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156 Monica Haydée Galano (1990). O método IIT. Lisboa, Publicagdes Europa-Amé- PAEZ, D, ¢ ASSUN, D. (1992). Clima emocional, estado de dnimo conducta colectiva: el caso Chile 1973-1990. Comunicacién al Congreso Ibero-americano, Madrid. PRIMAVERA, H. (1992). Disefio ontoldgico, discurso y précticas te- rapéuticas. Buenos Aires, Apuntes INTERFAS DIMENSAO ETICO-AFETIVA DO ADOECER DA CLASSE TRABALHADORA BADER BURIHAN SAWAIA presente texto faz uma reflexdo da dimenséo ético-afetiva do processo satide-doenca, a partir do referencial da Psicologia Social Co- ‘munitéria, que no meu entender é um dos raros eixos te6rico-metodo- légicos orientado, explicitamente, por pressupostos éticos, praxis cien- tifica comprometida com a emancipagéo humana. Por que a énfase na dimensio ético-afetiva do adoecer e qual seu significado no contexto desta reflexdo? Saiide é um fenémeno complexo ¢ nfo basta a ampliagao do en- foque biolégico, no sentido de abranger 0 psicol6gico eo social, como varidveis, para superar a dicotomia mente-corpo instalada por Descar- tes, Satide & uma questo eminentemente s6cio-historica e, portanto, ética, pois € um processo da ordem da convivéncia social e da vivéncia ‘pessoal. Em quase todas as doencas encontram-se relagées curiosas entre ‘0 que se passa na cabeca das pessoas e a evolucao de sua doenca fisica. Isto significa que é preciso colocar no centro da reflexo sobre 0 adoecer a idéia de humanidade e, como temética, o individuo e a ma- neira pela qual ele se relaciona consigo mesmo e com o mundo social a que pertence (grupos, familia, comunidade, sociedade mais ampla), compreendendo: como ser de razio que trabalha, como ser ético que compartitha e se comunica, como ser afetivo que experimenta e gera prazer ¢ como ser biol6gico que se abriga, se alimenta ¢ se reproduz, com um corpo que, além de ser determinado pelo universalismo do bio légico, & antes uma realidade simbélica. Promover a satide equivale a condenar todas as formas de condu- ta que violentam 0 corpo, o sentimento e a razio humana gerando, conseqiientemente, a servidao e a heteronomia. Segundo Betinho, coor denador da atual Campanha contra a Fome no Brasil: “0 brasileiro tem fome de ética e passa fome por falta de ética””. 158 Bader Burihan Sawaia Por isso, no Ambito desta reflexdo, retoma-se o conceito de ‘'s0- frimento psicossocial!”, apresentado no capitulo 3 da 1 parte, para analisé-lo & luz de uma pesquisa participante realizada em uma favela dda cidade de Sao Paulo, onde o referido conceito apareceu, metafori- camente denominado “tempo de morrer”.? ‘A pesquisa tinha como objetivo analisar 0 processo da consciéncia ‘das mulheres que viviam em condigdes subumanas esofriam o desprezo piiblico, sendo discriminadas como o rebotalho da classe trabalhadora, um aglomerado sujo, preguigoso, ineapaz de perceber 0 préprio soft mento, sendo, por isso, quase impossivel acordé-las de seu torpor. Mas essas mulheres surpreenderam a sociedade ao organizarem e participa- rem de movimentos que conseguiram promover, apesar de restrtas, mu- dancas na atitude do poder publico municipal em relagZo A favela. ‘A andlise da consciéncia revelou 0 processo psicossocial através do qual as mulheres sio atingidas tanto na sua integridade fisica quan- to psiquica e que nao hé possibilidade de dizer que danos fisicos cau- sam mais sofrimento que danos mentais ¢, portanto, sejam mais rele- vantes no processo satide-doenga. Desde pequenas, essas mulheres sofrem a falta de amparo externo real falta de controle absoluto sobre o que ocorre) ea falta de amparo subjetivo (falta de recursos emocionais para agir). Adquiriram, nas re- lagGes sociais cotidianas, a certeza da impossibilidade de conquistar 0 objetivo desejado e desenvolveram a consciéncia de que nada podem fazer para melhorar seu estado. Desde cedo, aprenderam que lutar e enfrentar é um processo infrutifero e, as que ousaram, receberam co- ‘mo prémio mais sofrimento. ‘Assim, 0 pensar descolou-se do fazer e tornow-se sindnimo de trs- teza e medo. Para elas, pensar € softer, é tomar conhecimento da dor e da miséria, eo agir ¢ infrutifero. Sao mulheres submetidas a “disci- plina da fome” (Dejours, 1988), t&m 0 tempo todo tomado pela lute incessante para a manutenedo da vida, sem o conseguir dignamente. CO trabalho estafante redunda em nada para elas e para os filhos. Um trabalho que deixa um gosto amargo na boca, Para referirem-se a este estado subjetivo e objetivo que foi descri- to, as mulheres faveladas usam a expressio “tempo de morrer” em con- traposigdo ao ‘tempo de viver"’, recorrendo a uma marcagdo temporal afetiva para dividirem suas historias de vida e assim redistribuirem, emo- cionalmente, diferentes parcelas do tempo biolégico e cronol6gico. 1. Sofrimento psicossocal € aqui entendido como sintoma de uma das caréncias mais profundas da modernidade: ndo saber conviver com a diferenga, no reconheczt que fossa intepridade depende da integridade alheia, permitindo que o confit atinja 0 Ponto de ameacar a sobrevivencia de todos, (José Gianoti. Folha de S. Paulo, 10.10.1992, Tendéncis ¢ Debates) 2, Mais uma expressdo que se soma as citadas no capitulo 3, p. 50-51, para referirse sao sofrimento psicossrial, como zero afetvo, servidio volunti, desamparo, doenca os nervos, alienagao. Dimensio ético-afetiva do adoecer da classe trabalhadora 159 Em todos os relatos, o tempo de morrer é um tempo na voz pass va. Nele as pessoas no tém poder nenhum sobre si e sobre os aconte- cimentos. A imagem mais usada para descrevé-lo é a de prisdo, cujas grades sdo as relacdes que compdem o cotidiano das pessoas que a re- presentam. (0 “tempo de morrer’” é caracterizado pela falta de recursos emo- cionais, de forea para agir e pensar e pelo desfnimo em relagdo & pré- pria competéncia, E um auto-abandono aos préprios recursos inter- nos, ¢ a consciéncia de que nada se pode fazer para melhorar seu esta- do. E a cristalizagao da angustia. © comportamento emocional que caracteriza 0 tempo de morrer, pode ser definido como um estado letargico de apatia, que vai ocupan- do o lugar das emosdes até anulé-las totalmente, um estado de tristeza passiva que transforma o mundo numa realidade afetivamente neutra, Teduzindo 0 individuo ao ‘‘zero afetivo”” (Sartre, 1965:60) e ativo. No ‘tempo de morrer’’, 0 softimento é a vivencia depressiva que condensa os sentimentos de indignidade, inutilidade e desqualificagao. Ele é dominado pelo cansaco que se origina dos esforcos musculares da paralisacdo da imaginagdo ¢ do adormecimento intelectual neces- sério A realizacdo de um trabalho sem sentido e que nao cumpre sua funcdo de evitar a fome. Para a maioria delas, o inicio da vida ndo coincide com 0 mo- ‘mento do nascimento, mas com 0 inicio do “tempo de viver” que & ‘a superagdo do “tempo de morrer””, ao qual esto aprisionadas desde ‘© nascimento. “Tempo de viver”” € 0 tempo de agir com mais coragem ¢ audi cia, é tempo em que se despertam as emogdes, quer sejam elas posit vas ou negativas. ‘© “tempo de viver”” ndo se confunde com o viver bem, ele é um. tempo de convite & vida, mesmo sendo uma vida sofrida. E 0 momen- to da transformacao das relagdes objetivas que aprisionam as emogdes, fa aprendizagem, a humanidade ¢ a sensagdo de impoténcia se trans. forma em energia ¢ forca para lutar. Tempo de viver no é o tempo do desaparecimento da angastia, alids nunca se chega a isto. Trata-se de tornar possivel a luta contra ela, para resolvé-la, ¢ ir em direcio a outra angiistia. (Dejours, 1986) A passagem do tempo de morrer para o tempo de viver no é ds da por um acontecimento ou por uma mudanca de atividade. Estes fa- tos podem colaborar, mas o fundamental é a mudanca na relagdo en- tre o ser ¢ 0 mundo, é o restabelecimento do nexo psico/fisiolégico/so- cial superando a cisfo entre o pensar/sentir/agir. Para que ocorresse essa transigao na vida das mulheres faveladas foi preciso um principio de forca, que elas encontraram nas atividades ‘a que se dedicaram: nas aulas de artesanato na Associagao dos Mora- dores, ¢ nos movimentos reivindicatérios. Uma vez vislumbrado esse Principio de forga, liberam-se as emogdes e 0 desejo. A sensagio de 160 Bader Burihan Sawaia impoténcia pode repentinamente se transformar em energia e forga de uta, Para exemplificar estas reflexes passo a relatar um dos momen- tos mais importantes da pesquisa, ocorrido durante as aulas de artesa- nato. Antes, porém, é necessério explicar por que a pesquisa ofereceu ‘um curso de artesanato as mulheres da favela em estudo. ‘Apés trés meses de contatos semanais, formou-se um grupo de ‘mulheres que passou a se reunir semanalmente na favela para discutir temas sobre corpo, sexualidade, participacdo nos movimentos sociais, visando 0 desenvolvimento de uma consciéncia critica capaz de possi- bilitar a prética politica transformadora. Apés um més de reunides se- manais, descobriu-se algo que alterou 0 rumo da pesquisa. As mulhe- res ndo precisavam de um grupo de reflexao para discutir criticamente seu cotidiano, mas de uma atividade que thes possibilitasse passar de uma atitude resignada para uma postura de enfrentamento e de aco. Além disso, so mulheres que passam fome. Para enfrentar esas duas caréncias, a falta de forca e a fome, surgiu a idéia da produgdo e co- ‘mercializagéo de artesanato. Proposta essa que encontrou apoio no pres- suposto tedrico de que a consciéncia nao é auténoma, e que é no seu encadeamento com as condigdes materiais de existéncia que se vislum- bram possibilidades de saltos qualitativos. O curso comecou com uma atividade facil de ser assimilada e exe- ‘cutada, mas, ao mesmo tempo, capaz de produzir efeito rapido e bo- nito (mesmo quando executada sem muita habilidade) — a pintura em tecido. Essa técnica foi usada para a confecco de panos de prato, por serem de facil comercializacao, sendo seu comprador nada exigente quanto a perfeigao ¢ detalhes da confeccao. dinheiro da venda dos panos de prato foi distribuido no inicio ‘entre as produtoras, de acordo com o trabalho produzido, nao em- pregado, como havia sido previsto, na compra de novos materiais. ‘Assim elas teriam rapidamente 0 feedback do esforco despendi- do, em nivel subjetivo e, objetivamenie, na realizagio do trabalho. As primeiras aulas foram um sucesso. ‘A pintura em tecido, além de ter sido aprendida com muita faci- lidade, estimulou a criatividade e a disposicao para o trabalho. ‘Apés momentos de hesitagao e diividas sobre a prépria capaci- dade de aprender, mergulharam com incrivel concentraco na nova ati- vidade, até ndo sentirem o tempo pasar. Apés trés horas de trabalho, reclamavam que ainda era cedo para terminar, apesar de saberem que em suas casas havia uma quantidade enorme de tarefas a espera. Elas estavam maravilhadas com 0 que conseguiam fazer. Inventavam ris- cos diferentes. Os filhos e o companheiro comecaram a se interessar pelo que elas faziam e pela possibilidade de se ganhar um “‘dinheiri- nho" vendendo 0s panos de prato em bazares e bingos. ‘Todas as semanas traziam os trabalhos feitos em casa, demons- trando a preocupasao de sempre apresentar uma novidade — “Vou Dimensio ético-afetiva do adoecer da classe trabalhadora 161, caprichar para meu marido achar ainda mais bonito do que o da semi nna passada’”’. A idéia era de aumentar gradativamente a complexibilidade das tarefas, para que fossem se sentindo capazes de aprender e superar as dificuldades, e sempre estimulando a criatividade. Para diversificar a producdo e evitar a repetigao cansativa e mo- nétona das mesmas peas, foi proposta a confeceao de bonecas de pa- no estilizadas, a serem utilizadas como saché. O corpo era reto, sem ‘marcar 0s bragos e as pernas para facilitar a execuca0. Os moldes fo- ram distribuidos e ensinou-se a pintura do rosto. As mulheres ficaram de apresentar algumas bonecas-saché prontas na semana seguinte. Qual nao foi a minha surpresa! Algumas das alunas, além das estilizadas bonecas-saché, trouxe- ram bonecas lindas, de corpo estruturado, com bragos, pernas e maos, formando casais de noivos, bailarinos, confeccionadas com tecido bri- Thante e cheias de arroz. ‘aminho- ‘As bonecas de Bader ndo tinham bragos, as pernas eram igu cas, veja esta Bader. (Marinalva) Elas estavam euféricas, chegaram todas juntas, ansiosas por mos- trar as bonecas, prevendo o impacto que causariam. Contaram que, a0 confeccionar as bonecas a partir do molde que eu indicara, lembraram-se daquelas que suas macs ¢ avés faziam para elas brinca- rem quando criancas. Tiveram vontade de reproduzi-las, para mostrar a mim e aos filhos. 14, no Norte, as mdes fazem bonecas para as criangas. Elas fieam lou- cas de alegria. Interessante é que até aquele momento elas nao haviam sequer Jembrado dessas bonecas para fazer aos seus filhos e, mais, nem ao menos tinham idéia de que sabiam fazé-las. Esse foi um momento crucial para o grupo. © momento simbéli- co da independéncia das artesds frente & minha tutelagem, e de recupe- racio do significado pessoal do criar na producao. ‘As mulheres artesas comecavam a adquirir 0 dominio intelectual do que suas maos faziam e, naquele momento, puderam contemplar-se no que criavam, sem se sujeitar a um poder externo e privado do senti- do da sua prépria atividade. Comegaram a criar de forma independen- te, 0 que estimulou a meméria, articulou 0 passado ¢ o presente, res- suscitando emogdes escondidas. O trabalho passou a exigir uma participacdo ativa da inteligén- cia, da fantasia e da emocao. ‘Ao se apropriarem do ato da produgio, algumas se deslumbra- ram como se estivessem despertando para

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