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Proposta Curricular de

Educação Física SESI-SP:


Ensino Fundamental ao
Ensino Médio

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Responsáveis técnicos Margarida Moreira Bertelli
Coordenadores Paula Silveira de Alencar
Conselho Editorial Hugo Cesar Bueno Nunes Paulo Cesar Ferraz da Silva
Paulo Skaf (Presidente) Kátia Alves de Lima Plínio Ricardo Carloto
Walter Vicioni Gonçalves Saulo Françoso Reinaldo Naia Cavazani
Débora Cypriano Botelho Rogerio Medina
Neusa Mariani Autores Roseli de Moraes Gonçalves
Adriana Garcia Rosivane Ramos Ferreira Guilherme
Alessandra Bergamo Sigrist Dal Bó Saulo Françoso
Alexandre Demarchi Bellan Sivia Simoni Orlando
Aline Cristina Alves Pinto Viviana Martins Goto
Comissão Editorial Aline Colino Ribeiro Vornei Correia da Silva
Alexandre Ribeiro Meyer Pflug Aline Steckelberg Cardozo dos Santos
Fernando Carvalho de Souza Alisson Aurélio Rosa Parecerista
André Luis Vigneron Andréa Maria Véra Marcos Garcia Neira
Athos Alves Goulart
Editor Daniela Catão Maziero de Mello Projeto gráfico original
Rodrigo de Faria e Silva Danilo Almeida Alves Ruth Klotzel
Deise Aparecida Pinto
Editora assistente Ednelson Cesaretti Capa e diagramação
Juliana Farias Elci Garcia Megaarte Design
Hugo Cesar Bueno Nunes
Produção gráfica Iara Anai Raimundo Preparação de texto
Paula Loreto Isabel Cristina Bitencourt Muiraquitã Editoração Gráfica
Apoio técnico José Joaquim Reginato Filho
Camila Catto Karina Beraldo de Oliveira Revisão
Valquíria Palma Kátia Valérya dos Santos Souza Danielle Sales
Kátia Alves de Lima Fernanda Batista
Léo André de Almeida
Luís Claudio Marques Fotografias
Luiz Henrique Nogueira de Oliveira Luciano Vicioni

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Serviço Social da Indústria (São Paulo)


Proposta curricular de educação física SESI-SP:
ensino fundamental ao ensino médio / SESI-SP. São Paulo:
SESI-SP editora, 2013.

160 p. il. (SESI-SP Educação)


Bibliografia
ISBN 978-85-8205-121-4

1. Educação física 2. Currículo 3. I.Título

CDD - 796.07

Índices para catálogo sistemático:


1.  Educação física : Currículo
Bibliotecárias responsáveis: Elisângela Soares CRB 8/6565
Josilma Gonçalves Amato CRB 8/8122

© Sesi-SP, 2013
SESI - SP Editora
Avenida Paulista, 1313, 4o andar, 01311 923, São Paulo - SP
F. 11 3146.7308 editora@sesisenaisp.org.br

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Proposta Curricular de
Educação Física SESI-SP:
Ensino Fundamental ao
Ensino Médio

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Sumário

APRESENTAÇÃO 7

INTRODUÇÃO 9
5
1. A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA 13

2. PANORAMA HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO FÍSICA


ESCOLAR NA REDE SESI-SP DE ENSINO 19

3. CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO FÍSICA 29

4. OBJETIVOS (METAS) DA EDUCAÇÃO FÍSICA 39

5. EXPECTATIVAS DE APRENDIZAGEM 41
5.1. Expectativas de aprendizagem referentes às brincadeiras 50
5.2. Expectativas de aprendizagem referentes às ginásticas 51
5.3. Expectativas de aprendizagem referentes aos esportes 52
5.4. Expectativas de aprendizagem referentes às lutas 54
5.5. Expectativas de aprendizagem referentes às danças 56

6. PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS 58

7. REGISTRO E AVALIAÇÃO 75

8. RELATOS DE PRÁTICA 80
8.1. Brincadeiras: 6o ano do Ensino Fundamental 80
8.2. Ginástica: 6 ano do Ensino Fundamental
o
93

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8.3. Esporte: 1o ano do Ensino Médio 104
8.4. Esportes de aventura: 9 ano do Ensino Fundamental
o
113
8.5. Lutas: 3o ano do Ensino Médio 128
8.6. Danças: 3 ano do Ensino Médio
o
136
Pontos para reflexão sobre os relatos de prática 149

9. PERCEPÇÕES DO GRUPO PARTICIPANTE 151

Bibliografia 158

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Apresentação

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB no 9394/96) atribui à Educação


Física a condição de componente curricular obrigatório da educação básica. 7
Tal determinação repercutiu na comunidade acadêmica da área, que buscou
fundamentação para justificar sua importância perante as demais disciplinas
escolares e sua consequente articulação com a função social da escola.

Foi no movimento de reinventar o espaço da Educação Física na escola que a


rede escolar Sesi-SP buscou inspiração em seu corpo docente altamente com-
prometido e qualificado para construir esta proposta curricular. Ela ajudará pro-
fessores e professoras a desenvolver práticas pedagógicas que contribuam para
uma maior apreensão das manifestações corporais presentes na sociedade.

Este material, elaborado por professores e professoras que estão com os pés
fincados no chão da escola e conhecem mais do que ninguém a realidade edu-
cacional, certamente contribuirá para a melhoria da qualidade do ensino, le-
gitimando a Educação Física no espaço escolar ao fornecer elementos para a
formação crítica das novas gerações de crianças e jovens.

Esperamos que seja utilizado na íntegra por todos os professores e professo-


ras de Educação Física da rede escolar Sesi-SP e que sirva de estímulo para
ações pautadas na ética, no respeito e no compromisso com um mundo melhor
para todos(as).

Prof. Alexandre Ribeiro Meyer Pflug


Diretor da Divisão de Esporte e Qualidade de Vida do Se s i -SP

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INTRODUÇÃO

9
Há um bom tempo os pesquisadores do campo do currículo denunciam
as propostas educacionais produzidas por especialistas e teóricos que
desconsideram a sabedoria do professor. Essas propostas autoritárias
reduzem a figura do professor1 à de um técnico competente, capaz de
colocar em prática aquilo que os supostos intelectuais produziram em
seus gabinetes.

Vale lembrar que, historicamente, o modo predominante de se tratar


a orientação pedagógica dos professores de Educação Física foi a in-
dicação direta e prescritiva da prática docente. Ou seja, por meio de
manuais e cartilhas, produzidos tanto pela indústria editorial como
pelas instâncias governamentais, essa perspectiva buscava a homo-
geneização das práticas pedagógicas, desrespeitando a pluralidade de
culturas e de seus sujeitos, alunos e professores (Brasil, 2006).

O Sesi-SP, por meio da Divisão de Esporte e Qualidade de Vida, apoian-


do-se nas teorias pós-críticas do currículo, rejeita tal concepção e
deposita no professor o papel de intelectual transformador, principal

1 O Sesi-SP compreende a necessidade de se evitar uma linguagem machista, procurando ter o
cuidado de utilizar sempre as expressões no gênero masculino e no feminino – por exemplo, professor
e professora; alunos e alunas. No entanto, visando a melhor fluidez na leitura por parte dos que irão
se beneficiar deste documento, suprimiu-se essa distinção e utilizaram-se apenas as expressões no
gênero masculino, mas compartilhando da existência e legitimidade da figura feminina.

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responsável pela reflexão de sua prática e produtor de conhecimentos
que contribuam para a elaboração de propostas educacionais. Não faz
sentido, como aponta Moreira (2012), conceber o professor como um
técnico que bem executa o que outros idealizaram.

Consolidando a visão do professor como um intelectual capaz de refletir,


decidir e bem agir, em 2011, o Sesi-SP iniciou a elaboração do caderno
“Orientações didáticas de Educação Física”, que envolveu a participação
coletiva dos professores interessados no projeto. Após longos momen-
tos de pesquisas, reflexões, debates e reuniões nos quais os professo-
res mergulharam nos estudos curriculares, arriscando-se no prazeroso
10 e intrigante processo de escrita, é com orgulho que o Sesi-SP apresenta
este documento, que, atento à diversidade de realidades e necessidades
das escolas distribuídas pelo estado de São Paulo, visa subsidiar a atua-
ção dos professores no âmbito da Educação Física escolar.

A aposta desta produção é auxiliar o trabalho dos professores e de todos


os sujeitos que, de forma direta ou indireta, estão envolvidos no projeto
de uma Educação Física comprometida com os desafios impostos à es-
cola pela contemporaneidade. Dessa forma, este documento também
é destinado aos diretores dos Centros de Atividades, aos supervisores
de esporte, aos coordenadores e orientadores de esporte, aos super-
visores de ensino, aos administradores escolares, aos coordenadores
pedagógicos, aos professores dos demais componentes curriculares,
aos estagiários e a todos aqueles que possam contribuir para a melho-
ria da qualidade do ensino.

Diante do atual contexto surgiu a necessidade de organizar esta propos-


ta curricular, produzida a partir do diálogo, caracterizado pelo exercício
da escuta, da verbalização e da discussão de anseios que pretendem
responder criticamente aos diferentes marcadores sociais presentes
no cenário escolar. Nessa busca por respostas para os desafios a se-
rem enfrentados pela sociedade pós-moderna, optou-se pela pers-
pectiva cultural da Educação Física, ancorada nas teorias pós-críticas
do currículo.

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O processo de mudança não significa que temos de abandonar ou ne-
gar tudo o que já vem sendo construído e desenvolvido nas aulas. Como
afirma Aranha (1996), o passado não pode estar morto, pois nele se
fundam as raízes do presente; assim, compreendendo o passado é que
vamos dar sentido ao presente e projetar o futuro. Ir além do já cons-
truído é pensar, refletir, analisar e viver além das fronteiras de nosso
tempo; é ir além de si, tendo a possibilidade de retornar com novos
olhares, revisando e reconstruindo as condições do currículo presente
(Neira, 2009a).

A intenção deste documento é apresentar subsídios para que essa


mudança possa se materializar em uma ação pedagógica mais signi- 11
ficativa, participativa e estimulante para a comunidade escolar, con-
siderando, obviamente, as diferentes realidades locais. Como afirma
Kramer (1997), uma proposta pedagógica é um caminho, não um lugar.
Uma proposta pedagógica tem uma história que precisa ser contada.
Toda proposta contém uma aposta. Nasce de uma realidade que per-
gunta e é também a busca de uma resposta.

O presente documento está organizado em capítulos que buscam


articular-se entre si. No capítulo 1, descrevem-se a função social da
escola e os desafios dessa instituição no mundo contemporâneo, na
formação do cidadão para a vida pública ou ainda para a atuação no
mundo do trabalho.

No capítulo 2, o leitor é convidado a conhecer um pouco da história da


Educação Física da rede Sesi-SP e, com isso, compreender as transfor-
mações pelas quais esse componente curricular passou ao longo do
tempo e as respectivas influências advindas de diferentes tendências
pedagógicas.

No capítulo 3, aborda-se a concepção da área inserida no campo das


linguagens, tendo como fundamentação teórica os estudos culturais e
o multiculturalismo crítico e, assim, sendo o componente concebido
num enfoque cultural.

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No capítulo 4, são apresentados os objetivos para o ensino básico e em
seguida, no capítulo 5, são descritas as expectativas de aprendizagem
elencadas por manifestação cultural corporal. Também são expostos
os princípios pedagógicos que regem o currículo.

No capítulo 6, são indicados os processos metodológicos que o edu-


cador utilizará para desenvolver seu trabalho, ou seja, os encami-
nhamentos pedagógicos, os quais foram divididos em: mapeamento,
ressignificação, aprofundamento e ampliação dos conhecimentos. Na
sequência, no capítulo 7, abordam-se o registro e a avaliação na Edu-
cação Física e as diferentes maneiras de interpretar esse momento de
12 fundamental importância no planejamento de ações futuras.

No capítulo 8, o leitor terá a oportunidade de conhecer alguns relatos


de prática desenvolvidos por professores da rede Sesi-SP de ensino, os
quais foram construídos em diferentes turmas do ensino básico, tendo
diferentes manifestações corporais como foco de estudo. Por fim, no
capítulo 9, seguem as percepções dos professores que colaboraram na
construção deste material.

Sabemos que uma realidade não muda da noite para o dia e que nem
todas as perguntas são passíveis de respostas simples e imediatas.
Porém, por meio do diálogo – aqui entendido na concepção freireana
– entre todos os responsáveis pela educação, grandes frutos podem
ser colhidos no permanente processo de ação-reflexão-ação (práxis).
Nosso desejo é que este caderno de orientações didáticas de Educação
Física do Sesi-SP possa sensibilizar professores e professoras, ajudan-
do-os na busca incessante e desafiadora por uma educação crítica que
contribua para a construção de uma sociedade mais justa e solidária,
engajada com a afirmação das diferenças.

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1. A FUNÇÃO SOCIAL
DA ESCOLA

13

Como ponto de partida para a construção deste caderno de orientações


didáticas, é imprescindível explicitar a função social da escola que o
sustenta. Se partirmos do pressuposto freireano de que em educação
não existe neutralidade, ou seja, o ato de educar pressupõe necessa-
riamente uma ação política, cabe apontar os valores e princípios que
alicerçam o projeto educacional em questão.

Para tanto, Pérez Gómez (2007) indica duas funções prioritárias da es-
cola no mundo contemporâneo: a incorporação do cidadão no mundo do
trabalho e a formação do cidadão para a intervenção na vida pública.

Nessa perspectiva, as diferentes teorias curriculares produzem dis-


cursos que respondem a essas funções atribuídas à escola. Entre os
diferentes discursos veiculados na educação e na sociedade mais am-
pla, podemos separar dois grupos distintos e antagônicos: aqueles que
utilizam os pressupostos das teorias tradicionais do currículo e aqueles
que buscam sustentação nas teorias críticas e pós-críticas do currícu-
lo. No primeiro grupo, as respostas apresentadas à questão da função
social da escola são claramente conservadoras, não críticas e adapta-
das ao status quo. Já no segundo grupo, existe um explícito incômodo
e indignação com as respostas que a escola vem apresentando numa

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sociedade cada vez mais desigual. Promover estratégias didáticas que
ajudem os estudantes a conviver com as diferenças, respeitando-se o
universo cultural dos diferentes grupos sociais, é o maior desafio que a
escola está sendo convocada a enfrentar.

Cortesão (2002) aponta que, com a modernização, a escola passa a


conviver com uma população de características muito diferentes das
que anteriormente estavam presentes no grupo sociocultural para o
qual ela tinha sido concebida, ocorrendo uma mistura de culturas que
até então não existia.

14 Os professores perderam aquilo que, em tempos, foi um “público


garantido”, submisso, disponível para aprender o que lhe era exi-
gido (ou para interiorizar, humildemente, que não eram capazes
de aprender (cf. Cortesão e Torres, 1994), e enfrentam alunos que
não gostam de estar na escola, até porque, fora dela, têm aces-
so a divertimentos e mesmo a fontes de informação muito mais
aliciantes do que as que podem ser oferecidas pelos professores.
(Cortesão, 2002, p. 29).

Segundo Nunes (2010), com essa nova população escolar, os profes-


sores passam a ter outros desafios pela frente, pois começam a con-
viver com alunos que possuem valores e interesses diferentes, além
de estarem inseridos em uma sociedade elitista e capitalista, que tem
no seu bojo perspectivas de vida e objetivos muito diferentes daqueles
com os quais os professores estavam acostumados a lidar no cotidiano
escolar. Salientamos ainda que o encontro das diferenças, potenciali-
zado no mundo contemporâneo, afeta tanto os alunos quanto os pro-
fessores, e, com isso, tudo o que estava distante ou camuflado passa a
eclodir em todos os sujeitos que povoam o contexto escolar.

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Como resposta à diferença cultural1, a escola precisa organizar um
currículo flexível e plural, tendo em vista as diferenças de origem dos
estudantes. É necessário promover a formação de um cidadão capaz
de lidar com os diferentes paradigmas impostos pela contemporanei-
dade, oferecendo-lhe ferramentas que o ajudem a transitar no meio
social. As diferenças individuais precisam ser consideradas por toda a
comunidade escolar, devendo fazer parte da proposta pedagógica e ser
o marco da escola.

Para tanto, é imperativo compreender o espaço escolar como um ter-


ritório marcado pela heterogeneidade, de forma que estratégias sejam
articuladas a fim de atender esse contingente de estudantes que car- 15
regam consigo as mais diversas experiências. A interação entre os di-
ferentes está muitas vezes marcada por situações de conflito, negação
e exclusão, que podem chegar a diversas formas de violência (Candau,
2010). Assumir o compromisso de trabalhar com a diferença no interior
das escolas requer muito mais do que simples olhares ou iniciativas
pautadas na lógica da tolerância. Trata-se também de uma mudança
de comportamento e de propiciar o rompimento na postura hegemô-
nica da escola no que se refere ao cenário de conflitos, que, segundo
Pérez Gómez (2007), resulta em um processo de negociação informal,
um processo explícito ou disfarçado de negociação.

Como defende Candau (2000), é preciso reinventar a escola. Ao se pre-


dispor a alcançar uma mudança e quebrar paradigmas sociais, os pro-
fessores precisam reestruturar suas ações e procedimentos, já que a
escola é um ambiente no qual os estudantes convivem num cenário de
relações sociais, de poder e incertezas. Nesse território encontram-se
pessoas que precisam buscar acordos para lidar com as diferenças de

1  Diversidade cultural e diferença cultural são conceitos distintos. A diversidade cultural remete
à coexistência de variadas formas de manifestação da existência humana, as quais não podem ser
hierarquizadas por nenhum critério absoluto ou essencial, e pode ser concebida como preexistente
aos processos sociais. A diferença cultural, por sua vez, é um processo social estreitamente vinculado
à significação. As diferenças culturais entre os diversos grupos são definidas em termos de divisões
sociais tais como classe, etnia, gênero, religião etc., pautadas em relações de poder e autoridade
(Silva, 2000).

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classe, gênero, etnia, religião, orientação sexual e outros tantos marca-
dores sociais que colorem a paisagem social das salas de aula.

Nesse sentido é papel dos professores conduzir e coordenar o pro-


cesso formativo, promovendo uma autorreflexão de suas posturas e
adotando novas ações no ato pedagógico. Esse processo deveria estar
articulado com a realidade concreta vivida pela comunidade em que a
escola está situada, tendo como meta transformá-la e visando a cons-
trução de um mundo no qual todos possam se humanizar.

Concordamos com Pérez Gómez (2007) quando salienta que a esco-


16 la precisa diagnosticar as preconcepções e os interesses com que os
alunos interpretam a realidade, oferecendo também um conhecimen-
to público como ferramenta inestimável de análise, visando facilitar
que cada aluno questione, compare e reconstrua suas preconcepções
vulgares2, seus interesses e atitudes condicionadas, assim como suas
condutas, as quais são induzidas pelo marco de seus intercâmbios e
relações sociais. É preciso ampliar o foco de análise, buscando com-
preender as relações sociais e culturais que ocorrem entre os diferen-
tes grupos e situações do cotidiano escolar.

O aluno não aprende somente de forma assimilativa, apenas “digerindo”


aquilo que o currículo apresenta. A aprendizagem ocorre de forma inte-
rativa com o meio social, a partir das representações que fazem parte de
sua cultura experiencial, fruto das relações cotidianas que ocorrem em
outros espaços (fora da escola), sempre permeadas por questões de po-
der. Dessa forma, é missão dos professores contextualizar as temáticas
de ensino, para que o estudante seja capaz de pensar e agir em diversas
situações impostas pela vida pública. Cabe à escola organizar estratégias
que incitem o diálogo entre os diferentes, promovendo reflexões em torno
dos conflitos que nela ocorrem, nas quais as experiências culturais dos
diferentes grupos sociais sejam valorizadas e legitimadas no currículo.

2  Expressão de Pérez Gómez que, em espanhol, tem várias acepções. Nesse caso, podemos traduzi-
-la como os conhecimentos e as experiências preconcebidos pelos alunos no seu relacionamento fora
da escola.

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A escola tem a função de incentivar a resolução de conflitos, preparan-
do as novas gerações para o mundo do trabalho e para a vida pública.
Entretanto, é pertinente clarificar o que se entende sobre essas duas
funções atribuídas à instituição educativa. Educar para o mundo do tra-
balho, na perspectiva aqui defendida, não significa preparar os alunos
para se tornarem mão de obra servil e submissa, ancorados no siste-
ma neoliberal, que, segundo Paro (1999), tenta naturalizar as relações
sociais e onde o trabalho é subordinado às regras do mercado.

Servir ao capital tem sido, sob esse aspecto, o grande erro da es-
cola básica, cujas funções têm sido subsumidas pela preocupação
de como levar os alunos a um trabalho futuro. A situação seria 17
diversa, é lógico, se ela o fizesse de uma forma crítica, de tal sor-
te que os educandos fossem instrumentalizados intelectualmente
para a superação da atual organização social que favorece o tra-
balho alienado. (Paro, 1999)

De acordo com Pérez Gómez (2007), quando atribuímos à escola a fun-


ção de preparar os educandos para a inserção no mundo do trabalho,
precisamos atentar para as necessidades do mercado de trabalho
atual, pois, enquanto para o trabalhador assalariado (subordinado ao
patrão) é necessário desenvolver certas atitudes e valores – como dis-
ciplina, assiduidade e padronização –, para o trabalhador autônomo (e
para os desempregados) é vital o desenvolvimento da criatividade, da
capacidade de enfrentar riscos e da interpretação de diferentes lingua-
gens. Com base nas ideias de Paro (1999), defende-se uma educação
para o trabalho que concorra para a formação de estudantes atualiza-
dos, capazes de interferir politicamente, usufruindo daquilo que o ser
humano histórico produziu, mas ao mesmo tempo dando sua contribui-
ção criadora e transformando a sociedade.

Já quando indicamos a formação dos estudantes para a inserção na


vida pública, outras questões permeiam esse propósito e a escola deve
atentar para suas peculiaridades.

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Em um país de regime republicano, mesmo estando cientes de que a
democracia ainda está longe de ser contemplada em sua totalidade,
educar para a vida pública significa formar um cidadão crítico, consciente
de seus direitos e deveres. Se o currículo forja identidades (Silva, 2009),
acreditamos que as práticas escolares orientadas para a reconstrução
crítica do conhecimento podem ajudar na formação de cidadãos con-
testadores, com condições de mudar suas relações cotidianas e poder
agir tanto individual quanto coletivamente na busca da superação da
sociedade capitalista de exploração do homem pelo homem.

Essa meta só pode ser perseguida no momento em que a escola for


18 concebida como um espaço de crítica e produção cultural, onde profes-
sores promovam a análise das diferentes linguagens e produtos cultu-
rais, favorecendo experiências que ampliem o horizonte cultural dos
estudantes. É necessário promover uma educação para a negociação
cultural, ou seja, que enfrente os conflitos provocados pela assimetria
de poder entre os diferentes grupos socioculturais, de forma que as
diferenças sejam dialeticamente incluídas, promovendo uma educação
para o reconhecimento do “outro”, para o diálogo entre os diferentes
grupos sociais e culturais (Candau, 2010).

Assim, para formarmos estudantes que contribuam na sociedade e a


transformem, bem como cidadãos conscientes de seus direitos e de-
veres, a escola precisa envolvê-los democraticamente no processo.
Nesse sentido, esforços precisam ser despendidos pelos professores
e pela escola, para que tal protagonismo seja viabilizado.

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2. PANORAMA HISTÓRICO
DA EDUCAÇÃO FÍSICA
ESCOLAR NA REDE
SESI-SP DE ENSINO

19

O Serviço Social da Indústria (Sesi) surge no Brasil em 1946, a partir


de um projeto social e político que visava contribuir para a melhoria
de vida do país e para o aperfeiçoamento do espírito de solidariedade
entre as pessoas (Sesi, 2003).

Nesse contexto, surge o primeiro projeto educacional do Sesi-SP,


implementado em 1947, cujo objetivo era atender jovens e adultos e
promover o desenvolvimento das habilidades necessárias para o de-
sempenho de uma atividade profissional. Nesse período, a Educação
Física no Brasil era baseada nos métodos ginásticos, o que provavel-
mente influenciou as aulas da rede Sesi-SP.

Após treze anos, o Sesi-SP expandiu sua atuação educacional e passou


a atender crianças em fase pré-escolar e primária, em classes locali-
zadas em paróquias e vilas industriais. Entre 1959 e 1964, o número de
crianças atendidas aumentou de 1.600 para aproximadamente 77 mil.
O currículo foi organizado tendo como referência a LDB no 4.024/61 e
as legislações estaduais. As diretrizes didáticas organizadas revela-
vam uma educação pautada na concepção humanista, que tinha como

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objetivo a formação integral do estudante e o desenvolvimento das po-
tencialidades humanas como elemento de autorrealização (Sesi, 2003).

Na época, a Educação Física teve sua obrigatoriedade garantida nos


termos da LDB no 4.024/61, no artigo 22, que determinava a prática da
Educação Física nos cursos primário e médio até a idade de 18 anos.
Com esse caráter obrigatório da disciplina nos currículos escolares, o
método desportivo generalizado, importado da Europa nas décadas de
1950 e 1960, passa a permear as aulas de Educação Física nas escolas,
ocorrendo então uma confusão entre educação física e esporte. Pode-
mos deduzir que a rede Sesi-SP também tenha sido “atingida” por essa
20 embrionária esportivização das aulas, a qual ocorrerria com maior for-
ça na década de 1970 com a promulgação do Decreto no 69.450/71, que
passou a considerar a Educação Física no âmbito escolar como “ativi-
dade que, por seus meios, processos e técnicas, desenvolve e aprimora
forças físicas, morais, cívicas, psíquicas e sociais do educando”.

O decreto deu ênfase à aptidão física, tanto na organização das ati-


vidades como no seu controle e avaliação, e a iniciação à prática es-
portiva tornou-se um dos eixos fundamentais de ensino a partir da
quinta série; com isso, buscavam-se descobrir novos talentos que
pudessem participar de competições internacionais, representando
o país (Brasil, 1998).

No “currículo esportivista”, as aulas têm como objetivo a busca do ren-


dimento e a seleção dos mais habilidosos para as competições esco-
lares. Nele, o professor assume um papel centralizador e direciona o
ensino para uma repetição mecânica das técnicas esportivas, em que
o mais importante são os resultados. Torna-se, dessa forma, exclu-
dente, ao estabelecer um patamar físico e motor que nem todos os
estudantes têm condições de alcançar; torna-se ainda monocultural,
já que esse currículo se caracteriza pela oferta dos produtos culturais
europeus e norte-americanos (futebol, handebol, voleibol e basquete-
bol) a todos os estudantes, independentemente do patrimônio cultural
que carregam.

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Como afirma Françoso (2011), numa política assimilacionista, os
educadores adeptos do “currículo esportivista” tentam convencer os
estudantes a se enquadrar no padrão disseminado pelos esportes tra-
dicionais (ocidental, branco, masculino). Quando expõem suas cultu-
ras, como o hip-hop, o rap, o funk, o skate, o parkour etc., os estudantes
desestabilizam esse currículo monocultural, o que resulta muitas ve-
zes em atritos ou nos mais diversos motivos inventados para escapar
das aulas.

Em 1978, o presidente Geisel decreta o fim do Ato Institucional no 5,


responsável pelo período de maior repressão política e social que nos-
so país conheceu. Em 1979, a anistia política permitiu o retorno da- 21
queles que foram obrigados a deixar o país desde a implantação do
regime militar em 1964. Com a redemocratização iniciada nesse perío-
do, novas perspectivas de participação popular se fizeram presentes e
resgatou-se a importância da educação fundamentada em paradigmas
que tornassem possível a construção de uma nova postura ideológica
e política (Sesi, 2003).

Nesse contexto, outras duas propostas surgiram no fim da década


de 1970 e início da de 1980, influenciadas pelo campo da psicologia: o
“currículo psicomotor”1 e o “currículo desenvolvimentista”2.

A educação psicocinética3, também conhecida por educação psicomo-


tora ou psicomotricidade, teve como principal autor o francês Jean Le
Boulch. Segundo Darido e Sanchez Neto (2005), essa concepção mostra-
-se preocupada com os processos cognitivos, afetivos e psicomotores
envolvidos no ato de aprender, buscando garantir a formação integral
do estudante. Num primeiro momento, caracterizou-se pela oferta de
exercícios e tarefas motoras com base em avaliações diagnósticas e,

1  Ver, por exemplo, FREIRE, J. B. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da educação física.
São Paulo: Scipione, 1989.
2  Ver, por exemplo, TANI et al. Educação física escolar: fundamentos de uma abordagem
desenvolvimentista. São Paulo: EPU/Edusp, 1988.
3  Ver, por exemplo, LE BOULCH, J. Educação psicomotora: a psicocinética na idade escolar. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1983.

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em seguida, sob a influência das concepções construtivistas da apren-
dizagem, revestiu-se de atividades lúdicas (Neira; Nunes, 2006).

Defendendo a ideia de que o movimento é o principal meio e fim da Edu-


cação Física, surgiu a perspectiva desenvolvimentista, elaborada por
David Gallahue e revisitada no Brasil por Go Tani e colaboradores em
1988. O “currículo desenvolvimentista” em Educação Física visa o alcan-
ce do estágio maduro das habilidades motoras, oferecendo oportunida-
de de experiências de movimento adequadas às faixas etárias. Nessa
proposta, cabe ao professor observar sistematicamente o comporta-
mento de seus alunos, com o objetivo de verificar em que fase eles se
22 encontram, localizar os erros e oferecer informações relevantes para
que sejam corrigidos e superados (Darido; Sanchez Neto, 2005).

Nunes e Rúbio (2008) fazem críticas a essas duas perspectivas, pois,


apesar de introduzirem novos conteúdos nas aulas – brincadeiras,
jogos pré-desportivos, educativos e cooperativos –, proporcionaram
práticas que embasaram as aulas na execução dos fundamentos dos
esportes ou em atividades que visavam suprir o déficit motor da crian-
ça por meio de exercícios profiláticos4. O resultado dessas propostas é
que pouco foi alterado no ensino do componente curricular Educação
Física, pois a utilização das práticas motoras como meio ou como fim
permaneceram e, assim, o currículo técnico-esportivo justificou sua
permanência na escola com nova roupagem, pois esses objetivos (glo-
balizantes) poderiam ser alcançados por meio da prática esportiva ou
por sua forma institucionalizada (apresentações, competições etc.).

O “currículo psicomotor” e o “currículo desenvolvimentista” pressu-


põem que todos os estudantes são capazes de executar os exercícios
analiticamente propostos. Os métodos de avaliação, padronizados e
legitimados pela ciência ocidental, são utilizados para identificar os ní-
veis de desenvolvimento cognitivo, afetivo, social e psicomotor (Neira,

4  Refere-se às medidas preventivas para corrigir atrasos ou debilidades no desenvolvimento motor


por meio de métodos e técnicas cientificamente pautados.

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2007). Assim, identificados os níveis de aptidão dos estudantes, cabe
ao professor elaborar um plano de ensino que os estimule a alcançar
o patamar ideal, inferindo que todos são idênticos, com saberes e ne-
cessidades semelhantes (Françoso, 2011). Esse é o principal motivo da
dificuldade de se aplicar as propostas pautadas predominantemente
nos aspectos biológicos do ser humano na escola contemporânea, na
qual convivem estudantes com diferentes interesses e ocorrem situa-
ções que impedem o alcance de objetivos homogêneos.

Entre as concepções biologizantes da Educação Física, temos final-


mente o “currículo da saúde renovada”, que, influenciado pelos estu-
dos advindos do campo da fisiologia, surge mais recentemente sob o 23
pretexto de melhorar a qualidade de vida dos estudantes por meio das
aulas do componente. O “currículo saudável” busca estimular atitudes
positivas nos estudantes em relação aos exercícios físicos e proporcio-
nar oportunidades para a escolha e a prática regular de atividades que
possam ter continuidade na vida adulta e promover a independência
na escolha de programas de atividades físicas relacionadas à saúde
(Neira; Nunes, 2006).

Góis Junior e Lovisolo (2003) argumentam que esse movimento atual


pela saúde é o mesmo movimento higienista do fim do século XIX e
início do XX no Brasil, com algumas adaptações ocasionadas por mu-
danças nas condições de vida. Para os autores, o discurso de ambos
os movimentos supervaloriza o papel da atividade física, provocando
um reforço permanente dos argumentos para legitimar a inserção da
Educação Física no currículo escolar.

Infelizmente, ao exaltar a atividade física como fator preponderante na


melhoria da qualidade de vida, o “currículo saudável” responsabiliza
o indivíduo por seu sedentarismo. Adotando o discurso do medo, os
defensores do “currículo saudável” ocultam e desprezam as condições
sociais que promovem o estresse ou outras doenças decorrentes do
ritmo de trabalho ou das más condições de vida (Nunes; Rúbio, 2008).
No “currículo saudável”, segundo Françoso (2011), os estudantes das

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classes desfavorecidas encontram sérias dificuldades em se adaptar
ao modelo proclamado pela cultura dominante. Basta lembrar a ine-
ficácia do poder público no investimento em espaços adequados, es-
trutura e segurança que favoreçam a prática de atividades físicas pela
população em geral.

Nesse contexto de mudanças, no período de 1983 a 1993, as aulas de


Educação Física no Sesi-SP passaram a ser ministradas por monitores
de esporte e recreação (MERs) nas escolas localizadas nos Centros de
Atividades (CATs); já nas escolas externas, as aulas eram ministradas
por professores de Educação Física (PEBs), os quais eram lotados na
24 Divisão de Educação, diferentemente dos MERs, que eram lotados
na Divisão de Esporte e Lazer. Predominantemente, nesse período
eram desenvolvidas aulas com viés esportivista, que eram dadas a
duas ou mais turmas ao mesmo tempo.

A partir de 1994 todos os professores que atuavam na Educação Física


escolar passaram a ser lotados na Divisão de Educação, e então os
alunos começaram a ter aulas três vezes por semana – duas aulas em
“dobradinha” e a terceira em outro dia da semana. Essa organização
seguia as recomendações do Colégio Americano de Ciências do Espor-
te. No término das aulas duplas, recomendava-se aos alunos a higiene
pessoal por meio do banho. As turmas eram numerosas e divididas
por gênero e, assim, exigia-se um professor para os meninos e uma
professora para as meninas. Havia, ainda, as atividades paralelas, en-
tre elas a fanfarra, que deveria ser organizada pelos professores de
Educação Física.

Até 1998, as atividades de ensino eram planejadas pelos professores,


que sustentavam suas práticas por meio de documentos oficiais no
campo da educação, já que o Sesi-SP não possuía, naquele momento,
uma proposta curricular própria. Dessa maneira, o professor esco-
lhia a direção em que gostaria de trabalhar, o que acabava fazendo
que as aulas tivessem sempre um viés esportivista, pois era essa a
formação que a grande maioria dos educadores adquirira durante

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a graduação. Podemos dizer assim que, nesse período, as aulas de
Educação Física em geral tinham um caráter esportivista e competi-
tivo. Em muitos casos, elas eram desenvolvidas em quadras munici-
pais ou em escolas estaduais.

A fim de ampliar a fundamentação teórica para ação pedagógica do


componente, muitos estudiosos, incomodados com os discursos apre-
sentados, passaram a firmar suas bases nas ciências da educação,
com o propósito de elucidar sua importância em relação à função so-
cial da escola. Da crítica ao currículo tradicional (currículo esportivo;
currículo desenvolvimentista, currículo psicomotor e currículo saudá-
vel), o qual, segundo Silva (2011), é composto por teorias “neutras”, 25
científicas e desinteressadas (as quais buscam especificar precisa-
mente objetivos a serem alcançados preocupando-se fundamental-
mente com questões relacionadas ao ensino, aprendizagem, avaliação,
metodologia, didática, eficiência, organização e planejamento), novas
vertentes de análise do currículo são concebidas, as quais são conhe-
cidas como teorias críticas de currículo. Na Educação Física, tem-se,
neste período, a proposição de currículos culturais na vertente crítica,
tendo como principais expoentes as obras de Soares e colaboradores
(1992) e Kunz (2009).

Para Bracht (1999), as propostas dos referidos autores sugerem pro-


cedimentos didático-pedagógicos que possibilitam tematizar as formas
culturais do movimentar-se humano criticamente na esfera da cultura
corporal. Assim, o movimentar-se humano, objeto de estudo da Edu-
cação Física, deixa de ser concebido como algo biológico, mecânico, ou
mesmo na sua dimensão psicológica, para ser compreendido como um
fenômeno histórico-cultural. Dessa maneira, essas duas tendências cur-
riculares, apesar de se moverem por caminhos epistemológicos diferen-
tes – da lógica dialética para a tendência “crítico-superadora” (Soares
et al., 1992) e do agir comunicativo para a tendência “crítico-emancipa-
tória” (Kunz, 2009) –, conceberam a Educação Física como a disciplina
escolar que trata do conhecimento denominado cultura corporal, que se
expressa por meio de jogos, esportes, ginásticas, danças e lutas.

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Consideramos que o surgimento dessas propostas curriculares repre-
sentou um marco na trajetória histórica da Educação Física, já que sua
presença no currículo escolar passou a ser defendida por princípios
inerentes ao campo das ciências humanas, rompendo com a constru-
ção metafórica do corpo-máquina (currículo esportivista, psicomotor e
desenvolvimentista) e do corpo-consumidor (currículo saudável) e indo
para a defesa da metáfora do corpo-cidadão (São Paulo, 2007).

A partir dessas influências, em 1998 a rede escolar Sesi-SP come-


çou a delinear novos horizontes para as aulas de Educação Física,
quando se iniciaram as primeiras mudanças teóricas e foram rea-
26 lizadas as primeiras reuniões para a formação de um novo docu-
mento, denominado DOC-X (esboço do que seriam os Referenciais
Curriculares próprios da rede Sesi-SP), o qual orientava para uma
nova maneira de “ver” o currículo de Educação Física, buscando tra-
tar esse componente curricular de maneira não esportivista. Para
isso, indicava o desenvolvimento de atividades diversificadas, tendo
como referencial as atividades lúdicas, recreativas e esportivas. O
DOC-X foi utilizado por alguns anos e subsidiou, em 2003, a constru-
ção dos referenciais curriculares da rede escolar Sesi-SP, que con-
tava com um capítulo específico para a Educação Física, e também
de um caderno de apoio intitulado “Introdução ao fazer pedagógico
da rede escolar Sesi-SP”.

Apesar de as propostas crítico-superadora e crítico-emancipatória


contribuírem significativamente para a legitimação da Educação Fí-
sica na escola e possuírem seus méritos na denúncia do modo como
o trabalho com as manifestações corporais muitas vezes reproduz as
injustiças da sociedade capitalista, ambas não atentam para marcado-
res sociais importantes que permeiam as práticas corporais. As rela-
ções de gênero, etnia, religião, local de moradia, habilidade motora e
sexualidade, entre outras, precisam ser interpretadas e problemati-
zadas pelos educadores e estudantes. Afinal, trata-se de produtos das
relações de poder que influenciam na constituição da identidade de
seus praticantes.

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Essas críticas são dirigidas ao referencial de Educação Física que vinha
sendo utilizado até esse momento por muitos professores. No entanto,
em 2010, realizou-se uma revisão nas expectativas de aprendizagem e,
com isso, foi desenvolvido o material didático do Sesi-SP referente ao
componente Educação Física em que era proposta uma nova forma de
organização pautada nas manifestações da cultura corporal (esportes,
jogos, danças, lutas e ginásticas). Esse movimento de revisão de ex-
pectativas de aprendizagem e elaboração do material didático da rede
escolar Sesi-SP ocorreu em todos os componentes curriculares.

Após essas alterações, em 2011, começou a delinear-se um novo do-


cumento, tendo em vista a necessidade de avançar em vários aspec- 27
tos. Foram então elaboradas as “Orientações didáticas da Educação
Física escolar”, documento que constituiu o primeiro passo para que
um grupo de especialistas, junto com professores de Educação Física
escolar, coordenadores e supervisores de esporte da rede, elaborasse
uma nova proposta pedagógica.

Isso se deu por diversos fatores, entre eles, as mudanças realizadas


no Sesi-SP no fim de 2008, quando a Educação Física escolar passou a
ser gerida pela Divisão de Esporte e Qualidade de Vida, e não mais pela
Divisão de Educação e Cultura. Nesse movimento tivemos uma super-
valorização da prática esportiva, a qual culminou com a formação de
equipes de rendimento esportivo, gerando uma “confusão” na cabeça
dos professores sobre o real objetivo da Educação Física na escola. Nes-
se contexto, o acompanhamento e o apoio ao professor passaram a ser
realizados pelo Orientador de Esporte. A falta de formação continua­da
também foi decisiva para a “confusão” instalada na rede. Uma das críti-
cas mais frequentes feitas pelos professores era a constatação de que
a variedade de produções que norteavam a prática pedagógica da Edu-
cação Física provocava uma miscelânea de concepções que interferiam
negativamente no trabalho.

O percurso histórico que o componente curricular vivenciou contribuiu


para essa miscelânea, pois buscou-se compreender o fenômeno da

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motricidade a partir de diferentes campos teóricos, alguns deles alheios
ao ambiente escolar. A interpretação do movimento humano baseada
nos princípios da física mecânica, da biologia e da psicologia resultou
na construção de diferentes concepções curriculares (esportivista, de-
senvolvimentista, psicomotora e da saúde renovada) que não atendem
as exigências da escola contemporânea, por desconsiderarem as múl-
tiplas relações de poder embutidas no processo de produção e repro-
dução das práticas corporais. A suposta neutralidade dessas propostas,
infelizmente, contribui com a perpetuação das diferenças sociais ao es-
tabelecer padrões e conteúdos próprios da cultura dominante.

28

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3. CONCEPÇÃO DE
EDUCAÇÃO FÍSICA

29

Neste documento, a Educação Física, enquanto campo de interven-


ção pedagógica, é concebida no enfoque cultural. Comprometido com
a busca de respostas educacionais que dialoguem com as questões
multiculturais que caracterizam o cenário globalizado pós-moderno, o
currículo de Educação Física na perspectiva cultural1 busca fundamen-
tação na teorização curricular pós-crítica, especificamente nas produ-
ções advindas dos estudos culturais e do multiculturalismo crítico.

Os estudos culturais são resultantes de uma movimentação teórica e


política que surge como um conjunto de análises que revolucionou a
teoria cultural na década de 1950. Como projeto político, os estudos
culturais pretendem romper a clássica divisão entre “alta cultura”
e “cultura de massa”.

Hall (1997) salienta que os seres humanos são seres interpretativos,


instituidores de sentido, e a ação social é significativa tanto para aque-
les que a praticam quanto para os que a observam. Nesse sentido, os

1  Em todo o texto apresentado é importante frisar que os termos “perspectiva cultural” ou “enfoque
cultural” sustentam-se nos trabalhos advindos dos campos teóricos do multiculturalismo crítico e
dos estudos culturais. Neira e Nunes adotaram o termo “currículo cultural” para denominar essa
concepção. Preferimos aqui evitar a adjetivação do currículo.

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seres humanos fazem uso de um variado sistema de significação para
definir o que significam as coisas, dando sentido às suas ações. Toma-
dos em seu conjunto, esses significados (sistemas ou códigos) por nós
atribuídos constituem nossa cultura. Ou seja, toda ação social é cultu-
ral, todas as práticas sociais expressam ou comunicam um significado
e, nesse sentido, são práticas de significação.

Ao aceitar que o significado de qualquer objeto reside não no objeto em


si, mas que é produto da forma como esse objeto é socialmente cons-
truído através da linguagem e da representação, os estudos culturais
colocam em xeque todas as pressuposições tomadas como verdade
30 absoluta e a essência fixa das coisas (Hall, 1997).

Com base no pressuposto de que toda criação humana pode ser ana-
lisada e que a ela pode ser atribuído determinado significado, enten-
demos, como Johnson (2010), que os produtos culturais podem ser
tratados como “textos”, sendo importante fornecer leituras mais ou
menos definidas deles.

De maneira geral, o objetivo é descentrar o “texto” como um objeto de


estudo. O “texto” não é estudado por si ou pelos efeitos sociais que se
pensa que ele produz, mas pelas formas subjetivas ou culturais que ele
torna disponíveis. Pela interpretação dos textos, os estudos culturais
concentram-se na subjetividade das formas sociais em cada momento de
sua circulação, incluindo suas corporificações textuais (Johnson, 2010).

Nessa linha concordamos com Hall (1997) quando afirma que a cultura
está no centro das discussões, ou seja, para o autor, a centralidade da
cultura pode ser analisada tanto em um âmbito global quanto em um
âmbito epistemológico. Em âmbito global, a cultura tem relação com
sua crescente centralidade nos processos de formação e mudança, sua
penetração na vida cotidiana e seu papel na formação de identidades
e subjetividades. Já no âmbito epistemológico, a cultura está inserida
nas discussões sobre a constituição das ciências sociais e nas modifi-
cações da teorização e na análise relacionadas à “virada cultural”.

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A centralidade da cultura está associada ao termo “cultural”, o qual
vem assumindo uma função de importância sem igual no que diz res-
peito à estrutura e à organização da sociedade moderna tardia, aos
processos de desenvolvimento do meio ambiente global e à disposição
de seus recursos econômicos e materiais. Os recursos que antes iam
para a indústria pesada da era industrial do século XIX, agora, na virada
do terceiro milênio, estão sendo investidos nos sistemas neurais do
futuro, as tecnologias de comunicação digital e os softwares da Idade
Cibernética (Hall, 1997).

A expressão “centralidade da cultura” indica aqui a forma como


a cultura penetra em cada recanto da vida social contemporâ- 31
nea, fazendo proliferar ambientes secundários, mediando tudo.
A cultura está presente nas vozes e imagens incorpóreas que nos
interpelam das telas, nos postos de gasolina. Ela é um elemento-
-chave no modo como o meio ambiente doméstico é atrelado, pelo
consumo, às tendências e modas mundiais. É trazida para dentro
de nossos lares através dos esportes e das revistas esportivas,
que frequentemente vendem uma imagem de íntima associação
ao “lugar” e ao local através da cultura do futebol contemporâ-
neo. Elas mostram uma curiosa nostalgia em relação a uma “co-
munidade imaginada”, na verdade, uma nostalgia das culturas
vividas de importantes “locais” que foram profundamente trans-
formadas, senão totalmente destruídas pela mudança econômica
e pelo declínio industrial. (Hall, 1997, p. 5)

Já em âmbito epistemológico, a centralidade da cultura tem relação


com a revolução ocorrida nas últimas décadas na noção de “cultura”.
O mesmo que ocorre na vida social também acontece em termos de
conhecimento, de teoria e de nossas compreensões. Essa “revolução
conceitual” refere-se a uma abordagem da análise social contemporâ-
nea que passou a ver a cultura como uma condição constitutiva da vida
social, em vez de uma variável dependente, provocando uma mudança
de paradigma nas ciências sociais e nas humanidades que passou a ser
conhecida como “virada cultural”, a qual se iniciou com uma revolução

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nas atitudes em relação à linguagem, sendo dada a ela uma posição
privilegiada na construção e circulação do significado (Hall, 1997).

A “virada cultural” está intimamente ligada a esta nova atitude


em relação à linguagem, pois a cultura não é nada mais do que a
soma de diferentes sistemas de classificação e diferentes forma-
ções discursivas aos quais a língua recorre a fim de dar signifi-
cado às coisas. O próprio termo “discurso” refere-se a uma série
de afirmações, em qualquer domínio, que fornece uma linguagem
para se poder falar sobre um assunto e uma forma de produzir
um tipo particular de conhecimento. (Hall, 1997, p. 10)
32
Concordamos com Moreira e Candau (2003) quando afirmam que a
cultura não pode ser estudada como variável sem importância ou de-
pendente em relação ao que faz o mundo se mover, devendo ser vista
como algo fundamental, constitutivo, que determina a forma, o caráter
e a vida interior desse movimento.

Nesse âmbito, Hall (1997) afirma o caráter transitório das identidades.


Para ele, “nossas identidades” poderiam ser mais bem conceituadas
como as sedimentações através do tempo daquelas diferentes iden-
tificações ou posições que adotamos e procuramos “viver”, como se
viessem de dentro, mas que, sem dúvida, são ocasionadas por um con-
junto especial de circunstâncias, sentimentos, histórias e experiências
únicas. Nossas identidades são formadas culturalmente.

Em que consiste, então, nossa identidade? Podemos dizer, por


exemplo: “somos mulheres, somos homens, somos mães, so-
mos pais”. A identidade expressa, nesse caso, “aquilo que não
somos”. Contudo, aprendemos o que somos em meio às relações
que estabelecemos, tanto com os nossos “semelhantes” (somos,
todos nós, brasileiros) quanto com os que diferem de nós (somos
meninos, por não sermos meninas). Aprendemos também o que
somos em meio aos significados atribuídos, pelos outros, “àquilo
que somos” (por sermos meninos, não devemos chorar na frente

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dos outros; por sermos meninas, podemos brincar com bonecas).
A identidade é, portanto, um processo de criação de sentido pelos
grupos e pelos indivíduos. (Stoer; Magalhães, 2005 apud Moreira;
Câmara, 2010, p. 41)

Para Moreira e Câmara (2010), é fundamental que os estudantes per-


cebam com clareza a existência de preconceitos e discriminações e
analisem como podem estar afetando a formação de sua identidade.
Toda essa discussão acerca da cultura e da formação de identidade
está inscrita e sempre funciona no interior do “jogo do poder”. A cul-
tura, enquanto produção histórica, é entendida assim como um espaço
de luta, um território de poder, um campo contestado de significação. É 33
nas relações desiguais de poder que os indivíduos e grupos lutam para
legitimar suas práticas e interesses (Hall, 1997).

Nos estudos culturais, o termo “cultura” é transmudado de um con-


ceito impregnado de distinção, hierarquia e elitismo para outro eixo de
significados, em que se abre um amplo leque de sentidos cambiantes.
Cultura deixa de ser domínio exclusivo da erudição, da tradição lite-
rária e artística, de padrões estéticos elitizados, e passa a congregar
também o gosto das multidões (Costa; Silveira; Sommer, 2003).

Nesse contexto a escola é tida como instituição cultural, portanto, as


relações entre escola e cultura não podem ser concebidas separa-
damente, em polos independentes, mas sim devem ser vistas como
universos entrelaçados, com fios e nós profundamente articulados
(Moreira; Candau, 2003).

Os estudos culturais ensinam que o currículo não é um instru-


mento meramente técnico, neutro ou desvinculado da construção
social. Enquanto projeto político que forma novas gerações, o cur-
rículo é pensado para garantir organização, controle, eficiência
e regulação da sociedade. Como instrumento pedagógico, define
formas e organiza conteúdos; os conhecimentos que ensinam e
se aprendem; as experiências desejadas para os estudantes etc.

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Dado seu teor regulatório e influente na produção de representa-
ções e identidades, o currículo constitui-se em importante estra-
tégia de política cultural. (Neira, 2011, p. 35)

No currículo escolar, os estudos culturais defendem uma educação na


qual as pessoas comuns possam ter seus conhecimentos validados e
seus interesses contemplados. Seu projeto é possibilitar aos grupos
em desvantagem uma participação equitativa na cultura; para isso,
toma partido dos grupos desprivilegiados nas relações de poder envol-
vidos na luta por significação (Neira; Nunes, 2011).

34 Outro campo teórico fundamental de compreensão é o multiculturalis-


mo, o qual surge de movimentos reivindicatórios de grupos desprivile-
giados em diferentes partes do mundo, principalmente após a Segunda
Guerra Mundial, quando os países ricos do Hemisfério Norte presen-
ciaram um intenso fluxo migratório proveniente de ex-colônias, como
decorrência de problemas sociais e econômicos. No Brasil, os fluxos
migratórios coincidiram com o período marcado pelas ondas desen-
volvimentistas, que deslocaram grupos culturais de diferentes regiões
pobres para aquelas em desenvolvimento. Essa configuração forçou
a convivência social entre os diferentes, ampliando, assim, o contato
entre culturas distintas (Neira; Nunes, 2009a).

Para Neira e Nunes (2009a), o multiculturalismo crítico é um movi-


mento legítimo de reivindicação dos grupos culturais subjugados para
terem suas culturas reconhecidas e representadas no espaço público,
podendo ser visto como uma solução para os “problemas” desencadea­
dos pela intensificação do contato dos grupos minoritários com os re-
presentantes da cultura dominante. O multiculturalismo nutre o atual
momento histórico com intensas mudanças e conflitos culturais, mar-
cando presença na complexa diversidade cultural decorrente das dife-
renças relativas à multiplicidade de matizes que caracteriza os grupos
que coabitam o mundo contemporâneo. Em uma concepção propositi-
va, o multiculturalismo deixa de ser apenas uma análise da realidade
construída e passa a ser visto dentro de uma dinâmica social e política.

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Candau (2008) concebe o multiculturalismo crítico como um projeto
político-cultural, um modo de se trabalhar as relações culturais de de-
terminado grupo social, de conceber políticas públicas democráticas e
de construir estratégias pedagógicas nessa perspectiva.

Para o multiculturalismo crítico, a sociedade é permeada por


intensos processos de hibridização cultural, o que supõe a não
existência de uma cultura pura, nem tampouco de uma cultura
melhor que mereça assumir para si um caráter universal. As re-
lações culturais são construídas nas e pelas relações de poder,
marcadas por hierarquias e fronteiras em contextos históricos e
sociais específicos, gerando a diferença, a desigualdade e o pre- 35
conceito. (Neira, 2011, p. 33)

Adotando uma postura de resistência, o multiculturalismo crítico en-


fatiza a tarefa central de transformar as relações sociais, culturais e
institucionais nas quais os significados são gerados (McLaren, 2000).
Seu posicionamento teórico rejeita as posições conservadoras e libe-
rais sobre a diferença. Tal visão de multiculturalismo não se limita a
constatar a pluralidade de identidades e os preconceitos construídos
nas relações de poder (Canen, 2007). A identidade, nessa perspectiva,
é interpretada como uma construção, sempre múltipla e plural.

A adoção de um currículo multicultural torna-se necessária se


desejarmos superar os problemas trazidos com as ações educati-
vas voltadas para a integração e o atendimento à diversidade. Por
exemplo, ao ter que escolarizar os descendentes dos migrantes ou
incorporar representantes das minorias, a escola se vê diante da
atipicidade de contar com alunos cujos costumes, formas de pensar
e valores contradizem a cultura reproduzida pelos currículos unifor-
mes dos sistemas educacionais (Moreira; Candau, 2003 apud Neira;
Nunes, 2006).

Uma prática pedagógica ancorada no multiculturalismo crítico requer


inicialmente que os professores centrem esforços no reconhecimento

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de suas identidades culturais. Esse aspecto é de especial relevância,
já que, como aponta Candau (2010, p. 26), tendemos a uma visão ho-
mogeneizadora e estereotipada de nós mesmos, de forma que nossa
identidade cultural é muitas vezes vista como um dado “natural”.

Se essa perspectiva procura romper com uma visão essencialista das


culturas, é necessário que os professores tomem consciência dos pro-
cessos que moldam suas identidades. Esse exercício é fundamental
para que os professores se preparem e desenvolvam a sensibilidade
necessária para a organização de práticas educativas que favoreçam a
discussão de valores culturais conflitantes2, culminando na formação
36 de cidadãos capazes de construir respostas para as grandes questões
que enfrentamos na sociedade atual.

Enquanto os estudos culturais fornecem ferramentas de análise dos


textos culturais, preocupando-se com os efeitos do currículo na for-
mação dos sujeitos, o multiculturalismo crítico fornece aos professo-
res ferramentas que os ajudam a promover intervenções engajadas no
reconhecimento das experiências dos grupos subjugados e na luta pela
justiça social. O que está em jogo, em ambos os campos teóricos (es-
tudos culturais e multiculturalismo crítico), é a análise dos processos
discursivos pelos quais as identidades são formadas.

O currículo de Educação Física sob o enfoque cultural, ao buscar inspi-


ração nessas teorias, compreende a motricidade como forma concreta
de relação do ser humano com o mundo, inserindo-se no campo da
linguagem. A intencionalidade e a significação do movimento humano
no plano da cultura o diferenciam fundamentalmente do movimento
dos demais seres (Taborda de Oliveira, 1998/1999). Os seres humanos,
quando brincam, dançam ou praticam esportes, se comunicam através
da linguagem corporal. Por meio dos gestos, as pessoas expressam
intencionalidades e modos de ser, pensar e agir, de acordo com as

2  Entendemos como valores culturais conflitantes as diferentes “verdades” que permeiam as


sociedades.

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características do grupo cultural ao qual pertencem ou com o qual es-
tabelecem vínculos (Neira; Nunes, 2009a).

A construção do gênero em determinada sociedade pode revelar, por


exemplo, quais gestos (formas de sentar, andar, gesticular) são ade-
quados ou não para homens ou mulheres. Conseguimos distinguir
facilmente um grupo de rappers de um grupo que aprecia música ser-
taneja, não só pelas vestimentas, mas também pelas formas de andar,
pelas expressões utilizadas para se comunicar, pelas posturas, bióti-
pos etc. Para Neira e Nunes (2009a), o corpo, nesse sentido, é enten-
dido como suporte de uma linguagem que manifesta a cultura na qual
alguém está inserido. 37

Enxergando a cultura como um conjunto de práticas, ideologias e


valores dos quais diferentes grupos dispõem para dar sentido ao
mundo (McLaren, 1997), o professor pode organizar o currículo de
forma a respeitar a diferença cultural e as consequentes relações
entre identidade, propondo ações que valorizem as experiências dos
grupos subordinados.

A diferença apresentada pelos estudantes não deve ser encarada como


um problema, mas como um potencial para a construção de práticas
que provoquem a interação entre os diferentes, com o propósito de
evitar atitudes preconceituosas. Infelizmente, o currículo de Educação
Física ainda é colonizado por práticas euro-americanas, que impossi-
bilitam enxergar o arco-íris de culturas no interior da escola (Stoer;
Cortesão, 1999 apud Moreira, 2002). Esse daltonismo, que circula en-
tre os estudantes, precisa ser superado pelos professores, que devem
envidar esforços em problematizar a supervalorização, por parte da
mídia das práticas da cultura dominante, desmascarando seus interes-
ses mercadológicos.

Ao romper com a falsa ideia de cultura “alta” e cultura “baixa”, o cur-


rículo de Educação Física na perspectiva cultural compreende todas as
manifestações da cultura corporal como dignas de respeito e passíveis

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de serem estudadas. É necessário que, ao longo da escolarização, os
estudantes tenham a oportunidade de conhecer, vivenciar e estudar as
diversas manifestações corporais. Sendo a escola frequentada por gru-
pos heterogêneos, é imperativo encontrar estratégias para o reconheci-
mento e a valorização das diferenças culturais, possibilitando que todos
os estudantes, independentemente de classe social, gênero, etnia, nível
de habilidade motora, idade etc., ocupem o papel de produtores de co-
nhecimento, respeitando os saberes e as experiências do outro.

Por viver em um mundo simbólico, o homem, quando se comu-


nica, mobiliza um vasto repertório de elementos (signos) apren-
38 didos pela vivência cultural, cujos significados são reconhecidos
pelo grupo social. Esses saberes também são mobilizados para
interpretar os textos produzidos pelos demais membros do gru-
po e, mesmo que um signo não seja imediatamente reconhecido,
o leitor atribuir-lhe-á um significado tomando como referência a
própria vivência cultural. (Neira; Nunes, 2009b, p. 16)

Ao conceber o movimento humano como linguagem, as aulas de Edu-


cação Física podem constituir-se em um espaço onde práticas corpo-
rais sejam estudadas, analisadas e vivenciadas, oferecendo condições
para que os estudantes compreendam a complexidade de aspectos
(técnicos, táticos, culturais, sociais, históricos e econômicos) que en-
volvem sua manifestação no cotidiano da sociedade. O objetivo será
o de formar alunos com identidades democráticas que elaborem re-
presentações positivas dos diferentes grupos sociais e suas respecti-
vas práticas corporais, como sujeitos que contribuam dentro de seus
limites e interesses para a transformação social no contexto em que
estiverem inseridos.

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4. OBJETIVOS (METAS) DA
EDUCAÇÃO FÍSICA

39

Tomando como referência a função social da escola explicitada neste


documento e a concepção curricular de Educação Física defendida pelo
Sesi-SP, espera-se que os estudantes, ao final da educação básica, se-
jam capazes de:

• estudar e vivenciar as manifestações corporais de diferentes grupos


sociais, buscando o respeito e a afirmação das diferenças culturais;
• relacionar as diversas práticas corporais ao contexto histórico em
que são produzidas, compreendendo-as como fenômenos sociocul-
turais em permanente mudança e evolução;
• adotar atitudes de lealdade, dignidade, cooperação e respeito ao
outro durante as vivências corporais;
• analisar criticamente os produtos comerciais e os discursos midiá-
ticos acerca das manifestações da cultura corporal;
• criticar os padrões de corpo estabelecidos para as diversas prá-
ticas corporais, valorizando o fato de que qualquer indivíduo pode
expressar-se e comunicar-se por meio de sua gestualidade;
• compreender as histórias de lutas dos praticantes de manifesta-
ções corporais marginalizadas na sociedade;
• criticar as “verdades absolutas” produzidas pela ciência ocidental
acerca das práticas corporais;

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• posicionar-se criticamente nas discussões acerca das temáticas da
cultura corporal estudadas, respeitando opiniões e ideias divergentes;
• compreender que todas as manifestações corporais são permea-
das por interesses e influenciadas pelo poder de quem as concebe;
• analisar criticamente os aspectos econômicos, sociais, políticos,
filosóficos etc. que envolvem as manifestações da cultura corporal;
• reivindicar locais adequados para a prática das manifestações cor-
porais, reconhecendo-as como produção humana e um direito do
cidadão;
• vivenciar as diferentes manifestações corporais, compreendendo
os significados que lhes são atribuídos pelos diferentes grupos cul-
40 turais;
• conhecer e vivenciar manifestações corporais de outros povos,
como instrumento de acesso a informações, respeitando outras
culturas e grupos sociais;
• adotar uma postura crítica perante o impacto das tecnologias asso-
ciadas às diferentes manifestações corporais;
• reconhecer e legitimar a diversidade da cultura corporal manifes-
tada nas diferentes formas de expressão, compreendendo-a como
patrimônio cultural de grupos sociais;
• ampliar e aprofundar os conhecimentos acerca da comunicação
gestual;
• manifestar-se fazendo uso de diversas linguagens, explorando as
sensações e emoções pessoais e as dos colegas no decorrer das
experiências;
• interessar-se pela pesquisa como forma de aprofundar a leitura da
gestualidade, envolvendo o levantamento de questões acerca da te-
mática e a busca pelas fontes de investigação necessárias;
• ressignificar coletivamente as práticas corporais;
• compreender e utilizar as práticas corporais sistematizadas das di-
ferentes culturas como forma de refletir sobre a própria cultura,
fortalecer as relações de pertencimento e valorizar a diversidade
cultural;
• aprofundar e ampliar os conhecimentos acerca de diferentes mani-
festações corporais próximas e distantes do seu cotidiano.

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5. EXPECTATIVAS DE
APRENDIZAGEM

41

A proposta educacional do Sesi-SP estabelece expectativas de apren-


dizagem para todos os componentes curriculares. Neste documento,
as expectativas de aprendizagem foram organizadas por manifesta-
ção da cultura corporal sem separação por ano de escolarização, a
fim de facilitar a organização e o trabalho do professor. Essa forma
de organização também foi proposta para evitar a obrigatoriedade do
cumprimento de todas as expectativas previstas para determinado ano
letivo. Na perspectiva cultural da Educação Física, o conhecimento não
é necessariamente construído a partir do simples para o complexo, o
que indica que determinada expectativa de aprendizagem poderá ser
trabalhada em determinado ano e retomada no mesmo ano caso esteja
em consonância com os objetivos propostos para aquela turma.

O importante é que o professor, ao selecionar as expectativas de apren-


dizagem a serem trabalhadas, articule-as com os objetivos gerais (me-
tas) propostos respeitando os princípios (reconhecimento da cultura
corporal, justiça curricular, descolonização do currículo, evitar o dal-
tonismo cultural e a ancoragem social dos conhecimentos). Caberá ao
professor distribuir equilibradamente as expectativas de aprendizagem
no currículo, garantindo a heterogeneidade das práticas da cultura
corporal que serão vivenciadas e estudadas ao longo da escolarização.

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Portanto, é função do professor garantir que danças, lutas, brincadei-
ras, esportes e ginásticas componham o currículo escolar.

No intuito de fornecer elementos que subsidiem os professores na


seleção das expectativas de aprendizagem, descrevemos a seguir os
princípios pedagógicos que nortearão tal escolha e que serão o fio con-
dutor do planejamento das aulas. É importante que o professor tenha
claro, como afirmam Neira e Nunes (2011), que fazer um currículo pós-
-crítico é pensar a educação do mesmo modo que um artista vive sua
arte. A “escrita-currículo”, tal como a “escrita-artista”, encontra-se
em constante fluxo, não ocorrendo distinção entre teoria e prática. A
42 teoria é tecida sobre a prática educacional. Todo conhecimento é inter-
pretativo, parcial e processual, portanto o que se apresenta é um con-
vite para que os professores deem prosseguimento à escrita-currículo
que se anuncia.

Um dos primeiros princípios é o de reconhecimento da cultura corporal


dos estudantes, o qual tem por objetivo valorizar as raízes culturais em
que eles estão inseridos, transformando as manifestações corporais
conhecidas em temas de estudo.

Reconhecer e valorizar o patrimônio corporal significa desenvolver


uma prática pedagógica em sintonia com a cultura de chegada dos es-
tudantes, comumente vista como subordinada pela cultura dominante
(Giroux; Simon, 2005 apud, Neira, 2011). Incluir os saberes subordi-
nados no currículo requer, entre outros elementos, destacar como os
sentidos atribuídos à prática corporal foram produzidos, questionando
os códigos e os artifícios pelos quais se apresenta ou é representa-
da. Numa sociedade em que a consciência das diferenças se faz cada
vez mais forte, é primordial que professores e estudantes questionem
como algumas manifestações culturais corporais se tornaram legíti-
mas, enquanto outras não (Neira, 2011).

Importante clarificar, como afirma Freire (2005, apud Neira, 2011),


que reconhecer a cultura corporal dos estudantes não é o mesmo que

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permanecer nela, mas, sim, reconhecer os saberes dela provenientes,
favorecendo a sua ampliação mediante o entrecruzamento com o re-
pertório disponível em outras culturas. Diante disso, compreende-se a
importância de articular as ações didáticas que consideram o patrimô-
nio cultural corporal dos estudantes com os objetivos (metas) institucio-
nais. Como podemos observar, é fundamental que os professores não
trabalhem às cegas, ou seja, que desenvolvam as ações didáticas por
sua própria conta e risco.

Outro princípio é o de justiça curricular. Segundo Connel (1995), a jus-


tiça curricular, enquanto estratégia educacional, visa produzir mais
igualdade no conjunto global das relações sociais às quais o sistema 43
educacional está vinculado. Significa, antes de tudo, adotar uma es-
tratégia de reversão da hegemonia, isto é, optar politicamente por um
currículo contra-hegemônico.

De acordo com Connell (1995), é fundamental considerar, no plane-


jamento das atividades de ensino, uma distribuição equilibrada das
diversas manifestações da cultura corporal. Essa preocupação visa
atender às diferenças culturais e criar condições para que todos os es-
tudantes tenham direito à voz, com seus conhecimentos reconhecidos
e valorizados pelo currículo escolar.

Ao focalizar a manifestação cultural “brincadeiras”, por exemplo,


o professor poderá atentar para uma distribuição curricular equi-
librada entre aquelas costumeiramente presentes nos universos
vivenciais masculinos e femininos, brincadeiras pertencentes às
diversas etnias, subculturas etc. Ao estudar ginásticas, o docente
poderá garantir uma adequada distribuição entre atividades que
solicitam valências físicas, como força, flexibilidade e resistência,
ou investigar práticas ginásticas pertencentes a grupos diferen-
tes, como as culturas profissionais, orientais ou dos idosos. No
trabalho com os esportes, deverá equilibrar a vivência daqueles
praticados com as mãos e com os pés ou aqueles mais próximos
e mais distantes dos alunos. No tocante às danças, as atividades

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de ensino deverão tematizar as urbanas e rurais, as atuais e tradi-
cionais, as folclóricas e ressignificadas e assim por diante. (Neira;
Nunes, 2009b, p. 264)

A necessidade de equilibrar a distribuição das diversas manifestações


corporais no currículo da Educação Física exige do professor a orga-
nização de estratégias didáticas relacionadas às práticas corporais
advindas dos grupos subordinados, em geral ausentes do currículo
que costumeiramente imperou na trajetória do componente. Perce-
be-se ao longo do tempo o modo como muitos currículos privilegiam
certos conhecimentos, certas identidades e certos discursos e em
44 detrimento de outros, atuando para minimizar ou mesmo desquali-
ficar práticas corporais oriundas de grupos não hegemônicos (Neira;
Nunes, 2011).

Para Neira e Nunes (2011), a justiça curricular aponta para um aspecto


importante do processo de escolarização com o intuito de contribuir na
construção de sociedades democráticas, ou seja, prioriza-se o ques-
tionamento da forma pela qual são elaboradas as representações que
temos acerca do outro, do diferente.

A fim de alcançar a meta, é preciso ter garantido um espaço


para que alguns alunos descrevam o modo como tiveram acesso,
aprenderam e vivenciaram os conhecimentos relativos à manifes-
tação investigada, a forma com que é transmitida no seu grupo
de origem, quem as pratica, como são as pessoas, os locais ou
os eventos, o linguajar, as vestimentas, o grau de importância
para o grupo, os sentimentos de seus participantes em relação à
presença de representantes de outros grupos etc. (Neira; Nunes,
2011, p. 265)

É fundamental que os estudantes percebam a existência de distintas


maneiras de se conceber determinada manifestação corporal na socie-
dade e, para que isso seja potencializado, conhecer todo o seu contexto
de criação e efetivação se torna imprescindível.

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É importante salientar que adotar o princípio de justiça curricular não
significa substituir as práticas corporais hegemônicas pelas práticas
da cultura popular no currículo. Na perspectiva cultural, existe espa-
ço para que todas as manifestações corporais sejam estudadas. Não
basta preencher o currículo com práticas corporais pertencentes aos
grupos minoritários (Neira, 2011). Se o professor insere essas práticas
nas suas aulas sem o devido aprofundamento, pode ocorrer o proces-
so inverso, isto é, a supervalorização da cultura hegemônica. Assim,
quando o professor decidir tematizar em suas aulas a capoeira, o hip-
-hop, o parkour ou o skate, ele precisa tratar essas manifestações com
a mesma seriedade de quando trabalha com os esportes tradicionais.
Ao se preocupar com a justiça curricular, o professor pode contribuir 45
para a valorização do patrimônio cultural, respeitando a pluralidade de
grupos presentes na escola e na sociedade em geral.

Um terceiro princípio diz respeito à descolonização do currículo. Trata-


-se da defesa da inserção no currículo de manifestações corporais
que historicamente estiveram ausentes do cenário escolar (Neira;
Nunes, 2011).

Um currículo descolonizado destaca não só os conhecimentos e


as práticas sociais dos grupos dominados, em especial, indígenas,
negros e povos da América Latina, como também suas histórias
de luta. Valoriza e reconhece a diversidade identitária da popula-
ção e proporciona o ambiente necessário para que as narrativas
de todos os povos sejam efetuadas com base na própria cultura, de
forma a relatar suas condições de opressão, resistência e supera-
ção. (Neira; Nunes, 2011, p. 267)

A descolonização busca viabilizar um leque de oportunidades aos alu-


nos, proporcionando a participação equitativa das múltiplas identida-
des, aspecto central de uma escola comprometida com a apropriação
crítica da cultura corporal e a formação de identidades democráticas
(Neira, 2011). Em vez de camuflar as diferenças com o intuito de que
não sejam vistas, o currículo cultural possibilita o confronto e abre

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espaço para que os estudantes possam exprimir e refletir sobre sen-
timentos e impressões que afloram em momentos de divergência. A
consciência dos educadores sobre situações de opressão é importante
na construção de um currículo multiculturalmente orientado (Morei-
ra; Câmara, 2010); trazendo à tona as diferenças, os professores, com
suas intervenções, poderão ajudar os estudantes a reconhecer vestí-
gios de preconceitos que se encontram colados às práticas corporais
(Neira, 2011).

Ao articular a descolonização e a justiça curricular, o currículo da Edu-


cação Física tratará com a mesma dignidade tanto as experiências rela-
46 cionadas ao futebol, handebol, voleibol e basquetebol, como as oriundas
de outros povos e segmentos sociais, como skate, street ball, capoeira,
maculelê, ioga, jogos de cartas, jogos eletrônicos, funk, lutas e uma in-
finidade de manifestações corporais culturais que caracterizam os di-
ferentes grupos sociais que frequentam a escola (Neira; Nunes, 2011).

Evitar o daltonismo cultural é outro princípio a que o educador deve


estar atento. Segundo Stoer e Cortesão (1999 apud Moreira, 2002), o
professor daltônico culturalmente é o que não se mostra sensível à
heterogeneidade, considerando que todos os estudantes são idênticos,
com saberes e necessidades semelhantes, o que o exime de diferen-
ciar o currículo e a relação pedagógica que estabelece em sala de aula.

Stoer e Cortesão (1999 apud Neira, 2011) atribuem o daltonismo cul-


tural à desconsideração do “arco-íris de culturas” com que se precisa
trabalhar no ambiente pedagógico. Em contrapartida, defendem uma
perspectiva que valoriza e considera a riqueza decorrente da existência
de diferentes culturas no espaço escolar e recomendam que se evite a
homogeneização da diversidade apresentada pelos estudantes.

Para se evitar o daltonismo cultural, o professor de Educação Física


precisa enxergar a diferença dos estudantes como um potencial recur-
so de enriquecimento, quer por permitir uma educação onde interagem
experiências sociais múltiplas, quer por desenvolver competências

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para o viver e conviver com o diferente, evitando atos de discriminação
de qualquer ordem (Leite, 2002).

Muitas vezes, a intervenção pedagógica, ao amparar-se em uma


ideia distorcida de igualdade, tende a tratar todos da mesma for-
ma, com o objetivo de alcançar resultados semelhantes. Com
esse propósito, frequentemente, são legitimadas apenas as prá-
ticas corporais pertencentes a uma cultura dominante no mesmo
formato da sua ocorrência no ambiente extraescolar, cabendo aos
alunos adaptarem-se para que possam participar. (Neira; Nunes,
2011, p. 267)
47
Ao agir dessa maneira, o educador acaba por privilegiar determinados
grupos que trazem em sua bagagem experiências semelhantes, de-
correndo na exclusão dos demais e, com isso, ampliando as diferen-
ças. Outro reflexo de uma postura daltônica é identificado quando os
educadores aguardam desempenhos semelhantes por parte de todos
os estudantes ou assumem como referência para avaliação o grau de
proximidade com o ideal objetivado. Nesse sentido, para evitar o dal-
tonismo cultural, o professor poderá promover situações didáticas –
como debates, construção de blogs, redações, análises de imagens e
mídias, entre outras, visando reconhecer as diferentes leituras e inter-
pretações que os estudantes têm acerca da manifestação do objeto de
estudo, estimular, ouvir e discutir os diferentes posicionamentos com
relação a ela, apresentar sugestões, oferecer novos conhecimentos
advindos de pesquisa de diversas fontes de informação e reconstruí-la
corporalmente – com o objetivo de elevar os diferentes grupos à con-
dição de sujeitos da transformação e construção da manifestação em
foco (Neira; Nunes, 2011).

Para lidar com a heterogeneidade da cultura corporal, os professores


devem possibilitar a participação de todos, diversificando as ativida-
des e evitando a reprodução de um modo único de executar os movi-
mentos. Basta lembrar que, se no currículo de Educação Física sob o
enfoque cultural o movimento humano é compreendido como forma

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de linguagem, não podemos estabelecer modos certos ou errados de
expressar-se pela gestualidade. Da mesma maneira, no cotidiano das
manifestações da cultura corporal (em parques, clubes, na rua etc.),
dificilmente deparamos com seus praticantes fazendo as mesmas coi-
sas ao mesmo tempo.

Várias atividades podem ser propostas nas aulas de Educação Física


no sentido de respeitar a heterogeneidade da cultura corporal: dife-
rentes maneiras de participar das vivências corporais, construção de
coreografias, realização de pesquisas, filmagens, fotografias, análise
de vídeos, organização de eventos esportivos, avaliação do trabalho fei-
48 ta pelos próprios estudantes e construção de materiais, entre outros.

Essa postura traz como primeira implicação para a prática pedagógica


a rejeição de uma perspectiva monocultural em relação ao aluno, de
forma que o professor entenda que as diferenças são culturalmente
construídas.

Por último, temos a ancoragem social dos conhecimentos, que, segun-


do Grant e Wieczorek (2000 apud Neira; Nunes, 2011), significa tomar
como objeto de estudo e ponto de partida a “prática social” da mani-
festação corporal e, a partir disso, elencar uma série de análises só-
cio-históricas e políticas dessa prática. Os trabalhos se iniciam com a
noção que estudantes e professores têm das manifestações corporais
a que têm acesso no cotidiano.

O currículo, ao ancorar socialmente os conhecimentos, amplia a possi-


bilidade de compreensão e posicionamento crítico dos estudantes com
relação ao contexto social, histórico e político de produção e repro-
dução das práticas culturais. A ancoragem social dos conhecimentos
contribui para que os estudantes desconstruam as representações
provocadas pelas informações distorcidas ou fantasiosas presentes na
sociedade e, com isso, adquiram uma nova visão sobre os saberes cor-
porais disponíveis (Neira, 2011).

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A ancoragem social dos conhecimentos requer profundidade no
tratamento dos temas, cuja possibilidade tem como condicionan-
tes o engajamento do professor na proposta, a investigação do
assunto, a seleção de materiais didáticos adequados e a prepa-
ração de atividades específicas. Uma eventual falta de sincronia
entre esses elementos significará uma abordagem superficial
das questões sócio-históricas e políticas alusivas às práticas cor-
porais. Algo insuficiente aos propósitos político e pedagógico do
multiculturalismo crítico. (Neira, 2011, p. 97)

Mediante a ancoragem social dos conhecimentos, o currículo no enfo-


que cultural absorve de maneira contextualizada as histórias das prá- 49
ticas corporais, tanto as das práticas próximas quanto as das práticas
distantes do universo cultural dos estudantes e, consequentemente,
reconhece os diferentes pontos de vista oriundos dos grupos que as
recriam, desenvolvem e praticam.

Vale salientar que a seleção de expectativas de aprendizagem irá se dar


através do confronto com esses princípios que foram abordados e tam-
bém com as informações coletadas durante o mapeamento1. Diante da
complexidade que envolve a produção da cultura corporal na sociedade,
está aberta a possibilidade de o professor criar expectativas de apren-
dizagem não contempladas por esta proposta. É importante alertar, no
entanto, que a criação de novas expectativas surge da necessidade le-
vantada no mapeamento do patrimônio cultural do grupo, a partir das
representações emergentes no processo.

Ressalta-se, na escolha das expectativas, que estas não seguem uma


ordem lógica, ou seja, na presente proposta o professor poderá esco-
lher trabalhar com as expectativas número 05 e número 12 das brin-
cadeiras, por exemplo, não seguindo, assim, a ordem numérica da 01 à
14, em dada sequência.

1  O mapeamento será abordado em seção posterior.

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5.1. EXPECTATIVAS DE APRENDIZAGEM
REFERENTES ÀS BRINCADEIRAS

1. Pesquisar e vivenciar as formas de brincar pertencentes a outras cul-


turas (indígenas, africanas, orientais etc.), respeitando suas diferenças
e adaptando-as às condições do grupo, espaço e materiais disponíveis.
2. Analisar criticamente os aspectos sociais e históricos que circun-
dam a produção das brincadeiras de diferentes grupos culturais.
3. Vivenciar as brincadeiras populares do território brasileiro, com-
preendendo a influência das culturas indígena, negra e portugue-
50 sa, entre outras, na sua produção e disseminação.
4. Conhecer e vivenciar diferentes possibilidades de brincadeiras (tradi-
cionais, cantadas, simbólicas, sensoriais), reconhecendo e valorizan-
do suas características e ampliando o repertório cultural sobre elas.
5. Construir formas de registro das brincadeiras vivenciadas (fotos,
desenhos, pesquisas, filmagens etc.), posicionando-se criticamen-
te em relação às suas características (formas e conteúdo).
6. Reconhecer nas brincadeiras vivenciadas as divergências de for-
mas de execução e organização, manifestando respeito ao direito
de expressão dos colegas, de forma a buscar o acordo coletivo para
a resolução de situações conflitantes.
7. Criar, organizar e vivenciar brincadeiras que visem o envolvimento
coletivo do grupo, respeitando as características individuais.
8. Compreender a transformação das diferentes brincadeiras ao lon-
go do tempo, analisando de modo crítico as estratégias utilizadas
pela indústria cultural para fomentar o consumo e, consequente-
mente, aumentar a lucratividade.
9. Conhecer os espaços destinados ao brincar na comunidade (pra-
ças, quadras, parques etc.), criticando a atuação do poder público
na garantia do direito ao lazer do cidadão e, consequentemente, a
preservação dos locais pela população usuária.
10. Compreender os marcadores sociais (classe social, gênero, etnia,
religião etc.) que estabelecem distinções na sociedade e como eles
influenciam as manifestações das diferentes brincadeiras.

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11. Participar das vivências propostas, procurando desconstruir as re-
presentações que vinculam algumas brincadeiras a determinado
gênero (por exemplo, brincar de carrinho é “coisa” de menino; pu-
lar corda é “coisa” de menina).
12. Comparar brincadeiras de outras épocas com as atuais, estabele-
cendo diferenças e semelhanças, sem julgamento de valores.
13. Analisar criticamente propagandas de brinquedos em diferentes
veículos (televisão, internet, outdoors, vitrines de lojas etc.), con-
testando a exacerbação do consumismo, principalmente na pro-
ximidade de datas comemorativas (Natal, Dia das Crianças etc.).
14. Conhecer as características dos praticantes das diferentes brinca-
deiras vivenciadas e dos preconceitos que permeiam essa prática. 51

5.2. EXPECTATIVAS DE APRENDIZAGEM


REFERENTES ÀS GINÁSTICAS

1. Relacionar as práticas ginásticas com fatos históricos, sociais e políti-


cos e analisá-las criticamente, compreendendo essas manifestações
como um fenômeno sociocultural em permanente transformação.
2. Pesquisar, conhecer e vivenciar diferentes modalidades de ginástica
(de diferentes culturas), analisando suas semelhanças e diferenças.
3. Criar apresentações de ginástica, manifestando e defendendo seu
ponto de vista em grupo, participando do processo de elaboração
com diferentes funções e papéis.
4. Adotar uma postura crítica diante dos padrões de beleza impostos pela
mídia, analisando seu impacto nas relações de consumo e na saúde.
5. Participar das vivências propostas, superando os estereótipos e
preconceitos que acompanham os praticantes de determinadas
modalidades de ginástica.
6. Conhecer as políticas públicas e privadas de incentivo à prática
da ginástica, analisando criticamente seus objetivos e resultados
esperados.

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7. Vivenciar os diferentes tipos de ginástica encontrados na comuni-
dade, tomando como base o grupo e seus familiares, compreen-
dendo e respeitando a diferença cultural.
8. Vivenciar e aprofundar o conhecimento das variações de determi-
nada modalidade de ginástica (natural, rítmica, acrobática, artísti-
ca, aeróbica, circense, geral etc.).
9. Compreender os marcadores sociais (classe social, gênero, etnia,
religião etc.) que estabelecem distinções na sociedade e como eles
influenciam as manifestações das diferentes ginásticas.
10. Compreender as ginásticas como opção de lazer, criticando a atua­
ção do poder público na organização de espaços para sua prática
52 (praças, quadras, salões etc.).
11. Interpretar a historicidade da supervalorização da prática da gi-
nástica como meio para a aquisição e a manutenção da saúde,
identificando os grupos sociais que se beneficiam da produção
desse discurso.
12. Conhecer as características dos praticantes das diferentes ginásti-
cas vivenciadas e dos preconceitos que permeiam a prática.
13. Compreender a transformação dos diferentes tipos de ginástica ao
longo do tempo, analisando criticamente as estratégias utilizadas
pela indústria cultural para fomentar o consumo e, consequente-
mente, aumentar a lucratividade.
14. Construir formas de registro das ginásticas vivenciadas (fotos, de-
senhos, pesquisas, filmagens etc.), posicionando-se criticamente
em relação às suas características (regras, estratégias, formas e
conteúdo).

5.3. EXPECTATIVAS DE APRENDIZAGEM


REFERENTES AOS ESPORTES

1. Compreender e vivenciar as variações das formas de praticar de-


terminado esporte por parte dos diversos grupos culturais como

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forma de expressão da identidade cultural dos participantes, reco-
nhecendo-as no âmbito das aulas.
2. Analisar o modo de construção do discurso da mídia sobre o espor-
te, discriminando os significados e seus efeitos sobre os aprecia-
dores-consumidores das práticas esportivas e reconhecendo sua
inserção em diversos momentos da aula.
3. Identificar as formas de produção (mídias), consumo (materiais e
programas esportivos) e regulação (discursos acerca de seus be-
nefícios) das modalidades esportivas e sua distribuição em confor-
midade com a divisão de classes sociais, gênero, etnia e religião,
entre outros marcadores sociais, verificando as possibilidades de
acesso a elas, bem como os custos dessa participação. 53
4. Perceber os modos de produção do imaginário social esportivo (mi-
tos, ídolos, estilo de vida), bem como as identidades a ele atreladas
(vencedores, populares etc.), identificando sua influência sobre a
sociedade, homens, mulheres, crianças e idosos, entre outros.
5. Compreender a distribuição dos espaços de divulgação de cada
modalidade/equipe na mídia, relacionando o tempo/espaço de di-
vulgação com a construção hegemônica das modalidades/equipes.
6. Identificar as práticas discursivas presentes nos esportes que re-
forçam pejorativamente a identidade de raça, etnia, gênero, se-
xualidade, idade, religião, profissão etc. nas diversas vivências
promovidas em aula.
7. Conhecer os contextos históricos (políticos, sociais e econômicos)
que levaram à construção das relações de poder presentes em
determinadas práticas esportivas e, a partir disso, elaborar argu-
mentos para a reconstrução dos significados atribuídos a essas
práticas.
8. Compreender o esporte como opção de lazer, criticando a atuação
do poder público na organização de espaços para sua prática (pra-
ças, quadras, salões etc.).
9. Criticar a atuação do poder público na oferta de espaços, com a
finalidade de organizar e executar movimentos sociais de reivin-
dicação de espaços públicos adequados à prática esportiva (na co-
munidade ou no âmbito da própria aula ou escola).

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10. Identificar, analisar e vivenciar os esportes em diferentes possibi-
lidades de espaço, número de participantes, formação de equipes
ou grupos de trabalho, construindo coletivamente formas de adap-
tar a modalidade tematizada às demandas do grupo, respeitando o
conceito de justiça curricular.
11. Conhecer a dinâmica da preparação física do atleta de alto ren-
dimento, analisar as variáveis (diferenças físicas, gênero, biótipo)
que interferem no rendimento esportivo, discernindo-as do prati-
cante de esportes em diferentes grupos sociais, a fim de validar a
participação de todos independentemente de seu rendimento.
12. Conhecer as características dos praticantes dos diferentes espor-
54 tes vivenciados e dos preconceitos que permeiam as práticas.
13. Compreender a transformação das modalidades esportivas ao
longo do tempo, analisando criticamente as estratégias utilizadas
pela indústria cultural para fomentar o consumo e, consequente-
mente, aumentar a lucratividade.
14. Construir formas de registro dos esportes vivenciados (fotos, de-
senhos, pesquisas, filmagens etc.), posicionando-se criticamente
em relação às suas características (regras, estratégias, formas e
conteúdo).

5.4. EXPECTATIVAS DE APRENDIZAGEM


REFERENTES ÀS LUTAS

1. Conhecer conceitos, características e fundamentos comuns às


lutas, reconhecendo as semelhanças e as diferenças entre luta,
arte marcial e esporte de combate e diferenciando-as quanto às
finalidades.
2. Elaborar jogos de luta (de rapidez e atenção, de conquista de
objetos, de conquista de territórios, para desequilibrar, reter,
imobilizar, livrar-se e/ou combater) com base em modalidades
vivenciadas, elaborando novas regras (definição de espaços, ma-

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teriais, proibições, punições e formas de pontuar), respeitando a
integridade física e moral dos colegas.
3. Vivenciar e analisar diferentes lutas (de origem ocidental e orien-
tal) nos aspectos técnicos e táticos, relacionando-as a seu contex-
to de produção (aspectos históricos, políticos, sociais, religiosos e
econômicos) e aos princípios filosóficos (sabedoria de vida) e hie-
rárquicos atrelados ao seu contexto.
4. Vivenciar e analisar criticamente práticas de luta construídas e
transformadas por culturas não hegemônicas, respeitando-as e va-
lorizando-as quanto a suas características e funções socioculturais.
5. Posicionar-se criticamente nas discussões quanto às questões de
gênero, classe social, estatura, peso, idade, etnia e religião, entre 55
outras, que permeiam as práticas de luta.
6. Adotar uma postura crítica perante a profissionalização das lutas
na sociedade contemporânea em suas diferentes dimensões (atle-
tas, técnicos, preparadores físicos e dirigentes, entre outros).
7. Analisar criticamente a influência dos meios de comunicação so-
bre as lutas na sociedade contemporânea.
8. Compreender as etapas relacionadas à organização de eventos
de lutas, analisando criticamente os eventos esportivos de grande
magnitude e refletindo sobre as relações econômicas, políticas e
sociais que se estabelecem antes, durante e após sua realização.
9. Validar os diversos significados atribuídos às lutas por seus pra-
ticantes (atividade física, competição, defesa pessoal, estilo de
vida etc.).
10. Compreender a luta como opção de lazer, criticando a atuação do
poder público na organização de espaços para sua prática (praças,
quadras, salões etc.).
11. Conhecer as características dos praticantes das diferentes lutas
vivenciadas e dos preconceitos que permeiam as práticas.
12. Identificar, analisar e vivenciar as lutas em diferentes possibilida-
des de espaço, número de participantes, formação de equipes ou
grupos de trabalho, construindo coletivamente formas de adaptar
a modalidade tematizada às demandas do grupo, respeitando-se o
conceito de justiça curricular.

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13. Construir formas de registro das lutas vivenciadas (fotos, desenhos,
pesquisas, filmagens etc.), posicionando-se criticamente em rela-
ção a suas características (regras, estratégias, formas e conteúdo).
14. Valorizar as diferentes lutas vivenciadas e estudadas no contexto
escolar.

5.5. EXPECTATIVAS DE APRENDIZAGEM


REFERENTES ÀS DANÇAS

56
1. Vivenciar diferentes modalidades de dança, compreendendo-as
como forma sistematizada de expressão da linguagem, respeitando
a diferença cultural presente em suas manifestações na socieda-
de e relacionando-as a fatores históricos, sociais e políticos e aos
marcadores sociais de classe, gênero, etnia e religião, entre outros.
2. Analisar criticamente os padrões divulgados pela mídia (por meio
de filmes, propagandas, programas televisivos etc.) sobre os es-
tilos de dança, evitando o consumismo exacerbado e a criação de
estereótipos referentes a seus representantes.
3. Construir de forma coletiva coreografias que envolvam temáticas
próximas e distantes de seu universo cultural, reconhecendo as
divergências de formas de execução e organização e manifestando
respeito ao direito de expressão dos colegas, de forma a buscar a
melhor maneira para a resolução de situações conflitantes.
4. Construir formas de registro das coreografias vivenciadas (foto,
desenho, escrita, filmagem, relato oral etc.), posicionando-se cri-
ticamente em relação às suas características (formas e conteúdo).
5. Compreender a dança como opção de lazer, criticando a atuação
do poder público na organização de espaços para sua prática (pra-
ças, quadras, salões etc.).
6. Valorizar o fato de que qualquer indivíduo pode expressar-se e co-
municar-se por meio da dança, criticando os padrões de corpo e
gestos estabelecidos pelos grupos hegemônicos.

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7. Reconhecer e vivenciar as danças de diferentes origens (africanas,
asiáticas, europeias etc.), compreendendo suas influências na for-
mação das danças típicas brasileiras e de outros povos.
8. Vivenciar e estudar as danças de diferentes contextos (clássica,
moderna, rural, urbana, folclórica, erudita, contemporânea, ele-
trônica etc.), reconhecendo características que as diferenciam e
respeitando a identidade cultural de seus representantes.
9. Compreender as histórias de luta dos grupos minoritários e das
subculturas pelo reconhecimento e valorização de suas danças.
10. Participar das vivências relacionadas à dança, independentemente
de suas características individuais, respeitando e reconhecendo a
possibilidade de expressar-se por meio da linguagem corporal. 57
11. Identificar, explorar e acompanhar diferentes ritmos das culturas
locais, reconhecendo-os como expressão de um povo presente nas
festas da cultura popular.
12. Elaborar produções culturais alusivas às danças, em diferentes
suportes textuais (notícias, crônicas, filmes, fotografias, cartazes,
coreografias etc.).
13. Conhecer as características dos praticantes das diferentes danças
vivenciadas e dos preconceitos que permeiam as práticas.
14. Compreender a transformação dos diferentes tipos de danças ao
longo do tempo, analisando criticamente as estratégias utilizadas
pela indústria cultural para fomentar o consumo e, consequente-
mente, aumentar a lucratividade.

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6. PROCEDIMENTOS
DIDÁTICOS

58

Furor pedagogicus. Não importa que a ideia seja nova ou mais


velha, muitíssimo antiga... Não importa de onde venha, se da Fi-
losofia, Sociologia, Antropologia, Psicologia... Não importa quem
a expresse. O que importa é que difira do pensamento dogmáti-
co da pedagogia. Então, nem bem é dita e escutada, há sempre
uma multidão alvoroçada indagando: – Mas, então, se isso não é
como eu pensava que fosse... Como fazer? Como é que eu vou agir
na sala de aula? Como é que eu vou ensinar? Como...? Como...?
Como...? – Praga, vírus, vício, cacoete pedagógico. Pergunta que
não para de perguntar. Até quando existirão aqueles que a formu-
lam? E pior: aqueles que respondem sem a mínima cerimônia?
(Corazza, 2006, p.15)

No currículo de Educação Física sob o enfoque cultural, o trabalho dos


professores precisa necessariamente estar articulado com o proje-
to político-pedagógico da instituição em que atuam. Dessa maneira,
é imprescindível conhecer e debater todos os objetivos pedagógicos
estabelecidos pela equipe escolar. É fundamental que os professores
sejam um núcleo político ativo, provocador de mudanças, e não um
mero transmissor social de “cultura” de uma geração a outra, que atua
na manutenção da ordem social vigente. Conversas com os colegas de

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profissão podem ajudar no planejamento das ações, abrindo espaços,
muitas vezes, para a construção de projetos interdisciplinares.

Ao construir o plano de trabalho docente, o professor buscará organi-


zar o percurso tendo como linhas gerais alguns procedimentos didá-
tico-metodológicos. Vale ressaltar que estes procedimentos não são
processos estanques e, assim, poderão ser trabalhados simultanea-
mente. São eles: mapear, ressignificar, aprofundar, ampliar e avaliar.

Para desenvolver um currículo de Educação Física com enfoque cul-


tural, o professor seleciona uma manifestação da cultura corporal do
movimento conforme o grupo social e suas experiências culturais; toda 59
e qualquer manifestação pode fazer parte do currículo, o que possibili-
ta ao estudante perceber a heterogeneidade social e valorizar a diver-
sidade da cultura corporal.

O mapeamento é o primeiro passo para a construção do currículo es-


colar, pois a escolha do objeto a ser investigado deverá ter como refe-
rência as manifestações da cultura corporal que se articulam direta ou
indiretamente com o cotidiano dos estudantes (Neira; Nunes, 2009b).

Concordamos com Neira (2011) quando afirma que no currículo cultu-


ral da Educação Física, ao mapear os conhecimentos, o educador pro-
voca a emersão das representações que os estudantes possuem sobre
as manifestações culturais que constituem sua própria identidade. O
mapeamento é a porta de entrada para uma abordagem equitativa da
diversidade dentro da escola, questão de honra quando se objetiva um
projeto educacional sensível às diferenças.

Mapear quer dizer identificar quais manifestações corporais es-


tão disponíveis aos alunos, bem como aquelas que, mesmo não
compondo suas vivências, encontram-se no entorno da escola ou
no universo cultural mais amplo. Mapear também significa levan-
tar os conhecimentos que os alunos possuem sobre uma deter-
minada prática corporal. Não há um padrão ou roteiro obrigatório

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a ser seguido, durante o mapeamento, os professores empreen-
dem variadas atividades. (Neira, 2011, p. 107).

O reconhecimento do patrimônio da cultura corporal da comunidade


escolar é o ponto de partida para a prática pedagógica, já que a mani-
festação das práticas corporais não é privilégio das aulas de Educação
Física. Portanto, é tarefa dos professores identificar como os estudan-
tes têm acesso ao conhecimento acerca dessas práticas também fora
dos domínios da escola. Como as crianças jogam voleibol? De que for-
ma acontece o futebol nas ruas, parques e/ou condomínios? Como são
organizados os bailes na comunidade? E os torneios esportivos? Quais
60 conhecimentos os estudantes possuem acerca das diferentes manifes-
tações corporais? Quais as vestimentas e os gestos característicos do
grupo de basqueteiros, de skatistas ou dos lutadores de jiu-jítsu?

O mapeamento do patrimônio cultural corporal é imprescindível, pois


possibilita ao professor conhecer as práticas corporais que fazem par-
te do universo cultural dos estudantes, familiares e da comunidade
escolar envolvida, investigar quais espaços podem ser aproveitados
para o desenvolvimento das aulas, os locais no bairro onde as práticas
corporais acontecem e desvelar, a partir do diálogo, os temas que po-
derão ser abordados nas aulas. Com o mapeamento realizado, os pro-
fessores terão condições de organizar o currículo focalizando algumas
temáticas da cultura corporal (Neira; Nunes, 2006).

O olhar atento às culturas que permeiam o universo escolar é a carac-


terística mais marcante do mapeamento. As informações obtidas com
os estudantes constituem elementos fundamentais para dimensionar
o tema de estudo e as possibilidades que esse estudo apresenta para o
desenvolvimento das aulas. Informações que, sem dúvida, minimizam
a incidência de improvisos e a descaracterização das atividades de en-
sino previamente elaboradas (Neira; Nunes, 2009b).

Somente após coletar as informações referentes ao patrimônio cultu-


ral dos estudantes e confrontá-las com o projeto político-pedagógico

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da escola é que o professor definirá o tema da cultura corporal que
será estudado (por exemplo, maculelê, samba, badminton, queimada,
futebol, rúgbi, voleibol, caratê, judô e dança de salão, entre outros).

É preciso destacar que a articulação da manifestação corporal ao


projeto escolar indica a responsabilidade e o comprometimento
da área em um contexto educativo que envolve toda a comunida-
de. Ao contrário de propostas impositivas, que determinam o que
será ensinado independentemente do contexto social em que se
dá a ação docente, na perspectiva cultural e na direção da cons-
trução de sociedades democráticas, a prática docente assume
sua função social ao levar em conta aquilo que é objetivado pela 61
coletividade. (Neira; Nunes, 2009b, p. 32)

Um tema de estudo é legítimo e valioso quando surge da sociedade a


qual serve e por ela é legitimado. Isso significa que todo conhecimento
pode fazer parte do currículo. E, ainda, que não há degraus que organi-
zem os temas de ensino no currículo cultural. Todas as manifestações
da cultura corporal podem ser estudadas em qualquer etapa, nível ou
ciclo de ensino (Neira, 2011).

Definido o tema que será estudado, o professor partirá para a tematiza-


ção da prática corporal. Para Neira e Nunes (2009b), fundamentados em
Freire (1980) e Corazza (2003), tematizar é abordar algumas das infini-
tas problemáticas suscitadas pela leitura e interpretação de brincadei-
ras, danças, esportes, lutas e ginásticas, implicando a procura do maior
compromisso possível do objeto de estudo com uma realidade social,
cultural e política, objetivando uma compreensão profunda da manifes-
tação em foco e o desenvolvimento da capacidade crítica dos estudantes
como sujeitos de conhecimento, desafiados pelo objeto a ser conhecido.

Tematizar uma prática corporal significa buscar compreender como


a manifestação em foco (tema) é organizada e representada em ou-
tros espaços por estudantes ou grupos culturais, quais são os discur-
sos que a legitimam nos diferentes espaços onde acontecem, quais

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relações os estudantes estabelecem entre o tema e aspectos políti-
cos, sociais, artísticos etc.

Como alertam Neira e Nunes (2009b), essas questões podem aproxi-


mar os estudantes dos conteúdos de outras áreas do conhecimento,
de sua vida e, assim, possibilitar o entendimento da complexidade das
relações sociais contidas nas manifestações corporais.

Na escola, a Educação Física precisa ter uma conotação diferente


de outros contextos (clubes, academias, escolinhas de esporte etc.).
Como defende Kunz (2009), não basta praticar esportes ou qualquer
62 outra manifestação corporal executando movimentos desprovidos de
significado. É preciso estudá-la. Dessa forma, a prática corporal sele-
cionada precisa ser tematizada, exigindo do professor a articulação de
diferentes estratégias que possibilitem a leitura e a interpretação de
tudo o que é produzido em torno dela.

Após eleger a prática corporal que será desenvolvida, a qual foi de-
tectada no mapeamento, cabe ao educador organizar as atividades
de ensino que farão parte do trabalho. Para tanto, o professor sele-
cionará as expectativas de aprendizagem que nortearão o processo.
Cabe alertar que a escolha das expectativas de aprendizagem irá se
dar a partir da articulação e do confronto delas com os princípios pe-
dagógicos mencionados e com as informações obtidas pelo educador
durante o mapeamento.

No currículo cultural da Educação Física os conhecimentos socia-


lizados advêm da tematização, o que inviabiliza qualquer previsão
antecipada. Por essa razão, as atividades de ensino focalizam te-
mas, e não conteúdos. Na abordagem de um determinado tema,
os professores emaranham as próprias culturas corporais expe-
rienciais e as dos alunos com outros saberes (acadêmicos, do sen-
so comum, populares ou pertencentes a outros grupos). No bojo
dessa triangulação, obtém-se a produção de novos sentidos para
as manifestações corporais tematizadas. (Neira, 2011, p. 102)

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É de suma importância, após definido o tema de trabalho e seleciona-
das as expectativas de aprendizagem, que o professor realize o levan-
tamento dos saberes que os estudantes já possuem acerca da prática
corporal, para então organizar seu planejamento, pois, como alerta
Freire (1996), ensinar exige respeito aos saberes dos educandos. Por
meio do diálogo, os estudantes são constantemente provocados pelo
educador a emitir opiniões acerca da temática. Ao abrir espaço para a
participação coletiva, o professor proporciona condições pedagógicas
para o grupo manifestar-se, posicionar-se e produzir.

Ao realizar o levantamento dos saberes que os estudantes possuem


sobre a prática corporal que será abordada, o professor precisa con- 63
siderar o contexto histórico das temáticas, o que significa pensar sua
prática de maneira dialética, com o cuidado de não ser um exercício
de mera racionalidade ou mera cientificidade (Caparroz; Bracht, 2007).

Outro ponto fundamental é o planejamento. Planejar as atividades de


ensino não deve ser compreendido sob a ótica da mera obrigação. O ato
de planejar é extremamente necessário no norteamento de toda a prá-
tica do professor. No entanto, na perspectiva cultural, o planejamento
deve ser tratado de forma diferente daquela em que é compreendido
pelas teorias tradicionais de ensino.

A preparação e o planejamento são, logicamente, necessários,


mas eles não devem se pautar nos elementos da didática para a
priori determinar a prática (irrefletida) a ser desenvolvida, e sim
o contrário. A realidade que a prática expressa deve alimentar a
didática por meio da reflexão num contínuo exercício de prática-
-reflexão-prática... e não o contrário. (Contreras Domingo, 1999a;
1999b; 2003 apud Caparroz; Bracht, 2007, p. 29)

Para que o professor tenha “sucesso” na sua prática pedagógica, a


qual é fruto de sua autoria, e planeje suas ações de maneira coerente,
é de extrema importância, como defendem Caparroz e Bracht (2007),
que ele se sinta parte do processo e se perceba como sujeito autôno-

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mo e com autoridade para desenvolvê-la, autoridade que não deve ser
confundida com agir autoritário e/ou coercitivo.

Para Freire (1996), segura de si, a autoridade não precisa declamar que
existe, a fim de garantir a si mesma. Não precisa utilizar discursos que
reflitam sua legitimidade, como a frase “sabe com quem está falan-
do?”. Segura de si, ela é porque tem autoridade, porque a exerce com
sabedoria. Levando em conta que o planejamento advém da prática-
-reflexão-prática, na qual o professor busca construir sua autoridade
entre os estudantes, é primordial que o profissional responsável pelo
ensino realize os registros de sua prática, visualizando possíveis altera-
64 ções e novos caminhos a serem percorridos no estudo da manifestação
corporal em foco.

No decorrer das atividades de ensino, as anotações das observações


e análises do cotidiano das aulas possibilitam a reunião das informa-
ções necessárias para a avaliação do trabalho pedagógico, ou seja,
para além da observação, os educadores registram as ações didáti-
cas desenvolvidas, os encaminhamentos efetuados e as respostas dos
estudantes. Também recolhem e arquivam exemplares dos materiais
produzidos pelos estudantes durante as aulas. Os registros elaborados
pelos professores facilitam a identificação das insuficiências e do al-
cance das atividades de ensino desenvolvidas (Neira, 2011).

Nesse sentido, é importante que o educador utilize diferentes formas


de registro ao longo do processo. Vídeos, fotografias, reportagens, re-
latos de experiência, entrevistas, anotações, produções dos alunos,
construção de regras, modificações nas formas de brincar, dançar etc.,
e ainda episódios que chamaram a sua atenção no decorrer das aulas,
podem constituir-se em importante documentação para a confecção
de portfólios ou como instrumento que permita identificar mudanças
nos saberes dos alunos. Dessa forma, as observações e análises do
cotidiano possibilitam a reunião de informações necessárias para a
avaliação do trabalho pedagógico e de indícios tanto de acertos como
de equívocos.

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A autoria vincula-se a um exercício incessante de reflexão sobre o
desenvolvimento de minha prática pedagógica e como esse fazer-
-saber didático-pedagógico está relacionado com o eu que sou. A
autoria implica/demanda um processo de escrita. A necessidade
de escrever surge tanto da necessidade de alguém se compreen-
der, como também de se fazer compreendido como autor para ser
educador e vice-versa. Esse refletir deve permitir ao professor
pensar na relação macro e micro como estruturas que o formam
e o conformam, sem perder a clareza de que ele também exerce
sobre tais estruturas uma força na perspectiva de formar e con-
formar o macro e o micro. (Caparroz; Bracht, 2007, p. 32)
65
É preciso que os professores tomem consciência de que o seu fazer-
-saber didático-pedagógico não é dado anteriormente (a priori), e sim
é elaborado num contínuo processo de reconstrução. Não se pode ga-
rantir a construção de um modelo para atuar que seja sempre seguro;
e a pretensão de estabelecer um modus operandi padrão, à base de
modelos transpostos mecanicamente para a realidade social em que
se dá a prática pedagógica, em geral leva à cristalização desta e à falta
de sentido para ela.

Outro procedimento didático importante é a ressignificação da manifes-


tação corporal estudada, ou seja, lembrando que as práticas da cultura
corporal se manifestam em diferentes contextos na sociedade (em clu-
bes, academias, parques etc.), cabe ao professor, com os estudantes,
pensar em estratégias que tornem possível a vivência dessas práticas no
ambiente escolar. Que estratégias podem ser utilizadas para que aquela
manifestação seja praticada nas aulas de Educação Física? Quais adap-
tações precisam ser realizadas levando em consideração o espaço dis-
ponível, a quantidade de estudantes por turma e o tempo de aula? Todos
esses aspectos precisam ser considerados na organização das ativida-
des, e os estudantes podem contribuir significativamente nesse sentido.

Considerando que a grande maioria das manifestações corporais


atravessou um longo processo de transformação (regras, formato,

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sistemática de funcionamento, participantes etc.), a perspectiva da
Educação Física em um enfoque cultural valorizará, no decorrer das
aulas, a experimentação dos diversos formatos conhecidos pelos estu-
dantes e oferecerá condições para modificar regras, modos de organi-
zação, estratégias, locais de prática, ritmos e materiais, objetivando a
participação de todos em diferentes funções e o melhor aproveitamen-
to dos ambientes e recursos da escola e da comunidade, entre outros.
Assim, a quadra não é o único lugar das aulas (Neira; Nunes, 2009b).

Como exemplo dessas modificações por que passam as manifestações


corporais, podemos lembrar que no futebol, no início, era vetada a par-
66 ticipação de atletas negros, a prática da capoeira no território brasileiro
era proibida, as aulas de Educação Física eram separadas por gênero,
ou ainda que a musculação era uma prática exclusiva do público mas-
culino. Esses discursos foram sendo ressignificados, de forma que, no
cenário atual, observamos o predomínio de atletas negros em várias
equipes de futebol, a disseminação de aulas de capoeira nas escolas
particulares, o consenso de que as aulas de Educação Física devem ser
organizadas na forma mista e a presença cada vez mais marcante do
público feminino nas salas de musculação.

Se no contexto social mais amplo as manifestações da cultura corporal


são modificadas e reconstruídas por seus praticantes, os professores
precisam inseri-las no currículo de Educação Física, rejeitando um
modelo único, em geral aquele produzido pelas mídias ou pelo formato
do rendimento esportivo. Esse processo, denominado ressignificação,
implica a análise das razões que impulsionaram as modificações das
práticas corporais e dos seus significados (Neira, 2011) e a promoção
de diferentes maneiras de jogar, brincar, dançar ou lutar, levando em
conta as características do grupo e do espaço disponível.

As peculiaridades de cada grupo e de cada escola são conside-


radas por ocasião da reconstrução coletiva da prática corporal
objeto de estudo, proporcionando aos alunos uma experiência
bastante concreta da dinâmica cultural. Apesar da relevância das

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vivências corporais como ponto de partida para análise situacional
e remodelação das práticas, a participação dos alunos enquanto
leitores e intérpretes da gestualidade, sugerindo modificações, é
tão relevante quanto a execução propriamente dita. Essas posi-
ções alternam-se ao longo das atividades de ensino. (Neira, 2011,
p. 123)

Caso a manifestação cultural eleita pelo professor para estudo seja o


futebol, os estudantes podem mostrar as diferentes formas de praticar
a modalidade, vivenciar as diferentes maneiras de realizar um chute,
conhecer as alterações nos uniformes ao longo do tempo, vivenciar as
diferentes táticas ou tipos de marcação, pensar em quais estratégias 67
utilizar para “vencer” a marcação, analisar a tabela de um campeonato
que esteja acontecendo, bem como sua repercussão na mídia etc. Com
base nisso, novas maneiras de jogar futebol poderão ser criadas pelos
educandos, e essas modificações poderão ser analisadas no decorrer
das aulas. Nesse exemplo hipotético, é possível ter, por exemplo, al-
guns estudantes atuando como árbitros, outros como mesários, outros
como torcedores etc.

Ressignificar implica atribuir novos significados a uma manifestação


corporal produzida em outro contexto com base na própria experiência
cultural. Trata-se de posicionar os estudantes na condição de sujei-
tos históricos e produtores de cultura, em condições semelhantes ao
que ocorre em grande parte das experiências humanas. No cotidiano,
atribuir novos significados a objetos é algo constante. Ao ressignificar,
o educador não tem qualquer controle, pois não há como pressupor
quais serão os significados atribuídos quando os sujeitos depararem
com os artefatos culturais oriundos de outros grupos (Neira, 2011).

Para Neira (2011), ao valorizar as atividades de ressignificação, o pro-


fessor estará favorecendo a construção de identidades democráticas
por meio da troca entre os estudantes, entre estudantes e professor,
da aceitação das diferenças e do respeito ao outro. Os indivíduos se
reconhecem e se diferenciam a partir do outro; assim, as atividades

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devem possibilitar a participação de todos, independentemente das ca-
racterísticas individuais.

Concomitantemente ao processo de ressignificação, a leitura das ma-


nifestações corporais realizadas pelos estudantes desencadeia proble-
matizações acerca dessas práticas, ou seja, possibilita a eles o acesso
às representações dos colegas e, em consequência, a posicionamentos
diferentes entre eles.

A problematização implica um constante desvelo da realidade


percebida. É um esforço permanente por meio do qual as pessoas
68 passam a perceber como as coisas estão no mundo (Mizukami,
1986). Quando problematiza os temas da cultura corporal, o cur-
rículo se transforma em um espaço de crítica cultural (Moreira e
Macedo, 2001), no qual se propicia o questionamento sobre tudo
que possa ser “natural e inevitável”. A ideia é colocar em xeque e
permitir novos olhares sobre aquilo com que usualmente lidamos
de modo acrítico. (Neira, 2011, p. 117)

Compartilhamos o raciocínio de Neira (2011) quando entende que pro-


blematizar é uma postura pedagógica imanente ao currículo cultural da
Educação Física. Implica destrinchar, analisar, abordar os mais variados
conhecimentos por meio de uma etnografia1 rigorosa, permite compreen-
der melhor não só a manifestação em estudo, como também aqueles que
a produziram e reproduziram. Se o professor não está a par do assunto es-
tudado, é necessário empreender uma pesquisa, ou seja, o professor deve
ter uma postura etnográfica diante da manifestação corporal em foco.

A etnografia das manifestações corporais que serão abordadas em aula


possibilitará ao professor compreender os diferentes significados atri-
buídos à prática corporal em determinado grupo. Uma vez conhecidos

1  “Etnografia significa aproximar-se das práticas corporais e colocar uma lente de aumento na
dinâmica das relações e interações que constituem o seu funcionamento, para tentar entender como
operam os mecanismos de dominação e de resistência, de opressão e de contestação, além do papel
e a atuação dos praticantes.” (Neira, 2011, p. 117)

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os significados, o professor poderá confrontar os pontos de vista e va-
lorizar, junto aos estudantes, o olhar do outro.

Sabemos da infinidade de práticas corporais presentes na sociedade.


Por sua vez, cabe ao professor pesquisar, estudar, atualizar-se cons-
tantemente. Ainda que não conheça determinada prática corporal com
profundidade, deve aprimorar-se na busca constante de conhecimen-
tos que poderão subsidiá-lo no decorrer das atividades de ensino.

Se um dos nossos objetivos é formar cidadãos e cidadãs para uma


atuação crítica, democrática e transformadora da sociedade, é preci-
so promover atividades de ensino que proporcionem o aprofundamen- 69
to (outro procedimento didático) das temáticas estudadas por meio de
sua leitura crítica.

Aprofundar significa conhecer melhor a manifestação corporal obje-


to de estudo, procurando desvelar aspectos dela que não emergiram
nas primeiras leituras e interpretações. Os aspectos destacados pelos
estudantes ou pelo professor durante o aprofundamento fomentam
novas vertentes de análise, vivências e pesquisas, de modo que tanto
o olhar dos estudantes sobre a prática corporal tematizada como seu
nível inicial de conhecimento são enriquecidos (Neira, 2011).

Com apoio nos estudos culturais, podemos afirmar que as práticas cor-
porais disseminadas na sociedade estão entremeadas pelas relações
de poder, sendo comum observarmos a existência de preconceitos e
discriminações de todos os tipos. O aprofundamento das temáticas es-
tudadas pode ajudar o estudante a compreender as relações de poder
entre grupos dominantes e subalternizados (homens/mulheres; bran-
cos/negros), as quais têm contribuído para preservar situações de pri-
vilégio (para os dominantes) e de opressão (para os subalternizados),
como propõem Moreira e Câmara (2010).

As atividades de ensino voltadas para o aprofundamento possibilitam


um entendimento maior dos significados atribuídos à prática corporal

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objeto de estudo: visita aos espaços onde a manifestação cultural
acontece no seu formato mais conhecido, aulas demonstrativas com
estudantes praticantes, leitura e interpretação de textos pertencentes
aos diversos gêneros literários (Neira, 2011) e ainda análise de filmes,
desenhos animados, músicas, novelas, contos, reportagens, anúncios,
textos, artigos, frases e imagens, entre outros, podem ajudar os estu-
dantes a identificar vestígios de preconceitos referentes a classe social,
etnia, local de moradia, sexualidade, gênero, religião etc., que per-
meiam as práticas corporais e também os discursos pessoais dos estu-
dantes. Esses marcadores sociais, quando expostos pelos estudantes,
não podem passar despercebidos pelo professor comprometido com a
70 afirmação das diferenças. É por isso que o professor deve se manter
atento tanto aos discursos dos estudantes durante o tratamento das
temáticas como aos seus silêncios.

Para ilustrar esse ponto, consideremos as seguintes situações: se, ao


estudar a capoeira, questões relacionadas à religião vêm à tona, o foco
do trabalho deve ser direcionado para as questões religiosas; se, ao
se tematizar o funk, a erotização entra em cena, o professor deve con-
centrar sua atenção na discussão sobre como os discursos em torno
da sexualidade foram sendo produzidos e construídos ao longo da his-
tória; se a vivência dos esportes levantar preconceitos em relação aos
estudantes menos habilidosos, o professor precisa organizar ativida-
des de ensino que busquem investigar por que isso acontece.

É necessário que os professores utilizem as ferramentas teóricas do


campo do multiculturalismo crítico para que paradigmas sejam des-
construídos e fronteiras cruzadas. Para que o aluno compreenda os
diferentes aspectos que circundam as manifestações da cultura corpo-
ral, não basta apenas praticá-las. É necessário oferecer diversas possi-
bilidades que respeitem as características dos grupos. Na perspectiva
cultural é imperativo que o professor tenha uma postura etnográfica,
ou seja, que busque diferentes conhecimentos, novas estratégias de
ensino, novas formas de conduta, que saiba dialogar, promover refle-
xões, questionamentos e releituras culturais.

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Uma condição importante que pode contribuir no aprofundamento das
temáticas é o educador respeitar o princípio da ancoragem social dos
conhecimentos. Segundo Canen e Oliveira (2002), a ancoragem social
procura alargar os quadros de referência pelos quais compreendemos
as relações entre conhecimento, pluralidade e poder, analisando as
presenças e ausências nos discursos históricos, políticos e culturais,
entre outros.

Moreira (2002) defende essa estratégia para entender como, historica-


mente, posturas preconceituosas cristalizaram-se no currículo, ques-
tionando os discursos o tempo todo e verificando como um conceito
surgiu e passou a ser visto como universal. Ao trabalhar determina- 71
da manifestação da cultura corporal, é importante que o professor de
Educação Física realize uma análise do contexto social em que ela é
produzida, instigando os estudantes a adotar um olhar crítico para os
diferentes discursos (muitas vezes fantasiosos) que os rodeiam.

Contextualizando as práticas corporais durante a sua vivência, o pro-


fessor realizará a análise sócio-histórica e política delas, permitindo
aos estudantes que se posicionem criticamente em relação às próprias
experiências corporais e aos diversos discursos que distorcem ou fan-
tasiam sua legitimidade na sociedade mais ampla. Ao aprofundar os
conhecimentos em torno da manifestação estudada, o professor de
Educação Física pode mostrar aos estudantes a importância do hip-hop
como um movimento de resistência e de reivindicação de soluções a
problemas sociais, resgatando sua origem histórica. Da mesma forma,
ao empreender uma pesquisa sobre o contexto de produção das mani-
festações corporais em diferentes culturas, professores e estudantes
podem romper com a falsa ideia de que existem práticas exclusivas do
público masculino e do público feminino.

O preconceito dos meninos em relação às meninas no jogo de futebol, a


recusa de alguns garotos em participar das aulas de dança por entender
que essa prática é exclusiva da cultura feminina, o privilégio das práti-
cas corporais de origem euro-americana no currículo, a discriminação

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que as práticas culturais oriundas das classes subordinadas (skate, hip-
-hop, funk, capoeira etc.) sofrem na sociedade mais ampla, o racismo no
esporte, os discursos dos padrões de beleza impostos pela classe domi-
nante, e tantos outros exemplos, merecem uma discussão aprofunda-
da disparada pelos professores de Educação Física, que atuam com um
currículo sensível às diferenças culturais.

Isso não significa que o currículo de Educação Física sob o enfoque


cultural deva ser desenvolvido num único espaço: a sala de aula. Esse
espaço não deve ser descartado, porém é importante que os educado-
res entendam que essas relações de poder “explodem” justamente nas
72 vivências corporais, no meio social onde elas se manifestam. Assim, é
na quadra, no campo, no pátio ou em outro espaço onde as vivências
ocorram que devem ser debatidas e problematizadas essas questões
conflitantes.

Outro procedimento didático empreendido pelos professores refere-


-se à ampliação dos conhecimentos. Para Neira (2011), ampliar implica
recorrer a outros discursos e fontes de informação diferentes, ou seja,
discursos que trazem uma representação contrária àquela a qual os
estudantes têm acesso em um primeiro momento.

A ampliação visa desafiar o conhecimento comumente aceito como


verdade, fazendo que os estudantes entendam que esse conhecimento
(verdade) é socialmente construído, culturalmente mediado e historica-
mente situado (McLaren, 1997, p. 214), proporcionando a eles elementos
fundamentais para a construção de uma reflexão crítica e permitindo
que estabeleçam relações com outros saberes e formas culturais.

A elaboração de uma rede de conhecimentos acerca do tema es-


tudado, procedimento fundamental para a superação da visão sin-
crética inicial e construção de uma reflexão crítica, é o principal
objetivo da ampliação. As atividades de ampliação priorizam pers-
pectivas de análise raramente acessadas pelos alunos. (Neira,
2011, p. 138)

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Tencionando alcançar esse objetivo, o educador poderá convidar pra-
ticantes da manifestação corporal em estudo, propor visitas a locais
onde ela acontece, realizar a leitura de textos argumentativos, as-
sistir a documentários, comparar os diferentes pontos de vista entre
os estudantes e o professor etc. Se o professor estiver, por exemplo,
tematizando a ginástica com os estudantes, a visita a uma academia
provavelmente proporcionará a ampliação de conhecimentos acerca
dessa temática. Ao trabalhar com atividades circenses, o professor
pode propor uma visita a uma escola de circo ou convidar malabaristas
ou mágicos para se apresentar na escola.

As atividades de ensino voltadas para a ampliação procuram con- 73


frontar os conhecimentos culturais inicialmente disponíveis com
outros, estimulam o contato com discursos diferentes e enrique-
cem as leituras e interpretações realizadas. (Neira, 2011, p. 138)

É imprescindível esclarecer aos estudantes que não existem “verda-


des absolutas”. O que hoje é “verdadeiro” para a maioria das pessoas
amanhã ou depois poderá não passar de “uma grande injustiça pre-
conceituosa”. O educador precisa manter-se atento às informações
que circulam nos diferentes canais de comunicação e no cotidiano em
geral, evitando os estereótipos que definem aquilo que é a identida-
de e o que é a diferença e que produzem discursos preconceituosos
e excludentes.

Entre os procedimentos para colocar em ação o currículo cultural, as


atividades de ampliação requerem do educador um nível elevado de
organização e planejamento. Desde a formulação de questões a serem
feitas aos convidados de uma entrevista até a preparação para uma
visita fora da escola, passando pela procura de vídeos que possam de-
sestabilizar as representações dos estudantes (Neira, 2011).

Vale ressaltar que tanto as atividades de ampliação como as de aprofun-


damento dos conhecimentos precisam ser precedidas da elaboração
de um roteiro que direcione a coleta de informações. É recomendável

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que as pesquisas sejam estruturadas em conjunto e com antecedência,
indicando-se aos estudantes onde buscar as fontes de informações ne-
cessárias; onde ter acesso a informações e a indivíduos que as forne-
çam; orientando como coletar, analisar e apresentar os dados (Neira;
Nunes, 2009b).

Partindo da cultura experiencial dos estudantes, o currículo cultural


valoriza as diferentes vozes presentes no espaço pedagógico e ten-
ciona a formação de produtores culturais por meio de estratégias que
incitem o diálogo e o respeito às diferenças. Dessa forma, na perspec-
tiva cultural, o currículo procura fortalecer a produção dos estudantes
74 buscando legitimar suas formas de expressão e, ao mesmo tempo, va-
lorizar as de outros grupos.

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7. REGISTRO E AVALIAÇÃO

75
A avaliação constitui-se em um dos pilares aos quais o professor preci-
sa atentar quando desenvolve o currículo de Educação Física na pers-
pectiva cultural. O ato de avaliar deve ser um momento privilegiado
de diálogo entre estudantes e professores, no qual a ênfase maior se
dá no caminho percorrido, e não exclusivamente no produto final. En-
tendida dessa forma, a avaliação deve ser contínua e formativa, sendo
compreendida como um instrumento para problematização, questio-
namento e reflexão constante sobre a ação pedagógica (Sesi, 2003).

A avaliação com fins formativos serve à tomada de consciência


que ajuda a refletir sobre um processo, insere-se no ciclo refle-
xivo da investigação na ação: planejamento de uma atividade ou
plano, realização, conscientização do ocorrido, intervenção pos-
terior. Pretende ajudar a responder à pergunta de como estão
aprendendo e progredindo, pois só assim poderão se introduzir
correções, acrescentar ações alternativas e reforçar certos as-
pectos. Portanto, é natural que esta avaliação se realize de forma
constante no tempo, se se realiza como indagação dos professo-
res, e não são simples comprovações formais do aprendido. (Gi-
meno Sacristán, 2007, p. 328-329)

No currículo de Educação Física sob o enfoque cultural, a avaliação


cumpre uma função formativa. Segundo Villas Boas (2006), de modo

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contrário à avaliação classificatória, a formativa promove a aprendiza-
gem do estudante e do professor e o desenvolvimento da escola, sen-
do, portanto, aliada de todos. Despe-se do autoritarismo e do caráter
seletivo e excludente da avaliação classificatória.

Muito além de mera quantificação de resultados e ações, a avaliação da


Educação Física na rede escolar Sesi-SP busca envolver os professores
na análise de suas práticas e na regulação delas, por meio de uma pos-
tura crítica, dialógica e responsável pelas medidas necessárias para a
transformação das práticas educativas.

76 Avaliar não é medir, aplicando um instrumento a uma dimen-


são física, já que as qualidades humanas não se mostram como
objetos físicos. Necessita-se comparar a realidade “apreciada”
com um ideal, norma ou ponto de referência. Estimamos que um
aluno “progride adequadamente”, que “vai bem” ou que “merece
ser aprovado” quando percebemos que o curso de seu progresso
ou ponto em que se encontra responde aceitavelmente à ideia
prévia que temos que tal progresso deve ser. (Gimeno Sacristán,
2007, p. 306)

Essa postura avaliativa nas aulas de Educação Física rompe com aquela
visão da avaliação enquanto medida e controle, na qual o professor age
como mero transmissor de conhecimento (“juiz”, “dono da situação”,
“guardião do sentido”), utilizando normas para julgar os estudantes ou-
vintes (objeto da avaliação). Nessa perspectiva de avaliação, os sujeitos
são participantes ativos do processo, ou seja, considera-se que os in-
divíduos estão inseridos socialmente e sofrem influências e determi-
nações sociais externas (Rodrigues, 1995). Dessa maneira, o professor
precisa investigar criticamente os fatores que influenciam o processo
pedagógico (história, sociedade, tradição, ideologia) para a tomada de
decisões que visem sempre a aprendizagem dos diferentes estudantes.

Portanto, no currículo de Educação Física na perspectiva cultural, a


avaliação cumpre uma função fundamental: oferecer subsídios para

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o professor pensar e replanejar a prática pedagógica. Como aponta
Gimeno Sacristán (2007), a avaliação é um recurso para melhorar os
processos pedagógicos. Nessa proposição, a avaliação tem significado
e valor de servir à tomada de consciência sobre a prática pedagógica.

Na perspectiva cultural, a avaliação é contemplada durante todo o pro-


cesso, e as expectativas de aprendizagem devem servir de parâmetro.
O mapeamento, que ocorrerá no momento em que o educador inves-
tigar os saberes que os estudantes têm disponíveis acerca da mani-
festação corporal, permite identificar o ponto de partida do grupo e
redefinir procedimentos e estratégias, como também, com base no re-
gistro realizado, facilitar a identificação das insuficiências e o alcance 77
das atividades de ensino realizadas.

O processo avaliativo que caracteriza o currículo com enfoque cultural


implica um acompanhamento contínuo das atividades desenvolvidas
no currículo posto em ação. O objetivo é conhecer os universos cul-
turais dos estudantes e verificar como ocorre o diálogo destes com os
padrões culturais impostos pelos diferentes grupos sociais que emer-
gem das práticas corporais estudadas.

Durante as aulas, as produções e os registros do educador e dos estu-


dantes podem fornecer elementos que os ajudem a identificar avanços
e possíveis pontos a melhorar. No entanto, para obter esses dados, é
fundamental que o professor utilize diferentes formas de registro ao
longo do processo. Vídeos, fotografias, reportagens, conversas, relatos
de experiência, anotações, produções dos estudantes, construção de
regras, pesquisas, visitas, vivências corporais, trabalhos coletivos, par-
ticipação em eventos, contato com adereços constituintes das práticas
corporais, construção de materiais, apresentações para a comunidade,
modificações nas formas de brincar, jogar e dançar etc., enfim, epi-
sódios que chamaram a atenção podem constituir-se em importante
documentação para a confecção de portfólios ou permitir identificar
modificações nos saberes dos estudantes.

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Nessa concepção de avaliação, o professor, antes, durante e ao
final das atividades de ensino, recolhe informações que lhe per-
mitam refletir sobre as ações didáticas propostas. Os docentes
podem manter anotações diárias em que constem impressões
pessoais realizadas durante o percurso curricular. A interpreta-
ção crítica dos conteúdos do diário de campo, para além de sub-
sidiar a continuidade das ações didáticas, possibilita a reflexão
sobre o próprio processo formativo. (Neira, 2011, p. 162)

Na perspectiva cultural, como defendem Escudero e Neira (2011), a


avaliação tem como principais funções: documentar o processo; infor-
78 mar o andamento das aprendizagens; planejar as aulas seguintes; re-
orientá-las caso seja necessário; compreender as interpretações dos
estudantes; organizar as sínteses, a fim de reconhecer o que já foi dito
e feito; dialogar com o entorno; e desconstruir representações acerca
das diferentes identidades que perpassam a escola.

Para que a avaliação ocorra da maneira que vimos discutindo, é impor-


tante que o professor mantenha sua postura etnográfica, ou seja, para
além da observação, deve registrar as ações didáticas desenvolvidas,
os encaminhamentos efetuados e as respostas dos estudantes, assim
como recolher e arquivar exemplares dos materiais produzidos pelos
estudantes durante as aulas (Neira, 2011).

O registro atento das vivências, ressignificações, pesquisas, visi-


tas, presença contributiva de membros da comunidade, nas aulas
etc. exercerá um papel pedagógico e social fundamental ao per-
mitir a avaliação do percurso, viabilizar interpretações e fornecer
novos olhares e conhecimentos, possibilitando a eleição de outras
temáticas. Se no 7o ano do Ensino Fundamental a turma vivenciou,
ressignificou, ampliou e aprofundou seus conhecimentos sobre
as modalidades de luta brasileiras, nada impede que o profes-
sor aborde artes marciais orientais no ano seguinte, ou o inverso.
O mesmo se pode dizer acerca dos esportes de rua ou de salão.
Qualquer que seja o caso, os registros do docente consistirão em

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instrumentos valiosos para identificar o que já foi trabalhado e as
lacunas a serem preenchidas. (Neira, 2009b, p. 53)

Ao finalizar o estudo sobre uma manifestação corporal, o profes-


sor pode organizar uma atividade avaliativa visando desvelar em que
medida os procedimentos didáticos adotados naquele período letivo
contribuíram para ampliar o repertório de conhecimentos dos estu-
dantes, bem como para auxiliá-los a superar preconceitos e concep-
ções identitárias inicialmente revelados. Uma análise mais minuciosa
do produto final que os alunos elaboram ao término do período, quando
entrecruzada com os registros do processo, constitui elemento privi-
legiado para avaliar as modificações das representações iniciais sobre 79
as práticas corporais e seus representantes, levantadas por ocasião do
mapeamento (Neira, 2011).

Nessa concepção, a avaliação não é um método para a criação de rótu-


los ou para a promoção ou retenção do estudante. Deve ser a oportu-
nidade de evolução do estudante em relação a si mesmo e ao processo
de aprendizagem, e se caracterizar pela honestidade das duas partes,
estudante-educador/educador-estudante.

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8. RELATOS DE PRÁTICA

8.1. BRINCADEIRAS: 6o ANO DO ENSINO


80 FUNDAMENTAL

Cidade: Araraquara

Ao iniciar o ano letivo de 2012, para mapear as práticas corporais pre-


sentes no universo cultural dos alunos do 6o ano do Ensino Fundamen-
tal e levando em consideração que o “mapeamento deve ser o primeiro
passo para a construção do currículo escolar, pois a escolha do objeto
a ser investigado deverá ter como referência as manifestações corpo-
rais que se articulam direta ou indiretamente com o cotidiano dos estu-
dantes” (Neira; Nunes, 2009b), recorri à seguinte questão: quais são as
manifestações da cultura corporal que vocês conhecem ou vivenciam?

Os alunos, num primeiro momento, mostraram certa dificuldade em


responder a pergunta, o que me levou a explicar ao grupo o conceito de
cultura e de manifestação cultural, dando exemplos práticos de mani-
festações da cultura corporal, o que facilitou a tarefa.

À medida que os alunos mencionavam as manifestações da cultura


corporal que conheciam, eu as anotava na lousa, para que pudessem
ficar registradas no caderno dos alunos e mesmo revisitadas em oca-
siões posteriores.

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81

Em seguida, observei os alunos nos momentos de entrada e saída e no


intervalo, procurando identificar as manifestações culturais praticadas
por eles, relacionando-as com o levantamento feito dentro da sala de
aula e acrescentando a ele as novas possibilidades encontradas na ob-
servação. Nessa observação, apareceram atividades como: pega-pega,
futebol com tampinha, jogos de tabuleiro, jogos de carta, pingue-pon-
gue, pebolim e brincadeira de rebater bolinha de papel (similar à pete-
ca), entre outras. Como ressalta Neira (2011, p. 107):

Mapear quer dizer identificar quais manifestações corporais es-


tão disponíveis aos alunos, bem como aquelas que, mesmo não
compondo suas vivências, encontram-se no entorno da escola ou
no universo cultural mais amplo. Mapear também significa levan-
tar os conhecimentos que os alunos possuem sobre uma deter-
minada prática corporal. Não há um padrão ou roteiro obrigatório

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a serem seguidos, durante o mapeamento, os professores em-
preendem variadas atividades.

Esse mapeamento inicial foi de extrema importância para a definição


do tema “brincadeiras” como o primeiro a ser desenvolvido com os alu-
nos em 2012, já que essa representação foi muito citada pela turma.

Procurando alinhar o tema escolhido com o Plano de Trabalho Docente


(PTD) elaborado para os meses iniciais de 2012, selecionei as seguin-
tes expectativas de aprendizagem referentes à manifestação cultural
“brincadeira”:
82
• Construir formas de registro das brincadeiras vivenciadas (fotos,
desenhos, pesquisas, filmagens etc.), posicionando-se criticamen-
te em relação às suas características (formas e conteúdo).
• Compreender os marcadores sociais (classe social, gênero, etnia,
religião etc.) que estabelecem distinções na sociedade e como eles
influenciam as manifestações das diferentes brincadeiras.
• Participar das vivências propostas, procurando desconstruir as re-
presentações que vinculam algumas brincadeiras a determinado
gênero (por exemplo, brincar de carrinho é “coisa” de menino; pu-
lar corda é “coisa” de menina).
• Pesquisar e vivenciar as formas de brincar pertencentes a outras
culturas (indígenas, africanas, orientais etc.), respeitando-se suas
diferenças e adaptando-as às condições do grupo, espaço e mate-
rial disponíveis.
• Reconhecer nas brincadeiras vivenciadas as divergências de for-
mas de execução e organização, manifestando respeito ao direito
de expressão dos colegas, de forma a buscar o acordo coletivo para
a resolução de situações conflitantes.

Estabelecida a manifestação da cultura corporal, bem como as expec-


tativas de aprendizagem, parti para a vivência delas. Com base no que
foi mapeado e com a intenção de alcançar os objetivos estabelecidos,
ficou acordado com os alunos, como método de trabalho, que a brinca-

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deira a ser vivenciada estivesse contemplada na lista feita pelo grupo.
Em uma roda de conversa, antes da realização da atividade, os alunos
opinavam sobre a melhor maneira de realizar a brincadeira, determi-
nando assim suas regras. Após a realização das brincadeiras, os alu-
nos eram incentivados a analisar a experiência. Abriu-se então espaço
para opinarem se a atividade tinha dado certo ou não e quais os aspec-
tos positivos e negativos.

Esse momento foi de significativa importância, pois adaptações foram


feitas visando atender as características do grupo. Destaco algumas
situações. Em primeiro lugar, na brincadeira “queimada”, após jogá-la
da maneira tradicional, os alunos sugeriram alterações nas regras e 83
outras possibilidades de jogar a queimada praticada pelos alunos des-
de anos anteriores, no ambiente escolar ou fora dele.

Quanto às regras, alguns alunos propuseram jogar nas laterais do cam-


po, para uma participação efetiva de todo o grupo. Além disso, como jo-
gavam com bolinhas de meia, eles perguntaram sobre a possibilidade

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de não ter a mão e a cabeça “livres”, o que daria mais dinamismo a essa
brincadeira. Foi nesse momento que um dos alunos sugeriu que, após o
arremesso do adversário, se o jogador do outro time segurasse a bolinha
sem deixá-la cair no chão, o arremessador deveria se dirigir ao “cemité-
rio”, regra exposta e discutida pelo grupo e vivenciada posteriormente.

Quanto às outras possibilidades de se jogar queimada, os alunos men-


cionaram a “abelha-rainha”, o “corredor da morte”, o “carimbo indivi-
dual”, o “carimbo em equipe” e a “queimada com duas bolas”, todas
debatidas em roda de conversa e praticadas pelos alunos.

84 Cabe ressaltar que durante essa vivência as meninas questionaram


sua pouca participação, alegando que os meninos não as deixavam pe-
gar na bola durante a brincadeira, e exigiram do professor alterações
nas regras. No entanto, a estratégia de mudar as regras não está de
acordo com a perspectiva cultural, pois isso não resolve o preconceito
de gênero, uma vez que, nessa perspectiva, o gênero é entendido como
uma categoria relacional, ou seja, é preciso considerar outras catego-
rias, como idade, força e habilidades, que são vivenciadas por todos
os atores na escola e que podem levar à exclusão durante as aulas de
Educação Física. Assim, como salienta Sousa e Altmann (1999, p. 56):

Não se pode concluir que as meninas são excluídas de jogos


apenas por questões de gênero, pois o critério de exclusão não
é exatamente o fato de elas serem mulheres, mas por serem con-
sideradas mais fracas e menos habilidosas que seus colegas ou
mesmo que outras colegas. Ademais, meninas não são as únicas
excluídas, pois os meninos mais novos e os considerados fracos
ou maus jogadores frequentam bancos de reservas durante aulas
e recreios, e em quadra recebem a bola com menor frequência
até mesmo que algumas meninas.

Dessa forma, com o intuito de não desconsiderar a existência de con-


flitos, exclusões e diferenças entre pessoas do mesmo sexo e de des-
construir posturas preconceituosas levando em consideração o gênero

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relacionado com outras categorias, utilizamos durante a aula da brin-
cadeira “queimada” a pedagogia do conflito, que, no currículo cultural,
é importante para a aprendizagem sobre o outro. Desse ponto de vista,
o que interessa é a discussão de valores conflitantes, com o intuito
primordial de não apagar as diferenças. De acordo com Neira (2011),
para que a justiça permeie o currículo, McLaren (2000) defende uma
“pedagogia do dissenso”. Já Candau (2008) denomina a “pedagogia do
conflito”, cujo objetivo é o diálogo entre posicionamentos de origens di-
versas, fazendo do professor um mediador na construção de relações
interculturais positivas e ficando a seu cargo a promoção de situações
didáticas que viabilizem o contato e o convívio com a diferença, além
da consciência dos mecanismos de poder que permeiam as relações 85
culturais. Sem dúvida, esse é um grande desafio para os educadores
da escola de hoje.

Em seguida, com o objetivo de colocar em ação o currículo cultural, em


que o dissenso é de suma importância, desnudando a discriminação e as
relações desiguais, propus aos alunos os seguintes questionamentos:

• Vocês se sentiram excluídos? Por quê?


• Todas as meninas se sentem excluídas?
• Há meninos que se sentiram excluídos? Por quê?

Com isso, ficou claro que não só as meninas, mas também os meni-
nos considerados menos habilidosos pelo grupo eram excluídos. Além
disso, as meninas tidas como fortes não apresentavam descontenta-
mento com os meninos, ficando nítida a importância da articulação do
gênero com outras categorias.

Mais comentários relacionados ao gênero foram feitos durante a prá-


tica do futebol. As meninas alegaram que os meninos eram muito vio-
lentos e não passavam a bola para elas; os meninos, por sua vez, as
consideravam fracas, atrapalhando o andamento do jogo. Durante a
atividade, surgiram muitas falas que evidenciavam uma visão machista
de mundo, como “Mulher não joga futebol!”, “Não quero nem saber,

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vou chutar forte mesmo!” e “Se elas vierem perto de mim, vou machu-
car!”. Questionei então os alunos:

• Futebol é coisa para homem?


• Será que todas as mulheres não gostam de futebol?
• Vocês já assistiram a jogos de futebol feminino na televisão?
• Nossas aulas devem reproduzir o que vemos na televisão?
• Será que existem meninas com habilidades iguais às dos meninos
no futebol? Por que isso ocorre?

Se no currículo cultural a ideia é a formação de cidadãos críticos, esse


86 bate-papo foi importante por levar a considerar que não basta propor
atividades que mascarem as diferenças, como alterar a regra para que
as meninas peguem mais na bola ou marquem mais gols. Como rela-
tam Sousa e Altmann (1999, p. 63):

Adaptar as regras de algum jogo ou esporte como recurso para


evitar a exclusão de meninas desconsidera a articulação do gênero
com outras categorias. Determinar que um gol só possa ser feito
após todas as meninas terem tocado na bola, ou autorizar apenas
as meninas a marcá-los, são exemplos dessas adaptações. Se tais
regras solucionam um problema, criam outros, pois quebram a
dinâmica de jogo e, em última instância, as meninas são culpadas
por isso, pois foi para elas que as regras foram modificadas.

Como estratégia para o dissenso instalado e com o objetivo de diminuir


as representações já dadas tanto por meninos como por meninas, uti-
lizei os questionamentos citados no relato “Futebol e representações
sociais na escola”, do livro Educação Física e culturas: ensaios sobre a
prática (Neira; Lima; Nunes, 2012).

• Por que será que, no futebol, os meninos, de modo geral, são mais
habilidosos e as meninas menos?
• Quais são as influências que recebemos desde criança que nos tor-
nam diferentes para a prática dessa manifestação?

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As respostas dadas pelos alunos foram próximas às mencionadas na-
quele texto: as meninas brincam mais de boneca e de casinha, e os me-
ninos mais de bola e carrinho, o que deixa claro o que é determinado
socialmente para meninas e meninos.

Importantes também, durante o trabalho com essa temática, foram os


jogos relacionados ao futebol citados pelos alunos e vivenciados por to-
dos. Surgiram nas rodas de conversa jogos como “melê”, “linha”, “gol
caixão” e “artilheiro”, entre outros, com grande destaque para o “gol
a gol”. Nessa atividade, em que se joga individualmente, um contra o
outro, ou em dupla, uma contra a outra, houve a reconstrução do jogo
em função do número de alunos: 1) equipes compostas de dezesseis 87
alunos cada; 2) aumento do tamanho do gol; 3) aumento do tamanho da
área; 4) chutes alternados entre meninos e meninas da mesma equipe;
5) inclusão de mais bolas.

Após o “gol a gol”, em que puderam reinventar e experimentar suas


próprias produções, estimulei-os a participar como leitores e intérpre-
tes da gestualidade, sugerindo modificações e levando o grupo a ela-
borar novas formas de brincar de futebol. Isso ficou explícito no jogo da
rebatida e em outros jogos ligados ao futebol, quando, ao explicarem
as regras das brincadeiras, percebiam que muitas vezes elas diferiam
umas das outras. Os estudantes, então, separados em grupo, deter-
minavam a maneira mais apropriada para a vivência da brincadeira,
adequando-a à realidade escolar.

Cabe ressaltar também que um aluno, durante essa apresentação, men-


cionou o showball, apresentado com frequência pela mídia e que tem
como característica a não utilização do arremesso lateral – o atleta pode
utilizar a tabela contra a parede como recurso. As regras foram discutidas
e postas em prática pelos estudantes, e os jogos contaram com a presen-
ça de árbitros e técnicos, papéis desempenhados pelos próprios alunos.

O processo citado denomina-se ressignificação das práticas corporais,


o que, de acordo com Neira (2011, p. 129),

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implica atribuir novos significados a um artefato produzido em ou-
tro contexto com base na própria experiência cultural. Trata-se de
posicionar os alunos na condição de sujeitos históricos e produto-
res de cultura, em condições semelhantes ao que ocorre em gran-
de parte das experiências humanas. Na vida cotidiana, a atribuição
de significados a objetos, posturas, discursos, conceitos etc. é algo
constante. Pode-se flagrar o fenômeno em inúmeras ocasiões. A
ressignificação não tem qualquer controle, pois não há como pres-
supor quais serão os significados atribuídos quando os sujeitos se
deparam com os artefatos culturais oriundos de outros grupos.

88 Durante o desenrolar das atividades, os alunos realizaram uma pes-


quisa com os pais sobre as brincadeiras vivenciadas por eles na infân-
cia. Poucos entregaram a pesquisa no prazo estabelecido, alegando
que não foi possível fazer a atividade porque ficam na escola o dia todo
e veem muito pouco os pais.

Na aula seguinte, os estudantes receberam uma charge e foi propos-


to que fizessem uma leitura listando as brincadeiras do patrimônio
cultural que haviam sido retratadas nela. À medida que faziam sua
lista com os jogos e brincadeiras em evidência, solicitei que a compa-
rassem com a dos colegas. Das atividades retratadas, a que mais me
chamou a atenção foi “pular corda”: alguns meninos consideraram a
brincadeira exclusiva das meninas, repetindo as considerações feitas
durante a vivência do futebol. A estratégia utilizada para o dissenso
novamente instalado foi a retomada da discussão das representações
sociais presentes durante a vivência da brincadeira “futebol”. Como
salienta Ribeiro (2006, p. 163),

nas interações cotidianas no meio infantil, os atores sociais apre-


sentam classificações que atendem aos tipos ideais na definição
do que seja o comportamento adequado e esperado de meninos
e meninas. Eles reproduzem as informações transmitidas pelos
adultos, reelaboram e criam ideias sobre a maneira de ser e agir
das pessoas com quem dialogam e convivem, iniciando um ciclo

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em que surgem as construções sociais mais sofisticadas sobre
sexo e gênero, sob formas simbólicas de gestos, modos de andar
e falar, brincadeiras de erotização do corpo.

Outra maneira que achei interessante para aprofundar e ampliar os


conhecimentos dos estudantes sobre as brincadeiras foi articular o
trabalho com as professoras orientadoras de estudos, organizando
uma pesquisa com os alunos no laboratório de informática do cen-
tro educacional. A princípio os alunos deveriam acessar o site (www.
mapadobrincar.com.br) ou mesmo o Google e garimpar diferentes
brincadeiras, inclusive indígenas e de outras culturas. Após um tem-
po, deveriam registrar no caderno a atividade que mais lhes agradara, 89
para que, posteriormente, pudessem expô-la para os demais colegas.
Quando todos os integrantes tivessem relatado sua atividade, o grupo
escolheria uma para ser vivenciada com toda a classe.

O retorno dado pela classe foi significativo, pois todos participaram da


pesquisa. No entanto, as atividades apresentadas pouco se diferencia-
vam das já vivenciadas anteriormente; por exemplo, muitas das ativi-
dades escolhidas eram variações do pega-pega e da queimada. Alguns
alunos trouxeram a peteca, brincadeira de origem indígena observada
nos momentos de entrada/saída e intervalo dos alunos, quando reba-
tiam bolinhas de papel em grupos. Nesse ponto, é importante enfatizar
dois aspectos observados pelos alunos durante a socialização das pes-
quisas. O primeiro foi que, apesar de serem muitos diferentes umas das
outras, na maioria das comunidades indígenas predominam brincadei-
ras realizadas na natureza; o segundo, que os brinquedos são feitos
de materiais retirados da floresta, motivo importante para os alunos
estabelecerem diferenças e semelhanças entre eles e os seus próprios.

É preciso frisar que os alunos que relataram a brincadeira de peteca


aos demais colegas se preocuparam em pesquisar como os indígenas
confeccionavam esse objeto, de modo que posteriormente pudesse
ser produzido pelos próprios estudantes. Descobriram que eles cons-
truíam seus brinquedos com palha de milho seca, o que tornou inviá-

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90

vel a produção com esse material. Foi então que, inspirados em suas
bolinhas de papel e em imagens vistas na internet, resolveram criar
suas próprias petecas.

Durante a realização da brincadeira pelos alunos, lembrei-me das pe-


tecas que minha avó fazia, quando, na infância, eu ia com minha família
passar os feriados na casa dela, que ficava em um sítio. Foi interessan-
te mostrar a eles as duas petecas que ela fez para mim: eram de palha
de milho seca e penas de galinha.

Cabe ressaltar que esse fato me levou a pesquisar a origem da palavra


“peteca”. Ela vem do tupi, pe’teka, que significa “bater com a palma da
mão”, nome de um brinquedo feito pelos indígenas com palha seca de
milho, que em Minas Gerais é um esporte reconhecido e muito pratica-
do, destacando a influência indígena na nossa cultura.

O trabalho com a peteca foi de extrema importância para evidenciar


a prática pedagógica do currículo cultural da Educação Física, princi-

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palmente quando as atividades estiveram voltadas para aprofundar e
ampliar os conhecimentos. Para Neira (2011, p. 135),

aprofundar os conhecimentos significa conhecer melhor a mani-


festação corporal objeto de estudo. Procurar desvelar aspectos
que lhe pertencem, mas que não emergiram nas primeiras leitu-
ras e interpretações.

A brincadeira do taco, ou bets, também foi significativa, pois as manei-


ras de jogar expostas pelos alunos eram diferentes umas das outras.
Para alguns alunos, o jogo de taco termina em 12 pontos; para outros,
termina em 24 pontos, contabilizando-se 2 pontos a cada cruzada de 91
tacos no meio de campo. Havia muita controvérsia nas regras quanto à
possibilidade de a dupla não detentora do taco passar a rebater, o que
provocou muitas discussões durante os jogos. Foi então que procurei
na internet as regras do jogo de taco, o que levou todos, por meio dos
registros e em roda de conversa, a concordar que há nas mais diferen-
tes regiões do Brasil formas e nomenclaturas diferentes para a mesma
brincadeira. Para Neira (2011, p. 135),

ampliar os conhecimentos implica recorrer a outros discursos e


fontes de informação, preferivelmente, àqueles que trazem olha-
res diferentes e contraditórios com as representações e discur-
sos acessados nos primeiros momentos.

Quanto à avaliação, cabe ressaltar que, no currículo cultural, ela não


deve ter somente um caráter de atribuição de nota, e sim facilitar a
retomada do processo para a socialização, a discussão em sala de aula
e o redirecionamento da ação educativa (Neira, 2011). Dessa forma,
desde o início do trabalho, foi ressaltada a necessidade do registro. Ao
final de cada aula, um grupo ou um membro do grupo registraria o que
havia acontecido em aula. Foi combinado que deveriam observar, nas
aulas, os acontecimentos e os possíveis conflitos, e não só atentar para
quem “ganhou” ou “perdeu” a brincadeira. Esse procedimento didático
foi importante para mantermos a continuidade das vivências e o que

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os alunos pensaram ou haviam observado nas aulas. O registro, além
de situar os estudantes, possibilitava-nos identificar seu percurso de
aprendizagem, além de uma intervenção pontual em possíveis confli-
tos presentes durante as aulas, desnaturalizando alguns fatos sociais.
Isso ficou evidente durante a brincadeira da queimada, do futebol e do
pular corda, pois, ao interpretarem essas manifestações, pôde-se ve-
rificar a relação de poder que eles atribuíam a essas práticas. Muitos
alunos consideravam a habilidade na queimada como a única condição
para se brincar, o futebol como espaço exclusivo dos meninos e ainda
o pular corda como espaço exclusivo das meninas. Essas interpreta-
ções, isto é, os significados que eles atribuíam a essas práticas, foram
92 importantes para verificar que os alunos estavam sendo influenciados
por preconceituosas representações de gênero.

Buscando desconstruir representações hegemônicas, os estudos cul-


turais pretendem criar condições para que grupos subjugados tenham
espaço no currículo escolar e, recorrendo à pedagogia do dissenso, já
citada, pudemos verificar as mudanças de representações sociais dos
alunos acerca das manifestações da cultura corporal, principalmente
no que tange aos registros realizados pelos alunos e o comportamento
apresentado por eles em atividades posteriores.

Outra forma de avaliação utilizada foi o registro fotográfico feito por mim,
que culminou no final do projeto na construção de um painel com todas
as brincadeiras vivenciadas pelos alunos. Este painel ficou exposto na
escola para que os colegas de outras salas pudessem apreciar. Por fim,
inspirados no painel, os alunos deveriam registrar suas considerações
sobre suas impressões referentes à manifestação da brincadeira.

Comentário do professor autor do relato

“Durante o desenvolvimento do projeto, pude perceber que a área de co-


nhecimento de Educação Física está atrelada às manifestações hegemô-

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nicas masculinas, o que me causou certo receio durante o trabalho com
algumas vivências, principalmente no que tange à quebra de preconceitos.
Como os estudos culturais se posicionam a favor dos subjugados e dos
excluídos, não reproduzimos, durante as brincadeiras, os discursos domi-
nantes, e sim construímos outras possibilidades de vivenciar as atividades
em que meninos e meninas estivessem juntos, sem separação por sexo.
Concluí, após o desenvolvimento deste relato, que, como a turma não se
livrou dos preconceitos verificados no início do projeto, há a necessidade
de intensificar essas discussões em trabalhos posteriores, porém obser-
var que as meninas e principalmente os alunos menos habilidosos apre-
sentavam-se mais dispostos para as aulas foi de extrema importância, pois
todos aprofundaram e ampliaram seus conhecimentos sobre brincadeiras, 93
o que ficou nítido em seus registros.”

8.2. GINÁSTICA: 6o ANO DO ENSINO


FUNDAMENTAL

Cidade: São Paulo

A partir de leituras e discussões realizadas no grupo de estudos para


a elaboração do caderno de orientações didáticas para a rede Sesi-SP,
entre 2011 e 2012, senti-me motivada a intervir em minha prática edu-
cativa, a fim de mobilizar o grupo de estudantes da unidade onde lecio-
no a partir de um currículo com enfoque cultural da Educação Física,
na qual o ser humano passa a ser entendido de forma mais ampla,
onde “se liberta dos pressupostos biológicos de outros tempos e passa
a ser concebida como forma de linguagem, uma linguagem não verbal
que expressa significados culturalmente estabelecidos” (Neira; Nunes,
2009b, p. 7).

Para isso, inicialmente realizei um mapeamento na escola do Sesi-SP


onde leciono, com alunos dos 6os anos, no primeiro semestre de 2012,

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com o objetivo de identificar as práticas corporais que permeiam o
universo social dos estudantes. Esse levantamento foi feito oralmente
com todas as turmas e registrado em forma de tabela: de um lado fo-
ram listadas todas as práticas corporais realizadas por eles nos anos
anteriores e do outro o que gostariam de vivenciar ao longo do ano. A
única orientação dada foi que eles poderiam pensar em qualquer prá-
tica da cultura corporal, priorizando aquelas que não tinham sido con-
templadas em anos anteriores.

Após o levantamento realizado, cada turma montou e fixou sua tabela


no mural da sala. Em outra aula, buscando verificar fora do ambiente
94 escolar quais as práticas que os alunos vivenciam ou presenciam na
proximidade de sua moradia, bem como os espaços disponíveis para
a prática esportiva, foi enviado como tarefa de casa um questionário
simples, com três questões para serem respondidas junto com um fa-
miliar. A seguir apresentamos as perguntas do mapeamento:

a) Em qual bairro você mora?


b) Quais práticas corporais estão mais presentes em seu bairro?
c) Quais os espaços disponíveis no seu bairro para as práticas da cul-
tura corporal?

Tais questionamentos, além de proporcionarem a oportunidade de me


aproximar dos conhecimentos dos estudantes, também possibilitaram
a eles vislumbrar a complexidade e variedade das diferentes manifes-
tações corporais, despertando sua curiosidade e interesse.

Por meio desse questionário, evidenciou-se que grande parte dos alu-
nos reside em bairros diversos e distantes da escola; que os espaços
disponíveis para a prática das manifestações corporais se concentrava
em parques, quadras, clubes e praças; e que as atividades mais prati-
cadas em seus bairros/comunidades eram: futebol (67,5%), caminhada
(27,5%) e vôlei (27,5 %), sendo que os alunos relataram oralmente que
poucos familiares participavam dessas práticas corporais.

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Durante o registro do mapeamento verifiquei uma grande abrangência
de práticas corporais disponíveis na região e a vontade de aprender o
diferente, o novo. Algumas das respostas obtidas nos relatos foram:
pipa, taco, beisebol, estrela-maluca, tênis, pebolim, corda dupla, bam-
bolê, música/dança, queimada com duas bolas, plantar bananeira,
elástico, lutas, frescobol, fut-pano, estrelinha, pingue-pongue e pega-
-pega fruta, entre outros.

Como apenas três alunos (7,5%) relataram existir algum tipo de prática
de ginástica em seu bairro e da maioria deles demonstrar interesse em
realizar atividades relacionadas à ginástica – ao citarem que gostariam
de realizar atividades como estrelinha, bambolê, plantar bananeira etc. 95
–, o tema “ginástica” foi escolhido para ser desenvolvido com os alunos.
A partir disso, selecionei as seguintes expectativas de aprendizagem:

• Vivenciar e aprofundar os conhecimentos com relação às variações


de determinada modalidade de ginástica (natural, rítmica, acrobá-
tica, artística, aeróbica, circense, geral etc.).
• Compreender os marcadores sociais (classe social, gênero, etnia,
religião etc.) que estabelecem distinções na sociedade e como eles
influenciam as manifestações das diferentes ginásticas.
• Pesquisar, conhecer e vivenciar diferentes modalidades de gi-
nástica (em diferentes culturas), analisando suas semelhanças
e diferenças.

Iniciei a aula com uma roda de conversa questionando quais tipos de gi-
nástica os alunos conheciam e quais já tinham visto ou vivenciado. Após
essa roda de conversa inicial, vários tipos de ginástica surgiram nas
falas dos alunos, tanto as competitivas e exibidas com maior frequência
pelas mídias (“aquela ginástica com fita”, “ginástica com bola e músi-
ca”, “saltos”, “aquela em que ficam pendurados”) como as “não” com-
petitivas (“ginástica na academia", "musculação”). Nesse momento,
percebi que os alunos não sabiam as diferenças entre elas e que seria
o momento ideal para maiores esclarecimentos. Em seguida, realizou-
-se a leitura de imagens extraídas de revistas e jornais, relacionando os

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tipos de ginástica citados pelos alunos com as fotos visualizadas. Foram
apresentadas fotos da ginástica rítmica, artística e geral, com atletas
tanto do gênero masculino como do feminino. Nesse momento, busquei
tematizar a prática da ginástica com foco nas questões de gênero que
permeiam essa manifestação corporal.

Partiu-se para uma primeira atividade prática na qual os alunos rea­


lizaram, individualmente e em duplas, exercícios de alongamento,
equilíbrio e flexibilidade, seguidos de um pega-pega denominado “raio
laser”, no qual os alunos teriam que saltar uma corda em baixa altura
(o raio laser) segurada por dois outros alunos (no caso, os pegadores).
96
Retomei as discussões da aula anterior com uma roda de conversa
sobre a ginástica de competição, em que foram levantadas questões
como: o que é ginástica de competição? O que é uma competição? O que

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eles achavam dos movimentos realizados pelos atletas? Tanto meninas
como meninos fazem ginástica? A partir desses questionamentos, pro-
curamos estabelecer diferenças entre a ginástica rítmica e a artística.

Em seguida, foi lançado aos alunos o desafio de caracterizarmos e


diferenciarmos a ginástica competitiva da ginástica não competitiva
(denominada neste trabalho de ginástica geral). Alguns pontos foram
levantados pelos estudantes buscando diferenciar os tipos de ginásti-
ca, como: número de participantes, presença e ausência de música e
regras, espaços onde as práticas são realizadas e premiação tanto da
ginástica competitiva (GC) quanto da ginástica geral (GG). Após assis-
tirmos a alguns vídeos no laboratório de informática educacional (LIE) 97
sobre competições de ginástica rítmica, artística e geral, e também ví-
deos de apresentações de estudantes de faculdades, iniciamos a cria-
ção do quadro comparativo a partir da interpretação dos alunos. Houve
a preocupação de apresentar vídeos com atletas de ambos os gêneros
(masculino e feminino) a fim de desconstruir possíveis estereó­tipos
presentes nos discursos discentes.

A partir da análise dos vídeos, os alunos conseguiram vislumbrar algu-


mas características das ginásticas de competição e da ginástica geral.
Ao apresentar o vídeo da GR (apresentação em grupo da seleção bra-
sileira feminina com o elemento bola), perguntei por que essa ginás-
tica era considerada de competição e eles responderam prontamente:
“porque era um campeonato”, “porque usavam uniformes e faziam
movimentos iguais”. Já com relação ao vídeo da apresentação da gi-
nástica geral, comentaram: “tinha um monte de gente”, “os movimen-
tos não eram iguais”, “usaram até fantasias”.

Questionei, então, se nos vídeos eram apenas meninas que faziam


ginástica, e todos responderam que não, que nos vídeos apareciam
vários homens praticando a modalidade. Também comentaram em re-
lação à ginástica masculina que “os atletas são muito fortes!”. Além
disso, outros pontos foram tomados para a reflexão, como:

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• o número de pessoas que estão praticando;
• as características de um campeonato;
• os movimentos mais realizados pelos participantes;
• os espaços onde se pode praticar a modalidade;
• as vestimentas.

A partir do encaminhamento desses pontos, os alunos elaboraram


o quadro:

Ginástica competitiva (GC) Ginástica não competitiva/


geral (GG)
98 Número de participantes limitado Número de participantes ilimitado
Regras fixas Regras flexíveis
Espaços específicos para sua prática Espaços não específicos
Existem competições, premiações e Podem existir competições, mas em
salários forma de apresentações
Movimentos iguais/perfeitos Movimentos nem sempre são iguais
Presença de uniforme Fantasias ou qualquer roupa
Ex.: ginástica rítmica e Ex.: ginástica geral
ginástica artística

Em outra aula, partindo de observações de imagens e demonstrações


da professora, os alunos foram desafiados a ressignificar movimentos
como a posição do avião, o carrinho de mão, o máximo de alongamento
corporal, exercícios de coordenação motora e agilidade, bem como po-
sições específicas da ginástica competitiva (posição grupada, carpada,
carpada-afastada e estendida).

Ao final da aula, conversamos sobre os movimentos realizados e as


muitas possibilidades corporais existentes dentro das ginásticas. Os
alunos ressaltaram a flexibilidade que as meninas praticantes de balé
tinham: “Olha, professora, como a Maria consegue abrir as pernas”,
“Olha até onde a Glória consegue levantar a perna”. E esse foi o mo-
mento de conversarmos um pouco sobre o processo de treinamento,

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que por meio dele as capacidades físicas vão melhorando e, conse-
quentemente, o desempenho do nosso corpo também. Aproveitei o
interesse dos alunos e citei também os malefícios causados pela espe-
cialização esportiva precoce, como, por exemplo, as modalidades com-
petitivas que exigem um alto padrão técnico e o número excessivo de
repetições que podem gerar lesões. Salientei que, diferentemente da
GC, a GG pode ser praticada sem esse grau de aprimoramento físico e
horas de treinamento e ainda como forma de os grupos comunicarem
sua cultura, ou seja, o que gostam de fazer nos momentos de lazer.

Na aula seguinte, organizei um circuito com atividades envolvendo sal-


tos, giros, equilíbrio e deslocamentos laterais de forma isolada e combi- 99
nada. Os alunos, então, exploraram materiais como a bola, fitas, massas,
cordas individuais e bambolês (arcos), manipulando cada um deles por
um tempo determinado, sem a realização de uma atividade predetermi-
nada, sendo estimulados a criar movimentos com os objetos.

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Nesse dia, uma aluna questionou: “Por que pulamos corda na Educação
100 Física? O que isso ajuda no nosso corpo?”. Expliquei que os elementos
(materiais) podem ser utilizados nas ginásticas (principalmente na gi-
nástica rítmica – de competição) e que os movimentos realizados na
aula estão presentes nos diversos tipos de ginástica, inclusive o saltar
pulando corda. Então um aluno levantou a mão e disse: “Professora,
na semana passada eu fui ao Parque do Ibirapuera e vi várias pessoas
pulando corda, eles realizavam umas manobras muito legais”.

A partir dessa fala, perguntei se eles sabiam o nome dessa modalida-


de e todos disseram que não. Então, respondi que se tratava do rope
skipping e solicitei que pesquisassem para a próxima aula algo sobre
a modalidade.

Os alunos trouxeram, então, algumas figuras e textos sobre o rope skip-


ping. A fim de ampliar essa pesquisa, apresentei vídeos de um grupo da
cidade de São Paulo chamado Pé de Molas, que pratica o rope skipping,
esporte que utiliza cordas (elementos presentes no universo infantil) na
construção de apresentações com saltos e manobras, além de incor-
porar diversos movimentos da dança e da ginástica. E, sobre os vídeos,
indaguei: esse grupo está realizando ginástica? E eles responderam
positivamente. Perguntei por qual motivo e eles responderam que era
a ginástica geral, pois realizavam em qualquer espaço e não tinham
regras, mas estavam saltando, girando e usando cordas.

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Organizei algumas vivências de ginástica com a utilização de cordas e
elásticos. Nesse momento, os meninos começaram a conversar e um
deles comentou: “Mas pular corda e elástico é coisa de menina, deixa
a gente fazer outra coisa...”.

Perguntei: por que é de menina? E o aluno: “Porque só elas brincam”.


Então respondi que só as meninas brincavam porque eles talvez não
soubessem brincar e que precisariam aprender ou conhecer, assim
como as meninas também necessitariam aprender algumas brinca-
deiras que elas ainda não conheciam e que só os meninos costumam
brincar. Nesse momento, retomei os vídeos visualizados sobre o rope
skipping, em que muitos meninos pulavam corda. 101

Em seguida, os alunos foram divididos em quatro grupos e praticaram


as etapas da brincadeira com elástico. Ao longo da aula, alguns me-
ninos me chamavam para mostrar, “orgulhosos”, que tinham apren-
dido e estavam conseguindo saltar. Todos os alunos se envolveram e
participaram da aula. Por fim, retomei a questão do gênero instigando
os alunos a comentar o que acharam da atividade e se ela era apenas
para meninas, e eles responderam que a aula tinha sido muito legal e
concluíram que todos podem participar e aprender coisas novas, inde-
pendentemente do gênero.

Ainda para aprofundar a temática sobre gênero na ginástica, a aula


foi iniciada com a leitura da reportagem do atleta Arthur Zanetti1, que
afirmou que ainda hoje existe o preconceito quanto à prática masculina
nesse esporte. Questões como preconceito e sexualidade na ginástica
foram discutidas com a turma.

Posteriormente, após realizarmos algumas vivências práticas, os alu-


nos foram convidados a realizar pequenas apresentações de ginástica.
A turma foi dividida em quatro grupos, que foram orientados a montar

1 Fonte: <http://olimpiadas.ig.com.br/2012-08-06/zanetti-espera-que-medalha-de-ouro-acabe-com-
preconceito-aos-ginastas-masculinos.html>.

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uma pequena apresentação de ginástica com os elementos e movi-
mentos que tinham realizado e/ou visto nas aulas ou vídeos anteriores.
Relembrei os movimentos mais utilizados, como saltos, giros, posições
de equilíbrio, lançamento e recuperação de material, entre outros, e
estabeleci alguns critérios como forma de avaliação: utilização de
quatro movimentos diferentes combinados de forma rítmica acompa-
nhados de aparelhos ou não; ter duração mínima de dois minutos e
utilização de três formações diferentes, como círculos, filas, colunas,
triângulos etc.; e planos – baixo, médio e alto.

Os alunos puderam escolher entre os materiais bola, corda e arco


102 para realizar suas apresentações. Poderiam também optar por não
utilizar material. Além disso, tiveram o tempo de duas aulas para
a programação/preparação e o ensaio de suas apresentações para a
aula seguinte.

Organizamos uma mostra destinada às apresentações preparadas pe-


los grupos. Para essas apresentações não foram utilizadas músicas.
Em roda de conversa final, foi questionado o que os alunos sentiram
dessa apresentação e o que cada grupo poderia fazer para melhorar.
Alguns alunos se manifestaram e disseram que “teve gente que não
ajudou e nos ensaios só ficava conversando e na hora não sabia o que
fazer”, “poderia ser melhor se a gente treinasse mais”, “eu gostei
de fazer”, “não fizemos os movimentos juntos” etc. Questionados se
poderíamos então fazer ginástica na escola, todos foram unânimes em
dizer que sim!

O registro das aulas se deu por meio de desenhos e de algumas fo-


tos da apresentação e da sala de informática. Os alunos produziram
ilustrações que retratassem os movimentos presentes nas ginásticas,
bem como suas relações com as capacidades físicas (tema já estudado
anteriormente), como nos exemplos a seguir:

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Para ampliar os saberes dos educandos, apresentei um vídeo denomi-
nado Jump in, que aborda a questão de gênero e os movimentos com 103
o elemento corda. Os alunos se empolgaram e, depois disso, o pular
corda tornou-se um desafio a ser superado diariamente.

Analisando o processo de ensino e aprendizagem da forma como foi rea­


lizado, pude perceber um maior empenho e motivação das turmas na
realização das atividades propostas, uma vez que os alunos puderam
protagonizar esse processo por meio da contribuição desde o planeja-
mento, com as pesquisas, os relatos orais, a seleção e a criação tanto
de movimentos como de uma compreensão mais ampla sobre o tema
“ginástica”, o que tornou o trabalho muito mais rico e prazeroso.

Nesse sentido, o aluno torna-se parte integrante do processo, que não


implica a simples aceitação passiva de quaisquer conteúdos, mas va-
loriza seus conhecimentos, opiniões e diferença cultural e estabelece
relações mais democráticas, de forma a proporcionar uma maior va-
riabilidade e integração dos conteúdos, aproximando-os das experiên-
cias dos estudantes; o professor é o interlocutor desse processo ao
contribuir com experiências pessoais a serem agregadas às aulas.

Os procedimentos adotados visaram, principalmente, atentar para a


exploração da diferença cultural presente na comunidade escolar de
forma a reconhecer e valorizar a multiplicidade de identidades presen-
tes no território escolar.

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Comentário da professora autora do relato

“Realizar o relato de uma prática sempre é muito difícil para um professor,


pois desde o início queremos que tudo dê certo... No entanto, diante dessa
proposta, não temos todas as aulas fechadas e claras nem na cabeça nem
no papel, o que me dava muito mais medo. Após o mapeamento inicial, a
escolha do tema já foi difícil, pois não tenho nenhuma familiaridade com
a ginástica, mas foi então que me envolvi e me propus a trabalhar o novo
também para mim. Foi gratificante, não foi fácil, necessitei realizar diver-
sas pesquisas para conseguir trabalhar durante as aulas e compreender
essa manifestação, mas no final de tudo me senti realizada em ver prin-
104 cipalmente a participação e o envolvimento dos alunos durante as aulas!”

8.3. ESPORTE: 1o ANO DO ENSINO MÉDIO

Cidade: Santa Bárbara d’Oeste

Este projeto foi desenvolvido entre os dias 10 de fevereiro e 3 de agos-


to de 2012, com os alunos do 1o ano do Ensino Médio A, do Sesi-SP de
Santa Bárbara d’Oeste. Essa turma tem 32 alunos e apenas uma aula
semanal de Educação Física, com duração de 50 minutos, tendo sido
necessárias 24 aulas para a realização do projeto.

Como ponto inicial das ações didáticas, expliquei aos alunos que rea­
lizaríamos um projeto de estudo partindo das práticas corporais de
movimento existentes na comunidade em que eles moravam. Na se-
quência, iniciei o mapeamento pedindo aos alunos que falassem quais
eram as práticas corporais que ocorriam no entorno escolar e fui re-
gistrando as respostas na lousa. Nesse momento, os alunos sugeriram
estudar atividades que eles não praticavam, mas que tinham interesse
em aprender. Acatei essa iniciativa e, quando os alunos perceberam
que tinham a liberdade de escolha, um deles falou: “Vamos pedir o

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futebol, assim vamos jogar bola nas aulas”. Intervim, retomando que o
grupo tinha sugerido a proposta de estudar modalidades que ainda não
haviam sido vivenciadas nas aulas de Educação Física.

Os alunos, então, mencionaram as seguintes práticas da cultura cor-


poral: tênis de campo, judô, dança do ventre, ginástica artística, caratê,
bets, futebol, jiu-jítsu, muay thai, natação, paintball, kickboxing, rúgbi,
beisebol e handebol.

Entre as práticas elencadas, foi escolhido o tênis de campo, por meio


de votação. Percebi que os alunos foram motivados pela curiosidade,
pois a maioria deles nunca tinha vivenciado a modalidade, nem mes- 105
mo fora da escola. É importante frisar que a modalidade de tênis de
campo, além de nunca ter sido estudada, foi eleita principalmente por
estar atrelada ao objetivo geral de “analisar criticamente os produtos
comerciais e os discursos midiáticos acerca das manifestações da cul-
tura corporal”. Para o desenvolvimento do trabalho, busquei tematizar
o tênis de campo relacionando sua prática a fatores econômicos.

Nesse dia, definimos o que aprenderíamos nas próximas aulas; então


perguntei aos alunos o que era importante conhecer para estudar e vi-
venciar o tênis de campo e eles disseram: “As regras, os tipos de tênis
existentes e os fundamentos da rebatida e do saque”.

Selecionei, então, as seguintes expectativas de aprendizagem para o


trabalho:

• Identificar, analisar e vivenciar os esportes em diferentes possibi-


lidades de espaço, número de participantes, formação das equipes
ou grupos de trabalho, construindo coletivamente formas de adap-
tar a modalidade tematizada às demandas do grupo, respeitando o
conceito de justiça curricular.
• Identificar as formas de produção (mídias), consumo (materiais e
programas esportivos) e regulação (discursos acerca de seus be-
nefícios) das modalidades esportivas e sua distribuição em con-

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formidade com a divisão de classes sociais, gênero, raça, etnia e
religião, entre outros marcadores sociais, verificando suas possi-
bilidades de acesso, bem como os custos dessa participação.

Solicitei aos alunos que colhessem informações sobre o tênis na in-


ternet, com base nos seguintes itens: tipos de tênis existentes; regras
básicas do jogo; fundamentos de saque e rebatida.

Na aula seguinte, perguntei quem havia realizado a pesquisa e seis alu-


nos responderam positivamente. Pedi a eles que socializassem os dados
coletados e fomos para a quadra, para vivenciar a modalidade. Separei
106 para a aula o material de minitênis que havia disponível na escola.

Realizamos, em duplas, a rebatida e o saque sem o uso das redes.


Os alunos escolhiam um espaço na quadra e aumentavam a distân-
cia entre eles quando se tornava fácil a realização dos fundamentos.
Em determinado momento da aula, um aluno explicou como fazer o
saque e disse que sua referência foram os jogos a que ele tinha as-
sistido na televisão.

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No final da aula, realizamos a avaliação da vivência e os alunos levan-
taram que a maior dificuldade foi acertar a bolinha. Sugeri aos alunos
que, em vez de olhar para onde gostariam de mandar a bolinha, olhas-
sem para a bola até acertá-la com a raquete, tanto na rebatida como
no saque. Definimos que seria necessário vivenciar mais esses funda-
mentos nas próximas aulas, pois os alunos constataram que acertar a
bola era fundamental para conseguir jogar.

As três aulas posteriores foram dedicadas à vivência dos fundamentos


pelos alunos a partir de dois exercícios: enquanto metade da turma
vivenciava o tênis em duplas na rede, a outra metade realizava o exer-
cício da primeira aula (rebatida e saque sem a ultrapassagem da rede). 107

Percebi que nessas aulas os alunos evoluíram muito tecnicamente e foi


possível notar que as jogadas passaram a demorar mais, ou seja, a bola
ficava em jogo por mais tempo. Essa comparação foi feita em relação
aos próprios alunos no primeiro dia de aula. Para a semana seguinte,
lancei então um desafio: montar a rede de vôlei baixa e fazer o jogo
utilizando as linhas da quadra.

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Minha proposta a princípio era fazer o jogo individual na quadra maior,
mas identifiquei que não deu certo, já que os alunos corriam demais e não
estavam obtendo sucesso. Conversando com eles, um dos estudantes
sugeriu vivenciar a modalidade em duplas, do mesmo modo que haviam
feito no minitênis. Em duplas, o tamanho do campo passou de proble-
ma para desafio, pois os alunos viram que era possível jogar, sendo ne-
cessário esforçarem-se um pouco mais. Essa estratégia possibilitou, no
momento, a ressignificação do jogo, adaptando-o às condições do grupo.

Solicitei a uma das alunas, impossibilitada de participar das vivências


por motivos médicos, que observasse quais eram as facilidades e as
108 dificuldades que os alunos encontravam durante o jogo. Ela produziu
um texto, apresentando suas impressões:

Durante as aulas pude observar algumas dificuldades em ambas as


partes. As meninas encontram algumas dificuldades no saque e nas
rebatidas durante o jogo de quadra inteira. Nos treinos de quadras pe-
quenas, elas mostraram mais “segurança” em relação às rebatidas.
No jogo de quadra inteira, elas não conseguem chegar à bolinha e
muitas vezes no saque a bolinha não atravessa a rede. Algumas meni-
nas rebatem muitas vezes com a raquete ao contrário, assim fazendo
o movimento errado e também não usando a força necessária para a
bolinha atravessar a rede. Quanto aos meninos, pude observar mais
facilidades em relação a saque e rebatidas, mas ainda tem alguns que
têm certa dificuldade em relação à rebatida, pois não conseguem fazer
com que a bolinha atravesse a rede. Observando as aulas, os treinos
nas quadras pequenas e na quadra grande, notei que as dificuldades
aparecem com maior frequência durante o jogo da quadra maior.

No fim da aula, fizemos uma roda de conversa e pedi à aluna que com-
partilhasse sua avaliação. Foi interessante porque alguns alunos reco-
nheceram e concordaram com as observações e se comprometeram a
se esforçar. Pedi aos alunos que pensassem em exercícios que ajudas-
sem os colegas com as dificuldades apontadas pela aluna.

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Na aula seguinte, reservei um tempo para que os alunos discutissem
as sugestões de atividades e o grupo definiu dois exercícios:

1. O aluno podia deixar a bola dar dois pingos no chão antes de reba-
ter para ultrapassar a rede.
2. Espalhar cones no chão em distâncias diferentes tendo como obje-
tivo acertar a bola (partindo do mais próximo ao mais distante) na
mesma direção deles, com a técnica do saque.

Durante os exercícios, percebi a melhoria dos fundamentos técnicos


e, como consequência, o jogo ficou mais fluente. Por conta dessa evo-
lução, avisei aos alunos que na aula seguinte faríamos uma reflexão 109
sobre o tênis no Brasil e, depois, uma avaliação escrita sobre os conhe-
cimentos trabalhados até o momento.

Na aula seguinte, levei o texto “Realidade socioeconômica dos prati-


cantes de tênis de campo no programa Segundo Tempo do Ministé-
rio do Esporte no Núcleo de Ponte Alta/SC”2, que discute a história da
modalidade, o aumento da demanda após as conquistas de Gustavo
Kuerten, o Guga, a intenção de popularizá-lo por parte do Ministério do
Esporte e os benefícios à saúde.

Começamos o trabalho fazendo a leitura individualmente, e a seguir re-


gistrei na lousa as ideias que os alunos acharam importantes no texto:

• jogo de elite – comunidades carentes – classes sociais;


• Guga – massificação;
• investimento do governo federal;
• Império Romano – jogo do balão – história;
• benefícios e danos à saúde;
• material adequado e adaptado;
• tênis na escola – benefícios.

2  Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/realidade-socioeconomica-dos-praticantes-


de-tenis-de-campo-do-programa-segundo-tempo-do-ministerio-do-esporte-no-nucleo-de-ponte-
alta-sc/16008/>.

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Após esse mapeamento, começamos as discussões dos tópicos anterio-
res e retomamos a relação entre esporte e saúde, tema já abordado em
estudos anteriores. Durante o debate, uma aluna comentou sobre a im-
portância dos projetos sociais organizados pelo poder público para que
pessoas de classe baixa possam ter acesso ao esporte e que na nossa
escola isso foi possível por conta do Projeto Minitênis, que tem um ma-
terial com baixo custo, uma vez que os materiais para essa prática são
caros. Perguntei se eles sabiam os valores exatos deles e alguns alunos
arriscaram palpites. Em seguida, solicitei a eles que pesquisassem o
preço da raquete, da bolsa, da bola e do aluguel de quadras.

110 Levantamos, então, os locais existentes na nossa região para a prática


do tênis; se existiam projetos que davam a pessoas com baixo poder
aquisitivo o acesso à prática; e como a instituição escolar poderia pro-
porcionar o acesso de todos aos conhecimentos sobre o tênis de campo.

Na outra aula, os alunos trouxeram os resultados da pesquisa e, para


estimular o debate, coloquei um vídeo que mostra o ex-presidente da
República, Luiz Inácio “Lula” da Silva, falando que o “tênis é esporte
de burguês”. Ao confrontar os dados coletados na pesquisa e o dis-
curso do ex-presidente, a maior parte dos alunos concordou com a
opinião de Lula.

Percebi a necessidade de ampliar os conhecimentos dos alunos e or-


ganizei uma visita pedagógica ao centro esportivo da região. Nesse
complexo esportivo municipal, existem cinco quadras oficiais de tênis,
nas quais se disponibilizam para a sociedade aulas para crianças e o
uso gratuito do espaço, além de se promoverem campeonatos inter-
nacionais. Nosso objetivo era, além de vivenciar o tênis num espaço
oficial, diagnosticar o perfil socioeconômico do público praticante. Para
tanto, elaboramos, em conjunto, um roteiro de entrevista com as se-
guintes questões: o que o motivou a praticar o tênis? Você teve alguma
dificuldade financeira na aquisição dos materiais e vestimentas para a
prática? Qual sua opinião sobre os discursos que julgam o tênis como
“esporte de rico”?

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111

Ao chegarmos ao local, fizemos alongamento e, e em seguida, organi-


zei os alunos nas três quadras que foram disponibilizadas para nosso
uso. A cada 15 minutos eu apitava e trocávamos de jogo. Alguns alunos
tentaram jogar individualmente, mas a maioria jogou em duplas, como
tínhamos feito em aula. Durante a prática, os alunos que estavam fora
dos jogos puderam vivenciar a rebatida de bola nas laterais do campo,
observar os jogos dos colegas ou o jogo dos atletas que estavam trei-
nando nas outras quadras.

Após a prática, conseguimos reunir seis praticantes de tênis que fre-


quentam o centro esportivo. Expliquei que os alunos estavam realizando
estudos sobre o tênis nas aulas de Educação Física e perguntei a eles se
poderiam contribuir com a pesquisa. Eles aceitaram prontamente, e or-
ganizamos uma roda para tratar das questões predefinidas. A partir das
falas dos praticantes, pudemos notar a presença de dois grupos distintos:

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• Duas pessoas apontaram que não tiveram dificuldades na compra
dos materiais, já que contam com uma situação socioeconômica pri-
vilegiada. Para elas, o tênis foi bastante popularizado principalmente
após o sucesso do tenista Gustavo Kuerten (o Guga), mas ainda assim
é praticado em sua maioria por pessoas com alto padrão aquisitivo.
• Quatro pessoas apontaram dificuldade na aquisição dos materiais.
Um deles comentou que teve de passar um bom tempo para con-
seguir o dinheiro para a compra da raquete e das vestimentas. Três
deles disseram que ganharam a raquete de pessoas conhecidas
(ex-praticantes). Disseram também que só foi possível praticar a
modalidade quando o centro esportivo passou a ofertar o espaço
112 gratuitamente. Porém, eles lamentam o fato de não poderem par-
ticipar das aulas, em razão do alto valor cobrado na mensalidade.

Destinei a aula seguinte para conversarmos sobre a visita. Percebi que


foi importante para os alunos terem a chance de praticar a modalidade
em um espaço oficial e, principalmente, para romper com o discur-
so essencialista sobre as práticas corporais (nesse caso, o tênis) que
as relaciona a determinado grupo social. Na entrevista, percebemos
que nem sempre são pessoas da classe mais abastada que praticam a
modalidade. Outros grupos sociais, mesmo que enfrentando grandes
dificuldades, também podem se apropriar desse patrimônio cultural.

Propus uma produção de texto como fechamento do trabalho, em que


os alunos relatassem o que haviam aprendido nas aulas de tênis. Nes-
sa aula, também decidimos que divulgaríamos os nossos conhecimen-
tos para a sociedade através do site da escola.

Em nossa última aula do projeto, dividi a sala em duas turmas para


poder comentar a avaliação escrita, pois observei que os alunos fica-
ram com duas dúvidas em comum: uma foi a contagem dos pontos,
que vim a explicar com mais propriedade após o curso de formação de
professores promovido pelo Sesi-SP, e outra foi sobre a possibilidade
de rebater a bola sem quicar em qualquer parte da quadra e não só no
espaço próximo da rede, como muitos descreveram.

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Comentário da professora autora do relato

“Este trabalho foi muito significativo para os alunos, pois, apesar do tempo
reduzido por conta de ter apenas uma aula semanal e de não termos mate-
riais e espaços oficiais na escola, pude ver que os alunos conseguiram re-
fletir e aprender muito sobre o tênis de campo, e pelo fato de eles terem
escolhido o tema, o interesse, a motivação e a participação foram unânimes,
colaborando assim com o sucesso do trabalho. E também foi muito significa-
tivo para mim, pois aprendi bastante com as pesquisas e os registros que tive
de fazer e mais ainda por ouvir meus alunos e ver quanto eles são capazes de
aprender quando efetivamente fazem parte do processo de aprendizagem.”
113

8.4. ESPORTES DE AVENTURA: 9o ANO DO


ENSINO FUNDAMENTAL

Cidade: Ribeirão Preto

O desenvolvimento do trabalho se deu em razão de algumas questões


levantadas pelos alunos nos momentos de conversas informais, cujos
dizeres se embasavam na vontade de realizar “coisas” diferentes,
que, tanto em casa como fora dela, o cotidiano era sempre o mesmo,
a mesma rotina, as mesmas coisas, que eles tinham curiosidade em
conhecer novos esportes, jogos... Observando essas colocações, bus-
quei investigar com eles por que estavam dizendo aquilo, qual a razão
de surgir repentinamente a ideia de conhecer novos esportes e de que
tipos de esporte “novos” eles estavam falando. Imediatamente um alu-
no respondeu que conversaram sobre os X Games de 2011, que alguns
assistiram e acharam muito “legal”, que não imaginavam como “aque-
les caras conseguiam realizar tais coisas, manobras muito iradas”,
que havia várias modalidades que eles nem imaginavam existir e que
tinham vontade de praticar alguma coisa daquele gênero, que deveria
dar muita “adrenalina”, medo...

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Com base nas falas dos alunos, comecei a instigá-los a dar mais in-
formações sobre os esportes que haviam assistido, se lembravam o
nome deles e no que consistiam. Queria identificar se aquelas falas
realmente indicavam um interesse em conhecer o contexto das mo-
dalidades, ou se era apenas uma vontade momentânea, surgida de um
momento entre amigos. Para minha surpresa, vi que os alunos real-
mente estavam interessados no assunto, que comentavam entre si a
manobra realizada por determinada pessoa, de que maneira havia sido
feita etc. Mas ainda permanecia uma silhueta de dúvida quanto ao re-
pentino interesse pelos esportes de aventura/radicais. Fiz então uma
roda de conversa sobre essa temática, que seria um momento investi-
114 gativo da modalidade em discussão. Foi nessa roda que percebi que os
alunos tinham, sim, interesse em realizar essas atividades, porém, na
comunidade onde vivem e em seu entorno não havia nenhum espaço
destinado a tais práticas; que existia um local, mas era muito distante e
ficava difícil para eles irem até lá; e que também não tinham nenhuma
noção técnica para começar a realizar essas atividades nem material.
O local citado por eles dispõe de um espaço pequeno, simples, para
a prática de skate, bike e patins, além de permitir a prática de outras
manifestações corporais, pois o local tem uma disposição favorável.

Com base nos relatos apresentados, no contexto social da comunidade


desse grupo, no acesso restrito ao campo dos esportes de aventura
e no interesse dos alunos, a ideia foi buscar alternativas para a ex-
ploração desse campo procurando-se pensar coletivamente nas reais
possibilidades de aproveitar ao máximo a diversidade dos esportes de
aventura não somente em seus aspectos técnicos, mas também nas
questões sociais de gênero, acessibilidade, meio ambiente (impactos
ambientais), relação com o processo de industrialização, urbanização
e capitalismo. A partir disso, elencamos as expectativas para o desen-
volvimento das atividades:

• Identificar as formas de produção (mídias), consumo (materiais


e programas esportivos) e regulação (discursos acerca de seus
benefícios) das modalidades esportivas e sua distribuição em

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conformidade com a divisão de classes sociais, gênero, etnia e
religião, entre outros marcadores sociais, verificando suas pos-
sibilidades de acesso, bem como os custos dessa participação.
• Identificar as práticas discursivas presentes nos esportes que refor-
çam pejorativamente a identidade de raça, etnia, gênero, sexualida-
de, idade, religião, profissão etc., nas diversas vivências promovidas
em aula.
• Conhecer os contextos históricos (políticos, sociais e econômi-
cos) que levaram à construção das relações de poder presentes
em determinadas práticas esportivas e, a partir disso, elaborar
argumentos para a reconstrução dos significados atribuídos a es-
sas práticas. 115

Após solicitar aos alunos que pesquisassem na internet os diversos


esportes de aventura/radicais, sugeri que realizassem algumas ativi-
dades, que explorassem uma grande diversidade de movimentos – a
definição do tipo de movimento ficaria por conta do grupo e poderia ser
baseada em jogos, brincadeiras ou esportes.

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Após a pesquisa, organizei alguns grupos para que criassem e explo-
rassem uma gama de movimentos que tinham encontrado. Durante a
elaboração da atividade, observei que os grupos estavam muito foca-
dos nos esportes de aventura/radicais e que tinham algumas dificulda-
des em criar certos movimentos, pois a pretensão deles era explorar
somente a dificuldade, não atentavam para normas de segurança, pos-
sibilidades individuais, adequação do espaço e materiais. Fui fazendo
uma mediação das ideias de cada grupo, sugerindo e mostrando al-
guns fatores importantes que deveriam ser percebidos por eles. Ao
final, sugeri que cada grupo aplicasse o que criou nos demais grupos.

116 Ficou muito interessante a diversidade de movimentos criados, as di-


ficuldades colocadas – dificuldades que respeitavam a individualidade
de cada um, pois era possível realizar os movimentos, tinha-se a sen-
sação de “adrenalina”, a ansiedade, mas respeitavam-se as limitações
através das adaptações feitas. As atividades desenvolvidas exploraram
o espaço escolar (estrutura física), onde os alunos criaram, com os
obstáculos de que dispúnhamos, movimentos variados que iam des-
de um simples salto até movimentos acrobáticos de grande complexi-
dade; outros criaram situações imaginárias de transposição de vales,
amarrando cordas em duas colunas fixas, uma em cima, outra embai-
xo, apoiando algumas cadeiras na corda de baixo para que elas não
abaixassem, e simularam a passagem segurando na parte de cima,
com o apoio dos pés embaixo; e, ainda, tivemos grupos que reproduzi-
ram, por meio de brincadeiras, movimentos nos quais deveriam utilizar
parceiros e obstáculos do ambiente escolar – por exemplo, na quadra
utilizaram a tela como apoio para simulação de escalada, atentaram
para situações perigosas e também para aqueles com maior dificulda-
de, fazendo algumas adaptações para a passagem.

Após essas práticas, levei para discussão com a sala a ideia do que eles
organizaram com o grupo e o que eles faziam em seus momentos livres,
que ocupações tinham e se essas ocupações os agradavam. Em segui-
da, aproveitando a conversa inicial que tive com os alunos, questionei se
gostariam de ter algum tipo de ocupação diferente e por quê. A maioria

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dos alunos disse que tinha muita vontade de mudar sua rotina, de fa-
zer algo diferente, mas não sabiam o quê. Nesse momento, pedi que
refletissem sobre a vivência aplicada, se poderíamos considerá-la algo
diferente e, em seguida, que listassem, em pequenos grupos, quais
eram as opções de atividades que os permitiria sair da rotina próximas
de sua casa, e em sua maioria eles citaram um parque e uma praça,
mas deixaram claro que esses espaços não os agradavam porque não
havia nada o que se fazer lá. Pedi que ampliassem o contexto analítico
do ponto de vista para mudança de rotina, que pensassem quais eram
as possibilidades que sua cidade apresentava. Todos os grupos elenca-
ram como elemento principal o shopping center, seguido de parques e
locais de baladas, entre outros. Voltei a solicitar, então, que identificas- 117
sem os locais que ofereciam algo voltado à prática de manifestações
corporais ou que eles considerassem propícios para se ter um momen-
to de lazer. Novamente identificaram o shopping center e os parques
como opções. Nesse momento, mediei a discussão questionando-os
sobre quais possibilidades esses locais ofereciam para sair da rotina.
Apontaram que caminhar, correr e andar de bicicleta eram as opções
dos parques e citaram o único parque onde achavam possível praticar
algum tipo de modalidade de aventura; citaram ainda o shopping, mas
este não possibilitava a prática de esportes de aventura/radicais.

Pedi então que, em casa, pesquisassem sobre outras oportunidades


de lazer que a cidade poderia oferecer tanto no entorno urbano como
no rural. Para minha surpresa, disseram que nada além daquilo que já
haviam dito na discussão em grupo poderia ser oferecido. Novamente,
fiz uma retomada da discussão em grupo para procurar entender quais
foram suas linhas de pesquisa. Os alunos disseram que fizeram a pes-
quisa baseando-se naquilo que conheciam, sem levar em consideração
aquilo que gostariam de fazer como algo para sair da rotina.

Retomei o tema em uma roda de conversa, com o objetivo de questio-


nar os alunos sobre “esportes de aventura”, se alguém já havia prati-
cado algum esporte desse gênero, como tinha sido e onde praticaram.
Para aqueles que não vivenciaram esse tipo de esporte, perguntei o

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motivo e eles apontaram a falta de lugares e oportunidades. Com base
na explanação sobre a falta de locais, procurei levar a discussão para
uma reflexão sobre a atividade que fizeram em grupo, em que criaram
uma diversidade de movimentos: que pensassem em como tinha sido,
nas dificuldades encontradas e no que fizeram para superá-las. Em
seguida, pedi a eles que relacionassem essa vivência com a ideia de
praticá-la em meio à natureza e que buscassem identificar os ambien-
tes naturais no entorno da cidade. Perguntei-lhes qual era o tipo de
produto que predominava na agricultura da região, por quê, se existia
mata nativa, se era preservada ou não, se existiam hotéis ou pousadas
na área rural, o que oferecia como opções de lazer.
118
A partir desses questionamentos, os alunos apontaram que a região
e seu entorno têm uma vasta área onde é possível praticar esportes
radicais, que oferece grandes possibilidades para essa prática sem um
custo alto, apenas gastos com transporte e também muitas opções de
lazer com um gasto um pouco maior, mas acessível à maioria.

Com as colocações apresentadas pelos alunos, mediei a conversa so-


bre a procura por esses esportes, perguntei-lhes se sabiam que a cada
dia mais e mais pessoas buscavam a prática dessa modalidade espor-
tiva, se conseguiam identificar a razão pela qual as pessoas estavam
procurando esse tipo de vivência.

Em seguida, pedi que fizessem a leitura de algumas imagens procu-


rando identificar do que se tratava – meu objetivo era que buscassem
afirmar aquilo que já havíamos discutido oralmente. Feita a leitu-
ra, forneci algumas informações sobre os esportes identificados (de
aventura). Apresentei a eles, com maior embasamento, os locais, ní-
veis e/ou elementos que estruturam sua prática (terra, ar e água), al-
guns conceitos importantes sobre a prática, principalmente aqueles
de segurança. Utilizei trechos de vídeos que identificavam dois pontos
essenciais na prática dos esportes de aventura: um condizente com a
atenção, segurança e avaliação do ambiente e outro que contradiz es-
sas questões. Para finalizar, apresentei um vídeo que aborda uma série

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de atividades de aventura, com várias modalidades mostrando seu to-
tal radicalismo. A ideia nessa etapa foi levá-los a compreender a estru-
tura dessa modalidade esportiva, ou seja, sua principal característica,
que é o contato direto com a natureza. Familiarizei-os com os esportes
através da exibição de vídeos e, em seguida, vivenciamos uma série de
atividades que buscassem contemplar a maior diversidade possível da
modalidade, porém com muitas adaptações ao meio.

Iniciamos com a vivência do parkour. Realizamos quase na íntegra a ativi-


dade, na forma de “polícia e ladrão” e explorando os diversos movimen-
tos característicos dessa modalidade. A única mudança que fizemos foi
estabelecer a regra de que eles teriam que ficar pendurados em uma das 119
colunas do ambiente e permanecer no alto para que não fossem pegos.

Ao final, em roda de conversa, conse-


guiram identificar a vivência com a ca-
tegoria em estudo e colocaram alguns
pareceres a respeito dela: “o espaço
para fugir era pequeno, mas se fosse
ampliado teriam uma sensação menor
de adrenalina, porque o legal foi sentir
aquela pressão de ser pego, tentar rea-
lizar as etapas”, “quando eram presos,
os carcereiros estavam cobrando mui-
to para sair”, “atividades complicadas,
ainda mais se teriam que voltar várias
vezes; cansavam, mas, pensando bem,
isso também ajudava os policiais”,
“correr de mãos dadas não é fácil, cada
um quer ir para um lugar”. Deixei que
os alunos conversassem e trocassem
suas percepções. Não os interrompi em
nenhum momento, porque suas falas
estavam se direcionando para todos os
campos de análise da atividade. Entraram

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na discussão do parkour dando os significados que seu idealizador, Da-
vid Belle, pensou; abordaram o espírito no parkour – é guiado em parte
a superar todos os obstáculos no caminho como se estivesse em uma
emergência –; citaram que é uma atividade cujo princípio é mover-se de
um ponto a outro o mais rápido e eficientemente possível, usando prin-
cipalmente as habilidades do corpo humano. Nesse ponto, indaguei o
grupo quanto à história do parkour: perguntei onde foi criado e se conhe-
ciam algum fato histórico relacionado à modalidade. Com base nesses
questionamentos, o grupo começou a discutir onde o parkour foi criado;
alguns não sabiam, mas os demais identificaram a França. Nesse mo-
mento, um aluno mediou a conversa apresentando fatores históricos da
120 modalidade; ele deixou claro que não a praticava, mas gostava dessa
prática corporal e a acompanhava e, portanto, queria falar um pouco
sobre o que sabia. Iniciou contando qual a inspiração dessa “arte”, que
surgiu, segundo ele, de várias partes: “Você precisa apenas olhar, você
precisa apenas imaginar, como uma criança”.

Com base nas falas desse aluno, fiz um agrupamento e pedi que pes-
quisassem mais sobre essa prática corporal para que, na aula seguin-
te, continuássemos as discussões e fizéssemos uma análise do seu
processo histórico com alguns fatores relacionados a gênero, raça,
quem os pratica e quais os movimentos.

A segunda atividade vivenciada foi adaptada para a prática do arvoris-


mo. Fiz a amarração de duas cordas em troncos de árvore, uma em
cima e outra embaixo, e os alunos tinham que percorrê-las de um lado
a outro. No momento de discutir a atividade, eles disseram que ela foi
muito legal; que parecia ser muito fácil realizar a atividade, mas, na
hora, tiveram outra visão; de que era complicado; usava-se muita for-
ça; era preciso ter controle para se movimentar, ter equilíbrio e saber
colocar o pé corretamente; e que alguns calçados não ajudavam. Ou-
tro fator importante destacado por eles diz respeito à segurança, aos
cuidados que tinham que ter para atravessar. Destacaram também a
importância do uso de outros equipamentos de segurança, como mos-
quetão amarrado a um cinto. Identificaram de qual tipo de atividade

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121

se tratava e os aspectos físicos e motores essenciais para sua prática.


O que foi mais expressivo foi o grupo afirmar que a atividade, mesmo
sendo simples, foi muito prazerosa, que dava para realizá-la até em
casa, tanto por homens como por mulheres. Aproveitando essa fala,
perguntei em que momentos eles praticariam essa atividade, se nos
horários livres, com amigos ou com os pais, e em quais outros locais
seria possível praticá-la. Pedi que anotassem esses questionamentos
– minha pretensão era utilizá-los um pouco mais à frente, quando fôs-
semos relacionar essas práticas com lazer e qualidade de vida.

A terceira atividade foi também uma adaptação do arvorismo; porém,


agora, os alunos eram o suporte de apoio: eles seguravam as cordas
de forma que ficassem trançadas – uma espécie de ponte – e, um a
um, tinham que passar sobre essa ponte. Eles puderam perceber, du-
rante essa vivência, que, para realizá-la, era preciso primeiro confiar

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em quem estava segurando as cordas, pois, caso elas fossem soltas,
quem estivesse atravessando poderia cair e se machucar. Com essas
falas, pude mediar a discussão final sobre a importância do trabalho
em grupo e da confiança, associando as falas às categorias dos espor-
tes de aventura, nos quais a confiança se inicia no desenvolvimento do
material, na condução e no desenvolvimento da atividade.

Na sequência, partimos para a quarta vivência, a corrida de orientação.


Formei grupos, orientei-os sobre o desenvolvimento da atividade, fi-
zemos algumas retomadas de conteúdos – como os pontos cardeais,
em que, partindo da leitura da rosa dos ventos, identificamos norte,
122 sul, leste e oeste – e entreguei aos grupos um mapa. Como não tí-
nhamos bússola, deixei explícito que eles teriam de se orientar pelos
pontos cardeais, realizar a leitura do mapa e se apropriar dos ângulos
citados nele. Deixei claro também que refletissem sobre a leitura do
texto – destacando a importância de pensar e refletir sobre a ação
para ter sucesso. Ao final, em roda de conversa, discutimos a vivência,
e pedi que identificassem as principais dificuldades que tiveram.

Eles salientaram que foi conseguir seguir a orientação, ler o mapa


e que, basicamente, se orientaram pelo desenho. Perguntei, então,
por que apresentaram essa dificuldade. Alguns grupos disseram que
isso ocorreu porque, no ponto inicial, na saída, identificaram o sentido
(direção) errado e dali em diante ficaram “meio perdidos”, pensaram
em voltar para o início em alguns momentos, mas viam outros grupos
evoluindo e eles não, então pensaram em seguir por intuição. Com es-
sas falas, aproveitei o momento para propor uma analogia da situação.
Perguntei a eles o que poderia acontecer se estivessem em uma ativi-
dade do mesmo gênero fora da escola, no meio da mata, em fazendas,
trilhas, cachoeiras, e o grupo tomasse essa decisão. Deixei que refle-
tissem e não colocassem em discussão; voltei a questionar que outra
dificuldade tiveram e destacaram que não conseguiram saber se, para
seguir adiante, teriam que fazer a leitura do mapa, das angulações ci-
tadas, partindo do ponto inicial, ou se deveriam fazer a leitura a par-
tir do ponto onde se encontravam. Com essa colocação, voltamos ao

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ponto inicial da discussão, e disse a eles que considerassem estar em
uma área externa, fora da escola, em uma fazenda, em trilhas, na mata
etc. Acrescentei: a distância percorrida já era significativa, imaginemos
então que, após conseguir alcançar o ponto 1, indicado no mapa, vocês
tivessem que voltar ao ponto de partida para então seguir o percurso,
ou seja, sair do ponto zero, andar, correr 3 km, voltar 3 km e depois
identificar o ponto 2 e, caso o ponto fosse correto, ir e voltar mais 9 km.
Outro fator: os pontos identificados no mapa estão dispostos de for-
ma sequencial ou todas as etapas dizem que devemos voltar ao ponto
zero? Discuti com o grupo essas considerações, e todos conseguiram
perceber que os pontos davam uma sequência na leitura do mapa, que
as angulações apresentadas partiam do ponto alcançado. 123

No decorrer dessas vivências, pedi que observassem fatores técnicos,


de segurança, condições territoriais, condições físicas, estratégias e
formas de resolução das situações-problema, anotando esses itens no
caderno. Ao final do processo, pedi a eles que verificassem, com base
nas suas anotações, quais atividades foram mais parecidas e elabo-
rassem uma conclusão. Socializamos as produções e refletimos sobre
algumas considerações. Retomei a discussão sobre a ideia inicial das
características e objetivos dos esportes de aventura, do contato direto
com a natureza. Falamos sobre os praticantes, se buscam contato dire-
to com a natureza, por que fazem isso, se existe algum tipo de ideo­logia,
identidade de grupo, o que se faz presente nos valores dessas pessoas
– meu objetivo com essas discussões era que os alunos compreendes-
sem que os praticantes buscam a preservação do meio ambiente, que
lutam para melhorar as condições do planeta preservando seu local e
que o esporte é um grande facilitador, pois permite conhecer e refletir
sobre a importância da natureza.

Nessa etapa, fizemos uma visita à Floresta Estadual de Batatais, ten-


do como foco realizar uma vivência baseada no trecking, modalidade
de orientação. Iniciamos esse estudo organizando um rol de questões
pertinentes ao fator segurança, criando algumas regras de conduta e
comportamento diante de algumas situações elencadas pelo grupo.

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Para a criação dessas regras, colocamos em discussão fatores que
respeitassem a individualidade de cada participante. Os alunos iden-
tificaram que, para termos um momento prazeroso, teríamos de estar
cientes dos limites de cada um e, ainda, oportunizar um espaço sociá­
vel onde todos pudessem aproveitar ao máximo o estudo, cumprir as
regras, observar o ambiente e os próprios companheiros (seu compor-
tamento físico e social). Com essas discussões em mente, partimos
para a vivência.

Chegando ao local, o grupo teve um grande impacto, pois aparente-


mente muitos nunca haviam travado contato com esse tipo de esporte.
124 Ouvi com atenção, durante a caminhada, suas conversas: discutiam
muito sobre como era gostoso, diferente, questionavam também os
diferentes ambientes, ora mata fechada, ora clareira e as mudanças
climáticas decorrentes de cada ambiente. Fomos realizando várias pa-
radas, muitas vezes por solicitação dos próprios alunos, momento em
que aproveitei para elencar algumas observações sobre o estudo.

Perguntei: será que encontraríamos esse tipo de diversidade estando


na cidade? O que vocês observaram até agora de diferente da sua rea-
lidade cotidiana? Está sendo prazeroso? É diferente? Será que muitas
pessoas buscam esse tipo de atividade no mundo contemporâneo?

Pedi que pensassem e refletissem sobre esses questionamentos,


pois iríamos abordá-los em uma próxima aula. Demos continuidade à
caminhada, mapeando o local, e fizemos paradas para lanchar. Pró-
ximo do final da caminhada, deparamos com um grupo de macacos;
percebi que a maioria dos alunos ficou muito surpresa em ver aquele
“bando” de macacos atravessando em nossa frente e perguntei a eles
se nunca haviam visto aquilo, e, para minha surpresa, a grande maio-
ria disse que não, somente no zoológico, mas que esse contato direto
nunca haviam tido. Aproveitei, então, para perguntar o que estavam
sentindo: alguns falavam de medo, mas expressavam algo como pra-
zer, satisfação.

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Com base nessa vivência, nas observações citadas e no rol do estudo
anterior, realizei alguns questionamentos junto aos alunos com base
nas orientações/sugestões enviadas.

Iniciei com uma atividade em grupo: dividi a sala em dois grandes gru-
pos e sugeri que discutissem com os parceiros a seguinte questão:por
que as pessoas no mundo contemporâneo estão buscando cada vez
mais as práticas corporais junto à natureza? Sugeri aos grupos que
elencassem os fatores e defendessem seu ponto de vista, dessem des-
taque à sua analogia e o motivo de ela ser mais bem fundamentada
que a do outro grupo. Aqui, abriu-se uma série de hipóteses, porém
a que mais se destacou foi a explicação de que nas cidades, hoje, já 125
não se encontram tantas áreas verdes que possibilitem qualquer tipo
de prática corporal junto à natureza e que, quando as encontramos,
trata-se de um meio adaptado, com pavimentação. Apontaram também
que, devido à crescente demanda de indústrias, os pontos de lazer fo-
ram “extintos” e somente existem pequenas praças, alguns pequenos
parques e clubes que não são acessíveis a todos; dentro da perspectiva
industrial, elencaram que o trabalho também tem levado as pessoas a
buscar a prática de esporte em meio à natureza – aqui fizeram uma re-
lação entre o que vivenciaram e o que citei anteriormente, “é um local
que dá a sensação de liberdade, silêncio, o ar é diferente...”.

Com base nessas proposições, levantei novos questionamentos, ainda


utilizando os grandes grupos: a relação que vocês fizeram entre am-
biente urbano e ambiente natural (rural), considerando o processo de
industrialização, nos traz algum tipo de impacto social? E ambiental?

Os alunos afirmaram que sim, justificando (falas dos alunos) que tais
relações perfazem devido à grande massificação de pessoas que buscam
somente o capital, deixam de pensar muitas vezes na família, saúde, qua-
lidade de vida e acabam adotando um estilo de vida contrário ao conside-
rado “ideal” e, consequentemente, isolam-se das pessoas, possuem seu
próprio grupo, sua própria identidade e isso pode ser relacionado também
com a prática dos esportes na natureza, que muitas vezes são modalidades

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caras, de alto custo, como, por exemplo, praticar rapel é inviável a um gru-
po social de baixa renda, pois os materiais são caros, outras modalidades
também não saem do contexto, bicicletas para trilhas, se não forem ade-
quadas não dá para fazer, imagina uma bicicleta qualquer no terreno que
nós passamos, fica destruída; ter uma moto para trilha, ou um jipe, nada
disso é barato, fora as demais modalidades, todas são muito caras, mas há
exceção, no nosso caso, fizemos um tipo de modalidade na natureza, curti-
mos muito, foi cansativo, explorou muito de nosso condicionamento, mas foi
viável a todos. Então o que podemos observar é que o esporte na natureza
em quase sua totalidade necessita de certo gasto (capital). Com relação ao
tipo de impacto ambiental, com certeza todas as modalidades deixam sua
126 contribuição negativa considerando esses esportes, porém este pode elen-
car em níveis, ou seja, aqueles que demonstraram maior impacto e aque-
les de menor impacto. Podemos citar o caso dos off-road, motos, jipes,
quadriciclos, por onde passam desmancham os terrenos, fazem buracos,
destroem plantas, no caso de trilhas, e com isso vão causando impactos
consideráveis, desses buracos provocados muitas vezes pelos pneus das
motos, como observamos em nosso estudo de campo, vai virando crateras,
erosão, ainda mais em dias de chuva, enfim, o que nós consideramos me-
nos impactantes são as modalidades de bike e de trecking, que, caso os
praticantes sejam conscientes, não vão causar nenhum impacto, destruir
ou deixar lixo no local.

Após esse momento de discussão, elaboramos alguns cartazes dividin-


do os grupos em alguns eixos de abordagem:

• impacto na paisagem pela abertura e utilização de trilhas;


• erosão e compactação do solo;
• assoreamento de córregos e nascentes;
• alteração e destruição da vegetação e do hábitat de animais;
• poluição: barulho, lixo, emissão de gases e petróleo (combustível);
• interferências sociais e culturais em comunidades próximas
envolvidas.

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Com essas abordagens, foi possível mostrar nos cartazes fatores como
a prática consciente dos esportes em meio à natureza, os esportes na
natureza e sua relação com o lazer, a importância do mapeamento dos
locais para prática de esportes, a degradação do solo e da mata, orien-
tações e reflexões sobre a prática.

Como fechamento do estudo, os alunos produziram vídeos tendo como


referência as discussões, vivências e abordagens socioculturais sobre
a temática. Na produção dos vídeos houve o apoio dos professores de
Língua Portuguesa e do analista em informática. No decorrer do estu-
do, fui fazendo registros escritos e fotográficos e produzindo vídeos, o
que me ajudou em todo o processo de planejamento e direcionamento 127
de ações, avaliando-os em todas as suas produções: vivências, discus-
sões em grupo, roda de conversa, produção dos vídeos, produção de
cartazes e analogias do contexto sociocultural envolvendo a temática.

A maioria dos alunos compreendeu a ideia de que a crescente utilização


de algumas áreas vem causando tanto descaracterizações sociocultu-
rais quanto impactos ambientais, sendo necessárias medidas de mane-
jo e de gestão capazes de minimizar tais impactos negativos e planejar
futuras atividades, e que as preocupações também têm sido direciona-
das às atitudes dos praticantes dessas modalidades, que buscam cami-
nhos que possibilitem práticas mais conscientes e sustentáveis.

Comentário do professor autor do relato

“Produzir o relato de prática foi um desafio, um grande anseio, em razão


de ser algo novo, uma nova concepção, mas que, no decorrer do caminhar,
foram ficando para trás e tudo se tornou prazeroso e motivante porque
essa prática nos permite o compartilhamento de diferentes olhares em
diferentes dimensões. É como dizia nosso saudoso Paulo Freire: ‘Ensinar
não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua pró-
pria produção ou a sua construção’.”

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8.5. LUTAS: 3o ANO DO ENSINO MÉDIO

Cidade: Agudos

No início do ano letivo de 2012, com o intuito de mapear o patrimônio da


cultura corporal dos alunos da escola, elaborei a Pirâmide da Cultura Cor-
poral do Movimento. Trata-se de uma pirâmide com cinco divisões, onde
os alunos devem preencher cada parte listando as práticas corporais que
realizavam com mais frequência; a base era a que mais praticavam, o
topo a que menos praticavam. Caso o aluno não praticasse nenhuma ati-
128 vidade, poderia deixar as partes em branco, não as preenchendo.

Depois de realizada a pesquisa, os dados foram tabulados e elaboramos


tabelas e gráficos para melhor visualização, sendo construída uma pi-
râmide por sala e, posteriormente, com a junção dos dados, a Pirâmide
da Cultura Corporal da escola. A pirâmide da
escola foi construída com garrafas pet para
uma melhor representação visual dos estu-
dantes, conforme registro fotográfico ao lado.

Após a verificação dos dados, pôde ser ob-


servada uma diversidade de práticas corpo-
rais entre estudantes do Ensino Fundamental
e Médio da escola. Notou-se também que,
quanto maior a idade dos estudantes, menos
práticas corporais eles realizam, havendo um
aumento considerável no número de alunos
que não preencheram a pirâmide por comple-
to no Ensino Médio. Uma justificativa para isso
é a entrada no mercado de trabalho e o ensino
articulado com o Senai-SP (Serviço Nacional
de Aprendizagem Industrial); e, ainda, pode-
mos mencionar o fato de focarem nos estudos
para o vestibular.

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O que possivelmente justifica as duas manifestações mais praticadas,
caminhada e andar de bicicleta, podem ter sido os investimentos da
prefeitura municipal de Agudos na construção de locais para a prática
de caminhadas, academias ao ar livre, praças e quadras; já as demais
manifestações corporais podem ser explicadas pelo grande incentivo
ao esporte dado pela prefeitura por meio do projeto Crescer e Edificar,
que oferece a prática gratuita de diversas modalidades esportivas. Ini-
ciei o trabalho com a turma do 3o ano do Ensino Médio apresentando o
resultado da pirâmide da classe:

CULTURA CORPORAL 3O ANO DO ENSINO MÉDIO


Modalidades mais praticadas FUTSAL 129
10 FUTEBOL
9 CAMINHADA
8 HANDEBOL

7 CORRIDA
NATAÇÃO
6
BICICLETA
5
DANÇA
4
MUSCULAÇÃO
3 BASQUETEBOL
2 VÔLEI
1 JIU-JÍTSU
0 SKATE
JOGOS DE CARTAS

HANDEBOL

BICICLETA
BASQUETEBOL
FUTSAL

FUTEBOL
CORRIDA

MUSCULAÇÃO

CAMINHADA

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Realizamos as análises e classificamos as manifestações pratica-
das em: esportes, danças, ginásticas e lutas. Olhando para os objeti-
vos gerais do componente, realizamos uma aproximação das práticas
corporais emergidas com o seguinte objetivo geral (metas): “estudar
e vivenciar as manifestações corporais de diferentes grupos sociais,
buscando o respeito e a afirmação das diferenças culturais”. Assim, op-
tei por iniciar os trabalhos com as lutas, visto que é uma manifestação
pouco praticada pelos estudantes, podendo estes ampliar seus conhe-
cimentos, e também pelo fato de essa manifestação fazer parte do re-
pertório da comunidade e ser praticada por estudantes que compõem a
classe do 3o ano do Ensino Médio.
130
Selecionei as seguintes expectativas de aprendizagem para a realiza-
ção do trabalho:

• Vivenciar e analisar diferentes lutas (de origem ocidental e orien-


tal) nos aspectos técnicos e táticos, relacionando-as ao seu con-
texto de produção (aspectos históricos, políticos, sociais, religiosos
e econômicos), aos princípios filosóficos (sabedoria de vida) e hie-
rárquicos atrelados ao seu contexto.
• Posicionar-se criticamente nas discussões quanto às questões de
gênero, classe social, estatura, peso, idade, etnia e religião, entre
outras, que permeiam as práticas de luta.

Em primeiro lugar, realizamos uma investigação de quais manifesta-


ções de lutas os alunos já haviam vivenciado e identificamos apenas dois
alunos que tinham certa experiência, um que havia praticado jiu-jítsu e
judô, e outro que estava praticando boxe. Posteriormente solicitei aos
estudantes que pesquisassem quais estilos de lutas eram praticados
na cidade e foram apresentados: caratê, judô, jiu-jítsu, capoeira e boxe.

Iniciamos então os debates para, coletivamente, selecionarmos a pri-


meira modalidade que trabalharíamos e elencarmos as atividades que
seriam realizadas. Nesse momento, a única solicitação que fiz era que
os alunos selecionassem uma modalidade que fizesse parte do patri-

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mônio da cultura corporal da cidade. Após discussões, chegou-se a um
consenso e a modalidade escolhida foi o boxe, provavelmente por haver
um aluno praticante de boxe na classe.

A partir da seleção do tema, havia a necessidade de planejar as ativi-


dades visando uma melhor organização, para que as aulas ocorressem
da melhor maneira possível. Busquei, através de conversas com o gru-
po, delinear a melhor maneira para estudarmos o boxe.

Inicialmente realizamos um mapeamento do que os alunos conheciam


sobre o boxe; dessa forma, pedi a eles que falassem tudo o que sabiam so­
bre a modalidade e fui tomando nota das observações dos alunos em 131
meu caderno de anotações. Nesse momento, percebi que os alunos sa-
biam apenas que o boxe existia e que eram utilizados um ringue para
lutar, luvas e protetor bucal; conheciam também o Mike Tyson, o Popó
e o filme Menina de ouro. Após esse momento, cheguei à conclusão de
quão superficial eram os conhecimentos que os alunos possuíam, e eu,
como docente, me incluo nessa superficialidade; por isso, houve a ne-
cessidade de buscar conhecimentos sobre o boxe através de pesquisas,
bem como assistir a vídeos pela internet.

Como planejado, a primeira atividade proposta foi uma pesquisa sobre


a modalidade, para que pudéssemos ampliar os conhecimentos sobre o
boxe, e esta seria considerada um instrumento avaliativo, podendo ser
realizada através de jornais, revistas, livros, internet e entrevistas, entre
outros meios de pesquisa. Para tal, foi realizada a divisão de temas de pes-
quisa sobre o boxe e cada grupo de alunos realizou a pesquisa referente a
um tema; posteriormente, houve a apresentação dessas pesquisas pelos
alunos para socialização. Os temas selecionados foram: contexto históri-
co do boxe; categorias; regras; materiais/equipamentos; o boxe no Brasil;
o boxe em Agudos; principais competições; principais atletas.

Após a apresentação dos grupos, realizamos uma roda de conver-


sa para discutir sobre os temas apresentados, debater sobre o boxe,
sistematizar e analisar a aprendizagem deles. Percebi que os alunos

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puderam aprofundar os conhecimentos sobre o boxe após a socializa-
ção dos debates. As falas a seguir me permitiram a confirmação disso:
“Achei que lutar boxe era só socar a cara do adversário até ele cair”;
“O boxe tem muitas regras e técnicas... parecia tão simples”; “Nossa!
Será que na hora da luta dá pra lembrar tudo o que não pode ser feito?”.

Instiguei os alunos a pensar em como o boxe evoluiu desde o seu sur-


gimento até os dias de hoje. Foi levantada a questão de ser uma das
manifestações mais antigas, a questão da ausência de regras e lutas
até a morte na sua origem, a mulher no boxe, a utilização atual das
academias para condicionamento físico, as aulas de ginástica, hidrogi-
132 nástica e todas as várias formas de manifestações existentes.

A questão de a mulher ser proibida de lutar quando o boxe surgiu gerou


polêmica. As meninas se mostraram indignadas com essa proibição, e
a fala de uma delas retratou isso: “Ainda bem que a regra mudou, era
muito machismo. Imagina mulheres não poderem lutar boxe?”.

Após essa fala, um dos alunos se manifestou dizendo que não sabia
se havia mudado muito, afinal as mulheres que praticavam boxe eram
todas masculinizadas.

Essa fala gerou uma grande discussão, e, como a aula acabou, sugeri
que na próxima continuássemos o debate sobre o assunto. Mesmo que
não tenha sido planejado estender o assunto dessa forma, devido à ne-
cessidade, demos continuidade e a ele. Fui pesquisar sobre o precon-
ceito no boxe e coletar informações sobre o assunto; assim, selecionei
os dois vídeos a seguir.

• <http://tvuol.uol.com.br/assistir.htm?video=campea-de-boxe-luta-
-contra-preconceito-e-desafia-homens-04021A3168CC895326>;
• <http://www.youtube.com/watch?v=ILoSBdSvCkM&feature=related>.

Na aula seguinte, assistimos aos vídeos e discutimos o assunto. Pos-


teriormente dividi a classe em dois grupos, e estes fizeram um debate

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sobre as mulheres no boxe, sendo um grupo a favor e o outro contra.
Cada grupo tinha que levantar argumentos e defender o ponto de vista
até o fim, mesmo não concordando com ele. O debate foi polêmico e, ao
final, evidenciei a igualdade dos sexos, finalizando com o texto “Igual-
dade nas diferenças!”, que pode ser acessado no link (http://textolivre.
com.br/artigos/3105-igualdade-nas-diferencas), e fechamos o debate
evidenciando a necessidade que o mundo tem de respeitar as diferen-
ças visto que cada indivíduo, com suas crenças e valores, é único.

Como próxima atividade proposta, realizamos uma vivência dos princi-


pais golpes do boxe, tendo como protagonista da aula o aluno que era
praticante da modalidade. Foi um momento diferenciado, com todos os 133
demais alunos realizando a atividade, aprendendo a fazer os movimen-
tos de esquiva, direto, cruzado e gancho, entre outros, e, sem a minha
presença como transmissora de conhecimento, mas, sim, como edu-
cadora, a qual estava vivenciando, intervindo e aprendendo igualmente
com os alunos da sala. Finalizando a aula, questionei o aluno sobre o
que tinha achado da experiência e ele relatou: “Foi uma experiência
muito diferente, nunca achei que um dia poderia ensinar o boxe para
alguém, mas foi muito legal e um desafio para mim”.

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Como planejado, na aula seguinte, tivemos a palestra de um professor
e competidor de boxe, que falou sobre a modalidade, competições, im-
portância para a saúde e proporcionou a vivência da modalidade. Um
ponto muito evidenciado na fala do professor foi de utilizar seus co-
nhecimentos e aprendizagens sobre o boxe apenas para lutar dentro
do ringue ou como defesa pessoal, jamais os utilizando para brigar e
instigar a violência – e ele frisou muito a diferença entre luta e briga.
Foi um momento rico, iniciado com algumas atividades realizadas na
preparação física dos praticantes, atividades com corda e atividades
para ensino dos golpes e simulação da aplicação em duplas, utilizando
luvas de boxe, o que deixou os alunos muito empolgados, por ser, ex-
134 ceto para o aluno praticante da modalidade, uma novidade; eles nunca
haviam visto de perto uma luva de boxe e muito menos a calçado.

Os alunos gostaram muito da experiência e foram convidados a reali-


zar uma aula experimental na academia em que o professor palestran-
te trabalhava ou, se preferissem, apenas assistirem às aulas. Feito o
convite, alguns alunos se interessaram e foram conhecer a academia,
trouxeram registros fotográficos e compartilharam a experiência.

Na sequência, assistimos ao filme Ali; para tal, realizamos um trabalho


interdisciplinar com a disciplina História, na qual a professora utili-
zaria o filme como parte do trabalho com a expectativa “Conhecer os
conflitos da Guerra Fria e os da Nova Ordem Mundial, analisando suas
principais motivações e consequências”.

O filme, que é baseado em fatos reais, conta a história do renomado bo-


xeador Muhammad Ali, e seu enredo ajuda-nos a analisar uma luta de
boxe, bem como nos aprofundar na história e evolução da modalidade.
Os alunos vibravam durante as aparições da luta e puderam visualizar
tudo o que haviam aprendido com as vivências práticas; conseguiam
até mesmo identificar e diferenciar os golpes. Durante os debates so-
bre o filme, discutimos também sobre o boxe como possibilidade de
ascensão social, a questão da religião e do preconceito.

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A próxima atividade a ser realizada se-
ria um torneio de boxe entre os alunos,
adaptando materiais e espaço físico;
porém, após discutirmos sobre a se-
gurança da atividade e a possibilidade
de se machucar alguém, foi resolvido
que não realizaríamos essa atividade,
apenas treinaríamos os golpes e si-
mularíamos a luta; afinal, perceberam
que talvez pudessem machucar os
seus companheiros, podendo a com-
petitividade falar mais alto. 135

Para finalizar as atividades, foi reali-


zada uma avaliação final através da
produção de um vídeo sobre o boxe,
explicando um pouco sobre a modali-
dade. Para produzi-lo, os estudantes
usaram a criatividade e puderam utili-
zar na elaboração do vídeo imagens e
gravações das vivências práticas reali-
zadas na escola. O vídeo foi produzido
em grupos pelos estudantes e posteriormente assistido e analisado em
aula por todos.

A experiência relatada foi muito significativa para mim, como docen-


te. Tive que buscar muitas informações e me aprofundar bastante, por
ser um conteúdo sobre o qual não tinha muito conhecimento. Para os
alunos também foi muito significativa, pois, além de aprenderem sobre
uma modalidade nova, puderam participar das etapas de elaboração e
execução do planejamento. É muito importante considerar os anseios,
expectativas e opiniões dos alunos e permitir que sejam de fato ouvi-
dos, dessa forma sendo transferidos de meros espectadores para co-
autores do planejamento.

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Dificuldades aconteceram durante o processo, como: desvincular os
alunos de interesses individuais e particulares para objetivos coletivos;
estimular a manifestação da opinião de todos no processo de elabora-
ção; e a questão do tempo. A dinâmica do trabalho em parceria, no qual
se estimula a ouvir o outro e a construir coisas conjuntamente, é muito
valiosa e ajuda na formação da criticidade, do respeito às diferenças,
da cooperação e do trabalho em equipe, e o boxe foi um instrumento
que nos proporcionou tudo isso.

136 Comentário da professora autora do relato

“Aprender é mudar posturas.” (Platão)

“Essa frase de Platão resume o processo realizado neste relato de prática.


Durante todo o momento aprendi e tive que mudar posturas. Quando depara-
mos com uma proposta nova, a primeira coisa que temos de fazer é acreditar
que é possível e depois colocá-la em prática buscando sempre acertar, mas
sempre conscientes de que o erro faz parte do processo e, se visto pelo lado
positivo, é essencial para o sucesso. Foi um processo difícil, mudar a forma
de trabalho, buscar novos conhecimentos, inserir práticas novas, mas o re-
sultado foi muito significativo. Perfeito? De forma alguma, longe de ser, mas
o começo de uma experiência que com certeza trará muitos frutos bons em
favor da educação de nossos alunos e da nossa sociedade.”

8.6. DANÇAS: 3o ANO DO ENSINO MÉDIO

Cidade: São Paulo

O trabalho foi iniciado com a organização das atividades, com o propó-


sito de mapear as manifestações corporais pertencentes ao universo

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cultural dos alunos, assim como para investigar a existência de pre-
conceitos presentes nas práticas, como os de classe social, gênero, et-
nia e raça, entre outros. Ao indagar o local de moradia dos alunos, com
o propósito de reconhecer a cultura corporal da comunidade, identi-
fiquei que a grande maioria da turma do 3o ano do Ensino Médio não
residia nos arredores da escola, mas sim em diferentes regiões mais
distantes do seu entorno. Diante dessa situação, elaborei um questio-
nário que me possibilitasse obter um retrato das práticas corporais
que eram de conhecimento da turma. O questionário foi organizado
com as seguintes questões:

1. Quais as manifestações da cultura corporal de que você mais gosta 137


e/ou acompanha de alguma maneira (praticando, observando ou-
tras pessoas praticarem, através das mídias ou outro meio)?
2. Entre essas manifestações corporais, qual delas você nunca viven-
ciou nas aulas de Educação Física?

Na tabulação das respostas, que visava obter o maior número de in-


formações que auxiliasse a organização das próximas intervenções
didáticas, identifiquei as seguintes práticas mais acessadas pelos alu-
nos: futebol (34 citações), danças (25 citações), voleibol (21 citações),
lutas (20 citações) e natação (17 citações). Outras manifestações fo-
ram citadas, em escala menor: basquetebol, ginástica, atletismo, tê-
nis, caminhada, handebol, xadrez, tênis de mesa, rúgbi, ciclismo e
futebol americano.

Em relação à segunda questão, a dança teve o maior número de res-


postas como prática corporal que jamais vivenciaram ou estudaram nas
aulas de Educação Física. Tal fato me chamou a atenção, já que durante
os intervalos das aulas e nos passeios organizados pela escola havia
notado o gosto dos alunos pela música. Grande parte dos estudantes
exibia seus aparelhos de MP3, esbanjando criatividade e irreverência
na dança de diferentes ritmos. A partir disso e confrontando o cenário
encontrado com o objetivo geral do componente curricular de “criticar
os padrões de corpo estabelecidos para as diversas práticas corporais,

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valorizando o fato de que qualquer indivíduo pode expressar-se e co-
municar-se por meio de sua gestualidade”, elegi a dança como tema de
estudo para as próximas aulas. Ao anunciar a escolha da manifestação
corporal que seria estudada, percebi uma grande alegria da maioria da
turma, fato este que até me surpreendeu. Articulando-me ao objetivo
geral anteriormente mencionado, selecionei as seguintes expectativas
de aprendizagem para serem trabalhadas:

• Participar das vivências relacionadas à dança, independentemente


de suas características individuais, respeitando e reconhecendo a
possibilidade de expressar-se por meio da linguagem corporal.
138 • Construir, de forma coletiva, coreografias envolvendo temáticas
próximas e distantes de seu universo cultural, reconhecendo as
divergências de formas de execução e organização, manifestando
respeito ao direito de expressão dos colegas, de forma a buscar a
melhor maneira para a resolução de situações conflitantes.
• Vivenciar diferentes modalidades de dança, compreendendo-as
como forma sistematizada de expressão da linguagem, respei-
tando-se a diferença cultural presente em suas e manifestações
na sociedade, relacionando-as a fatores históricos, sociais e polí-
ticos e aos marcadores sociais de classe, gênero, etnia e religião,
entre outros.

Iniciei a primeira aula específica do tema com um breve diagnóstico


sobre quais os ritmos preferidos dos estudantes. Ao final, houve um
equilíbrio nos resultados apresentados, aparecendo em ordem de pre-
ferência o pop, o rock, a música clássica, o gospel, a lambada, o break,
o samba-rock, o forró universitário, o pagode e o funk.

No debate em torno do que os alunos conheciam sobre esses ritmos,


foram surgindo as seguintes colocações: “Eu passei a apreciar danças
e músicas através da minha família”, “A música é algo milenar, por
esse motivo não saberia dizer sua origem, entretanto passou e pas-
sa até hoje por diferenças principalmente raciais, estando presente
durante a escravidão e atualmente se mistura com R&B, jazz e soul”,

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“O balé foi criado pelos russos e espalhado pelo mundo. Nos dias de
hoje, há certa discriminação e preconceito com relação aos meninos
que dançam, sendo pouco vistos bailarinos. A dança me passa discipli-
na, paciência, persistência e confiança”.

Na segunda aula, organizei duas atividades com o intuito de “quebrar


o gelo”, pensando em alguns alunos que apresentavam certa timidez
em virtude de não estarem “acostumados” a tal vivência, talvez com
“medo” de se exporem diante do grupo. Para isso, a primeira atividade,
realizada na sala de dança, foi organizada com os alunos em duplas, na
qual um deles deveria criar um movimento ao som e ritmo da música
tocada e o segundo deveria imitá-lo. Em seguida, com outro ritmo mu- 139
sical, eles inverteriam os papéis.

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A segunda atividade teve como objetivo tirar o foco das individuali-
dades e, para tanto, organizei quatro grandes grupos; os alunos de-
veriam criar uma coreografia de oito tempos. Em seguida, coloquei
diferentes ritmos musicais, e os alunos deveriam adaptar a coreo-
grafia ensaiada a cada ritmo musical tocado (interferi nesse momen-
to solicitando que criassem grupos mistos em virtude da timidez de
alguns garotos). Deixei em aberto também a possibilidade de o grupo
criar uma coreografia sem necessariamente utilizar os ritmos que eu
colocava. A atividade foi um sucesso e houve a participação de todos
os alunos. O grupo que inicialmente demonstrava certa timidez apre-
sentou sua coreografia misturando passos de samba e break, rece-
140 bendo aplausos da turma.

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Com o objetivo de introduzir questões relativas ao preconceito de gê-
nero e outros, exibi o filme Footloose – Ritmo louco (1984) com a fina-
lidade de aprofundar a discussão sobre cultura, gênero, preconceitos
religiosos e o prazer da dança. Os alunos assistiram ao filme de posse
de um roteiro organizado com as seguintes questões:

1. No filme, há um rapaz forasteiro que, além de dançar, ainda in-


terfere em questões já consolidadas naquela comunidade. Como
você acha que as pessoas o julgaram? Você considera que o filme
reforça questões de gênero como, por exemplo, “dançar é coisa
de mulher” ou ainda “todo homem que dança é gay”? Quais as
suas percepções? Justifique suas respostas dando sua opinião 141
sobre o assunto.
2. Ainda pensando no filme, o pastor daquela comunidade usava o
poder da religião para convencer que a dança era algo ruim e que
por causa dela havia acontecido a morte de seu filho. Você acredita
que onde há dança há promiscuidade, quem dança abaixa a guarda
para o “inimigo”, ou você considera esses comentários preconcei-
tuosos? Ou, ainda, que dança e religião não podem caminhar jun-
tas? Quem dança é pecador e está condenado ao inferno?

No debate acerca do filme, surgiu a interferência da religião nas danças,


com algumas falas instigantes dos alunos: “em outro contexto, a dança da
capoeira também sofreu interferência da religião”, “existe a dança pro-
fética, presente em vários povos, que tem por objetivo entrar em con-
tato com uma entidade superior”, “o fenômeno gospel mostra que hoje
em dia as igrejas se utilizam da música e da dança para agruparem
mais fiéis”. Dois alunos também levantaram a questão da luta política
que o personagem do filme (Ren) encampou contra o conservadorismo,
citando que “os jovens atualmente precisam se envolver com política,
pois existem muitos casos de opressão contra a juventude ocorrendo,
como a própria repressão a estudantes em universidades do país”.

Registrei no meu diário de bordo as colocações apresentadas pelos


estudantes e sinalizei que, no decorrer das vivências propostas, tais

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temáticas seriam aprofundadas. Para a aula seguinte, pedi que os alu-
nos se organizassem em grupos, e cada um deveria trazer um CD com
o ritmo com que mais se identificava.

Na aula seguinte, cada grupo (de acordo com seu ritmo musical de in-
teresse) começou a elaborar sua coreografia. Após ensaio de cerca de
20 minutos, cada grupo apresentou sua coreografia aos demais, com
estes procurando acompanhar a coreografia dos colegas.

O trabalho prosseguiu com a organização de uma pesquisa em gru-


pos, com o objetivo de aprofundar conhecimentos relativos a cada mo-
142 dalidade de dança; outra intenção ainda era apresentar a história da
dança por intermédio da vivência das danças e, por isso, foi proposto
aos alunos que pesquisassem em diferentes fontes (internet, livros,
filmes, entrevistas com praticantes etc.) a história da dança escolhida
pelo grupo.

Acordamos o prazo de 15 dias para a apresentação da pesquisa de cada


grupo, e cada um deles teria 20 minutos para apresentar suas desco-
bertas e poder utilizar diferentes ferramentas (apresentação de vídeos,
apresentação oral, datashow etc.). Na segunda aula, cada grupo deve-
ria apresentar a dança em formato de oficina, expondo e explicando
os principais passos do estilo musical. Nesse intervalo, destinamos as
aulas para as preparações dos trabalhos, tanto teóricos como princi-
palmente os ensaios das coreografias.

Após os ensaios, os trabalhos expostos foram os seguintes: samba-


-rock, pop, lambada e break. Os alunos apresentaram em forma de se-
minário com aulas expositivas a origem, a história e a prática dessas
danças nos dias atuais3, utilizando e recursos como o datashow, carta-
zes, apresentação de roupas e fotos referentes a cada estilo.

3  Estava combinado que cada apresentação duraria 20 minutos, porém, sem exceção, cada uma
delas durou mais de 30 minutos. Remanejamos então o trabalho, de forma que cada apresentação
teria o espaço de uma aula para ser realizada.

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Após as belíssimas exibições do pop, da lambada e do samba-rock,
toda a turma ficou impressionada com as coreografias executadas pelo
grupo do break, a partir de movimentos que incluíam vários “mortais” e
outros de difícil execução. A partir de então, os alunos se interessaram
em aprofundar seus conhecimentos acerca do break e consequente-
mente de sua maneira de dançar. Percebi que se tratava de uma exce-
lente oportunidade de incluir as questões que haviam sido apontadas
nos discursos dos estudantes no início do trabalho e que, registradas
em meu diário de bordo, não poderiam passar em branco.

Passamos, então, a trabalhar tendo como pano de fundo o breakdan-


ce. Na explanação teórica sobre essa modalidade de dança, um dos 143
integrantes do grupo apontou que o estilo original é composto pela se-
guinte base de movimentos: toprock (e uprocks), footworks (legworks e
power moves) e freezes. Dividi novamente a turma em grupos e solicitei
que cada um deles pesquisasse um movimento específico do break,
que seria experimentado na aula seguinte. Para tanto, o grupo deve-
ria trazer registrada a descrição do movimento em um desenho que
ajudasse os outros na visualização, execução e explicação por meio da
expressão corporal.

Assim, na próxima aula, cada grupo apresentou as informações do


movimento do break pesquisado, e, a partir da explicação, a turma vi-
venciou os movimentos. Pedi a uma das alunas, que se recusava a par-
ticipar das vivências, que realizasse a avaliação dos trabalhos. No final
da aula, organizei uma roda e solicitei que essa aluna comunicasse
suas impressões: “Nem todos os grupos realizaram a tarefa proposta.
A falta do desenho impresso prejudicou o entendimento dos colegas de
forma a executar os movimentos. Apesar do esforço da sala, notei que
a maioria não entendeu as diferenças entre os movimentos do break”.

De posse dessa avaliação, percebi que era necessário um maior


aprofundamento dos movimentos que fazem parte da dança break.
Procurei vídeos na internet e encontrei vários tutoriais no YouTube,
de pessoas ensinando a execução dos toprocks, dos uprocks, dos

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legworks, dos power moves e dos freezes. Resolvi, então, passá-los na
aula seguinte. Tal estratégia possibilitou que os alunos percebessem
as diferenças entre os movimentos. Como estava enfrentando alguns
problemas com o uso de telefones celulares na escola, resolvi, então,
sugerir que os grupos gravassem raps que pudessem ser tocados nas
aulas de Educação Física. As duas aulas posteriores foram destinadas
para que os grupos treinassem os movimentos a partir das músicas
gravadas em seus telefones.

Durante as vivências, um dos alunos comentou que no bairro onde


mora existem pessoas do movimento hip-hop que costumam realizar
144 batalhas de break na praça próxima à sua casa. Perguntou, então, se
iríamos vivenciar a batalha de break em alguma aula. Como desco-
nhecia tal informação, perguntei a ele o que significava essa batalha.
Ele comentou: “Professor, a batalha de break é quando toca o rap e
dois dançarinos se enfrentam, se provocando. Vence aquele que exe-
cutar os movimentos mais difíceis”. Solicitei, então, aos alunos que
pesquisassem batalhas de break na internet ou em outros espaços
(parques, praças etc.) e trouxessem registradas as características
dessa produção cultural. Na data estipulada, os alunos puderam ex-
por seus achados:

“As pessoas formam uma roda, e dois dançarinos se enfrentam.”


“Em alguns vídeos, percebi que existem duplas contra duplas.”
“A música que toca é o rap.”
“Existe também a batalha de DJs.”
“Percebi, na pesquisa, que rolam vários campeonatos de break.”
“O objetivo é provocar o adversário, com movimentos bastante di-
fíceis de serem executados.”
“Quando uma pessoa entra na roda, ela entra fazendo o toprock.”

Organizamos a vivência com uma roda onde as pessoas deveriam


apresentar-se com movimentos que provocassem os colegas e mo-
vimentos aprendidos nas aulas anteriores. Um dos alunos ficou res-
ponsável por colocar as músicas que norteariam as apresentações.

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Fiquei bastante intrigado, já que todas as músicas tocadas eram de
artistas internacionais. Perguntei à turma se eles não curtiam o rap
produzido pelos artistas brasileiros. Um dos alunos se manifestou di-
zendo: “As batidas do rap internacional são muito mais legais. A única
coisa boa de ouvir rappers nacionais é que dá pra entender as letras,
que geralmente falam dos problemas da periferia”. Perguntei se todos
concordavam com a afirmação do colega. Alguns concordaram, porém
um dos alunos se manifestou: “Eu prefiro rap nacional. Vocês gostam
do rap internacional só porque é o que passa na MTV; vocês deveriam
assistir ao Manos e Minas”. Perguntei o que era isso e o aluno disse se
tratar de um programa que passa aos sábados, na TV Cultura, sobre
o movimento hip-hop. Como era sexta-feira, pedi a eles que, se fosse 145
possível, tentassem assistir ao programa no dia seguinte.

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Na outra aula, passei um vídeo retirado do YouTube que trata do rap
nacional4. As questões norteadoras para a análise do vídeo foram:
1. O rap pode ser considerado música de protesto? 2. Do que falam as
letras? 3. Você concorda com a crítica feita aos rappers americanos
e à mídia? Por quê? Organizei a turma em dois grupos: um deveria
defender o rap nacional e o outro, o rap internacional, apresentando
argumentos contra ou favoráveis ao contexto de produção. A discussão
foi bastante acalorada, e finalizamos o debate falando sobre a necessi-
dade do respeito às produções culturais de diferentes grupos sociais.

Para fechar o trabalho, lembrei-me dos meus registros no início do


146 trabalho, que traziam discursos dos alunos referentes à religião e tam-
bém às questões suscitadas no filme Footloose quanto a esse marcador
social. Para isso, solicitei uma pesquisa aos grupos sobre a relação
entre a religião e a dança. Cada grupo deveria escolher uma religião e
pesquisar qual a sua influência nas danças.

Na aula seguinte, os alunos, de posse das suas descobertas, deveriam


se reunir para discutir o assunto pesquisado e combinar a forma de
apresentação da pesquisa. As temáticas eleitas pelos grupos foram:

• Grupo 1: Manifestações religiosas indígenas.


• Grupo 2: A dança no candomblé.
• Grupo 3: A dança no interior das igrejas evangélicas.
• Grupo 4: O rap e a religião.

Um dos grupos trouxe uma pesquisa sobre manifestações religiosas


indígenas. Eles explicaram que os indígenas preservam o costume de
realizar suas comemorações com danças e cantos, para dar boas-vin-
das, para agradecer ou simplesmente para festejar um novo amanhe-
cer. Ao final, os alunos fizeram uma breve demonstração, de cerca de
um minuto, de uma coreografia indígena, com todos posicionados em
roda, homenageando Tupã, o deus do Sol.

4  <Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=5A2R14I4doo&feature=related>.

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Outro grupo apresentou pesquisa sobre a dança no candomblé, o qual,
segundo seus seguidores, é a dança que religa o ser humano a seu as-
pecto divino e a uma compreensão e comunhão com a natureza, a vida.
Os alunos trouxeram informações retiradas da internet sobre as dan-
ças. Nas danças, os orixás mostram seu poder e suas histórias através
dos movimentos:

• Xangô, deus do fogo e da justiça, pode dançar com seu oxê, um


machado de dupla ponta, fazendo justiça na terra ou com o fogo
que gera a vida.
• Os braços de Oxóssi, deus da caça, assemelham-se a flechas e
suas pernas parecem cavalgar enquanto caça o alimento para a 147
subsistência de seu povo.
• Oya-Iansã, deusa dos ventos e da magia, espalha os ventos com
seus braços e saia, numa dança guerreira e sensual.
• Oxum, deusa da beleza do ouro e das águas doces, banha-se nas
águas dos rios enquanto penteia-se balançando suas pulseiras e
olhando-se no espelho.
• Iemanjá, deusa-mãe dos orixás, a senhora do mar, segura seus
filhos queridos nos braços.
• Nanã dança com o ibiri, carregando-o como se ninasse um bebê.
• Ogum, deus da guerra e da forja, segura suas duas espadas guer-
reiras em suas mãos: com a primeira mata seus inimigos, com a
segunda limpa o sangue da primeira.

Os alunos enfatizaram que o candomblé reverencia as origens através


da repetição dos gestos ancestrais, passados de pai para filho, mantendo
viva a ligação com os antepassados que praticaram os mesmos gestos.
Esse grupo trouxe um vídeo de dança dessa religião de origem africana.

Um terceiro grupo procurou apresentar um breve relato sobre a contro-


vérsia que ocorre dentro das igrejas evangélicas quando o assunto é a
dança. Esse grupo salientou que, no atual período histórico – pós-moder-
nidade –, parte das igrejas evangélicas vive um momento de retorno às
artes, com a entrada, inimaginável em outras épocas,de manifestações

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cênicas, como a dança, o teatro e até o circo, nas igrejas. No entanto,
isso tem se dado de forma heterogênea e proporcionado em outras alas
religiosas mais repúdio e misticismo do que comunhão, arte e beleza. Ao
final, esse grupo, que tinha alunos vinculados a religiões evangélicas, fez
uma apresentação de música e dança gospel.

O último grupo apresentou uma pesquisa sobre o rap gospel. Na apre-


sentação, os alunos destacaram que esse gênero musical utiliza Cristo
como tema e tenta expor a fé do compositor, sendo a música utilizada
para fins de evangelização. O grupo também apresentou um rap retirado
do site YouTube5, denominado “Rap da religião”. Os autores da letra
148 satirizam a abertura de igrejas como um grande negócio de exploração
da fé das pessoas.

Comentário do professor autor do relato

“A partir do estudo da proposta baseada no multiculturalismo crítico e


nos estudos culturais, lancei-me a trabalhar com a manifestação da cul-
tura corporal dança. Essa manifestação sempre gerou em mim muita in-
segurança, principalmente por estar influenciado por outras propostas
pedagógicas, que enfatizam o ensino por demonstração, em que o pro-
fessor, através de suas ‘demonstrações’ para os alunos, deveria encami-
nhar o aprendizado de coreografias criadas por ele. No entanto, esse é
um sentimento experimentado por muitos professores, que, pela falta de
uma vivência anterior ou pela falta do devido aprendizado durante o ensi-
no universitário, preferem deixar determinados componentes da cultura
corporal de fora de seus planejamentos. Amparado nos estudos culturais,
procurando analisar o mapeamento verificado e percebendo a necessidade
de trabalhar com dança, me lancei à labuta. E a cada aula, mesmo sem dar
nenhuma demonstração, ou pouquíssimas demonstrações, me sentia for-
talecido com os alunos a cada ampliação e aprofundamento dos assuntos

5  <Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=S_uS4OXfgI0>.

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que eram propostos, debates que levavam os alunos a refletir sobre ques-
tões de gênero, de classe, de poder. A cada período fui verificando através
de registros, trabalhos, pesquisas, atitudes, um avançar de todo o aprendi-
zado dos alunos com a dança, vencendo seus medos, transpondo barreiras,
sentindo a dança, sentindo o ritmo e o prazer de dançar. E profissionalmen-
te pude sentir o prazer da realização pessoal por um obstáculo que também
superei, baseado nos estudos culturais e no multiculturalismo crítico.”

PONTOS PARA REFLEXÃO SOBRE


OS RELATOS DE PRÁTICA 149

Prezado leitor, entendemos que um trabalho na perspectiva aqui defen-


dida não acontece do dia para a noite. Sendo assim, você provavelmente
encontrará nos relatos anteriores algumas fissuras e deslizes, que evi-
denciam divergências em relação à perspectiva do currículo cultural.

Portanto, para cada relato de prática, será importante que você faça
algumas indagações, como, por exemplo:

1. O professor respeitou os princípios do currículo cultural?


2. O professor explicitou a expectativa de aprendizagem a ser tra-
balhada?
3. A escolha da manifestação corporal se deu a partir do mapeamen-
to do patrimônio cultural dos alunos?
4. Houve um aprofundamento e ampliação da temática abordada?
5. O professor menciona no relato os instrumentos de avaliação uti-
lizados no processo?
6. O trabalho focou a desconstrução de posturas preconceituosas re-
lacionadas aos marcadores sociais (gênero, raça, religião e local
de moradia, entre outros)?
7. O professor diversificou as estratégias de ensino, evitando a homo-
geneização da manifestação da cultura corporal estudada?

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8. A postura etnográfica (de investigação) diante da manifestação
corporal trabalhada ficou evidente, tanto por parte do professor
como por parte dos alunos?

A ideia é que estas e outras questões possam auxiliar você, professor,


quando da efetivação de suas ações didáticas no cotidiano escolar e, com
isso, evitar um olhar e uma prática pedagógica homogeneizantes, tendo
na identidade e na diferença (dos alunos e da comunidade escolar) um
estímulo para uma didática comprometida com todos.

150

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9. PERCEPÇÕES DO
GRUPO PARTICIPANTE

“Quando aceitei participar deste grupo, minha intenção, além de aprender


mais, era resgatar a identidade do profissional de Educação Física na es- 151
cola. Apesar das dificuldades encontradas, tarefas, leituras etc., gostaria
de expor minha gratidão e minha satisfação pelo aprendizado, pela colabo-
ração, pela aposta, na construção deste material. Aprendi muito, colaborei
e conheci profissionais brilhantes no que fazem. Parabéns ao Se s i pela ini-
ciativa de agregar os profissionais da área nesta proposta e principalmente
aos idealizadores deste projeto.”

Profa. Isabel Cristina Silva Bitencourt

“Quando ouvi falar deste projeto, vieram mil ideias em minha cabeça. E
o desejo de participar foi imediato! Na primeira reunião, quando vi todos
os professores, é que pude ter noção de que temos colegas muito com-
prometidos com o trabalho e com o estudo. Durante esse tempo aprendi
muito lendo livros, revendo minhas práticas, conversando com os colegas,
crescendo como pessoa e como profissional. Muitos relatos me chamaram
a atenção e pude notar como poderia ter meus alunos mais ativos em todo
o processo. Só tenho que agradecer a este grupo maravilhoso do qual tive
o privilégio de fazer parte e dizer que nós somos capazes!”

Profa. Rosivane Ramos Ferreira Guilherme

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“Quando recebi o convite para participar da elaboração do caderno de
orientações didáticas de Educação Física, eu me senti valorizada pela rede
Se s i e pensei, naquele momento, que de alguma forma eu poderia contri-
buir. Foi então que, aceitando o convite e participando da construção deste
documento, pude perceber quão grande e árdua seria essa tarefa, mas que
também seria um grande desafio para nós, professores. Assim, por meio
das leituras realizadas, do contato com a literatura e dos diversos momen-
tos de estudo e debates em grupo, vi que o desafio foi sendo superado, o
que me deixou muito realizada e satisfeita. Tenho certeza também de que
passar por essa experiência muito me enriqueceu profissional e academi-
camente. Agradeço a todos do grupo.”
152
Profa. Aline Steckelberg

“Estudar a Educação Física escolar inserida na perspectiva cultural é valori-


zar as diferentes práticas corporais presentes na sociedade. Grupos subjuga-
dos ou excluídos ganham espaço no currículo cultural. Os estudos culturais
colaboram para ratificar o objetivo da Educação Física escolar, que é o de
possibilitar aos alunos lerem criticamente a sociedade para melhorá-la.

Prof. Alisson Aurélio Rosa

“Realizar um sonho: escrever um livro sobre Educação Física! Foi a primei-


ra coisa que me motivou a participar desta equipe para escrever o caderno
de orientações didáticas de Educação Física da rede Se s i -SP. Começa-
mos... Muitos olhos arregalados e curiosos pelo que viria. A cada encontro
uma surpresa, uma lição nova, um aprendizado novo e a certeza de que
sempre temos o que aprender. Os meses se passaram e a equipe foi se
fortalecendo, conhecendo o valor e a inteligência de cada um dentro do
grupo; enquanto um tinha dúvida, o outro clareza, um tinha dificuldade,
o outro supria sua necessidade. A certeza plausível no rosto de cada um

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quando cada etapa era finalizada, sim nós somos capazes! Um prazer, uma
aprendizagem, uma realização! Obrigada pela oportunidade!”

Profa. Deise Aparecida Pinto

“Foi um trabalho de reflexão em equipe, com trocas enriquecedoras, entre


educadores e analistas, para que conquistássemos um material de quali-
dade e norteador para todos da área de conhecimento da Educação Física!”

Prof. Paulo Cesar Ferraz da Silva 153

“Participar da produção do caderno de orientações didáticas foi realmen-


te um momento de enriquecimento profissional, de muito aprendizado.
Deu-me a oportunidade de ampliar e compartilhar conhecimentos e, por
consequência, acreditar ainda mais que estamos fazendo uma Educação
Física que visa ao aprendizado e à formação do ser humano em suas dife-
rentes especificidades.”

Prof. Plínio Ricardo Carloto

“Foi um desafio!!! Nunca imaginei estar inserida em um processo de ela-


boração de um material pedagógico e criar uma proposta nova, buscando
aprimorar e melhorar a qualidade do ensino na minha área de atuação,
experiência esta única. Quantos ensinamentos, quantas descobertas,
quanta esperança. Ultrapassar as dificuldades foi um imenso aprendizado.
Conciliar tempo de trabalho e estudo, insegurança ao redigir e aceitar as
mudanças realizadas, me desprender de opiniões próprias em detrimento
de opiniões da maioria e me deslocar para reuniões presenciais foram al-
gumas dessas dificuldades. Aprendi a trabalhar melhor em grupo; aprendi

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a aceitar as diferenças; aprendi que o conhecimento é infinito; aprendi que
nunca devemos achar que tudo vai bem e que não precisa ser mudado;
aprendi a olhar, questionar, criticar minha prática docente; aprendi que
nada é eterno e enfim aprendi que é possível.”

Profa. Viviana Martins Goto

“Participar da elaboração do caderno de orientações didáticas de Educa-


ção Física me deu a oportunidade de conhecer várias realidades (algumas
154 iguais e outras muito diferentes da minha). A indicação de um caminho era
o que eu procurava quando aceitei o convite para o projeto, e hoje tenho um
rumo a ser seguido por todos.”

Profa. Aline C. Ribeiro

“Participar da construção desta proposta uniu uma série de pensamentos


dentro de uma visão multicultural. Atualizei meus conhecimentos, me sur-
preendi com a minha evolução, entendi quais eram os objetivos das reu-
niões e me apaixonei pela proposta lendo as bibliografias, com o que me
senti tranquila em escrever. Foi a primeira vez que me desafiei a escrever
algo e muitas vezes mudei minha opinião diante das discussões do grupo.
Agradeço a todos que se empenharam neste trabalho, pois vocês são parte
de tudo aquilo que aprendi. Hoje tenho a certeza de que meu trabalho como
professora de Educação Física é indispensável para a sua ressignificação.”

Profa. Iara Anaí Raimundo

“Nos oito encontros presenciais que tivemos, pude ampliar meus conhe-
cimentos, não só pedagógicos, mas relacionados à instituição em que tra-

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balhamos, ao que cada um vive em cada canto de nosso estado, podendo
trocar, aprender e ensinar o que construímos juntos. Percebo que somos
peça fundamental para que nosso trabalho realmente saia do papel com
qualidade, capacitando nossos colegas que não tiveram a oportunidade de
participar do grupo e lhes dando suporte sempre que necessário.”

Prof. Athos Alves Goulart

“Quando recebi o convite para participar da elaboração do caderno técnico


da Educação Física escolar, fiquei muito entusiasmada com a proposta, 155
afinal era uma maneira de estudar e me atualizar. Logo no primeiro en-
contro, adorei o contato com o Marcos Neira, tão conceituado profissio-
nal que atua na área da Educação Física escolar, mas me vi com muitas
necessidades de estudo e pesquisa para dar conta das tarefas. A partir
do segundo encontro e com mais embasamento teórico reforçado pelos
materiais fornecidos, pude compreender que poderia contribuir com mi-
nhas experiências e o próximo desafio foi escrever e tentar entender o que
os meus colegas que também escreviam queriam dizer sobre o que nos
era solicitado; aí então pude compreender que também era uma fase que
necessitava de bastante empenho de todos, mas o Marcos e toda a equipe
técnica da Divisão de Esporte e Qualidade de Vida estiveram sempre a nos
esclarecer e estimular para a participação. O ano de 2012 começou e fi-
quei esperando ansiosa para que continuássemos o projeto, o que aconte-
ceu apenas no segundo semestre e desta vez sem o consultor, mas com o
mesmo entusiasmo da equipe técnica da Divisão de Esporte e Qualidade de
Vida. As tarefas se intensificaram e o que tínhamos que escrever era mais
intenso e volumoso, mas no último encontro pudemos perceber que todas
as etapas tinham sido cumpridas e o documento estava pronto. Agradeço
a oportunidade de ter feito parte desse processo, onde aponto um cresci-
mento e marco da minha vida profissional.”

Profa. Alessandra Bergamo Sigrist Dal Bó

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“Participar da construção dessa proposta foi uma experiência única. Foi
muito rico encontrar pessoas de tão diferentes realidades e com tantas
ideias diferentes unidas num único propósito. Profissional e pessoalmen-
te, é impossível sair ileso após uma vivência como esta. Valeram cada en-
contro e cada leitura, e valeu muito mais a oportunidade de fazer parte de
tudo isso!”

Daniela Catão Maziero de Mello

156 “Participar deste projeto foi um grande desafio pessoal e profissional, devi-
do à importância dessa construção, na qual tivemos que administrar todas
as demandas, a fim de contribuir com ela. Construção, palavra-chave, pois
este grupo fez uma aposta, aposta na quebra de paradigmas para o desafio
da elaboração de novas perspectivas pedagógicas para a Educação Física
do Se s i -SP. O trabalho da equipe de gestores da De q v (Divisão de Esporte
e Qualidade de Vida) foi excelente, com uma condução firme e precisa. A
atuação do grupo de professores de Educação Física e coordenadores de
CLE foi fantástica e o aspecto mais preponderante foram a cooperação, a
qualidade das discussões, sempre com muita clareza e profissionalismo.
Estabelecemos laços afetivos que ultrapassaram as dimensões do traba-
lho. Todo o processo foi tratado com carinho e atenção aos detalhes, para
que nossa aposta desse certo. Cada encontro foi um exercício prático de
tudo o que propomos para o caderno técnico e para a formação de nossos
alunos-cidadãos: democracia, respeito, ética, solidariedade e comprome-
timento. Fazer parte de um grupo tão especial e vivenciar experiências tão
importantes contribuíram para meu desenvolvimento pessoal. Consegui-
mos! Chegamos ao final e a sensação é de que conseguimos! Que nos-
sas práticas pedagógicas possam contribuir de forma mais efetiva para a
transformação das vidas que passam por nossas escolas e que a Educação
Física continue cumprindo seu papel dentro do projeto pedagógico da es-
cola Se s i -SP, com vistas a formar cidadãos éticos, participativos e felizes.”

Kátia Valérya dos Santos Souza

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“Fiquei sabendo sobre o projeto no treinamento de professores em julho
de 2011 e desde o início me interessei por ele. Tinha dúvidas se poderia
participar, pois havia acabado de entrar para a rede Se s i de ensino, po-
rém, para minha surpresa e alegria, fui muito bem recebida e aceita no
grupo. Participar deste projeto, estudando, refletindo e escrevendo sobre
as funções da escola e o papel da Educação Física nesse cenário e sobre
a importância de trabalhá-la numa perspectiva cultural, foi muito gra-
tificante e enriquecedor para refletir sobre a minha prática pedagógica
com os alunos. Agradeço a todos os envolvidos nesse processo e desejo,
àqueles que farão deste documento um referencial para sua prática pe-
dagógica, um ótimo trabalho.”
157
Adriana Garcia

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