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A “ARMA” DE FERNANDO LOPES-GRAÇA

A MÚSICA COMO UM RETRATO SÓCIO-POLÍTICO

Disciplina: História da Música de Portugal III

Professora: Vanda de Sá

Aluna: Juliana Wady Lopes 39175

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SUMÁRIO

RESUMO........................................................................................................3

I. INTRODUÇÃO.............................................................................................3

II. FERNANDO LOPES-GRAÇA....................................................................5

III. BREVE CONTEXTO HISTÓRICO...........................................................7

IV. OBRA: ASPECTOS GERAIS......................................................................9

V. CANÇÕES HEROICAS.............................................................................12

VI. CANÇÕES REGIONAIS PORTUGUESAS............................................19

VII. FOLCLORISMO.........................................................................................22

VIII. CONCLUSÃO..............................................................................................26

IX. REFERÊNCIAS...........................................................................................29
9.1 Bibliografia..............................................................................................29
9.2 Webgrafia................................................................................................30

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RESUMO: O presente trabalho procura abranger a obra do compositor português
Fernando Lopes-Graça em sua vertente de expressão e intervenção sócio-política. Para
tal, através de levantamento bibliográfico, busca oferecer ao leitor um panorama sobre a
biografia do compositor, uma exposição breve do contexto histórico – nomeadamente o
período do Estado Novo e suas implicações no cenário cultural –, aspectos gerais de sua
obra e um olhar específico para as Canções Heroicas, Canções Regionais Portuguesas e
para o folclorismo proposto pelo compositor. Objetivando, as partir destes, expor e
argumentar a respeito dos elementos significativos que em sua música tornaram-se uma
verdadeira “arma” contra o Estado Novo.

I. INTRODUÇÃO

Estudar especificamente a música de Fernando Lopes-Graça presume


imediatamente considerar o meio social em que este está envolvido trata-se de
concebermos não só um compositor, mas um cidadão ativo e consciente da esfera sócio-
política de seu tempo e, ainda, reflexivo a ponto de transportar para sua obra o que
poderíamos considerar seu ideal mais valioso: o estabelecimento de uma identidade
nacional se que constrói e reconstrói a partir da utilização racional do folclore. Sendo
que este último deveria remontar-se às mais remotas e isoladas comunidades
portuguesas, estas, por sua vez, de acordo com Lopes-Graça, detinham a essência
cultural da nação e eram também a melhor forma de combater os estereótipos
estipulados pelo Estado Novo:

Ora a primeira e mais urgente tarefa que se impõe para chegarmos à justa

avaliação do que é e significa verdadeiramente a nossa canção popular é

combater esse falso, fácil e nocivo conceito de pitoresco. A canção popular

portuguesa, afirmamo-lo, é mais e melhor do que isso: ela é realmente a crónica

viva e expressiva da vida do povo português – quer dizer: da vida rústica do

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povo português, visto que por canção popular portuguesa se deve entender, antes

de tudo, a nossa canção rústica (LOPES-GRAÇA, 1974, p. 15).

Portanto, para além desta introdução, o trabalho em questão divide-se em seis


partes que procuram elucidar brevemente a inserção da música de Fernando Lopes-
Graça no contexto de ação que o próprio compositor propunha. Assim sendo,
primeiramente, serão apresentados aspectos da biografia de Lopes-Graça, enquanto
compositor, escritor e ativista político. Em segundo lugar, este trabalho busca oferecer
uma sucinta contextualização histórica especialmente relacionada com os fatores que
associavam o Estado Nova à realidade musical da época.

Adiante, apresenta-se um panorama com aspectos gerais da obra Fernando


Lopes-Graça, enfatizando as ligações do compositor com a música do século XX, com a
literatura portuguesa e com o enfoque na exploração do folclore. A seguir, busca-se
dissertar a respeito de três vertentes da obra de Lopes-Graça – não entendidas
separadamente, mas sim como parte de um grande mosaico que constitui a concepção
de música do compositor – e sua relação com a ideia intervenção por meio da música,
são estas as Canções Heroicas, as Canções Regionais Portuguesas e o folclorismo. Por
fim, a conclusão trata de sintetizar as ideias desenvolvidas ao longo desta pesquisa, e,
além disso, procura apresentar novas perspectivas e questionamentos relacionados com
a utilização da música enquanto meio de expressão de conceitos e arma pacífica capaz
de promover a conscientização e ação social.

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II. FERNANDO LOPES-GRAÇA

O que Fernando Lopes-Graça nunca fez, o que nunca disse, o que nunca
escreveu, foi alguma coisa que não correspondesse à sua verdade (BRANCO,
1967, p. XII).

Nascido em 1906 na cidade de Tomar, o compositor Fernando Lopes-Graça


ingressou nos estudos de piano em 1923 no Conservatório de Lisboa, tendo como
professores Adriano Meira e posteriormente o renomado Viana da Mota. Sob as
instruções de Tomás Borba concluiu os estudos em composição, com o ilustre Luís de
Freitas Branco fez um curso de Ciências Musicais, e ainda iniciou os estudos de
História e Filosofia na Universidade de Lisboa, porém sem concluí-los (COLAZZO,
2014, p. 1).

Vinculado ao Conservatório de Lisboa, em 1929, criou a revista De Música, em


Tomar, no ano seguinte, fundou A Acção, jornal de expressão dos ideais políticos de
cunho socialista. Em 1931 é preso, pela primeira vez, acusado de participar de
organizações comunistas na cidade de Tomar, mais tarde, ainda no mesmo ano, através
da sua amizade com o escritor Manuel Mendes, entra em contato com a revista Seara
Nova. No ano seguinte, 1932, estando em Coimbra contata a revista Presença com a
qual viria a colaborar entre 1934 e 1935. Ainda no ano de 1934, escreve para o
periódico O Diabo com um artigo de crítica ao compositor Rui Coelho e sua forma de
nacionalismo dita conservadora, além disso, por razões políticas, no mesmo ano lhe é
retirada a bolsa de estudos, para Paris, em musicologia e composição, atribuída ao
compositor como vencedor de um concurso (CASCUDO, 2010; COLAZZO, 2014).

Em 1936, em um período de maior ênfase na crítica explícita ao Estado,


Fernando Lopes-Graça participou no primeiro volume da Revista Manifesto. No mesmo
ano o compositor é detido sob a acusação de “propaganda subversiva e organização da
Frente Popular” (cf. Antt, Arquivo PIDe/DGs, PVDe, secção Internacional, Proc. crime
1184/936 apud CASCUDO, 2010, p. 556). Em 1937 Lopes-Graça muda-se para Paris
onde vive uma importante fase de apreciação de novas ideias que logo refletir-se-iam
em suas obras. Na capital, convivendo com diversos artistas e eruditos, o compositor

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teve a oportunidade de estudar com personalidades de Charles Koechlin e entrar em
contato com a obra de Manuel de Falla e Béla Bartók que seriam grande inspiração para
a sua vertente folclórica. Nesta mesma cidade, em 1938, por influência do já
mencionado Béla Bártok, Lopes-Graça começa a harmonizar canções populares
portuguesas. Entre os anos 1937 e 1939 o compositor envia para a Revista de Portugal
uma série de crónicas que buscavam retratar o cenário musical da capital. (BRITO &
CYMBRON, 1992; CASCUDO, 2010; COLAZZO, 2014)

No seu regresso à Portugal, em 1939, colaborou ainda com O Diabo e durante


décadas como crítico da Seara Nova, sempre observado e censurado pelo regime. Foi
professor de harmonia, piano e contraponto, em 1941, na Academia de Amadores de
Música de Lisboa com a qual desenvolveria um grande trabalho de música vocal. No
ano seguinte, com o objetivo de estimular e impulsionar a música contemporânea, funda
a Sociedade Sonata, e a partir de meados da década de 40, suas publicações tiveram
grande influência de sua entrada no Partido Comunista Português e sua atuação no
Movimento de Unidade Democrática (CASCUDO, 2010; COLAZZO, 2014).

Em 1946 ainda escreveu para a Revista Vértice, no ano seguinte inicia um de


seus mais significativos trabalhos ao lado do etnomusicólogo Michel Giacometti
coletando canções portuguesas tradicionais na busca do verdadeiro folclore rústico. Um
ano depois, 1948, participou de dois importantes congressos: 1° Congresso de
Intelectuais pela Paz, em Praga, e o 2° Congresso de Compositores e Musicólogos, e no
início da década de 50, fundou juntamente com João José Cochofel a Gazeta Musical.
Mais uma vez por motivos de repressão política, em 1954 foi-lhe retirado o direito de
dar aulas à escola da Academia de Amadores de Música, porém, Lopes-Graça ainda
continuaria com sua atividade junto ao coro, dirigindo e compondo para o mesmo. Em
1960, outro grande feito, o compositor edita, juntamente com Michel Giacometti, o
primeiro volume da recolha discográfica Antologia da Música Regional Portuguesa.
Após o 25 de abril seus serviços continuaram a ser extremamente significativos, no
mesmo ano de 1974 o compositor assume a presidência da Comissão para a Reforma do
Ensino de Música em Portugal e dez anos depois, em Moscovo, presencia a primeira
interpretação do Requiem pelas vítimas do fascismo em Portugal fora de Lisboa.
(BRITO/CYMBRON, 1992; CASCUDO, 2010; COLAZZO, 2014; SALDANHA
2016).

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Torna-se importante enfatizarmos o empenho do compositor na produção
textual, exemplificado nas diversas revistas aqui referidas. Esta dedicação constitui-se
como um dos fatores de destaque em relação aos outros compositores de sua época,
além disso, “ele próprio exerceu de forma esclarecida a crítica, como parte de um
percurso que podemos qualificar como de típico do intelectual de esquerda durante o
Estado Novo” (CASCUDO, 2010, p. 555). E, para além da crítica “importantes são seus
escritos de aprofundamento cultural e musicológico em favor da música nova, que
discutem os problemas do nacionalismo musical em Portugal, das relações com as
tradições populares” (COLAZZO, 2014, p. 2).

III. BREVE CONTEXTO HISTÓRICO

A ditadura salazarista nunca foi estável como dela se disse. Uma parte do povo
português nunca a aceitou. Os oficiais nunca deixaram de conspirar para derrubar o
ditador (SECCO, 2004, p. 8).

No ano de 1933 é promulgada a lei de revisão da Constituição, oficializando o


início do Estado Novo. A partir de então, alteram-se algumas nomenclaturas, porém, os
fundamentos do regime permanecem os mesmos, a título de exemplo estão o
Secretariado de Propaganda Nacional que passa a ser Secretariado Nacional de
Informação, sob o comando de António Ferro, e a Polícia de Vigilância e Defesa do
Estado que torna-se Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE). Em
contrapartida a este cenário surge, em 1945, o Movimento de Unidade Democrática (do
qual Lopes-Graça torna-se aliado como já foi dito) que conta com o apoio de pelo
menos 50 mil membros somente em Lisboa. Além disso, no Alentejo, os trabalhadores
rurais também formam seus agrupamentos e iniciam as greves. O regime perde cada vez
mais sua estabilidade, e, na década de 60, a Guerra Colonial funcionou como verdadeiro
gatilho para diversas mobilizações sociais. O âmbito estudantil, principalmente em
Lisboa e Coimbra, se ergue com grande representatividade no enfrentamento ao

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governo vigente que, em 1962, apodera-se da sede da Associação Académica de
Coimbra (CORTE-REAL, 1996, p. 147-148; SECCO, 2004).

Se nos voltarmos de forma mais específica para aquilo que interferiu no cenário
musical, podemos citar alguns aspectos que se firmaram logo nas duas primeiras
décadas de ditadura. Em 1933 a criação da Emissora Nacional finalmente satisfaz o
objetivo de “criação de um organismo de radiodifusão propriedade do Estado” e “desde
a primeira hora das emissões experimentais, foi visível a preocupação em acompanhar
os momentos importantes da vida do regime”. Associada a esta instituição, no ano
seguinte, a criação da Orquestra Sinfónica buscava ampliar o público elitista da música
clássica (RIBEIRO, 2007, p. 176).

Retornando ao ano de 1933, outro marco importante foi a inauguração do


bailado Verde Gaio que apresentava o folclore português numa vertente completamente
estilizada para fins de propaganda manipuladora. No ano seguinte, Elisa de Sousa
Pedroso funda o Círculo de Cultura Musical cujo objetivo era apresentar ao público da
capital (Lisboa) o que havia de mais importante no cenário musical nacional e
internacional. Em 1940 o destaque é da exposição do Mundo Português que reforçava a
ideia da grandeza de Portugal enquanto desbravador marítimo e colonizador, e, ainda no
mesmo ano, a reabertura do Teatro de São Carlos estreou ao som da ópera D. João IV,
de Rui Coelho. Em 1942, António Ferro cria o Gabinete de Estudos Musicais ligado à
Emissora Nacional como uma forma de motivação à composição em favor do Estado,
por meio da encomenda a compositores como o próprio Rui Coelho, Frederico de
Freitas, Armando José Fernandes, entre outros (BRITO/CYMBRON, 1992; RIBEIRO,
2007).

Num âmbito global, Teresa Cascudo (2010, p. 556) relembra a Guerra-Fria que,
a partir da década de 30, vinha impondo parâmetros competitivos inclusive aos
domínios culturais, assim, segundo a autora “a tentação de transformar a arte numa
metáfora política era demasiado forte, e até proveitosa, para ser ignorada, pelo que os
artistas viram-se obrigados a conviver com ela”. Portanto, a procura de um novo público
começou a se fazer necessária e o conceito de “povo” entrou em alta juntamente com as
vertentes populistas.

Todo este cenário envolve a vida e reflete-se na obra de Fernando Lopes-Graça,


mesmo sob o olhar do regime o compositor foi merecidamente exaltado nacional e

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internacionalmente, e após a Revolução dos Cravos viria a ser celebrado como “um dos
pais do novo Portugal” (COLAZZO, 2014, p. 4). A repressão da PIDE, os órgãos de
propaganda manipuladora, a estilização folclórica por parte do Estado, o nacionalismo
em prol de uma imagem distorcida, os movimentos dos trabalhadores rurais, as
mobilizações sociais, a Guerra Colonial, tudo foi assimilado pelo compositor e exposto
de forma consciente e intencional em sua música. Indo além de um retrato sócio-
político, sua obra evocava a ação.

IV. OBRA: ASPECTOS GERAIS

[...] mesmo quando [Lopes-Graça] não escreve em relação directa com um


documento étnico, há – pode-se arriscar – um portuguetismo adquirido que marca a
sua linguagem (CARVALHO, 1989, p. 9).

Grande parte da obra de Fernando Lopes-Graça pode ser caracterizada


essencialmente pelo confronto com os valores impostos pela ditadura salazarista.
Podemos destacar três ferramentas - que depois podem subdividir-se em várias outras -
utilizadas musicalmente no processo de enfrentamento ao Estado Novo. A primeira
delas baseia-se especialmente na concepção de uma música consciente, capaz de formar
um público crítico e pensante, e procurou opor-se à música com fins de propaganda
proposta pelo regime vigente que, apresentando-se como entretenimento através de uma
concepção baseada no “exotismo” e no “bucolismo” do folclore, objetivava a alienação
e a manipulação. Ainda neste aspecto cabe ressaltar a ligação do compositor com a
música contemporânea e a criação da Sociedade Sonata como meio de propagação da
mesma. A segunda ferramenta a ser evidenciada é a utilização do folclore 1 em duas
vertentes: a primeira encontrando aquilo que deveria realmente ser nomeado “folclore”,

1
Folclore este especificamente voltado para o rústico, o campo, uma vez que o “urbano” não seria
capaz carregar a verdade da tradição portuguesa segundo a concepção de Lopes-Graça. Nas palavras do
próprio compositor: “[...] A canção urbana é pobre e incaracterística, banal e incolor, sem força
sugestiva nem originalidade de contornos. Ou é o execrando fado, produto de corrupção da
sensibilidade artística e moral, quando não indústria organizada e altamente lucrativa [...]” (LOPES-
GRAÇA, 1974, p. 15-16).

9
concebendo-o como modelo da verdadeira identidade nacional e, portanto, exigindo sua
merecida salvaguarda – é válido ressaltar que a partir desta abordagem, como é o
exemplo das Canções Regionais Portuguesas (especialmente com Os Homens que vão
para a guerra), o compositor explora a essência interventiva das canções populares
através de sua letra; Na segunda vertente, o folclore é material bruto, fonte criativa,
ponto de partida para experimentações e forma de trazer “o campo” às salas de
concertos. Por fim, a terceira ferramenta refere-se ao aproveitamento da literatura
portuguesa – literatura esta que engloba desde escritores renomados como Fernando
Pessoa até autores desconhecidos –, primeiramente em tom de protesto e mobilização
social com são exemplo as diversas Canções Heroicas, e, em segundo, a reflexão e a
reconsideração das lendas e histórias portuguesas por vezes tão idealizadas pelo Estado
Novo, como grande referência podemos citar a História Trágico-Marítima
(CARVALHO, 1989; CASCUDO, 2010).

Todos os aspectos aqui salientados, corroboram um repertório de expressão e


questionamento da realidade sócio-política, reflexão a respeito desta realidade e
mobilização para uma ação interventiva a nível sócio-cultural. Lopes-Graça possui uma
obra vasta e que perpassa vários gêneros e formações diferentes: música infantil,
harmonizações de Canções Populares, Canções Heroicas, Canções Regionais
Portuguesas, Concertos, Música de Câmara, dentre muitos outros. Fato é que mesmo
sua música de caráter instrumental reflete sua oposição ao momento político-cultural, e,
ao mesmo tempo, demonstra o desejo da construção do nacional que o compositor tanto
ansiava - a título de exemplo poderíamos referir as Suítes Rústicas (1951, 1965) e a
Viagens na minha Terra (1969-70). Isto é, através da construção da música tradicional
portuguesa, o compositor manifesta vários aspectos que, em conjunto, confrontam a
proposta musical do regime de Salazar (CARVALHO, 1989). Como muito bem
definido pelo musicólogo Mário Vieira de Carvalho (1989, p. 9-10):

A música nacional constrói-se e ele construiu a sua em oposição a outros

conceitos de música nacional que procuravam impor-se no seu tempo. [...]. Daí

que rejeitasse o pitoresco e procurasse nas canções do povo o que nelas havia de

mais representativo da sua luta pela sobrevivência, da sua sabedoria da vida, o

seu humanismo religioso, do seu anseio de amor, de paz e de progresso, da sua

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capacidade de resistência, da sua energia criadora, da sua irreverência, do seu

potencial subversivo. [...] tratava-se de congregar o povo, dar-lhe consciência

de sua força, da sua identidade, através de uma música que lhe pertencia e ao

mesmo fora redescoberta para ele; tratava- se de o subtrair à manipulação

paternalista do poder político, manipulação que tinha os seus ingredientes

musicais.

O próprio António Ferro, então diretor do Secretariado Nacional de Informação,


ao enfatizar a importância do discurso musical na concepção do nacionalismo,
colaborou com a dicotomia de ideias que poderiam apoiar ou confrontar o significado
deste “nacionalismo” (CASCUDO, 2010). Tornava-se evidente a divergência entre as
ideias de “povo português”, por um lado o Estado Novo apresentava-o como “Outro
inferior cuja imagem servil e pitoresca servia os interesses propagandísticos do poder”,
em contrapartida, para Lopes-Graça “o Outro constituía um depositário de experiências
e culturas cuja preservação e sistematização importava concretizar”. O maior objetivo
do compositor era expor uma verdadeira identidade portuguesa por meio da música,
identidade esta que se encontrava no mais rústico, no cotidiano do homem do campo
(SALDANHA, 2016).

Porém, de acordo com Teresa Cascudo (2010, p. 557), o nacionalismo presente


no período inicial de composição de Lopes-Graça ainda não corresponde a uma ideia de
intervencionismo (conceito que a partir de 1938 torna-se muito mais latente), pois as
primeiras peças – como por exemplo Variações sobre um tema popular português,
Canções sobre quadras populares portuguesas, Pequeno cancioneiro do Menino Jesus,
Canções ao gosto popular mencionadas pela autora – ainda permanecem parcialmente
arraigadas no conceito estético do século XIX. Ainda assim, sempre houve o cuidado
por parte de Lopes-Graça de não tornar o nacional algo estilizado e pitoresco.

Como já referido, nas décadas de 30 e 40, destacam-se as composições de cunho


folclórico e intervencionista, dentre elas a elaboração do Cancioneiro Popular
Português, os cadernos de Canções Heroicas e Canções Regionais Portuguesas.
Adiante, segundo Cascudo (2010, p. 563), a partir de meados dos anos 50, Lopes-Graça
encontra-se relativamente afastado, pelo menos de forma direta, da temática folclórica
e, de acordo com Dicionário Online Biográfico Caravelas (COLAZZO, 2014, p. 3), as
11
obras de maior profundidade pessoal datam do início da década de 60 quando o
compositor enfrentava uma fase mais depressiva. Porém, ainda assim, sua música
explorou o “sentido orgânico da forma, todavia flexível, aberto, com lampejos
improvisativos e o gosto pelo fragmento, bem como dotado de uma grande sensibilidade
para o timbre e para a cor instrumental” que, por fim, resulta no Requiem para as
vítimas do fascismo em Portugal de 1979.

V. CANÇÕES HEROICAS

As Canções Heroicas constituem uma “arma pacífica, mas não inocente, ao serviço da
nossa oprimida grei, da sua libertação, da sua exaltação, e da sua fraternização.”

(LOPES-GRAÇA, 1974 apud CORTE-REAL, 1996)

O termo Canções Heroicas foi empregado pelo próprio compositor Fernando


Lopes-Graça com objetivo de se referir às Canções de Intervenção – também nomeadas
como “canção dos homens livres”, “canção de partidários”, “canção de resistência”,
dentre outros – estas por sua vez constituem um conjunto de peças cujo intuito é
promover a mobilização social, estimulando a ação num período específico da história
de Portugal: o Estado Novo. Para atingir o final propósito, que é realmente intervir
social e politicamente, as canções procuravam enfatizar aspectos como a
conscientização e a força da união do povo, através dos poemas de autores como José
Gomes Ferreira, Carlos de Oliveira, João José Cochofel, entre outros que manifestavam
uma arte neorrealista – corrente artística cujo principal objetivo era evidenciar o
cotidiano das classes trabalhadoras (CARDOSO, 2010; CARVALHO, 1989; CORTE-
REAL, 1996; LOPES, 2017).

Paralelamente a estes aspectos, a esfera musical das Canções Heroicas manifesta


o cuidado, por parte de Lopes-Graça, de serem escritas em um estilo simples, a fim de
poderem ser interpretadas por “grupos vocais e instrumentais populares, pelo homem da
rua, pelo cidadão comum” (CARVALHO, 1989, p. 20). Isto é, o compositor acreditava
que a exploração da tradição popular era o caminho mais eficaz para estabelecer um
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contato com o povo e assim uni-lo em prol de uma ação, portanto, além da letra de
linguagem acessível e mensagem direta, a música se apoiava em uma linha melódica
tonal ou modal relativamente fácil, que poderia ou não ser harmonizada, que poderia ou
não conter acompanhamento de piano e apresentava, geralmente, uma rítmica básica e
regular (CORTE-REAL, 1996). Curiosamente, de acordo com Carvalho (1989), as
Canções Heroicas apresentavam semelhanças com os Arbeiterlieder, criadas por Hanns
Eisler, as “canções do trabalhador”, na tradução literal, surgiram no final da década de
20 como importante arma do movimento antifascista alemão, sendo, mais tarde,
também incorporadas durante a Guerra Civil Espanhola por meio das Brigadas
Internacionais.

No ano de 1945, Fernando Lopes-Graça compõe seu primeiro caderno de


Canções Heroicas intitulado Marchas, danças e canções próprias para grupos vocais
ou instrumentais populares, que seria publicado pela Seara Nova no ano seguinte com
um total de 18 canções. Porém, na época, qualquer programa de concerto deveria,
obrigatoriamente, ser aprovado pela Inspecção Geral dos Espetáculos, e, em razão da
censura, no mesmo ano de 1946 o caderno foi apreendido. Assim sendo, as Canções
Heroicas deixam de ser executadas nos concertos públicos e passam para um universo
secreto, sendo interpretadas em protestos ou ambientes mais restritos como
confraternizações e reuniões de cunho esquerdista ou até mesmo prisões. Assim, como
alternativa às proibições, Lopes-Graça substitui o repertório de Canções Heroicas pelas
Canções Regionais Portuguesas, que serão abordadas no próximo capítulo deste
trabalho (CARVALHO, 1989; CORTE-REAL, 1996; LOPES, 2017). Abaixo a imagem
do frontispício das Marchas, Danças e Canções (1946):

(LOPES, 2017, p. 149)


13
Como ressalta Cardoso (2010) o trabalho de Lopes-Graça junto ao Coro da
Academia de Amadores de Música – anteriormente configurado como o Coro do
Movimente de Unidade Democrática (MUD) – foi extremamente significativo para por
em prática todo o repertório de intervenção. Apesar da apreensão das Canções Heroicas
e em geral da grande censura por parte do regime, as apresentações do Coro, além da
qualidade musical, propunham uma certa abertura política ao confrontar as ideias
impostas pela ditadura (CAMILO, 1990). Nas palavras de Carvalho (1989, p. 22):

[...] o repertório [do Coro da Academia de Amadores de Música] constituía um

momento de identificação entre compositor, intérpretes e público, gerava a

consciência de comunidade a que todos pertenciam – uma comunidade que

resistia, que afirmava o seu direito à diferença (a uma diferente concepção de

povo português) relativamente aos conceitos de nação e nacionalismo

propagandeados pelo governo; por outro lado, os arranjos de Lopes-Graça, a

leitura que este fazia do documento original, as transformações a que o sujeitava

– dramatizando-o, ironizando – criavam um efeito de estranheza que distanciava

o público de algo que à partida lhe era familiar ou reconhecia como seu. [...]

constitutivo deste feed back era a vontade de agir despertada no público, não

apenas num sentido mais geral de acção política, mas também num sentido mais

imediato de intervenção, cantando ele próprio, no fim do espetáculo, juntamente

com elementos do Coro, canções populares ou canções heroicas proibidas [...].

Em uma entrevista concedida ao mesmo autor em fevereiro/março de 1974,


publicada pela Seara Nova em setembro do mesmo ano Lopes-Graça enfatiza a
consideração que tinha pelo Coro e o apreço pelo que ele considerava o povo português:

Confesso-lhe com inteira sinceridade que prefiro, do ponto de vista da

comunicação artística, deslocar-me com o Coro da Academia de Amadores de

Música à mais esquecida vila alentejana ou beirã, ou à mais popular (e não

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alienada) colectividade filarmónica-recreativa da Outra Banda, a receber os

aplausos medidos e convencionais que na generalidade se dignam dispensar à

minha música os frequentadores habituais das salas de concerto da capital.

(Entrevista contida em CARVALHO, 1989, p. 38)

Como forma de celebrar o 50° aniversário da implantação da República


Portuguesa, em 1960, e mais uma vez apesar das proibições, Lopes-Graça publica um
novo caderno nomeado Canções heróicas, dramáticas, bucólicas e outras: escritas em
estilo singelo para recreação da gente nova portuguesa, foram um total de 9 cadernos e
cerca 100 Canções Heroicas compostas por Lopes-Graça (CORTE-REAL 1996;
LOPES, 2017). Porém, é válido refletirmos para além destas Canções, como afirma
Saldanha (2016) ao analisar as Representações e transformações estéticas e ideológicas
da canção-composição de intervenção: Fernando Lopes-Graça, José Afonso, Adriano
Correia de Oliveira e Jorge Peixinho, não podemos desconsiderar a forma interventiva
da música instrumenta. Segundo o autor o termo “canção” pode limitar obra musical
interventiva de um compositor ao excluir a atuação da música não-cantada como sendo
também uma forma de confronto ao que é imposto pela ditadura:

Ora, apesar da ausência de voz, as suas composições foram, igualmente,

interventivas política e socialmente, buscando temas contestatários e aspirando a

uma alteração da organização socioeconómica sua contemporânea. Este desejo

materializou-se na reflexão e busca de uma musicalidade que fugisse ao

folclorismo do regime. Consideramos, por conseguinte, que ao termo canção

devemos acrescentar o termo composição, pelo que optámos pela utilização do

termo mais genérico de canção-composição de intervenção. (SALDANHA,

2016, p. 54)

Por fim, seguem alguns exemplos de Canções Heroicas dentre os vários que
foram marcantes para a história da música em Portugal e para contexto que as
circundava. A primeira das composições heroicas de Lopes-Graça, Mãe Pobre, com
poema de Carlos de Oliveira, expressa o sentimento de pertencimento à Pátria, de
defesa imensurável da mesma. Apresenta uma estrutura vocal simples que consiste em
15
três repetições a cada duas estrofes sempre iniciadas por “Terra Pátria”, o piano consiste
essencialmente no aproveitamento de acordes e os vocalizes da soprano solista auxiliam
no tratamento mais erudito da canção.

Mãe Pobre2

2
A letra do primeiro exemplo de Canção Heroica, Mãe Pobre, foi retirada do artigo de Guilhermina
Lopes, 2017, página 150. O áudio utilizado para a análise musical da mesma faz parte do CD Canta,
Camarada, Canta Gravações inéditas de Fernando Lopes-Graça Artista Genial. Maestro de Abril (2006).
Militante Comunista. Disponível através do link
https://www.youtube.com/watch?v=_Nbq16mXRc0&t=8s.

16
Terra Pátria serás nossa, Com morte, espadas e frio,
Mais este sol que te cobre, Se a vida te não remir,
Serás nossa, Faremos da nossa carne
Mãe pobre de gente pobre. As searas do porvir.
O vento da nossa fúria
Queime as searas roubadas; Terra Pátria serás nossa,
E na noite dos ladrões Livre e descoberta enfim,
Haja frio, morte e espadas. Serás nossa,
Ou este sangue o teu fim.
Terra Pátria serás nossa E se a loucura da sorte
Mais os vinhedos e os milhos, Assim nos quiser perder,
Serás nossa, Abre os teus braços de morte
Mãe que não esquece os filhos. E deixa-nos aquecer.

Jornada3, foi outra das mais conhecidas composições heroicas de Lopes-Graça,


e grande parte de sua fama deve-se ao fato de ter sido considerada, até mesmo pela
própria PIDE, o hino do Movimento de Unidade Democrática (SALDANHA, 2016;
CORTE-REAL, 1996). A poesia, escrita por José Gomes Ferreira, enfatiza a força da
união da luta pelos ideais comuns. Mais uma vez o acompanhamento é feito pelo piano
que alterna entre a simples exploração dos acordes durante os momentos de solo e uma
maior complexidade na condução melódica nas entradas do coro, além da ênfase na
dinâmica que também é ponto significativo para esta canção.

3
A letra deste segundo exemplo de Canção Heroica, Jornada, foi retirada do artigo de Ana Saldanha,
2016, páginas 56. O áudio utilizado para a análise musical da mesma faz parte do CD Canta, Camarada,
Canta Gravações inéditas de Fernando Lopes-Graça. Artista Genial. Maestro de Abril. Militante
Comunista (2006). Disponível através do link https://www.youtube.com/watch?v=moSoliByFVQ.

17
Jornada

Solo
Não fiques para trás oh Ao sol desta canção.
companheiro
É de aço esta fúria que nos leva Solo
Para não te perderes no nevoeiro Aqueles que se percam no
Segue os nossos corações na caminho
treva. Que importa? Chegarão no
nosso brado
Coro Porque nenhum de nós anda
Vozes ao alto, vozes ao alto sozinho
Unidos como os dedos da mão E até mortos vão a nosso lado.
Havemos de chegar ao fim da
estrada
Havemos de chegar ao fim da
Coro estrada
Vozes ao alto, vozes ao alto Ao sol desta canção.
Unidos como os dedos da mão

Para finalizar este capítulo, o último exemplo é a Canção Heroica à capella


Acordai4, cujos versos de José Gomes Ferreira, mesmo poeta da canção anterior,
evocam essencialmente a conscientização social. Além da mensagem direta e
impactante, a melodia e a harmonia possuem a simplicidade e a força necessária para
gerar o ímpeto de ação proposto por Lopes-Graça.

4
A letra e o áudio utilizado para a análise musical deste último exemplo, Acordai, estão contidas no CD
Canta, Camarada, Canta Gravações inéditas de Fernando Lopes-Graça. Artista Genial. Maestro de Abril.
Militante Comunista (2006). Disponível através do link
https://www.youtube.com/watch?v=ZfMSnxRX5_Q.

18
Acordai

Acordai, Acordai, Acendei,


Homens que dormis Raios e tufões De almas e de sóis
A embalar a dor Que dormis no ar Este mar sem cais,
dos silêncios vis! E nas multidões! Nem luz de faróis!
Vinde, no clamor Vinde incendiar E acordai, depois
Das almas viris, De astros e canções Das lutas finais,
Arrancar a flor As pedras e o mar, Os nossos heróis
Que dorme na raiz! O mundo e os corações! Que dormem nos covais
Acordai! Acordai!

VI. CANÇÕES REGIONAIS PORTUGUESAS

[...] só as gentes da Beira ou do Alentejo, só o sisudo transmontano ou o vivaz


ribatejano, revelam, através de seus cantares, o nosso génio musical espontâneo.
(LOPES-GRAÇA, 1974, p. 15)

Como já referido no capítulo anterior, as Canções Regionais Portuguesas


passaram a ser compostas por Fernando Lopes-Graça principalmente em razão da
proibição das Canções Heroicas, assim sendo, as primeiras constituíam o repertório dos
concertos públicos, enquanto as segundas passaram à clandestinidade. As Canções
Regionais Portuguesas consistiam essencialmente em composições com base em
melodias de tradição oral popular recolhidas inicialmente por Rodney Gallop e Kurt
Schindler, e, mais tarde, pelo próprio compositor ao lado de Giacometti. Estas tinham
19
como objetivo o resgate cultural da tradição do povo português, tradição esta que
provinha do homem rústico, e povo este que necessitava manter viva sua identidade a
partir de um folclore legítimo proposto pela concepção musical de Lopes-Graça.
(CARDOSO, 2010; LOPES, 2017). Como afirma Almeida, (2012, p. 39-40):

Lopes-Graça recusou ser o autor de futuros brilhantes e de sonhos bucólicos da

população portuguesa que eram divulgados pelo Governo. A tradição regional e

cultural, característica principal da sua obra musical nos anos 40 e 50, fazia

questão de se distanciar da imagem da população que era passada pelo regime.

Mais uma vez, em continuidade com o trabalho feito nas Canções Heroicas, o
Coro da Academia de Amadores de Música foi peça fundamental para o compositor,
maestro e diretor Fernando Lopes-Graça executar, à capella, as Canções Regionais
Portuguesas. Os temas explorados pelas canções poderiam ser diversos, geralmente
referindo-se ao trabalho no campo ou à religião, porém, nas mãos do compositor as
melodias mais simples, no sentido técnico da palavra, eram recriadas, por exemplo com
relação à textura dos agrupamentos vocais (solistas e coro), para serem apresentadas nas
salas de concerto (LOPES, 2017).

Fato interessante é que muitas das letras, com origem na tradição popular,
presentes nas Canções Regionais Portuguesas poderiam ser interpretadas com um
intuito político. A título de exemplo estão duas das mais representativas: a primeira
tradicional da Beira Alta, Canta, camarada, canta, contém em sua letra um apelo de
encorajamento, luta e união que se encaixa muito bem na proposta de intervenção da
época; a segunda, intitulada Os homens que vão para a guerra, tradicional do Douro
Litoral, parece fazer menção à Guerra Colonial e ao destino certo dos diversos soldados
que morreram em solo africano (Ibidem). Abaixo seguem as letras as respectivas
Canções:5

5
Ambas as letras das canções aqui apresentadas foram retiradas do artigo de Guilhermina Lopes, 2017,
páginas 155-156. O áudio utilizado para a análise musical de Canta, camarada, canta faz parte do CD
Canta, Camarada, Canta Gravações inéditas de Fernando Lopes-Graça. Artista Genial. Maestro de Abril.
Militante Comunista (2006). Disponível através do link
https://www.youtube.com/watch?v=B48THLZkatk. Por sua vez o áudio utilizado para a análise de Os
homens que vão para a guerra, pode ser encontrado através do link
https://www.youtube.com/watch?v=JG3Z01ngJ3o, com a interpretação do Coro Sinfónico Lisboa Cantat
sob a direção de Clara Alcobia Coelho.

20
21
Canta, Camarada, Canta

Canta camarada canta Tenho sina de morrer


Canta que ninguém te afronta Na ponta de uma navalha
Que esta minha espada corta Toda a vida hei-de dizer
Dos copos até à ponta Morra o homem na batalha
Eu hei-de morrer de um tiro Viva a malta e trema a terra
Ou duma faca de ponta Aqui ninguém arredou
Se hei-de morrer amanhã Nem há-de tremer na Guerra
Morra hoje tanto conta Sendo um homem como eu sou

Os Homens que vão para a guerra

Os homens que vão para a guerra Os homens que vão para a guerra

Vão para a guerra, vão morrer Vão para nunca mais voltar

Os homens que vão para a guerra Os homens que vão para a guerra

Vão para a guerra, vão morrer Vão para nunca mais voltar

Diz adeus a pai e mãe Diz adeus a pai e mãe

Que vos não torno a ver Que vos não torno a abraçar

Diz adeus a pai e mãe Diz adeus a pai e mãe

Que vos não torno a ver. Que vos não torno a abraçar

Foram um total de 24 cadernos e cerca de duzentas Canções Regionais


compostas por Fernando Lopes-Graça. É relevante notarmos a dupla significação que
estas canções podem abarcar, a primeira, logo antes referenciada, é a conotação
interventiva especialmente no sentido poético, uma vez que, como exemplificado acima,

22
muitas das letras das canções tradicionais poderiam desempenhar um papel de ação
política, a segunda interpretação, e não menos importante, é a exploração do folclore de
forma opositora à estilização vazia de significado proposta pelo Estado Novo,
exploração esta que será abordada no capítulo a seguir.

VII. FOLCLORISMO

Cremos que vai sendo altura de reagir contra este uso e abuso do folclore, libertando-o
de toda a casta de deturpações e apropriações ilegítimas, e isto em todos os seus
domínios. (LOPES-GRAÇA, 1974, p. 14)

A palavra “folclore” permeia grande parte da obra de Fernando Lopes-Graça, e é


importante esclarecermos que o fato deste trabalho apresentar um capítulo específico
para o folclorismo não significa que este não esteja evidentemente presente nas Canções
Heroicas, nas Canções Regionais Portuguesas, dentre outras classificações de sua obra.
O objetivo de elucidarmos com mais ênfase o folclorismo na música de Lopes-Graça é
por compreendermos que a forma com que o compositor concebe o folclore é
determinante nas diversas maneiras com que o mesmo explora-o em sua música.

Adiante, podemos dividir o folclorismo desenvolvido por Lopes-Graça em duas


abordagens, não necessariamente cronológicas, mas sim com acentuações diferentes nas
formas de exploração e fins para o folclore enquanto material musical. A primeira,
acentuada pela harmonização das canções populares portuguesas já coletadas, em sua
maioria pelo etnógrafo inglês Rodney Gallop – e mais tarde também baseadas em suas
próprias recolhas com o auxílio de Michel Giacometti – cuja principal preocupação
seria a insistência na preservação e na valorização de um repertório que estaria se
perdendo, como exemplo claro estão as já referidas Canções Regionais Portuguesas.
Nesta perspectiva, em 1938, quando o compositor inicia o trabalho com a harmonização
de canções populares portuguesas, “a melodia mantém-se claramente identificável, mas
o piano comenta-a, recorrendo a processos e modelos fornecidos pela composição
erudita do século XX” (CASCUDO, 2010, p. 556).
23
Além disso, apesar de ter sido publicado pela primeira vez em 1981, após o fim
da ditadura, outro grande exemplo com o mesmo conceito de salvaguardar e veicular a
música popular, é a confecção do Cancioneiro Popular Português em trabalho conjunto
com Michel Giacometti. Nas palavras dos próprios autores:

O que aqui se pretendeu, acaso com certa presunção, foi restituir ao povo

português o que lhe pertence de uma herança legítima, nem sempre

avaliada justamente como um dos mais preciosos bens do patrimônio

comum. [...]

Apostamos, contudo, na virtude inequívoca de uma colectânea que

procura reunir debaixo do mesmo tecto as vozes dispersas, longínquas ou

familiares, de um povo induzido a considerá-las como fantasmas

indesejáveis do passado e testemunhos incómodos do presente.

Assim, coube-nos a ingrata tarefa de selecionar espécimes, cujas

estruturas, estilos, géneros e funções diversificados delineassem traços f

isionómicos de uma tradição, em que se reconhece, como característica

essencial, um multissecular enraizamento e, ao mesmo tempo, em incessante

rejuvenescimento, a sublinhar a inalterada capacidade criadora do povo

português. (GIACOMETTI/LOPES-GRAÇA, 1981, p. 5, grifos meus)

Em outra abordagem, com peças como por exemplo Sonata nº 2 para piano
(1939) e as Danças breves (1938, 1941-1948), dentre outras compostas especialmente a
partir dos anos 40 e com uma intenção mais voltada para o erudito, Lopes-Graça utiliza-
se da influência adquirida em Paris, em especial do compositor húngaro Béla Bartók.
Sem abandonar o primeiro objetivo, o folclore passa a ser ideia base de uma peça,
estando presente não necessariamente de forma integral e instantaneamente
identificável, mas podendo ser ressaltada e repensada no decorrer de uma obra. Isto é,
para Lopes-Graça a música deveria ser o resultado da interação entre o artista e seu
meio, e utilizar o folclore, de forma racional e consciente, era a expressão máxima do

24
rústico, do verdadeiro meio português. (BRITO/CYMBRON, 1992; CARVALHO,
1989; CASCUDO, 2010; COLAZZO, 2014). Ademais, sua atividade enquanto escritor
também evidenciou esta perspectiva de intermediador do popular para as salas de
concerto:

[...] o tratamento artístico da canção popular portuguesa é perfeitamente

compatível com todos os recursos e conquistas da moderna técnica e gramática

musicais; e direi mesmo que só aplicando-lhe, com o devido discernimento, está

bem de ver, esses recursos e conquistas, é que ela se poderá valorizar

completamente. (LOPES-GRAÇA, 1989, p. 140 apud CASCUDO, 2010, p.

562)6

Para além dos objetivos já esclarecidos, era claro que na perspectiva de Lopes-
Graça a música baseada direta ou indiretamente no folclore (sendo este mencionado na
concepção atribuída pelo compositor) também tinha função interveniente no sentido de
confrontar a ideia do “folclore português” imposta e difundida pelo Estado – como é
perceptível na declaração do próprio compositor exposta no início deste capítulo. Esta
ideia de “valorização do tradicional” se alastrou como um vírus muito bem disseminado
na sociedade da época:

Por toda a parte se formam “ranchos folclóricos”, os fornecedores do repertório

musical ligeiro inundam o mercado com os seus “arranjos folclóricos”, as

vedetas da rádio brilham no “estilo folclórico”, os restaurantes anunciam os seus

“pratos folclóricos”, há os trastes e adornos caseiros folclóricos – enfim, o

folclore invadiu tudo, o folclore tornou-se uma tineta, uma doença, um modo de

vida.

Ora o folclore que se reconhece e apregoa como tal [...], o folclore que

sai do seu âmbito próprio que são os campos e aldeias, e exorbita das funções

6
A citação apresentada, e referida na obra de Cascudo (2010, p. 562), encontra-se no capítulo “sobre a
canção popular portuguesa e o seu tratamento erudito”, do livro de Fernando Lopes-Graça intitulado “A
música portuguesa e os seus problemas”, vol. I. Lisboa, editorial caminho, 1989, 1ª edição, p. 140.
originalmente publicado na revista Seara Nova, em 1942.

25
próprias, que são as de exprimir a vida e os trabalhos do homem rústico, esse

folclore, assim posto em evidência e assim utilizado deixa precisamente de ser

folclore para se transformar em divertimento banal ou servir de mero cartaz

turístico; do mesmo modo que folclore que se fabrica em série , e de que se tira

patente, nunca foi de toda a evidência folclore, mas puro negócio, pura

especulação comercial (LOPES-GRAÇA, 1974, p. 13-14).

Este ideal de folclore, como refere Corte-Real (1996, p. 163), pode ser
exemplificado pelo Concurso do Galo de Prata (que envolvia os ranchos folclóricos de
diferentes locais) proposto pelo próprio Secretariado Nacional de Informação e, para
Fernando Lopes-Graça, é justamente este dito “folclore” que buscava escandalizar o
pitoresco, sendo uma forma de admiração do exotismo por parte da elite que consumia a
“arte civilizada”:

Com efeito, o que em geral se pensa da nossa canção popular é que ela é

meramente uma manifestação do pitoresco regional – desse pitoresco assimilado

propriamente ao folclore e que faz as delícias do cidadão, letrado ou iletrado,

que, cansado, desiludido dos requintes de uma vida e de uma arte “civilizadas”,

busca no “exotismo” indígena novas sensações, novos estímulos para o paladar e

para os nervos; desse pitoresco ainda que, com uma tal ou qual dose de ironia

complacente, tem servido de pretexto a certa arte edulcorada e fútil,

pinturrilhada e falsa que, não sem alguma pretensão, de usa rotular de

nacionalista” (LOPES-GRAÇA. 1974, p. 14).

Concluindo este capítulo, a definição de Carvalho (1989, p. 7-8) a respeito do


folclore na obra de Fernando Lopes-Graça:

No fundo tratava-se de redescobrir, num quotidiano rural cada vez mais exposto

à influência da música urbana, do modelo dos ranchos folclóricos ou de certos

produtos de larga difusão na rádio, os testemunhos de uma cultura mais antiga,

26
as ‘raízes’ de uma certa tradição popular. [...] é a leitura do compositor ao

trabalhar sobre o documento original, repensando-o, transformando-o, recriando-

o, trazendo-o para outro plano.

Isto é, a utilização do folclore como material de exploração musical nas mais


diversas facetas, além de demonstrarem as nuances estéticas e as diversas competências
de Lopes-Graça também atuaram como composição de intervenção7 na medida em que
ao fazer uso do mesmo recurso que o Estado, a música, o compositor incumbiu-se da
tarefa de repensá-la, recriá-la e colocá-la como produto legítimo do povo português.

VIII. CONCLUSÃO

Companheira de trabalhos do povo português, a canção segue-o do berço ao


túmulo, exprimindo-lhe as alegrias e as dores, as esperanças e as incertezas, o
amor e a fé, retratando-lhe fielmente a fisionomia, o género de ocupações, o
próprio ambiente geográfico, de tal maneira ela, a canção, o homem e a terra,
onde uma floresce e o outro labuta, e ama, e crê, e sonha, e a que entrega por
fim o corpo, formam uma unidade, um todo indissolúvel. (LOPES-GRAÇA,
1974, p. 16)

Este trabalho buscou tornar claro o empenho do compositor Fernando Lopes-


Graça em fazer de sua obra um retrato sócio-político especialmente no período do
Estado Novo, e, para além disso, utilizar-se da música como arma pacífica contra os
ideais impostos pela ditadura. Para concretizar tal objetivo, Lopes-Graça utilizou
diversas ferramentas extramusicais, como por exemplo sua vasta produção como
escritor e seu ativismo político, e evidentemente, empregou recursos musicais, que, por
sua vez, aliavam de diferentes formas aspectos como a estética da música do século XX,
a literatura portuguesa e as raízes da cultura popular. A fim de elucidarmos
resumidamente alguns destes recursos, e por uma questão de extensão do trabalho em

7
Termo anteriormente exposto neste trabalho e referenciado no artigo de Ana Saldanha (2016) como
nomenclatura que inclui na esfera interventiva a música instrumental.

27
questão, esta pesquisa se focou especialmente em três vertentes da obra de Fernando
Lopes-Graça, sendo estas as Canções Heroicas, as Canções Regionais Portuguesas e o
folclorismo como linha que abrange grande parte da obra do compositor.

É evidente que a primeira, as Canções Heroicas, estão mais diretamente


associadas à evocação da ação social. A estrutura musical simples e de fácil
aprendizagem junta-se à ligação com a literatura portuguesa, especialmente com a
poesia, que é extremamente significativa para a produção do efeito de mobilização
social. Como explica José Afonso (1977, p. 1 apud CORTE-REAL, 1996, p. 142)

a canção de intervenção implica um envolvimento, com identificação crescente

do próprio cantor com aquilo que se está a passar nas diversas lutas, por mais

heterogéneas que sejam, nas quais ele de certo modo intervém, não apenas ao

nível da canção. A sua identificação com essa luta compromete-o como homem

político.

Nas Canções Regionais Portuguesas e no folclorismo, termos que caminham de


mãos dadas, Lopes-Graça demonstra seu repúdio ao nacionalismo pregado por Salazar e
pelo Secretariado Nacional de Informação ao expor um povo português livre da
estilização dos ranchos folclóricos e que carecia do autoconhecimento como uma via
para a valorização do verdadeiro folclore nacional. Claramente, a exploração do
material popular tradicional e a intenção permanente de questionamento e construção do
autêntico nacionalismo português não está circunscrito somente aos universos aqui
mencionados, mas perpassa inclusive o âmbito erudito e as obras mais densas do
compositor, que, como já afirmado por Carvalho (1989, p. 9), são inundadas de um
certo “portuguetismo”.
Entretanto, como muito bem relembra Teresa Cascudo (2010, p. 567), a obra de
Fernando Lopes-Graça não deve ser compreendida somente em função de seu contexto
histórico, reduzindo sua capacidade criadora a um “jogo simplista de causas e efeitos”.
Seu comprometimento enquanto cidadão ultrapassava a questão política de sua época e,
provavelmente, mesmo outras circunstâncias históricas o compositor revelaria seu
ímpeto pela edificação de um nacionalismo que se referisse de forma legítima ao povo.

28
A música de Lopes-Graça quis representar uma forma de “ser português”. Foi,

no entanto, feita à medida do homem e não do estado: escuta-se umas vezes

irónica, outras, trágica, e, sempre, comovente e expressiva. A mão do seu eu

criador não se submeteu e quis dominar, de forma inquietante, os ouvidos de

quem escutasse a sua música (CASCUDO, 2010, p. 567).

Para além do compositor Fernando Lopes-Graça, é interessante ressaltarmos o


fato da música em si poder ser utilizada como meio de expressão e propagação de
ideais, sejam estes para um “bem maior” ou não. Isto é, percebermos o poder da música
enquanto arma de esclarecimento, como foi no caso da obra de Lopes-Graça, ou
enquanto artifício manipulador, como foi empregada pelo Estado Novo, ou como
propagação de concepções nacionalistas ditas distorcidas, como é o caso de Rui Coelho,
dentre tantos outros objeitvos. Torna-se curioso como em outras partes do mundo,
sendo que algumas destas também enfrentavam ditaduras, diversos compositores e
órgãos políticos ligados à cultura manobraram especialmente elementos musicais de
forma a utilizá-los a seu favor. Este aspecto, a maleabilidade da música, poderia render
reflexões futuras que se baseassem, por exemplo, na comparação entre as diversas
formas de manipulação dos elementos musicais por parte de diferentes compositores
e/ou órgãos públicos. Enfim, esta conclusão deve-se justamente ao exemplo de artista
completo que foi Fernando Lopes-Graça, que, com a mesma “matéria prima” de seu
opositor, o Estado Novo, desconstruiu e reconstruiu a identidade nacional do povo
português.

29
IX. REFERÊNCIAS

9.1 Bibliografia

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intervenção no cenário ético-social-político português no século XX. Dissertação de
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Caravelas. Núcleo de Estudos da Historia da Música Luso-Brasileira. [Tradução a partir
do original italiano por Alberto José Vieira Pacheco] Disponível em:
http://caravelas.com.pt/dicionario_biografico_caravelas.html Acesso em: 22/04/2018

30
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07 Acordai - Fernando Lopes-Graça. Disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=ZfMSnxRX5_Q. Acesso em: 15/05/2018

09 Mãe Pobre - Fernando Lopes-Graça. Disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=_Nbq16mXRc0&t=8s Acesso em: 15/05/2018

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22 Jornada - Fernando Lopes-Graça. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=moSoliByFVQ. Acesso em: 15/05/2018

Fernando Lopes-Graça (Obra coral a cappella) - "Os homens que vão pra guerra"
(Douro-Litoral). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JG3Z01ngJ3o
Acesso em: 15/05/2018

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Fernando Lopes-Graça Artista Genial. Maestro de Abril. Militante Comunista. Lisboa:
Edições Avante! Disponível em:
http://www.mic.pt/dispatcher?where=4&what=2&show=4&grupo_id=6285&lang=PT
Acesso em: 15/05/2018

32

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