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Resumo
Este trabalho apresenta uma reflexão sobre o periódico infanto-juvenil O Tico-Tico, buscando
averiguar quais os possíveis motivos para a inexistência dos balões nas histórias em
quadrinhos dos primeiros anos da revista. O trabalho se foca em especial no caso
Chiquinho/Buster Brown, uma vez que o personagem brasileiro, inicialmente feito por
Loureiro, era decalcado da criação americana de Richard Outcault, e ainda assim eliminavam-
se os balões. A pesquisa se deu a partir da leitura de vários estudos críticos do periódico e de
análises comparadas entre algumas histórias do personagem, numa aproximação entre o
formato padronizado utilizado pela revista e a posição conservadora e moralista da mesma.
Introdução
Em nossas terras, até então, as narrativas visuais se difundiram com sucesso apenas
pelas habilidosas mãos do artista gráfico Ângelo Agostini. O autor que já havia feito histórias
ilustradas para O Cabrião, em 1867, e desenvolve, em 1869, “As aventuras de Nhô Quim” ou
“Impressões de uma viagem à corte”, na revista Vida Fluminense (MERLO, 2004).
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Guilherme Lima Bruno E Silveira é graduado em Educação Artística com ênfase em Artes Plásticas
(Licenciatura Plena) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP/Bauru; Especialista
em Teatro, música e dança para educadores, pela UNIFRAN; Mestrando em Crítica Literária pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP/IBILCE – São José do Rio Preto.
Tal narrativa se assemelha com as histórias ilustradas de Hudolf Topffer e Wilhelm
Bush, entre outros, utilizando as imagens fragmentadas seguidas de legendas, que guiavam
toda a história. Essas histórias representam os primeiros passos da narrativa gráfica na
imprensa e serviram de base para o desenvolvimento da linguagem dos quadrinhos como hoje
a conhecemos.
A curta investida, mesmo não alcançando êxito, mostra o crescente interesse para a
segmentação de público infantil. É nesse contexto que O Malho passa a publicar algumas
páginas dedicadas à infância, numa investigação de interesse que resultaria, em 11 de outubro
de 1905, na publicação da revista ilustrada O Tico-Tico, a qual tinha “uma postura firme em
relação a seus objetivos didático-pedagógicos, mantendo-se arraigada à missão de entreter,
informar e formar, de maneira sadia, a criança brasileira” (VERGUEIRO; SANTOS; 2007,
p.24).
A revista se manteve viva durante décadas e nunca descuidou de seu padrão, o foco
educacional e cívico, tendo grande mérito no desenvolvimento intelectual das crianças e das
HQs no Brasil.
As Histórias em Quadrinhos
O Balão
Dessa maneira, assim como boa parte dos elementos das histórias em quadrinhos, esse
elemento foi se esboçando durante o desenvolvimento histórico da narrativa gráfica. O
recurso não aparecia constantemente, ou de forma definida, nas histórias ilustradas do século
XIX, foi popularizando pela série que por muitos é considerada a primeira história em
quadrinhos, “The Yellow Kid”, de Richard Outcault.
O balão facilita a representação do discurso direto – mesmo que não se limite a ele
possuindo diversos formatos e usos – o que se tornou comum nos quadrinhos, dando
dinamicidade à leitura da narrativa. Até então o texto mantinha uma relação de redundância
comum nas HQs, uma vez que a legenda (texto posto em uma caixa de diálogo logo abaixo da
imagem) era praticamente autônoma e as imagens continham a mesma mensagem trazida no
texto. Eram mesmo histórias (verbais) ilustradas (as imagens reproduziam visualmente parte
do texto ou seu pano de fundo).
Fig. 2: Stevz
Fundada por Luis Bartolomeu de Souza e Silva, editor d’O Malho, foi também a
revista infantil mais longeva do país, tendo mantido sua publicação sem interrupções por 56
anos.
(...) o público variado e extenso de O Tico-Tico – pois tanto crianças como adultos se deliciavam com
suas páginas – era formado basicamente de leitores de poder aquisitivo e que tivessem o raro acesso à
educação existente no Brasil do início do século XX. (MERLO, 2004, p.08).
O caso Chiquinho
Buster Brown, criação de Outcault, começou a ser publicado em 1902, no jornal New
York Herald. Diferente dos jornais onde havia desenvolvido o personagem Yellow Kid, o New
York Herald se voltava para um público elitizado, assim como seu personagem: um pequeno
garoto loiro pertencente a uma abastada família, com quem aprontava inúmeras travessuras.
Quando veio para o Brasil ficou conhecido como Chiquinho, sempre acompanhado de
seu cachorro Jagunço (Tige no original). A história passou por mudanças de cenário para criar
uma conexão com nosso país. Mas o curioso fica pelo fato de não ser apresentada como uma
história estrangeira, quando trazia alguma assinatura era a do artista brasileiro responsável
pela sua adaptação, na maior parte das vezes um decalque feito direto do original.
Esse fato, quando se popularizou, causou algum espanto e fez com que tal “cópia”
fosse até apontada como criminosa. Antonio Luis Cagnin trata de esclarecer que as denuncias
são equivocadas, fruto de enganos, uma vez que essa forma adaptação era comum na época.
Além disso, assim como nunca se divulgou a origem das histórias, nunca as escondeu.
Simplesmente não parece ter sido um ponto levado em consideração no período.
O decalque dessas obras, portanto, não tinha nada de criminoso, assim como não era
um segredo a se esconder.
Há claramente uma mudança do título, nomes de personagens e dos cenários, mas não
quanto ao enredo, que se mantêm praticamente idêntico. O garoto sempre apronta alguma
malcriação, algumas vezes absurdas, mas no fim acaba aprendendo a lição. Lembremos que o
periódico deveria agradar os adultos da elite, para isso contavam como currículo de seus
editores, como mostra Sonia Bibe-Luyten, no artigo A geração de meninos traquinas:
Todas essas mudanças parecem buscar uma certa padronização nas histórias. Nos dois
exemplos mostrados (fig. 04 a 07) vemos páginas originais formadas por 6 e 9 quadros, além
do cabeçalho. Ambas são transformadas em histórias de 8 quadros, divididas em páginas de 4
quadros cada e sem cabeçalho. Também em ambas os balões são eliminados e somam-se as
legendas.
Mesmo quanto ao enredo, podemos dizer que mantem uma mesma base, em alguns
acontecimentos, travessuras e conclusões, mas as mudanças estruturais acabam por afastá-las
em muitos pontos. As versões nacionais tendem a não acontecer em apenas um dia, tornam-se
menos efêmeras. Na história Uma viagem (fig.04) o narrador brasileiro inicia a história com
“Há muito tempo já vovó tinha escrito a mamãe, pedindo que mandassem Chiquinho para
passar uns dias com ela na roça”. Na versão original (fig.05) não há indicação de quando foi
combinada a viagem de Buster Brown, ao contrário, apresenta-se no cabeçalho da página a
carta que seu pai enviou à avó, explicando o fracasso da viagem.
Também se somam elementos e personagens. Na mesma história há, no original, um
condutor branco, conversando com a mãe, e outro negro pegando as malas com o pai de
Buster. Eles não são apresentados diretamente, a conversa com a mãe e as roupas parecidas é
que mostram serem funcionários da companhia ferroviária. Na nossa versão o funcionário
negro se torna um criado da família que irá acompanhar Chiquinho.
Ainda é eliminada a voz do cão, quando ele havia sido o primeiro a perceber que
Buster Desceu do trem, n’O Tico-Tico ele apenas observa tudo.
Fig. 6: Chiquinho, O Tico-Tico, edição 33, 1906 Fig. 7: Buster Brown, N.Y. Herald, 1903.
Nicolau, falando de Hal Foster, acaba definindo o quadrinho produzido com legendas:
Muito disso, provavelmente, tem a ver com a grande preocupação que tinham em
agradar a todos olhares “predominantes” da nossa sociedade. Se uma das preocupações era a
de construir uma sociedade letrada e submissa aos preceitos morais, as várias sessões da
revista não podiam abrir mão, principalmente em uma divertida história de travessura, de estar
ligada à leitura e ao aprendizado.
Como a definição de Nicolau sugere a legenda trás um texto literário que talvez
contentasse muito mais os pais, professores e padres, do que a rapidez efêmera dos balões. A
necessidade do literário em detrimento do visual confirma-se na década de 50 depois da
popularização do livro Seduction of the innocent, de Fredrich Wertham. Essa grande bomba
atômica, de acordo com Gonçalo Junior, em A Guerra dos Gibis, se espalhou pelos países, o
que inclui o Brasil, com partes do livro sendo traduzidas e publicadas em alguns jornais, mas
não foi o inicio de uma mudança de pensamento. Manifestações contra os quadrinhos foram
se mostrando pouco a pouco, num caminho oposto à popularização da linguagem.
O receio quanto aos quadrinhos, à informação visual, em detrimento da literatura e da
“boa cultura”, parece estar presente na nossa sociedade a tempos, e de certa forma O Tico-
Tico, nesse movimento contraditório de inovação e cristalização, teve o trunfo do seu sucesso,
assim como a razão de seu declínio. A partir da década de 30 começou a dividir a atenção
com outros suplementos, que traziam as novidades dos quadrinhos estrangeiros. Esses novos
personagens e autores chamaram a atenção do público.
Continuou seu caminho até 1962, firme em sua posição, com publicações com o mesmo
cuidado e qualidade, mas que já não se encaixavam no interesse das novas gerações.
Conclusão
Nesse sentido pudemos perceber que há uma estreita relação entre a forma como a
linguagem se desenvolveu e a postura da revista. Sabe-se que não é uma conclusão fechada,
ainda há muito mais a se averiguar, tendo sido lançado aqui apenas algumas hipóteses
possíveis para uma resistência tão grande a um elemento historicamente de enorme
importância para as histórias em quadrinhos.
JUNIOR, G. A guerra dos gibis: a formação do mercado editorial brasileiro e a censura aos
quadrinhos, 1933-64. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
Periódicos:
O Tico-Tico:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=153079&PagFis=0&Pesq=.
Buster Brown:
http://www.barnaclepress.com/comics/Buster%20Brown/.