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Professora: Vanda de Sá
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SUMÁRIO
RESUMO........................................................................................................3
I. INTRODUÇÃO.............................................................................................3
V. CANÇÕES HEROICAS.............................................................................12
VII. FOLCLORISMO.........................................................................................22
VIII. CONCLUSÃO..............................................................................................26
IX. REFERÊNCIAS...........................................................................................29
9.1 Bibliografia..............................................................................................29
9.2 Webgrafia................................................................................................30
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RESUMO: O presente trabalho procura abranger a obra do compositor português
Fernando Lopes-Graça em sua vertente de expressão e intervenção sócio-política. Para
tal, através de levantamento bibliográfico, busca oferecer ao leitor um panorama sobre a
biografia do compositor, uma exposição breve do contexto histórico – nomeadamente o
período do Estado Novo e suas implicações no cenário cultural –, aspectos gerais de sua
obra e um olhar específico para as Canções Heroicas, Canções Regionais Portuguesas e
para o folclorismo proposto pelo compositor. Objetivando, as partir destes, expor e
argumentar a respeito dos elementos significativos que em sua música tornaram-se uma
verdadeira “arma” contra o Estado Novo.
I. INTRODUÇÃO
Ora a primeira e mais urgente tarefa que se impõe para chegarmos à justa
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povo português, visto que por canção popular portuguesa se deve entender, antes
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II. FERNANDO LOPES-GRAÇA
O que Fernando Lopes-Graça nunca fez, o que nunca disse, o que nunca
escreveu, foi alguma coisa que não correspondesse à sua verdade (BRANCO,
1967, p. XII).
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teve a oportunidade de estudar com personalidades de Charles Koechlin e entrar em
contato com a obra de Manuel de Falla e Béla Bartók que seriam grande inspiração para
a sua vertente folclórica. Nesta mesma cidade, em 1938, por influência do já
mencionado Béla Bártok, Lopes-Graça começa a harmonizar canções populares
portuguesas. Entre os anos 1937 e 1939 o compositor envia para a Revista de Portugal
uma série de crónicas que buscavam retratar o cenário musical da capital. (BRITO &
CYMBRON, 1992; CASCUDO, 2010; COLAZZO, 2014)
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Torna-se importante enfatizarmos o empenho do compositor na produção
textual, exemplificado nas diversas revistas aqui referidas. Esta dedicação constitui-se
como um dos fatores de destaque em relação aos outros compositores de sua época,
além disso, “ele próprio exerceu de forma esclarecida a crítica, como parte de um
percurso que podemos qualificar como de típico do intelectual de esquerda durante o
Estado Novo” (CASCUDO, 2010, p. 555). E, para além da crítica “importantes são seus
escritos de aprofundamento cultural e musicológico em favor da música nova, que
discutem os problemas do nacionalismo musical em Portugal, das relações com as
tradições populares” (COLAZZO, 2014, p. 2).
A ditadura salazarista nunca foi estável como dela se disse. Uma parte do povo
português nunca a aceitou. Os oficiais nunca deixaram de conspirar para derrubar o
ditador (SECCO, 2004, p. 8).
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governo vigente que, em 1962, apodera-se da sede da Associação Académica de
Coimbra (CORTE-REAL, 1996, p. 147-148; SECCO, 2004).
Se nos voltarmos de forma mais específica para aquilo que interferiu no cenário
musical, podemos citar alguns aspectos que se firmaram logo nas duas primeiras
décadas de ditadura. Em 1933 a criação da Emissora Nacional finalmente satisfaz o
objetivo de “criação de um organismo de radiodifusão propriedade do Estado” e “desde
a primeira hora das emissões experimentais, foi visível a preocupação em acompanhar
os momentos importantes da vida do regime”. Associada a esta instituição, no ano
seguinte, a criação da Orquestra Sinfónica buscava ampliar o público elitista da música
clássica (RIBEIRO, 2007, p. 176).
Num âmbito global, Teresa Cascudo (2010, p. 556) relembra a Guerra-Fria que,
a partir da década de 30, vinha impondo parâmetros competitivos inclusive aos
domínios culturais, assim, segundo a autora “a tentação de transformar a arte numa
metáfora política era demasiado forte, e até proveitosa, para ser ignorada, pelo que os
artistas viram-se obrigados a conviver com ela”. Portanto, a procura de um novo público
começou a se fazer necessária e o conceito de “povo” entrou em alta juntamente com as
vertentes populistas.
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internacionalmente, e após a Revolução dos Cravos viria a ser celebrado como “um dos
pais do novo Portugal” (COLAZZO, 2014, p. 4). A repressão da PIDE, os órgãos de
propaganda manipuladora, a estilização folclórica por parte do Estado, o nacionalismo
em prol de uma imagem distorcida, os movimentos dos trabalhadores rurais, as
mobilizações sociais, a Guerra Colonial, tudo foi assimilado pelo compositor e exposto
de forma consciente e intencional em sua música. Indo além de um retrato sócio-
político, sua obra evocava a ação.
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Folclore este especificamente voltado para o rústico, o campo, uma vez que o “urbano” não seria
capaz carregar a verdade da tradição portuguesa segundo a concepção de Lopes-Graça. Nas palavras do
próprio compositor: “[...] A canção urbana é pobre e incaracterística, banal e incolor, sem força
sugestiva nem originalidade de contornos. Ou é o execrando fado, produto de corrupção da
sensibilidade artística e moral, quando não indústria organizada e altamente lucrativa [...]” (LOPES-
GRAÇA, 1974, p. 15-16).
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concebendo-o como modelo da verdadeira identidade nacional e, portanto, exigindo sua
merecida salvaguarda – é válido ressaltar que a partir desta abordagem, como é o
exemplo das Canções Regionais Portuguesas (especialmente com Os Homens que vão
para a guerra), o compositor explora a essência interventiva das canções populares
através de sua letra; Na segunda vertente, o folclore é material bruto, fonte criativa,
ponto de partida para experimentações e forma de trazer “o campo” às salas de
concertos. Por fim, a terceira ferramenta refere-se ao aproveitamento da literatura
portuguesa – literatura esta que engloba desde escritores renomados como Fernando
Pessoa até autores desconhecidos –, primeiramente em tom de protesto e mobilização
social com são exemplo as diversas Canções Heroicas, e, em segundo, a reflexão e a
reconsideração das lendas e histórias portuguesas por vezes tão idealizadas pelo Estado
Novo, como grande referência podemos citar a História Trágico-Marítima
(CARVALHO, 1989; CASCUDO, 2010).
conceitos de música nacional que procuravam impor-se no seu tempo. [...]. Daí
que rejeitasse o pitoresco e procurasse nas canções do povo o que nelas havia de
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capacidade de resistência, da sua energia criadora, da sua irreverência, do seu
de sua força, da sua identidade, através de uma música que lhe pertencia e ao
musicais.
V. CANÇÕES HEROICAS
As Canções Heroicas constituem uma “arma pacífica, mas não inocente, ao serviço da
nossa oprimida grei, da sua libertação, da sua exaltação, e da sua fraternização.”
o público de algo que à partida lhe era familiar ou reconhecia como seu. [...]
constitutivo deste feed back era a vontade de agir despertada no público, não
apenas num sentido mais geral de acção política, mas também num sentido mais
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alienada) colectividade filarmónica-recreativa da Outra Banda, a receber os
2016, p. 54)
Por fim, seguem alguns exemplos de Canções Heroicas dentre os vários que
foram marcantes para a história da música em Portugal e para contexto que as
circundava. A primeira das composições heroicas de Lopes-Graça, Mãe Pobre, com
poema de Carlos de Oliveira, expressa o sentimento de pertencimento à Pátria, de
defesa imensurável da mesma. Apresenta uma estrutura vocal simples que consiste em
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três repetições a cada duas estrofes sempre iniciadas por “Terra Pátria”, o piano consiste
essencialmente no aproveitamento de acordes e os vocalizes da soprano solista auxiliam
no tratamento mais erudito da canção.
Mãe Pobre2
2
A letra do primeiro exemplo de Canção Heroica, Mãe Pobre, foi retirada do artigo de Guilhermina
Lopes, 2017, página 150. O áudio utilizado para a análise musical da mesma faz parte do CD Canta,
Camarada, Canta Gravações inéditas de Fernando Lopes-Graça Artista Genial. Maestro de Abril (2006).
Militante Comunista. Disponível através do link
https://www.youtube.com/watch?v=_Nbq16mXRc0&t=8s.
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Terra Pátria serás nossa, Com morte, espadas e frio,
Mais este sol que te cobre, Se a vida te não remir,
Serás nossa, Faremos da nossa carne
Mãe pobre de gente pobre. As searas do porvir.
O vento da nossa fúria
Queime as searas roubadas; Terra Pátria serás nossa,
E na noite dos ladrões Livre e descoberta enfim,
Haja frio, morte e espadas. Serás nossa,
Ou este sangue o teu fim.
Terra Pátria serás nossa E se a loucura da sorte
Mais os vinhedos e os milhos, Assim nos quiser perder,
Serás nossa, Abre os teus braços de morte
Mãe que não esquece os filhos. E deixa-nos aquecer.
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A letra deste segundo exemplo de Canção Heroica, Jornada, foi retirada do artigo de Ana Saldanha,
2016, páginas 56. O áudio utilizado para a análise musical da mesma faz parte do CD Canta, Camarada,
Canta Gravações inéditas de Fernando Lopes-Graça. Artista Genial. Maestro de Abril. Militante
Comunista (2006). Disponível através do link https://www.youtube.com/watch?v=moSoliByFVQ.
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Jornada
Solo
Não fiques para trás oh Ao sol desta canção.
companheiro
É de aço esta fúria que nos leva Solo
Para não te perderes no nevoeiro Aqueles que se percam no
Segue os nossos corações na caminho
treva. Que importa? Chegarão no
nosso brado
Coro Porque nenhum de nós anda
Vozes ao alto, vozes ao alto sozinho
Unidos como os dedos da mão E até mortos vão a nosso lado.
Havemos de chegar ao fim da
estrada
Havemos de chegar ao fim da
Coro estrada
Vozes ao alto, vozes ao alto Ao sol desta canção.
Unidos como os dedos da mão
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A letra e o áudio utilizado para a análise musical deste último exemplo, Acordai, estão contidas no CD
Canta, Camarada, Canta Gravações inéditas de Fernando Lopes-Graça. Artista Genial. Maestro de Abril.
Militante Comunista (2006). Disponível através do link
https://www.youtube.com/watch?v=ZfMSnxRX5_Q.
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Acordai
cultural, característica principal da sua obra musical nos anos 40 e 50, fazia
Mais uma vez, em continuidade com o trabalho feito nas Canções Heroicas, o
Coro da Academia de Amadores de Música foi peça fundamental para o compositor,
maestro e diretor Fernando Lopes-Graça executar, à capella, as Canções Regionais
Portuguesas. Os temas explorados pelas canções poderiam ser diversos, geralmente
referindo-se ao trabalho no campo ou à religião, porém, nas mãos do compositor as
melodias mais simples, no sentido técnico da palavra, eram recriadas, por exemplo com
relação à textura dos agrupamentos vocais (solistas e coro), para serem apresentadas nas
salas de concerto (LOPES, 2017).
Fato interessante é que muitas das letras, com origem na tradição popular,
presentes nas Canções Regionais Portuguesas poderiam ser interpretadas com um
intuito político. A título de exemplo estão duas das mais representativas: a primeira
tradicional da Beira Alta, Canta, camarada, canta, contém em sua letra um apelo de
encorajamento, luta e união que se encaixa muito bem na proposta de intervenção da
época; a segunda, intitulada Os homens que vão para a guerra, tradicional do Douro
Litoral, parece fazer menção à Guerra Colonial e ao destino certo dos diversos soldados
que morreram em solo africano (Ibidem). Abaixo seguem as letras as respectivas
Canções:5
5
Ambas as letras das canções aqui apresentadas foram retiradas do artigo de Guilhermina Lopes, 2017,
páginas 155-156. O áudio utilizado para a análise musical de Canta, camarada, canta faz parte do CD
Canta, Camarada, Canta Gravações inéditas de Fernando Lopes-Graça. Artista Genial. Maestro de Abril.
Militante Comunista (2006). Disponível através do link
https://www.youtube.com/watch?v=B48THLZkatk. Por sua vez o áudio utilizado para a análise de Os
homens que vão para a guerra, pode ser encontrado através do link
https://www.youtube.com/watch?v=JG3Z01ngJ3o, com a interpretação do Coro Sinfónico Lisboa Cantat
sob a direção de Clara Alcobia Coelho.
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Canta, Camarada, Canta
Os homens que vão para a guerra Os homens que vão para a guerra
Vão para a guerra, vão morrer Vão para nunca mais voltar
Os homens que vão para a guerra Os homens que vão para a guerra
Vão para a guerra, vão morrer Vão para nunca mais voltar
Que vos não torno a ver Que vos não torno a abraçar
Que vos não torno a ver. Que vos não torno a abraçar
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muitas das letras das canções tradicionais poderiam desempenhar um papel de ação
política, a segunda interpretação, e não menos importante, é a exploração do folclore de
forma opositora à estilização vazia de significado proposta pelo Estado Novo,
exploração esta que será abordada no capítulo a seguir.
VII. FOLCLORISMO
Cremos que vai sendo altura de reagir contra este uso e abuso do folclore, libertando-o
de toda a casta de deturpações e apropriações ilegítimas, e isto em todos os seus
domínios. (LOPES-GRAÇA, 1974, p. 14)
O que aqui se pretendeu, acaso com certa presunção, foi restituir ao povo
comum. [...]
Em outra abordagem, com peças como por exemplo Sonata nº 2 para piano
(1939) e as Danças breves (1938, 1941-1948), dentre outras compostas especialmente a
partir dos anos 40 e com uma intenção mais voltada para o erudito, Lopes-Graça utiliza-
se da influência adquirida em Paris, em especial do compositor húngaro Béla Bartók.
Sem abandonar o primeiro objetivo, o folclore passa a ser ideia base de uma peça,
estando presente não necessariamente de forma integral e instantaneamente
identificável, mas podendo ser ressaltada e repensada no decorrer de uma obra. Isto é,
para Lopes-Graça a música deveria ser o resultado da interação entre o artista e seu
meio, e utilizar o folclore, de forma racional e consciente, era a expressão máxima do
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rústico, do verdadeiro meio português. (BRITO/CYMBRON, 1992; CARVALHO,
1989; CASCUDO, 2010; COLAZZO, 2014). Ademais, sua atividade enquanto escritor
também evidenciou esta perspectiva de intermediador do popular para as salas de
concerto:
562)6
Para além dos objetivos já esclarecidos, era claro que na perspectiva de Lopes-
Graça a música baseada direta ou indiretamente no folclore (sendo este mencionado na
concepção atribuída pelo compositor) também tinha função interveniente no sentido de
confrontar a ideia do “folclore português” imposta e difundida pelo Estado – como é
perceptível na declaração do próprio compositor exposta no início deste capítulo. Esta
ideia de “valorização do tradicional” se alastrou como um vírus muito bem disseminado
na sociedade da época:
folclore invadiu tudo, o folclore tornou-se uma tineta, uma doença, um modo de
vida.
Ora o folclore que se reconhece e apregoa como tal [...], o folclore que
sai do seu âmbito próprio que são os campos e aldeias, e exorbita das funções
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A citação apresentada, e referida na obra de Cascudo (2010, p. 562), encontra-se no capítulo “sobre a
canção popular portuguesa e o seu tratamento erudito”, do livro de Fernando Lopes-Graça intitulado “A
música portuguesa e os seus problemas”, vol. I. Lisboa, editorial caminho, 1989, 1ª edição, p. 140.
originalmente publicado na revista Seara Nova, em 1942.
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próprias, que são as de exprimir a vida e os trabalhos do homem rústico, esse
turístico; do mesmo modo que folclore que se fabrica em série , e de que se tira
patente, nunca foi de toda a evidência folclore, mas puro negócio, pura
Este ideal de folclore, como refere Corte-Real (1996, p. 163), pode ser
exemplificado pelo Concurso do Galo de Prata (que envolvia os ranchos folclóricos de
diferentes locais) proposto pelo próprio Secretariado Nacional de Informação e, para
Fernando Lopes-Graça, é justamente este dito “folclore” que buscava escandalizar o
pitoresco, sendo uma forma de admiração do exotismo por parte da elite que consumia a
“arte civilizada”:
Com efeito, o que em geral se pensa da nossa canção popular é que ela é
que, cansado, desiludido dos requintes de uma vida e de uma arte “civilizadas”,
para os nervos; desse pitoresco ainda que, com uma tal ou qual dose de ironia
No fundo tratava-se de redescobrir, num quotidiano rural cada vez mais exposto
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as ‘raízes’ de uma certa tradição popular. [...] é a leitura do compositor ao
VIII. CONCLUSÃO
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Termo anteriormente exposto neste trabalho e referenciado no artigo de Ana Saldanha (2016) como
nomenclatura que inclui na esfera interventiva a música instrumental.
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questão, esta pesquisa se focou especialmente em três vertentes da obra de Fernando
Lopes-Graça, sendo estas as Canções Heroicas, as Canções Regionais Portuguesas e o
folclorismo como linha que abrange grande parte da obra do compositor.
do próprio cantor com aquilo que se está a passar nas diversas lutas, por mais
heterogéneas que sejam, nas quais ele de certo modo intervém, não apenas ao
nível da canção. A sua identificação com essa luta compromete-o como homem
político.
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A música de Lopes-Graça quis representar uma forma de “ser português”. Foi,
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IX. REFERÊNCIAS
9.1 Bibliografia
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CORTE-REAL, Maria de São José (1996). Sons de Abril: estilos musicais e
movimentos de intervenção político-cultural na Revolução de 1974. Revista Portuguesa
de Musicologia, Lisboa, pp. 141-171.
SECCO, Lincoln (2004). Trinta Anos da Revolução dos Cravos. Revista Adusp, n° 33,
São Paulo.
9.2 Webgrafia
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22 Jornada - Fernando Lopes-Graça. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=moSoliByFVQ. Acesso em: 15/05/2018
Fernando Lopes-Graça (Obra coral a cappella) - "Os homens que vão pra guerra"
(Douro-Litoral). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JG3Z01ngJ3o
Acesso em: 15/05/2018
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