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res, o que na verdade poderá constituir apenas estudar o modo como o humor deprimido de
uma fachada que oculta os problemas de perso- anoréticas e bulímicas pode influenciar as suas
nalidade subjacentes. É o aparecimento da pu- percepções da relação entre os pais. Os resulta-
berdade, com todas as suas alterações físicas e dos parecem indicar que a existência de relações
novos investimentos objectais, que provoca o parentais conflituosas propicia o aparecimento
aparecimento da perturbação alimentar. Sendo de depressão nestes indivíduos. Estes dados são
incapazes de regular os seus relacionamentos in- consistentes com as teorias que defendem que
terpessoais, estes indivíduos deslocam os confli- existe, nas famílias de indivíduos com perturba-
tos para a esfera alimentar. ções alimentares, a transmissão de comunicação
Porém, como refere Gabbard (1992), «en- indutora de depressão.
quanto que a paciente anorética se caracteriza Será também importante referir que se verifi-
por maior força egóica e maior controlo do su- ca uma prevalência superior à da população de
perego, a paciente bulímica pode sofrer de uma Depressão Major e Perturbação Bipolar em pa-
incapacidade generalizada de adiar a descarga rentes do primeiro grau destes indivíduos (APA,
pulsional, devido a um ego enfraquecido e um 1994).
superego frouxo» (p. 204). Esta diferença não A Bulimia, em particular, tem sido alvo de al-
impede que, tal como já foi referido, as passa- guns estudos da área da Psicologia Cognitiva
gens entre os comportamentos anoréticos e os que procuram determinar o seu grau de associa-
bulímicos sejam frequentes e imprevisíveis. ção com a Depressão. Uma das razões para que
tal aconteça é que os anti-depressivos são fre-
quentemente utilizados e com sucesso no trata-
2. A DEPRESSÃO NOS DISTÚRBIOS mento de bulímicos. No entanto, há que ter em
ALIMENTARES consideração que nem tudo o que é tratado por
anti-depressivos é depressão.
De acordo com Herzog (1984, cit. por Pettina- Dois modelos são propostos (Poulakis & Wer-
ti, Wade, Franks & Kogan, 1987) cerca de 85% thein, 1993) para esclarecer esta relação: o pri-
de anoréticos e 60% de bulímicos sofrem de de- meiro defende que a Depressão é a causa do apa-
pressão. No caso da Bulimia, sabe-se que 60% recimento e manutenção da Bulimia, enquanto
dos indivíduos declaram já ter tido ideação sui- que o segundo faz derivar tanto a patologia ali-
cida, enquanto que 20% já tentaram o suicídio mentar como os componentes depressivos de
pelo menos uma vez (Beebe, 1994). cognições disfuncionais. As conclusões dos estu-
A constatação desta elevada associação levou dos efectuados para testar estes modelos pare-
outros autores (Andrews, Valentine & Valentine, cem apontar para a independência entre a Buli-
1995) a verificar se a existência de história pes- mia e a Depressão, ainda que a coexistência de
soal de abuso físico e sexual durante a infância cognições disfuncionais e de depressão constitua
seria um factor preditivo de perturbação ali- um factor de risco para o aparecimento de Buli-
mentar na adolescência e de depressão na vida mia Nervosa (Hamilton, Lydiard, Malcom &
adulta, tendo em consideração que o abuso é tido Schlesier-Carter, 1989; Poulakis & Werthein,
como responsável por várias perturbações psi- 1993).
quiátricas, entre as quais as duas acima referidas. Também Pettinati et al. (1987) concluíram
Apesar de não conclusivos, os resultados apon- que, apesar de ser frequente a coexistência entre
tam no sentido de que um comportamento ali- depressão e perturbação alimentar (Anorexia e
mentar perturbado pode ser considerado um Bulimia estudadas conjuntamente), elas são in-
indicador de posterior depressão crónica e recor- dependentes uma da outra, estando a segunda
rente, muito em particular no caso de mulheres associada a uma idealização de características de
que foram sujeitas a abuso sexual ou físico du- personalidade femininas.
rante a infância.
Tendo em consideração que a dinâmica rela-
cional familiar é um factor relevante no surgi- 3. ADOLESCÊNCIA E DEPRESSÃO
mento das perturbações do comportamento ali-
mentar, Wonderlich e Swift (1990) procuraram Se do ponto de vista cognitivo não parece ha-
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ver, portanto, um terreno comum entre as pertur- lidade e de insuficiência acompanhados de pro-
bações sobre as quais nos debruçamos, todos os jecções sobre o meio (Ferreira, 1991). A depres-
autores parecem estar de acordo no facto de que são surge devido à distância entre o Eu e o
sintomatologia depressiva muitas vezes acompa- Ideal de Eu narcísico, sendo o equilíbrio possível
nha as patologias do comportamento alimentar, e de alcançar através do apoio no amor objectal.
isto apesar de não constituir uma das caracterís- Esta situação surge numa altura em que o «Eu é
ticas essenciais das mesmas. Porquê, então, esta vulnerável, suporta mal as mínimas frustrações,
associação? Tendo em consideração que a Ano- a que reage com intolerância, calor emocional e
rexia e a Bulimia surgem frequentemente na se- de que se defende com sublimações» (op. cit., p.
quência de situações de perdas significativas, po- 83).
derão estas perturbações constituir elas próprias Para Feinstein (1975), as reacções depressivas
substitutos depressivos? Esta hipótese faz sen- na adolescência são a manifestação de conflitos
tido principalmente se tivermos em consideração nas relações objectais, sendo também indicado-
que a adolescência é uma fase do desenvolvi- res e factores que podem potenciar dificuldades
mento caracterizada pela presença de algum co- no crescimento psíquico do indivíduo. Neste
lorido depressivo. É esta a ideia sobre a qual nos contexto, as perdas objectais podem revelar-se
vamos debruçar seguidamente. especialmente traumáticas, muito em particular
A adolescência é uma época de mudança e, quando o ego não se encontra desenvolvido de
por consequência, de crise, permitindo reelabo- modo suficiente para integrar o reconhecimento
rar problemáticas mal resolvidas na infância. De afectivo e cognitivo dessas perdas.
acordo com Feinstein (1975), a importância des- No entanto, não é necessário que exista a vi-
ta fase da vida para a maturação psíquica é vência real da perda para que surja a depressão.
equiparável à dos estadios de desenvolvimento Será mais correcto, inclusive, falar de uma de-
psicossexual infantil, uma vez que será essencial pressibilidade básica na adolescência que pode
ao estabelecimento de uma identidade adulta e ser considerada a causa de muitos dos comporta-
sólida. No entanto, isso não acontece sem so- mentos característicos deste período, nomeada-
bressaltos, e vai depender dos recursos interiores mente a passagem ao acto. A passagem ao acto é
que cada um possui para lidar com as situações uma actuação não mentalizada de impulsos e de-
com que se depara. sejos, que pode constituir uma fuga face à de-
Um aspecto particularmente importante é o pressão que, deste modo, é evitada e adiada. Por
progressivo desinvestimento objectal das figuras vezes, este tipo de actuação directa pode reves-
parentais o que, por sua vez, é acompanhado de tir-se de características mais dramáticas porque
um processo de desidealização das mesmas. É o toma frequentemente formas auto ou hetero-
culminar de toda esta fase que vai permitir que o agressivas, sendo responsável por muitos dos
adolescente estabeleça a independência afectiva suicídios e tentativas de suicídio que surgem na
dos pais. Simultaneamente, todas as transforma- adolescência.
ções ao nível físico características deste período
são factores predisponentes a que o indivíduo se
confronte com a sua própria imagem, assim co- 4. DEPRESSÃO E SUBSTITUTOS DEPRESSIVOS
mo com a dos outros, deixando em aberto a pos- NAS PERTURBAÇÕES ALIMENTARES
sibilidade de novos investimentos afectivos e li-
bidinais. No caso das patologias do comportamento ali-
Todos estes processos com que o indivíduo se mentar, a depressão muitas vezes não é manifes-
depara durante a adolescência são propícios ao ta, apesar de existirem nelas vários aspectos
reactualizar de problemáticas de depressão e, que podem ser considerados como indicadores
deste modo, não é de estranhar que esta seja con- de depressão. Somos inclusivamente tentados,
siderada das mais comuns perturbações emocio- tal como Karl Abraham (1925, cit. por Brusset,
nais desta fase. 1977), a considerar a própria recusa em comer
Surge culpabilidade ligada ao Édipo e ao como um desejo de morte. De facto, as anoréti-
componente anal da sexualidade que induz o cas alcançam, por vezes, um estado de inanição
aparecimento repentino de sentimentos de inuti- tão avançado que acabam por morrer, quer de-
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vido à falta de alimentos em si quer por desequi- deração, uma vez que se encontra frequentemen-
líbrio electrolítico, encontrando-se uma taxa de te associado à depressão. Muitas vezes o início
mortalidade de entre os 5 e os 18% nestes indi- da dieta da anorética é induzido, de acordo com
víduos. a própria, pelo o facto de se sentir gorda e, logo,
Apesar disso, não deixa de ser uma escolha ostracizada pelos seus pares. Ela utiliza desta
estranha, porque longa e incerta, esta do suicídio forma a magreza para ser aceite pelos outros por-
por recusa alimentar. Para além de que é explica- que, como se sabe, o aspecto físico é muito valo-
ção insuficiente para os casos de Bulimia, em rizado em termos sociais e, nesse contexto, a ma-
que a mortalidade é muito rara. Seria útil, talvez, greza é admirada e associada à beleza física.
a este ponto, abordar separadamente alguns as- No entanto, um indicador que algo não está
pectos sintomáticos da Anorexia e da Bulimia bem é que a magreza, uma vez alcançada, não só
para posteriormente retomar uma abordagem é sentida como insuficiente, como também não
conjunta das duas patologias. leva a uma melhoria das relações interpessoais.
Hilde Bruch (1985), ao descrever as caracte- Bem pelo contrário, o que sucede é uma progres-
rísticas essenciais da Anorexia Nervosa, indica a siva redução do mundo relacional, que acaba por
existência de um «sentimento paralisante de ine- se circunscrever ao meio familiar, teatro onde se
ficácia que invade todo o pensamento e a activi- vai desenrolar o drama da Anorexia Nervosa. O
dade da anorética» (p. 794), deixando-a com a isolamento vai-se instaurando aos poucos e pou-
sensação de que tudo o que faz não é derivado da cos até se tornar uma constante.
sua própria vontade mas sim da vontade dos ou- Outro aspecto relevante é a denegação e o de-
tros. Para esta autora, o controle da alimentação sinvestimento na sexualidade característicos das
e do peso pode ser visto como um sintoma que anoréticas. Numa época da vida em que se assis-
oculta um medo profundo de não ser competente te ao despertar da sexualidade adulta e em que
e de não merecer o respeito dos outros. O oposi- normalmente se dá o início da actividade sexual,
cionismo e negativismo encontrado nestes indi- verifica-se nestas jovens uma recusa em crescer
víduos seriam unicamente uma camuflagem des- e em assumir o seu corpo e a sua sexualidade as-
se tipo de sentimentos. sim como um desejo por regressar ao ideal físico
Na sua base é possível vislumbrar a existência assexuado da latência.
de uma falha narcísica, elemento mencionado Raramente existe actividade sexual, mas
por vários autores como sendo essencial no en- quando há, ela serve unicamente como prova de
tendimento psicodinâmico da anorética. Para que o indivíduo é capaz de controlar o seu corpo
Brusset (1985), por exemplo, subjacente à mega- e usá-lo como bem entender, sem que haja uma
lomania e aos desejos exagerados de auto-sufi- verdadeira implicação afectiva no acto, para
ciência, estaria uma grande fragilidade narcísica além de uma eventual gratificação narcísica
que se manifestaria na necessidade de valoriza- (Marcelli & Braconnier, 1989).
ção e de obtenção da aprovação dos outros. Se ambos os aspectos, o isolamento e o desin-
Desta forma, os investimentos narcísicos são vestimento sexual da anorética, podem ser enten-
maciços, de modo a compensar as falhas ao nível didos à luz da já referida necessidade de salva-
básico, e os investimentos objectais são míni- guarda narcísica, não deixa de ser interessante
mos, para não pôr em causa a integridade do su- que eles sejam também característicos da De-
jeito. As suas relações são feitas em espelho pressão.
através de identificações narcísicas com o outro No caso da Bulimia, as coisas são um pouco
que, por sua vez, não é reconhecido enquanto ser diferentes, e é já possível constatar o apareci-
único com vontades e características próprias. O mento de efectivos síndromes depressivos, nor-
objecto é escolhido de acordo com as suas seme- malmente na sequência dos episódios de voraci-
lhanças com sujeito, de modo a dissimular as fa- dade alimentar. A previsibilidade da sucessão
lhas e o vazio interior (Jeammet, 1993). Não será destes ciclos, assim como o carácter compulsivo
difícil, deste modo, compreender a ameaça de- da ingestão dos alimentos daqueles indivíduos,
pressiva subjacente a esta insuficiência narcísica levou a que se procurasse aproximar esta pato-
dos indivíduos com Anorexia Nervosa. logia da Psicose Maníaco-Depressiva, ainda que
O isolamento é outro aspecto a ter em consi- esta abordagem não seja das mais comuns.
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Beebe (1994), após ter revisto a literatura exis- Como se pode constatar, enquanto que os três
tente acerca das relações entre Bulimia e Depres- primeiros modelos procuram dar uma explicação
são, concluiu que as conceitualizações teóricas geral para a relação entre Bulimia e Depressão,
sobre o assunto se podiam agrupar em seis gran- os seguintes incidem em mecanismos específicos
des conjuntos de hipóteses: do funcionamento dos indivíduos, para fazer o
mesmo. De qualquer modo, o autor conclui, di-
– Hipótese da Variante Afectiva, que conside- zendo que todos os modelos acima indicados de-
ra a Bulimia enquanto expressão de uma depres- vem ser tomados em consideração por darem
são subjacente, o que, em termos terapêuticos, perspectivas diferentes do mesmo problema
significa que se deve procurar tratar a Depressão sendo, portanto, úteis à sua compreensão, acres-
e não a Bulimia; centando ainda que «a natureza da relação buli-
mia-depressão está ainda por ser estabelecida
– Hipótese da Consequência Bulímica, de conclusivamente» (op. cit., p. 270).
acordo com a qual os sintomas depressivos são
consequência da perturbação do comportamento
alimentar, o que seria apoiado pelo facto de que 5. HIPÓTESE DAS PATOLOGIAS ADITIVAS
é comum a rescisão daqueles sintomas com o de-
saparecimento da Bulimia; Talvez a melhor maneira de compreender a re-
lação em estudo esteja na integração das pertur-
– Hipótese da Perturbação do Espectro Afecti- bações do comportamento alimentar, Anorexia e
vo, cuja proposta é a de considerar ambas as pa- Bulimia tomadas agora conjuntamente, no con-
tologias (Bulimia e Depressão) enquanto resulta- texto das patologias aditivas, associadas a uma
do de uma perturbação biológica de base, o que, problemática de dependência não resolvida. Esta
no entanto, não parece ser suportado pelos dados perspectiva não é nova e tem sido defendida por
de outras investigações; diversos autores (Balasc, 1990; Jeammet, 1993;
Corcos, Tordjmann & Jeammet, 1993), nomea-
– Hipótese da Restrição, que indica que indi- damente de acordo com a teoria da Separação-
víduos que utilizam muito a restrição alimentar Individuação de Margaret Mahler (Sours, 1974;
têm maior propensão a ter acessos de voracidade Fisher, 1989).
alimentar do que outros que não a utilizem. Para compreensão desta perspectiva, parece-
Aqui, a depressão é vista como um dos factores -nos ser útil, a este ponto, analisar o que se co-
possíveis de desinibição, levando ao descontrolo nhece sobre o desenvolvimento infantil de ano-
no consumo de alimentos; réticos e bulímicos e sobre a sua relação com a
figura materna. A mãe destes indivíduos é des-
– Hipótese da Escapada, que explora o meca- crita como sendo tipicamente sobreprotectora em
nismo subjacente ao estabelecimento da restrição relação à criança, não a considerando enquanto
alimentar, defendendo que os bulímicos estão a um ser autónomo, mas como uma extensão do
tentar evitar uma auto-percepção negativa. Estes seu próprio corpo (Selvini, 1978). O resultado é
indivíduos teriam padrões de exigência muito que estes indivíduos teriam sido bem tratados
elevados, em relação aos quais se sentiriam di- não de acordo com as suas necessidades, mas
minuídos por não estarem à sua altura. A per- sim de acordo com as vontades da mãe. Segundo
cepção deste facto levaria à depressão e conse- John Sours (1974), a criança muitas vezes não
quente desinibição do comportamento alimentar; demonstrou nem a angústia do estranho do 8.º
mês nem a de separação, e a aquisição da loco-
– Hipótese do Desespero, de acordo com a moção bípede foi mais motivo de ansiedade e
qual os bulímicos consideram a sua incapacidade tristeza do que de alegria, tanto para a mãe como
em controlar o comportamento alimentar como para a criança. É comum também não haver en-
sendo algo de muito negativo, levando a senti- corajamento dos comportamentos de separação e
mentos de desespero e incapacidade que, por sua exploração do filho pela progenitora.
vez, provocariam depressão ou agravariam uma Deste modo, a situação de separação da mãe
depressão já existente. nunca terá sido devidamente elaborada pelo in-
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divíduo, permanecendo este dependente da figu- das emoções, das trocas afectivas e da
ra materna para a regulação das suas necessi- interiorização das ligações. Desta forma evita-se
dades vitais, prazeres, e afectos. A separação real o contacto com a possibilidade de perda do
é dificilmente tolerada porque não se efectuou objecto e com o vazio interior (Jeammet, 1993).
uma interiorização securizante do objecto e, A questão que se levanta agora parece
sendo assim, o indivíduo é assolado por senti- evidente: se as perturbações do comportamento
mentos de vazio e fortes angústias de aniquila- alimentar se podem incluir no quadro mais
ção, tornando-se necessário o recurso à realidade abrangente das patologias aditivas, qual então a
externa como contra-investimento de uma reali- sua especificidade em relação às restantes? Ou
dade interna ansiogénica. por outras palavras, porquê o enfoque em torno
Estas dificuldades vão também ter reflexos ao da esfera alimentar? A resposta a esta questão
nível da capacidade de abstracção e de concei- terá necessariamente que ser incompleta e
tualização: negada a ausência do objecto não se aproximativa, isto tendo em consideração que a
torna necessário simbolizar a sua falta. Pode-se causalidade em termos psíquicos é múltipla e
encontrar aqui a explicação para o facto de os in- ligada a diferentes fases do desenvolvimento
divíduos que sofrem de doenças do comporta- do indivíduo. Ainda assim, esta pode ser uma
mento alimentar demonstrarem habitualmente boa altura para regressar a Abraham, de acordo
lacunas a este nível, apesar de serem considera- com o qual existe uma regressão do indivíduo à
dos alunos muito dedicados aos estudos. fase oral-sádica do desenvolvimento infantil,
A dificuldade no vivenciar da carência, aliada com o desejo de destruição e incorporação oral
a esta lacuna ao nível da elaboração mental, leva do objecto materno. Sendo esses desejos
a uma actuação compulsiva, cujo objectivo é o
recalcados, o indivíduo defender-se-ia dos
da redução da dor psíquica. Esta compulsão à re-
mesmos através da recusa alimentar,
petição encontra a sua âncora num objecto subs-
comportando-se como se só uma abstinência
titutivo que no caso dos toxicodependentes é a
completa de alimentação impedisse a execução
droga e que na Anorexia e Bulimia é a alimen-
das suas pulsões mais profundas, isto no caso
tação. No entanto, a transferência que é feita
dos anoréticos. No dos bulímicos, pode-se
para este objecto nunca pode ser plenamente
pensar que os alimentos, simbolizando a figura
satisfatória nem a carência reduzida, e daí que
surja a compulsão à repetição. materna, seriam agressiva e brutalmente
As patologias do comportamento alimentar destruídos e incorporados, unicamente para
podem, deste modo, ser postas em paralelo com depois serem rejeitados. De acordo com Gabbard
as chamadas toxicomanias porque em ambas (1992), a ingestão de alimentos representaria um
existe uma urgência da necessidade do objecto desejo simbiótico de fusão com a mãe, enquanto
que nenhuma tentativa de satisfação pode que a expulsão seria já um esforço de separação
apaziguar. Essa necessidade visa um objecto em relação à mesma.
substitutivo pois, tal como refere Balasc (1990), Estas ideias são congruentes com as de
«o objecto-alimentação torna-se como que num Kestemberg, Kestemberg e Decobert (1972) que,
fenómeno transicional, numa formação defensiva a propósito da Anorexia Nervosa, escreveram
contra o vazio ligado à perda do primeiro que se verifica «uma regressão vertiginosa que
objecto» (p. 83). O objecto torna-se não não encontra nenhum ponto de fixação e de
substituível, indispensável, e a vida passa a organização ao nível das zonas erógenas. Estas,
centrar-se em torno de uma luta contra o desejo nas suas modalidades específicas de organização
de apropriação do mesmo. É com esse desejo da relação com o outro, são apagadas, varridas
que se debate a anorética e ao qual a bulímica pelo movimento regressivo que não encontra
frequentemente sucumbe. paragem senão ao nível dos percussores da
Outro aspecto em comum entre as patologias relação com o objecto e da organização do Eu. A
aditivas e as perturbações do comportamento anorética permanece fixada numa problemática
alimentar é a propensão a sobre-investir os relacional conflituosa com o objecto materno
aspectos ligados à exterioridade e às sensações primário, vivendo na inquietação de perder esse
físicas por oposição ao nível mais profundo, objecto».
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6. CONCLUSÕES alguma forma contribuído para a compreensão
desta problemática chamando a atenção para a
De acordo com o que até aqui foi referido, o importância da elaboração da depressão nos
que se pode concluir é que um dos aspectos indivíduos anoréticos e bulímicos no contexto
essenciais dos indivíduos com perturbações do terapêutico.
comportamento alimentar é a existência de um
núcleo depressivo básico decorrente do não
estabelecimento da separação em relação ao REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
objecto primário materno. É ao nível desta
relação perturbada com a figura materna que se Andrews, B., Valentine, E., & Valentine, J. (1995).
pode também encontrar explicação para a Depression and eating disorders following abuse in
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theoretical and clinical appraisal in light of the
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subject are discussed. Particular attention is given to
the addictive hypothesis, according to which Anorexia
RESUMO and Bulimia are considered the reflection of a depen-
dency problem that is also the cause of depression.
É conhecida, ainda que muito pouco discutida na Key words: Anorexia, bulimia, depression.
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