatimentos da questão social
no mundo do trabalho, abordando a reestruturação produtiva e ainda como o
trabalhador na atualidade encontra-se em situação de vulnerabilidade tendo
em vista as alterações no padrão de produção, que alteram também as relações
sociais e trabalhistas.
Assim, com essas reflexões fomos em cada capítulo apresentando algumas
reflexões acerca do trabalho do assistente social no que diz respeito a questão
social em suas múltiplas formas de expressão.
Nesse último capítulo iremos trabalhar algumas dessas expressões da ques-
tão social, destacando o trabalho do assistente social frente a essas questões.
Apresentamos algumas considerações acerca da questão habitacional, da
questão racial, da questão de gênero, geracional e da inclusão da pessoa com
deficiência, destacando que as expressões da questão social são inúmeras e que
no cotidiano de seu trabalho profissional o assistente social é desafiado a de-
senvolver estratégias de enfrentamento a todas elas.
Acerca do trabalho profissional do assistente social apresentamos a reflexão
acerca das competências da profissão, quais sejam, competência teórico meto-
dolológica, competência ético-política e competência técnico operativa, discu-
tindo a partir daí o caráter investigativo, propositivo e interventivo do trabalho
profissional.
Encerramos esse capítulo com a reflexão de IAMAMOTO acerca da
questão social, apontando os elementos que caracterizam essa questão na
contemporaneidade. Através desse estudo, complementado com as leituras
indicadas, acreditamos que você poderá encerrar essa disciplina com novos co-
nhecimentos apreendidos e uma base sólida para o entendimento da questão
social enquanto objeto de trabalho do assistente social.
100 • capítulo 5
OBJETIVOS
Esse capítulo possibilitará que o aluno sintetize as principais discussões apresentadas no
livro relacionando-as com o trabalho do assistente social nos diversos espaços sóciocupa-
cionais. Espera-se que ao término dessa unidade o aluno possa:
• Entender as transformações no mundo do trabalho e os rebatimentos da questão social
• Relacionar novas expressões da questão social na contemporaneidade
• Estabelecer relações entre as transformações no mundo do trabalho e o trabalho do as-
sistente social
• Compreender as especificidades do trabalho do assistente social nos mais diversos espa-
ços sociocupacionais
REFLEXÃO
No capítulo anterior nós estudamos acerca do conceito de pobreza bem como o quadro de
vulnerabilidade que pode ser visualizado no mundo do trabalho como formas de expressão
da questão social. A partir dessa reflexão apresentamos a política de assistência social como
uma das formas de enfrentamento dessas problemáticas.
capítulo 5 • 101
Exemplifiquemos inicialmente pelo mundo do trabalho, que já discutimos
em dois capítulos anteriores. As relações trabalhistas da atualidade, mesmo
apresentado elementos históricos como a separação radical entre trabalhador
e detentor dos meios de produção, se reconfiguram em um cenário cada vez
mais complexo, onde muitas vezes a exploração se transmuta em um discurso
de colaboração, ou seja, quanto mais o trabalhador produz, mais colaborador
ele se torna, sem que contudo perceba econômica, social e culturalmente os
frutos dessa colaboração.
Mota (2008, p.2/22) faz uma análise bastante crítica desse processo, apon-
tando que esse convite à colaboração na verdade objetiva a destruição da subje-
tividade do trabalhador.
É importante ressaltar, como já destacado no início desse Prefácio, que novas e reno-
vadas questões afetas às condições de trabalho se apresentam no contexto da agres-
siva e obstinada “inflação participativa” (Linhart, 2007) das empresas, cujo propósito é
a destruição da subjetividade e individualidade do trabalhador, tecida na sua vivência
de trabalho, em prol de uma subjetividade empresarial com o propósito de emancipar
os assalariados de seus coletivos naturais e envolvê-los em outras comunidades mais
harmônicas com o espírito das empresas. (Idem). (...) Salienta-se, portanto, que, se
as contradições do mundo do trabalho não mais emergem sob a forma de conflitos e
confrontos abertos e coletivos, elas se expressam agora da única forma possível: como
manifestação individual. Sombrio prognóstico para uma sociedade cuja cultura está as-
sentada no trabalho alienado.
102 • capítulo 5
Assim, o trabalho do assistente social envolve as mediações, ou seja a cons-
trução da particularidade através da desconstrução da singularidade, tendo vis-
ta a universalidade.
Nesse contexto, o assistente social desenvolve sua práxis tendo como refe-
rência a necessidade de construir mediações que possibilitem o desvelamen-
to da questão social e que na contemporaneidade envolve pensar as diversas
formas através das quais ela se manifesta. Assim, vamos apresentar algumas
dessas formas de expressões, entendendo que na origem de todas as ditas pro-
blemáticas existentes na sociedade brasileira, está a contradição fundamental
entre capital e trabalho, a questão social.
capítulo 5 • 103
Assim problemáticas como a falta de habitação, o elevado preço dos alugu-
éis, os movimentos de ocupação urbana, as moradias precárias são formas através
da qual podemos visualizar a questão habitacional no Brasil.
A questão racial no Brasil pode ser considerada uma expressão da questão so-
cial na medida em que a desigualdade racial é processo que se desenvolve e (re)
configura-se nas relações sociais e econômicas no Brasil, desde sua constitui-
ção como nação, com a ocupação do território pelos portugueses, o genocídio
da população indígena e a escravização de povos africanos no contexto de ori-
gem e desenvolvimento do sistema capitalista na Europa.
Vamos utilizar como exemplo desse processo de desigualdade o que pode
ser visualizado nas análises acerca do Indice de Desenvolvimento Humano das
Organizações das Nações Unidas. O Indice de Desenvolvimento Humano, elabo-
rado pela Organização das Nações Unidas (ONU) possui uma escala que varia de
0 até 1,0, sendo que a partir desse critério quanto mais o indice se aproxima de
1, maior o desenvolvimento humano de um país. A metodologia utilizada para o
IDH contempla três dimensões e quatro indicadores, sendo: Saúde (esperança
de vida ao nascer), Educação (média de anos de escolaridade e anos de escolari-
dade esperados) e Padrões de Vida (Rendimento Nacional Bruto percapita).De
acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano 2011, o Brasil ocupa a 84ª
posição entre os 187 países avaliados e apresenta um índice de 0,718.
Se considerarmos, contudo, dados de 2000, percebe-se que existe desigual-
dade nas condições de vida de negros e brancos no Brasil. O Indice de Desenvol-
vimento Humano do Brasil de 2000, apontava que o país ocupava a 74ª. posição
num ranking de 174 países. Contudo, segundo o estudo elaborado pelo eco-
nomista Marcelo Paixão (apud CARNEIRO, 2011, p.57) se fossem levados em
conta apenas os dados da população branca, o Brasil ocuparia a 48ª. posição (o
mesmo da Costa Rica naquele período). Caso fossem considerados apenas os
dados da população negra o IDH brasileiro levaria o país a ocupar a 108ª. posi-
ção no ranking, igualando-se a Argélia.
Essa desigualdade expõe o abismo entre a população negra e branca no Bra-
sil. Há que se ressaltar que pode-se referir relativa melhoria nas condições de
vida da população negra nos últimos 10 anos (segundo o apresentado pelo pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística a partir do Censo 2010) mas ainda
104 • capítulo 5
persiste a desigualdade.
O Relatório de Desenvolvimento Humano do ano de 2010 da ONU, aponta
um relativo progresso no desenvolvimento brasileiro, mas não se apresentam
elementos relacionados com a questão racial no país. Apesar de melhorias nas
condições de vida para a população de forma geral, os negros e negras no Brasil
ainda continuam nas situações de maior vulnerabilidade, mas essa dimensão
não é analisada dentro dos indicadores do Indice de Desenvolvimento Huma-
no avaliado pela Organização das Nações Unidas.
CONEXÃO
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) trabalha com o Indíce
de Desenvolvimento Humano (IDH) construindo os Relatórios de Desenvolvimento Humano
(RDH). Esses indicativos são utilizados tanto para a construção de pesquisas e análises
acerca do desenvolvimento humano ao redor do mundo, como também como a análise e
implementação de políticas públicas. O assistente social pode utilizar-se desses dados para
o seu trabalho cotidiano. Indicamos o site do PNUD como referência para essas análises.
http://www.pnud.org.br/IDH/DH.aspx Acesso em 29 de Setembro de 2014.
capítulo 5 • 105
CISNE (2012) é preciso perceber que a classe trabalhadora não é homogênea,
que tem dois sexos e que os significados atribuídos ao ser homem/ser mulher
interferem no mundo do trabalho. Divisão sexual do trabalho pode ser compre-
endido como “atribuição de atividades sociais diferentes e desiguais segundo
o sexo, como fruto de uma construção sócio-histórica, com nítido caráter eco-
nômico/de classe sobre a exploração e opressão da mulher” (p.114). Nessa pers-
pectiva processa-se uma naturalização dos ditos papéis femininos e a mulher
passa a ser responsável tanto pelo trabalho tanto nas fábricas quanto nos lares,
pois seu trabalho doméstico é essencial para a reprodução da força de trabalho
(diminuindo os custos da mesma) mas esse trabalho não e remunerado. Assim,
o capitalismo apropria-se e refuncionaliza desigualdades a ele anteriores.
Ou seja, as problemáticas relacionadas as questões de gênero são também
expressão da questão social.
106 • capítulo 5
forma, caso não possa contribuir nos moldes esperados, a pessoa é considera-
da inútil, e portanto excluída do acesso a benefícios e direitos.
Essa infelizmente ainda é a realidade para as pessoas com deficiência no
Brasil. Na educação, de maneira especial, a inclusão de pessoas com deficiên-
cia constituiu-se um desafio histórico.
O direito a educação formal no Brasil é garantido para todos, em especial às
crianças e adolescentes na modalidade de educação básica, que compreende
a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e Médio. Todavia, para as pessoas
com algum tipo de deficiência, esse acesso historicamente foi negado, sendo-
lhes oferecida uma educação “especializada”, fora do espaço público escolar, e
assentada sobre o paradigma da normalidade/anormalidade.
O histórico dessa educação “especial” aponta que no Brasil as duas pri-
meiras instituições voltadas para o atendimento das pessoas com deficiência
foram o “Imperial Instituto dos Meninos Cegos” (1854) e “Instituto dos Surdos
Mudos” (1857). Pode-se apontar também como marco da educação especial na
contemporaneidade a criação da primeira Associação de Pais e Amigos dos Ex-
cepcionais (APAE) em 1954. (Brasil, 2008, p.06, online)
Todavia, a partir ampliação da discussão acerca dos direitos humanos e do
conceito de cidadania fundamentado no reconhecimento das diferenças e na
participação dos sujeitos, surge uma preocupação mundial com a educação in-
clusiva e no Brasil, têm-se os marcos legais da Constituição Federal de 1988, do
Estatuto da Criança e do Adolescente em 1993 e da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação em 1996.
Enquanto a Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente apontam
preocupação maior com o acesso de todos a educação, sem nenhuma espécie
de discriminação, a lei de Diretrizes e Bases da Educação, vai abordar especifi-
camente a educação especial , entendida no artigo 58, como “a modalidade de
educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para
educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas ha-
bilidades ou superdotação” (Brasil, 1996, online)
A legislação vigente estabelece o direito da pessoa com deficiência a edu-
cação, todavia, a garantia desse direito ainda não é concretizado de fato. Não
se trata apenas de assegurar vagas nas escolas regulares mas garantir que essa
escola esteja preparada para atender o aluno com deficiência em todas as suas
especificidades. Dessa forma, são necessários investimentos na estrutura físi-
ca e arquitetônica, na capacitação de educadores e todos os funcionários, na
capítulo 5 • 107
adaptação de recursos e técnicas pedagógicas, enfim, uma reestruturação que
não se efetiva de forma emergencial.
Assim, entre o que está previsto na legislação e a inclusão que de fato ocorre
nas escolas brasileiras existe uma abismal diferença. Apenas para exemplificar,
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em seu artigo 59, inciso I, pre-
coniza que para os educandos com deficiência, transtornos globais do desen-
volvimento e altas habilidades ou superdotação, devem ser assegurados, entre
outros, “currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização espe-
cíficos para atender as suas necessidades”. Todavia, as escolas brasileiras não
estão preparadas nem mesmo para trabalhar com as dificuldades de aprendi-
zagem, empregando, por exemplo, um único método para alunos com as mais
diversas potencialidades e fragilidades.
Assim, se faz necessário, bem mais que assegurar o direito legal, mas ainda
a conjugação de esforços para garantia de uma educação que seja efetivamente
inclusiva, e o assistente social pode contribuir nesse processo ao reconhecer
que essa também é uma expressão da questão social na contemporaneidade e
que, portanto, necessita ser devidamente trabalhada.
ATENÇÃO
Em relação a educação especial é importante destacar que conforme a Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, essa educação tem como obje-
tivos:Acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e continuidade nos níveis
mais elevados do ensino;Transversalidade da modalidade de educação especial desde a
educação infantil até a educação superior; Oferta do atendimento educacional especializado;
Formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissio-
nais da educação para a inclusão; Participação da família e da comunidade; Acessibilidade
arquitetônica, nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e informação e articulação
intersetorial na implementação das políticas públicas.
108 • capítulo 5
neralista, abrangendo conhecimentos básicos de diversas áreas, para qualifi-
car a intervenção junto às expressões da questão social, objeto de trabalho do
profissional de Serviço Social.
A profissão trabalha com três formas básicas de competências profissio-
nais, separadas apenas para fins didáticos, mas que no cotidiano da formação
e exercício profissional são indissociáveis e que formam o caráter propositivo,
investigativo e interventivo da profissão.
capítulo 5 • 109
Pública é aquela realizada pelo Poder Público, o Estado. Política Social é a for-
ma de o Estado gerir as necessidades básicas dos indivíduos, não atendidas
pelo sistema econômico.
Assim, a origem da Política Social está também na questão social, ou seja
na contradição fundamental capital e trabalho. A Política Social é a forma en-
contrada pelo Estado para amenizar as expressões da questão social. Todavia,
não deve-se perder de vista o entendimento de que a política social é também
paradoxal, pois mesmo realizada pelo Estado para apenas amenizar as expres-
sões da questão social, ela é também fruto das reivindicações da população. A
organização atual do Estado Brasileiro permite o entendimento de que segue-
se uma orientação neoliberal, ou seja, o afastamento desse Estado das proble-
máticas sociais, com uma intervenção mínima, focalizada.
Dessa forma, trabalhando seja com políticas sociais, ou em outros espaços,
o assistente social deve desenvolver suas competências concretizando o cará-
ter investigativo, propositivo e interventivo da profissão. Em relação ao caráter
investigativo, vale destacar que na investigação, a pesquisa é uma das formas
através do qual o assistente busca conhecer a realidade. Esse conhecimento
pode ser utilizado para a produção de conhecimentos com vistas à socializa-
ção, ou com vistas exclusivas a melhoria dos serviços prestados. Qualquer que
seja a finalidade, a pesquisa é fundamental para o trabalho do assistente social.
No que diz respeito ao caráter propositivo, o assistente social não pode limi-
tar-se a execução, tornando-se mero executor de serviços, programas e projetos.
Mesmo considerando as condições históricas objetivas que acabam por limitar
o trabalho profissional, o assistente social pode encontrar no próprio cotidiano
formas de superação dessa realidade.
Responder a tais requerimentos exige uma ruptura com a atividade burocrática e ro-
tineira, que reduz o trabalho do assistente social a mero emprego, como se esse se
limitasse ao cumprimento burocrático do horário, à realização de um leque de tarefas
as mais diversas, ao cumprimento de atividades preestabelecidas. Já o exercício da
profissão é mais do que isso. É uma ação de um sujeito profissional que tem compe-
tência para propor, para negociar com a instituição os seus projetos, para defender o
seu campo de trabalho, suas qualificações e funções profissionais. Requer, pois, ir além
das rotinas institucionais e buscar apreender o movimento da realidade para detectar
tendências e possibilidades nela presentes passíveis de serem impulsionadas pelo pro-
fissional. (IAMAMOTO, 2005, p. 21, grifo nosso)
110 • capítulo 5
Em relação à intervenção, como pontuamos desde o primeiro capítulo, o as-
sistente social trabalha diretamente nas expressões da questão social e portan-
to, para tal precisa estar comprometido com a transformação, como estabelece
o projeto ético político da profissão. O termo projeto ético político profissio-
nal do Serviço Social, se refere a uma construção ou esforço de construção, en-
volvendo sujeitos individuais e coletivos, orientados por princípios éticos (di-
mensão ética do projeto) e profundamente relacionados a projetos societários
(dimensão política do projeto). Dessa forma o projeto ético político do Serviço
Social não existe desvinculado da sociedade onde está inserido, mas se articula
com projetos para esta sociedade.
No que se refere à caracterização do projeto ético político do Serviço Social,
algumas considerações são fundamentais. Segundo REIS (2005) o termo pro-
jeto ético político profissional se refere a uma construção ou esforço de cons-
trução, envolvendo sujeitos individuais e coletivos, orientados por princípios
éticos e profundamente relacionados a projetos societários.
Dessa forma, o primeiro aspecto a ser considerado diz respeito ao fato de não
ser possível desvincular o projeto ético político do Serviço Social do contexto so-
cial em que está inserido e que se articula com as políticas sociais introduzidas
neste contexto. Ainda segundo REIS (2005), os projetos societários podem ser de
natureza conservadora ou transformadora, que se constitui na proposta do pro-
jeto ético político do Serviço Social. Uma reflexão crítica a cerca da dinâmica da
sociedade brasileira, mostra que a legislação do país faz uma caminhada histó-
rica no sentido de um esforço de construção de uma nova ordem societária, não
se pode negar o avanço que representaram as mudanças na legislação a partir
de 1988, com a Constituição da República Federativa Brasileira. Mas, entende-se
que é preciso garantir a efetivação do que está posto na legislação.
Dentre os avanços conquistados, pode se destacar a mudança na concep-
ção da assistência social, que passa a ser entendida pelo Estado como direito
do cidadão, rompendo, ainda que teoricamente, com o conceito de filantropia.
Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), representa um avanço,
ao garantir às crianças e adolescentes direitos até então desconsiderados. Em
1993, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) vem para regulamentar a po-
lítica de assistência social e assim garantir o desenvolvimento de programas,
projetos, serviços que realmente entendessem a assistência social como direito
do cidadão. É preciso mencionar ainda, o Estatuto do Idoso, introduzido em
2003, da Legislação para a Pessoa Portadora de Deficiência (1989/1999) e da Lei
capítulo 5 • 111
Maria da Penha (2006), que protegem grupos minoritários, até então desprote-
gidos pela efetividade da legislação brasileira.
No que se refere à atuação do assistente social, cumpre discutir o Código
de Ética dos Assistentes Sociais que tem como princípios fundamentais o re-
conhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas
a ela inerentes – autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos so-
ciais que aponta para um compromisso com a construção de uma nova ordem
societária, diferente da que ainda está posta.
Na concepção de REIS (2005) é nítido que o projeto ético político do Serviço
Social está comprometido com um projeto de transformação da sociedade prin-
cipalmente porque a intervenção profissional apresenta uma dimensão políti-
ca, situada nas relações estabelecidas pelas classes sociais, no direcionamento
das ações. Uma atuação que se proponha comprometida com o Projeto ético
político da profissão deve caminhar no sentido da construção de um modelo de
sociedade diferente do que está posto, seja qual for o contexto de atuação.
CONEXÃO
A discussão acerca do Projeto Ético Político do Serviço Social é bastante recorrente quando
se discute o trabalho profissional, na medida em que este projeto é o que subsidia as ações
profissionais. Como se trata de um tema também fundamental no Serviço Social, muitos
autores já fizeram essa discussão, mas pode-se destacar José Paulo Netto, como o primeiro
que fez referência a esse termo (Projeto ético político) em especial no texto “A construção do
projeto ético político do Serviço Social”, originalmente publicado no módulo 1 de Capacitação
em Serviço Social e Política Social (Brasília, CFESS/ABEPSS/CEAD/UnB, 1999) e que
constituiu-se um dos primeiros materiais para a discussão acerca do “projeto ético-político
do Serviço Social brasileiro”, nas palavras do próprio autor.
Disponível em: http://pt.slideshare.net/deyselfreire/a-construo-do-projeto-tico-poltico-do-
servio-social-jos-paulo-netto. Acesso em 29 de Setembro de 2014
112 • capítulo 5
Considerações Finais
A questão social origina-se na contradição fundamental entre capital e traba-
lho, onde a produção social é cada vez mais coletiva enquanto a apropriação do
que é produzido continua sendo privilégio de poucos. Essa questão manifesta-
-se de formas variadas, sendo o mundo do trabalho, a questão racial, de gênero,
geracional, de pessoas com deficiência algumas de suas formas de expressão.
O assistente social para trabalhar com as múltiplas formas de expressão des-
sa questão precisa necessariamente desenvolver as competências teórico-me-
todológicas, ético-políticas e técnico-operativas, que se expressam no caráter
investigativo, propositivo e interventivo da profissão.
ATIVIDADE
1. Em relação a realidade de sua região, como se manifesta a questão social?
REFLEXÃO
O Documento “Atribuições Privativas do Assistente Social em Questão” publicado pelo
CFESS em 2012 reúne diversas reflexões acerca do trabalho profissional do assistente so-
cial na contemporaneidade. Compõe esse documento o texto “Projeto Profissional, espaços
ocupacionais e trabalho do assistente social na atualidade” texto transcrito da palestra de
Marilda Vilela Iamamoto no XXX Encontro Nacional do CFESS/CRESS em 2001. Assim,
apresentamos para a reflexão o trecho onde ela aborda a questão social na contemporanei-
dade, pois entendemos que ele sintetiza algumas das discussões feitas nesse livro.
capítulo 5 • 113
Importa destacar quatro aspectos centrais que atribuem novas mediações
históricas à produção da questão social na cena contemporânea:
114 • capítulo 5
processo, que afeta a divisão social e técnica do trabalho, atinge o conjunto
dos trabalhadores, inclusive os assistentes sociais. A necessidade de redução
de custos para o capital revela-se na figura do trabalhador polivalente, em
um amplo enxugamento das empresas, com a terceirização dos serviços e
a decorrente redução do quadro de pessoal, tanto na esfera privada quanto
governamental. A concorrência entre os capitais estimula um acelerado de-
senvolvimento científico e tecnológico, que revoluciona a produção de bens
e serviços. Apoiada na robótica, na microeletrônica, na informática, dentre
outros avanços científicos, a reestruturação produtiva afeta radicalmente a
produção de bens e serviços, a organização e gestão do trabalho, as con-
dições e relações de trabalho, assim como o conteúdo do próprio trabalho.
Verificam-se, em decorrência, mudanças nas formas de organizar a produção
e consumir a força de trabalho, envolvendo amplo enxugamento dos postos
de trabalho e a precarização das condições de trabalho. Reduz-se assim a
demanda de trabalho vivo ante o trabalho passado, incorporado nos meios de
produção, com elevação da composição técnica e de valor do capital. Entre-
tanto, é importante relembrar que a reestruturação produtiva convive, no país,
com um fordismo incompleto e com formas tradicionais e arcaicas de explo-
ração da força de trabalho, enraizadas na particular formação econômica e
política da sociedade brasileira — como o trabalho clandestino, o trabalho es-
cravo, as grilagens de terra, as invasões de territórios e nações indígenas etc.
capítulo 5 • 115
A crítica neoliberal sustenta que os serviços públicos, organizados à base de
princípios de universalidade e gratuidade, superdimensionam o gasto estatal
(Grassi et alai, 1994). A proposta é reduzir despesas (e, em especial, os gastos
sociais), diminuir atendimentos, restringir meios financeiros, materiais e huma-
nos para implementação dos projetos. E o assistente social, que é chamado a
implementar e viabilizar direitos sociais e os meios de exercê-los, vê-se tolhido
em suas ações, que dependem de recursos, condições e meios de trabalho
cada vez mais escassos para operar as políticas e serviços sociais públicos.
116 • capítulo 5
As configurações assumidas pela questão social são condicionadas pela for-
mação cultural brasileira, em seus traços de clientelismo, em que os trabalha-
dores foram historicamente tratados como súditos, receptores de benefícios
e favores e não cidadãos, portadores de direitos. Mas aquelas configurações
passam também pelas suas expressões singulares presentes na vida de cada
um dos indivíduos atendidos pelo assistente social. Estas situações singulares
vivenciadas pelos indivíduos são portadoras de dimensões universais e parti-
culares da questão social, condensadas na história de vida de cada um deles.
capítulo 5 • 117
LEITURA RECOMENDADA
Recomendamos a leitura completa do Documento “Atribuições Privativas do Assistente So-
cial em Questão” publicado pelo CFESS em 2012, pois ele reúne algumas das principais
discussões acerca do trabalho profissional do assistente social na contemporaneidade.
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YAZBEK, Maria Carmelita. Classes Subalternas e Assistência Social. São Paulo: Cortez, 1993.
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EXERCÍCIO RESOLVIDO
Capítulo 1
1.
O sistema capitalista pode caracterizado especialmente pela necessidade de acumula-
ção e lucro. Conforme citação:
2.
Exercício livre. O aluno deve apontar as principais problemáticas sociais de seu municí-
pio entendendo que elas possuem uma origem comum: a questão social.
Capítulo 2
1.
A principal proposta desta atividade é que o aluno reflita acerca das classes sociais enten-
dendo que elas existem antes do capitalismo, conforme trecho:
Temos assim que o conceito de classes vem desde os antigos gregos e implica
um grupo de cidadãos, classificados e definidos a partir da função que exercem na
capítulo 5 • 121
sociedade onde estão inseridos, mas também pelas vantagens, ou privilégios que
tal função lhes permite. Tem-se que algumas classes possuem diversos privilégios,
enquanto outras não possuem nem mesmo os direitos básicos garantidos.
Mas prosseguindo é necessário que o aluno explicite que a principal mudança trazida
pelo capitalismo é que mesmo as classes estando bem definidas (trabalhadores e
burguesia) tenta-se divulgar a idéia de que elas não existem, dependendo apenas do
esforço individual de cada um.
2.
O aluno deve apontar as principais atividades do assistente social na política de saúde,
entre elas o atendimento assistencial, os encaminhamentos e as atividades socioeduca-
tivas. Em relação às expressões da questão social, deve apontar entre outros elementos:
o número de pessoas não atendidas pelo serviço público de saúde, a baixa qualidade
dos serviços públicos de saúde, a não existência de tratamentos específicos, a diferença
no atendimento particular e público.
Capítulo 3
1.
Exercício livre. O aluno deve pesquisar de forma geral as mudanças no mercado de
trabalho em seu município, para assim fixar o conteúdo apresentado no texto em relação
às mudanças gerais no mercado de trabalho no cenário mundial.
2.
O assistente social vai construir sua atuação a partir da realidade que se lhe apresenta,
buscando efetivar o compromisso profissional com a classe trabalhadora, mas garan-
tindo o diálogo com as classes historicamente detentoras do poder. O trecho abaixo
sintetiza essa construção.
122 • capítulo 5
tem condições de encarar esse desafio sem que os princípios éticos, políticos e ide-
ológicos da profissão sejam perdidos, para isso necessitando que o profissional se
disponha a mobilizar-se, enquanto categoria, construindo projetos de ação marcados
pela competência técnica, teórica, ética e política.
Capítulo 4
1.
Na pesquisa o aluno deve apontar dados históricos da pobreza no Brasil, como um
fenômeno complexo, mas destacando que ela foi tratada às vezes de forma caritativa,
às vezes com a intervenção policial, e só recentemente (em especial a partir da Consti-
tuição de 1988) como alvo da intervenção do Estado. Destacamos a citação:
2.
O aluno deve construir uma reflexão que aborde a questão da vulnerabilidade no Brasil,
entendida como uma condição onde a pessoa se encontra, condição que a coloca em
risco, que a deixa vulnerável, ou seja, fragilizada, exposta. No Brasil isso se dá devido
entre outros aspectos à questão do emprego, da condição de gênero, raça, idade e que
de forma direta relacionam-se com as expressões da questão social. A partir daí deve
relacionar esses elementos com a realidade de seu município.
capítulo 5 • 123
Capítulo 5
1.
O aluno deve apontar a partir de sua realidade regional expressões da questão social.
Pode ser aquelas apontadas no texto (questão habitacional, questão racial, questão de
gênero), mas com dados específicos de sua região.
2.
Deve-se discutir que o profissional de Serviço Social trabalha cotidianamente com as
expressões da questão social e que para isso preciso entender a origem comum dessas
problemáticas, qual seja a contradição fundamental entre capital e trabalho. Destacamos
em especial o trecho.
Nesse contexto, o assistente social desenvolve sua práxis tendo como referência a
necessidade de construir mediações que possibilitem o desvelamento da questão
social e que na contemporaneidade envolve pensar as diversas formas através das
quais ela se manifesta.
124 • capítulo 5