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A QUESTÃO DO OUTRO NA DIVERSIDADE: REFLEXÕES SOBRE O

DIFERENTE E AS DIFERENÇAS NA CULTURA DA ESCOLA

Elcio Cecchetti1
Resumo:
No decorrer das últimas décadas, se acentuou a reflexão sobre a questão da diferença, o que
ocasionou uma reação crítica à teoria tradicional e hegemônica, que defende uma natureza
humana universal, com normas generalizáveis, tradições e padrões comuns de valores.
Historicamente, esta teoria parece ter sido também adotada pela cultura da escola. As teorias e
movimentos reacionários discutem a produção do diferente, construído a partir dos jogos de
poder, que (re)produzem identidades dominantes através de relações desiguais. O texto que
segue descreve a possibilidade de um processo de resistência na cultura da escola, onde as
práticas rotineiras, os fatos, as relações e a linguagem com seus ditos e não-ditos necessitam
ser analisadas, questionadas e desconfiadas, a fim de que se tome o ponto de vista daqueles
que estão sujeitados como diferentes, objetivando promover o resgate do encontro com o
Outro.

Palavras-chave: Outro. Diferença. Cultura da Escola.

Introdução

Nas últimas décadas, a discussão sobre a “diferença”, bem como a questão relativa ao
Outro, tem causado muitas reflexões no campo educativo. Isso se deve em parte pela
contribuição das teorias pós-estruturalistas na crítica dos discursos unificadores e
“universais”.
Por outro lado, o surgimento de uma certa tendência política, que permite que os
diferentes grupos e movimentos sociais discutam as suas singularidades perante o discurso
homogeneizante moderno - que enfatiza necessidades e interesses comuns - também tem
influenciado esta discussão.
Por isso, nos últimos tempos houve uma reação a esta corrente tradicional que
defende uma natureza humana universal, normas generalizáveis, tradições e padrões comuns
de valores, pelas perspectivas teóricas do feminismo, multiculturalismo, do pós-colonialismo
e do pós-modernismo. 2

1
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSC e graduado em Ciências da Religião –
Licenciatura Plena em Ensino Religioso pela FURB/SC - e-mail: elcio.educ@bol.com.br.
2

Nesse contexto, também a diferença, segundo Burbules (2003, p. 160) começou a ser
vista e entendida como parte da vida interior de cada sujeito, retirando “dos ombros de muitos
indivíduos a carga de freqüentemente ter de justificar a não conformidade com normas ou
identidades convencionais e dominantes”.
Para Louro (1997, p.47) esses embates em que ocorrem atribuições das diferenças
estão sempre implicadas com relações de poder: “a diferença é nomeada a partir de um
determinado lugar que se coloca como referência”.
Michel Foucault trouxe muitas contribuições para as discussões sobre a questão das
relações de poder. Ele desorganiza “(...) as concepções convencionais – que usualmente
remetem à centralidade e à posse do poder – e propõe que observemos o poder sendo exercido
em muitas e variadas direções, como se fosse uma rede que, ‘capilarmente’, se constitui por
toda a sociedade” (Louro, 1997, p.38).
O poder é praticado pelos sujeitos, e por isso está implicado com os efeitos de suas
ações. “Torna-se central pensar no exercício do poder; exercício que se constitui por
‘manobras’, ‘técnicas’, ‘disposições’, as quais são, por sua vez, resistidas e contestadas,
respondidas, absorvidas, aceitas ou transformadas” (Louro, 1997, p. 39).
As relações de poder e saber, segundo Huber (2004, p.15), engendram as práticas da
sociedade, articulam o seu funcionamento, comandam corpos e mentes. “Determinam os
lugares das coisas, o proibido e o permitido no espaço e no tempo.”
Assim, os diferentes sujeitos, através das suas diversas práticas, constituem relações,
trocas, negociações, combinados, avanços, recuos, alianças, revoltas... São “jogos” em que os
participantes estão sempre em atividade. Geralmente o Outro, é aquele que freqüentemente
foi/foram “manobrados” pelo poder da identidade hegemônica, sendo colocados em situação
de subordinação e submissão. Mas, mesmo nesta situação, não deixam de serem sujeitos:
“Onde há poder há resistência” afirmava Foucault.
Os sujeitos não são apenas construídos através de mecanismos de repressão ou
censura, eles se fazem, também, através de práticas e relações que instituem gestos, modos de
ser e de estar no mundo, formas de falar e de agir, condutas e posturas tidas como
“apropriadas” e mais “corretas”.

2
Estes termos utilizados por diversos autores para designar estas novas teorias, também são termos gerais e que
não dão conta de abarcar todas as contribuições e contradições existentes, sob risco de um certo reducionismo.
No entanto, empregamos estes termos aqui para facilitar a compreensão, mesmo sabendo da necessidade de se
fazer profundas reflexões sobre esta questão posteriormente.
3

Em vista disso, Huber (2004, p. 25) afirma que o sujeito moderno não é senão “uma
ficção, uma fábula, uma fantasia configurada de identidade, segundo a qual os indivíduos
ocidentais têm constituído aquilo que são, aquilo que sabem, aquilo que podem e anseiam”.
Para Foucault, tanto o poder quanto o sujeito (se é que de fato ele existe) são
constituídos e constituintes, seja por processos de subjetivação ou objetivação, seja pela
repressão ou pela resistência:

É preciso admitir um jogo complexo e instável em que o discurso


pode ser, ao mesmo tempo, instrumento e efeito do poder, e também
obstáculo, escora, ponto de resistência e ponto de partida de uma
estratégia oposta. O discurso veicula e produz poder; reforça-o mas
também o mina, expõe, debilita e permite barrá-lo (Foucault 1988, p.
96 apud Louro, 2004, p.43).

É no interior das “redes de poder”, pelas trocas e jogos que constituem o seu exercício,
que são instituídas e nomeadas as diferenças e desigualdades:

Em nossa sociedade, devido à hegemonia branca, masculina,


heterossexual e cristã, têm sido nomeados e nomeadas como
diferentes aqueles e aquelas que não compartilham desses atributos. A
atribuição da diferença é sempre historicamente contingente – ela é
dependente de uma situação e de um momento particulares (Louro,
2004, p.50).

Para Hall (2000), a sociedade atual é atravessada por diferentes divisões e


antagonismos que produzem uma variedade de diferentes “posições de sujeito”, isto é,
diferentes posições de identidades, formados por meio do processo de diferenciação no
interior de jogos de poder e de exclusões.
De fato, os sujeitos se constituem de múltiplas identidades, pois estas são sempre
parciais, não unitárias, em constantes embates nas fronteiras culturais. O sujeito dentro de um
templo religioso não parece ser o mesmo quando dentro de sua casa... Por isso, as identidades
dos sujeitos não podem ser entendidas como fixas, estáveis, como essências.

O jogo das diferenças na cultura da escola

Segundo Louro (2004), historicamente, a escola na sociedade ocidental tem exercido


uma ação distintiva. Se incumbiu de separar os sujeitos: primeiramente os que nela estavam
eram considerados diferentes dos que estavam “fora”. Mas, esses sujeitos que estavam
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“dentro”, ela também dividiu, classificou, ordenou. Separou adultos de crianças, católicos de
protestantes, ricos de pobres, meninos de meninas.
Criada para acolher alguns, mas não todos, ela foi lentamente requisitada por aqueles
que estavam de “fora”. Ao tornar-se pública e de acesso a quase “todos”, ela passou por
transformações em suas configurações. Por detrás desta intenção, segundo Enguita (1989)
escondeu-se uma ideologia. Não se ofereceria educação gratuita a troco de nada. Qual
educação dar ao povo?
Os pensadores da burguesia em ascensão recitaram durante longo
tempo a ladainha da educação para o povo. Por um lado, necessitavam
recorrer a ela para preparar ou garantir seu poder, para reduzir o da
igreja e, em geral, para conseguir a aceitação da nova ordem. Por
outro, entretanto, temiam as conseqüências de ilustrar
demasiadamente aqueles que, ao fim e ao cabo, iam continuar
ocupando os níveis mais baixos da sociedade, pois isto poderia
alimentar neles ambições indesejáveis. (Enguita, 1989, p. 110).

É neste contexto, que nascem as escolas no seio da sociedade capitalista. Era só uma
questão de tempo para que os patrões compreendessem os belos e lucrativos frutos que podia
oferecer uma educação popular “bem feita”:

A questão não era ensinar certo montante de conhecimentos no menor


tempo possível, mas ter os alunos entre paredes da sala de aula
submetidos ao olhar vigilante do professor o tempo suficiente para
domar seu caráter e dar forma adequada a seu comportamento.
(Enguita, 1989, p. 116)

Mas, apesar da escola ter passado por muitas mudanças e inovações desde esta época,
não se anularam os regulamentos, avaliações, proibições, distinções: de forma explicita ou
implícita, continuou produzindo diferenças entre os sujeitos:

A escola delimita espaços. Servindo-se de símbolos e códigos, ela


afirma o que cada um pode (ou não pode) fazer, ela separa e institui.
Informa o ‘lugar’ dos pequenos e dos grandes, dos meninos e das
meninas. Através de seus quadros, crucifixos, santas ou esculturas,
aponta aqueles/as que deverão ser modelos e permite, também, que os
sujeitos se reconheçam (ou não) nesses modelos (Louro, 2004, p. 58).
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É na cultura da escola3 que os sentidos precisam estar afiados para que se tenha a
capacidade de ver, ouvir e sentir as múltiplas formas de constituição dos sujeitos implicadas
na concepção, na organização e no fazer do cotidiano escolar. Através de um longo
aprendizado, a escola acaba por colocar cada um em seu lugar. Suas imposições acabam por
penetrar nos sujeitos. “Gestos, movimentos, sentidos são produzidos no espaço escolar e
incorporados por meninos e meninas, tornando-se parte de seus corpos. Ali se aprende a olhar
e a se olhar, se aprende a ouvir, a falar e a calar; se aprende a preferir” (Louro, 2004, p.62).
Alguns sentidos são treinados, fazendo com que cada um aprenda os sons, sabores e
cheiros “bons”, e rejeite os outros; se desenvolve algumas habilidades, em detrimento de
outras... aprende-se a posição física dos membros do corpo... produz-se enfim, identidades e
diferenças.
Huber (2004), expõem que, na escola, o que projeta a diferença é o que mais realça
suas características não correspondentes a um “bom aluno”: notas baixas, indisciplina, má
aparência, isolamento, falta de vontade...

Todos IGUAIS. Uniformização. O efeito educacional avança para


suprimir tudo o que não está coerente com as metas viabilizadas e
define um apropriado comportamento. Condutas ajustadas que devem
funcionar na família, na escola, no trabalho, na vida toda. Tornar-se
normal. Aos professores cabe aperfeiçoar o que já se cultivou no seio
familiar: endireitar o corpo, ocupar o corpo, mobilizar a mente na
apreensão de valores. (...) Para facilitar todo esse equilíbrio, investe-se
na crença: tudo por um futuro melhor (Huber, 2004, p. 49).

De acordo com Burbules (ibid), essa tensão entre identidade e diferença,


homogeneidade e diversidade, tem sido uma das características presentes constantemente na
teoria e prática da educação moderna. Por um lado através do desejo de tornar as pessoas
iguais ou parecidas, através de um currículo padronizado, estabelecidos por critérios nacionais
uniformes e pela ênfase no que todo estudante deve aprender, deve saber e deve ser capaz de
fazer, legitimando o discurso democrático do “todos somos iguais”. De outro, pelo desejo de
“(...) atender às diferentes necessidades e formas de aprender, às diferentes orientações
culturais e às diferentes aspirações a respeito de trabalho e modo de vida, representadas pela
diversificada população de alunos das escolas públicas”. (Burbules, 2003, p. 161)

3
O termo “cultura da escola” utilizado até agora, provém de Forquim (1993, p.167), que usa esta expressão para
designar que “a escola constituiu um ‘mundo social’, que têm características próprias, seus ritmos e seus ritos,
sua linguagem, seu imaginário, seus modos próprios de regulação e de transgressão, seu regime próprio de
produção e de gestão de símbolos”.
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As múltiplas formas de resistência

Ainda de acordo com Burbules (ibid), a diferença pode ser tanto uma oportunidade
quanto um problema na escola. Oportunidade porque aceita encontros entre diversos grupos,
permitindo explorar um leque de possibilidades que se expressam na cultura e na história
humana, bem como abre caminho para ensinar formas alternativas de vida e de
relacionamento com a diversidade, como uma das virtudes da cultura cívica democrática (tão
necessária nos tempos atuais).
A diversidade pode ser uma dificuldade, porque pode provocar conflitos e
entendimentos equivocados, porque certas diferenças são às vezes tomadas como “normas”
ou “normais”, dividindo/excluindo pelo jogo do poder, e por que as diferenças podem revelar
o imenso limite da (in)capacidade de compreensão. Sendo assim, “o pressuposto da
semelhança ou normalidade freqüentemente significa apenas expectativa de conformidade a
uma série de modelos dominantes (...)” (Burbules, 2003, p. 162).
Existe também, na visão de Burbules (2003), uma posição pluralista de tolerância à
diversidade, que em geral apenas acomoda as características da diferença dadas pelos modelos
dominantes, ignorando ou negligenciando outras espécies de diferença. O discurso de “(...)
celebrar a diversidade muitas vezes significa apenas a exorcização da diferença, do Outro,
como algo exótico, fascinante ou curioso - mas ainda visto e avaliado em função de um ponto
de vista dominante” (Burbules, 2003, p.163).
Moreira, em seu artigo ‘currículo, diferença cultural e diálogo’, afirma que
reconhecer a diferença cultural na sociedade e na escola traz como primeira implicação, para a
prática pedagógica, o abandono de uma perspectiva monocultural:

O professor daltônico cultural é o que não se mostra sensível à


heterogeneidade, ao arco-íris de culturas que tem nas mãos quando
trabalha com seus alunos. Para este professor, todos os estudantes são
idênticos, com saberes e necessidades semelhantes, o que o exime de
diferenciar o currículo e a relação pedagógica que estabelece em sala
de aula. Seu daltonismo dificulta, assim, o aproveitamento da riqueza
implicada na diversidade de símbolos, significados, padrões de
interpretação e manifestações que se acham presentes na sociedade e
nas escolas (Moreira, 2002, p.10).

Por isso, é necessário que na escola não se adote – ou se continue adotando - o


pressuposto monocultural, que leva a legitimação de uma única cultura universal, traduzida e
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assimilada pelo conjunto de todos os estudantes. É preciso, portanto, reconhecer a diversidade


percebendo os significados diferentes que provém dos mais diversos referenciais culturais.
O olhar daltônico não só se manifesta através da linguagem, mas por meio do modo
de como se olha, nos questionamentos agressivos, na argumentação intimidadora...,
produzindo inúmeros danos reais quando “as diferenças que fazem muita diferença para os
outros são ignoradas, mal entendidas ou trivializadas pelas escolas onde elas se encontram”.
(Burbules, 2003, p. 163)
Se admitirmos que a cultura da escola também fabrica sujeitos, (re)produzindo
identidades através de relações de desigualdades, e se não aceitarmos naturalmente que
algumas identidades se subordinem a outras, então temos motivos de sobra para tentar
interferir na continuidade dessas desigualdades.
Segundo Louro (2004, p.63), são as práticas comuns e rotineiras que precisam ser o
alvo de nossa atenção, de questionamento, de desconfiança. “A tarefa mais urgente talvez seja
exatamente essa: desconfiar do que é tomado como ‘natural”.
Neste sentido, currículos, normas, teorias, materiais didáticos, instrumentos de
avaliação, discursos, olhares, relações... tudo isso pode estar constituídos por distinções, e ao
mesmo tempo, ser (re)produtores da desigualdade.
Outro fator que é essencialmente importante para iniciar/continuar o processo de
resistência, é a analise da linguagem empregada na cultura da escola: perceber o racismo, os
preconceitos, as ironias e sátiras, os diminutivos e o etnocentrismo que ela carrega e produz.
“A linguagem não apenas expressa relações, poderes, lugares, ela os institui; ela não apenas
veicula, mas produz e pretende fixar diferenças”. (Louro, 2004, p. 65)
Tão ou mais importante do analisar o que é dito sobre os sujeitos, parece ser também
perceber o não-dito, aquilo que é silenciado. As ausências da fala podem funcionar como uma
garantia da “norma”, no qual se tenta evitar algo que os “normais” não devam conhecer ou
desejar, por exemplo, o homossexualismo.
Portanto, não basta “celebrar a diversidade”, tolerar... é preciso tomar o ponto de vista
daqueles sobre os quais se fala, se relaciona, se (com)vive, daqueles os quais se costumou
chamar de Outro.

Encontrar o outro na diversidade

A capacidade de conviver com o diferente, de reconhecê-lo como Outro, de se colocar


em seu lugar ou na sua própria “pele”, gera/constrói alteridade.
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Construir alteridade numa sociedade onde os indivíduos têm sido continuamente


construídos/condicionados a se manterem fixados na valorização das diferenças individuais –
gênero, classe, sexualidade, aparência física, nacionalidade, etnia, religiosidade, inteligência –
representa um grande desafio, porém não uma utopia.
Isso implica, primeiramente, refletir sobre algo que parece ter sido historicamente
posto para fora do pensamento filosófico ocidental: a questão do Outro, da alteridade. Será
necessário, para tanto, pensar o impensável, ultrapassar fronteiras, ressignificar territórios,
quebrar paradigmas numa perspectiva de (re)conhecer diferenças culturais identificando
significados e possibilidades emancipadoras.
Por isso é preciso criar possibilidades, “(...) habitar o limite que traça as bordas do que
somos, de nos situarmos em uma linha instável, mutável, arriscada, opor-se ao tipo de
individualidade imposta para pensarmos de outra maneira” (Huber, 2004, p. 41).
Também é essencial questionar os padrões que orientam as ações. Pois, em geral,
somos convocados a assumir “posições” que são oferecidas/impostas pelo sistema e pelos
mecanismos de poder do qual fizemos parte, como sujeitos ou assujeitados.
De acordo com Huber (2004, p. 43), é preciso pensar o fora, fazer a experiência de um
viajante que vai a uma terra estrangeira, diferente da sua, e é arrancado de sua “normalidade”
cotidiana que o entorpece e anestesia. A aprendizagem começa quando não reconhecemos
mas, ao contrário, estranhamos, problematizamos. “Experimentar é desterritorializar, é forçar,
é abrir brechas do corpo disciplinado, é escapar, fugir (...). Sair do lugar deriva algo novo,
impensado, estranho”.
O estranho é o Outro. Mas, quem é este Outro que me é estranho, desconhecido?
Pelizzoli (1994) apresenta algumas das profundas reflexões sobre a alteridade feitas
por Emmanuel Lévinas, que defendia a necessidade se perceber o outro como rosto que fala,
que olha, considerando que aquele que olha é muito mais que o próprio olhar.
Essa relação a partir do rosto do Outro é a revelação do Outro que exige respeito e
acolhida, porque assim como o “Outro é para mim, Eu também sou outro para o Outro”. Por
isso, para Lévinas, ser para o Outro significa a responsabilidade ética por ele, a fim de não
tratá-lo como inimigo.
Skliar4 (2006) também contribui na reflexão sobre a questão do Outro, defendendo o
conceito de alteridade radical desenvolvido por Baudrilhard e Guillaume (1994):

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O texto de Skliar, por ser de outra língua, quando citado nesta obra, será traduzido pelo autor deste texto, a fim
de facilitar a leitura.
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Em toda configuração do outro existe um outro próximo, isto é, um


outro que eu não sou, um outro que é diferente de mim, mas o qual eu
posso ver, materializar, compreender, e inclusive assimilar; também
existe um outro radicalmente diferente de mim, um outro que é
(in)assimilável, incompreensível e ainda mais, sobretudo, um outro
impensável (apud Skliar, 2006, p. 63)

Mas, o que ocidente tem feito com essa dupla figura do Outro, segundo Skliar (2006),
não é mais do que reduzir todo o outro radical ao outro próximo; e mais do que isso,
pretendeu eliminá-lo, extinguí-lo para acabar com toda a diferença radical.
Devido à perda do Outro como Outro radical, e frente a este jogo de poder onde o
“Outro deve ser o mais parecido comigo”, este Outro, diferente, representou, uma ameaça a
toda construção da identidade “harmônica” ocidental, pois “aquele outro que foi normalizado
- ou que foi pensado, imaginado e desejado normalizá-lo, pode se despertar a qualquer
momento” (Skliar, 2006, p. 64).
Essa eliminação do Outro radical é algo virtual, fictício, pois na aceitação do Outro
próximo está sempre presente um resto, um resíduo: no Outro se esconde uma alteridade que é
inesgotável, irredutível, e irremediável. Pois o Outro se revela infinitamente Outro, não
podendo ser aprisionado totalmente, manifestando-se sempre com surpresa e novidade.
A questão é que o Outro começou a estar ausente, a faltar, o que resultou no
empobrecimento da relação face-a-face, rosto-rosto, eu-outro. Perdeu-se a proximidade, e por
conseqüência, a responsabilidade do eu pelo outro.
Assim, segundo Skliar, é possível dizer que vivemos em uma época de produção do
Outro, de fabricação do Outro:

O outro deixou de ser um objeto de paixão para converte-se em objeto


de produção. Pode o outro, em sua alteridade radical e em sua
singularidade irredutível, ter se mostrado perigoso ou insuportável e
por isso foi necessário exorcizar sua sedução? Ou será simplesmente
que a alteridade e a relação dual desapareceram progressivamente com
o aumento da potência dos valores individuais e com a destruição dos
valores simbólicos? (Baudrilhard; Guillaume 1994, p.113 apud Skliar,
2006, p. 64).

Neste sentido, quando o Outro é construído como diferente, fixado, transformado,


subordinado, minimizado pelas relações de poder, se está negando também a sua infinitude,
reduzindo-o a um mero ser/objeto do mundo.
O diferente, para Skliar (2006), é a construção e o reflexo de um longo processo de
“diferencialismo”, ou seja, de uma atitude de separação e de diminuição de algumas
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características, algumas marcas, de algumas identidades em relação há grande variedade de


diferenças.
Estas diferenças, não são melhores ou piores, boas ou maus, superiores ou inferiores,
positivas ou negativas... são simplesmente diferenças. No entanto, se estabeleceu um processo
de “diferencialismo” “(...) que consiste em separar, em distinguir, dentro da diferença,
algumas marcas que podemos chamar de diferentes e, ao fazer isso, sempre a partir de uma
conotação pejorativa, negativa, subalterna”. (Skliar, 2006, p. 74)
Assim, o problema não está nas diferenças, mas sim em como produzimos,
cotidianamente, os diferentes. Por isso, não basta apenas tolerar: é preciso questionar esta
produção que gera discriminação, preconceito, segregação, violência e morte.

Considerações finais

Postas as reflexões dessa forma, cabe perguntar: por que se importar com tudo isso?
Por que observar/questionar a construção do diferente? O que isso tem a ver com a cultura da
escola? Uma das possíveis respostas consiste na conclusão de que a instituição da diferença
como diferente, é uma construção social ligada ao jogo das relações de poder. Portanto, isso
tudo isso não foi dado, mas produzido; e isso traz consigo a constatação de que as coisas
poderiam ter sido feitas de outra forma e de maneiras diversas.
Isso permite desestabilizar as divisões e problematizar a conformidade de que tudo
seja “natural”. Essas reflexões ajudam as pessoas a se tornarem mais conscientes das
diferenças que podem ter sido ocultadas e não verbalizadas.
Na cultura da escola, estas reflexões fornecem condições para que pessoas/grupos
oprimidas/os possam entender como se criou a situação desvantajosa em que foram colocadas,
e que esta opressão/dominação, constituem também construções histórico-sociais produzidas
por outros sujeitos, possíveis, portanto, de serem questionadas e transformadas. Essa
compreensão pode possibilitar a desnaturalização dos critérios usados para justificar a
superioridade de certos indivíduos/grupos em relação a outros.
Portanto, precisamos de uma educação que não privilegie ou exclua sujeitos devido as
suas diferenças, tendo reflexões e práticas que contemplem e valorizem o Outro em sua
alteridade. Mas, como encontrar/reconhecer este Outro na diversidade presente na cultura da
escola?
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De alguma forma, se a escola, como instituição social, reflete e (re)produz a cultura


hegemônica ocidental-capitalista, ela também, na teia de relações que a constituem, se baseia
essencialmente no individualismo, na negação e na coisificação desse Outro.
Para que se veja o Outro como Rosto que fala, que se revela, é preciso
identificar/suplantar tudo o que está impregnado pela lógica da exclusão. É preciso quebrar os
modelos e os padrões que são impostos sob os ombros de cada sujeito, e que impedem
relações de “face-a-face”, sem menosprezo do Outro.
Skliar (2006) nos lembra que é o Outro que possibilita o sujeito dizer “eu”, pois não
existiria nenhuma identidade sem a presença do Outro. Assim, o Outro estaria no interior de
nós mesmos. Para tanto, é preciso tentar ver os rostos, tentar escapar à generalidade, à
categorização, valorizando a singularidade dos sujeitos envolvidos/construtores da cultura da
escola.
Outra tarefa necessária antes de qualquer relação com o Outro, é pensar o “eu” que se
relaciona. Por exemplo, ao entrar em sala de aula, o educador tem que se conhecer/perceber
como ser; conscientizar-se que não é um corpo jogado ao mundo, mas que ao contrário,
também está em desenvolvimento, em processo de complementação e, portanto,
possui/precisa de um sentido, um projeto de vida que visa transcender o aqui e agora, assim
como os demais sujeitos com os quais se relaciona.
Por fim, é preciso proporcionar um olhar interior a partir das diferenças; reconhecer o
que se é e o que se está sendo, para que conscientes da “posição” ocupada, se possa
sentir/pensar/viver outras experiências, nas quais se concretize a relação do “face- a- face” e o
(re)encontro com o Outro.

Referências bibliográficas

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