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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015: volume V

CARDONA, Luiz Cláudio.


FORTES, Maíla Nobre Vilela.
LEMOS, Igor.
LOU, Cecília
TEIXEIRA, Sérgio Torres.

isbn: 978-85-54191-01-6
1ª edição digital, baseada na 1º edição impressa, junho de 2018.

capa e editoração eletrônica: Luiz Cláudio Cardona


tesouraria: Cecília Lou

Editora LCCP
Rua Carneiro Vilela, 620 - 3º Andar, Aflitos
recife, pe – cep: 52050-030
lccp.editora@gmail.com

Todos os direitos reservados.


É proibida a reprodução deste livro com fins comerciais sem
prévia autorização dos organizadores da obra.
Coordenador
Sergio Torres Teixeira
Luiz Cláudio Cardona
Organizadores
Cecília Lou
Igor Lemos
Luiz Cláudio Cardona
Maíla Nobre Vilela Fortes

Volume V

Cecília Lou Melissa Lucena


Edna Maria da Silva Nathally Brandão Lins
Fernanda Maria Albuquerque Paulo Roberto de Macêdo Brandão
Frederico Augusto Leopoldino Koehler Paulo Santana
Gregory Victor Pinto de Farias Rafael Rocha
Kaline Epaminondas Rizzo Rafael Targino Falcão Farias
Luiz Cláudio Cardona Renata Arcoverde
Luiz Otávio Emerenciano Romero Solano de Oliveira Magalhães
Maíla Nobre Vilela Fortes Sergio Torres Teixeira
Maria Eduarda Portela Victor Rizzo Carneiro da Cunha
Mariana Dardenne Vitória Regina Mergulhão
Maurício Schibuola de Carvalho

2018
Volume V
Conselho Editorial da Pós-Graduação em Direito Processual Civil
Contemporâneo da Universidade Federal de Pernambuco

Alexandre Freire Pimentel Larissa Maria de Moraes Leal


Doutor em direito e professor da UFPE e da UNICAP Doutora em direito e professora da UFPE
Bento Herculano Duarte Neto Leonardo Carneiro da Cunha
Doutor em direito e professor da UFRN Doutor em direito e professor da UFPE
Delosmar Mendonça Júnior Liana Cristina da Costa Cirne Lins
Doutor em direito e professor da UFPB Doutora em direito e professora da UFPE
Francisco Ivo Dantas Cavalcanti Marcelo Labanca Corrêa de Araujo
Doutor em direito e professor da UFPE Doutor em direito e professor da UNICAP
Francisco Queiroz Cavalcanti Gustavo Ferreira Santos
Doutor em direito e professor da UFPE Doutor em direito e professor da UFPE e da UNICAP
Hugo Cavalcanti Melo Filho Rodolfo Pamplona Filho
Doutor em ciência política e professor da UFPE Doutor em direito e professor da UFBA
José Mário Wanderley Gomes Neto Sergio Torres Teixeira
Doutor em ciência política e professor da UNICAP Doutor em direito e professor da UFPE e da UNICAP

Editora LCCP
1
Programa de Pós-Graduação em Direito
Rua Carneiro Vilela, 620 - 3º Andar, Aflitos Universidade Federal de Pernambuco
recife, pe – cep: 52050-030 Rua do Hospício, 371 - Bloco: C - 2º andar
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O conteúdo dos artigos é de responsabilidade de seus autores

Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CP)


E82

Estudos contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015, Volume V / Sergio


Torres Teixeira; Luiz Cláudio Cardona (Coord.). - Recife: Editora LCCP, 2018.

3,55 Mb ; PDF (402 p.) – (Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de
2015 ; 5)

Adaptado digitalmente do livro impresso.


ISBN: 978-85-54191-01-6

1. Processo civil. 2. Direito processual. 3. Autocontrole. I. Teixeira, Sergio Torres (co-


ord.). II. Luiz Cláudio Cardona (coord. e org.). III. Cecília Lou (org.). IV. Maíla Nobre Vilela
Fortes. V. Igor Lemos (org.). VI. Série.

CDU: 347.9
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Apresentação

A coletânea Estudos Contemporâneos sobre o CPC/2015 chega


ao seu quinto volume.

Seguindo a tradição fundada por sua antecessora, a II Turma


do Curso de Especialização em Processo Civil Contemporâneo do
Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal
de Pernambuco, lança este volume, composto por artigos produzi-
dos por seus discentes na conclusão do primeiro módulo do curso.

Os artigos deste volume não seguem uma única linha de ra-


ciocínio ou de tema, mas diversos, como é salutar para uma tur-
ma heterogênea, cujas experiências diversas que viveram seus in-
tegrantes até se unirem neste curso fazem a troca de ideias mais
enriquecedora e complexa.

Colaboraram com este projeto todos os docentes que ministra-


ram aulas sobre relevantes temas versados na relação entre Proces-
so Civil e Constituição, nomeadamente, os professores: Francisco
Ivo Dantas Cavaltanti, André Vicente Pires Rosa, Roberto Pinheiro
Campos Gouveia Filho, Paulo Roberto Cerqueira, Gustavo Ferreira
Santos, Leonardo Carneiro da Cunha e Sérgio Torres Teixeira.

O volume ainda conta com artigos dos professores Sérgio Tor-


res Teixeira, que nos presenteia com sua coordenação diligente do
curso e desta coletânea, e Frederico Augusto Leopoldino Koehler,
que nos honra com o prefácio desta obra.

Algumas mudanças foram implementadas neste volume. A pri-


meira está no nome da coletânea, que deixou de ser chamada Es-
tudos Contemporâneos sobre o Novo CPC e passou a ser chamada
de Estudos Contemporâneos sobre o CPC/2015. A mudança se deu
 I
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

devido à reflexão de que o estatuto não deve ser visto como novo
eternamente e que novas podem ser as discussões e perspectivas
pelas quais será tratado durante sua vigência.

O processo de revisão também foi aprimorado.

De certo que os artigos produzidos em uma pós-graduação são


frutos das discussões mútuas e troca de perspectivas e reflexões.
Buscando aprimorar este processo, o artigo submetido à comissão
organizadora deste volume passou por um processo de revisão co-
laborativa pelos pares. Desta forma, cada autor teve a oportuni-
dade de revisar artigos de dois outros colegas, podendo contribuir
para o aprimoramento do trabalho dos colegas. Esta metodologia
permitiu o aprofundamento do diálogo entre os discentes sobre a
matéria específica de seus artigos, estabelecendo uma rede dialéti-
ca na produção do conhecimento.

Dito isso, tenho a honra de vos apresentar o Volume V da cole-


tânea Estudos Contemporâneos sobre o CPC/2015, na perspectiva
de contribuir para os debates hodiernos do Processo Civil.

Luiz Cláudio Cardona

 II
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Agradecimentos

O primeiro agradecimento não poderia deixar de ser ao leitor,


razão final de qualquer obra, cuja existência per si depende, im-
preterivelmente, de uma finalidade. Nosso muito obrigado a você
que se prontificou a beber do conhecimento destilado e fermenta-
do pelos autores que assinam esta obra. Esperamos que possamos
contribuir para o aprimoramento de suas ideias.

Reconhecimento especial ao professor Sérgio Torres Teixeira,


que não apenas coordena o Curso de Especialização em Processo
Civil Contemporâneo do Programa de Pós-Graduação em Direito
da Universidade Federal de Pernambuco, mas também a coletânea
com a qual tivemos a honra de contribuir com a organização deste
volume. Em seu nome, agradecemos a todos os docentes pelo co-
nhecimento compartilhado e pelas discussões travadas.

Pequena é a retribuição com palavras à imensa dedicação de


Mário e Beth, que cuidam deste curso e da turma com atenção,
zelo e gentileza. Em nome deles, agradecemos a todos os outros que
servem ao PPGD/UFPE.

Não poderíamos deixar de estar grato a todos os autores, que


se prontificaram, não só a contribuir com seu conhecimento e pe-
rícia, mas também a participar do processo de revisão colaborativa
pelos pares.

Cecília Lou
Igor Lemos
Luiz Cláudio Cardona
Maíla Nobre Vilela Fortes
Organizadores

 III
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Prefácio

Honraram-me os alunos da Especialização em Direito Proces-


sual Civil da Faculdade de Direito do Recife - FDR com o convite
para, dentre tantos professores que lecionaram no curso, escrever
este prefácio.

Dou o meu testemunho positivo sobre os alunos que partici-


param do curso, muitas vezes equilibrando com maestria as atri-
buições da família, do trabalho, das pesquisas acadêmicas, dos
estudos para participação em concursos públicos, e, como se não
fosse pouco, encontrando tempo para elaborar uma obra coletiva
que tentasse reunir parte dos conhecimentos agregados durante a
pós-graduação.

É com muito orgulho que atestamos o êxito dessa empreita-


da. Os discentes, que sempre se mostraram tão interessados nas
aulas, delas participando com perguntas e colocações pertinentes,
possibilitaram a criação de um ambiente salutar de debates e re-
flexões. Isso culminou em conhecimento fluindo em mão dupla,
todos aprendendo juntos, no que se convencionou conceituar mo-
dernamente como processo de “ensinagem”. Faço minhas as pala-
vras da poeta Cora Coralina: “Feliz aquele que transfere o que sabe
e aprende o que ensina”.

Apresentamos ao público, pois, com muita alegria, o volume


V dos Estudos Contemporâneos sobre o CPC/2015. Transcorridos
dois anos de adaptação à nova legislação, a práxis forense já revela
várias interpretações e aplicações interessantes do CPC/2015. Cabe
à comunidade jurídica, especialmente aos que participam da aca-
demia, pesquisar e buscar reflexões que permitam trazer soluções
para os problemas práticos daí surgidos. Os alunos e professores
 IV
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

da Especialização em Direito Processual Civil da FDR vêm dar a


sua contribuição sobre os aspectos teóricos e práticos, bem como
os zetéticos e dogmáticos, que rodeiam o novo diploma legal.

O Programa da Pós-Graduação em Direito da UFPE está de


parabéns pela belíssima obra produzida.

Aproveito a oportunidade para agradecer aos servidores da


casa, Mário e Beth, pelo apoio constante na organização do curso,
e aos alunos que “colocaram a mão na massa” para a concretização
do trabalho.

Faço questão de registrar os agradecimentos ao Prof. Sérgio


Torres Teixeira, mestre e amigo de longa data, por ter idealizado e
sempre apoiado incondicionalmente essa série de estudos que já se
tornou tradição e marca registrada do PPGD da UFPE.

Sem mais delongas, convidamos a todos para que desfrutem


da leitura dessa bela obra, mais um pilar na construção do pensa-
mento jurídico da Casa de Tobias.

Recife, março de 2018.

Frederico Augusto Leopoldino Koehler

 V
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Sumário

Apresentação I
Agradecimentos III
Prefácio IV
Sumário VI

Os honorários advocatícios sucumbenciais na liquidação de sentença:


revisitação de algumas questões que envolvem o tema à luz do CPC de
2015 9
Cecília Lou

Garantias Constitucionais do Processo: conforme direitos reconhecidos


e tutelados no texto da Constituição Federal 36
Edna Maria da Silva

Considerações sobre a economicidade processual à luz do Código de


Processo Civil de 2015 46
Fernanda Maria Albuquerque

O sistema de precedentes vinculantes e o incremento da eficiência na


prestação jurisdicional: aplicar a ratio decidendi sem rediscuti-la 56
Frederico Augusto Leopoldino Koehler

A presença da Defensoria Pública no processo civil e o establishment


jurídico tracejado pela boa-fé: responsabilidade política ou atuação
estratégica? Ensaio sobre a ratio ôntico-ontológica de cariz
constitucional 72
Gregory Victor Pinto de Farias

Princípio da primazia das decisões de mérito: a forma versus a intenção


91
Kaline Epamonondas Rizzo

A invocação do precedente e sua eficácia em relação ao art. 489, §1º, VI,


CPC. 103
Luiz Cláudio Cardona

Honorários advocatícios sucumbenciais: medidas efetivas de


desencorajamento ao ajuizamento de demandas temerárias 118
Luiz Otávio de Souza Jordão Emerenciano


 VI
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Os Direitos Sociais Prestacionais: Análise sobre a atuação do Poder


Judiciário nas Políticas Sociais 139
Maíla Nobre Vilela Fortes

Princípio da cooperação: mudança de paradigma a partir do CPC/2015


162
Maria Eduarda Portela

Modelo cooperativo de processo 173


Mariana Dardenne

O termo a quo de contagem do prazo decadencial da Ação Rescisória e


sua harmonização com o vigente sistema principiológico processual 187
Maurício Schibuola de Carvalho

O princípio da primazia da decisão de mérito como norma fundamental do


processo civil brasileiro 210
Melissa Lucena

Inciso IV do art. 139 do Código de Processo Civil: surgimento do inciso


e aplicação em alguns casos concretos. 222
Nathally Brandão Lins

Princípios Orientadores do Direito processual Civil: instrumentos


utilizados para a prestação da efetiva tutela de mérito 237
Paulo Santana

A constitucionalização do Código de Processo Civil de 2015 através da


incorporação dos princípios e normas fundamentais e seu impacto para o
novo modelo processual 251
Paulo Roberto de Macêdo Brandão

O critério normativo de distribuição aleatória como pressuposto jurídico-


positivo do devido processo legal: considerações sobre a aplicabilidade da
Lei de Acesso à Informação junto ao Supremo Tribunal Federal 262
Rafael Rocha

O Princípio da Cooperação no Código de Processo de 2015 como garantia


à razoável duração do processo 288
Rafael Targino Falcão

A constitucionalização processual e a nova face do contraditório no


CPC de 2015 304
Renata Arcoverde

A constitucionalidade do incidente de deslocamento de competência 314


Romero Solano de Oliveira Magalhães
 VII
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

O Novo Processo de Jurisdição Voluntária: do CPC de 2015 à nova


fórmula de homologação de acordo extrajudicial inserido na CLT 331
Sergio Torres Teixeira

O CPC/2015 e o rompimento do rigor da doutrina de Liebman sob a


perspectiva da legitimidade e do interesse de agir 377
Victor Rizzo Carneiro da Cunha

Princípio da tutela jurisdicional efetiva: análise contemporânea dos


elementos para sua real efetivação 388
Vitória Regina Mergulhão

 VIII
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Os honorários advocatícios sucumbenciais na


liquidação de sentença : revisitação de algumas
questões que envolvem o tema à luz do CPC de
2015
Cecília Lou1

No presente ensaio aborda-se o tema dos honorários advocatícios de


sucumbência na liquidação de sentença judicial, segundo o disciplina-
mento contido no CPC de 2015, mas particularmente a controvérsia
acerca do cabimento da fixação dessas verbas nessa fase processual.
Enfrenta-se a questão de não haver regra literal expressa, na Lei nº
13.105/2015, prevendo o cabimento desses honorários na liquidação
de sentença, ao ser mantido o sistema do processo sincrético instituí-
do desde as reformas processuais promovidas no CPC de 1973, no-
tadamente pela Lei nº 11.232/2005. Constrói-se, em última análise,
proposta de interpretação sistêmica, indicativa de que o CPC de 2015,
ao disciplinar o instituto das verbas honorárias de advogado, corrobo-
ra e reafirma a construção jurisprudencial anteriormente consolidada,
sobretudo, no âmbito do STJ, no sentido de reconhecer o cabimento
de honorários advocatícios na fase liquidatória, seja na anterior moda-
lidade por artigos (atual liquidação por procedimento comum), ou na
modalidade por arbitramento, sempre que a liquidação se apresente
litigiosa, ensejando a imposição de sucumbência, independentemente
da natureza sincrética do processo.
Palavras-chave: honorários – liquidação – advogado – contenciosidade
– sucumbência.
Sumário: 1. Introdução; 2. A necessidade do procedimento de liqui-
dação de sentença judicial; 3. Espécies de liquidação de sentença e
particularidades trazidas pelo CPC de 2015; 4. A questão nodal do
cabimento de honorários advocatícios na fase de liquidação; 5. A base
de cálculo e os limites percentuais para a fixação dos honorários advo-
catícios na fase de liquidação de sentença; 6. À guiza de conclusão/ 7.
Referências.

1 Introdução
No que concerne à disciplina legal dos honorários advocatícios,
denota-se que o princípio da causalidade continua a inspirar forte-

1  Procuradora do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco. Advogada em


Pernambuco. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito do Recife, da UFPE.
Especialista em Direito Administrativo também pela UFPE. Pós-graduanda em Pro-
cesso Civil Contemporâneo, ainda pela UFPE. Especialista em Direito Penal e Pro-
cessual Penal pela Faculdade Damas
CCecíliCeCe 9
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

mente o legislador, no Código de Processo Civil de 2015, conforme


se apreende do caput do art. 85 da Lei nº 13.105/15, ao estabelecer
a obrigação daquele que perdeu, de arcar com os honorários do
advogado do vencedor.

Entrementes, inúmeras alterações sobre essa relevante temáti-


ca foram trazidas no Código de Processo Civil de 2015, ao discipli-
nar a matéria em particular nos arts. 85 a 90, desse diploma legal.

Neste cenário e, sobretudo, à luz do que dispõem o caput do


art. 85 e seu § 1º do CPC de 2015, o objeto deste ensaio consiste na
análise da questão do cabimento da fixação dos honorários advo-
catícios na fase de liquidação de sentença, identificando os pres-
supostos para o arbitramento dessas verbas honorárias nessa fase
processual, em conformidade com a construção jurisprudencial
já consolidada mesmo sob a vigência do CPC de 1973, destacan-
do-se ainda algumas relevantes alterações, implementadas pelo
CPC/2015 na disciplina legal do instituto das verbas honorárias
de advogado, sob a perspectiva da imposição desses honorários na
fase liquidatória.

2 Necessidade do procedimento de liquidação


de sentença judicial
Compreende-se por liquidação de sentença a fixação ou a de-
terminação, em quantidade certa, do valor da condenação contida
em sentença judicial originalmente ilíquida.

Cabe colacionar, sobre o tema, as lições doutrinárias de Fredie


Didier2:
O objetivo da liquidação é, portanto, o de integrar a decisão li-
quidanda, chegando a uma solução acerca dos elementos que
faltam para a completa definição da norma jurídica individua-
lizada, a fim de que essa decisão possa ser objeto de execução.
2  DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito
Processual Civil, 2007, p. 448.
CCecíliCeCe 10
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
Dessa forma, liquidação de sentença é atividade judicial cog-
nitiva pela qual se busca complementar a norma jurídica indi-
vidualizada estabelecida num título judicial. Como se trata de
decisão proferida após atividade cognitiva, é possível que sobre
ela recaia a autoridade da coisa julgada material.

No mesmo sentido, também leciona Nelson Nery Junior3:


A ação de liquidação de sentença somente terá lugar quando o
título executivo (sentença condenatória proferida em processo
de conhecimento) for ilíquido. Sem a liquidação daquela senten-
ça, ao título faltará o requisito da liquidez, o que lhe retiraria a
condição de título executivo, pois, segundo o CPC 586, aquele
será sempre líquido, certo e exigível. Os requisitos da certeza
e exigibilidade estarão presentes desde que a decisão seja de
conteúdo condenatório, e, ainda haja trânsito em julgado. A li-
quidez será alcançada, se ilíquida a sentença de conhecimento,
mediante a ação de liquidação de sentença. Nas sentenças me-
ramente declaratórias e nas constitutivas pode ser necessária a
liquidação, se houver parte condenatória, como os honorários
de advogado e despesas processuais. Nestes casos, a liquidação
se faria apenas nessa parte.

Nesse contexto, pode-se extrair que o procedimento de liqui-


dação de sentença faz-se necessário nas hipóteses em que a decisão
condenatória não revele o quantum da prestação pecuniária, ou
seja, quando a parte vencida deve à que venceu integral ou pro-
porcionalmente a demanda, mas a quantificação desse valor exi-
ge uma fase complementar ainda impregnada de alguma atividade
cognitiva.

Naturalmente, dada a necessária observância à coisa julgada


material, conforme dispõe o § 4º do art. 509 do CPC/2015, o pro-
cedimento de liquidação de sentença não enseja nova discussão da
lide já decidida e que deu origem à sentença ilíquida, mas se desti-
na tão somente a integrar o título judicial, segundo os parâmetros
e balizas traçados pelos limites objetivos da res judicata.

3  NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil
Comentado e Legislação Extravagante, 2007, p.721.
CCecíliCeCe 11
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Na sistemática atual do processo sincrético, a liquidação, as-


sim como a fase executiva, é considerada como sendo simples inci-
dente processual, não constituindo processo autônomo, mas etapa
eventualmente necessária para a prestação da tutela ressarcitória
à parte, destinando-se a conferir liquidez à condenação genérica
contida na sentença originalmente ilíquida.

Feita essa abordagem mais preliminar acerca da fase de liqui-


dação de sentença, cabe a seguir abordar as espécies de liquidação,
ressaltando aspectos distintivos de cada modalidade, sem se des-
curar do tema específico deste trabalho, que é a discussão sobre
a possibilidade ou não de fixação de honorários advocatícios na
fase de liquidação de sentença, debate que já causou significati-
va divergência jurisprudencial na vigência do CPC de 1973 (Lei nº
5.869/73).

3 Espécies de liquidação de sentença e particu-


laridades trazidas pelo CPC de 2015
Conforme visto no tópico antecedente, a liquidação de sen-
tença afigura-se necessária nos casos em que a iliquidez decorre
da impossibilidade da formulação de pedido certo e determinado,
bem como nos casos em que, a despeito da postulação da condena-
ção em valor certo e determinado, a sentença condenatória ainda
assim se apresente ilíquida, ao transitar em julgado.

Merece ressalva que a jurisprudência reconhece não ofender


a garantia da coisa julgada material a adoção de outra modalidade
de liquidação inicialmente estabelecida na sentença, consoante ju-
risprudência do STJ consolidada no enunciado de Súmula nº 344,
segundo o qual “a liquidação por forma diversa da estabelecida na
sentença não ofende a coisa julgada”.

Desse modo, ainda que a sentença liquidanda estabeleça a


forma de liquidação da decisão condenatória, essa disposição não
CCecíliCeCe 12
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

adquire a imutabilidade inerente à coisa julgada, podendo a obri-


gação, portanto, ser liquidada de outra maneira que se revele mais
adequada à quantificação da obrigação imposta no título judicial.

No Código de Processo Civil de 2015, a liquidação de sentença


encontra-se prevista no art. 509 e seguintes, assim dispondo o ci-
tado artigo e suas disposições complementares:
DA LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
Art. 509. Quando a sentença condenar ao pagamento de quan-
tia ilíquida, proceder-se-á à sua liquidação, a requerimento do
credor ou do devedor:
I - por arbitramento, quando determinado pela sentença, con-
vencionado pelas partes ou exigido pela natureza do objeto da
liquidação;
II - pelo procedimento comum, quando houver necessidade de
alegar e provar fato novo. [...]

Sendo assim, em relação às espécies de liquidação de sentença,


o Código de Processo Civil de 2015 prevê a possibilidade do proce-
dimento de liquidação de sentença por arbitramento e por meio do
procedimento comum.

De toda sorte, verifica-se que as bases daquilo que o CPC 1973


entendia por liquidação de sentença, assim como o procedimento
a ser adotado, foram mantidas na disciplina do CPC de 2015, de
modo que, na fase de liquidação de sentença, as novas disposições
deverão ser interpretadas à luz de toda a prática já consagrada ao
longo do tempo.

Em relação à técnica de postulação, a liquidação de sentença


consiste em simples fase processual, de modo que, no Direito Bra-
sileiro, não se instaura um processo autônomo, conforme já men-
cionado, iniciando-se mediante simples requerimento do credor ou
do devedor, não sendo necessário observar a forma exigida para a
elaboração da petição inicial, tenha o liquidante, contudo, o ônus

CCecíliCeCe 13
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

de apontar no requerimento a maneira pela qual pretende alcançar


o valor devido.

Cumpre esclarecer inclusive que o CPC/15 disciplina a manu-


tenção do cabimento do agravo de instrumento especificamente
contra as decisões interlocutórias proferidas no curso do procedi-
mento de liquidação, inferindo-se que é apelável, portanto, a sen-
tença de encerramento da liquidação, conforme se extrai do pará-
grafo único do art. 1.015 do CPC/2015.

Por outro lado, ainda se mantém inafastável a concepção de


que, se o acertamento do débito demandar meros cálculos aritmé-
ticos, tem-se que a liquidação, nesse caso, processa-se extrajudi-
cialmente, mediante cálculos elaborados e apresentados pelo cre-
dor, instaurando-se logo em seguida o cumprimento de sentença,
de sorte que eventuais controvérsias acerca do quantum debeatur
são objeto de discussão já na fase executiva.

No que tange especificamente à liquidação por arbitramento,


prevista no inc. I do art. 509 do CPC de 2015, caracteriza-se pela
utilização da prova pericial no procedimento de apuração do valor
do débito, ou seja, nos casos em que o valor da condenação será de-
finido, via de regra, com base em prova pericial, quando a sentença
assim determina, quando as partes convencionarem neste sentido
ou quando a natureza do objeto da liquidação assim o exigir.

A modalidade por arbitramento distingue-se da modalidade


de liquidação por procedimento comum fundamentalmente pela
peculiaridade de não demandar a comprovação de fatos novos, mas
a apreciação técnica dos fatos já reconhecidos e definidos na fase
principal de cognição, para efeito de quantificação do débito, sendo
essa valoração, em geral, efetivada pelo juiz com base em perícia
técnica.

Nessa perspectiva, tem-se que, na liquidação por arbitramen-

CCecíliCeCe 14
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

to :
4

[...] a apuração do elemento faltante para a completa definição


da norma jurídica depende apenas da produção de prova pe-
ricial. [...]. Por fim, deve-se proceder à liquidação por arbitra-
mento, quando assim o exigir a natureza do objeto da liquida-
ção, é dizer, quando a perícia mostra-se como meio idôneo.

Assim dispõe a propósito o art. 510 do CPC/15, sobre o proce-


dimento da liquidação por arbitramento:
Art. 510. Na liquidação por arbitramento, o juiz intimará as
partes para a apresentação de pareceres ou documentos eluci-
dativos, no prazo que fixar, e, caso não possa decidir de plano,
nomeará perito, observando-se, no que couber, o procedimento
da prova pericial.

De qualquer modo, há atividade cognitiva nessa fase proces-


sual de liquidação por arbitramento, sendo a propósito bem recor-
rente a instauração de efetivo litígio, entre as partes, notadamente
acerca do valor fixado na perícia, como instrumento técnico que
deverá embasar a quantificação do valor devido, na sentença que
encerra a fase liquidatória.

Pondere-se que, embora nesta modalidade de liquidação não


haja previsão legal expressa da apresentação de contestação cabí-
vel nos casos de liquidação pelo procedimento comum, a garantia
constitucional do contraditório demanda indispensável oportuni-
dade de as partes se manifestarem sobre as pretensões e teses con-
trapostas, sendo bastante comum que essa espécie de liquidação
assuma caráter litigioso.

Por outro lado, na segunda modalidade de liquidação, dita pelo


procedimento comum, hodiernamente previsto no inc. II do art.
509 do CPC/15 e que o CPC de 1973 denominava de “liquidação por
artigos”, será adotada sempre que existir a necessidade de se ale-
gar e provar fato novo para se quantificar o valor da condenação,
4  DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito
Processual Civil, 2007, p. 407.
CCecíliCeCe 15
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

viabilizando assim a execução da sentença originalmente genérica.

No tocante à forma procedimental, a parte credora da obriga-


ção contida na sentença, ao postular a instauração da fase de liqui-
dação por procedimento comum, deverá indicar os fatos novos a
serem provados para viabilizar a liquidação, sendo o devedor inti-
mado a integrar a relação processual, que nessa hipótese apresenta
carga cognitiva bem significativa.

Nesse contexto, depreende-se que, na liquidação por arbitra-


mento, o laudo apresentará ao juiz os valores arbitrados pelo peri-
to, com base em elementos já provados no processo e que permitem
a mensuração do dano. Distintamente, na liquidação realizada por
meio do procedimento comum – anteriormente dita “por artigos”
–, ainda que eventualmente se faça necessária a produção de pe-
rícia, a peculiaridade do procedimento é a comprovação dos fatos
novos, trazidos efetivamente nesta fase ao conhecimento das par-
tes e que a liquidação deles não possa se distanciar.

Destacadas as características básicas das modalidades de li-


quidação de sentença judicial, cabe abordar, adiante, a questão do
cabimento da imposição de honorários sucumbenciais, em contra-
partida à atividade advocatícia, quase sempre intensa e desafiante,
desenvolvida nessa fase processual para a quantificação do valor
do débito contido em condenação que se apresenta ilíquida.

4 A questão nodal do cabimento de honorários advocatícios na


fase de liquidação

Em relação à viabilidade ou não da fixação de honorários ad-


vocatícios na fase de liquidação de sentença, debate que se refletiu
em vários julgados dos principais Tribunais na vigência do CPC
de 1973, particularmente no STJ, constitui matéria que continua a
merecer reflexões e discussões, sob a égide do CPC/2015.

CCecíliCeCe 16
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Aliás, basta aduzir que do teor da disposição contida no §1º


do art. 85 do CPC vigente, que trata da fixação dos honorários em
cada uma das fases processuais que elenca, verifica-se não constar,
literalmente, a fase de liquidação:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vence-
dor.
§ 1º. São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no
cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execu-
ção, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativa-
mente. (grifou-se).

Constata-se que o mencionado dispositivo do CPC/2015 faz re-


ferência apenas à reconvenção, ao cumprimento de sentença, à exe-
cução e aos recursos interpostos, sendo o citado dispositivo omis-
so no aspecto atinente ao cabimento de honorários sucumbenciais
na liquidação de sentença, contexto que torna forçoso reconhecer,
pelo menos, a ausência de referência literal à fixação dessas verbas
na fase processual de liquidação.

Historicamente, a posição inicial dos Tribunais firmava-se no


sentido do descabimento da fixação de honorários advocatícios de
sucumbência na fase de liquidação, na sistemática do processo sin-
crético.

Segundo esse entendimento, uma nova condenação em hono-


rários nessa fase destinada apenas a liquidar o valor da condenação
caracterizaria bis in idem, uma vez que, por ocasião da prolação da
sentença na ação (fase) principal, já teria havido o arbitramento de
honorários de sucumbência, conforme se infere do teor do aresto
proferido no REsp 909.567-SP, assim ementado:
Processual Civil. Recurso Especial. Incidência De Hono-
ráriosadvocatícios De Sucumbência Em Sede De Liquida-
ção De Sentença Por Arbitramento. Descabimento. Pre-
cedentes.
1. Os honorários advocatícios como parcela autônoma em
processo de liquidação de sentença não é cabível, sob pena de

CCecíliCeCe 17
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
incursão em bis in idem, porquanto são arbitrados por ocasião
da prolação da sentença nos autos da ação principal. Prece-
dentes: REsp 166.076-MG, Relator Ministro Sálvio De Figuei-
redo Teixeira, Quarta turma, DJ de 27 de março de 2000; REsp
182.751-MG, Relator Ministro EDUARDO RIBEIRO, Terceira
Turma, DJ de 24 de abril de 2000; REsp 39.371-RS, Relator
Ministro NILSON NAVES, Terceira Turma, DJ de 24 de outu-
bro de 1994.
2. Destarte, a sentença proferida em sede de liquidação por ar-
bitramento não atende ao comando da norma prevista no art.
20 do CPC, já que apenas atribui ao julgado inicial liquidez,
para que possa ser executado, não tendo o condão de definir
vencedor e vencido. [...] (DJ de 30/04/2008; os grifos em itálico
são da transcrição).

Assim, extrai-se do teor dos precedentes acima citados o en-


tendimento, inicialmente assentado, no sentido de que a fase de
liquidação de sentença consiste em procedimento preparatório
da execução por título judicial, onde não se discute a qualidade
da condenação mas a quantidade, de sorte que, segundo aquela
orientação – atualmente superada –, a fase de liquidação, por se
destinar apenas a complementar a sentença condenatória tornan-
do líquida a sentença, não ensejaria a fixação de novos honorários
advocatícios.

Entrementes, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça se ve-


rificou uma evolução de entendimento, primeiramente para se re-
conhecer o cabimento dessas verbas advocatícias diante do caráter
contencioso que o procedimento de liquidação “por artigos” via de
regra encerrava. Com efeito, tal como em um processo autônomo, a
fase de liquidação por essa modalidade demandava dilação proba-
tória, assim como a possibilidade de apelar/agravar da sentença de
liquidação, o que já conduzia mais facilmente ao reconhecimento
da razoabilidade da fixação de honorários advocatícios nesta fase,
uma vez que comumente se estabelecia, nesse procedimento de
ampla carga cognitiva, o litígio ensejador da fixação das verbas ho-
norárias de advogado, conforme se depreende da ementa de antigo
CCecíliCeCe 18
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

precedente jurisprudencial neste sentido, nos seguintes termos:


Liquidação Por Artigos. Contenciosidade. Honorários
Advocatícios.
- Assumindo a liquidação por artigos cunho de contenciosida-
de, evidenciada pela clara resistência oposta pelo réu, são devi-
dos os honorários de advogado. [...] (EREsp 179355/SP, Relator
Ministro Barros Monteiro, Corte Especial, DJ de 11.03.2002, p.
153; grifou-se).

Posteriormente, a construção jurisprudencial no STJ passou


a reconhecer que também são devidos honorários de advogado na
liquidação por arbitramento, desde que presente a litigiosidade,
sendo o marco inicial dessa nova orientação o aresto proferido no
REsp 978.253-SE, assim ementado:
Processual civil. Recurso especial. Honorários Advocatícios.
Liquidação por arbitramento. Caráter contencioso. Cabimen-
to. Fixação. Incidência do art. 20, § 4º, do CPC. Nítido exagero.
Redução.
- Assumindo, a liquidação por arbitramento, nítido caráter
contencioso, devem ser fixados honorários advocatícios, à
semelhança do que ocorre com a liquidação por artigos; [...]
(REsp 978253-SE, DJ de 03.10.2008; grifou-se).

A partir desse precedente, consolidou-se no STJ a orientação


pela admissibilidade da fixação de honorários advocatícios tam-
bém na modalidade de liquidação por arbitramento, desde que pre-
sente a contenciosidade, ensejadora da imposição de sucumbência
como fato objetivo da derrota, ou seja, do decaimento da tese con-
traposta a uma parte pela outra, conforme se verifica a partir das
ementas dos seguintes precedentes, colacionados à guisa de ilus-
tração:
“Processual Civil. Agravo No Agravo De Instrumento.
Recurso Especial. Liquidação Por Arbitramento. Hono-
rários. Cabimento, Desde Que Presente A Litigiosidade.
– Quando a liquidação por arbitramento assumir nítido caráter
contencioso, cabe a fixação de honorários advocatícios. [...] (STJ.
AgRg no Ag 1324453/ES, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
CCecíliCeCe 19
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
TERCEIRA TURMA julgado em 14/12/2010, DJe 02/02/2011)
Civil E Processual Civil. Agravo Regimental No Recurso
Especial. Liquidação De Sentença Por Arbitramento. Ho-
norários Advocatícios. Cabimento [...].
1. Segundo a jurisprudência desta Corte, é cabível a estipulação
de verba honorária em liquidação de sentença por arbitramen-
to, diante do caráter contencioso desta. Incidência da Súmula
n. 83/STJ.
[...] (AgRg no REsp 1017456-RS, DJ de 10.12.2013; grifou-se).
No mesmo sentido, entre tantos outros: STJ, AgRg no REsp
962.961/RJ, DJe 01.07.2010; grifos em itálico da transcrição).

Ainda sobre a causalidade, como pressuposto para o arbitra-


mento de honorários na fase de liquidação, na proporção da con-
tenciosidade instaurada durante essa fase complementar de cog-
nição, não há como olvidar o esforço demandado dos advogados
de cada uma das partes, para o enfrentamento das controvérsias
trazidas na liquidação, por vezes se questionando a totalidade do
crédito que a outra parte entende ser-lhe devido por força da sen-
tença liquidanda, labor que enseja a fixação das devidas verbas su-
cumbenciais em favor do advogado da parte vencedora da contenda
instaurada nesta fase, encerrando questões, via de regra, distintas
das que determinaram a sucumbência já reconhecida na fase de
conhecimento.

Com efeito, na liquidação as controvérsias naturalmente ten-


dem a versar sobre os critérios para se chegar ao quantum debea-
tur, podendo ocorrer até de o vencedor na fase propriamente cog-
nitiva ser o sucumbente na fase liquidatória, especificamente na
controvérsia que envolva alguma tese relacionada ao cálculo do que
lhe é devido. Assim, mesmo a parte vitoriosa na fase cognitiva pro-
priamente dita poderá vir a ser condenada na liquidação a pagar
honorários ao advogado da outra parte que, embora tenha perdido
a demanda principal, nas discussões travadas na fase de liquida-
ção, teve acolhidas suas teses relacionadas ao cálculo do montante

CCecíliCeCe 20
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

do débito, na sentença de encerramento da liquidação.

Inúmeros precedentes, em suma, evidenciam a construção ju-


risprudencial do STJ interpretando a sistemática anterior do CPC
de 1973, assentada no sentido do cabimento de honorários advoca-
tícios na fase liquidatória de sentença, sempre que a liquidação –
por arbitramento ou por artigos – assuma caráter litigioso.

Conclui-se, pois, que a fixação dos honorários advocatícios,


em correspondência com o âmbito de litigiosidade instaurada na
liquidação por arbitramento ou por procedimento comum, con-
solidou-se na jurisprudência do STJ antes mesmo do advento do
CPC/2015, conforme precedente assim ementado:
Processual Civil [...] Liquidação De Sentença. Arbitra-
mento. Honorários Advocatícios. Possibilidade. Prece-
dentes.
[...] 2. Transmutada a natureza da liquidação por cálculos para
liquidação por arbitramento, faz-se necessário o arbitramento
de honorários advocatícios, não em razão da rejeição da impug-
nação ao cumprimento da sentença, mas sim em razão do níti-
do caráter contencioso da fase da liquidação de sentença sobre
o quantum debeatur, com realização de prova pericial, o que
afasta a aplicação da Súmula nº 519 do STJ.
3. Não se pode confundir os honorários advocatícios que in-
cidem na liquidação por arbitramento com nítido caráter con-
tencioso, com os honorários advocatícios cabíveis em fase de
cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, depois
de escoado o prazo para pagamento voluntário a que alude o
art. 475-J do CPC, que somente se inicia após a intimação do
advogado, com a baixa dos autos e a aposição do “cumpra-se”
(REsp 1.134.186/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte
Especial, DJe 21/10/2011, julgado na sistemática do art.CPC/
2015543-C, do CPC).
4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AgRg no REsp
1579990/RS, Rel. Min. Mauro Campbell, Segunda Turma, DJe
de 15.04.2016; grifou-se).

Noutro viés, sempre que a liquidação do título judicial deman-

CCecíliCeCe 21
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

dar meros cálculos aritméticos, a jurisprudência reconhece que


neste caso a sentença já se apresenta exequível.

Aliás, diz-se ainda que nesta hipótese a “liquidação” processa-


-se extrajudicialmente, por cálculos do credor, instaurando-se logo
em seguida o cumprimento de sentença, uma vez que se afigura
desnecessária a instauração de fase processual autônoma de liqui-
dação para a definição do quantum debeatur, sendo, neste cená-
rio, descabida a fixação de honorários sucumbenciais de advogado,
conforme assentado, entres outros precedentes, no REsp 233508-
PE, Primeira Turma, de Relatoria do Min. Humberto Gomes de
barros, DJe de DJ 16/10/2000, p. 289.

De todo modo, nas hipóteses que demandam a instauração da


fase liquidatória, embora o CPC revogado não fizesse literal men-
ção a essa fase como hipótese de sucumbência passível de ensejar
a fixação de honorários advocatícios, por interpretação sistêmica
das regras que disciplinavam a matéria a jurisprudência consoli-
dou-se no sentido do cabimento da fixação de honorários quan-
do a liquidação, seja nas modalidades por arbitramento ou por
artigos, assumisse caráter litigioso, na linha dos julgados do STJ
acima colacionados.

Em suma, a construção jurisprudencial anterior à vigência do


CPC/2015, sobretudo no STJ enquanto Corte de precedentes, as-
sentou-se no sentido de reconhecer o cabimento dos honorários
advocatícios na fase de liquidação de sentença por artigos ou por
arbitramento, desde que presente a litigiosidade.

A despeito dessa construção jurisprudencial, o CPC de 2015,


como já ressaltado anteriormente, também não contém regra lite-
ral expressa a esse respeito.

Contudo, também sob a égide no CPC/2015 parece induvidosa


a necessidade de fixação de nova e distinta verba sucumbencial,

CCecíliCeCe 22
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

nessa etapa processual, desde que a liquidação assuma caráter con-


tencioso e se possa identificar uma parte vencedora e outra venci-
da, na sentença de encerramento da fase liquidatória, devendo o
percentual da verba honorária ser fixado segundo o grau de liti-
giosidade instaurada e na conformidade com o proveito econômico
refletido em cada questão controvertida.

A respeito do cabimento da fixação de honorários advocatícios


na fase de liquidação de sentença na nova disciplina do tema pelo
CPC de 2015, seja por arbitramento ou por procedimento comum,
desde que reconhecida, na sentença de encerramento dessa fase,
sucumbência de qualquer das partes na resolução de questões sus-
citadas na liquidação, merecem transcrição as ponderações da la-
vra de Araken de Assis5, em conhecida obra sobre o tema, ao pon-
tuar que:
Existe sucumbência na ação liquidatória por arbitramento e
por artigos. O liquidante e o liquidatário (...), ao sucumbiram,
responderão por todas as despesas do processo (v.g., reembolso
de honorário de perito) e pela verba honorária, fixada de acor-
do com o critério legal. Verdade que o art. 85, § 1º do NCPC
não menciona, especificamente, a liquidação de sentença e, no
direito anterior, registrava-se julgado do STJ em sentido con-
trário. Porém, em primeiro lugar, há que se considerar, o prin-
cípio derivado do art. 85, § 1º: a todo trabalho suplementar
do advogado, inclusive nos recursos, há de haver retribuição;
ademais, o entendimento contrário não se harmoniza com o
princípio da causalidade previsto no art. 85, caput. [...] (gri-
fou-se).

O reconhecimento de que o CPC/2015 autoriza a fixação de ho-


norários sucumbenciais na fase específica da liquidação de sen-
tença, sempre que esta assumir caráter litigioso ou contencioso,
conforme já pacificado na jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça sob a égide do CPC de 1973, também foi recentemente
abordado pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, no PARE-
CER PGFN/CRJ/Nº 440/2016, em que os subscritores pontuam em
5  ASSIS, Araken de. Manual de Execução, 2017, p. 447.
CCecíliCeCe 23
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Nota de Rodapé (nº 60) aposta na p. 184, que:


[...] Apesar de não mencionado no § 1º, a decisão de liquidação
(isto é, que encerra tal fase processual) pode, em tese, ser en-
quadrada no caput do Art. 85 do nCPC. Por outro lado, embora
o § 11 do Art. 85 sugira que os limites previstos nos §§ 2º e 3º
seriam aplicáveis durante toda fase de conhecimento e o fato
do capítulo XIV do Título I do Livro I da Parte Especial, que
trata da liquidação de sentença (a qual ostenta natureza cogni-
tiva), estar inserido em Título que disciplina o Procedimento
Comum, o § 1º do art. 113 distingue fase de conhecimento e
fase de liquidação de sentença. Tais circunstâncias – aliadas
à existência de diversos precedentes do STJ (embora oriundo
de turmas de Direito Privado), ainda sob a égide do CPC/1973,
admitindo a fixação de honorários em fase de liquidação de
sentença, desde que se litigiosa/contenciosa em relação ao
quantum debeatur (vg. AgRG no AREsp 666073/SP, AGRG
no AREsp 572926/SP, AgRg no ARESp 530748/SP, AgRG no
AREsp 530175/SP, AgRg no REsp 1107003/MS, EDcl no REsp
1374735/RS, AgRG no Ag 1086058/SP, AgRG no REsp 962961/
RJ etc) – parecem autorizar a conclusão de que , sob a égide
do nCPC, também é possível a fixação de honorários em de-
corrência de sucumbência na fase de liquidação de sentença,
desde que esta tenha sido litigiosa. 6

Cabe, a propósito, interpretar sistematicamente a disciplina da


matéria no CPC/15, inclusive perquirindo se de fato existe lacuna
nessa questão específica da disciplina dos honorários advocatícios
na fase de liquidação, para a qual não há previsão literal nas dispo-
sições do CPC/2015, como já ressaltado.

Nessa perspectiva, tem-se que a “omissão” do § 1º do art. 85,


do CPC/2015, revela na verdade um “silêncio eloquente”, a mes-
ma eloquência, aliás, que se revela neste dispositivo no tocante à
própria sentença principal da fase de conhecimento, é dizer, a que
reconhece o direito da parte vitoriosa e a conseguinte a obrigação
da outra parte, sucumbente, de pagar quantia – eventualmente ilí-
quida –, na sentença de conhecimento.

6  Disponível em: http://www.pgfn.fazenda.gov.br/revista-pgfn/ano-v-nume-


ro-9-2016/p440.pdf; acesso em 02.07.2017.
CCecíliCeCe 24
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Realmente, o § 1º não lista, entre as hipóteses de cabimento da


fixação de honorários sucumbenciais, a sentença principal proferi-
da na fase de cognição propriamente dita, destinada ao reconheci-
mento do direito que dá ensejo à obrigação – eventualmente ilíqui-
da – de pagar. Mas, se não há dúvida de que a sentença principal
naturalmente está compreendida na regra do caput, com base em
outras premissas também há de se reconhecer que a mesma regra
básica do art. 85 também contempla a sentença que encerra a fase
de liquidação, destinada a complementar o dispositivo da sentença
principal da primeira etapa da fase de cognição, nas hipóteses de
proferimento de sentença originalmente ilíquida.

Aliás, nesses casos de prolação de sentença ilíquida ou gené-


rica, o reconhecimento da sucumbência a rigor se realiza em duas
etapas, transferindo-se para a segunda a quantificação do quan-
tum debeatur, quando então se complementa a atividade de cogni-
ção, o que sem dúvida configura uma fase bem propícia à instaura-
ção de intensa litigiosidade, em torno da própria interpretação do
alcance e sentido do dispositivo da sentença liquidanda, para efeito
de reconhecimento daquilo que constitui a coisa julgada material e
seus limites objetivos, uma vez cediço que na liquidação, de acordo
com a regra expressa do § 4º do art. 509 do CPC/2015, não é possí-
vel discutir de novo a lide.

Com efeito, na liquidação comumente se discutem os critérios


e índices a serem aplicados para a fixação do valor específico da
dívida que, em última análise, confere à sentença o requisito da
liquidez e conseguinte exigibilidade, dando ensejo ao reconheci-
mento da sucumbência de uma parte em relação à outra, parcial ou
integralmente, não raro se instaurando controvérsias que devem
ensejar a fixação de novos honorários nesta segunda fase, como
complementação da parte dessa verba, observado assim o limite
máximo de 20% ao final dessa segunda etapa, com ressalva para a
fixação de honorários recursais, se ainda não alcançado esse limite
CCecíliCeCe 25
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

percentual, de acordo com o disposto na parte final do § 11 do art.


85 do CPC vigente.

Merece registro que, também da sistemática do recurso de


agravo no CPC/2015, contida no art. 1.015, extrai-se que o CPC de
2015 reconheceu ter natureza de sentença a decisão final que en-
cerra a fase de liquidação fixando o quantum debeatur, alinhan-
do-se à tradicional correspondência entre o recurso de agravo e as
decisões interlocutórias, assim como entre a apelação e as delibe-
rações com natureza de sentença.

Veja-se a dicção legal contida neste dispositivo:


Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões in-
terlocutórias que versarem sobre:
[...]
Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento con-
tra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de
sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de exe-
cução e no processo de inventário.

Partindo-se dessas premissas e especificamente do que dispõe


o parágrafo único, do citado art. 1.015 da Lei nº 13.105/2015, in-
fere-se que o CPC/2015, seguramente, reconheceu como sentença
a deliberação que, encerrando a fase liquidatória, fixa o valor do
débito inicialmente ilíquido, uma vez que, ao estabelecer o rol de
hipóteses do cabimento do agravo, inseriu tão somente as decisões
interlocutórias, proferidas no curso do procedimento de liquida-
ção, autorizando a conclusão ainda no sentido de que a decisão que
encerra essa etapa é apelável – assim como a decisão final no cum-
primento de sentença.

Nesse contexto, é de se concluir que o encerramento da liqui-


dação compreende a prolação de deliberação com natureza de sen-
tença, complementar àquela de natureza ilíquida proferida na pri-
meira etapa do processo de cognição e enquadrável, portanto, na

CCecíliCeCe 26
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

mens legis do caput do art. 85 do CPC/2015, inclusive para efeito


de se reconhecer o cabimento da fixação de honorários advocatí-
cios na fase liquidatória, desde que configurada a contenciosidade
que constitui o pressuposto para o arbitramento dessas verbas e
cuja resolução culmine com a sucumbência integral ou parcial de
cada parte.

No que concerne à configuração da sucumbência como pressu-


posto para o arbitramento dos honorários advocatícios na fase de
liquidação, depreende-se da disciplina legal que a formulação de
pedido para instauração da fase de liquidação não configura, por
si só, causalidade ensejadora de fixação de honorários em favor do
advogado da parte que, em última análise, for reconhecida credora
da dívida que originalmente apresentava-se ilíquida.

Nessa perspectiva, para a fixação de honorários advocatícios


na fase liquidatória, faz-se necessário, seja na liquidação por arbi-
tramento ou mesmo por procedimento comum – anteriormente por
artigos –, o estabelecimento de litigiosidade acerca dos critérios e
fatos envolvidos na apuração do quantum debeatur, cuja resolução
na sentença de encerramento da liquidação enseje a imposição de
sucumbência a uma das partes ou a ambas proprocionalmente ao
decaimento das respectivas teses, observada a amplitude e o grau
de contenciosidade assim como sua repercussão no montante fi-
nanceiro do débito.

Nessa linha de raciocínio, se a comprovação do fato novo, no


caso de liquidação por procedimento comum, não encontrar qual-
quer resistência da outra parte, não estará caracterizada a cau-
salidade e a sucumbência ensejadora da fixação de honorários de
advogado, já que não se pode falar que a parte devedora deu causa
à instauração da fase liquidatória, por constituir necessidade ine-
rente à natureza mesma da lide e à iliquidez eventual da sentença
original.

CCecíliCeCe 27
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

O mesmo entendimento se aplica à liquidação por arbitramen-


to, de modo que nessa modalidade não basta que as partes indi-
quem seus assistentes técnicos e discutam os critérios, assim como
os parâmetros a serem utilizados para a quantificação do débito,
sendo necessária a resistência de pelo menos uma das partes, a
ser dirimida na sentença de encerramento da liquidação, de sorte
a configurar-se, assim, a sucumbência que legitima a fixação das
verbas honorários de advogado, na proporção do proveito econômi-
co atrelado à tese controvertida.

Essa a construção jurisprudencial que se extrai dos preceden-


tes do STJ, inclusive na vigência do CPC anterior:
Processo Civil. Liquidação Por Arbitramento. Honorá-
rios. Cabimento, Desde Que Presente A Litigiosidade. Re-
alização De Perícia. Decorrência Do Art. 475-D, Do Cpc.
Nomeação De Assistente Técnico. Respeito Ao Contradi-
tório. Procedimentos Que Não Implicam, Necessariamen-
te, Litigiosidade.
- Sempre que a liquidação por arbitramento assumir nítido ca-
ráter contencioso, cabe a fixação de honorários advocatícios.
Precedentes.
- Tendo a própria autora decidido, num primeiro momento, im-
pugnar o laudo, vindo posteriormente a retificar suas alegações
e concordar com as conclusões do perito, não há como atribuir
ao réu a adoção de qualquer medida que justifique sua conde-
nação em honorários advocatícios.
- Na liquidação por arbitramento, a perícia decorre do próprio
procedimento fixado pelo art. 475-D do CPC, e não de eventu-
al insurgência do réu, de sorte que não se pode relacionar sua
realização com a existência de litigiosidade. Tanto é assim que,
mesmo na hipótese do réu manter-se inerte após ser cientifica-
do acerca da liquidação por arbitramento, deverá o Juiz nomear
perito para quantificação da obrigação contida no título execu-
tivo judicial.
- O fato do réu indicar assistente técnico para acompanhar a
perícia não significa, necessariamente, resistência ao pedido do
autor, visto que se trata de medida visando apenas a assegurar
o contraditório, podendo, como ocorre na hipótese dos autos,
CCecíliCeCe 28
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
haver a concordância com as conclusões do laudo.
Recurso especial provido. (REsp 1084907/SP, Relatora Minis-
tra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 05/03/2010)

Assim, é forçoso reconhecer que a sentença de liquidação à


evidência está compreendida na regra do caput do art. 85 da Lei nº
13.105/2015, como hipótese mais basilar de incidência das verbas
honorárias de advogado; enquanto o § 1º destina-se a especificar
outras situações nas quais também se deve reconhecer a causa-
lidade e a conseguinte possibilidade da imposição da sucumbên-
cia, ensejadoras da fixação de honorários advocatícios, além das
hipóteses de aplicação dessa verba na fase de conhecimento (lato
sensu), que, como dito, inclui a etapa complementar, de liquidação,
quando a condenação se apresenta ilíquida.

5 A base de cálculo e os limites percentuais para


a fixação dos honorários advocatícios na fase de
liquidação de sentença
No tocante à base de cálculo dos honorários advocatícios su-
cumbenciais, cabe assentar que, na sistemática do art. 85, o Código
de Processo Civil vigente é expresso, no § 2º desse dispositivo, em
determinar que a delimitação da sucumbência, para efeito de de-
finição da base de cálculo no arbitramento dos honorários sucum-
benciais, deve obedecer ao valor da condenação, quando for o caso,
mas também, em outras hipóteses, ao critério do proveito econô-
mico que seria obtido com a tese vencida, traduzido como aquilo
que se acresce ao patrimônio de determinada parte, concepção que
se aplica plenamente ao arbitramento dessas verbas de sucumbên-
cia na fase de liquidação de sentença.

Quanto à previsão de aplicação do critério equitativo, também


contida no citado § 2º do art. 85 do CPC de 2015, incide apenas nas
hipóteses em que se afigure impossível dimensionar o valor desse

CCecíliCeCe 29
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

proveito econômico, hipótese que por lógica não se aplica às sen-


tenças liquidandas, salvo a aplicação desse critério, em qualquer
caso, para se evitar a fixação de honorários em quantias aviltantes.

Assim, na esteira dessa diretriz traçada no CPC/2015, por não


se tratar de hipótese de condenação, nem em princípio correspon-
der às hipóteses de fixação por equidade diante da impossibilidade
de dimensionamento de um valor para a obrigação devida à parte
vencedora da demanda, na fase de liquidação, seja por arbitramen-
to ou por procedimento comum, a base de cálculo para as verbas
honorárias a serem estabelecidas deve corresponder ao proveito
econômico equivalente a cada parcela de sucumbência que vier a
ser reconhecida na sentença de liquidação, de acordo com as te-
ses suscitadas por cada uma das partes, que podem refletir, de um
lado, a eventual resistência indevida da parte devedora ou, de ou-
tro, as teses sustentadas pela parte credora para pleitear excessos.

A respeito do que vem a ser proveito econômico como fun-


damento para a fixação dos honorários advocatícios sucumben-
ciais, critério agora contido expressamente no § 2º do art. 85 do
CPC/2015, merecem referência os seguintes precedentes do Supe-
rior Tribunal de Justiça, assim ementados:
Processual Civil. [...] Honorários Advocatícios. Arbitra-
mento. Proveito Econômico Obtido (Art. 85, §§ 3º E 5º, Do
Cpc/2015).
[...] 2. “Deve-se ter em conta, como proveito econômico, o po-
tencial que a ação ajuizada ou o expediente utilizado possui na
esfera patrimonial das partes [...] 3. Agravo interno não provi-
do. (AgInt no REsp 1672335/RS, Relator Ministro Mauro Cam-
pbell Marques, Segunda Turma, Dje de 17.10.2017; destacou-se
em itálico).
Processual Civil. Recurso Especial. Honorários Advoca-
tícios. Embargos À Execução Fiscal. Redirecionamento.
Sócio-Gerente. Honorários Advocatícios. Proveito Eco-
nômico.
1. A controvérsia diz respeito à identificação de qual seria o pro-
CCecíliCeCe 30
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
veito econômico a ser considerado na fixação dos honorários
advocatícios pelo acolhimento dos embargos do devedor.
2. Os honorários advocatícios, por expressa disposição legal,
devem ser fixados com base no proveito econômico obtido, na
forma do § 2º do art. 85 do CPC/2015. Esse regramento torna
evidente que a sucumbência é o parâmetro fundamental para
a definição da verba advocatícia.
3. Deve-se ter em conta, como proveito econômico, o potencial
que a ação ajuizada ou o expediente utilizado possui na esfe-
ra patrimonial das partes [...] (REsp 1671930/SC, Rel. Min. Og
Fernandes, Segunda Turma, DJe de 30.06.2017; grifou-se).

Aliás, mesmo sob a égide do CPC anterior, que não trazia re-
gra literal fixando explicitamente o critério do proveito econômi-
co como critério para definição da base de cálculo dos honorários
advocatícios de sucumbência, pertinente trazer à colação, mutatis
mutadis, os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
Processual Civil. Embargos À Execução. Valor Da Causa.
Quantum Econômico Impugnado Idêntico Ao Da Execução.
É iterativa a jurisprudência desta Corte no sentido de que o va-
lor da causa nos Embargos à Execução deve corresponder ao va-
lor da dívida exeqüenda se o embargante ataca a Execução pela
integralidade dos valores cobrados. [...] (AgRg no Ag 967743/
MG, Rel. Min. Beneti, Terceira Turma, DJe de 11.02.2009; gri-
fou-se).
Agravo Regimental No Agravo De Instrumento. Embar-
gos À Execução Contra O Valor Total Da Execução. Pro-
veito Econômico Pretendido. Valor Da Causa Coincidente
Com O Valor Da Execução.
I - O valor da causa nos embargos à execução deve correspon-
der ao proveito econômico pretendido. Precedentes.
II - Na espécie, houve pedido específico relativo à ocorrência
de prescrição da pretensão executiva, de modo que o valor da
causa nos embargos à execução deve corresponder ao valor to-
tal executado. [...] (AgRg no Ag 1083151/RS, Rel. Min. Felix Fis-
cher, Quinta Turma, DJe de 17.08.09; grifou-se).
Processual Civil. Agravo Regimental No Agravo De Ins-
trumento. Valor Da Causa. Quantum Impugnado Nos Em-

CCecíliCeCe 31
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
bargos. Conteúdo Econômico. Idêntico Ao Da Execução.
1. O entendimento do STJ é de que, buscando o embargante
questionar a totalidade do crédito que se pretende executar, o
valor da causa nos embargos à execução deve guardar paridade
com aquele atribuído à execução. [...] (AgRg no Ag 1051745/MG,
Relator Ministro João Otávio Noronha, Quarta Turma, DJe de
30.03.2009).

No que tange aos limites percentuais dos honorários advocatí-


cios na fase liquidatória, o percentual máximo dessas verbas, cor-
respondente a 20% do proveito econômico, deve se aplicar a toda
fase processual de conhecimento, seja a de cognição propriamen-
te dita, ou quando necessária a instauração da fase complementar
destinada à liquidação da sentença genérica, inclusive para efeitos
de eventual fixação de honorários recursais.

Ainda se conclui que o limite percentual (entre 10% a 20%)


deve voltar a poder incidir, na sua inteireza, ao se iniciar a fase exe-
cutiva, após a transposição da fase de conhecimento, ou seja, após
a prolação da sentença ilíquida e o acertamento do valor do débito,
na eventualidade da instauração da etapa complementar, que é a
de liquidação. E isso é lógico porque – é pertinente repisar – o
fenômeno da liquidação não integra o processo executivo, dele se
distinguindo fundamentalmente, dado que constitui procedimento
complementar do processo de conhecimento, necessário para tor-
nar o título judicial líquido.

Sob essa perspectiva, cabe distinguir a fase de liquidação em


relação à de cumprimento de sentença, atentando-se que a regra
do § 1º, ao se mostrar destacada da regra básica do caput do art
85 do CPC/2015, também se funda na natureza distinta dessa fase
propriamente executiva, em relação às etapas anteriores que com-
preendem a totalidade da fase processual de conhecimento, autori-
zando a coerente interpretação no sentido de que a fase executiva,
assim como as demais previstas no dispositivo complementar do
citado art. 85, não estão alcançadas pela limitação dos honorários
CCecíliCeCe 32
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

ao percentual de 20% do proveito econômico – percentual que é


aplicável à fase de conhecimento (sentença de cognição e eventual
sentença de liquidação, quando necessária à quantificação da obri-
gação de pagar).

Veja-se a propósito o que estabelece o § 1º, do art. 523 do CPC


de 2015:
Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada
em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa,
o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento
do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito,
no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.
§ 1CPC/2015 Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do
caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, tam-
bém, de honorários de advogado de dez por cento. (grifou-se).

Ora, é de fácil percepção que, se o limite percentual de 20%


previsto para a fixação de honorários advocatícios na fase de co-
nhecimento abarcasse também a fase executiva, ou seja, a fase de
cumprimento de sentença, não haveria qualquer coerência na regra
do § 1º do art. 523, do CPC/2015, uma vez que, segundo essa dis-
posição, basta a omissão da parte, deixando transcorrer in albis o
prazo de 15 dias após ser regularmente intimada a pagar o débito já
liquidado, para incidência de honorários em 10% do valor da dívida
(além da multa).

Sendo assim, se a fase executiva ainda estivesse condicionada


ao limite da fixação de honorários em 20% do proveito econômico,
essa sanção frequentemente não teria aplicação, ou seria aplicada
quase sempre com restrições, desde que na fase anterior (de co-
nhecimento) tenha sido alcançado todo percentual de 20%, ou ao
menos ultrapassado o percentual de 10% previsto como mínimo no
§ 2º do art. 85 do CPC, isso sem se falar na possibilidade de hono-
rários recursais, também passíveis de gerar um incremento nessas
verbas em cada fase processual.

CCecíliCeCe 33
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Em suma, a possibilidade da fixação de honorários advocatí-


cios, no percentual máximo de 20% do proveito econômico atrela-
do à sucumbência imposta, aplica-se a toda fase de conhecimento,
inclusive à eventual fase de liquidação, na hipótese de proferimen-
to de sentença ilíquida, depreendendo-se da sistemática do art.85
do CPC, ser viável o arbitramento desse mesmo limite percentual
– entre 10% a 20% – como verba honorária de advogado na fase
executiva correspondente à de cumprimento de sentença, cuja na-
tureza é essencialmente distinta da fase de cognição, no sistema
processual sincrético mantido no CPC de 2015.

Haverá contextos em que a fase propriamente de cognição já


se desenvolveu sob intensa litigiosidade e complexidade, inclusive
com interposição de inúmeros recursos até o trânsito em julgado
da sentença ilíquida, apresentando-se o mesmo grau de contencio-
sidade na fase de liquidação, de sorte que o percentual máximo de
20% para toda fase de conhecimento, incluindo a liquidatória, po-
derá se afigurar amesquinhado para compensar o esforço deman-
dado dos advogados até a quantificação do valor da condenação,
cabendo à construção jurisprudencial o papel de encontrar solução
para essas dificuldades, que já se vislumbram a partir da tentativa
de interpretação da disciplina legal dessas verbas, no Código de
Processo Civil de 2015.

6 À guisa de conclusão
À luz da disciplina dos honorários advocatícios no CPC de 2015,
particularmente a regra do caput do art. 85 e seu § 1º, em interpre-
tação sistemática com outras disposições da Lei nº 13.105/2015,
resulta induvidoso que, pelo princípio da causalidade, impõe-se a
fixação de honorários advocatícios sucumbenciais na fase de liqui-
dação, seja na modalidade por arbitramento ou por procedimento
comum, sempre que a fase liquidatória apresente litigiosidade que
se resolva com a imposição de sucumbência a uma das partes ou
CCecíliCeCe 34
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

proporcionalmente, na sentença de encerramento da fase de liqui-


dação (Parágrafo Único do art. 1.015 do CPC de 2015), sendo essa
lógica que deve nortear a interpretação das disposições do atual
CPC acerca do tema, corroborando e reafirmando a orientação ju-
risprudencial construída ainda sob a vigência da CPC anterior, so-
bretudo no âmbito do STJ.

No que concerne à base de cálculo para o arbitramento des-


sas verbas na fase de liquidação contenciosa, conclui-se ainda que
deve corresponder ao proveito econômico obtido com a sucumbên-
cia imposta à outra parte, segundo o grau de litigiosidade e o al-
cance que cada questão ou tese sucumbente teria na determinação
do quantum debeatur, reconhecendo-se ademais, como parâmetro
para a fixação dessas verbas, o limite de 20% para toda fase de
conhecimento (incluindo a fase liquidatória), voltando a incidir a
possibilidade de ser atingida a mesma escala percentual de até 20%
na fase autônoma seguinte, de cumprimento de sentença.

7 Referências
ASSIS, ARAKEN DE. Manual da Execução, 19º Ed., Editora RT, 2017.
DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Di-
reito Processual Civil - Vol. 2. 1° Ed. Salvador: Juspodovm, 2007.
NERY JR, Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil
Comentado e Legislação Extravagante - 10ª Ed. São Paulo: RT, 2007.
PARECER PGFN/CRJ/Nº 440/2016. Revista da PGFN, número 2016-9,
ano V, pp. 225/159http://www.pgfn.fazenda.gov.br/revista-pgfn/ano-v-
numero2016-9-/p440.pdf; acesso em 02.07.2017.

CCecíliCeCe 35
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Garantias C onstitucionais
do P rocesso:
conforme direitos reconhecidos e tutelados no
texto da C onstituição F ederal
Edna Maria da Silva1

O presente artigo tem por objetivo desenvolver um breve estudo acerca


de algumas das garantias constitucionais. A pesquisa de cunho bibliográ-
fico empreendida pretende demonstrar que direitos outrora suprimidos
em uma época de autoritarismo, atualmente, encontram-se protegidos
pelos princípios e garantias fundamentais expressas no bojo da Carta
Magna. A propósito disso, pretende-se abordar o devido processo legal,
o direito de ação atrelado ao princípio da inafastabilidade jurisdicional,
o contraditório, assim como o princípio da isonomia e sua aplicação no
Direito Processual Civil. Ademais, busca-se demonstrar a supremacia
do texto constitucional, sob o enfoque da proteção a direitos e garan-
tias fundamentais, realçando-se que é exatamente nele que as normas
jurídicas, para que sejam válidas, devem encontrar seu fundamento.
Palavras-chave: garantias constitucionais – processo – direito.
Sumário: 1. Introdução; 2. Devido Processo Legal; 3. A Inafastabilidade
Jurisdicional; 4. Garantia Constitucional do Contraditório; 5. Isonomia;
6. Conclusões; 7. Referências.

1 Introdução
A Constituição Federal traz em seu texto magno princípios e
garantias fundamentais que disciplinam as normas infraconstitu-
cionais de todo o sistema normativo. É nela que devem se funda-
mentar todas as demais normas jurídicas, para que tenham vali-
dade, sendo, deste modo, a exegese da Constituição imprescindível
para nortear a elaboração, interpretação e aplicação de todas as
leis e normas estabelecidas no ordenamento Jurídico brasileiro.

Ademais, superado no Brasil o regime autoritário, blindados os


direitos e garantias fundamentais pela supremacia da Lei Maior, a
qual, também, veio a limitar o poder, por exemplo, dos juízes e dos
próprios legisladores, isto, para evitar que em algum momento da

1  Bacharela em Direito pela Faculdade de Olinda (Focca). Pós-graduanda em Pro-


cesso Civil Contemporâneo pela UFPE.
EEdnEdEdnaEEdEdEdna 36
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

história, por ventura, venham a ocorrer novas supressões a estes


direitos, iniciou-se, então, a reestruturação do modelo processual.

Nesse contexto, deu-se a demarcação constitucional garan-


tindo o respeito ao processo legal, ao direito de ação atrelado aos
princípios da inafastabilidade jurisdicional, do contraditório e da
isonomia.

Nessa conjuntura, quando contemplada no texto magno, a ati-


vidade processual, instrumento de defesa de todo cidadão, foi va-
lorizada pela Constituição de 1988, que passou a ser a verdadeira
fonte normativa do sistema processual, garantindo ao jurisdiciona-
do a sucessão dos atos do processo de forma mais segura.

2 Devido Processo Legal


O conceito do devido processo legal está atrelado às garantias
fundamentais presentes na Constituição, como a inafastabilidade
jurisdicional, artigo 5º, inciso XXXV; o juiz natural, inciso LIII
e XXXVII; o contraditório e a ampla defesa, incisos LIV e LV; a
isonomia, caput e inciso I; a razoável duração do processo, inciso
LXXVII (introduzido pela EC 45); além da exigência de fundamen-
tação das decisões jurídicas, artigo 93, inciso IX, da CF, dentre ou-
tras.

Na definição de Bulos2:
“Devido processo legal é o reservatório de princípios constitu-
cionais, expressos e implícitos que limitam a ação dos Poderes
Públicos. [...]
Mais do que um princípio o devido processo legal é um sobre-
princípio, ou seja, fundamento sobre o qual todos os demais di-
reitos fundamentais repousam”.

A partir dessa conceituação, em que se demonstra que estão


reunidas diversas garantias fundamentais ao devido processo

2 , BULOS, Uadi Lammêgo. Direito Constitucional ao alcance de todos, p.264


EEdnEdEdnaEEdEdEdna 37
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

legal (artigo 5º, inciso LIV, da CF), seria, então, suficiente a sua
mera enunciação para brotarem as garantias que dele decorrem,
sem a necessidade de explicitar os demais princípios no bojo do
texto constitucional. Contudo, diante de uma democracia jovem, é
importante essa efetivação da Constituição, para evitar que, ocor-
rendo eventuais momentos repressivos e autoritários, garantias
fundamentais venham novamente a ser suprimidas, como assinala
Valim3 em seu artigo:
“[...] ante a complexidade e a tessitura normativa elástico do
conceito do due processo of law, seria prescindível a enumera-
ção, no texto constitucional, das demais garantias fundamen-
tais, sendo suficiente apenas a consagração do devido processo
legal. Todavia, a explicitação, no bojo do texto constitucional,
dos demais princípios decorrentes do devido processo legal é
necessária para a concretização e efetivação da própria Consti-
tuição, evitando que, em momentos históricos autoritários e re-
pressivos, garantias fundamentais sejam suprimidas. Quanto
maior o leque de direitos e garantias constitucionalmente asse-
gurados, em maior âmbito de tutela constitucional se encontra
o jurisdicionado”.

A Constituição de 1988 dispõe em seu inciso LIV do artigo 5º


que: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o
devido processo legal”. Assim como, também anteriormente verifi-
cado, em vários dos incisos do artigo 5º da Carta Magna, a impor-
tância indiscutível da Constituição Federal para o sistema instru-
mental brasileiro de acordo com os direitos fundamentais.

Para Nery e Abboud4:


A influência dos direitos fundamentais adaptou-se à realidade
socioeconômica e política vivida pelas diversas sociedades. No
Brasil, percebe-se que a guerra fria no contexto internacional,
e mais especificamente, a ditadura militar, no contexto interno,
foram acontecimentos que atrasaram até 1988 o início da rees-
truturação de nosso sistema instrumental conforme os direitos
essenciais.

3  VALIM, Pedro Losa Loureiro. Garantias constitucionais do processo, cap. 1.1.


4  NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Direito Processual Civil, p. 21.
EEdnEdEdnaEEdEdEdna 38
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Ainda nas palavras de Nery e Abboud:


As Constituições Políticas Contemporâneas não têm mais ape-
nas o objetivo de delimitar a atividade do Estado em face do
cidadão considerado individualmente. Em razão do conflito de
interesses de certas coletividades, depende-se o devido proces-
so legal para atingir a soluções esperadas. Pela influência dos
direitos fundamentais, nas palavras de Willis Santiago Guerra
Filho, ‘o processo tornar-se um instrumento privilegiado de
participação política e exercício permanente da cidadania.5

Quanto ao funcionamento e importância deste dispositivo ju-


rídico, Bulos6 destaca que:
O devido processo legal funciona como meio de manutenção
dos direitos fundamentais. Sua importância é enorme, porque
impede que as liberdades públicas fiquem ao arbítrio das auto-
ridades executivas, legislativas e judiciais. Somente no final do
século XX os juristas despertaram para a grande importância
do devido processo. A magistratura, de modo geral, desconhe-
cia-lhe a amplitude, deixando de aplica-lo, em muitos casos.
Não raros, leis ou atos normativos inconstitucionais vigoravam
em nítida afronta às liberdades públicas, sem que nada fosse
feito para combater tal praxe.

Muitos estudiosos, atualmente, acreditam ser o processo um


‘ato jurídico complexo’ por ser composto por uma gama de direitos
fundamentais, motivo pelo qual se torna difícil para muitos che-
gar a um esquema que defina todo o seu potencial. No entanto,
foi a partir desse âmbito constitucional, com todas essas garantias
e princípios informativos do devido processo, que se deu início a
um novo momento no que concerne ao desenvolvimento da ordem
jurídica e ao reconhecimento da grandiosidade do devido processo
legal.

3 A Inafastabilidade Jurisdicional
O princípio da inafastabilidade é o que garante a todos os ci-

5  NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Direito Processual Civil, p. 22.


6  BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional, p. 661.
EEdnEdEdnaEEdEdEdna 39
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

dadãos o acesso à justiça7. Dispõe o inciso XXXV do artigo 5º, da


Constituição Federal, que “a lei não excluirá da apreciação do Po-
der Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

O Brasil guarda em sua história recente período de autoritaris-


mo, onde direitos hoje consagrados como fundamentais sofreram
opressão, como quando, por exemplo, o acesso à justiça foi limita-
do no final da década de 60. Tendo sido esta garantia suprimida a
partir da edição, no dia 13 de dezembro de 1968, do Ato Institucio-
nal nº 05. Pois, o AI – 05, em seu artigo 11, excluía
“de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de
acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares,
bem como os respectivos efeitos.” Vinte anos depois, mais pre-
cisamente em outubro 1988, nasce a Constituição Federal que
consagra a democracia e assegura o direito do cidadão poder
levar à apreciação do judiciário toda e qualquer lesão ou ame-
aça por ele sofrida. Ou seja, o direito de ação, o qual concretiza
uma garantia constitucional.

Nas palavras de Lopes e Lopes:


A Constituição de 1988 traz, no inciso XXXV do art. 5º, a se-
guinte disposição: A lei não excluirá da apreciação do Poder Ju-
diciário lesão ou ameaça de direito. Para além da literalidade do
texto, o que se estabelece não é apenas o direito de ingressar em
juízo ou de movimentar a máquina judiciária, mas a garantia
de tutela jurisdicional qualificada, cumprida a função social do
sistema jurídico.

Kazuo Watanabe8, no artigo “Tutela antecipatória e tutela es-


pecífica das obrigações de fazer e não fazer”, destaca:
O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, ins-
crito no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal, não
assegura apenas o acesso formal aos órgãos judiciários, mas
sim o acesso à Justiça que propicie a efetiva e tempestiva pro-
teção contra qualquer forma de denegação da justiça e também

7  LOPES, João Batista; LOPES Maria Elizabeth de Castro. Princípio da Efetivi-


dade, p. 241.
8  WATANABE, Kazuo. Tutela Antecipatória e tutela específica das obrigações de
fazer e não fazer – arts 273 e 461 do CPC, p. 20.
EEdnEdEdnaEEdEdEdna 40
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
o acesso à ordem jurídica justa. Cuida-se de um ideal que, cer-
tamente, está ainda muito distante de ser concretizado e, pela
falibilidade do ser humano, seguramente jamais o atingiremos
na sua inteireza. Mas a permanente manutenção desse ideal na
mente e no coração dos operadores do direito é uma necessida-
de para que o ordenamento jurídico esteja em contínua evolu-
ção.

De acordo com os ensinamentos do professor Dinamarco9:


O inc. XXXV do art. 5º da Constituição, antes interpretado
como portador somente da garantia da ação, tem o significa-
do político de pôr sob controle os órgãos da jurisdição todas
as crises jurídicas capazes e gerar estados de insatisfações às
pessoas (...) o princípio da inafastabilidade do controle jurisdi-
cional manda que as pretensões sejam aceitas em juízo, sejam
processadas e julgadas, que a tutela seja oferecida por ato do
juiz àquele que tiver direito a ela – e, sobretudo, que ela seja
efetiva como resultado prático do processo;

Há, portanto, à luz do princípio da inafastabilidade jurisdicio-


nal, a garantia constitucional do acesso à Justiça quando é opor-
tunizado ao cidadão postular ao Poder Judiciário, para que este
aprecie a sua alegação de existência de determinado direito, ainda
que a sentença prolatada seja de improcedência.

4 Garantia Constitucional do Contraditório


O contraditório encontra-se estabelecido no texto constitucio-
nal, em seu inciso IV do artigo 5º, o qual dispõe que “aos litigantes,
em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral
são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes”. O contraditório, em outra época, era tão
somente a necessidade de a parte adversa apresentar a sua versão
dos fatos, dando oportunidade à parte contrária de conhecer tais
informações.

9  DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de Direito Processual Civil, pp.


203-204.
EEdnEdEdnaEEdEdEdna 41
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Segundo Souza10, o processo deve seguir à risca o que a Consti-


tuição Federal estabeleceu como garantias processuais, principal-
mente no que se refere à tutela dos direitos fundamentais: imu-
nizar e reparar, quando preciso, o direito [...] de acordo com os
preceitos e valores inseridos na Constituição Federal Leciona The-
odoro Júnior11:
Quando se afirma o caráter absoluto do princípio do contraditó-
rio, o que se pretende dizer é que nenhum processo ou procedi-
mento pode ser disciplinado sem assegurar às partes a regra de
isonomia no exercício das faculdades processuais. (…) não pode
o juiz conduzir o processo sem respeitar o contraditório; à par-
te, entretanto, cabe a liberdade de exercitá-lo ou não, segundo
seu puro alvedrio. Ninguém é obrigado a defender-se. O direito
de participar do contraditório é, nessa ordem, disponível. Logo,
mesmo quando o juiz o desobedece, cometendo cerceamento de
defesa, o processo ficará passível de nulidade.

O contraditório vem, portanto, para assegurar o direito que


assiste às partes de contrapor o que alega a parte contrária e, as-
sim, garantir o direito disponível de contradizer parte adversária
com paridade de armas. Ou seja, esse princípio se associa a outros
direitos fundamentais, como o princípio da liberdade de expressão,
isonomia, entre outros.

5 Isonomia
O artigo 5º, caput, da CF, dispõe: “todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasi-
leiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do di-
reito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

O conceito de isonomia foi clareado pela Revolução Francesa


e avançou durante os séculos XVIII e XIX, com o intuito de mo-

10  SOUZA, Carlos Eduardo Amaral de. Nova visão do princípio constitucional do
contraditório e seu papel no direito fundamental ao acesso à ordem jurídica justa,
p. 104.
11  THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria
geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 172.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

dificar a estrutura de sua sociedade, típica do sistema feudal me-


dieval, em que o indivíduo dependia de sua origem familiar para
ter acesso aos privilégios e ao poder. Deste modo, o “status” era
definido a partir do nascimento do indivíduo, como se traduz na
máxima, por exemplo, de que o indivíduo que nasceu servo, servo
seria até a morrer. Mesmo tendo a classe burguesa passado a ser
detentora das riquezas, em consequência da Revolução Industrial,
ainda assim, continuava desprovida dos privilégios reservados à
família monárquica, aos nobres e aos militares. Não havia mobili-
dade social, típica de uma sociedade estamental, ou seja, dividida
em grupos sociais.

Contudo, outrora, os gregos já apontavam a importância da


igualdade. O filósofo Aristóteles, em sua obra “A Política”, ao falar
sobre a Justiça Política faz menção ao princípio da isonomia, di-
zendo ser este próprio do homem em meio social. Apregoava ainda
que, a conduta dos cidadãos deve obediência às leis, as quais devem
ser ajustadas ao critério da igualdade12. Isto demonstra que desde o
passado o problema da desigualdade inerente ao homem e à socie-
dade em que este se encontra inserido, o tem levado a querer mo-
dificar a estrutura social em que vive, tornando-a mais igualitária
em direitos e deveres.

Ruy Barbosa (apud Bulos,2010, p.17) 13 sustenta em um de seus


textos primorosos inspirando-se na lição Aristotélica que:
A regra da igualdade não consiste senão em tratar desigual-
mente os desiguais na medida em que se desigualam. Nesta
desigualdade social, proporcional e desigualdade natural, é que
se acha a verdadeira lei da igualdade. Os mais são desvarios da
inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade os
iguais, ou os desiguais com igualdade, seria desigualdade fla-
grante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam
inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a

12  ARISTOTELES. A Política. Hemus Livraria, Distribuidora e Editora, 2005


13  Ruy Barbosa apud BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional,
p. 17.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
cada um, na razão do que vale, mas atribuir os mesmos a todos,
como se todos se equivalessem.

Seguindo esse entendimento, pode-se dizer que, para que não


haja injustiça, é necessário utilizar a desigualdade de tratamento,
quando preciso for, para o nivelamento de todos. Ou seja, disponi-
bilizar indistintamente a verdadeira situação igualitária. Por esta
razão, é preciso criar as oportunidades para serem as pessoas efe-
tivamente iguais, abolindo, deste modo, os privilégios processuais
e conservando, assim, o direito constitucional da isonomia

6 Conclusões
A Constituição de 1988 foi o apogeu do importante caminhar
histórico em direção ao Estado Democrático de Direito. Com o seu
advento, deu-se um passo definitivo rumo à consolidação da tão
esperada democracia. A Constituição Federal de 1988 trouxe em
seu bojo preceitos imprescindíveis para igualar todos perante a lei
e, desta feita, para que o então recém conquistado estado democrá-
tico tivesse uma permanência duradoura e não se fragilizasse com
o passar do tempo.

Nesse diapasão, pode–se dizer que a constituição tem por


objeto a organização do poder em sociedade, como, por exemplo,
ao determinar limites ao poder decisório conferido aos juízes, os
quais não podem se distanciar da supremacia constitucional. Para
tanto, devem, quando no exercício de sua jurisdição, preservar os
princípios e garantias elencados na Carta Magna, dentre os quais
se encontram o direito de ação, sucedido do devido processo legal,
da ampla defesa e contraditório, e da igualdade das partes envol-
vidas na ação. Para além disso, a Carta Magna também norteia e
baliza a estruturação de uma ordenação processual, no sentido de
que esta ao ser construída respeite os comandos normativos na-
quela estabelecidos.

EEdnEdEdnaEEdEdEdna 44
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Diante do exposto, conclui-se que, para a realização do ple-


no direito do jurisdicionado perante a atividade exercida judicial
pelo Estado, o processo deve observar os preceitos constitucionais
pertinentes. Isto é o que garante e permite que os atos do processo
sejam realizados da forma mais segura possível, respeitando-se os
direitos e garantias constitucionais.

7 Referências
ARISTOTELES. A Política. Hemus Livraria, Distribuidora e Editora, 2005;
BULOS, Uadi Lammêgo. Direito Constitucional ao alcance de todos. 3. ed.
Saraiva: São Paulo, 2009; P.264
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. Saraiva:
São Paulo, 2010;
DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de direito processual civil. Ed.
Malheiros: São Paulo. p. 203/204, 2009;
LOPES, João Batista; LOPES Maria Elizabeth de Castro. Princípio da Efeti-
vidade. In: Princípios processuais civis na Constituição. Ed. Elsevier: Rio
de Janeiro, pp. 241/253, 2008;
NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. DIREITO PROCESSUAL CI-
VIL. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 21 e 2015 ,22;
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Te-
oria geral do direito processual civil e processo de conhecimento – vol. I
– Humberto Theodoro Júnior – Rio de Janeiro: Forense, 2014;
SOUZA, Carlos Eduardo Amaral de. Nova visão do princípio constitucio-
nal docontraditório e seu papel no direito fundamental ao acesso à ordem
jurídica justa (Art.5º, XXXV, LIV, LV e LXXVIII, da CF/88: o princípio da
cooperação no processo. Dissertação (Mestrado em Direito). Faculdade de
Direito de Vitória. Vitória, 2008;
WATANABE, Kazuo. Tutela Antecipatória e tutela específica das obriga-
ções de fazer e não fazer – arts 273 e 461 do CPC. P. 20. In: TEIXEIRA, Sál-
vio de Figueiredo Teixeira (Coord.). Reforma do Código de Processo Civil.
São Paulo: Saraiva, p. 20, 1996;
VALIM, Pedro Losa Loureiro. Garantias constitucionais do processo. 2017
Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/60594/garantias-constitucio-
nais-do-processo/> Acessado em 14 nov 2017

EEdnEdEdnaEEdEdEdna 45
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Considerações sobre a economicidade


processual à luz do C ódigo de Processo Civil
de 2015
Fernanda Maria Albuquerque1

O presente artigo tem o objetivo de desenvolver algumas considerações


envolvendo a economicidade processual, a propósito do advento da Lei
nº 13.105/2015 – CPC vigente. Ressaltou-se que outrora já houve di-
versas alterações constitucionais e legislativas visando ao alcance dessa
garantia processual, vindo o primeiro acontecimento com a promulga-
ção da EC nº 45/04. Na mesma esteira, o atual Código de Processo
Civil traz várias opções para composição dos litígios extrajudicialmente,
objetivando desobstruir as vias judiciais e garantir a resolução dos con-
flitos por meios alternativos, bem como mediante alterações em outros
institutos, nessa busca incansável pela celeridade processual.
Palavras-chave: Economicidade – Processual - Processo Civil.
Sumário: 1. Introdução; 2. Da conciliação e Mediação judiciais; 3. Ônus
Dinâmico da Prova; 4. Prazos; 5. Sistema de precedentes para fins de
estabilização da jurisprudência; 6. Dos Honorários Advocatícios; 7.
Conclusão.

1 Introdução
O Código de Processos Civil revogado, instituído pela Lei 5.869
de 11 de janeiro de 1973, sofreu inúmeras alterações por meio de
periódicas reformas, gerando uma sensação de vulnerabilidade ju-
rídica, o que tornou necessária a elaboração de um Código de Pro-
cesso Civil de 2015, com o intuito de sanar a insegurança jurídica
latente e também como mecanismo para a introdução de novos ins-
titutos no ordenamento jurídico processual brasileiro. Denota-se
que o objetivo central do CPC de 2015 é proporcionar a celeridade
processual aliada à segurança jurídica, percebendo-se ainda um
maior enfoque no desejo do jurisdicionado, que é a resolução efeti-
va do seu problema no menor tempo possível.

Destarte, válido é ressaltar que tais anseios já existiam nos


1  Advogada, Pós-Graduanda em Processo Civil Contemporâneo pela Universidade
Federal de Pernambuco, Bacharela em Direito pela Faculdade Estácio do Recife.
FFernandFeFernFeFernanda M 46
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

pensamentos e discussões doutrinárias sobre o projeto do Código


de Processo Civil, como se vê do posicionamento de Nelson Nery
Jr:
[…] as pregações feitas por setores especializados em direito
constitucional e processual, assim como também por setores
leigos, no sentido de que são necessárias mudanças da legisla-
ção processual para ‘acabar-se’ com a morosidade da justiça,
não deixam de ser um tanto quanto dissociadas das verdadei-
ras causas, e, portanto, não são adequadas soluções para esses
problemas por eles apontados. E para solucionar o problema
da ineficiência do Poder Judiciário na prestação jurisdicional
faz-se necessário que sejam realizadas mais pesquisas esta-
tísticas, técnica esta totalmente alheia aos operadores do di-
reito, o que requer profissionais especializados (tratamento
multidisciplinar do problema). Há tempos, estudiosos como,
por exemplo, José Carlos Barbosa Moreira e Egas Diniz Moniz
de Araújo, vêm defendendo a necessidade de serem efetuadas
pesquisas estatísticas para coleta de dados na realidade dos fo-
ros, a fim de serem identificados pontos de estrangulamento
na tramitação dos processos. Com efeito, diversos indicadores
introduzidos na Constituição de 1988 pela Reforma do Judici-
ário, a ensejar a realização de análises das mais diversas sobre
o funcionamento do Judiciário, tais como: sobre a quantidade
adequada de juízes em todas as comarcas do território brasilei-
ro, tomando por base a efetiva demanda judicial e a respectiva
população; ou, ainda, sobre o prazo adequado para a distribui-
ção de processos em todos os órgãos jurisdicionais. Além disso,
deve-se mudar o foco das reformas processuais, passando-se a
exigir maiores investimentos em infraestrutura do Poder Judi-
ciário, bem como a mudança de mentalidade de alguns mem-
bros da magistratura, do ministério público, de advogados e de
servidores públicos. 2

Complementa o mesmo autor:


Para que se dê efetividade à garantia constitucional da celeri-
dade e duração razoável do processo judicial é necessário equi-
par-se o Poder Judiciário do aparato logístico de que precisa
para dar cumprimento ao comando constitucional, constituído
de melhoria da capacitação técnica dos juízes e dos elementos
materiais necessários ao bom desempenho das funções dos

2  NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal.


FFernandFeFernFeFernanda M 47
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
magistrados e dos auxiliares da justiça.3

2 Da conciliação e Mediação judiciais


A iniciativa do Legislador em trazer para o Código de Processo
Civil os institutos da conciliação e mediação judicial tem o intuído
de proporcionar aos cidadãos que buscam a tutela do Judiciário
a oportunidade de realizar a autocomposição, durante o processo
judicial. É uma fase não obrigatória, indicada para as pessoas que
tenham interesse na solução do conflito através da transação, não
devendo ser imposta às partes, de modo que uma das partes, ou
ambas, podem se manifestar indicando o não interesse na audiên-
cia prévia. A fase conciliatória marca a primeira participação do
autor no processo.

Veja a definição doutrinária dos institutos em comento, expos-


ta por Didier:
Mediação e conciliação são formas de solução de conflito pelas
quais um terceiro intervém em um processo negocial, com a
função de auxiliar as partes a chegar à autocomposição. Ao ter-
ceiro não cabe resolver o problema, como acontece na arbitra-
gem: o mediador / conciliador exerce um papel de catalisador
da solução negocial do conflito. 4

O conciliador atuará como orientador podendo propor soluções


para sanar a controvérsia, fazendo com que as partes discutam en-
tre si e optem, de comum acordo dentre as soluções propostas, pela
que reputem mais adequada à resolução do conflito de interesses.
A mediação diferencia-se da conciliação por ser indicada para os
casos em que as partes já tiveram um vínculo anterior e desse vín-
culo tenha resultado o conflito de interesses. Nesse caso, o media-
dor não oferece soluções, ele atua auxiliando as partes, para que
elas encontrem a melhor solução para o problema, o que torna a
participação do mediador menos ativa que a do conciliador.

3  NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, p. 319.


4  DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, v. 1, p. 275.
FFernandFeFernFeFernanda M 48
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

3 Ônus Dinâmico da Prova


O ônus dinâmico da prova é tratado no artigo 373, §1 do
CPC/2015, trazendo a possibilidade de o juiz modular os ônus pro-
batórios e sua dinamização.

É importante frisar que a prova consiste em direito


fundamental, sendo pertinente colacionar a opinião doutrinária de
Marinoni sobre o instituto das provas no processo:
O direito de produzir prova engloba o direito à adequada opor-
tunidade de requerer a sua produção, o direito de participar da
sua realização e o direito de falar sobre os seus resultados.5

Anote-se que o artigo 369 do CPC de 2015 trata de todos os


tipos de provas admitidas em direito e subdivide as provas em típi-
cas, quando são expressamente previstas em lei, e atípicas, que são
aquelas que se fazem também por meio que a lei não preveja, mas
que o juiz as julgue necessária, não devendo, entretanto, contrariar
nenhum preceito legal nem moral. O direito de produzir provas é
valorizado no CPC vigente, estando o ônus dinâmico da prova dire-
tamente ligado ao princípio do contraditório e da ampla defesa, ga-
rantias que proporcionam às partes a oportunidade de não apenas
falar, mas de materializar processualmente as provas e evidências
do seu direito.

4 Prazos
No que concerne aos prazos, foi realizada uma modificação
nos prazos próprios, que são os prazos nos quais, não havendo o
devido cumprimento, ocorre a preclusão temporal. Desse modo, a
parte que deixou de cumprir perde o direito ao cumprimento de-
terminado prazo.

Os prazos são prescritos em lei, ou convencionados pelo juiz de


acordo com a complexidade do ato a ser praticado. Para os casos de

5  MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova, pp. 258-259.


FFernandFeFernFeFernanda M 49
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

omissão, houve também a determinação da contagem dos prazos


processuais serem apenas em “dias úteis”, assim como a determi-
nação do recesso forense no período de 20 de dezembro a 20 de
janeiro, devendo os prazos serem suspensos neste período. Estas
são as principais modificações, porém a lei dispõe da todos os pra-
zos nos artigos 217 a 232 da Lei Nº. 13.105, de 16 de março de 2015.

5 Sistema de precedentes para fins de estabiliza-


ção da jurisprudência
O sistema de precedentes tem por objetivo o fortalecimento
das decisões judiciais, mantendo alinhamento e racionalidade,
para evitar que ações exatamente iguais tenham julgamentos to-
talmente distintos apenas pelo fato de terem sido distribuídas para
varas diferentes, por exemplo. Assim, pode-se minimizar ou quiçá
extinguir o efeito do entendimento individualizado de juiz, que tem
gerado danos e insegurança aos que buscam a tutela judicial, vindo
ao longo dos anos gerando insatisfação ao jurisdicionado, que não
consegue compreender o real motivo de não ter “ganho o processo”,
se seu colega, que estava na mesma situação que ele, obteve êxito.

Veja-se abaixo o entendimento doutrinário de Fred Didier


acerca de precedente:
[...] É a Decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo
núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento
posterior de casos análogos.6

No referido sistema de precedentes, não há a necessidade de


reiteradas decisões, apenas uma decisão no mesmo sentido já é su-
ficiente. Diferentemente do que ocorre na jurisprudência, que só
ocorre quando há julgamentos reiterados sobre a mesma matéria.
Vale ressaltar que nem todas as decisões judiciais podem formar
um precedente, mas todos os precedentes são advindos de decisões

6  DIDIER JR., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Santos Alexandria; BRAGA, Paula Sar-
no. Curso de Direito Processual Civil, v. 2, p. 385.
FFernandFeFernFeFernanda M 50
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

judiciais.

Analise-se o entendimento de Dworkin sobre a matéria:


Podemos comparar o juiz que decide sobre o que é direito em
alguma questão judicial, não apenas com os cidadãos da comu-
nidade hipotética que analisa a cortesia que decidem o que essa
tradição exige, mas com o crítico literário que destrinça as vá-
rias dimensões de valor em uma peça ou um poema complexo.
Os juízes, porém, são igualmente autores e críticos. [...] Portan-
to, podemos encontrar uma comparação ainda mais fértil entre
literatura e direito ao criarmos um gênero literário artificial
que podemos chamar de “romance em cadeia”. Em tal projeto,
um grupo de romancistas escreve um romance em série; cada
romancista da cadeia interpreta os capítulos que recebeu para
escrever um novo capítulo, que é então acrescentado ao que re-
cebe o romancista seguinte, e assim por diante. Cada um deve
escrever seu capítulo de modo a criar da melhor maneira pos-
sível o romance em elaboração, e a complexidade dessa tarefa
reproduz a complexidade de decidir um caso difícil de direito
como integridade. [...] Em nosso exemplo, contudo, espera-se
que os romancistas levem mais a sério suas responsabilidades
de continuidade; devem criar em conjunto, até onde for pos-
sível, um só romance unificado que seja da melhor qualidade
possível. [...] Deve tentar criar o melhor romance possível como
se fosse obra de um único autor, e não, como na verdade é o
caso, como produto de muitas mãos diferentes. Isso exige uma
avaliação geral de sua parte. 7

Veja-se o posicionamento de Streck sobre o tema:


Numa palavra final, não podemos admitir que ainda nessa qua-
dra da história, sejamos levados por argumentos que afastam
o conteúdo de uma lei – democraticamente legitimada – com
base em uma suposta “superação” da literalidade do texto legal.
Insisto: literalidade e ambiguidade são conceitos intercambi-
áveis que não são esclarecidos numa dimensão simplesmente
abstrata de análise dos signos que compõem um enunciado.
Tais questões sempre remetem a um plano de profundidade
que carrega consigo a “dobra da linguagem”, vale dizer, o con-
texto no qual a enunciação tem sua origem. Esse é o problema
hermenêutico que devemos enfrentar! Problema esse que ar-
gumentos despistadores, como o da “superação” da literalidade

7  DWORKIN, Ronald. O império do direito, p. 275-277


FFernandFeFernFeFernanda M 51
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
da lei, só fazem esconder e, o que é mais grave, com riscos de
macular o pacto democrático.8

Em havendo precedente cabível, deve ser utilizado, no todo ou


em parte, a depender das peculiaridades do caso em concreto. Ha-
verá ruptura no sistema, em não sendo respeitados os precedentes
existentes, sendo a decisão passível de reforma e até de nulidade,
para que seja dado o tratamento adequado à questão doa observân-
cia ao sistema processual de precedentes, respeitando o princípio
da isonomia e do devido processo legal.

6 Dos Honorários Advocatícios


Os honorários advocatícios sofreram significativas mudanças,
passado a ter natureza de verba remuneratória, pertencente apenas
ao advogado, e não mais de verba de ressarcimento, que é de titu-
laridade da parte. Com isso, houve uma sistematização e aumento
nas hipóteses de incidência de honorários, dentre elas a aplicabili-
dade de no mínimo 10% e no máximo 20%, do valor da condenação,
do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo,
será calculado sobre o valor atualizado da causa, ou ainda por equi-
dade. Já para os casos de sucumbência recíproca serão divididos
entre ambos os honorários e as despesas, não mais sendo admiti-
da a compensação na proporção do grau de sucumbência de cada
parte.

No CPC vigente, os honorários advocatícios encontram-se dis-


ciplinados nos Artigos 82 ao 97, sendo destacados abaixo apenas
alguns:
Art. 82. Salvo as disposições concernentes à gratuidade da
justiça, incumbe às partes prover as despesas dos atos que re-
alizarem ou requererem no processo, antecipando-lhes o pa-
gamento, desde o início até a sentença final ou, na execução,
até a plena satisfação do direito reconhecido no título. § 2o A
sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas

8  STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso, pp. 538-539


FFernandFeFernFeFernanda M 52
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
que antecipou. 9
Art. 86. Se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, se-
rão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas. Art.
85. § 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm
natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos
oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensa-
ção em caso de sucumbência parcial.

Desta feita, resta superada o enunciado da Súmula 306 do STJ.10

O tema dos honorários advocatícios é abordado com maior pe-


culiaridade e realce neste código, que trouxe à classe dos advogados
uma segurança maior quanto ao recebimento e a impenhorabilida-
de do valor correspondente aos honorários advocatícios, propor-
cionando mais segurança jurídica, mesmo que antes o contrato de
honorários já fosse tratado como título executivo extrajudicial, po-
dendo assim ser objeto de execução, dispensando as necessidades
do processo de conhecimento para cobranças de eventuais honorá-
rios devidos.

A comunidade jurídica depara-se, pois, com uma evolução na


legislação processual, refletida na disciplina legal voltada a ampa-
rar o direito à remuneração devida aos advogados, uma vez que o
êxito das demandas se dá à custa de trabalho árduo destes profis-
sionais, litigando em prol dos interesses de seus clientes.

7 Conclusão
Falou-se brevemente sobre algumas das novas regras imple-
mentadas pela da Lei nº. 13.105/15 - Código de Processo Civil vi-
gente, que trouxe regramento para o alcance da tão almejada cele-
ridade processual, com maior segurança, implementando meios de
resolução de conflitos extrajudiciais, tornando possível o acesso às
câmaras de mediação, conciliação e arbitragem.

9  Artigo 82 da Lei Nº. 13.105, de 16 de março de 2015.


10  Artigo 86 da Lei Nº. 13.105, de 16 de março de 2015.
FFernandFeFernFeFernanda M 53
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

O CPC de 2015 trouxe ainda a possibilidade de o magistrado


requerer a produção de provas, de forma que possa chegar ao seu
livre convencimento. O livre convencimento do juiz é de fato livre
para requerer a produção das provas necessárias para que possa
chegar ao veredito, de forma mais justa, isonômica e satisfativa,
assim como a possibilidade de se resolver de forma ágil o confli-
to existente, permitindo ao Juiz deliberar pela desnecessidade de
produção de provas, entendendo ser satisfatória a prova já produ-
zida, para o julgamento da lide.

Por outro lado, a mudança no sistema de contagem de prazos


tornou o procedimento judicial mais prático, pois o código foi ela-
borado também por advogados, que entendem o quanto é sacrifi-
cante litigar em prol dos interesses de seus clientes, em um curto
espaço do tempo, tornando mais coerente a forma da contagem, na
prática estendendo o recesso do judiciário também aos advogados,
trazendo enfim inúmeros benefícios à comunidade jurídica.

A nova forma de cobrança de honorários advocatícios vem


também como uma tentativa de frear os litigantes habituais, bem
como aquelas pessoas que “arriscam a sorte” em processos judi-
ciais, valendo-se da lei da gratuidade, para transformar o sistema
processual brasileiro em um “sistema de loteria”, em que as partes
ingressavam com ações visando a reparação pecuniária de alega-
dos danos morais. Atualmente vê-se cenário semelhante na justiça
do trabalho, uma incessante massa de ações de dano moral, quan-
do na verdade muitos estão apenas arriscando a sorte, na tentativa
de auferir vantagens, utilizando-se das vias judiciais para tanto.

Denota-se, enfim, que se deve sempre levar em consideração a


vontade das partes, resguardando os direitos e garantias processu-
ais previstos em nosso ordenamento jurídico, em especial na Carta
Magna.

FFernandFeFernFeFernanda M 54
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

8 Referências
DIDIER JR., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Santos Alexandria; BRAGA, Paula
Sarno. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2013.
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo.
São Paulo: Martins Fontes, 2003.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. 1 ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais Ltda., 2010.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Da-
niel. Novo CPC comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal:
processo civil, penal e administrativo. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribu-
nais, 2009.
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: constituição, hermenêutica e
teorias discursivas. 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011.

FFernandFeFernFeFernanda M 55
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

O sistema de precedentes vinculantes e


o incremento da eficiência na prestação
jurisdicional : aplicar a ratio decidendi sem
rediscuti - la
Frederico Augusto Leopoldino Koehler1

O presente artigo analisa como o sistema de precedentes vinculantes


pode tornar o processo civil brasileiro mais racional, resultando em
uma prestação jurisdicional mais eficiente. Isso decorrerá da simplifi-
cação do ônus argumentativo do juiz ao transpor para o caso concre-
to a ratio decidendi contida no precedente. Com isso, economiza-se o
tempo que o magistrado perderia enfrentando novamente toda a ar-
gumentação jurídica que já fora apreciada no momento de formação
do precedente, o que será especialmente útil nas demandas de massa.
Palavras-chave: Direito Processual Civil – CPC/2015 – Precedentes obri-
gatórios – Motivação – Eficiência – Razoável duração do processo.
Sumário: 1. Introdução; 2. A fundamentação das decisões judiciais no
CPC/2015 (o art. 489, §1º). 3. A fundamentação das decisões judiciais
com base em precedentes obrigatórios. 4. Conclusão 5. Referências.

1 Introdução:
Com a entrada em vigor do CPC/2015, surgem vários questiona-
mentos da comunidade jurídica, especialmente sobre sua real contri-
buição para uma maior efetividade da prestação jurisdicional e para
que a tramitação dos processos se dê em prazo razoável, cumprindo-
-se, afinal, a determinação do art. 5º, inc. LXXVIII, da Constituição
Federal.

O presente artigo visa a analisar o impacto positivo que o sistema


de precedentes vinculantes pode trazer para o processo civil brasileiro.
O foco será a análise do momento de aplicação dos precedentes – não
o de sua formação –, a fim de aferir se há algum aumento de eficiência
derivado dessa nova sistemática.

Procederemos a uma análise, portanto, de como a fundamentação


1  Mestre e Professor Adjunto da UFPE. Membro do IBDP, da ABDPRO e da AN-
NEP. Juiz Federal.
FFredericFrFrederFrFredericoFrFreder 56
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

da decisão, nos casos de aplicação de precedente obrigatório, difere da


motivação elaborada em um processo em que não haja a vinculação a
precedente, e como isso irá impactar o trabalho cotidiano dos magis-
trados brasileiros.

2 A fundamentação das decisões judiciais no


CPC/2015 (o art. 489, §1º)
A questão que se coloca nesse artigo é a seguinte: a prolatação de
uma decisão judicial baseada em precedente obrigatório exige o mes-
mo nível de fundamentação de uma decisão que não esteja aplicando
um precedente dessa natureza?

Formulando de outra maneira: ao transpor para um caso concreto


a ratio decidendi contida no precedente, deve o magistrado enfrentar
a argumentação jurídica que já fora apreciada no momento de sua for-
mação?

Vejamos.

O art. 489, §1º, do CPC/2015, prescreve:


“§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial,
seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato
normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão
decidida;
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar
o motivo concreto de sua incidência no caso;
III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer
outra decisão;
IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo
capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula,
sem identificar seus fundamentos determinantes nem demons-
trar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência
de distinção no caso em julgamento ou a superação do enten-
dimento.”

Como se vê, houve uma enorme preocupação do legislador em


explicitar, de forma detalhada, os equívocos que uma decisão judicial
não deve cometer, sob pena de considerar-se não fundamentada e,
portanto, nula, com base no art. 93, inc. IX, da CF/1988 e no art. 11 do
CPC/2015.

Boa parte da magistratura nacional receia que o dispositivo trans-


crito traga mais demora à tramitação dos feitos, na medida em que
exigirá um maior trabalho de fundamentação, acompanhado de um
possível aumento da oposição de embargos declaratórios2. É o que
demonstra o teor de alguns dos enunciados aprovados no seminário
“O Poder Judiciário e o novo CPC”, realizado pela ENFAM – Escola
Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados3: “Enuncia-
do 47: “O art. 489 do CPC/2015 não se aplica ao sistema de juizados
especiais”; Enunciado 9: “É ônus da parte, para os fins do disposto
no art. 1 § ,489º, V e VI, do CPC/2015, identificar os fundamentos
determinantes ou demonstrar a existência de distinção no caso em
julgamento ou a superação do entendimento, sempre que invocar
jurisprudência, precedente ou enunciado de súmula”; Enunciado 12:
“Não ofende a norma extraível do inciso IV do § 1º do art. 489 do
CPC/2015 a decisão que deixar de apreciar questões cujo exame tenha
ficado prejudicado em razão da análise anterior de questão subordi-
nante”.

Entendemos, contudo, que tal receio não se justifica.

O art. 489, §1º, do CPC/2015, na verdade, apenas esmiuça os de-


2  Defendendo a inaplicabilidade do art. 489, §1º, ao sistema dos juizados espe��-
ciais, confira-se OLIVEIRA, 2015, p. 101-103.
3  A ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados
promoveu o seminário “O Poder Judiciário e o novo CPC”, com a participação de cer-
ca de 500 juízes estaduais e federais de todo o país, no período de 26 a 28 de agosto
de 2015, em que foram aprovados 62 enunciados interpretativos sobre o CPC/2015.
O quórum de aprovação era de 2/3 (dois terços) dos participantes.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

veres de fundamentação que todo magistrado já deveria ter sob a égide


do CPC/1973. O inc. IV – de longe, o que mais polêmica tem gerado
–, que prevê a nulidade para a decisão que “não enfrentar todos os
argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a
conclusão adotada pelo julgador”, nada inova em relação à sistemáti-
ca do CPC/1973, uma vez que o magistrado jamais poderia deixar de
enfrentar um argumento capaz de infirmar a conclusão da sua decisão.

3 A fundamentação das decisões judiciais com


base em precedentes obrigatórios
Avançando para responder à pergunta central do presente artigo,
podemos afirmar: não há sentido em obrigar que, no instante em que
aplica o precedente vinculante, o juiz novamente - e sempre – tenha
que (re)enfrentar toda a argumentação jurídica que já fora apreciada
no momento de formação do precedente.

O enunciado 524 do Fórum Permanente de Processualistas Ci-


vis - FPPC dispõe exatamente nesse sentido4: “O art. 489, §1º, IV, não
obriga o órgão julgador a enfrentar os fundamentos jurídicos deduzi-
dos no processo e já enfrentados na formação da decisão paradigma,
sendo necessário demonstrar a correlação fática e jurídica entre o
caso concreto e aquele já apreciado”.

O enunciado 13 da ENFAM segue a mesma senda: “O art. 489, §


1º, IV, do CPC/2015 não obriga o juiz a enfrentar os fundamentos ju-
rídicos invocados pela parte, quando já tenham sido enfrentados na
formação dos precedentes obrigatórios”.

Fique bem claro, no entanto, que não se está defendendo que o


funcionamento de um sistema de precedentes seja menos complexo do
4  O FPPC – Fórum Permanente de Processualistas Civis consiste em um encontro
semestral (a partir de 2016 será anual) que conta com a participação de professores
de processo de várias carreiras jurídicas (no último encontro, em Curitiba, estive-
ram presentes mais de 300 participantes de todo o país), e que tem como objetivo a
elaboração de enunciados interpretativos sobre o CPC/2015. Para aprovação de um
enunciado, exige-se a concordância da unanimidade dos participantes.
FFredericFrFrederFrFredericoFrFreder 59
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

que o sistema atual. Pelo contrário, os cuidados necessários na forma-


ção e na aplicação dos precedentes são inúmeros.

Defende-se, isto sim, que, em um sistema abarrotado de deman-


das repetitivas e de conflitos de massa, o ganho operacional em virtude
da aplicação do sistema de precedentes é inegável. Poupa-se retrabalho
em todos os processos em que o juiz teria que reforçar a argumentação
já enfrentada e esgotada pela corte superior.

Importante a lição de Marinoni, de que é imprescindível justifi-


car-se sempre a aplicação de um precedente, impondo-se identificar a
ratio decidendi, isto é, os fundamentos determinantes do precedente
que se deseja aplicar, bem como os fatos subjacentes no precedente, a
fim de verificar-se a correlação fática e jurídica entre o paradigma e o
caso concreto (MARINONI, 2015, p. 2077).

Corroborando o afirmando, colhe-se o enunciado 19 da ENFAM:


“A decisão que aplica a tese jurídica firmada em julgamento de casos
repetitivos não precisa enfrentar os fundamentos já analisados na de-
cisão paradigma, sendo suficiente, para fins de atendimento das exi-
gências constantes no art. 489, § 1º, do CPC/2015, a correlação fática e
jurídica entre o caso concreto e aquele apreciado no incidente de solu-
ção concentrada”.

Note-se que examinar a correlação fática e jurídica do caso con-


creto nem sempre é tarefa fácil, pois cada processo singular possui pe-
culiaridades e ostenta situações diferenciadas. Porém, um campo onde
esse mister é facilitado é o das demandas de massa, as quais, via de
regra, tratam de situações idênticas e de fácil cotejo com o paradigma.

Perceba-se que o art. 489, §1º, inc. V, do CPC/2015 visa a comba-


ter a prática das pseudofundamentações, isto é, das decisões que, a
pretexto de analisarem as razões que ensejaram a aplicação dos pre-
cedentes, limitam-se a mencionar apenas ementas de julgados ou de
enunciados de súmulas, sem fazer a imprescindível correlação fática

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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

e jurídica do caso paradigma com o caso concreto (CAMBI e HELL-


MAN, 2015, p. 654).

Quando o precedente vinculante é aplicado de forma tecnicamente


correta, o julgamento torna-se mais rápido, sendo até mesmo possível
que seja feito por decisão monocrática do relator, conforme previsto no
art. 932, inc. IV e V do CPC/20155. Gustavo Nogueira fornece o relato
de Benjamin Cardozo, Juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos da
América entre 1932 e 1938, de que o trabalho dos juízes seria imensa-
mente maior caso não pudessem assentar suas decisões em preceden-
tes em que já houve discussão exaustiva dos argumentos pertinentes à
causa (NOGUEIRA, 2015, p. 89).

Como visto, a aplicação da tese firmada em precedente vinculante


(a exemplo do julgamento de casos repetitivos6) retira a necessidade
de argumentação complementar em relação aos fundamentos que for-
mam a ratio decidendi. É por isso que o CPC/2015 cria os princípios
da comparticipação, coerência, integridade, estabilidade e da busca
do resgate da efetiva colegialidade na formação do precedente, para,
com esta medida, evitar-se o retrabalho no momento de sua aplicação.
O cuidado na formação do precedente evita reanálises dos tribunais,
como ocorre atualmente, em que constantemente se impõe o exame de
argumentos negligenciados no momento de formação da ratio deciden-
di (THEODORO JÚNIOR et al., 2015, p. 298). Ou seja, um precedente
formado às pressas, sem a atenção devida e sem o respeito ao contra-
5  “Art. 932. Incumbe ao relator: (...) IV – negar provimento a recurso que for con��
-
trário a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou
do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Su-
perior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento
firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de com-
petência; V – depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento
ao recurso se a decisão recorrida for contrária a: a) súmula do Supremo Tribunal Fe-
deral, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido
pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento
de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de de-
mandas repetitivas ou de assunção de competência;”
6  Conforme o art. 928, a expressão “julgamento de casos repetitivos” abrange os
recursos extraordinários e especiais julgados em regime de recursos repetitivos e o
julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas - IRDR.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

ditório ampliado, não terá esse efeito positivo de redução do retrabalho


no momento de aplicação da ratio decidendi.

De fato, motivação é o núcleo forte do sistema de precedentes –


até porque é nela que reside a ratio decidendi – o que impõe maior
qualidade no momento da elaboração dos precedentes (DIDIER JR.;
BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 470).

Daí a grande relevância de se distinguir um sistema de preceden-


tes funcionando corretamente de um mero sistema de elaboração e
aplicação de enunciados de súmulas, tal como ocorreu até hoje no pro-
cesso brasileiro. Não se pode olvidar que, por mais que se tente esgotar
a discussão a partir de um enunciado de súmula, o fato é que este é um
texto e, como tal, possui o mesmo pathos da lei: estão sempre sujeitos
à interpretação no momento de aplicação (THEODORO JÚNIOR et al.,
2015, p. 298).

A aplicação de um precedente não consiste em uma operação


subsuntiva com uma submissão mecânica e cega. Não se dispensa,
por óbvio, algum grau de interpretação para a aplicação do acórdão
paradigma. Lênio Streck e Georges Abboud alertam sobre os perigos
de uma aplicação dos precedentes de forma dedutiva-subsuntiva-
mecânica, como um silogismo, e alertando ser indispensável – e
inescapável –, também nesses casos, a intepretação por parte do
julgador. As decisões que utilizarão como base a ratio decidendi de
um precedente vinculante não serão frutos de silogismo. Pelo contrá-
rio, elas também constituem atos hermenêuticos (STRECK; ABBOUD,
2015, p. 175-182; SEDLACEK, 2015, p. 380-381).

Há que se ter sempre o cuidado de não se utilizar os precedentes


de forma irrefletida, isto é, sem que se faça a comparação dos fatos do
caso concreto com a situação fática que compõe a ratio decidendi. Vio-
la a igualdade o comportamento do tribunal que aplica um precedente
a uma situação substancialmente distinta daquela que gerou a ratio
decidendi. Por isso o CPC/2015 prevê a técnica da distinção (arts. 489,
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

§1º, V e VI, e 927, §1º), por meio da qual o julgador deve verificar se há
similitude fática entre o caso paradigma e o caso em julgamento, de
modo a fazer incidir ou não a ratio decidendi. Deve o julgador delinear,
também, e de forma explícita, a tese jurídica adotada para se chegar à
conclusão exposta na parte dispositiva. Isso para que as partes possam
submeter a aplicação da ratio decidendi a eventual controle recursal
(DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 469 e 471).

Logo, não se afirma aqui que o magistrado deva seguir os prece-


dentes de forma acrítica. Apesar da possibilidade de uma fundamenta-
ção mais concisa nesse caso, tal fato não exime o magistrado de, como
dito acima, comprovar a a correlação fática e jurídica entre o caso
concreto e aquele apreciado no processo paradigma. Em verificando
não existir essa correlação fática e jurídica, deverá o julgador operar a
distinção, desvinculando a solução do caso concreto daquela solução
obtida no precedente.

Nesse sentido dispõem o enunciado 306 do FPPC: “O precedente


vinculante não será seguido quando o juiz ou tribunal distinguir o
caso sob julgamento, demonstrando, fundamentadamente, tratar-se
de situação particularizada por hipótese fática distinta, a impor solu-
ção jurídica diversa” e o enunciado 20 da ENFAM: “O pedido fundado
em tese aprovada em IRDR deverá ser julgado procedente, respeita-
dos o contraditório e a ampla defesa, salvo se for o caso de distinção
ou se houver superação do entendimento pelo tribunal competente”.

Sobre o tema, pede-se vênia para transcrever um trecho esclare-


cedor de artigo de Dierle Nunes (NUNES, 2015):
“Julgar melhor para julgar menos à medida que um precedente
que aborde todos os fundamentos, favoráveis ou contrários (de-
ver de consideração: artigo 489, §1º, IV), em contraditório am-
plo, com participação de amici curiae, oitiva de argumentos em
audiências públicas e respeito a um dever de congruência entre
o que se fixou para julgamento e o que se efetivamente julgou,
poderá induzir uma efetiva redução do retrabalho e, inclusive,
diminuição da litigiosidade pela existência de uma verdadeira
FFredericFrFrederFrFredericoFrFreder 63
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
opinião da corte sobre o caso, de modo a se assegurar uma juris-
prudência coerente, íntegra e estável (artigo 926).
Este precedente serviria como fundamento de julgamento (ar-
tigo 489, §1º, V e VI) em: a) julgamentos liminares de improce-
dência (artigo 332); b) tutelas antecipadas da evidência (artigo
311, II); c) decisões monocráticas (artigo 932, IV e V); d) resolu-
ção de conflitos de competência (artigo 955, parágrafo único, I e
II); e) obtenção de executividade imediata de sentenças (artigo
1.012, V); f) impedimento de reexame necessário (artigo 496,
§4º, II). Não se olvidando de potenciais funções rescindentes
(artigos 525, §15 e 535, §§5º e 8º).” (grifou-se)

Como visto, há inúmeras situações processuais – como o julga-


mento liminar de improcedência (artigo 332), a tutela antecipada de
evidência (artigo 311, inc. II), e as decisões monocráticas (artigo 932,
inc. IV e V) – em que a existência de precedentes vinculantes poderá
abreviar o trâmite processual e tornar a jurisdição mais eficiente.

No que tange ao julgamento liminar de improcedência do pedido,


por exemplo, é permitida a sua aplicação desde que embasada na exis-
tência de precedentes vinculantes, e desde que não seja necessária a
produção de provas sobre os fatos alegados pelo autor, o que resultará
na prolatação imediata da sentença, com a dispensa da citação do réu
(CAVALCANTI, 2015, p. 469).

Fenômeno análogo ocorrerá com o julgamento de demandas de


massa embasadas em um precedente formado no âmbito do incidente
de resolução de demandas repetitivas – IRDR, o que deverá contribuir
para a razoável duração dos processos. O juiz, com respaldo no prece-
dente, irá transpor ao julgamento do caso concreto a razão de decidir já
assentada, podendo: a) julgar a demanda liminarmente improcedente,
com base no art. 332, inc. III, do CPC/2015; ou b) conceder liminar-
mente a tutela de evidência, com espeque no art. 311, inc. II, quando
as alegações de fato puderem ser comprovadas integralmente pela via
documental. Tal sistemática, como se nota, abreviará a resolução do
processo (STEINBERG, 2015, p. 563). A propósito, o enunciado 31 da
ENFAM propõe que: “A concessão da tutela de evidência prevista no
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

art. 311, II, do CPC/2015 independe do trânsito em julgado da decisão


paradigma”.

A aplicação dos precedentes vinculantes também contribui para


combater uma péssima praxe solidificada em nosso direito, qual seja,
a coexistência de julgamentos díspares para situações idênticas, em
afronta à igualdade, imparcialidade e à segurança jurídica. De fato, o
Poder Judiciário não pode ser reduzido à soma dos valores e opiniões
individuais de seus membros, não se podendo olvidar que os juízes e
tribunais fazem parte de um só sistema e Poder, o que caracteriza o
aspecto institucional das decisões judiciais. O juiz não está submetido
apenas à lei em abstrato, mas também à norma jurídica que os tribu-
nais extraem da lei ao interpretá-la (MARINONI, 2015, p. 2073).

O desafio do momento é a superação do individualismo nas deci-


sões judiciais, avançando-se para um modelo mais institucionalista,
obedecendo-se ao dever de autorreferência, ou seja, de um maior res-
peito aos precedentes. Só isso permitirá que os litigantes sejam trata-
dos de forma isonômica, com maior previsibilidade e segurança jurídi-
ca (PEIXOTO, 2016, p. 311).

O solipsismo (julgamento autocentrado, sem observância à dou-


trina e à jurisprudência), o panprincipiologismo (uso exacerbado de
princípios, sem a fundamentação adequada) e o sistemático desrespei-
to aos precedentes, no Brasil, tem comprometido o próprio Estado de
Direito, na medida em que as coisas passam a ocorrer como se hou-
vesse várias leis regendo a mesma conduta, o que gera um clima de
insegurança jurídica e ausência de previsibilidade (ATAÍDE JR., 2016,
p. 323). Esse estado de coisas é o que Eduardo Cambi chamou de juris-
prudência lotérica (CAMBI, 2001, p. 111).

A jurisprudência lotérica afronta a coerência jurídica e a integri-


dade do Direito, e deslegitima a prestação jurisdicional, uma vez que
as normas são aplicadas de maneira diferente para casos similares. A
isonomia só será cumprida quando situações análogas forem decididas
FFredericFrFrederFrFredericoFrFreder 65
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

da mesma maneira. Caso contrário, teremos imprevisibilidade, insta-


bilidade e dificuldade do cidadão em saber como se portar em suas
relações jurídicas (CAMBI; MARGRAF, 2016, p. 363).

Os precedentes não são formados tão somente para a solução do


caso concreto, mas sim de todos os casos em situação análoga, confe-
rindo a todo o sistema, assim, um controle de racionalidade decorrente
da regra de universalização (ZANETI JR., 2015, p. 353). O afastamen-
to da regra de universalização deve ser feito apenas excepcionalmente,
e tem que ser fortemente justificado.

Aí que entra a ideia de uma argumentação qualificada, uma espé-


cie de ônus argumentativo do órgão julgador para quando seja o caso
de se apartar do precedente. Tal ônus não está presente quando seja o
caso de seguir o precedente, hipótese em que a tarefa de fundamenta-
ção estará facilitada.

Chaim Perelman leciona sobre o princípio da inércia, segundo o


qual um precedente somente pode ser modificado se existirem razões
suficientes, pesando em seu favor o ônus argumentativo. O princípio
da inércia não é a principal justificação racional para o sistema de pre-
cedentes, cabendo tal lugar de destaque à regra de universalização, aci-
ma mencionada. A inércia vale apenas como ônus argumentativo, ou
seja, a presunção a favor dos precedentes (ZANETI JR., 2015, p. 357).

O princípio da inércia argumentativa é concretizado art. 489, §1º,


incisos V e VI, do CPC/2015, cujo conteúdo consiste em dispensar de
uma ampla argumentação o magistrado que, no julgamento de caso
posterior, segue precedente firmado em caso análogo. Por outro lado,
exige-se uma carga argumentativa qualificada ao magistrado que pre-
tenda se afastar da ratio decidendi de precedente aplicável ao caso em
julgamento. Exige-se do julgador uma fundamentação qualificada,
com pesado ônus argumentativo, do qual se desincumbirá apenas se
demonstrar superação (overruling) do precedente – o que só poderá
ser feito pelo tribunal que formou o precedente ou por tribunal supe-
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

rior – ou a distinção (distinguishing) (ATAÍDE JR., 2016, p. 345).

O juiz pode – e isso é desejável, sempre que possível – acrescentar


novos argumentos para seguir o precedente, mas não desafiá-lo em
sua ratio decidendi. As partes podem trazer argumentos novos na ten-
tativa de superar o precedente – e isso costuma acontecer bastante nas
demandas de massa – mas quem terá de enfrentá-los é somente e, se
for o caso, o tribunal que criou o precedente. A superação, repita-se, só
pode ser feita por quem criou o precedente ou por tribunal superior. O
papel mais importante, nos casos de aplicação de precedentes, é verifi-
car se é ou não o caso de distinção, essa sim uma atribuição de todos os
magistrados que julgarem o feito, mesmo que não componham o órgão
responsável pela formação do precedente (GOUVEIA; BREITENBA-
CH, 2015, p. 513; PEIXOTO, 2015, p. 546).

Portanto, a obrigatoriedade de obediência ao precedente isenta o


juiz de responsabilidade pelo teor da decisão paradigma. O julgador,
ao aplicar o precedente, pode, justificadamente, diminuir a carga de
argumentação jurídica empregada no caso concreto. Como diz Frede-
rick Schauer, o produto líquido disso será uma redução substancial no
esforço decisório, e é precisamente aí que a eficiência pode justificar a
adoção de um sistema de precedentes vinculantes (SCHAUER, 2015,
p. 80).

Além de evitar o retrabalho, a aplicação da ratio decidendi dos


precedentes vinculantes possui, ainda, um outro fator positivo. Isso
porque o costume atual dos tribunais, de sempre reenfrentar a mes-
ma questão jurídica, leva a frequentes mudanças de entendimento, até
pela tentação de cada novo julgador querer reexaminar a questão com
sua própria ideologia (ATAÍDE JR., 2012, p. 136-8).

Note-se que o juiz, embora não esteja autorizado a realizar a supe-


ração, poderá, sem sombra de dúvidas, influenciar a corte formadora
do precedente por meio da técnica de ressalva de entendimento. Tal
técnica consiste em curvar-se ao posicionamento cristalizado no pre-
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

cedente sem abrir mão de argumentar de acordo com o ponto de vista


contrário, possibilitando ao tribunal, no momento adequado, realizar
eventual superação.

A propósito, colaciona-se o enunciado 172 do FPPC: “A decisão que


aplica precedentes, com a ressalva de entendimento do julgador, não
é contraditória”.

Por fim, conclui-se que a paz social não se atinge por um utópi-
co consenso em torno das decisões estatais, mas sim pela imunização
contra os ataques dos contrariados, ou seja, os jurisdicionados preci-
sam se conformar com a resposta dada pelo Poder Judiciário. Essa re-
signação se dá em virtude da obediência ao devido processo legal e à
possibilidade de exaurimento de todas as instâncias, mesmo quando
a decisão for contrária aos seus interesses imediatos (CAMBI; HELL-
MAN, 2015, p. 654). A imunização, portanto, ocorre no momento da fi-
xação do precedente vinculante, ocasião em que contraditório deve ser
ampliado, de modo a permitir ampla participação da sociedade nesse
instante fundamental. Não caberá, assim, a rediscussão do precedente
em casos futuros, pois o litígio em questão já se encontra imunizado.

4 Conclusão
Conclui-se que o sistema de precedentes obrigatórios, se correta-
mente aplicado, representará, além da concretização da isonomia e de
mais segurança jurídica na aplicação da norma – o que não foi o tema
central deste ensaio –, uma prestação jurisdicional mais efetiva e uma
redução no tempo de tramitação dos processos.

Isso decorrerá, como visto, da racionalização do ônus argumen-


tativo do juiz no momento do julgamento, com a transposição para o
caso concreto da ratio decidendi contida no precedente. Com isso, eco-
nomiza-se o tempo que o magistrado perderia enfrentando novamente
toda a argumentação jurídica que já fora apreciada no momento de
formação do precedente.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Como doutrina Frederick Schauer, a subordinação aos preceden-


tes acarreta uma padronização e uma estabilidade de decisões, e um
consequente aumento da consistência interna do sistema jurisdicional,
emprestando maior credibilidade ao Poder Judiciário, o que o fortalece
como instituição (SCHAUER, 2015, p. 81).

José Henrique Mouta Araújo, por sua vez, leciona que estamos
diante de um caminho sem volta, qual seja, a otimização do tempo
e das decisões dos tribunais, especialmente em matérias repetitivas,
que geralmente envolvem litigantes habituais. A liberdade de criação
dos juízes estará restringida nos casos análogos já julgados em prece-
dentes vinculantes, estimulando-se a fundamentação per relationem.
Há, neste sentido, a necessidade de ser repensado o próprio princípio
da motivação judicial e, consequentemente, o papel do juiz e sua liber-
dade na criação e aplicação do direito (ARAÚJO, 2015, p. 431 e 435).

Estamos cientes, entretanto, de que o pleno funcionamento do sis-


tema de precedentes no Brasil deve demorar alguns anos, até que se
modifique a cultura atual de formação e aplicação da jurisprudência
das cortes judiciárias em nosso país.

5 Referências
ARAÚJO, José Henrique Mouta. Os precedentes vinculantes e o Novo CPC: o
futuro da liberdade interpretativa e do processo de criação do direito. In: DI-
DIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Ro-
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Novo CPC, vol. 3. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 425-443.
ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Precedentes vinculantes e irretroativi-
dade do direito no sistema processual brasileiro: os precedentes dos tribunais
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______. Precedentes e fundamentação no NCPC. In: SANTANA, Alexandre
Ávalo; ANDRADE NETO, José de (coord.). Novo CPC: análise doutrinária sobre
o novo direito processual brasileiro, vol. 3. Campo Grande: Contemplar: 2016,
p. 319-347.
CAMBI, Eduardo. Jurisprudência lotérica. RT 78/108-128. São Paulo: Revista
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

A presença da D efensoria P ública no processo


civil e o establishment jurídico tracejado pela
boa - fé : responsabilidade política ou atuação
estratégica ? E nsaio sobre a ratio ôntico -
ontológica de cariz constitucional
Gregory Victor Pinto de Farias1

É ressabido que todo estudo acadêmico visa à perquirição de um topos


com a subsequente explanação de vazantes fenomenológicas que lhes
sejam inerentes. Em apertada síntese: ventila-se uma problemática e
se traz à ribalta uma proposta de solução. No artigo em liça, todavia,
navegar-se-á em águas diversas. Afirma-se isso porque o leitmotiv que
se traz à colação não apresenta, aprioristicamente, uma resposta a que
se chegue – ao menos no plano gnosiológico – a um patamar científico
de conforto. Não se quer dizer, porém, que se trata de um mysteria
fidei. Longe disso. Apenas alerta-se que o status quaestionis se cuida
de matéria cuja doutrina ainda não abriu os olhos e que o presente
artigo – cujo título que melhor o colore é de ensaio – não se propõe a
elucubrar com precisão cartesiana (metaforicamente). Seria, a mais não
poder, uma ousadia atroz. A atuação de todos os atores do sistema de
justiça no processo lato sensu (especificamente, in casu, no processo
civil) impõe seja alinhada, pari passu, com as comezinhas máximas
inerentes à boa-fé e suas variantes. Nos estertores do senso comum de
um ordenamento jurídico, essa lógica já sobressai como um princípio
implícito. De há muito a doutrina já aventa essa base estrutural, como,
verbi gratia, a corrente chamada de neoprocessualista e o formalismo-
-valorativo trazido por Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. O legislador
brasileiro quis se distanciar da pena de Tântalo ao dispor no artigo 5º da
Lei 13.105/2015 que todos os participantes do processo devem se com-
portar de acordo com a boa-fé. Com efeito, não se trata, na espécie, de
positivismo de afirmação hiperbólica: quis e quer o legislador se livrar
do drama tantálico da morosidade processual (muita vez decorrente de
atos procrastinatórios imbuídos de má-fé), cancro fagedênico que custa
caro ao ordenamento jurídico brasileiro e aos seus jurisdicionados. Eis
o punctum saliens que sincroniza essa temática com a natureza ôntico-
-ontológica da Defensoria Pública e seu perfil de atuação no processo
civil: à luz de sua presença axiológica na Constituição Federal e à vista
de seu mister constitucional, deve o Defensor Público atuar com respon-
sabilidade política ou, assim como na advocacia privada, levar a cabo
estratagemas situacionais, os quais, não raras vezes, distanciam-se da
boa-fé (objetiva e subjetiva) tão desejada pelo legislador? O ensaio em
testilha resumir-se-á a apontar os caminhos que levam a essa vexata
1  Defensor Público do Estado de Pernambuco. Ex-Defensor Público do Estado do
Paraná. Bacharel em Direito pela UNI-RN. Pós-graduando em Processo Civil pela
UFPE.
GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego 72
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
quaestio, exemplificar alguns problemas pragmáticos e sistematizar a
harmonização da Defensoria Pública, como instituição integrante do tri-
ângulo equilátero do sistema de justiça, com a Constituição Federal e o
Estado Democrático de Direito.
Palavras-chave: defensoria Pública - boa-fé processual - perfil constitu-
cional.
Sumário: 1. Introdução; 2. A Defensoria Pública na Constituição Federal
e sua autonomia de quatro feixes; 2. A boa-fé objetiva no Processo Ci-
vil; 4. Responsabilidade política ou atuação estratégica?; 5. À guisa de
conclusão; 6. Referências.

6 Introdução
A Defensoria Pública já é realidade da vida vivida no sistema
de justiça brasileiro. Após a prescrição, pela Constituição Federal de
1988, de normas gerais para sua criação, verificou-se, até há pouco,
a inércia de vários Estados-membros para levar a cabo o seu efetivo
surgimento orgânico-institucional, com a consequente estruturação
– Amapá, Paraná e Santa Catarina foram os três últimos (e morosos)
Estados a concretizar essa implementação.

Com efeito, a missiva da Defensoria Pública exsurge como condi-


ção de legitimidade para o Estado Democrático de Direito brasileiro.
É que a Defensoria Pública, entre diversos misteres que lhe incumbe,
ecoa como a primaz ponte de interlocução da sociedade civil com o
Poder Judiciário – a Defensoria Pública assegura o direito a ter di-
reitos2

Nesse vértice, para que a Defensoria Pública pudesse levar a efei-


to o seu dever constitucional, o poder constituinte originário confe-
riu-lhe uma gama de prerrogativas, inclusive e notadamente para se
blindar das amarras políticas de outros Poderes e instituições – não
se ousa dizer, à evidência, que a Defensoria Pública é um Poder cons-
titucional; mas se lhe é possível atribuir o timbre de Poder Neutral,
consoante magistério de Alexandre Santos de Aragão, cujo teor será
melhor minudenciado no capítulo vindouro.

2  Simbólica oração proferida pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso


de Mello.
GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego 73
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Destacada a emancipação político-jurídica da Defensoria Pública


no ordenamento jurídico brasileiro, é possível vislumbrar, ao descer
um degrau epistemológico de sua natureza ôntico-ontológica, um
aparente entrechoque em relação à sua essência republicana e demo-
crática com o princípio de ordem fenomenológica e pragmática da
boa-fé objetiva, oriundo, fundamentalmente, do due process of law e
positivado às escâncaras no novel Código de Processo Civil.

Esclareça-se um pouco mais o busílis que ora é vazado: o Poder


Judiciário e o Ministério Público são agentes políticos e a eles se impõe
a necessidade de atuar com responsabilidade política. Assim, exempli
gratia, não cabe ao membro do Poder Judiciário decidir conforme a
sua consciência, assim como ao membro do Ministério Público não se
abrem ensanchas a decidir se oferta, ou não, a denúncia – o primeiro
decide conforme a Constituição e o ordenamento jurídico e o segun-
do, verificado o delito, oferece a denúncia.

Noutra vereda, o advogado privado detém com a parte que repre-


senta um contrato de pano de fundo mercantil, via de regra. Logo, se
lhe aza necessário um accountability situacional com o seu cliente, o
que faz com que o causídico defenda os interesses (interesse é mais
amplo do que direito) que lhes foram confiados a ferro e fogo, de sorte
a tracejar, não raras vezes, verdadeiros estratagemas processuais.

Estratagema pode rimar com problema – o agir estratégico do


advogado a fim de defender o direito de seu cliente poderá desembo-
car em menoscabo à boa-fé objetiva, ainda que não seja esse o anseio
que a ele subjaz. Indo mais além, não é rara a verificação de postu-
lações contumeliosas, coloridas por manifesta má-fé, ímpeto de que
alguns se valem para alcançar o objetivo fáustico a que se propõem.

Continuum: como deve agir o Defensor Público?

A Defensoria Pública faz parte do triângulo equilátero do sis-


tema de justiça e o poder constituinte derivado, por intermédio da

GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego 74
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Emenda à Constituição 80/2014, conferiu-lhe as mesmas prerrogati-


vas inerentes ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, consoante
já plasmado pelo Supremo Tribunal Federal e verificado no artigo 134,
§4º, da Constituição Federal.

Diante desse cenário, chega-se a um paradoxo (e, consoante frase


ventilada por Carlos Ayres Britto em entrevista midiática, dos parado-
xos extraímos a verdadeira verdade): se o poder constituinte derivado
(que, para alguns, apenas exteriorizou a vontade imanente ao poder
constituinte originário) equiparou a Defensoria Pública ao Poder Ju-
diciário e ao Ministério Público, qual a ratio essendi da natureza jurí-
dica dela, Defensoria Pública?

Rechaça-se, desde logo, que se lhe atribua uma natureza mista,


híbrida ou mesmo sui generis, uma vez que argumentação ou conclu-
são dessa envergadura não subsiste à mais singela das análises, dado
que quebranta e fere de morte, de antemão, três princípios da gnosio-
logia científica detectado pela lógica de Aristóteles: princípio da iden-
tidade, princípio da não contradição e princípio do terceiro excluído.

Quid juris?

7 A Defensoria Pública na Constituição Federal e


sua autonomia de quatro feixes
O ponto nevrálgico do tópico em apreciação cinge-se à expla-
nação da autonomia latu sensu conferida à Defensoria Pública pela
Constituição Federal, especialmente se entreluzida com a sua lei de
regência, Lei Complementar 80/1994, e sobretudo à luz do olhar vigi-
lante do Supremo Tribunal Federal, a quem se atribui a autoridade de
dar o derradeiro significado aos significantes contidos na Constitui-
ção Federal.

A Defensoria Pública foi introduzida, sob a batuta de institui-


ção de cariz constitucional, no establishment jurídico brasileiro pela

GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego 75
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Carta Altior de 1988. Pela sabença das idiossincrasias pertinentes ao


Brasil como país periférico (rectius: país de modernidade tardia, con-
soante expressão vista em obra de João Mauricio Adeodato), a essên-
cia finalística da Defensoria Pública emergiu como ponto de estofo do
poder constituinte originário para agasalhar alguns de seus anseios.

De efeito, a partir de um rápido passar d’olhos sob o texto cons-


titucional, verifica-se que só por intermédio da Defensoria Pública é
que se pode obter o minimum minimorum do núcleo essencial do ar-
tigo 1º, inciso III (dignidade da pessoa humana) e do artigo 3º, incisos
I, III e IV (respectivamente: construir uma sociedade livre, justa e
solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desi-
gualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem precon-
ceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação).

No dia 5 de outubro de 1988, Ulysses Guimarães ventilou as se-


guintes palavras:
A Constituição mudou na sua elaboração, mudou na definição
dos poderes, mudou restaurando a Federação, mudou quando
quer mudar o homem em cidadão, e só é cidadão quem ganha
justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e re-
médio, lazer quando descansa.
(...)
Quando, após tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgamos
o estatuto do homem, da liberdade e da democracia, bradamos
por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo.
Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e
nações, principalmente na América Latina.

Especialmente nesse dia é que surgiu, em Terrae Brasilis, a De-


fensoria Pública como instituição autônoma, a quem se atribuiu o
mister de orientar, defender, assistir e lutar, a pau e pedra e a ferro
e fogo, por todos aqueles cidadãos que se encontrem em situação de
periclitância (vulnerabilidade) em diversas gamas de sentido.

GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego 76
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Somente por intermédio da Defensoria Pública é que os mar-


ginalizados têm voz e vez. Presta-se ela a servir (entre vários outros
desígnios) como ponte de interlocução entre os excluídos e o Poder Ju-
diciário. Poder Judiciário que, sem a essencial função que lhe subjaz
(o mister da Defensoria Pública), enviesar-se-ia como função estatal
dirigida à pequena classe brasileira dos abastados.

Por e pela Defensoria Pública, não.

Quis o poder constituinte originário, ao alicerçar a Defensoria


Pública como instituição autônoma e desvinculada do Poder Execu-
tivo, retirar-lhe de toda e qualquer amarra política para que o seu
escopo de tutelar os interesses das minorias (que, num paradoxo do
cretense, muita vez é a maioria) fosse e seja alcançado na máxima
plenitude possível.

Nessa conjuntura, no plano gnosiológico do desejável, a Defen-


soria Pública deveria ser robustecida, aparelhada e vista no cenário
político tal qual o Poder Judiciário e o Ministério Público, dada a na-
tureza do seu mister, especialmente por se tratar, no espectro crimi-
nal, da antítese da acusação (a trazer a reboque a lógica da paridade
de armas).

Seria oportuno e desejável dizer que, justamente pela ontologia


de seu desiderato, a Defensoria Pública deveria ser a menina dos olhos
da República. No plano do mundo vivido, cuida-se, infelizmente, de
um non sequitur. A política tupiniquim ainda é atrelada, no mais das
vezes, a práxis oligárquicas, à cultura do biombo e ao viço e viso de
cultuar os interesses econômicos das classes dominantes – política
elitista, pois.

A fim de combater o sufoco político por que passavam as Defen-


sorias Públicas é que a Emenda à Constituição 45/2004 e especial-
mente a Emenda à Constituição 80/2014 calharam à fiveleta. Diga-se:
precisou o poder constituinte derivado reformador explicitar no bojo

GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego 77
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

da própria Constituição o anseio do poder constituinte originário.

Nesse contexto, empós esclarecer o mote político-jurígeno das ci-


tadas emendas e a sucessão cronológica dos acontecimentos, traga-se
à ribalta o texto constitucional dos artigos 134 e 135 da Lex Matter.
Não custa rememorar, nesta oportunidade, que a Emenda à Consti-
tuição 80/2014 concedeu uma seção específica à Defensoria Pública
– Seção IV do Capítulo IV.
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essen-
cial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como
expressão e instrumento do regime democrático, fundamental-
mente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos
e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos di-
reitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos
necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Cons-
tituição Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional
nº 80, de 2014)
§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da
União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá
normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de
carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público
de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia
da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das
atribuições institucionais. (Renumerado do parágrafo único
pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas
autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua
proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei
de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art.
2 § ,99º. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 3º Aplica-se o disposto no § 2º às Defensorias Públicas
da União e do Distrito Federal. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 74, de 2013)
§ 4º São princípios institucionais da Defensoria Pública a
unidade, a indivisibilidade e a independência funcional,
aplicando-se também, no que couber, o disposto no art. 93 e no
inciso II do art. 96 desta Constituição Federal. (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 80, de 2014)
Art. 135. Os servidores integrantes das carreiras disciplinadas
GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego 78
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
nas Seções II e III deste Capítulo serão remunerados na forma
do art. 39, § 4º. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
19, de 1998)

Grassa a olhos vistos que a Constituição Federal atribuiu ex-


pressamente à Defensoria Pública o que se chama, neste ensaio, de
autonomia de quatro feixes: funcional, administrativa, financeira e
orçamentária. Concedeu-lhe autonomia plena, equiparando-a ao Po-
der Judiciário e ao Ministério Público, para que não mais sobejem
interferências políticas externas em seus misteres.

A assertiva de que a Defensoria Pública é robustecida por uma


ampla autonomia (funcional, administrativa, orçamentária e finan-
ceira) emerge como uma afirmação insofismável. Não se faz necessá-
rio, hic et nunc, adentrar ao plano da hermenêutica stricto sensu (à
evidência que há uma atividade hermenêutica, ainda assim), uma vez
que, analiticamente, cuida-se do que Konrad Hesse chama de vontade
de Constituição. Abram-se parênteses, embora não se queira alargar
essa digressão, a fim de lembrar o que Hans-Georg Gadamer vatici-
na sobre a tarefa da consciência histórico-efeitual (Wirkungsgeschi-
chtliches Bewusstsein), que, de acordo com Lenio Streck, é o primeiro
lugar no plano de uma situação hermenêutica. Fala-se, portanto, que
o entendimento é uma fusão de horizontes, porquanto um horizon-
te nunca pode excluir a um outro, mas a ele somar. Logo, preleciona
Streck, o entendimento não é um ato de um sujeito ativo que projeta
um significado sobre um objeto inerte, morto.

Pelo contrário: presente e passado têm horizontes que podem ser


juntados produtivamente, ou seja, a visão global do passado faz uma
declaração, por meio do texto, do presente. Desse modo, o evento do
entendimento representa uma negação e afirmação do presente e do
passado: o poder constituinte derivado reformador, à vista do pano-
rama histórico-estrutural por que passaram as Defensorias Públicas,
resolveu, por meio das suprarreferidas emendas, reforçar a sua auto-
nomia. É a fusão de horizontes entre o passado e o presente.
GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego 79
Finalize-se essa linha de argumentação sob a indumentária do
estudo da dialética de Aristóteles: não há, quando se diz que a Defen-
soria Pública possui uma garantia de quatro feixes, uma proposição
ou um problema dialético, a gerar problemas de silogismos (para o
Estagirita, princípio dos argumentos polêmicos), porquanto a Cons-
tituição Federal atribuiu ao sujeito (Defensoria Pública), no plano da
propriedade, os predicados da autonomia funcional, administrativa,
orçamentária e financeira.

Lado outro, a afirmação de que a Defensoria Pública é equiparada


ao Poder Judiciário e ao Ministério Público é comprovada a partir de
uma exegese sistemática da Constituição Federal e notoriamente com
base em sólido magistério jurisprudencial já emanado do Supremo
Tribunal Federal.

Rememore-se a famosa oração proferida pelo Ministro do Supre-


mo Tribunal Federal, aposentado em agosto de 2010, Eros Roberto
Grau, segundo a qual a Constituição e as leis não podem ser interpre-
tadas em fatias. Cuida-se de regra hermenêutica que, de tão óbvia,
timbra-se como axiomática.

Logo, a partir de uma interpretação sistemática da Constituição


Federal, verifica-se que a parte final do artigo 134, §4º, ordena a apli-
cação à Defensoria Pública, no que couber, do disposto no artigo 93 e
no inciso II do artigo 96 da Constituição Federal. Idêntico dispositivo
(ôntico-ontológico...) é encontradiço na seção pertinente ao Ministério
Público. O artigo 129, §4º, dispõe que se aplica ao Ministério Público,
no que couber, o disposto no artigo 93. Especificamente desse artigo
constitucional é que o Órgão Ministerial extrai sua sincategoremática
equiparação ao Poder Judiciário.

Cite-se o brocardo ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio,


traduzido por Carlos Maximiliano nos seguintes termos, ipsis litteris:
onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de
Direito; os casos idênticos regem-se por disposições idênticas.
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Ora, os dispositivos concernentes ao Ministério Público e à De-


fensoria Pública são idênticos. Sendo assim, por que razão a eles se
dariam interpretações diversas? Ou, ainda, melhor: far-se-á do dis-
positivo constitucional verdadeira retórica de veleidades, em mani-
festa tabula rasa de seu anseio precípuo – a emancipação política da
Defensoria Pública? O que é isto – a recalcitrância em descumprir a
Constituição Federal?

As afirmações acima plasmadas recebem o colorido e brilho do


imperium do Supremo Tribunal Federal em diversos cases já julgados.
Começa-se trazendo a lume excertos vazados pela Ministra Cármen
Lúcia na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5218:
“Não por outro motivo, a Assembleia Geral da Organização dos
Estados Americanos – OEA aprovou a Resolução 2.656, de 7 de
junho de 2014, que trata das “garantais de acesso à justiça: o
papel dos defensores públicos oficiais”.
Note-se que essa resolução foi o primeiro documento normati-
vo aprovado pela OEA sobre o acesso à justiça como um direito
autônomo. O documento reconhece, ainda, que a Defensoria
Pública é a instituição eficaz para a garantia desse direito, so-
bretudo para as pessoas em situação de especial vulnerabilida-
de.
Um dos pontos contidos na resolução é a recomendação aos
Estados membros da OEA que já contam com o serviço de as-
sistência jurídica gratuita para que adotem medidas que ga-
rantam independência e autonomia funcional aos Defensores
Públicos”.

Paralisa-se a transcrição apenas para, em obiter dictum, alertar:


o compromisso que o Brasil, como república e federação, tem com a
Defensoria Pública é de abissal magnitude que abrange até mesmo o
Direito das Gentes – o Direito Internacional.

Volta-se a transcrever, por imperiosa necessidade, os excertos la-


pidados, com cuidado de ourives, pela Ministra, verbo ad verbum:
“Destaco que o Brasil, recentemente, dando cumprimento a es-
sas diretrizes estabelecidas pela OEA, aprovou a Emenda Cons-

GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego 81
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
titucional 80, de 4/6/2014.
Essa emenda ficou conhecida no mundo jurídico como “PEC
Defensoria Para
Todos”, “PEC das Comarcas” ou “PEC das Defensorias Públi-
cas”, pois obriga os entes federativos brasileiros, no prazo de 8
anos, a disponibilizar defensores públicos para a população em
todas as unidades jurisdicionais, observada a proporcionalida-
de da efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública com
a respectiva população”.

Arremata a Ministra:
“De fato, essa emenda apresenta outros instrumentos que obje-
tivam o fortalecimento da independência e da autonomia fun-
cional da Defensoria Pública, dentre eles a constitucionalização
dos princípios institucionais da unidade, da indivisibilidade e
da independência funcional, ampliando o conceito e a missão
da Instituição.
Foi a EC 80 que trouxe a garantia de iniciativa de lei à Defenso-
ria Pública, além do paralelismo natural entre os Tribunais de
Justiça (TJs) e as DPEs, e, no que couber, a aplicação de precei-
tos do Estatuto da Magistratura de responsabilidade do Supre-
mo Tribunal Federal, como: existência de três anos de ativida-
de jurídica para os concursos públicos de ingresso à carreira,
mudança nos critérios de promoção por merecimento e anti-
guidade, previsão de cursos de preparação, aperfeiçoamento e
promoção dos Defensores Públicos, subsídios remuneratórios,
além do incentivo à criação do Conselho Nacional da Defenso-
ria Pública (CNDP).
Entendo que, de acordo com o regramento constitucional, qual-
quer medida normativa que venha a suprimir a autonomia da
Defensoria Pública, jungindo-a administrativamente ao Po-
der Executivo local, implica necessariamente violação à Carta
Magna”.

A mais não poder, a mensagem impregnada no voto da Ministra


Cármen Lúcia é de meridiana clareza: à Defensoria Pública é confe-
rida uma autonomia de quatro feixes – administrativa, funcional, fi-
nanceira e orçamentária –, de sorte que não há nenhuma submissão
e/ou qualquer tipo de ingerência/ligação entre a Defensoria Pública e
o Poder Executivo.
GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego 82
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

De outro bordo, traga-se à colação excertos avultados pelo Minis-


tro Ricardo Lewandowski, que, na Ação Direta de Inconstitucionali-
dade 5217, obtemperou a inteligência esculpida nos trechos seguintes:
“Com as mudanças estabelecidas pela EC 45/2004, o poder
constituinte derivado buscou incrementar a capacidade de au-
togoverno da Defensoria Pública, assegurando-lhe, ao lado da
autonomia funcional e administrativa, a financeira, conforme
menção expressa na Constituição Federal à iniciativa para ela-
boração de sua proposta orçamentária.
(...)
Entendo que, de acordo com o regramento constitucional, qual-
quer medida normativa que venha a suprimir a autonomia da
Defensoria Pública, jungindo-a administrativa ao Poder Execu-
tivo local, implica necessariamente a violação à Carta Magna.
(...)
Vale ressaltar que o art. 134, §2º, da Constituição Federal, pela
densidade normativa que ostenta, é autoaplicável e de eficácia
imediata. No dizer do Professor José Afonso da Silva: ‘As condi-
ções gerais para essa aplicabilidade são a existência apenas do
aparato jurisdicional, o que significa: aplicam-se só pelo fato de
serem normas jurídicas, que pressupõem, no caso, a existência
do Estado e de seus órgãos’.
Assim, ainda que não seja pela densidade de seu conteúdo nor-
mativo, a autoaplicabilidade do referido dispositivo decorre do
simples fato de a Defensoria Pública integrar o aparato organi-
zacional do Estado como instituição autônoma e livre de subor-
dinação ao Executivo e aos demais Poderes.
(...)
O entendimento assentado nesta Suprema Corte qualificou
como preceito fundamental a autonomia administrativa e fi-
nanceira da Defensoria Pública, considerando-se inconstitu-
cional qualquer medida que subordine a Instituição ao Poder
Executivo, consoante exegese do art. 134, §2º da Constituição
Federal”.

Destaque-se o apanágio constitucional inerente à Defensoria Pú-


blica que a avulta como simétrica (segundo a Ministra Cármen Lúcia,
pelo paralelismo das funções) ao Poder Judiciário e ao Ministério Pú-

GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego 83
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

blico, professado pelo Ministro Ricardo Lewandowski: não obstante o


conteúdo material, que a toda evidência demonstra inconstitucional
por ferir as garantias decorrentes da simetria e da autonomia da
Defensoria Pública (...).

Faça-se alusão, outrossim, ao voto da Ministra Carmén Lúcia na


assentada em que fora julgada a malsinada Ação Direta de Inconstitu-
cionalidade 3.943, movida pela Associação Nacional dos Membros do
Ministério Público – CONAMP, cuja res in iudicium deducta buscava
a restrição da legitimidade ativa para a propositura de ação civil pú-
blica, a excluir a Defensoria Pública. As pujantes palavras da Ministra
se aplicam, mutatis mutandis e servatis servandis, à espécie:
Parece-me equivocado o argumento, impertinente à nova pro-
cessualística das sociedades de massa, supercomplexas, surgida
no Brasil e no mundo como reação à insuficiência dos modelos
judiciários convencionais. De se indagar a quem interessaria o
alijamento da Defensoria Pública do espaço constitucional-de-
mocrático do processo coletivo.
A quem aproveitaria a inação da Defensoria Pública, negando-
-se-lhe a legitimidade para o ajuizamento de ação civil pública?
A quem interessaria restringir ou limitar, aos parcos instru-
mentos da processualística civil, a tutela dos hipossuficientes
(tônica dos direitos difusos e individuais homogêneos do con-
sumidor, portadores de necessidades especiais e dos idosos)?
A quem interessaria limitar os instrumentos e as vias assecu-
ratórias de direitos reconhecidos na própria Constituição em
favor dos desassistidos que padecem tantas limitações? Por que
apenas a Defensoria Pública deveria ser excluída do rol do art.
5º da Lei 7.347/1985?

A ninguém comprometido com a construção e densificação das


normas que compõem o sistema constitucional de Estado Democrá-
tico de Direito. Sendo assim, a afirmação de que há um triângulo
equilátero no sistema de justiça a envolver o Poder Judiciário, a De-
fensoria Pública e o Ministério Público não se trata de uma petição
de princípio ou alguma falácia afim. Tampouco de wishful thinking.
Cuida-se, pois, de afirmação da Constituição Federal com endosso e
GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego 84
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

aval de seu guardião – o Supremo Tribunal Federal.

A boa-fé objetiva no processo civil

Consoante já assentado aliunde, o ensaio em tela não visa a um


estudo com a devida densidade de diâmetro vertical a que faz jus a
vexata quaestio. Em verdade, a boa-fé objetiva positivada no Código
de Processo Civil e tida como princípio implícito do due process of
law fora usada sub color de provocar a temática da natureza jurídica
da Defensoria Pública – é que, diante da conclusão dessa premissa,
ocorre inexorável efeito prático na sua ordem de atuação processual.
São lógicas que se interligam.

Dessarte, sobeja inviável um estudo mais pormenorizado sobre a


boa-fé objetiva, de sorte que apenas mostrar-se-á, perfunctoriamente,
a lógica balizadora de que se valeu o legislador do Código de Processo
Civil e o anseio que lhe serve de força motriz – à boa-fé objetiva – para
incrementar os escopos da jurisdição3.

Nessa clave, já fora afirmado que a boa-fé objetiva é princípio di-


retamente extraído (ou, para doutrinadores de proa, implicitamente)
do devido processo legal substancial, o qual é consectário, no ordena-
mento jurídico tupiniquim, dos princípios da razoabilidade e propor-
cionalidade (não se aza necessário adentrar a esse debate).

A bem da verdade, positivar a ideia de que as partes devem agir


em ode à boa-fé objetiva chega a ser acaciano – a ausência da evidên-
cia não é a evidência da ausência. É possível apontar que o legislador
chegou a uma positivação panglossiana, de sorte a lembrar, tal qual
um ferro candente, a alvissareira necessidade de atuação à luz do fair
trial.

3  A atuação dos atores processuais segundo a boa-fé objetiva traz consigo diver-
sas conclusões de ordem fenomenológica e pragmática, como, verbi gratia: a) maior
legitimidade da atividade jurisdicional; b) credibilidade processual; c) eficiência de
ordem temporal no procedimento, a satisfazer melhor a duração razoável do proces-
so; d) maior efeito de pacificação social.
GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego 85
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Dispôs o Código de Processo Civil, verbo ad verbum:


Art. 5o Aquele que de qualquer forma participa do processo
deve comportar-se de acordo com a boa-fé.

Seguindo essa démarche, ventile-se excerto da lição do maior


processualista da nova geração, da terra de todos os santos, encantos
e axé, Salvador, ad litteris:
“Não se pode confundir o princípio (norma) da boa-fé com a
exigência de boa-fé (elemento subjetivo) para a configuração
de alguns atos ilícitos processuais, como o manifesto propó-
sito protelatório, apto a permitir a tutela provisória prevista
no inciso I do art. 311 do CPC. A boa-fé subjetiva é elemento
do suporte fático de alguns fatos jurídicos; é fato, portanto. A
boa-fé objetiva é uma norma de conduta: impõe e proíbe con-
dutas, além de criar situações jurídicas ativas e passivas. Não
existe princípio da boa-fé subjetiva. O art. 5º do CPC não está
relacionado à boa-fé subjetiva, à intenção do sujeito processual:
trata-se de norma que impõe condutas em conformidade com a
boa-fé objetivamente considerada, independentemente da exis-
tência de boas ou más intenções”4.

Se é certo que a boa-fé objetiva cria normas de condutas (como,


por exemplo, a proibição de venire contra factum proprium, a criação
do ônus da supressio processual, a proibição de atuar com abuso de
direito e outros), sendo aferível in concreto de acordo com normas do
senso comum, não se pode negar que a boa-fé subjetiva, cujo reverso
da moeda é a má-fé, também constitui fato-signo a ser (possivelmen-
te) verificado no bojo processual.

Quer-se dizer, servatis servandis, que a boa-fé objetiva é um cri-


tério de conduta criado em razão da impossibilidade de se imiscuir na
esfera da consciência individual alheia para verificar a existência de
ato processual municiado de má-fé. Em outros termos: é quase sem-
pre impossível diagnosticar a boa-fé subjetiva, uma vez que o Direito,
como ciência, não adentra às raias da esfera metafísica.

Eis, portanto, a lógica pela qual se trabalha, no processo civil,


4  DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 2017, p. 119.
GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego 86
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

com a boa-fé objetiva.

8 Responsabilidade política ou atuação estratégi-


ca?
Consigne-se que a barafunda sobre a dicotomia da boa-fé (sub-
jetiva e objetiva) não serve como obstáculo para pôr em xeque a raiz
medular da temática que deu ensejo ao presente ensaio. Aventou-se
esse assunto apenas e tão somente para afastar eventuais argumentos
apriorísticos no sentido de asseverar que o Defensor Público, assim
como todos os participantes do processo, deve atuar com boa-fé.

Exemplifique-se.

Consoante relatado alhures, o advogado particular possui contra-


to de prestação de serviços com o seu cliente, de modo que, ipso facto,
impõe-se-lhe, ao menos no plano das ideias, sejam levadas a efeito
todas as técnicas jurídicas possíveis (de direito material e processual)
a fim de que a parte que representa sobressaia vitoriosa5

De outra vereda, o Defensor Público não tem esse accountabili-


ty mercantil com a parte que presta a orientação/assistência jurídica.
Detecta-se, portanto, não raras vezes, que vários atos que normalmen-
te seriam aventados na advocacia privada se mostram nebulosos para
o manejo do Defensor Público – esse cenário é mais visível na área
penal, nas situações em que o acusado é manifesta e confessadamente
culpado e o Defensor Público se vê no embate entre insistir na nega-
tiva de autoria (fazendo, em tese, narrativas mirabolantes e chicanas
processuais) ou apenas observar a legalidade do procedimento. Nesse
contexto é que reside o busílis do ensaio que se traz à tona: se a Defen-
soria Pública é um órgão de envergadura constitucional e munida de

5  À evidência que se tem conhecimento de que a litigância judicial hodiernamente


é vista como a ultima ratio, uma vez que o ordenamento jurídico, assim como o sis-
tema das ciências humanas, vem incentivando, a mais não poder, sejam praticados
atos de mediação, conciliação e arbitragem. Logo, o que fora relatado acima se cuida,
única e tão somente, de situação ilustrativa.
GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego 87
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

responsabilidade política, assim como o Poder Judiciário e o Minis-


tério Público, cabe ao Defensor Público traçar estratégias processuais
para que o assistido saia exitoso no caso que lhe afigura sub examine
ou deve agir em estrita observância ao princípio da juridicidade?

A latere da nebulosa questão envolvendo a natureza jurídica da


Defensoria Pública, consigne-se que é insofismável que o Poder Ju-
diciário deve atuar e decidir com responsabilidade política – e isso
é mais claro do que o líquor da pessoa humana limpo do vírus da
meningite.

Deveras, o Magistrado não pode decidir conforme a sua consci-


ência, mas sim cumprir o ordenamento jurídico (applicatio), sob pena
de se afigurar como um sujeito solipsista, cuja figura já fora abso-
lutamente ultrapassada com o giro ontológico-linguístico promovido
(transposição do sujeito-sujeito para sujeito-objeto) por Heidegger e
Gadamer e proclamado em Terrae Brasilis pela Crítica Hermenêutica
do Direito de Lenio Streck e Ernildo Stein.

Traga-se à ribalta excerto escrito por Lenio Streck6


“Com Dworkin: Juiz decide por princípios e não por políticas ou
por moral(ismos). Digo isso pela centésima vez. Democracia se
faz a partir de responsabilidade política. Direito é um conceito
interpretativo e é aquilo que é emanado pelas instituições jurí-
dicas, sendo que as questões a ele relativas encontram, neces-
sariamente, respostas nas leis, nos princípios constitucionais,
nos regulamentos e nos precedentes que tenham DNA consti-
tucional, e não na vontade individual do aplicador. Portanto,
direito não é moral. Não é religião.
Não é futebol. Não é política.”

Com efeito, o jurista do Rio Grande do Sul escreveu com precisão


cirúrgica ao assentar que democracia se faz a partir de responsabi-
lidade política. Mutatis mutandis: se a Defensoria Pública brilha e
rima com democracia, é possível negar a sua natureza de instituição
6 https://www.conjur.com.br/2014-mai-22/juiz-umbanda-solipsismo-ficam-dis-
cursos-intolerancia
GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego 88
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

munida de responsabilidade política e afirmar que se lhe é cabível, à


Defensoria Pública, um agir estratégico?

Descortina-se no plano ôntico-ontológico da essência da atuação


da Defensoria Pública uma real paralaxe cognitiva se acaso seja en-
dossada uma resposta desviante do que fora sugerido acima: se pode
a Defensoria Pública agir estrategicamente, ao arrepio da responsabi-
lidade política (que é a espinha dorsal das instituições democráticas),
afigura-se ela, Defensoria Pública, uma instituição democrática?

Paradoxo do cretense.

9 À guisa de conclusão
O título do estudo já alertou o leitor do que se trata: apenas um
ensaio. Ensaio que é tido, no mais das vezes, como sinônimo de teste
ou experiência. Valeu-se, no escrito ora vazado, da rubrica que se usa
na literatura, âmbito em que, de acordo com o Dicionário Houaiss,
ensaio se trata de uma prosa livre que versa sobre tema específico,
sem esgotá-lo, reunindo dissertações menores, menos definitivas que
as de um tratado formal, feito em profundidade.

Afigurar-se-ia uma audácia intelectual tentar conceituar meto-


dológica e analiticamente a natureza jurídica de uma instituição cuja
nascença se deu pela eminência da Constituição Federal de 1988. Ou-
sadia essa que, afora a limitação vertical que se impõe ao ensaio em
cotejo, encontra travejamento no próprio plano de cognoscibilidade
do autor – falar de democracia e república exige uma plêiade de co-
nhecimento multidisciplinar, intangível, no presente momento, no
seu substrato orgânico-intelectual. Em forma de topoi, eis as conclu-
sões a que se chegaram ao vislumbrar o status quaestionis:

a) Se a Defensoria Pública tem natureza jurídica de instituição


imbuída de responsabilidade política, assim como o Poder Judiciário
e o Ministério Público, não lhe é curial um agir estratégico, de modo

GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego 89
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

que ao Defensor Público cabe atuar cum grano salis e em observân-


cia estrita ao princípio da juridicidade, de sorte a se desvencilhar de
todo e qualquer tipo de ato postulatório eivado de má-fé (objetiva ou
subjetiva).

b) Se acaso se entender que a Defensoria Pública deve atuar estra-


tegicamente, a buscar a tutela da pretensão deduzida em juízo a todo
e qualquer custo, não se lhe pode atribuir o timbre de instituição com
responsabilidade política e o rótulo de agente político ao Defensor Pú-
blico.

c) Ao fim e ao cabo, afasta-se veementemente a possibilidade de


atribuir uma natureza híbrida ou sui generis à Defensoria Pública,
vale dizer, de instituição colorida por responsabilidade política à qual
se permite agir solipsista e estrategicamente, uma vez que principum
tertii exclusi ou tertium non datur.

10 Referências
DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Volume 1. 19ª Edi-
ção. Salvador: Editora Juspodivm, 2017.
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e te-
orias discursivas. 5ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2014.
STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de Hermenêutica. Belo Horizonte: Casa
do Direito, 2017.

GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego 90
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Princípioda primazia das decisões de mérito : a


forma versus a intenção
Kaline Epamonondas Rizzo1

O princípio da primazia das decisões de mérito pode ser visto como


um avanço jurídico em nosso sistema processual brasileiro, na medida
em que deixa um pouco de lado o formalismo a fim de consagrar a
intenção da parte que praticou o ato processual. Este artigo se presta a
demonstrar, por meio de comparações, a evolução do direito processual
civil e sua positivação no Código de Direito Processual Civil de 2015.
Palavras-chave: Forma – Mérito – Efetividade. Processo.
Sumário: 1. Introdução; 2. Evolução histórica; 3. Do princípio da prima-
zia das decisões de mérito; 4. Cotejo entre jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça e o Código de Processo Civil de 2015. Forma versus
intenção; 5. Considerações finais; 6 Referências.

1 Introdução
O presente trabalho visa apresentar a mudança de paradigma
na maneira de aplicação da lei pelos órgãos judiciários. Primeira-
mente, fazendo uma análise na história do porquê do formalismo
exacerbado e a sua influência no decorrer dos séculos. Em segundo
lugar, demonstrando a flexibilização tímida na segunda metade do
século XX, quando se passou a admitir a mitigação da forma.

Adiante será demonstrado como a forma repercutiu no direi-


to processual civil e as consequências dela decorrentes, as quais
acarretaram a estagnação do processo e o distanciamento do ob-
jeto principal, qual seja: a decisão de mérito e a efetividade satis-
fativa da tutela colocada à apreciação do órgão judicial. Em se-
guida, explica-se que a efetividade, ou seja, o alcance do mérito, é
consagrada no atual Código de Processo Civil ao enraizar em seus
dispositivos direitos fundamentais garantistas às partes, a fim de
1  Pós-graduanda em direito processual civil pela Universidade Federal de Per-
nambuco (UFPE), Bacharela em direito pela Faculdades Integradas Barros Melo
(AESO), Advogada em exercício desde janeiro de 2012 com ênfase em demandas de
direito civil e de direito administrativo.
KKalinKaKaline EpaKaKali 91
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

dar oportunidade de sanarem vícios que ocasionariam nulidades,


extinção do processo sem resolução do mérito ou invalidação, tudo
em razão de atos processuais que não observaram a forma proces-
sual prescrita.

Ao final, é feita uma crítica ao Judiciário que, historicamente,


manifestou preferência pelo formalismo processual, em detrimen-
to da intenção da manifestação das partes, ressalvando-se, con-
tudo, que o cenário atual sinaliza uma mudança de postura, no
direito brasileiro, particularmente com o advento do CPC de 2015.

2 Evolução Histórica
Com a constituição do Estado Liberal de Direito, o qual visa-
va tolher o exercício arbitrário do Estado Absolutista, tornou-se
imprescindível a limitação do poder estatal. Para isso, houve a po-
sitivação de direitos e a fragilização da atuação do Estado. Diga-
-se Estado, tanto sob a perspectiva de governo como de judiciário.
Quanto a este último, a população na época não tinha nenhuma
confiança na sua atuação, já que a carreira de magistrados era pre-
enchida tanto pela sucessão hereditária como pela compra e venda
de cargos, além de serem conhecidos como imorais e corruptos.2

Porém, não havia confiança nos julgados e a lei positivada era


a única maneira de o povo expressar-se. Sendo assim, a partir do
Estado Liberal de Direito, surgiu o princípio da legalidade pondo
nas mãos do então Legislativo o controle/criação das leis.

Diante disso, ao judiciário não caberia interpretar a lei, na me-


dida em que deveria aplicá-la ao direito subjetivo discutido conso-
ante a literalidade do texto - que era revestido de generalidade e
abstração -, conforme se pode observar dos ensinamentos de Luiz
Guilherme Marinoni (2017, p. 17):
Antes do Estado legislativo, ou do advento do princípio da lega-
2  Mauro Cappelletti apud MARINONI, Curso de Processo Civil, p. 17.
KKalinKaKaline EpaKaKali 92
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
lidade, o direito não decorria da lei, mas sim da jurisprudência
e das teses dos doutores, e por esse motivo existia uma grande
pluralidade de fontes, procedentes de instituições não só diver-
sas, mas também concorrentes, como o império, a igreja etc. A
criação do Estado legislativo, portanto, implicou significativa
transformação das concepções de direito e de jurisdição.
A transformação operada pelo Estado legislativo teve a inten-
ção de conter os abusos da administração e da jurisdição. Com
isso, obviamente, não se está dizendo que o sistema anterior
ao do Estado legislativo era melhor. Não há dúvida de que a
supremacia da lei sobre o Judiciário teve o mérito de conter as
arbitrariedades de um corpo de juízes imoral e corrupto.
Os juízes anteriores à Revolução Francesa eram tão comprome-
tidos com o poder feudal que se recusavam a admitir qualquer
inovação introduzida pelo legislador que pudesse prejudicar
o regime. Os cargos de juízes não apenas eram hereditários,
como também podiam ser comprados e vendidos, sendo daí
oriunda a explicação natural para o vínculo dos tribunais judi-
ciários com ideias conservadoras e próprias do poder instituído
e para a consequente repulsa devotada aos magistrados pelas
classes populares.

Diante disso, o Legislativo passou a dizer o que era o “Direito”.


Isso, inicialmente, foi importante como forma de tolher abusos co-
metidos pelas outras funções do Estado (Executivo e Judiciário).

Ocorre que o direito positivado não estava atrelado à realidade


das pessoas. Ao revés, enquanto se almejava a paridade entre as
pessoas (igualdade formal), não se observava a desigualdade so-
cial.

Outrossim, o Judiciário não poderia se manifestar de forma


contrária, já que a ele cabia observar e descrever a norma conforme
a vontade do legislador, sem adentrar nas peculiaridades do caso.

Esse apego excessivo à forma e à literalidade do texto da lei


repercutiu não só no direito material como também no direito pro-
cessual civil. Os juízes estavam adstritos à forma expressada na lei,
de modo que qualquer distorção cometida pela parte, mesmo que

KKalinKaKaline EpaKaKali 93
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

não acarretasse prejuízo ao regular andamento do processo, seria


declarada nula ou invalidada.

No Brasil, o Código de Processo Civil de 1973, também conhe-


cido como Código de Buzaid, manteve o formalismo processual e
os juízes e tribunais aplicavam à risca o formalismo, já que consis-
tia na premissa de que a segurança jurídica só seria devidamente
respeitada se fosse observada a forma estabelecida na lei.

Não se deve afirmar que o formalismo processual é de todo


ruim, uma vez que ele de fato traz segurança jurídica na prática dos
atos processuais. Todavia, o uso literal e inflexível da forma acaba
por comprometer o objetivo do processo, que nada mais é do que a
obtenção de uma decisão de mérito.

Com o advento de várias reformas processuais ao Código de


Buzaid, no final do século XX, pode-se verificar uma mudança tí-
mida, porém tendente a mitigar o formalismo processual.

Pode-se dizer que a Constituição Federal de 1988 foi o marco


divisor para a mitigação do formalismo e da resolução dos conflitos
perquirindo-se a intenção extraída na interpretação do texto de lei.
A uma, porque com a promulgação da Carta Magna foram sagrados
direitos fundamentais que são cláusulas pétreas previstas no § 4º,
do art. 60, da CRFB/88; a duas, porque nos aludidos direitos fun-
damentais estão previstos, explícita e implicitamente, princípios
norteadores revestidos de abstração, a fim de serem considerados
quando da apreciação de direitos; a três, porque o Código de Bu-
zaid, com as reformas, passou a observar os mencionados direitos
fundamentais, v.g., os princípios da instrumentalidade das formas
e da fungibilidade, adequando-se à realidade do direito social; a
quatro, porque o atual Código de Processo Civil consolidou em
seus dispositivos princípios fundamentais para garantir o alcance
da efetiva prestação jurisdicional, tais como: princípios da prima-
zia de decisões de mérito, da razoável duração do processo, da coo-
KKalinKaKaline EpaKaKali 94
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

peração, da boa-fé objetiva, da isonomia, dentre outros.

Diante do atual cenário, o judiciário passou a ter um impor-


tante papel na efetivação dos direitos fundamentais, ou seja, con-
formar a lei aos direitos e aos princípios fundamentais. Isto é, ficou
para trás o positivismo jurídico e em seu lugar veio a efetividade da
prestação judicial a fim de tutelar os direitos fundamentais.

3 Do Princípio da primazia das decisões de


mérito
Consoante mencionado, a historicidade do direito processu-
al demonstra que as decisões judiciais primavam pela forma. Em
processo civil, significa que quando um ato processual era prati-
cado em desconformidade com a norma que estatuía um forma, o
judiciário, na maioria das vezes, ignorava o direito material discu-
tido vislumbrando tão somente o vício, o que ocasionava a extinção
sem julgamento do mérito, assim como a nulidade ou invalidação
do ato.

Segundo Marinoni (2017, p. 84), o formalismo exacerbado fin-


dava processos sem resolver a questão principal discutida (mérito)
e para ele:
Por essa razão, a fim de que a chance para uma efetiva solu-
ção do litígio no processo não se perca por questões meramente
processuais facilmente superáveis, o Código refere que, verifi-
cada a presença de irregularidades sanáveis, deve sempre o juiz
permitir a correção do defeito, evitando a extinção do proces-
so (art. 352). Identicamente, estabelece o art. 317 que, antes de
proferir decisão sem resolução do mérito, deve sempre o juiz
permitir a correção do defeito. Isso vale não só para a sentença,
mas também para os acórdãos dos tribunais e, em geral, para
toda e qualquer situação em que se pode deixar de examinar o
mérito de determinada postulação da parte por problemas me-
ramente formais. Os preceitos mencionados preveem o dever
de prevenção do juiz, que decorre da estrutura cooperativa do
processo civil no Estado Constitucional (art. 7.º). Antes de sa-

KKalinKaKaline EpaKaKali 95
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
crificar o exame do direito material por questões formais, tem
o juiz de proporcionar à parte a possibilidade de praticar o ato
regularmente, acaso seja possível corrigir o vício. O Código ins-
tituiu um verdadeiro dever de – sempre que possível – o juiz
examinar o mérito das postulações das partes, viabilizando
a sanação de vícios formais. Vale dizer: reconhece um dever
judicial de evitar o “fetichismo da forma” na solução da causa.
Há primazia da decisão de mérito sobre as decisões processuais
no sistema do novo processo civil brasileiro. Isso decorre não só
da regra do art. 317, mas também daquela que expressamente
refere que “desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre
que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual
pronunciamento nos termos do art. 485” (art. 488).

O órgão julgador antes de declarar um vício deve priorizar a


decisão de mérito e, nos dizeres de Fredie Didier (2017, p.153), “tê-
-la como objetivo e fazer o possível para que ocorra. A demanda
deve ser julgada - seja ela a demanda principal (veiculada pela pe-
tição inicial), seja um recurso, seja uma demanda incidental.”

No Código de Processo Civil de 2015, o princípio da primazia


das decisões de mérito está radicado em diversos dispositivos, ao
mesmo tempo que é corolário de outros princípios ou deles decorre.

De início, é possível vislumbrar o estudado princípio no art. 4º,


do CPC, o qual dispõe:
Art. 4º. As partes têm o direito de obter em prazo razoável a
solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

É latente a vontade do legislador3, no CPC/2015, de conferir


primazia à apreciação do mérito pelo judiciário, cabendo a este,
sempre que possível, abstrair o vício ou oportunizar à parte que
praticou ato erroneamente corrigi-lo, pois essa é a essência da
prestação jurisdicional, a busca da resolução meritória.

Forçoso colacionar outros dispositivos correlatos que, confor-


3  Mister pontuar que a vontade do legislador é, em verdade, a reunião dos pensa-
mentos de vários juristas brasileiros que visaram adequar o direito a ser positivado
à realidade social.
KKalinKaKaline EpaKaKali 96
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

me Fredie Didier (2017, p. 153, 154 e 155) reforçam e concretizam o


princípio da primazia da resolução de mérito, conforme se vê:
a) Art. 6º: todos os sujeitos do processo devem cooperar entre
si para que se obtenha, em prazo razoável, decisão de mérito
justa e efetiva. Rigorosamente, a primazia da decisão de mérito
é, na verdade, um corolário do princípio da cooperação”’·
b) Todas as regras que compõem o sistema da trans/atio iudicii
-
preservação dos efeitos da litispendência e das decisões, a des-
peito da incompetência - reforçam a primazia da decisão de
mérito (arts. 64, 240 e 968, §§ 52 e 6º).
c] Art. 76: prevê o dever geral de o juiz determinar a correção da
incapacidade processual.
d) Art. 139, IX: o juiz tem o dever de determinar o suprimento
dos pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios
processuais.
e) § 22 do art. 282: «quando puder decidir o mérito a favor da
parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a
pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta”.
Regra importantíssima, que expressamente determina que
o juiz ignore defeitos processuais, se a decisão de mérito não
prejudicar aquele que se beneficiaria com o reconhecimento
da nulidade. Esse é um dos enunciados que mais evidenciam o
princípio da primazia da decisão de mérito.
f) Art. 317: antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o
órgão jurisdicional deverá conceder à parte oportunidade para,
se possível, corrigir o vício. Esse é outro dos enunciados que
mais evidenciam o princípio da primazia da decisão de mérito.
g) Art. 321: antes de indeferir a petição inicial, o juiz deve man-
dar que a parte autora a emende ou a complete. Desse enuncia-
do decorre verdadeiro direito à emenda da petição inicial defei-
tuosa. A regra é estudada com mais detalhes no capítulo sobre
a petição inicial, nesse volume do Curso.
h) Art. 485, § 72: interposta a apelação contra sentença que ex-
tingue o processo sem exame do mérito, poderá o juiz retratar-
-se- estímulo evidente para que o reexamine sua decisão de não
examinar o mérito da causa.
i) Art. 488 (enunciado semelhante ao§ 22 do art. 282): sem-

KKalinKaKaline EpaKaKali 97
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
pre que for possível, o juiz deve priorizar a resolução do mérito
em detrimento da decisão que não o examina. Esse é outro dos
enunciados que mais evidenciam o princípio da primazia da de-
cisão de mérito.
j] Art. 932, par. ún.: o relator, antes de considerar inadmissível
o recurso - portanto, não examinando o mérito do recurso -,
concederá prazo de cinco dias ao recorrente, para que seja sa-
nado o defeito.
k) Art. 1.029, § 3º: O Supremo Tribunal Federal ou o Superior
Tribunal de justiça poderá desconsiderar vício formal de re-
curso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o
repute grave. Dispositivo importantíssimo, pois autoriza que o
tribunal superior desconsidere vício de um recurso tempestivo
(interposto no prazo}, para poder julgar o seu mérito. Disposi-
tivo semelhante é o§ 11 do art. 896 da CLT.

Notória a percepção do legislador ao compreender que o ob-


jetivo do processo é buscar o seu fim com a resolução do mérito e
a devida tutela satisfativa, e não ir em busca de qualquer mínimo
motivo para o resolver.

Cumpre ainda mencionar o art. 1.007, § 4º, que oportuniza


à parte a realização do recolhimento do preparo para a admissi-
bilidade do recurso por ela interposto. Este dispositivo será mais
adiante examinado sob o prisma comparativo da jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça com o atual Código de Processo Civil.

Também decorre do princípio da primazia das decisões de mé-


rito o princípio da instrumentalidade das formas, o qual preceitua:
Art. 188. Os atos e os termos processuais independem de forma
determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, consi-
derando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe pre-
encham a finalidade essencial.

É a instrumentalidade oportunizando a apreciação meritória,


portanto.

Ao lado desse princípio está o da fungibilidade. Este princípio


permite, entre outras hipóteses de sua aplicabilidade, que um re-
KKalinKaKaline EpaKaKali 98
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

curso interposto seja recebido pelo tribunal como outro, quando


a parte o fizer de forma equivocada, ressalvada a má-fé e o erro
grosseiro, mas desde que as razões recursais guardem relação com
o recurso devido, e ainda haja uma dúvida objetiva na interposição.

Preza-se então pela intenção e não pela forma, já que se admi-


te, na hipótese citada acima como exemplo, desde que respeitada
algumas peculiaridades (erro desculpável e dentro do prazo do re-
curso correto), o exame das razões recursais.

4 Cotejo entre jurisprudência do STJ e o Código de Proces-


so Civil de 2015. Forma versus intenção.
Um exemplo clássico da jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça que prefere o formalismo processual à intenção é a ques-
tão da ausência de preparo, ou, ainda, a ausência do preenchimen-
to da guia de preparo.

Nesse caso, a Corte de Justiça posicionou-se no sentido de que


inexistindo preparo ou ausente o preenchimento da guia declarar-
-se-á deserto o recurso, esbarrando, pois, no pressuposto extrín-
seco de admissibilidade recursal, conforme o seguinte precedente:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
DESERÇÃO. PREENCHIMENTO INADEQUADO DAS GUIAS
DE PREPARO. VÍCIO INSANÁVEL. MATÉRIA QUE DEMAN-
DA REEXAME DE PROVAS. SUMULA 7 DO STJ. ACÓRDÃO
EM SINTONIA COM O ENTENDIMENTO FIRMADO NO
STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. O recorrente não
preencheu corretamente os dados necessários para sua iden-
tificação nas guias do preparo do recurso de apelação, pois
as guias de recolhimento não contêm a indicação do número
do processo, nem tampouco o nome da outra parte, o que se
contrapõe ao que determina a jurisprudência. De acordo com
o entendimento jurisprudencial desta Corte, não se pode co-
nhecer do recurso interposto sem a comprovação do preparo
nos moldes do art. 511, caput, do CPC/73. Precedentes. 2. A re-
forma do acórdão recorrido no tocante à ausência de preparo
da apelação, e incorreto preenchimento das guias do recurso,
KKalinKaKaline EpaKaKali 99
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
demandaria, necessariamente, o revolvimento do conjunto fá-
tico - probatório dos autos, o que é vedado em razão do óbice da
Súmula 7 do STJ. 3. Agravo interno não provido.
(STJ - AgInt no AREsp: 1001546 BA 2016/0274761-6, Rela-
tor: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento:
07/03/2017, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe
16/03/2017)

Em razão desse posicionamento, a parte que deixou de pre-


encher a guia de preparo do recurso não tinha a efetiva prestação
judicial devido a uma questão meramente processual e/ou procedi-
mental superáveis, quando oportunizada a correção do vício.

O Código de Processo Civil vigente revê no art. 1.007, § 4º, a


possibilidade de corrigir o vício do preparo.

Ora, o dispositivo citado visa o alcance da primazia da resolu-


ção do mérito bem como da efetiva prestação jurisdicional, na me-
dida em que não permite que erro ou descuido processual fulmine
o direito material discutido nos autos.

Ao lado disso, o Código de Processo Civil ainda dispõe nos ar-


tigos 14 e 1.046 que:
Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável ime-
diatamente aos processos em curso, respeitados os atos proces-
suais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vi�-
gência da norma revogada.
Art. 1.046. Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se
aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revoga-
da a CPC/2015

No que tange ao preparo, cumpre esclarecer que o Superior


Tribunal de Justiça criou enunciados administrativos para resolu-
ção de questões de direito intertemporal. Nesse estudo, impende
analisar os enunciados dois e cinco, que informam:
Enunciado administrativo número 2
Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015/1973

KKalinKaKaline EpaKaKali 100


Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
(relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem
ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele pre-
vista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudên�
-
cia do Superior Tribunal de Justiça. (g.n.)
Enunciado administrativo número 5
Nos recursos tempestivos interpostos com fundamento no
CPC/2015/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de mar�-
ço de 2016), não caberá a abertura de prazo prevista no art.
CPC/2015, parágrafo único, c/c o art. CPC/2015, § 3º, do novo
CPC/2015.

Os enunciados certificam que apesar de o Código de Processo


Civil de 2015 estar em vigor e os artigos 14 e 1.046 determinem a
sua aplicação imediata, os requisitos de admissibilidade e as inter-
pretações dadas na vigência do Código de Buzaid devem prevalecer
no caso de o recurso ter sido interposto sob a égide do Código de
Processo Civil de 1973, não cabendo a abertura de prazo para a
correção do vício.

Ao que parece, na jurisprudência do Superior Tribunal de Jus-


tiça, acima apresentada, há certa resistência por parte do Tribunal
em deixar de lado o formalismo processual e garantir a intenção - a
vontade - da parte que pretende ver seu direito material resolvido
mediante decisão de mérito do órgão judicial.

Para isso, o Superior Tribunal de Justiça criou os enuncia-


dos de direito intertemporal comentados, sem que observasse, ou,
mesmo que o tenha feito, não levou em consideração a vontade do
legislativo (vontade de vários juristas brasileiros que se incumbi-
ram de exteriorizar a expectativa das pessoas) que visa dar eficácia
a direitos fundamentais enraizados, pela primeira vez, no Código
de Processo Civil de 2015, no capítulo das normas fundamentais
do processo civil e disseminado em vários outros dispositivos, con-
soante já pontuado alhures.

Apesar da possível resistência dos tribunais em se adequarem

KKalinKaKaline EpaKaKali 101


Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

à nova percepção atribuída à forma, será indubitavelmente impos-


sível negar-lhe vigência, pois se assim o fizer estarão cerceando o
direito consagrado como fundamental de as partes obterem deci-
são de mérito sobre o direito material discutido.

5 Considerações finais
O princípio da primazia das decisões de mérito é uma conquis-
ta para o direito processual civil, por garantir à parte que forma-
lidades processuais não obstarão a análise do seu pedido, salvo a
forma expressa em lei, e, de qualquer forma, em observância ao de-
ver de prevenção, o juiz intimará a parte para corrigir vício sanável
antes de proferir decisão que porventura poderia afetar a aprecia-
ção do direito material.

O objetivo deste artigo foi de fazer uma breve explanação sobre


a evolução do rigor que marcou o formalismo e a observância à li-
teralidade das leis, isto é, a exteriorização pelo órgão judicial da li-
teralidade da vontade do legislador absoluto (positivismo jurídico),
até a consagração de direitos fundamentais que possibilitaram a
mitigação do formalismo jurídico a fim de alcançar a efetiva tutela
jurisdicional, ressaltando-se que o atual cenário prestigia a inten-
ção no agir dentro do processo ao invés da forma que, quando pra-
ticada em desconformidade com a estrita prescrição legal, tinha-se
a expectativa de direito tolhida.

6 Referências
DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 19ª Ed., V.1, Editora
Juspodivm: Salvador/BA, 2017.
MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. Teoria do Processo
Civil. 3ª Ed. em e-book, V.1, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2017.
MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. Tutela dos Direitos
Mediante Procedimento Comum. 3ª Ed. em e-book, V.2, Editora Revista
dos Tribunais, São Paulo, 2017.

KKalinKaKaline EpaKaKali 102


Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

A invocação do precedente e sua eficácia em


relação ao art. 489, §1º, VI, CPC.
Luiz Cláudio Cardona1

A adoção de um sistema de precedentes judiciais com eficácia vincu-


lante foi definitivamente estabelecido na legislação brasileira através do
CPC/15. Das questões que surgem da forma como serão utilizados os
precedentes judiciais no direito brasileiro está a questão da invocação.
O artigo se propôs a identificar a eficácia da invocação dos precedentes
a partir da análise sistemática do art. 489, §1º, VI. Conclui-se que para
que a parte possa exigir que o magistrado se desincumba do ônus argu-
mentativo de afastar a prioridade, antes deve ter estabelecido a priori-
dade, desincumbindo-se ela própria do ônus argumentativo de justificar
a aplicabilidade do precedente ao caso.
Palavras-chave: Precedentes – Invocação – Eficácia
Sumário: 1. Introdução; 2. A vinculação do precedente judicial; 3. Ele-
mentos essenciais da decisão; 4. Invocação do precedente; 5. A eficácia
da invocação do precedente quanto ao art. 489, §1º, VI; 6. Conclusão.

1 Introdução
A valorização da jurisprudência, a instituição das súmulas
vinculantes e as regras estabelecidas para casos repetitivos eram
sinais da inclinação do ordenamento jurídico brasileiro em adotar
um sistema de precedentes fundado na regra da stare decisis.

O Código de Processo Civil de 2015 deu um passo firme nes-


te sentido, estabelecendo precedentes vinculantes e obrigatórios.
Não obstante não terem sido novidade para o sistema brasileiro,
uma vez que “ainda que não se entenda os precedentes como for-
malmente vinculantes, a prática de utilizá-los para argumentar e
decidir é comum e vulgarizada em países de civil law”2, a sua vin-
culação ou obrigação, ou seja, a adoção da regra da stare decisis,

1  Advogado e consultor jurídico. Mestrando em Direito Civil pela Universidade de


Lisboa. Pós-graduando em Processo Civil Contemporâneo pela UFPE. Bacharel em
Direito pela UFPE.
2  MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil, p.
65.
LLuiLuLuiz CLuLuiz C 103
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

lança o debate jurídico brasileiro à discussão séria acerca desse


instituto jurídico.

No processo, para além da fase meramente intelectual de iden-


tificação do precedente, o momento em que ele é levantado como
conteúdo argumentativo em relação aos demais sujeitos processu-
ais é o momento da invocação – invocação é ato-jurídico processu-
al que suscita uma ordem de preferência preexistente.

O presente artigo se propõe a discutir o que seria entendido


por invocação do precedente no ordenamento jurídico brasileiro e
a eficácia da invocação quanto ao art. 489, §1º, VI, CPC.

No primeiro tópico, disserta-se propedeuticamente acerca da


adoção pelo ordenamento jurídico brasileiro da regra da stare de-
cisis através de precedentes com eficácia vinculante. No segundo
tópico, trata-se da adoção de regras específicas à garantia de ob-
servância ao precedente, nomeadamente como critério de funda-
mentação da decisão judicial. No terceiro tópico, aborda-se dire-
tamente o tema da invocação do precedente, analisando como o
legislador tratou da matéria. No quarto tópico, aborda-se a questão
da eficácia da invocação do precedente em relação ao art. 489, §1º,
VI, CPC.

A pesquisa não indica que o legislador cometeu equívocos em


sua construção sintática, mas que a análise da eficácia da invoca-
ção deve ser tida a partir de uma interpretação sistemática e teleo-
lógica das normas que regem a matéria.

2 A vinculação do precedente judicial


Importante uma breve digressão sobre a vinculação ou obriga-
ção de seguir o precedente judicial. Antes de mais nada, pertinen-
te dizer que são divididos quanto à sua eficácia em vinculantes e

LLuiLuLuiz CLuLuiz C 104


Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

persuasivos3. Todo ele tem eficácia persuasiva, tratando-se da efi-


cácia mínima de todo o precedente judicial4, pois, enquanto fonte
do direito, ele deve ser ao menos levado em consideração. No en-
tanto, há precedentes também com eficácia vinculante, cuja norma
vincula a aplicação a decisões posteriores. No caso brasileiro, esta
vinculação se dá em razão do comando legal previsto no Código de
Processo Civil nos arts. 926 c/c 489, §1º, V e VI.

A esta obrigação de seguir o precedente, ou a este dever de


estabilidade das normas proveniente das decisões do Judiciário,
dá-se o nome de stare decisis – uma redução do brocardo stare
decisis et non quieta movere.

Curioso observar que no direito britânico apenas em 1898, no


julgamento do caso London Street Tramways Co. v. London Coun-
ty Council, foi adotada definitivamente a regra da stare decisis, que
neste ordenamento jurídico se manifesta de forma absoluta5 - até a
década de 1960, apenas o parlamento poderia realizar a superação
do precedente –, condicionando qualquer superação de preceden-
te a razões extremas. No direito estadunidense, no entanto, até os
dias atuais se questiona na doutrina a existência ou não de uma
regra da stare decisis, mesmo que se conclua pela sua existência
através de estudos empíricos apontando uma aparente estabilidade

3  Entre os doutrinadores do common law não é comum a discussão sobre


categorias em relação aos precedentes, isso se dá, tanto porque nos países que vêm
deste modelo jurídico há uma preocupação menor em relação às questões abstratas
e de classificação de institutos, quanto pela compreensão histórica e cultural da
formação dos precedentes e, posteriormente, da adoção de sua vinculação.
4  Cf. DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria
de. Curso de Direito Processual Civil, v. 2, 2015, p.456. O que nos leva a levantar a
consideração de que seria mais adequado falar de precedentes meramente persua-
sivos e precedentes vinculantes – o que não se adota por questões pedagógicas e de
uniformização conceitual.
5  “A mais alta instância inglesa decidiu que os juízes deveriam, ainda que discor-
dassem, seguir os precedentes emanados de sua própria jurisdição e dos tribunais
superiores. Foi-se além: não seria possível à própria House superar seus preceden-
tes. Assim que determinada norma jurídica fosse estabelecida, deveria ser seguida
por todos os tribunais e juízes inferiores e pela House of Lords” (MACÊDO, Lucas
Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil, 2017, p. 52).
LLuiLuLuiz CLuLuiz C 105
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

nas decisões dos tribunais e dos juízes6.

No direito brasileiro, apesar de a Constituição Federal elencar


princípios mais que suficientes para garantir ao precedente judi-
cial a regra da stare decisis, como é o caso do Princípio da Igual-
dade, não foi suficiente para o Judiciário se submeter à norma7. É
nesse contexto de uma Constituição garantidora de direitos – cuja
redação, não só dela, mas de outros estatutos legais a ela subme-
tidos, traz consigo diversos princípios, cláusulas gerais e concei-
tos jurídicos indeterminados –, que entra em vigência o Código de
Processo Civil de 2015, estabelecendo regras de fortalecimento dos
precedentes judiciais e de vinculação às normas nele contida.

Neste sentido, tem-se o art. 926, cujo texto estabelece deve-


res dos Tribunais de uniformizar a jurisprudência e garantir sua
estabilidade, integridade e coerência; e o art. 927, que elenca as
decisões cuja ratio decidendi8 são dotadas de eficácia vinculante9.

6  Em artigo discutindo a existência de uma norma cogente que determinasse ao


julgador seguir os precedentes nos Estados Unidos, os pesquisadores concluíram
que há sinais que apontam que os juízes preferem seguir um precedente estabelecido
a modificá-lo, no entanto, apontam várias questões para isso, além de uma regra que
rega a questão. (EPSTEIN, Lee; KNIGHT, Jack. The norm of stare decisis, 1996, pp.
1018-1035)
7  “É imprescindível sublinhar, nesta altura do desenvolvimento da presente tese,
que o Judiciário de civil law não se submete ao princípio da igualdade no momento
de decidir, vale dizer, no instante de cumprir o seu dever, prestando a tutela juris-
dicional. Jaz inocultável que esse poder deixa de observar o princípio da igualdade
no momento mais importante da sua atuação, exatamente quando tem que realizar
o principal papel que lhe foi imposto. Raciocínio contrário, capaz de desculpar o
Judiciário, apenas seria admitido como válido caso lhe coubesse decidir de forma
desigual casos iguais”. (MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da
igualdade, 2012, p. 2)
8  Razão de decidir, ou motivos determinantes da decisão. Trata-se da parte da
decisão considerada vinculante.
9  Neste sentido: “[a] vinculação advinda do comando do art. 927 por meio do ter-
mo “observarão” não parece, ter, de forma alguma, conotação de um mero dever de
levar em consideração. [...] Não há qualquer necessidade de outros comandos nor-
mativos para que quaisquer dos casos mencionados no art. 927 tenha eficácia vincu-
lante” (PEIXOTO, Ravi. (In)constitucionalidade da vinculação dos precedentes no
CPC/2015, 2017, p. 98). Vinculamo-nos ao entendimento apresentado, mas cumpre
dizer que não é matéria livre de controvérsias. Em sentido contrário, defende Ale-
xandre Freitas Câmara: “a eficácia vinculante não resulta do disposto no art. 927
do CPC. E é equivocado, data venia, pensar que tal eficácia resultaria do fato de
LLuiLuLuiz CLuLuiz C 106
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

3. Elementos essenciais da decisão


Além de estabelecer deveres aos tribunais, o legislador, atento
à necessidade de as decisões judiciais serem adequadamente fun-
damentadas, criou regras específicas à observância dos preceden-
tes judiciais em toda e qualquer decisão. Dessa forma, não só há
abstração de um dever instituído através de um conceito indeter-
minado, sem instrumentos precisos de cogência, como também um
instrumento de controle concreto, qual seja, a declaração de nuli-
dade da sentença que deixar de considerar o precedente nos termos
da Lei.

O art. 489, caput e incisos, repete a redação do art. 458 do


CPC/73, considerando elementos essenciais da sentença o relató-
rio, o fundamento e a parte dispositiva. O Código vigente, no en-
tanto, trouxe algumas mudanças preocupadas, tanto com a funda-
mentação adequada das decisões judiciais, como a garantia de um
sistema decisional fundado em precedentes judiciais efetivamente
considerados.

No seu inciso I, o art. 489, acrescenta, como elementos consti-


tuintes do relatório, juntamente com o nome das partes, o resumo
do pedido e da contestação, assim como o registro das principais
ocorrências havidas no andamento processual, à identificação do
caso. Identificar o caso nada mais é do que delinear suas princi-
pais características, separando os fatos juridicamente relevantes e
estremando sistematicamente a relação jurídica existente entre as

que o texto normativo do caput desse dispositivo afirma que os juízes e tribunais
observarão o que consta dos incisos do aludido artigo de lei. A exigência, contida no
caput do art. 927, de que os órgãos jurisdicionais observarão o que ali está elencado
indica, tão somente, a exigência de que tais decisões ou enunciados sumulares sejam
levados em conta pelos juízes e tribunais em suas decisões. Em outras palavras, o
art. 927 cria, para juízes e tribunais, um dever jurídico: o de levar em consideração,
em suas decisões, os pronunciamentos ou enunciados sumulares indicados nos inci-
sos do art. 927. Daí não resulta, porém, qualquer eficácia vinculante. Esta, quando
existente, resultará de outra norma, resultante da interpretação de outro dispositivo
legal (e que atribua expressamente tal eficácia)” (O novo processo civil brasileiro,
2017, p. 374).
LLuiLuLuiz CLuLuiz C 107
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

partes.

O processo de identificação do caso, a propósito da discussão,


é essencial à distinção em sentido amplo e à análise de outros casos
a fim de constatar ou não a existência de precedentes aplicáveis ao
caso10.

O ponto de convergência que anunciamos, no entanto, vem


com o §1º do art. 489, no qual se “regula” o que se consideraria
uma decisão não fundamentada11. Vide a redação:
CPC/15 – Art. 489. § 1o Não se considera fundamentada qual-
quer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acór-
dão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato
normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão
decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar
o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer
outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo
capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julga-
dor;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula,
sem identificar seus fundamentos determinantes nem demons-
trar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou
precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência
de distinção no caso em julgamento ou a superação do enten-

10  Mais sobre o processo de identificação do precedente, do caso e a distinção


em sentido amplo, remeto a nosso trabalho: CARDONA, Luiz Cláudio. Distinção:
aspectos da aplicação do distinguishing no sistema de precedentes brasileiro, 2015.
11  Observe-se que não se disse que regulava o que se consideraria, para fins de
interpretação do inciso II do art. 489, CPC, uma decisão fundamentada, mas apenas
circunstâncias nas quais resta certo estar-se frente à não-fundamentação da deci-
são, ou seja, à violação do mencionado artigo. Por essas razões, considerando que o
rol do parágrafo primeiro não exaure as possibilidades de ausência de fundamenta-
ção adequada, que o Fórum Permanente de Processualistas Civis aprovou o enuncia-
do 303 (“as hipóteses descritas nos incisos do §1º do art. 489 são exemplificativas.
LLuiLuLuiz CLuLuiz C 108
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
dimento.

Pondere-se que os quatro primeiros incisos pretendem coibir


práticas disruptivas do nosso sistema judiciário, questão à qual
não cabe digressão pormenorizada no presente artigo. No entanto,
os dois últimos estão inseridos no cerne de nosso debate.

Cm efeito, valendo-se dos incisos V e VI do §1º do art. 489, o


Código de Processo Civil procura assegurar, tanto que não sirva o
precedente de mais uma muleta de julgamento em desrespeito ao
jurisdicionado e aos princípios que regem o processo, quanto que
não deixe o julgador de considerar os casos precedentes.

4 Invocação do precedente
O verbo invocar é utilizado largamente pela doutrina para de-
signar o ato, seja de advogados ou procuradores, seja de julgado-
res, de argumentar através de precedentes. Não foi outro o termo
de que se valeu o legislador quando decidiu regular a matéria. O
termo invocar, no infinitivo ou particípio, é utilizado no Código de
Processo Civil, a fim de tratar dos precedentes judiciais, em duas12
oportunidades: nos incisos V e VI do art. 489, §1º.

Como visto, ambos os incisos são instrumentos concretos na


garantia do uso adequado dos precedentes judiciais. Nas duas hi-
póteses, o precedente se apresenta através do ato de invocação, seja
pelo magistrado em sua atividade de argumentação decisória13, seja

12  Na redação original do código, o termo era utilizado em mais uma oportunidade,
qual seja, o inciso II do art. 1.042, §1, que tratava dos ônus do agravante de demons-
trar a distinção entre o caso concreto e o precedente invocado. O artigo, no entanto,
foi revogado pela Lei 13.256/16, promulgada antes da vigência do Código.
13  Sobre decidir com fundamento em precedentes: “decidir a partir de preceden-
tes judiciais não é o mesmo que fazer uma colagem de ementas de acórdãos ou de
referências vagas a enunciados de súmula. É preciso que se faça um confronto entre
o caso precedente (isto é, o caso concreto que deu origem à decisão judicial que em
um novo processo se pretende invocar como precedente) e o caso seguinte (ou seja,
o novo caso, só agora submetido à apreciação judicial, e no qual se pretende invocar
o precedente como fundamento da decisão” (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo
processo civil brasileiro, 2017, p. 249).
LLuiLuLuiz CLuLuiz C 109
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

pelos procuradores e advogados em sua atividade de argumentação


postulatória. Para tanto, é necessário definir o que se entende por
invocar o precedente e analisar como foi recepcionado pela legis-
lação brasileira.

No contexto do ordenamento jurídico brasileiro, atualmente, é


o Código de Processo Civil que regula as regras relativas a prece-
dentes judicias e sua aplicação prática.

Veja-se o inciso V do art. 489, §1º, que trata da decisão que não
se considera fundamentada: “se limitar a invocar precedente ou
enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determi-
nantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àque-
les fundamentos”. Denota-se de sua redação, a partir do termo “se
limitar”, que é possível invocar o precedente sem uma fundamen-
tação qualificada, ou seja, sem demonstrar a adequabilidade do
precedente ao caso em julgamento; tanto que veda ao magistrado
decidir invocando precedente sem o fundamentar qualificadamen-
te. Desnecessário seria predicamentar o ato de invocar o preceden-
te em fundamentado ou em desincumbido do ônus de demonstrar a
adequação caso tais elementos fossem essenciais ontologicamente
ao ato; se o fez o legislador, fê-lo atribuindo ao termo invocar o
sentido de mera menção ao precedente.

Por outro lado, se, no plano da existência, invocar é a mera


menção ao precedente, no plano da eficácia, exigem-se elementos
qualificadores desta invocação.

Quando se invoca um precedente, o que se pretende é fazer


valer uma relação de prioridade preexistente. A expectativa nor-
mativa a respeito da solução de casos futuros de forma semelhante
à solução de caso anterior fomenta a ideia de prioridade. Quando se
enfrenta pela primeira vez uma questão, ou quando se está frente
a uma questão à qual ainda não se deu solução adequada, normal-
mente o julgador e as partes se encontram em uma situação em que
LLuiLuLuiz CLuLuiz C 110
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

há paridade entre os elementos que compõem a solução do caso –


seria a ideia de equivalente peso abstrato –; no entanto, a resolução
deste caso servirá de norte para a resolução de casos futuros, pois
foi criada uma expectativa normativa, ou seja, os elementos que
compõem a solução do caso original têm prioridade em relação a
outras soluções na resolução de casos futuros. Diz-se, pois, que o
ônus argumentativo para manter a prioridade é menor do que o
ônus argumentativo para inverter a prioridade.

Nas palavras de Fernando Ângelo Ribeiro Leal, a quem pre-


tende “manter uma determinada relação de prioridade, os ônus de
argumentação facilitam o processo argumentativo por meio da re-
dução da complexidade da justificação da valoração”14. No entanto,
não significa dizer que não há ônus de argumentação; o que há é a
redução da complexidade. Nesses termos, “as partes não precisam,
a princípio, justificar a correção de uma relação de prioridade, mas
somente a sua aplicabilidade no caso”15.

Dessa forma, é plausível concluir que, para se considerar invo-


cado o precedente no que diz respeito à produção de efeitos espe-
rados pela prática do ato, faz-se necessária a devida justificação da
aplicabilidade do precedente ao caso em julgamento; do contrário,
a parte ou o julgador não haveria se desincumbido do ônus argu-
mentativo necessário para estabelecer no caso a relação de priori-
dade.

A eficácia da invocação pode não ser total16. Dessa forma, a con-

14  LEAL, Fernando Ângelo Ribeiro. Ônus de argumentação, relações de priorida�-


de e decisão jurídica, 2012, p. 126.
15  LEAL, Fernando Ângelo Ribeiro. Ônus de argumentação, relações de priorida�-
de e decisão jurídica, 2012, p. 126.
16  Neste sentido: “composto o suporte fático, que a regra jurídica fez necessário e
suficiente para o fato jurídico e, pois, para o nascimento do direito, nasce o direito.
De ordinário, se os elementos do suporte fático não são simultâneos, nenhum efeito
jurídico se tem, enquanto não se integra, isto é, enquanto não ocorrem todos os ele-
mentos: ou a regra jurídica não incidiu, não fez jurídico o fato complexo incomple-
tado, ou incidiu e apenas deixou pendente a eficácia. [...] Se o elemento ou elementos
do suporte fático são deficientes (= não bastante para a validade do ato jurídico), ou
LLuiLuLuiz CLuLuiz C 111
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

sistência da invocação do precedente é elemento essencial ao su-


porte fático da prática do ato jurídico. Não o sendo consistente – e
neste ponto afastamos a discussão do momento para a invocação,
se pode ou não ser invocado a qualquer momento do processo, não
como fundamento, mas como norma que confirma os fundamen-
tos arguidos no momento devido –, há de se considerar deficiente
o suporte fático e, portanto, não bastante para a validade do ato
jurídico. Por esta razão também (não só pela reflexão da não fun-
damentação compreendida a partir da combinação do inciso II do
art. 489 com o inciso V do §1º do art. 489) que pode ser declarada
nula a decisão cuja fundamentação se deu através da invocação in-
consistente do precedente.

Trata-se, no entanto, de ineficácia relativa, vez que pode ser


superada17, seja quando a invocação inconsistente provém do ma-
gistrado e a parte a que prejudica não a aponta via o instrumento
processual adequado, seja quando provém da parte e o magistrado
considera o precedente para fins de julgamento. Nessas circuns-
tâncias, não obstante a precariedade da invocação do precedente,
ela deve ser considerada eficaz, dado que produziu os efeitos espe-
rados.

A simples menção a um caso, sem sua devida qualificação – ou


seja, sem que aquele que invoca o precedente se desincumba do
respectivo ônus argumentativo –, não gera todos os seus efeitos,
especificamente o efeito de observância.
é possível completar-se (anulabilidade), ou não. No primeiro caso, o elemento que
falta é preenchido por vontade posterior (ratificação), ou pelo tempo (prescrição da
pretensão à anulação), ou outra causa de extinção da ação de anulação. No segundo,
o ato é jurídico mas nulo: entrou no mundo do direito sem poder entrar. O ato ju-
ridicamente inexistente não entra no mundo do direito”. (PONTES DE MIRANDA,
Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, tomo V, 1999, §536.2).
17  Sobre o tema: “superação da ineficácia. (a) A ineficácia pode ser posta de lado,
ou superada, como se o vendedor do prédio alheio o adquire; e pode ser insanável,
irremediável, e então coincide com a nulidade (L. Enneccerus, Das Bíirgerliche Re-
cht, 2º ed., 1, 270, nota 1). De modo que não se pode dizer que todos os atos jurídicos
ineficazes sejam nulos; nem vice-versa” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Caval-
canti. Tratado de direito privado, tomo V, 1999, §529.5).
LLuiLuLuiz CLuLuiz C 112
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Um paralelo à questão da eficácia é encontrado no próprio §1º


do art. 489. É o caso do inciso I, em que se indica, reproduz ou
parafraseia ato normativo sem a explicação relacional entre ele e
o caso concreto. Lei e precedente judicial, enquanto fontes norma-
tivas, são continentes de normas e, portanto, poder-se-ia concluir
que, tal qual a Lei, o precedente também estaria incluído no conte-
údo jurídico deste inciso – o que é verdade.

O legislador fez a opção de reservar uma regra específica aos


precedentes judiciais, não por ele não estar contido no âmbito de
incidência do inciso I, mas devido às peculiaridades da argumen-
tação a partir de precedentes judiciais, em especial em uma fase de
transição para um modelo que adota a regra da stare decisis. Nada
obstante, o paralelo existente entre os dois incisos revela que não é
estranho ao processo civil a indicação de norma, dispositivo de lei,
precedente judicial sem que se produza efeito.

Então, ampliando a inferência realizada em relação à simples


menção do caso: uma análise conjunta desses incisos faz compre-
ender que a invocação de norma sem a sua devida demonstração de
adequabilidade para resolver o mérito não é eficaz na produção dos
efeitos de justificação da decisão judicial.

5 A eficácia da invocação do precedente quanto


ao art. 489, §1º, VI
É neste ponto que a questão principal deste artigo encontra
lugar. Nada obstante ter-se concluído pela ineficácia da invocação
de norma sem a devida demonstração de adequabilidade ao caso
para fins de justificação da decisão judicial, o desfecho alcança
apenas a atividade julgadora. O que dizer da atividade das partes?

O art. 489, §1º, VI, tal qual o V, é dirigido ao magistrado e


constitui um dever de observância ao precedente invocado pela
parte, obrigando-o, ou a seguir o precedente, ou a se desincumbir
LLuiLuLuiz CLuLuiz C 113
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

do ônus argumentativo da distinção ou superação do precedente.


Dessa forma, uma vez invocado pela parte, o precedente deve ser
observado pelo julgador.

No entanto, diferentemente do que ocorre no inciso V, o inciso


VI não faz menção a uma necessidade de a parte identificar fun-
damentos determinantes ou demonstrar a adequabilidade do pre-
cedente ao caso. O inciso simplesmente diz: “precedente invocado
pela parte”. Dado que a invocação do precedente, no plano da exis-
tência, é caracterizada pela simples menção ao precedente, poderia
se deduzir que, uma vez que a parte fizesse menção a qualquer pre-
cedente, estaria obrigado o juiz a considerá-lo na decisão, sob pena
de nulidade desta. Este entendimento, no entanto, não é correto.

Para que a invocação do precedente judicial realizada pela par-


te tenha eficácia quanto ao inciso VI do §1º do art. 489, a parte
deverá desincumbir-se do ônus argumentativo de demonstrar a
aplicabilidade do precedente ao caso concreto.

Ainda que o legislador tenha optado, do ponto de vista sintáti-


co, por separar a ação de invocar o precedente daquela de demons-
trar a adequabilidade de procedente ao caso ou de identificar seus
fundamentos determinantes, escolha que claramente tem consequ-
ências do ponto de vista semântico, como discorrido até o presente
momento, essa predileção legislativa não supera o plano da exis-
tência. Desta forma, reitera-se que basta a menção, o apontamen-
to, para que se tenha como existente juridicamente a invocação do
precedente no processo.

No plano da eficácia, no entanto, a invocação só tem efeito de


impor ao juiz a observância ao precedente judicial invocado caso
o invocador demonstre a aplicabilidade da relação de prioridade
no caso concreto – por demonstrar, deve-se entender o processo
argumentativo de demonstração e não o êxito do convencimento;
do contrário, apenas os precedentes aplicáveis seriam conside-
LLuiLuLuiz CLuLuiz C 114
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

rados para fins de consideração pelo julgador, o que não é uma


verdade, uma vez que o julgador estaria constrangido a afastar
fundamentadamente um precedente invocado pela parte e que
não fosse aplicável. Trocando em miúdos, o não convencimento
da aplicabilidade do precedente não pressupõe sua ineficácia para
fins de incidência da regra em questão, mas sua mera citação, sem
qualquer fundamento, sim.

A consistência da invocação do precedente é elemento essen-


cial à sua eficácia18. O inciso VI deve ser interpretado sistematica-
mente, portanto. Não basta transcrever uma ementa ou citar um
número de um caso julgado. Há de se relacionar o ato normativo
em questão com o caso concreto.

Apesar de demonstrado que a invocação precária do preceden-


te não promove o estabelecimento da relação de prioridade dentro
do caso e que não estaria o magistrado compelido a se desincumbir
do ônus argumentativo para deixar de aplicar o precedente, não
se quer dizer que não o fará o magistrado de ofício, visto que tem

18  Sobre a questão: “o ato da parte consistente em invocar “enunciado de súmula,


jurisprudência ou precedente”, a que se refere o art. 489, § 1.º, VI do CPC/2015 deve
ser feito de modo claro e preciso, sob pena de inépcia ou, no mínimo, de não ser con-
siderada a argumentação tecida pela parte. Com efeito, o art. 330, § 1.º, II e III do
CPC/2015 qualifica como inepta a petição acoimada de indeterminação do pedido,
ou quando “da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão”. Logo, não
se coaduna com o sistema do CPC/2015, p.ex., a apresentação de julgados em série
pelas partes, ou a simples transcrição de ementas, sem que se explique os porquês de
sua incidência no caso. Não nos parece apta a petição elaborada desse modo, e, nesse
caso, cabe ao juiz intimar a parte para que emende a petição inicial elaborada nessas
condições, sob pena de indeferimento (caso impossível compreender o libelo, se não
esclarecido o fundamento de que pretende se valer a parte) ou, então, de não ser
considerado o “enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela
parte”. (MEDINA, José Miguel Garcia. Curso de direito processual civil moderno,
2017, p. 397). Não se pode concordar com todos os pontos e inferências realizadas
pelo professor paranaense. A invocação de precedentes ou dispositivos de lei de for-
ma equivocada não teriam o condão de tornar a petição inepta, caso a relação entre
fato e pedido seja necessária. O dever de fundamentação jurídica da parte é mitigado
em relação ao magistrado. De toda sorte, enquanto o Código de Processo Civil passa
a considerar legitimidade recursal para aquele que não esteja satisfeito com a fun-
damentação do julgador, para que se possa exigir a consideração de qualquer tese,
precedente ou norma legislativa, deve ser revestido dos critérios de fundamentação
necessários, sob pena de desconsideração no plano do convencimento do julgador.
LLuiLuLuiz CLuLuiz C 115
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

o dever de conhecer as normas que compõem o ordenamento ju-


rídico, sejam elas de natureza legal ou jurisprudencial19. Se inci-
dente um precedente ao caso em julgamento, o magistrado deverá
justificar sua superação ou distinção na hipótese de não seguir o
precedente. Mas, neste caso, não o estará fazendo devido à eficácia
do art. 489, §1ª, VI, mas pelo dever de fundamentação adequada da
decisão judicial20, evitando, por exemplo, incorrer numa distinção
inconsistente21.

6 Conclusão
Desse modo, é plausível concluir que a invocação do preceden-
te apenas é eficaz em relação ao art. 489, §1º, VI, quando a parte
invoca o precedente qualificadamente. Assim, para exigir que o
magistrado, em caso de não seguir o precedente, faça a distinção ou
a superação com fulcro no art. 489, §1ª, VI, é exigido da parte que
antes tenha invocado adequadamente o precedente, ou seja, que a
parte tenha justificado a aplicabilidade do precedente ao caso.

19  Nesse sentido: “Ressalte-se que, como o precedente judicial é considerado uma
fonte do direito, ele é cognoscível ex officio, ou seja, não precisa ser invocado pelas
partes para que seja devidamente considerado na decisão. Trata-se, portanto, de ma-
terial que está no âmbito do iura novit cúria” (MACÊDO, Lucas Buril de. Preceden-
tes judiciais e o direito processual civil, 2017, p. 203)
20  Veja-se que há circunstâncias em que o juiz tem o dever de observância ao
precedente mesmo que omissa a parte: “é certo que o juiz não se exime de se mani-
festar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou incidente de assun-
ção de competência aplicável ao caso, ainda que tais orientações não tenham sido
invocadas pelas partes (uma decisão assim proferida é omissa, ex vi do art. 1.022,
parágrafo único, I do CPC/2015). Logo, o juiz deverá agir ex officio, nessas hipóteses
(e, se as partes não tiverem se manifestado a respeito, deverá o juiz instá-las a tanto,
em observância ao contraditório, cf. art. 10 do CPC/2015)”. (MEDINA, José Miguel
Garcia. Curso de direito processual civil moderno, 2017, p. 397)
21  “Diz-se inconsistente uma distinção inadequada, quando os fatos se encontra-
vam em adequado grau de similitude e a regra do precedente deveria ser aplicada ao
caso em julgamento e ainda assim o magistrado decidiu por afastar o precedente.
Também é inconsistente a distinção que, apesar de ser justa – ou seja, de fato na
análise dos casos poder-se-ia inferir as diferenças –, não encontra devidamente jus-
tificada no texto da decisão, ou seja, embora materialmente o resultado fosse a dis-
tinção, o procedimento não foi adequado, de forma que ela é formalmente inconsis-
tente” (CARDONA, Luiz Cláudio. Distinção: aspectos da aplicação do distinguishing
no sistema de precedentes brasileiro, 2015, p.56)
LLuiLuLuiz CLuLuiz C 116
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Isso dito, a partir da ideia de ônus de argumentação, para que


a parte possa exigir que o magistrado se desincumba do ônus ar-
gumentativo de afastar a prioridade, antes deve ter estabelecido a
prioridade, desincumbindo-se a própria parte do ônus argumen-
tativo de justificar a aplicabilidade do precedente ao caso. No en-
tanto, o presente ensaio conduz a concluir, em suma, que o ônus
argumentativo, para garantir a eficácia em relação à regra men-
cionada, é deveras reduzido em relação ao ônus argumentativo de
estabelecer a prioridade efetivamente, o que demandaria o próprio
convencimento do julgador.

7 Referências
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3ed. São
Paulo: Atlas, 2017.
CARDONA, Luiz Cláudio. Distinção: aspectos da aplicação do distin-
guishing no sistema de precedentes brasileiro. 2015. 80f. Monografia (ba-
charelado em direito). Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal
de Pernambuco, Recife, 2015.
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria
de. Curso de Direito Processual Civil, vol. 2 - reescrito em conformidade
com o novo CPC. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015.
EPSTEIN, Lee; KNIGHT, Jack. The norm of stare decisis. American Jour-
nal of Political Science, v. 40, n. 4, nov. 1996, pp. 1018-1035.
LEAL, Fernando Ângelo Ribeiro. Ônus de argumentação, relações de prio�-
ridade e decisão jurídica: mecanismos de controle e de redução da incerteza
na subidealidade do sistema jurídico. 2012. 218 f. Tese (doutorado) – Uni-
versidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Direito, Rio de Janei-
ro, 2012.
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil.
2ed. Salvador: Juspodivm, 2017.
MEDINA, José Miguel Garcia. Curso de direito processual civil moderno
[livro eletrônico]. 3ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.
PEIXOTO, Ravi. (In)constitucionalidade da vinculação dos precedentes no
CPC/2015: um debate necessário. Civil Procedure Review, v.8, n. 2, may-
-aug. 2017, pp. 93-133.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado,
tomo V. Campinas: Bookseller, 1999.

LLuiLuLuiz CLuLuiz C 117


Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Honorários advocatícios sucumbenciais : medidas


efetivas de desencorajamento ao ajuizamento de
demandas temerárias
Luiz Otávio de Souza Jordão Emerenciano1

Este trabalho visa ao estudo dos sistemas ocidentais de distribuição


de honorários advocatícios sucumbenciais e sua relação com o (des)
estímulo ao ajuizamento de demandas, sobretudo as frívolas. Primei-
ramente, são estudados alguns números do Poder Judiciário Brasileiro,
demonstrando que sua produtividade excede a maioria dos sistemas
judiciários europeus, e que o estoque de demandas não diminui em
razão do excesso de processos ajuizados anualmente. Verifica-se, tam-
bém, que há, basicamente, dois sistemas ocidentais de distribuição de
ônus advocatícios processuais, o American Rule e o English Rule, em
que o primeiro estabelece que cada parte paga os honorários de seus
patronos, independente do resultado da demanda, enquanto o segun-
do determina que o perdedor deve pagar os honorários do patrono do
vencedor. O segundo sistema é apontado como um fator de desestímulo
ao ajuizamento de demandas, sobretudo as temerárias, em que a Parte
Autora faz uso do Poder Judiciário sem que tenha um direito robusto.
O CPC/15 apresentou diversas modificações no sistema de distribui-
ção de ônus advocatícios, enrobustecendo o English Rule no sistema
judiciário brasileiro, confirmando, assim, o desestímulo ao ajuizamento
de demandas, mudanças essas que se espera sejam respeitadas pelo
Poder Judiciário, uma vez que são medidas visando à diminuição de
demandas temerárias, tal como apontado pela doutrina que estuda o
English Rule.
Palavras-Chave: Excesso de Demandas – Honorários – Sucumbenciais
Sumário: 1. Introdução; 2. Assoberbamento do Poder Judiciário Bra-
sileiro; 3. Honorários Como Fator Redutor de Demandas: Análise dos
Sistemas Ocidentais de Distribuição dos Ônus Sucumbenciais: English
Rule x American Rule; 4. Os Honorários Sucumbenciais no Brasil; 5.
Conclusões; 6. Referências.

1 Introdução
O tema dos honorários advocatícios sucumbenciais no Brasil
voltou à tona e à pauta de discussões dos juristas, dentro e fora dos

1  Advogado, sócio-fundador do Leite & Emerenciano Advogados, bacharel em


Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, pós-graduado em Direito
Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET, e Pós-Graduando
em Direito Processual Contemporâneo pela Universidade Federal de Pernambuco -
UFPE.
LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi 118
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

tribunais, estando presente em conversas coloquiais, bem como


nas discussões das Cortes Brasileiras. A principal razão para o re-
torno de tal discussão são as alterações introduzidas pelo art. 85
e §§ do CPC/15, cuja vigência se iniciou em março do ano de 2016.

Em razão de tais debates, resolveu-se por fazer um paralelo


entre a forma de distribuição dos honorários advocatícios sucum-
bências e o (des)estímulo ao ajuizamento de demandas judiciais,
sobretudo por se ter um Poder Judiciário assoberbado, que, apesar
de sua altíssima produção, julgando milhões de processos por ano,
consoante se verifica dos números divulgados pelo CNJ, analisados
no primeiro capítulo deste trabalho, continua sem dar vazão ao seu
estoque de processos por conta do excessivo ajuizamento de novas
demandas.

No presente escrito, vai-se, também, estudar as nuances das


duas principais formas de distribuição de ônus advocatícios su-
cumbenciais encontrados nos sistemas jurídicos ocidentais, quais,
sejam, o American Rule e o English Rule. O primeiro é adotado
basicamente pelos Estados Unidos da América, já o segundo em
quase a totalidade dos demais países ocidentais, incluindo o Brasil.

Após tal análise, verificar-se-á qual das duas formas de dis-


tribuição de ônus desestimula mais o ajuizamento de demandas,
sobretudo as frívolas, que configuram verdadeiras aventuras jurí-
dicas.

Em seguida, analisar-se-á o sistema instituído pelo CPC/15 no


Brasil e como seu regramento prestigia o trabalho do advogado,
bem como se será um elemento para reduzir demandas e recursos
perante o assoberbado sistema judiciário pátrio, delimitando, no
capítulo final, as conclusões a que se chega.

LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi 119


Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

2 Assoberbamento do Poder Judiciário Brasileiro


O Poder Judiciário Brasileiro é, tradicionalmente, alvo de mui-
tas críticas por conta de sua lentidão. Mas será que a culpa dessa
lentidão é exclusivamente do Poder Público ou uma cultura litigan-
te impede que o judiciário brasileiro se desafogue?

Se for observada, como exemplo, a realidade do ano de 2010,


verifica-se que foram ajuizados 24,2 milhões de processos, sendo
proferidas 22,2 milhões de sentenças, restando pendentes 59,2 mi-
lhões de processos. Já são números alarmantes e espantosos2.

Entretanto, o mais espantoso é que, segundo os dados do CNJ3,


publicados no “Justiça em Números”, ao final do ano de 2016, o
Brasil possuía cerca de 79,7 milhões de processos em tramitação,
cerca de um terço a mais do que se verificava seis anos antes. Só no
referido ano de 2016, foram ajuizados 29,4 milhões de processos,
mesmo número de processos baixados.

Ou seja, a produção do Poder Judiciário Brasileiro é altíssima e


revela números que causariam espanto a juristas de qualquer país
do mundo, sobretudo ao se observar que o Brasil possui, segundo
estimativa do IBGE4, cerca de 207 milhões de habitantes.

Se for feito um esforço retórico, levando em consideração que,


em cada processo litigam, ao menos, duas pessoas, pode-se dizer
que, no ano de 2016, foram ajuizadas ações envolvendo o número
de partes correspondente a 30% da população brasileira.

Ainda, ao se levar em consideração o número de processos ati-


vos (79,7 milhões), verifica-se que há um polo processual de pro-
cesso em curso para abrigar mais de 77% da população brasileira,
2  SERBENAL, Cesar Antonio; WIVIURKA, Eduardo Seino; MONTEMEZZO,
Francielle Pasternak; BARBOZA, Priscila da Silva. Justiça em números, 2013.
3  BRASIL. Justiça em Números, 2017.
4  População brasileira passa de 207,7 milhões em 2017, artigo publicado pelo
Portal Brasil em 30/08/2017 no site do Governo Federal do Brasil. Disponível em:
CPC/2015Acesso em 09/11/2017.
LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi 120
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

o que constitui hercúleo exagero.

Entretanto, a análise acima serve, tão somente, como argu-


mento retórico ilustrativo, isto porque é de conhecimento comum -
e é essencial que se pondere isso - que a maior parte dos processos
judiciais são polarizados por um seleto número de litigantes, so-
bretudo figurando no polo passivo em razão de terem enraizada em
si uma cultura contumaz de descumprimento do direito alheio5.

São milhões e milhões de processos já ajuizados que versam


sobre direitos do consumidor, assolando o judiciário com causas
plenamente evitáveis, isto se não fosse a cultura de algumas gran-
des empresas de desrespeitar o direito do cidadão, a desacreditar
na possibilidade de acionamento do Poder Judiciário pelos consu-
midores lesados.

Destaca-se, também, que o Poder Executivo, em todas as suas


esferas, mas com maior ênfase pela Administração Pública Fede-
ral, é o maior litigante do país, a comungar da política de desres-
peito aos direitos do cidadão tanto quanto as grandes empresas o
fazem, pois partem da mesma premissa de que vale a pena cobrar,
por exemplo, tributos manifestamente ilegais, isto porque nem to-
dos irão procurar a justiça para obter seus direitos.

Impressiona o fato de que o Setor Público Federal era, em mar-


ço de 2011, o maior litigante do Judiciário brasileiro, figurando em
espantosos 38% das demandas judiciais ativas no país, a empatar
com o Setor Bancário, segundo levantamento do Conselho Nacional
de Justiça denominado “100 maiores litigantes”6. Depreende-se do
exposto, pois, que os bancos e a União Federal, em conjunto com
suas autarquias, são responsáveis por 76% das demandas judiciais
em trâmite no ano de 2011 no Brasil.

5  FRIEDE, Reis. O Judiciário mais caro do mundo, 2016.


6  BRASIL. 100 maiores litigantes, 2011.
LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi 121
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Afigura-se ainda mais grave perceber que, dentre os bancos, o


maior litigante é a Caixa Econômica Federal, empresa pública fe-
deral controlada, em sua totalidade, pela União Federal, o que, por
óbvio, não é uma coincidência.

Toda essa política de desrespeito, em que para os litigantes ha-


bituais vale a pena forçar a que os cidadãos busquem abrigo na jus-
tiça, evidentemente encabeçada pelo Setor Público Federal, redun-
da em um Poder Judiciário extremamente congestionado, apesar
de ser, paradoxalmente, muito produtivo.

O juiz brasileiro, por exemplo, possui o dobro da carga de tra-


balho do juiz europeu, recebendo, em média, cerca de 1.375 casos
por ano, enquanto os juízes portugueses recebem 379 novos casos
por ano, os italianos recebem 667 e os espanhóis 6737.

Não se pode, portanto, simplesmente, depositar a culpa do


congestionamento nos órgãos do Poder Judiciário brasileiro, isto
porque, conquanto seja certo que possuem falhas que devem ser
estudadas e sanadas, o que deve ser combatida, principalmente,
é a cultura de desrespeito ao direito do cidadão e da litigância em
excesso, sobretudo com causas frívolas que poderiam ser evitadas,
as quais constituem verdadeiras aventuras jurídicas.

Para se evitar o desrespeito contumaz aos direitos do cidadão,


deve-se estabelecer medidas firmes e significativas para tornar de-
sinteressante para os litigantes contumazes tais práticas, a exem-
plo do arbitramento de multas astreintes, condenação por danos
morais em valores expressivos.

Há que se destacar, também, que a condenação no pagamen-


to de honorários sucumbenciais significativos ao patrono da parte
vencedora, além de desestimular o desrespeito aos direitos do ci-
dadão (uma vez que impõe mais ônus ao sucumbente), serve como

7  MACEDO, Fausto. O País dos paradoxos, 2017.


LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi 122
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

instrumento para redução de ajuizamento de demandas frívolas,


das chamadas aventuras jurídicas encabeçadas por verdadeiros
apostadores que arriscam entrar na justiça com quase certeza de
que, efetivamente, não está amparado pelo direito.

3 Honorários Como Fator Redutor de Demandas.


Análise dos Sistemas Ocidentais de Distribuição
dos Ônus Advocatícios: English Rule x American
Rule
No direito ocidental moderno, existem, basicamente, dois sis-
temas de distribuição de ônus advocatícios, o English Rule - adota-
do na grande maioria dos países, incluindo o Brasil -, e o American
Rule - adotado, quase que exclusivamente, pelos Estados Unidos
da América8.

Pelo English Rule, o perdedor da demanda judicial arca com


os honorários do advogado da parte vencedora, enquanto que, pelo
American Rule, cada parte arca com os honorários dos seus advo-
gados, independentemente do resultado da demanda.

Assim, aponta-se o English Rule como o sistema que, por sua


natureza, desestimula o ajuizamento de demandas frívolas, impli-
cando, naturalmente, num fator redutor de demandas judiciais ao
imputar ao derrotado o pagamento dos honorários advocatícios do
vencedor.

Por óbvio que deve haver limitações nas estipulações dos ho-
norários arbitrados aos advogados do vencedor, não podendo os
valores envolvidos ser desarrazoados ou desproporcionais ao bem
jurídico tutelado e à complexidade e ao valor da causa. A possibi-
lidade de impor honorários elevados em relação à causa é uma das

8  EISENBERG, Theodore; MILLER, Geoffrey P. The English Versus the American


Rule on Attorney Fees, 2013.
LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi 123
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

principais críticas tecidas pelo defensores do American Rule9, os


quais reconhecem que o English Rule desestimula demandas frívo-
las, mas podem, por outro lado, desestimular demandas em que o
particular acredita possuir um direito razoável, mas não tem total
confiança de que se sagrará vencedor.

CPC/2015, advogado corporativo em Nova Iorque Estados Uni-


dos da América, e formado em Harvard no ano de 2011, trata a
respeito do tema ao discutir o artigo “Why does the US insist on the
“American rule” for attorney’s fees, when it clearly has done more
harm than good?”, cujo trecho segue abaixo transcrito:
“Without the American Rule, the other points above will not re-
ally encourage plaintiffs to sue, because the English Rule (loser
pays winner’s attorney’s fees) is a substantial disincentive to
file a lawsuit unless you are very sure you will win, or in cases
where the amount in controversy drastically exceeds attorney’s
fees.
How plaintiff-friendly a legal system should be is an open ques-
tion of public policy and most other developed countries have
ended up being less plaintiff-friendly than the US.
How fair the American Rule sounds to you is a matter of per-
spective - as a defendant, it certainly feels unfair that a frivo-
lous lawsuit can still result in you spending a lot of money to de-
fend yourself. But one person’s frivolous lawsuit can be another
person’s good faith, but ultimately failed, suit.
From a plaintiff’s perspective, here is a hypothetical: Megacorp
has wronged me in some way: I ordered a hamburger, and
there was a stone in it which messed up my teeth, and it cost
me $3,000 in damages. Megacorp has refused to pay my dental
bills and lost wages, so I get a friendly lawyer and file a lawsuit.
Now, Megacorp hires the very expensive Dewey, Cheatem &
Howe LLP to defend, and they successfully prove at trial (run-
ning up a bill of $100,000) that the incidence of stones in their
ground beef is one part per million, and it would not be cost
effective to remove them, so they have no liability. I now have
a busted mouth, unpaid medical bills, and $100,000 in addi-
tional liability, all for filing a reasonable lawsuit. Is that fair?
9  RAVI, Ani. Why does the US insist on the “American rule” for attorney’s fees,
when it clearly has done more harm than good?.
LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi 124
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
In an English Rule jurisdiction, a lot of potential plaintiffs with
legitimate claims are going to be deterred from suing.
I don’t think the American system is perfect, but on the whole,
I appreciate that it operates (roughly) for the benefit of the lit-
tle guy (the plaintiffs) and not the established interests (the de-
fendants). There are going to be counterexamples, but if I were
designing a legal system, I’d prefer to keep the core of the Amer-
ican system, and then address specific problems in other ways
(for example, reforming the patent system).”

Desta feita, percebe-se que o principal argumento dos defen-


sores do American Rule é a possibilidade de os custos com honorá-
rios sucumbenciais serem desproporcionais ao bem jurídico tute-
lado na ação judicial apresentada.

Entretanto, tal argumento não se sustenta ao se analisar a for-


ma de aplicar o English Rule instituída pelas legislações sobre o
tema. É que, na maioria dos sistemas judiciais que utilizam a Lo-
ser Pays Rule, há limitações no arbitramento dos honorários que a
parte sucumbente deve suportar, evitando, assim, que sejam arbi-
trados valores desproporcionais em relação à demanda.

Chama-se atenção para a Rule of Civil Procedure 82 do Estado


do Alaska, única unidade federativa dos Estados Unidos da Amé-
rica que adota o English Rule como regra10. Por meio da referida lei
estadual, foi imposta uma tabela em que, de acordo com o valor da
causa e da forma ou estágio em que o processo foi encerrado, é es-
tipulado um diferente percentual para obter o valor da condenação
nos honorários advocatícios sucumbenciais.

Douglas C. Reine explica o sistema do Alaska11:


Dating back to before its organization as a territory, Alaska has
been alone among American jurisdictions in awarding attor-
neys’ fees as a matter of course to the prevailing party. Since
statehood, that presumption has been codified in Alaska Rule
10  DI PIETRO, Susanne. Alaska’s English Rule: Attorney’s Fee Shifting in Civil
Case, 1995.
11  PERRY, William. Loser Pays.CPC/2015
LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi 125
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
of Civil Procedure 82.
(...)
The Rule sets out a schedule providing that a prevailing party
recovering a money judgment may recover an additional per-
centage of the judgment as partial compensation for its attor-
neys’ fees as follows:

First, the risk of a litigant paying the legal fees for both him-
self and his opponent is often cited as an effective discourage-
ment to claimants/plaintiffs against bringing frivolous cases.
Secondly, the rule encourages defendants to settle meritorious
cases (earlier than they would otherwise have done) for the
same reasons that it discourages frivolous cases. Thirdly it does
justice: a wronged or wrongfully sued party who is successful
in court should not be out of pocket (in English English this
expression means: financially disadvantaged) by having to pay
the cost of securing his legal rights against an opponent who,
by definition wrongly, defended a righteous case or wrongfully
sued.

Sistemas parecidos são adotados na Alemanha e no Brasil, em


que a parte sucumbente paga um percentual do proveito econômi-
co obtido pelo vencedor ou do valor da causa quando aquele não
for calculável (art. 85 do CPC/15). Tal aplicação afasta, portanto, a
alegação de que a parte poderia ser desproporcionalmente apenada
por perder uma demanda, mas abranda o fardo do vencedor em
relação ao pagamento dos honorários advocatícios de seu patrono,
além de desestimular que litigantes aventureiros ajuízem deman-
das infrutíferas para arriscar algum ganho incerto.

Vale salientar que, apesar de não ser a regra geral nos demais
Estados dos Estados Unidos da América, as cortes americanas vêm
aceitando que as partes adotem o English Rule em seus contratos,

LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi 126


Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

inclusive, quando está previsto em ato unilateral como as dispo-


sições estatutárias de uma corporação. Ademais, assim como na
doutrina, a jurisprudência americana adota como premissa que o
English Rule, por sua natureza, desestimula o ajuizamento de de-
mandas judicias.

Segue-se um pequeno trecho do julgamento nº. 534, 2013,


da Suprema Corte do Estado de Delaware, EUA, decidido em
08/05/2014, movido pela ATP Tour Inc. e Outros contra a Deuts-
cher Tennis Bund e Outros:
The intent to deter litigation, however, is not invariably an im-
proper purpose. Fee-shifting provisions, by their nature, deter
litigation.

Nota-se, portanto, que o arbitramento de honorários advocatí-


cios sucumbenciais é, por sua natureza, uma medida de filtragem
de demandas judicias. Os benefícios do referido sistema, inclusive
a diminuição do ajuizamento de demandas-aventuras, são aponta-
dos, também, por David A. Root ao ensinar12:
By having the losing party bear the costs of litigation for both
parties, the “English rule” has three primary benefits: 1) fuller
compensation of winners (including unjustly accused defen-
dants); 2) deterrence of frivolous claims;’ 8 1 and 3) a possible
higher frequency of settlements.
(...)
Perhaps the greatest impact of the “English rule” has been the
deterrence of frivolous litigation, allowing the courts to be
more open to meritorious claims. While it is important to keep
in mind that England is generally less litigious than America,’
the “English rule” deters these claims primarily because the
threat of paying a victorious defendant’s legal costs raises the
stakes for the plaintiff, forcing him to more carefully assess his
case and act more conservatively. In fact, America has roughly
twenty times the amount of civil lawsuits as England (figure
adjusted for population difference).’ A simple comparison be-
tween the quantity of English civil litigation and American civil

12  ROOT, David A. Attorney Fee-Shifting in America, 2005, pp. 604-605 e 617)
LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi 127
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
litigation does not, in and of itself, prove the “English rule” de-
ters litigation. However, many commentators feel that adoption
of the rule would decrease the number of lawsuits in America,
albeit, not always justly.
(...)
This is especially true when coming at the hands of a reckless
plaintiff who takes the American judicial system out for a spin
simply because it is relatively inexpensive to do so. Further-
more, making parties financially responsible for unreasonable
claims and defenses will not only release wholly justified victo-
rious parties from their financial burdens, but will also free up
the courts to hear more meritorious cases, ones deserving the
rigors of American justice.

Vale salientar que o arbitramento de honorários sucumben-


ciais não deve ser imposto apenas para o litigante que perde intei-
ramente a ação. É importante, também que ao vencedor/perdedor
parcial seja imputado o pagamento dos honorários advocatícios su-
cumbenciais na proporção em que sucumbir.

Tal medida visa a reprimir o ajuizamento de demandas com


valores inflados, que não representam a realidade do bem jurídico
tutelado pelo processo ajuizado. Sobre o tema, merece destaque a
lição de James R. Maxeiner:
The no-indemnity practice permits, and by permitting encour-
ages, inflating claims, since there is no sanction for parties who
claim a lot and win little or nothing. Wildly inflated claims are
common. I personally was sued for more than $300,000 for a
slip-and-fall accident that occurred in my house and resulted
in medical bills below $20,000; after three depositions the in-
surance company settled for nuisance value of around $7000.
In the most notorious recent case the plaintiff, who happened
to be a judge, sued for $54 million from a drycleaner who lost a
pair of pants. The drycleaner “won”, but only after paying near-
ly $100,000 in non-recoverable legal fees.

Assim, verifica-se que o English Rule, em comparação com o


American Rule, desestimula o ajuizamento de ações judiciais, bem
como estimula a realização de acordos, além de obrigar o deman-

LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi 128


Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

dante a estabelecer seus pedidos com parcimônia e ponderação,


colaborando, assim, com a diminuição dos números de processos
ajuizados.

Aponta-se, ainda, que o arbitramento rígido de honorários


sucumbenciais significativos se mostra como um elemento para
desestímulo das práticas de afronta aos direitos dos cidadãos por
parte das grandes empresas, sobretudo do setor bancários, e dos
órgãos públicos, principalmente, o setor público federal, assim
apontados a União e suas autarquias, com destaque para o INSS –
Instituto Nacional do Seguro Social, litigante recordista no Brasil.

4 Os Honorários Sucumbenciais no Brasil


O Brasil, seguindo a tradição europeia e a tendência de quase
todos os países ocidentais, adota, como regra geral em seu orde-
namento jurídico, o English Rule como forma de distribuição pro-
cessual dos ônus advocatícios. Desta feita, salvo exceções como as
medidas constitucionais (habeas corpus, habeas data, mandado
de segurança, dentre outros), o vencido na demanda judicial deve
pagar honorários advocatícios sucumbenciais ao patrono do ven-
cedor.

O CPC/15 apresentou inovações legislativas, consolidando o


posicionamento jurisprudencial sobre alguns temas e modificando
disciplinamento em outros, mas, sem sombra de dúvidas, veio para
valorizar o trabalho do advogado, figura indispensável para a en-
grenagem do Judiciário, consoante afirmado no art. 133 da Consti-
tuição Federal abaixo transcrito:
CF - Art. 133. O advogado é indispensável à administração da
justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exer-
cício da profissão, nos limites da lei.

Verifica-se, portanto, que a atividade do advogado é de tanta


importância que mereceu destaque na Constituição da República,

LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi 129


Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

sendo indicada como indispensável à administração da justiça,


além de dispor que os atos do causídico no exercício da advocacia
são invioláveis. Uma atividade com tamanha importância deve ser
valorizada e respeitada.

Diante de tal relevância, o CPC/15 tratou dos honorários su-


cumbenciais devidos ao patrono da parte vencedora no processo
judicial em seus arts. 85 (com 19 parágrafos), 86 e 87, adotando
uma postura em que foi diminuído o poder discricionário do ma-
gistrado ao arbitrar o ônus advocatício sucumbencial, visando, as-
sim, garantir a efetiva remuneração dos advogados de forma digna
e condizente com a importância da atividade que exerce.

A mudança de postura se verifica, sobretudo, nos §§ 2º, 3º, 6º,


8º, 11º, 14º e 18º do seu art. 85, os quais dispõem:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao
advogado do vencedor.
(...)
§ 2CPC/2015 Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e
o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do
proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo,
sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I - o grau de zelo do profissional;
II - o lugar de prestação do serviço;
III - a natureza e a importância da causa;
IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para
o seu serviço.
§ 3CPC/2015 Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fi-
xação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos
incisos I a IV do § 2CPC/2015 e os seguintes percentuais:
I - mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da
condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzen-
tos) salários-mínimos;
II - mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor
da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200

LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi 130


Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
(duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mí-
nimos;
III - mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o va-
lor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de
2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salá-
rios-mínimos;
IV - mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o va-
lor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de
20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) sa-
lários-mínimos;
V - mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da
condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000
(cem mil) salários-mínimos.
(...)
§ 5CPC/2015 Quando, conforme o caso, a condenação contra a Fa-
zenda Pública ou o benefício econômico obtido pelo vencedor
ou o valor da causa for superior ao valor previsto no inciso I do
§ 3CPC/2015, a fixação do percentual de honorários deve observar
a faixa inicial e, naquilo que a exceder, a faixa subsequente, e
assim sucessivamente.
§ 6CPC/2015 Os limites e critérios previstos nos §§ 2CPC/2015 e 3CPC/2015
aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da de-
cisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem
resolução de mérito.
(...)
§ 8CPC/2015 Nas causas em que for inestimável ou irrisório o pro-
veito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito
baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equi-
tativa, observando o disposto nos incisos do § 2CPC/2015.
(...)
§ 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários
fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional
realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o
disposto nos §§ 2CPC/2015 a 6CPC/2015, sendo vedado ao tribunal, no
cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do
vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos
§§ 2CPC/2015 e 3CPC/2015 para a fase de conhecimento.
(...)

LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi 131


Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
§ 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm
natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos
oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação
em caso de sucumbência parcial.
(...)
§ 18. Caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao
direito aos honorários ou ao seu valor, é cabível ação autônoma
para sua definição e cobrança.

Nos §§3º e 5º, foram impostas mudanças na forma de arbitra-


mento de honorários em face da Fazenda Pública, pois, na vigência
do CPC/73, era comum o arbitramento de honorários sucumben-
ciais irrisórios em relação à complexidade e o valor envolvido na
demanda. Com tal modificação, o magistrado não poderá arbitrar
tais honorários abaixo do indicado nos incisos do § 3º, cujos valo-
res, por força do §5º, devem ser aplicados de forma cumulativa e
escalonada.

Tal mudança legislativa servirá, sem sombra de dúvida, para


diminuir o ímpeto fazendário em cobrar aos contribuintes de for-
ma desarrazoada e dissociada da legalidade. Um grande exemplo
da sede abusiva da Fazenda Pública é a suscitação da existência de
grupos econômicos supostamente fraudulentos em execuções fis-
cais ajuizadas pela Fazenda Nacional.

Desde o início da década, a Procuradoria da Fazenda Nacional


vem apresentando petições em vários processos de execuções fis-
cais alegando a existência de grupo econômico e pedindo o redire-
cionamento de cada feito para dezenas de outras pessoas, jurídicas
e físicas, algumas delas crianças na época dos fatos geradores e
outras até já falecidas, demonstrando, assim, a falta de acurácia
com que se formulam tais pedidos.

Tais demandas apinham o Poder Judiciário, pois cada execu-


ção fiscal dá ensejo a dezenas de embargos à execução, muitos de-
les plenamente evitáveis se a PFN apenas buscasse redirecionar o
LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi 132
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

feito para quem efetivamente houvesse agido dentre as hipóteses


legais que autoriza o pedido.

A imposição de honorários sucumbenciais à Fazenda Públi-


ca trazida pelo CPC/15 servirá, desta maneira, como medida para
abrandar a ânsia arrecadatória da PFN, pois, caso permaneça en-
volvendo pessoas em execuções fiscais sem que guardem qualquer
relação, sobretudo ilícita, com os valores cobrados, a Fazenda Na-
cional será condenada a pagar as verbas honorárias dos patronos
de cada uma dessas pessoas de forma justa e arbitrada em um per-
centual do valor executado, não em valores irrisórios arbitrados
sem qualquer critério.

O §6º do art. 85 reforça ainda mais o impedimento de arbi-


tramento de honorários sucumbenciais em patamar inferior aos
mínimos estabelecidos nos §§ 2º e 3º do mesmo dispositivo legal.
Nota-se, portanto, a preocupação do legislador em impedir o arbi-
tramento irrisório de honorários não só em demandas que envol-
vam a Fazenda Pública, mas também nas que litigam particulares.

Tal previsão deverá modificar a forma como o Poder Judiciá-


rio arbitra honorários nas demandas de improcedência ou extinção
sem julgamento do mérito, pois, pelo teor do revogado §4º do art.
20 do CPC/7313, em tais casos, a sucumbência deveria ser determi-
nada por equidade. Entretanto, com tal inovação legislativa, so-
mado o fato de que o §8º não reproduziu a totalidade do antigo 4º
do art. 20 do CPC/73 - suprimindo, justamente, o trecho que fala
sobre quando “não houver condenação ou for vencida a Fazenda
Pública, e nas execuções, embargadas ou não” -, o magistrado não
13  CPC/73 - Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as des-
pesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida,
também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria.
(..)
§ 4o Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não
houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas
ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz, atendi-
das as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior.
LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi 133
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

poderá, sob qualquer hipótese, determinar honorários sucumben-


ciais abaixo do mínimo instituído pelos §§ 2º (entre particulares) e
3º (quando a Fazenda Pública estiver envolvida).

A única hipótese de arbitramento de honorários por equidade


se dá quando a causa for inestimável (cujo valor não se pode expri-
mir em pecúnia) ou irrisória. Ou seja, tal forma de arbitramento
será, sempre, para aumentar o valor dos honorários em relação ao
percentual máximo instituído nos §§ 2º e 3º, vez que, se o valor da
causa for muito baixo, o magistrado deve arbitrar os honorários de
forma a recompensar o trabalho despendido pelo patrono vence-
dor.

Tudo isso visa, portanto, a valorização do trabalho do advoga-


do e o impedimento que sejam ajuizadas demandas desnecessárias
e/ou aventureiras, pois, ao contrário do que acontecia na vigência
do CPC/73 (quando não havia a previsão do §6º), mesmo quando
o processo for julgado improcedente (sem condenação) ou extin-
to sem resolução do mérito, a parte sucumbente será condenada a
pagar honorários de, no mínimo, 10% (dez por cento) do valor da
causa ou do benefício econômico em litígio.

Trata-se do fortalecimento do English Rule no sistema jurídico


pátrio, aplicando-o de forma igualitária e indistinta a ambos os po-
los da demanda, sem privilegiar o Autor, como acontecia no Código
Processual revogado, pois, em casos de improcedência, eram co-
mumente arbitrados honorários em patamar irrisórios em relação
aos valores perseguidos na demanda.

Acontecia justamente o contrário do que intenta o English Rule,


pois dava uma proteção ao Demandante para litigar, praticamente,
sem riscos, veja-se: ajuizava uma ação sem ter certeza de seu direi-
to e, se fosse sucumbente, pagaria honorários mínimos - sentença
sem condenação prevista no §4º do art. 20 do CPC/73, porém, se
fosse vencedor, seu patrono receberia honorários de acordo com os
LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi 134
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

percentuais mínimos e máximo (10% e 20%).

Assim, tais modificações são essenciais para efetividade do


sistema de English Rule no Brasil e sua característica de redução
de demandas, sobretudo as frívolas, verdadeiras aventuras jurídi-
cas que eram estimuladas sob a égide do CPC/73.

A análise do §11º do art. 85 consagra, claramente, esse cará-


ter desestimulador de demandas do English Rule, pois, ao arbitrar
honorários em sede recursal, faz com que as Partes, sobretudo os
litigantes em massa, evitem lançar mão de recursos protelatórios,
vez que tal prática lhe trará uma carga condenatória maior.

O mesmo acontece nos juizados especiais ao instituir que ha-


verá imposição de honorários sucumbenciais14 se a parte recorrer
da sentença e for vencido. É uma clara medida de desestímulo ao
recurso manifestamente protelatório, assim como são os honorá-
rios advocatícios em procedimentos fora dos juizados, quando ar-
bitrados de maneira efetiva, independentemente do polo vencedor
da demanda (ativo ou passivo).

Cabe, portanto, ao Poder Judiciário aplicar devidamente as


normas impostas pelo CPC/15 para que o sistema de distribuição
de ônus sucumbenciais adotado pelo Brasil surta os efeitos deseja-
dos como fator de diminuição de demandas e de recursos infunda-
dos ou protelatórios.

5 Conclusões
Ao se analisar a realidade judiciária do Brasil, verifica-se que
o país necessita, urgentemente, fortalecer medidas que visam ao
desestímulo de ajuizamento de demandas temerárias, pois, ao con-
14  Lei nº. 9.099/95 -Art. 55. A sentença de primeiro grau não condenará o vencido
em custas e honorários de advogado, ressalvados os casos de litigância de má-fé. Em
segundo grau, o recorrente, vencido, pagará as custas e honorários de advogado, que
serão fixados entre dez por cento e vinte por cento do valor de condenação ou, não
havendo condenação, do valor corrigido da causa.
LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi 135
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

trário do que comumente se admite, o Poder Judiciário Brasileiro


possui uma altíssima produtividade, julgando milhões de proces-
sos por ano.

Entretanto, o número de processos ativos não diminui (au-


menta, em verdade), porque o número de demandas ajuizadas pelo
brasileiro cresce a cada ano. Assim, mister se faz que sejam imple-
mentadas medidas de desestímulo ao ajuizamento de processos ju-
diciais, obviamente, sem afastar o direito constitucional de acesso
à justiça.

Diante de tal perspectiva, estudam-se os sistemas ocidentais


de distribuição processual de ônus advocatícios, o American Rule
e o English Rule, este último tendo se verificado como um impor-
tante elemento redutor de demandas, sobretudo as frívolas, as cha-
madas aventuras jurídicas.

Com isso, verifica-se que o CPC/15 introduziu modificações


que fortalecem a posição do English Rule no Brasil, evitando, as-
sim, práticas judiciais abusivas e aventureiras, como o redireciona-
mento indiscriminado de execuções fiscais e o ajuizamento teme-
rário de demandas sem sustentação fática ou jurídica.

Na vigência do CPC/73, a Parte Autora, quando vencida, por


não haver condenação (§4º do art. 20 do CPC/73), nem sempre era
condenada ao pagamento dos honorários sucumbenciais com base
no valor econômico da demanda, havendo arbitramento por equi-
dade, o que, na quase totalidade das vezes, correspondia a quantias
irrisórias.

Com o advento do CPC/15, os advogados das Partes Autora e


Ré foram postos em patamar de igualdade, pois, mesmo que o pro-
cesso seja julgado improcedente ou extinto sem resolução do méri-
to, deverão ser respeitados os percentuais mínimos estabelecidos
nos §§2º e 3º do art. 85 do CPC/15.

LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi 136


Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Tal previsão fará com que o Autor analise previamente suas


chances de êxito antes de ajuizar uma ação judicial, evitando, por-
tanto, que se lance mão de aventuras jurídicas. O mesmo acontece
em relação aos recursos protelatórios em decorrência da majoração
dos honorários, quando houver recurso (§11º do art. 85 do CPC/15),
e do arbitramento destes quando o recurso for julgado improce-
dente em sede de juizado (art. 55 da Lei nº.9.099/95.

Verifica-se, portanto, neste trabalho, que o CPC/15 prestou um


favor ao Poder Judiciário ao fortalecer o English Rule no ordena-
mento jurídico brasileiro, cabendo ao referido Poder aplicar a lei de
forma a dar efetividade ao nela disposto, sem relativizar descabi-
damente seu conteúdo, como muitas vezes o faz invocando princí-
pios constitucionais como os da razoabilidade e proporcionalidade
para aplicar honorários em patamares inferiores aos legalmente
previstos.

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LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi 138


Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Os Direitos Sociais Prestacionais : Análise sobre


a atuação do P oder J udiciário nas P olíticas
Sociais
Maíla Nobre Vilela Fortes1

Os direitos sociais são considerados direitos de segunda geração posi-


tivados no artigo 6º da CRFB/88 e que demandam uma atuação eficaz
e contemplativa por parte do Poder Estatal, por meio de recursos pú-
blicos destinados especificamente para esta seara. São de observância
obrigatória, principalmente pelo Executivo e Legislativo. Ocorre que na
maioria das vezes esses poderes encontram-se na esteira da omissão,
deixando de atender o mínimo existencial sob o manto da invocação
da reserva do possível e da escassez de recursos orçamentários. Diante
dessa omissão, o Judiciário é chamado a intervir de forma a obrigar
que o Estado cumpra com as obrigações sociais prestacionais de direitos
dos cidadãos. Esta intervenção é denominada ativismo judicial, o qual,
a despeito das críticas que recebe, tem contribuído para a concretude
dos direitos fundamentais, além de possibilitar que a Constituição seja
interpretada de maneira expansiva.
Palavras-chave: Direitos Sociais – Ativismo Judicial – Judicialização dos
Direitos Sociais – Políticas Públicas.
Sumário: 1. Introdução; 2. A evolução histórica dos direitos sociais: o
contributo do poder judiciário nos direitos fundamentais sociais; 3. Os
fenômenos da judicialização dos direitos sociais e do ativismo judicial:
a relação desse fenômeno com a efetividade desses direitos; 4. Conclu-
são; 5. Referências.

1 Introdução
Há anos o Poder Judiciário tem sido um importante persona-
gem no palco das discussões sobre a implementação das políticas
sociais e de cruciais decisões contemplativas dos direitos funda-
mentais, trazendo para ele a centralização do papel de um dos exe-
cutores dessas políticas, na medida em que sua ingerência na esfe-
ra de atuação do Poder Executivo, faz-se necessária, quando este
se torna omisso em suas obrigações constitucionalmente impostas.

1  Maíla Nobre Vilela Fortes é advogada, formada pela Faculdade de Direito da


Universidade Candido Mendes de Niterói-RJ, pós-graduanda em direito processo
civil contemporâneo pela Universidade Federal de Pernambuco/UFPE e graduada
em Serviço Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora- UFJF/MG.
MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla 139
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Quando se faz referência ao chamado ativismo judicial, admi-


te-se que no Estado Brasileiro a correlação entre atuação desses
dois poderes: o Poder Executivo, responsável constitucional pela
criação e execução das políticas públicas, cuja função precípua é
administrar os interesses públicos de acordo com a Constituição de
1988, e noutro viés, o Poder Judiciário, responsável jurisdicional
pela solução de conflitos, cujo poder-dever é a aplicação do direito
e das normas constitucionais.

Com o advento da Constituição de 1988, vislumbrou-se um


processo de incorporação dos direitos fundamentais como corolá-
rio do Estado Democrático de Direito. Princípios e fundamentos do
Estado foram enraizados no texto Magno, viabilizando aspirações
sociais e maior protagonismo do Poder Judiciário, com a possibili-
dade de ampliação do controle durante a aplicação dos princípios e
fundamentos legitimados pela Constituição de 1988.

O processo de ampliação dos direitos fundamentais expandiu,


também, as ações judiciais pelo país. Esse processo e a adoção pelo
Brasil do Estado Democrático de Direito foram primados princi-
palmente pelo alargamento da proteção dos direitos sociais, carac-
terizado pela ampla força popular.

O escopo do presente artigo declina-se a proporcionar uma


abordagem crítica e social dos fenômenos do ativismo judicial e
da judicialização das políticas públicas sociais no país, buscando
realizar uma interpretação desses fenômenos sob a ótica da Cons-
tituição de 88, além de analisar a legitimação do Poder Judiciário
nas decisões que decorrem sobre garantias de implementação de
políticas sociais diante da omissão e/ou da falha do Poder Executi-
vo na (in) execução de seus deveres.

MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla 140
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

2 A evolução histórica dos direitos sociais: o con-


tributo do poder judiciário nos direitos fundamen-
tais sociais
É de bom alvitre que seja analisado o contexto histórico dos
direitos sociais delimitando-o aos direitos fundamentais, eis que
não há de se falar adequadamente de um assunto, sem antes conhe-
cermos suas origens no passado remoto ou adjacente.

Revela-se dizer que o surgimento, no século XIX, da Revo-


lução Industrial europeia tornou-se fonte inspiradora dos direitos
humanos de segunda dimensão. A ocorrência das condições precá-
rias de trabalho fez surgir movimentos como o Cartista, na Ingla-
terra e a Comuna de Paris em 18482.

Com o deslinde do século XX, tem-se a gênese de novos ato-


res e novas condições que permitiram a concepção desses direitos
bem como seu desenvolvimento. Sob outro prisma constitucional,
o Estado passou a ter papel diverso, cuja função principal era a de
implementador dos direitos sociais, denominados direitos de se-
gunda geração. Com isso, mudou sua atuação de negativa para uma
atuação positiva, agora, na defesa por uma ideal de liberdade3.

A partir da Revolução Industrial, ocorreu a transição do


Estado Liberal para o Estado Social bem como dos movimentos
democráticos, fato que interferiu no poder estatal, passando a re-
conhecer esses direitos bem como a implementá-los objetivamente,
positivando-os e garantindo-os formalmente4.

Nesse deslinde, os direitos sociais tornaram-se espelhos re-


fletores de uma sociedade a qual lutou por séculos na e pela con-

2  BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional., 1997, p. 564.


3  BERNARDES, Wilba. L. Maia. O direito à saúde no Estado democrático de di-
reito, 2013, p. 217.
4  MORETTI, A. Deborah Aline; COSTA, Yvete Flávio da Costa. A importância do
ativismo judicial na implementação dos direitos sociais não implementados pelo
poder público, 2017, p. 116.
MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla 141
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

quista dos movimentos democráticos e das lutas sociais, ocorri-


das entre os séculos XIX e XX, e que decorreram firmemente de
circunstâncias políticas. Com isso, poderosos e políticos tentaram
“barganhar” essas conquistas democráticas, mas não lograram
êxito, em razão das fortes lutas que se sobrepuseram a uma falsa
imagem de um Estado caridoso e benevolente5.

Os direitos sociais são frutos da consolidação do Welfare


State, sob a exigência de um Estado atuante positivamente, no es-
forço de realizar uma isonomia substancial e social amparada em
melhores condições de vida6. São considerados espécies do gêne-
ro direitos e garantias fundamentais, insculpidos no Título II da
Constituição. Para tanto, podem ser contemplados tanto pela via
de litígio individual ou por meio de mandado de injunção ou ação
direta de inconstitucionalidade, nos casos de omissão legislativa.
Esse poder vinculatório dos direitos sociais reforça a exigência
para que o Estado intervenha ativamente no intuito de assegurar
direitos sociais7.

No Brasil, os direitos de cunho fundamental foram eleva-


dos ao patamar de norma constitucional, em que sua decorrência
sobreveio da adoção, pelo país, do Estado Democrático de Direito.
Foram trazidos pela Constituição de 1988 como direitos de apli-
cabilidade imediata, inobstante algumas normas estejam despro-
vidas de densidade normativa, em razão de terem definições mais
abertas, sem apresentar uma exata definição sobre sua efetivação8.
Em vista dessa definição mais aberta é que se dá margem para
o protagonismo do Judiciário, apreciando e estabelecendo sobre

5  Ibidem, p 117.
6  BARROS, Ana Lúcia da Costa. A Efetivação do Controle Judicial sobre os Direi-
tos Sociais Prestacionais. EMERJ. Rio de Janeiro- RJ. 2015. p .17-18.
7  Ibidem, p. 18.
8  MORETTI, A. Deborah Aline; COSTA, Yvete Flávio da Costa. A importância do
ativismo judicial na implementação dos direitos sociais não implementados pelo
poder , 2017, p. 118.
MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla 142
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

como o Poder Público deverá concretizá-los9, bem como atuar na


solução de conflitos diante das omissões10.

A partir da década de 1980, os movimentos sociais se torna-


ram mais evidentes e centralizados nos valores da solidariedade,
distanciando-se dos projetos partidários. Já na década de 1990,
esses movimentos passaram a ter sua própria infraestrutura, dire-
cionando-se para as ações financiadas por organizações não gover-
namentais nacionais e internacionais com a colaboração da própria
comunidade11.

Com o transcurso dos anos, as reivindicações transforma-


ram-se em ações políticas, fruto do intenso exercício da cidadania
ativa, da soberania popular e da participação do povo nas toma-
das de decisões12. Esse processo de movimentação coletiva de lu-
tas fomentou a gênese desses novos atores sociais, que passaram
a representar a classe dos trabalhadores, dos desempregados, mu-
lheres, camponeses, crianças, adolescentes, índios, negros, pobres,
homossexuais etc.13.

Como a consagração dos direitos sociais, no tocante à saú-


de, possibilitou a transformação dos ideais de políticas públicas
que passaram a figurar no centro das discussões e reivindicações
sob a ótica da perspectiva judicial, pois ao estar previsto na Carta
Política de 1988, esses direitos, direta e indiretamente, passaram
a ter o seu exercício assegurado, habilitando o cidadão a buscar
mecanismos constitucionais para torná-lo efetivo utilizando como
instrumento o Poder Judiciário14.

9  Ibidem, p. 118.
10  Ibidem, pp. 118-119.
11  CASTRO, Fernanda Barroso de; MAIA. Diógenes Chritianny. A Efetividade dos
Direitos Sociais e o Ativismo Judicial, 2009, p. 05.
12  Ibidem, p. 05.
13  Ibidem, p. 05.
14  BERNARDES, Wilba. L. Maia. O direito à saúde no Estado democrático de
direito, 2013, p. 218.
MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla 143
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Nesse diapasão, fazemos uma distinção de como o Estado


Liberal atuava e como atua o Estado Social, nos dias atuais. No pri-
meiro, o juiz de forma mecanicista faz tão somente a leitura da lei,
ao passo que no segundo, o juiz faz a leitura ampliada da lei, reali-
zando a subsunção do fato à norma. Partindo dessa nova realidade
é que o Judiciário passa a adotar novos posicionamentos interpre-
tativos do texto constitucional, eis que a Constituição passa a ser
interpretada de forma aberta, abrangente, sublevando princípios
constitucionalmente impostos para a solução dos problemas15.

Com a estabilidade do Estado Liberal alterou-se o dirigismo


estatal, trazendo a concepção da teoria da separação dos poderes.
Em síntese, o Estado passa a ser promotor no atendimento do bem-
-estar comum, contemplando não só formalmente, mas material-
mente os direitos fundamentais sociais sob o prisma da Dignidade
da Pessoa Humana 16.

Oportuno tornar-se a dizer que os direitos sociais estão di-


retamente associados ao Estado de Bem-Estar geral. No direito na-
cional, o direito à saúde, por exemplo, está ligado à Dignidade da
Pessoa Humana, é dizer, uma visão integral do bem-estar físico,
social, emocional e mental 17.

Ramos cita Gomes Canotilho, constatando que os direitos


fundamentais possuem papel de desempenhar funções contrárias,
mas que são frutíferas à reflexão sobre a defesa das prestações so-
ciais18. De outro turno, a Carta de 1988 possui regras de tipos, fun-
ções e naturezas diversas, porque atentam finalidades distintas,
mas que são coordenadas de maneira a se diferenciar os graus de
seus efeitos jurídicos. Por serem direitos catalogados na Constitui-
ção, são direitos fundamentais, insculpidos do Art. 5ª e parágrafo
15  Ibidem, p. 219.
16  Ibidem, p. 219-220.
17  Ibidem, p. 219.
18  RAMOS, Elival da Silva. Controle jurisdicional de Políticas Públicas: a efetiva-
ção dos direitos sociais à luz da constituição brasileira de 1988, 2007, p. 06.
MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla 144
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

primeiro da Magna Carta, por conseguinte são de aplicação ime-


diata e direta19.

Em que pese o artigo 5º tratar dos direitos individuais e


coletivos, não se deve levar a uma conclusão antecipada de que o
artigo 6º que trata dos direitos sociais não é aplicado os direitos
fundamentais, pois os direitos sociais estão inseridos no Título II,
o mesmo título do Art.5º, o que constata a aplicabilidade imediata
desses direitos20.

Ao citar José Afonso da Silva, Barros ainda destaca as clas-


sificações trazidas pelo autor, as quais podem ser classificadas:
[...] em razão de sua eficácia, em três categorias: normas consti-
tucionais de eficácia plena; normas constitucionais de eficácia
contida e normas constitucionais de eficácia limitada ou re-
duzida, sendo esta última dividida em normas definidoras de
princípio institutivo ou organizativo e as definidoras de princí-
pio programático21.

No que tange, especificamente, à aplicabilidade das normas


programáticas, estas por sua vez vertem-se de conteúdos sócio-i-
deológicos da Constituição, é dizer, objetivam os fins colimados
pelo Estado Democrático de Direito. Essas normas são colocadas
no texto constitucional em forma de princípios, visando, a poste-
riori, o desenvolvimento de programas e metas a serem introduzi-
das futuramente22.

Aguiar cita Sarlet e Robert Alexy dividindo em dois grupos


os direitos fundamentais: de um lado os direitos de defesa e de
outro os direitos a prestações de natureza fática e jurídica. Estes
por sua vez,
[...] por englobarem amplo feixe não necessariamente uniforme

19  BARROS, Ana Lúcia da Costa. A Efetivação do Controle Judicial sobre os Direi-
tos Sociais Prestacionais, 2015, pp. 13-19.
20  Ibidem, p. 19.
21  Ibidem, p. 14.
22  Ibidem, p.16.
MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla 145
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
de posições jurídicas – que podem variar quanto ao objeto, des-
tinatário e estrutura normativa–, subdividem-se em dois sub-
grupos, a saber: (1) os direitos a prestações em sentido amplo
(que englobam os direitos de proteção e os direitos à participa-
ção na organização e procedimento) e (2) os direitos a presta-
ções em sentido estrito, isto é, direitos a prestações materiais
sociais,- também, pelos termos “direitos fundamentais sociais”,
“direitos sociais à prestação” ou “direitos sociais prestacionais”
23
.

Nessa linha, a autora esclarece que o sistema constitucio-


nal brasileiro ao tratar os “direitos fundamentais sociais” não es�-
tão restritos somente à sua égide prestacional. Na Carta Política de
1988, os direitos sociais alcançam os direitos que direcionam para
a materialização de princípios como o da isonomia e a mitigação
das discriminações 24.

A Magna Carta de 1988 traz um amplo rol de direitos funda-


mentais de diversas dimensões, consubstanciada no princípio da
Dignidade da Pessoa Humana, fundamento da República Federa-
tiva do Brasil. Direitos que são “interdependes e complementares
entre si, de modo que a dignidade humana só se concretiza com a
efetividade das variadas dimensões dos direitos fundamentais” 25.

Castro e colaborador também citam o conceito de Dignida-


de da Pessoa Humana, sob a ótica de Sarlet, como sendo “um com-
plexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa
contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano”, de
forma a afiançar condições existenciais mínimas para uma vida
saudável 26.

Nesse sentido, afirma-se que o princípio da Dignidade da


Pessoa Humana consiste tanto na garantia negativa, ou seja, a pes-
23  AGUIAR, Maria Madalena Salsa. Controle Judicial de Políticas Públicas no
Brasil, 2010, p. 43.
24  Ibidem, p. 43.
25  CASTRO, Fernanda Barroso de; MAIA. Diógenes Chritianny. A Efetividade dos
Direitos Sociais e o Ativismo Judicial. V Encontro Anual da ANDHEP. 2009. 07.
26  Ibidem, p. 08.
MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla 146
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

soa não será alvo direto e indireto de quaisquer tipos de ofensas


e humilhações, quanto na garantia positiva, de que a pessoa terá
pleno desenvolvimento da personalidade individual. Portanto, esse
princípio impõe um fazer do Estado Democrático de Direito, vincu-
lado às ações integrativas constitucionalmente impostas27.

Nesse diapasão, o princípio da dignidade da pessoa humana


fundamenta o “direito a um padrão mínimo de existência digna,
significando que o indivíduo não pode ser privado do mínimo e,
mais ainda, que goza de direito a prestações que assegurem esse
padrão” 28.

Cumpre ressaltar e destacar a estreita relação dos direitos


sociais fundamentais com o principio da dignidade da pessoa hu-
mana, posicionado na Carta Política de 88. Este, por sua vez é o
elemento basilar do ordenamento jurídico constitucional brasilei-
ro, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil cujo
objetivo é afiançar o “valor da pessoa humana, nessa qualidade de
pessoa, como titular por excelência de direitos e obrigações” 29.

Araújo destaca ainda os ensinamentos de Dantas (2007), no


sentido de que há internamente na CRFB/88 certa hierarquização.
É de se notar que os direitos fundamentais estão num patamar de
ascendência quando comparados com as demais normas constitu-
cionais30. Outrossim, os direitos sociais têm por direcionamento a
conduta positiva tanto por parte do Estado quanto por parte do
particular, numa dimensão de direitos de segunda geração consis-
tente em garantir a efetivação, ainda que minimamente, das liber-
dades concretizadas no ordenamento jurídico constitucional bra-
27  Ibidem, p. 08.
28  Novais apud ARAÚJO, Luiz Henrique Diniz. A efetivação judicial dos direitos
sociais inscritos na constituição da república federativa do Brasil, 2013, p. 64.
29  Alexandrino apud ARAÚJO, Luiz Henrique Diniz. A efetivação judicial dos di-
reitos sociais inscritos na Constituição da República Federativa do Brasil, 2013, p.
49.
30  Dantas apud ARAÚJO, Luiz Henrique Diniz. A efetivação judicial dos direitos
sociais inscritos na Constituição da República Federativa do Brasil, 2013, p. 49.
MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla 147
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

sileiro. 31

Castro e colaborador indagam ainda, que, malgrado as nor-


mas programáticas necessitem de intervenção do Poder Legisla-
tivo, até qual ponto vai a discricionariedade deste e do Executivo
para concretizar tais metas e programas constitucionais. A pro-
gramaticidade de algumas normas de direitos sociais não provoca
a liberdade absoluta dos poderes, eis que, não haveria de se falar
em força normativa e vinculante da Constituição, se assim fosse. 32

Fato que na seara dos direitos sociais objetiva-se à atuação


democrática do julgador e que adquire particularidades. Desta for-
ma, a atuação do Poder Judiciário no cumprimento desses direitos
reflete no significado de democracia e de separação dos poderes,
pois as democracias contidas no mundo moderno são frutos da so-
berania popular, advinda de séculos de lutas e opressões.33

3 Os fenômenos da judicialização dos direitos so-


ciais e do ativismo judicial: a relação desse fenô-
meno com a efetividade desses direitos
Antes de adentrar nas discussões concernentes ao fenômeno
que se deseja descortinar, mister que se extraia dos ensinamentos
de Rossatto a despeito do significado de políticas públicas, cujo en-
cargo é atingir a efetivação de objetivos políticos primordiais, por
meio de um conjunto de ações, intervenções do Estado que
[...] são atos da Administração voltados principalmente para
ações prestacionais de cunho social, ou seja, um grupo de me-
tas coletivas ordenadas no sentido de alcançar objetivos já de-
finidos [...] As políticas públicas podem ser entendidas como
instrumentos de ação dos governos, o que explicaria a maior
importância para a elaboração e fixação de metas a serem cum-
31  Ibidem, p. 45.
32  CASTRO, Fernanda Barroso de; MAIA. Diógenes Chritianny. A Efetividade dos
Direitos Sociais e o Ativismo Judicial, 2009, p. 07.
33  DOMINGUES, Maria de Fátima. Ativismo Judicial e Direitos Fundamentais,
2013, p. 11.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
pridas em determinado lapso temporal34.

Assim, é por meio das políticas públicas que os direitos fun-


damentais são executados, de forma que sejam organizados e
estabelecidas prioridades na implementação correta dos recursos
os quais, do contrário, se não alocados de forma regular, estará
desviando as finalidades precípuas da Constituição e abrindo
espaço para o Judiciário intervir, diante da falha da atuação
positiva do Executivo35.

Segundo os ensinamentos de Barroso, a judicialização está


relacionada a questões de cunhos políticos e sociais, de repercus-
são geral, as quais não são decididas pelas instâncias políticas tra-
dicionais, como o Congresso Nacional e o Poder Executivo, mas
sim pelo Poder Judiciário, de modo a transferir para juízes e tribu-
nais o poder de controle das políticas públicas36.

Em que pese a Constituição Federal de 1988 ter inovado na


adoção dos direitos sociais de aplicabilidade imediata, grande par-
te dessas normas estão desprovidas de densidade normativa, pois
estão incluídas no rol das cláusulas abertas, representando um de-
safio para o Estado em razão de impossibilitarem a concretização
de direitos e das políticas a serem implementadas. Aliado a isso
estão as sérias restrições orçamentárias, pois a máquina estatal
passa a definir o que é necessário e o que não é 37.

Nesse sentido, a Magna Carta, em seu direcionamento jurí-


dico, consubstancia-se na positivação dos direitos, de forma a ali-
34  ROSSATTO, Camila de Bortoli. O Controle Judicial das políticas públicas e a
Implementação dos Direitos Fundamentais Sociais. O Entendimento dos Tribunais
Superiores. Revista Vertentes do Direito. Universidade Federal do Tocantins- TO. V.
2 n. 1. Ano. 2015. 04-05.
35  Ibidem, p. 05.
36  BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade
Democrática. Revista da UERJ. v.5, n.1. 2012. 24.
37  MORETTI, A. Deborah Aline; COSTA, Yvete Flávio da Costa. A importância
do ativismo judicial na implementação dos direitos sociais não implementados
pelo poder público. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais- FDV. V. 17, N. 1.
2017.118.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

mentar a posição ideológica constitucional daquele momento pelo


qual passa a sociedade, levando à congregação pela Constituição
dos preceitos dessa sociedade, sendo, para tanto um fato social 38.

Por outro lado, essas cláusulas abertas dão azo ao Poder Ju-
diciário apreciar a omissão legislativa, estabelecendo como deve
ser concretizada a obrigação social do Poder Público. Conforme se
extrai:
[...] a norma constitucional, em regra, não define como devem
ser esses direitos concretizados pelo Estado, ou qual será a
obrigação de cada um dos entes públicos, é uma norma aberta
e a implementação do direito irá se definir a partir da ação do
legislador infraconstitucional e do Executivo na adoção de po-
líticas públicas 39.

Constata-se, com isso, o estreitamento da relação entre a


política e a justiça. No caso do Brasil, a realidade política e as com-
petências trazidas pela Magna Carta ao Poder Judiciário possibi-
litaram ao Supremo Tribunal Federal maior visibilidade pública,
por meio de manchetes de jornais, redes sociais etc., assim, tal vi-
sibilidade coadjuvou para a transparência e controle das políticas
públicas40.

Mister destacar-se a diferença existente entre a judicializa-


ção e o ativismo judicial. A primeira destaca-se pela transferência
das decisões dos Poderes Legislativo e Executivo, para o Poder Ju-
diciário. Este, por sua vez, passa a estabelecer as normas e condu-
tas que devem ser seguidas pelos demais poderes, é dizer que ques-
tões sociais de cunho político são levadas ao Poder Judiciário41.
38  Araújo apud DANTAS 2013. ARAÚJO, Luiz Henrique Diniz. A efetivação judi-
cial dos direitos sociais inscritos na Constituição da República Federativa do Bra-
sil, 2013, p. 37.
39  MORETTI, A. Deborah Aline; COSTA, Yvete Flávio da Costa. A importância do
ativismo judicial na implementação dos direitos sociais não implementados pelo
poder , 2017, p. 118.
40  BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade
Democrática, 2012, p. 24.
41  GRANJA, Cícero Alexandre, O Ativismo Judicial no Brasil como Mecanismo
para Concretizar Direitos Fundamentais Sociais, 2013, p. 3458.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Ressalta-se que a judicialização possui três grandes causas


trazidas por Barroso. A primeira foi o processo de redemocratiza-
ção do país, tendo seu ponto crucial com a promulgação da Cons-
tituição de 1988. O cunho democrático ampliou a cidadania e a
consciência da população a buscar proteção dos seus direitos na
esfera judiciária. A segunda foi denominada “Constitucionalização
Abrangente”, tendência mundial cujo início se deu com as Cons-
tituições de Portugal (1976) e Espanha (1978). Matérias de cunho
político e legislativo foram trazidas para a Constituição, transfor-
mando a política em direito. A terceira causa é o “’Sistema Brasi-
leiro de Controle de Constitucionalidade’”, tido como híbrido ou
eclético, combinando os sistemas americano e europeu. Diante dis-
so, questões constitucionais e inconstitucionais de cunho moral e
político foram alçadas à Corte Suprema nas decisões42.

Para Barroso, a judicialização e ativismo judicial são paren-


tes. A primeira é um fato decorrente do modelo constitucional que
se adotou no Brasil. A partir da permissão que a norma traz o judi-
ciário passa a conhecer e decidir matérias constitucionalmente im-
postas. Já o ativismo judicial é o modo específico de interpretação
da Constituição de forma expansiva. Geralmente ocorre quando o
Poder Legislativo e Executivo se retraem, coibindo ou se omitindo
no atendimento de forma efetiva das demandas políticas e sociais43.

Segundo o entendimento de Granja, o ativismo judicial se-


ria a criatividade que os tribunais têm e que trazem uma nova con-
tribuição para o direito, decidindo de forma especial sobre o caso
concreto, levando à formação de um precedente na jurisprudên-
cia44.

Com isso, a doutrina estabelece diversos conceitos para o


42  BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade
Democrática, 2012, pp. 18-19.
43  Ibidem, p. 25.
44  GRANJA, Cícero Alexandre, O Ativismo Judicial no Brasil como Mecanismo
para Concretizar Direitos Fundamentais Sociais, 2013, pp. 3457- 3458.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

ativismo judicial. Esse, porém, é uma “postura”, uma opção do juiz


a qual objetiva conceber, por meio da hermenêutica jurídica ex-
pansiva, solidificar o “verdadeiro valor normativo constitucional”,
assegurando o “direito das partes de forma célere, e atendendo às
soluções litigiosas e às necessidades oriundas da lentidão ou omis-
são legislativa e executiva” 45. Assim, é constatado, no âmbito do
direito, que o ativismo judicial é empregado para designar que o
Poder Judiciário age para além dos poderes que lhe foram confe-
ridos46.

Jiménes ao citar Barroso, por sua vez, destaca que o ativis-


mo judicial refletiu a partir da segunda guerra mundial nos países
ocidentais, fruto da evolução da justiça constitucional sobre a égi-
de da política majoritária, é dizer aquela verificada no âmbito do
legislativo e do executivo. A gênese do ativismo judicial é ligada
à jurisprudência norte-americana, a qual num primeiro instante
despontou com uma natureza conservadora47.

Indo mais adiante, Moretti e colaboradores destacam que a


atuação do judiciário tende a flexibilizar a noção do princípio da
separação dos poderes, eis que ao pronunciar-se sobre decisões po-
líticas, econômicas e sociais, direta ou indiretamente estará inter-
ferindo em posições orçamentárias e administrativas. Sendo ne-
cessário, para tanto, uma atuação harmônica entre os poderes com
vistas a atingir as finalidades precípuas do texto Magno48.

Conforme se pode notar o controle por via judicial das polí-


ticas públicas evidencia nova postura do Judiciário em relação ao
Estado Democrático de Direito, que por sua vez tem o escopo de
45  Ibidem, p. 3457.
46  Ibidem, p. 3457.
47 JIMÉNES apud BARROSO 2013. JIMÉNES Hugo Vinicius Castro. O Ativismo
Judicial e a Judicialização da Vida: Novos caminhos e paradigmas para a herme-
nêutica constitucional. UNICAPE. Recife-PE. 2013. 59.
48  MORETTI, A. Deborah Aline; COSTA, Yvete Flávio da Costa. A importância do
ativismo judicial na implementação dos direitos sociais não implementados pelo
poder público, 2017, p. 122.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

valorização da ordem jurídica e da justiça social, por outro prisma,


objetivando a justiça constitucional. Assim, mister notar que o Ju-
diciário não atua por vontade política própria, mas como represen-
tante da vontade popular de forma indireta49. Com isso, o controle
judicial de políticas públicas pressupõe interpretar que o Judiciá-
rio tem “inserção” contemporânea nas conexões entre os poderes
estatais, “de modo que seja capaz de transcender, as funções de
checks and balances, mediante atuação que leve em conta a pers-
pectiva dos valores constitucionais” 50.

Para Bernardes, torna-se inevitável não falar de ativismo


judicial ligado às discussões sobre a judicialização da política, ve-
rificada por meio de uma atuação do Poder Judiciário que pode ul-
trapassar os limites impostos pela Constituição, qual seja a separa-
ção dos poderes51. Por envolver questões de cunho orçamentário de
um lado, num país de plenas desigualdades sociais e financeiras,
unidas ao aspecto de acesso universal à justiça, e de outro, o cunho
político e democrático, a discussão se torna ainda mais acirrada,
haja vista o Poder Judiciário não se vincula ao voto popular, tam-
pouco arcar com os impostos, despesa esta do povo, esbarrando-se,
portanto, na esteira da ilegitimidade democrática daquele poder52.

Bernardes ainda ressalta que um dos argumentos mais uti-


lizados para a intervenção do Poder Judiciário nos direitos sociais
está no fato de que este poder não está só imbricado com questões
orçamentárias e anseios da sociedade a estas questões, mas tam-
bém, de ter reconhecido os seus direitos, e havendo omissão dos
Poderes Públicos é constitucionalmente possível a atuação do Po-

49  BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade


Democrática, 2012, p. 31.
50  AGUIAR, Maria Madalena Salsa. Controle Judicial de Políticas Públicas no
Brasil, 2010. p. 63.
51  BERNARDES, Wilba. L. Maia. O direito à saúde no Estado democrático de
direito, 2013, p. 223.
52  Ibidem, p. 223.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

der Judiciário53.

Registre-se que a concretização dos direitos sociais se dá


por meio das políticas públicas, as quais podem ser compreendidas
como serviços públicos direcionados a uma realidade social. As-
sim, a realização dessas políticas públicas consubstancia-se na ati-
vidade do Estado e maior demanda de recursos orçamentários, que
na grande maioria das vezes encontra-se em escassez, mas sempre
amparado pela justificativa do discurso da reserva do possível, na
qual aduz que o Estado, ao concretizar os direitos sociais por meio
de políticas públicas, encontra barreiras como a limitação de re-
cursos públicos e previsão orçamentária54.

No entendimento de Castro e colaboradores, o Positivismo


afastou o verdadeiro fim da justiça, além da falta de compromisso
dos Poderes Públicos com as necessidades sociais. Novos paradig-
mas foram surgindo, caracterizados pela força normativa e vincu-
lante da Constituição e pela supremacia dos direitos fundamentais
surgidos com a era pós-positivista55. Conforme se nota, o objetivo
fulcral das Constituições modernas é a promoção do bem-estar do
homem, inclusive a brasileira, cujo ponto de partida é assegurar as
condições de dignidade, que, além da proteção dos direitos indivi-
duais, inclui condições materiais mínimas de existência56.

Embora façam parte da mesma órbita jurídica, a judicia-


lização e o ativismo judicial são fenômenos disjuntivos. Aquela
porque é fruto do modelo de Constituição analítica e controle de
constitucionalidade misto adotado no Brasil, assegurando largas
discussões de cunho político e moral nas ações judiciais. Portanto,
53  Ibidem, p. 224.
54  MORETTI, A. Deborah Aline; COSTA, Yvete Flávio da Costa. A importância do
ativismo judicial na implementação dos direitos sociais não implementados pelo
poder público, 2017, p. 128.
55  CASTRO, Fernanda Barroso de; MAIA. Diógenes Chritianny. A Efetividade dos
Direitos Sociais e o Ativismo Judicial, 2009, p. 15.
56  BARROS, Ana Lúcia da Costa. A Efetivação do Controle Judicial sobre os Di-
reitos Sociais Prestacionais, 2015, p. 92.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

ela é a vontade do constituinte57.

Ainda no ativismo judicial há uma postura extensiva na


interpretação da Constituição, alcançando para além do legisla-
dor ordinário. Assume uma postura proativa diante das cláusulas
constitucionais que são bastante abertas e abrangentes. 58 Assim,
havendo manifestação do Poder Legislativo, por meio de uma lei
válida e diferentes possibilidades de interpretação da Constituição,
prevalece a vontade legislador, porque este detém a legitimidade
popular 59.

Essa postura proativa na interpretação da Constituição pos-


sibilitou o alcance e ampliação da atuação do Judiciário na concre-
tização das políticas públicas, sem diminuir, contudo, o processo
de atuação das normas e extraindo o quanto possível a interpreta-
ção do ordenamento jurídico constitucional60.

Para Barroso, o excesso de judicialização se torna problemá-


tico, na medida em que põe em risco a continuidade das políticas
públicas, perturbando a atividade da Administração Pública e obs-
tando a destinação regular de verbas públicas61. O argumento da
jurisprudência no Brasil pode impedir que políticas públicas sejam
devidamente promovidas em razão das diversas decisões políticas,
podendo ensejar a não aplicação dos comandos constitucionais. Ao
conceder privilégios a alguns ou até poucos jurisdicionados torna
prejudicada a execução pelo Executivo de políticas universalizan-
tes62.

57  BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade


DemocráticaCPC/20152012, p. 31.
58  Ibidem, pp. 31-32.
59  Ibidem, p. 31.
60  BARROS, Ana Lúcia da Costa. A Efetivação do Controle Judicial sobre os Di-
reitos Sociais Prestacionais, 2015, p. 91.
61  BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva:
direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atua-
ção judicial, 2009, p. 35.
62  Ibidem, pp. 35-35.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Verifica-se que, diante da postura omissa do Estado, o Po-


der Judiciário passa a ser confrontado para sanar uma parcela des-
sa omissão, assumindo, pois, uma postura ativista ao determinar
que o Estado supra esta lacuna, e assim, assegurando aos que ne-
cessitam o acesso aos direitos sociais. 63

A premissa de que os direitos negativos albergam a liber-


dade, e os positivos, que promovem a igualdade, está prejudicada,
pois todo direito requer uma abrangente e dificultosa atuação do
Estado, “como o direito de propriedade de elevadíssimos custos
para o Estado e isso apenas para fins de proteção daquele direito
na esfera jurídica e patrimonial de um indivíduo” 64.

Revela-se importante o fato de que o tema esposado é um


fenômeno realístico no mundo ocidental atual bem como do Bra-
sil após o advento da Constituição de 88, o qual enseja severas e
necessárias reflexões. Ademais, tanto o ativismo judicial quando a
judicialização dos direitos sociais destacam uma “nova realidade
gerada pelo neoconstitucionalismo a superar as complexidades de
demandas, a mais que ultrapassar a presença de uma anomia” 65.

Assim, é evidente a postura proativa do Judiciário diante da


complexidade das demandas emanadas da sociedade e que corro-
boram para o acesso à justiça de forma igualitária, mas, embora
vermos no Brasil atual um vertiginoso aumento dos poderes dos
Tribunais, não se pode olvidar que estes não têm o poder de criar
as políticas públicas, mas de impor a execução daquelas que estão
previstas no ordenamento infra e constitucional 66.

63  LINS, Liana Cirne. A justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais, 2009,
p. 60.
64  Ibidem, p. 61.
65  JIMÉNES, Hugo Vinicius Castro. O Ativismo Judicial e a Judicialização da
Vida: Novos caminhos e paradigmas para a hermenêutica constitucional, 2013,
pp. 68-69.
66  Ibidem, p. 105.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

4 Conclusão
Na conjectura atual, é possível notar-se que o fenômeno do ati-
vismo judicial é considerado democraticamente possível, em razão
da postura de se operar contra o arbítrio do poder estatal na efe-
tivação dos direitos sociais, não sobrando dúvidas quanto à legiti-
mação do Judiciário na concretização desses direitos, eis que esse
Poder atua de forma a impor o fiel cumprimento do comando Cons-
titucional, com fito de fazer-se atingir o fim precípuo da justiça.

Ademais, não estamos aqui analisando se o Poder Judiciário


pode ou não interferir na alocação das políticas públicas no país,
malgrado seja inquestionável, no que tange à judicialização das
políticas públicas, que a teoria da legitimidade do controle cons-
titucional sagrou-se vitoriosa, conforme os ensinamentos de Bar-
roso (2009). É dizer, segundo os ensinamentos de Rossatto (2015),
o Judiciário surge quando o Estado deixa de executar os comandos
constitucionais para atender ao mínimo necessário à dignidade da
pessoa humana.

Indo de encontro aos ensinamentos de Silva, é preciso que se


tenha tranquilidade para se constatar que o avanço dos direitos
sociais vai além da dependência de uma previsão legislativa, al-
cançando também a boa governabilidade tanto dos recursos pú-
blicos quanto do privado67. Além disso, O dinheiro público quando
bem empregado nas políticas públicas é capaz de gerir e coordenar
ações as quais podem favorecer um ambiente propício para a cons-
trução de grupos e comunidades aliados entre si de forma coope-
rativa e mútua. Esta é uma proposta abordada por Silva , a qual
comungamos da mesma ideia.

Em que pese ser uma proposta que nos parece um pouco dis-
tante, o observatório propõe que a efetivação dos direitos sociais
67  SILVA, Virgínia Xavier Borges. A dimensão prestacional social do mínimo de
existência e a responsabilidade pelo provimento das prestações fáticas dos direitos
sociais, 2011/2012, p. 15.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

encontra-se no impulsionamento do princípio da solidariedade em


que o Estado é considerado o principal destinatário na exigência,
pela sociedade, de se efetivar os direitos fundamentais sociais e
bem-estar social. Tratamos aqui tanto da inquestionável importân-
cia da atuação do Estado, enquanto garantidor do mínimo existen-
cial, quanto de mecanismos de colaborações recíprocas entre os
membros da sociedade68.

Não podemos olvidar que o Judiciário tem como um dos pro-


pósitos a aplicação dos direitos fundamentais, vez ser este o deten-
tor da guarda constitucional. Nada mais natural do que ser ele o
recurso pelo qual a sociedade busca, quando não se encontra alber-
gada pelo mínimo existencial, o qual deveria ser solucionado por
aquele que tem a obrigação de prover.

Assim, o Judiciário “não pode ser menos do que deve ser”.


Com uma atuação consentânea com o que ordena a Constituição de
1988, não deve deixar de defender a aplicação dos direitos sociais
fundamentais. De outro turno, “não deve querer ser mais do que
poder ser” com o fundamento de cevar os direitos fundamentais
para uns em detrimento de outros 69.

Indubitável é o papel da Suprema Corte brasileira, no tocante


às questões políticas e morais na seara atual. Assim, entendemos
que o ativismo judicial traz como elemento marcante uma atuação
mais rígida do Judiciário e de respostas efetivas para aqueles que
buscam, diante da omissão do poder estatal, o mínimo existencial.

Ademais, deve-se interpretar a Constituição de 1988 sob a óti-


ca dos direitos fundamentais ali esposados, assim como o princípio
da dignidade da pessoa humana, que serve de esteio para a reso-
lução das inúmeras controvérsias judiciais, sobre a implementação

68  Ibidem, p. 15-16


69  BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva,
2009, p. 36.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

das políticas públicas sociais no país a partir do judiciário.

Por ora, não se vislumbra nenhuma ingerência do Poder Judi-


ciário na seara dos outros poderes. Não há nenhuma mácula prin-
cipiológica quando se destacar os princípios da separação dos po-
deres e o pacto federativo. Tenha-se presente que o Judiciário atua
diante da omissão do Poder Executivo e do descompasso em que as
políticas públicas sociais têm ou não sido implementadas. Assim,
sua atuação é finalisticamente no sentido de aplicar a lei ao caso
concreto e fazer valer os mandamentos constitucionais impostos,
de modo a evitar o arbítrio entre os três poderes.

É cristalino, portanto, que o Poder Judiciário atua de forma


a albergar a dignidade da pessoa humana, promovendo o mínimo
existencial àqueles legitimados pelo Ordenamento Pátrio de forma
a controlar a execução das políticas públicas as quais são objetos
de atuação do Poder Estatal em sua atividade fim. E, quando este
não o faz, está aquele apto a intervir de forma a atenuar a violação
de um direito.

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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
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MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla 161
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Princípio da cooperação : mudança de paradigma


a partir do CPC/2015
Maria Eduarda Portela1

O presente artigo destina-se a fazer uma reflexão sobre a evolução do


Princípio da Cooperação ou da Colaboração, sob a ótica do Código
de Processo Civil de 2015. Essa análise será realizada através de um
exame crítico da funcionalidade e essencialidade do referido Princípio
na atividade jurisdicional, de modo que, a partir da compreensão des-
te trabalho, o leitor poderá traçar um panorama geral sobre alguns
pontos relevantes. O material elaborado fundamenta-se em pesquisas
bibliográficas de diferentes livros processualistas, julgados atuais sobre
o tema e pesquisas de artigos dispostos em sites de destaque na inter-
net, com o objetivo de alinhar as diversas opiniões acerca do assunto.
Destaca-se que o presente trabalho não será exauriente, mas terá como
escopo a conscientização do leitor sobre a indispensabilidade da coope-
ração em toda a atividade processual.
Palavras-chave: Princípio da Colaboração – Mudança de Paradigma
– Atividade Jurisdicional – Essencialidade da Cooperação – Atividade
Processual.
Sumário: 1. Introdução; 2. Conceito; 3. O Ativismo Judicial e o Dever
de Cooperação; 3.1 Dever de Esclarecimento; 3.2 Dever de Diálogo (ou
consulta); 3.3 Dever de Prevenção; 3.4 Dever de Auxílio; 4. Trilogia dos
Princípios Processuais: Cooperação, Contraditório e Boa-fé Processual;
5. Análise Crítica do Princípio da Cooperação; 6. Conclusões; 7. Refe-
rências.

1 Introdução
Recentemente, a cooperação ou “colaboração” transformou-se em
um dos princípios basilares do Processo Civil Internacional, após a com-
provação de sua eficácia em países Europeus, como Alemanha, França e
Portugal.

Assim, com a finalidade de adaptar o processo aos novos tempos so-


ciais, o legislador brasileiro, por meio do Código de Processo Civil de 2015,
importou o Princípio/Dever de Cooperação para a normativa jurídica na-
cional.

1  Pós-graduanda em Processo Civil na Universidade Federal de Pernambuco -


UFPE. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP.
MMariMaMaria MaMaria 162
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Neste breve artigo serão explanadas as mudanças do Princípio da Co-


operação à luz do Direito Processual Civil Brasileiro, sob a ótica do Poder
Judiciário, com habilidade para envolver as partes na busca de uma maior
celeridade e eficácia processual.

Com a inclusão do Princípio da Colaboração, o Processo Civil mudou


de perspectiva, criando um ambiente favorável para atingir maior eficácia
e decisões mais razoáveis. O artigo 6º do CPC, expressamente dispõe “que
todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obte-
nha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

O referido dever tem sua origem na boa-fé objetiva e no contraditó-


rio, tratando-se, portanto, de um redimensionamento desses princípios.
Em um aspecto positivo, vislumbra-se que o Código incorporou a trilogia
principiológica do contraditório, cooperação e a boa-fé.

Neste sentido, nota-se que, para o deslinde de um processo coopera-


tivo, é imprescindível a atuação leal dos litigantes, possibilitando o diálogo
processual a partir do contraditório e da ampla defesa.

Em suma, com o advento do CPC/2015 o processo deixa de ser um


conjunto de despachos e decisões, para ser um caminho cooperativo e de
comunhão entre as partes. Sob essa ótica, apesar das desavenças, as par-
tes devem possuir uma finalidade única: a busca por um processo justo,
célere e efetivo.

2 Conceito
Conforme já delineado, o CPC 2015 consagrou o Princípio da Coo-
peração no seu artigo 6º: “Todos os sujeitos do processo devem cooperar
entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa
e efetiva”.

O Princípio da Colaboração nada mais é do que a busca pela união


de todos os sujeitos do processo, em todas as fases processuais, com o
objetivo de atingir uma justa composição do litígio, de forma eficaz e em
MMariMaMaria MaMaria 163
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

tempo razoável.

De modo que, para alcançar a justa composição do litígio, o juiz deve


almejar pela verdade real, sem comprometer a duração razoável do pro-
cesso. Nesta senda, entende-se que o Princípio/Dever de Cooperação tem
duas vertentes: a perquirição por decisões acertadas e a perseguição da
eficácia processual.

Salienta-se que, o prolongamento da lide, além de gerar prejuízos


econômicos, causa angustia e atinge a moral das partes. Em contraparti-
da, também não adianta se preocupar com a celeridade processual, sem
garantir a qualidade da decisão.

Outro aspecto importante a ser destrinchado acerca desse conceito


é a extensão do Princípio em questão, no que tange às fases e aos sujei-
tos processuais. Quanto ao alcance das fases, acredita-se que esse dever é
aplicado na atividade processual como um todo, e não apenas em atos iso-
lados. Sob a perspectiva dos sujeitos processuais, depreende-se que todas
as partes envolvidas no processo estão englobadas nessa relação, inclusive
o magistrado, peritos, intérpretes, serventuários, terceiros interessados.

Isso porque, não cabe aos terceiros tumultuar o processo, ao perito


obstaculizar o acesso à perícia, ao juiz (trataremos desse assunto em um
momento oportuno) agir com desídia em relação ao processo.

O artigo 77 do CPC é clarividente ao expor que:


“Art. 77: Além de outros previstos neste Código, são deveres das
partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer
forma participem do processo:
I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes
de que são destituídas de fundamento;
III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessá-
rios à declaração ou à defesa do direito;
IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza
provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;
MMariMaMaria MaMaria 164
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos,
o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações,
atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modifi-
cação temporária ou definitiva;
VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito
litigioso”.

A partir dos estudos da obra do doutrinador Miguel Teixeira1, vis-


lumbra-se que o Princípio da Colaboração tem como escopo transformar
o processo em uma grande comunidade de trabalho, visando imputar res-
ponsabilidade às partes e ao tribunal pelos seus resultados.

Com finalidade de sedimentar o tema, segue entendimento TJ/RS


acerca do assunto:
“Conforme o Princípio da Cooperação positivado no art. 6º do
Novo Código de Processo Civil, às portas de entrar em vigor, é de-
ver dos sujeitos processuais cooperarem entre si para que se ob-
tenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. 3. A
extinção do processo, sem resolução do mérito, tendo por funda-
mento o não cumprimento de ordem judicial a qual a parte veio aos
autos, justamente, manifestar o seu não entendimento quanto ao
que pretendia o juízo, caracteriza violação ao devido processo le-
gal e, por consequência, ao Princípio da Cooperação, base da nova
ordem legal processual civil. Apelação provida. (TJRS, Apelação
Cível Nº 70048521165, Julgado em 08/03/2016).

Em síntese, cooperação é a comunhão dos princípios da economia,


instrumentalidade, celeridade processual, comportamento proativo, da
lealdade, contraditório, entre outros. É a perquirição do formalismo de-
mocrático, como cerne daquilo que é chamado de processo justo.

3 O Ativismo Judicial e o Dever de Cooperação


O Código de 2015 traz um juiz mais ativo, com uma maior partici-
pação. O magistrado deixa a posição de mero espectador e passa a ser
atuante no processo, não dependendo de provocação das partes para se
manifestar.
1  SOUSA, Miguel Teixeira de. Aspectos do Novo Processo Civil Português. Vol. 22,
São Paulo: Revista de Processo, 1997, p. 62.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Com a nova ótica processualista, o magistrado assumiu as duas fun-


ções: de integrante do processo, em que se torna apto a promover o diálo-
go processual, como também de sujeito mais imparcial e neutro ao litígio,
com a capacidade de proferir decisões mais justas.

Em recente decisão, o Tribunal de Minas Gerais se manifestou sobre


a matéria:
“(…) consoante preceitua o princípio da cooperação, o magistrado
também possui relevante papel na condução do processo, de modo
que sua atuação deve se dar de maneira a contribuir com a cele-
ridade e efetividade da tutela jurídica. (TJ-MG Agravo de Instru-
mento 1014513067669800, Data de publicação: 24/03/2015).

A cooperação é um dever para os sujeitos do processo e não um ônus,


o não cumprimento de um ônus é uma faculdade para o seu titular, ao
passo que o descumprimento de um dever gera prejuízo à parte contrária.
O CPC de 2015 elenca alguns deveres para juiz, que são: o dever de preven-
ção, de esclarecimento, de auxílio às partes e de consulta.

Dever de esclarecimento
O dever de esclarecimento versa sobre a possibilidade de questionar
as partes diante de quaisquer dúvidas em suas manifestações, para escla-
recer pontos controvertidos, genéricos ou obscuros.

A partir do CPC/2015, ficou determinado que antes de emitir alguma


decisão que possa influenciar no julgamento da lide, o magistrado deverá
solicitar que as partes apresentem suas manifestações, inclusive quando
se tratar de matéria sobre a qual deva decidir de ofício (vide artigo 9 e 10
do CPC/2015). Um dos exemplos está no artigo 357, § 3º do referido códi-
go, vejamos:
“Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de di-
reito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja
feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se
for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alega-
ções”.

Sob outra ótica, existe também uma perspectiva do dever de escla-


MMariMaMaria MaMaria 166
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

recimento no sentido de que o julgador, para buscar a clareza das partes,


deve antes de tudo ser claro. Para isso, as decisões judiciais devem ser
fundamentadas e motivadas, conforme se observa a partir da leitura do
artigo 489, §§ 1º e 2º do CPC.

Trata-se do cumprimento ao princípio da não surpresa, o qual precei-


tua que o juiz deve inserir os litigantes na busca pela verdade, de modo a
não surpreender os jurisdicionados com “decisões surpresas”.

Exemplos clássicos de “decisões surpresas” são quando o magistrado


indefere provas e no final do processo julga improcedente o pedido da
parte alegando instrução probatória insuficiente, ou quando determina a
emenda da petição inicial, sem esclarecer o porquê dessa decisão.

Além disso, a prolação de sentenças incoerentes, contraditórias ou


desarrazoadas fere o princípio do contraditório. Vejamos julgado pátrio
sobre o tema:
Sentença – Nulidade – Violação Ao Princípio Da Não Surpresa E
Cerceamento De Defesa – A alteração da sistemática de distribui-
ção do ônus da prova, na sentença, viola a garantia da não surpre-
sa, que decorre do princípio do contraditório (artigo CPC/2015,
CPC/2015, da CPC/2015). Ademais, o impedimento de produção
de prova pericial, necessária ao deslinde da controvérsia, pela par-
te a quem o ônus da prova foi imputado na sentença, implica cer-
ceio do direito de defesa e, por isso, torna nulo o julgado proferido
em primeiro grau. (TRT-3 – Recurso Ordinario Trabalhista RO
00788201010803007 0000788-26.2010.5.03.0108 (TRT-3). Data
de publicação: 28/10/2013).

É função do condutor do processo distribuir dinamicamente o ônus


da prova, solicitar esclarecimentos, de modo que todas as dúvidas sejam
sanadas. A participação do magistrado não fere sua isonomia, pelo con-
trário, demonstra o seu interesse na justa condução do processo.

Dever de diálogo (ou de consulta)


O Princípio da Cooperação delimita o caminho a ser percorrido pelo
juiz durante todo o processo, sendo função do julgador aproximar as par-

MMariMaMaria MaMaria 167


Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

tes, envolvendo os litigantes na busca por uma solução efetiva.

Importante destacar que o diálogo é elemento indispensável para a


colaboração. Isso porque, cooperar sempre significa dialogar, no entanto,
o inverso não é verdadeiro, tendo em vista que o princípio do diálogo nem
sempre pressupõe a cooperação.

O diálogo é fundamental, inclusive, para acelerar o curso do proces-


so. Não poucos são os casos em que decisões desacertadas são evitadas,
impactando diretamente na diminuição da interposição de recursos.

Conforme podemos depreender dos ensinamentos do doutrinador


Carlos Alberto Álvaro de Oliveira2 o referido Princípio caracteriza-se pelo
redimensionamento do princípio do contraditório, com a inclusão do
órgão jurisdicional no rol dos sujeitos do diálogo processual e não mais
como um mero espectador do duelo das partes.

Por outro lado, um juiz ativo e próximo das partes pode conscientizá-
-las melhor sobre a vantagem da solução consensual dos conflitos, mini-
mizando os efeitos do litígio. A composição evita dispêndios financeiros e
a perda de tempo decorrente do prolongamento do feito, além de estimu-
lar os litigantes a buscarem um ponto de equilíbrio satisfatório.

Dever de Prevenção
O dever de prevenção preceitua que o magistrado deve advertir as
partes sobre os riscos das estratégias por elas adotadas, intimando-as
para corrigir os defeitos. Assim, sempre que possível, os vícios processu-
ais devem ser sanados, em prol da continuidade do processo. Vejamos o
artigo 321 do CPC:
“O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisi-
tos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades
capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o
autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indi-
cando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.”

2 Apud DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil, 2016, p.123.
MMariMaMaria MaMaria 168
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Outro exemplo bastante utilizado versa sobre o recurso que não po-
derá ser considerado inadmissível sem que antes seja intimado o advoga-
do para a sua correção, de modo a viabilizar o julgamento de mérito da
causa3.

Concretiza-se, assim, o princípio da primazia do mérito contido no


artigo 4º do CPC/2015: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável
a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.

Dever de auxílio
O dever de auxílio preconiza que é função do juiz ajudar as partes, a
partir da flexibilização do exercício dos atos processuais. Considere-se a
ampliação de prazos, quando houver obstáculos para o cumprimento do
prazo legal (art. 139, VI, e art. 437, § 2º do CPC/15), a relativização para a
inversão da ordem das provas (art. 139, VI do CPC/15), entre outros.

Com o advento do CPC 2015, o julgador passou a adotar uma postura


mais ativa, assumindo providências e realizando diligencias, ou seja, pres-
tando auxílio perante as dificuldades que possam comprometer o desen-
volvimento regular do processo.

Por fim, importante sedimentar que o condutor do processo, ao exe-


cutar o dever de auxílio, continua sendo neutro e imparcial, tendo em vis-
ta que ao ser menos rígido o magistrado evita a extinção prematura da
causa.

4 Trilogia dos Princípios Processuais: Cooperação,


Contraditório e Boa-fé Processual
O contraditório e a boa-fé processual estão intimamente ligados à co-
laboração. A melhor doutrina acredita que a origem do Princípio da Co-
operação está pautada na lealdade, probidade e contraditório. Portanto,
sob esse paradigma, foi desenvolvida a trilogia processual (tema que será
abordado neste tópico).

3  Vide artigo 932 do CPC/15.


MMariMaMaria MaMaria 169
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

É cediço que o juiz deve zelar pelo direito do réu de ser ouvido, sendo
este um instrumento que viabiliza o diálogo. Sob essa perspectiva, pauta-
se o Princípio da Cooperação, pois a verdade somente poderá ser alcança-
da se as partes exercerem o crivo do contraditório e da ampla defesa.

A boa-fé, por sua vez, também possui estrita ligação com o Princí-
pio da Colaboração, tendo em vista que apregoam a atuação das partes
pautada na probidade, ética e lealdade, pré-requisitos para uma prestação
jurisdicional satisfatória. A cooperação, portanto, relaciona-se com a boa-
fé objetiva para uma atuação limpa dos litigantes, reprovando-se o uso de
artifícios capazes de distorcer a realidade processual.

Em síntese, a união desses princípios relatados aumenta a aplicabi-


lidade do condutor do processo para o resultado efetivo da lide, a partir
da criação de uma adequada fundamentação e da participação ativa do
contraditório e da perquirição dos preceitos éticos.

5 Análise crítica do Princípio da Cooperação


O legislador pecou ao desnudar o Princípio da Cooperação, deixando
a cargo da doutrina. Desse modo, concedeu-se margem para diversas in-
terpretações acerca do tema, conforme será analisado a seguir.

O primeiro aspecto a ser destacado discorre sobre a divergência de


opiniões dos doutrinadores com relação a esse princípio se dar “entre as
partes”. Alguns críticos acreditam que o referido dispositivo está distorci-
do da realidade, isso porque defendem que o dever de colaboração é mais
voltado ao juiz do que para as partes, a partir dos deveres de esclareci-
mento, prevenção, consulta e auxílio.

Há também quem defenda que a cooperação ocorre somente entre as


partes, e há quem acredite que a cooperação é das partes com o juiz e do
juiz com as partes. A doutrina majoritária defende que a cooperação deve
ocorrer nos órgãos do poder judiciário entre si, mas também em relação
às partes.

MMariMaMaria MaMaria 170


Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Com base no entendimento do jurista Mitidiero4, ressaltamos que o


Dever de Cooperação deve ocorrer somente entre as partes e o juiz, isto
é, entre as partes deve apenas haver boa-fé, pois na visão desse autor, as
partes perseguem interesses divergentes no processo.

Sobre outro viés, a crítica alega que esse Princípio é utópico e idealis-
ta, sob o fundamento de que as partes não estão no processo para coope-
rar, estão em posições antagônicas, com a finalidade de lutar pelos seus
direitos. Alguns doutrinadores, como Lenio Luiz Streck E Francisco José
Borges Motta5 acreditam que não é constitucional atribuir aos litigantes o
dever de colaborar entre si, sob pena de privá-los da liberdade de disputar,
transformando-os em meros instrumentos a serviço do juiz.

Portanto, para os doutrinadores mais críticos, o artigo 6º do CPC


deve ser lido levando-se essa realidade em vista. Não se pode descartar
a ótica litigiosa do processo, por isso não se pode dizer que o processo se
trata de uma “guerra” entre os litigantes, mas também não há que se falar
em “paridade de armas”.

6 Conclusão
O presente artigo foi proposto com a finalidade de demonstrar a
relevância da aplicação do Princípio da Cooperação no Novo Sistema Pro-
cessual Brasileiro, a partir da necessidade de sujeitos processuais mais
participativos. Com a colaboração, o juiz deixa de ser o único responsável
por suas manifestações, todas as decisões judiciais passam a ser resultado
de uma comunhão entre as partes.

Não se buscou com esse artigo demonstrar que, por meio da coo-
peração processual, as partes convivam em uma harmonia perfeita. Tra-
ta-se de conscientizar o leitor sobre a necessidade da colaboração para o
alcance de uma decisão mais justa e efetiva, a partir de uma simples con-
tribuição entre todos os sujeitos envolvidos no processo.
4  MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil, 2015, p. 114.
5  Cf. STRECK, Lenio Luiz; MOTTA, Francisco José Borges. Um debate com (e so-
bre) o formalismo-valorativo de Daniel Mitidiero, 2012, p. 13.
MMariMaMaria MaMaria 171
O fato de estar em campos opostos não inviabiliza o exercício da
participação e solidariedade no processo. Não se acredita, aqui, que uma
parte irá auxiliar para que a parte contrária seja beneficiada, pelo con-
trário, todos têm o direito/dever de lutar pelos seus direitos. Entretanto,
as litigantes não devem causar tumulto, agir com desídia processual ou
utilizar de meios ardilosos para prejudicar a parte contrária. Destaque-se:
não se fala aqui em beneficiar a parte contrária, mas em não agir de modo
a prejudicá-la.

Em suma, a cooperação não exige que as partes esqueçam os in-


teresses pelos quais procuraram o Poder Judiciário, mas que elas contri-
buam para um processo mais eficaz, ou seja, para a construção de uma
decisão final mais justa, célere e razoável.

7 Referências
SOUSA, Miguel Teixeira de. Aspectos do Novo Processo Civil Português. Vol. 22,
São Paulo: Revista de Processo, 1997.
MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil. 3ª ed. São Paulo: Saraiva,
2015.
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito
processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 18ª ed. Salvador: 2016.
STRECK, Lenio Luiz; MOTTA, Francisco José Borges. “Um debate com (e sobre) o
formalismo-valorativo de Daniel Mitidiero, ou ‘colaboração no processo civil’ é um
princípio?”. In: Revista de Processo, v. 213, 2012.
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Modelo cooperativo de processo


Mariana Dardenne1

Discorre-se acerca do modelo cooperativo de processo, o qual já cons-


tava do extrato constitucional desde a Carta Magna de 1988, no en-
tanto foi contemplado expressamente, no direito brasileiro, apenas com
a edição do Código de Processo de 2015 que trouxe em suas normas
fundamentais o princípio da colaboração. O diploma estruturou-se in-
teiramente sobre tal princípio. Tal modelo, conforme aqui tratado, é o
que melhor se coaduna com um Estado Democrático de Direito e seus
pilares.
Palavras-chave: Modelo Cooperativo de Processo – Princípio da Coope-
ração – Deveres Cooperativos.
Sumário: 1. Introdução; 2. Fases Metodológicas do Processo; 3. Mode-
los Processuais; 4. Modelo Cooperativo e o Novo Código de Processo
– Deveres de Cooperação; 5. Considerações Finais; 6. Referências.

1 Introdução
O Código de Processo Civil de 2015, profundamente influenciado
pela Constituição Federal de 1988, foi inteiramente moldado pelo prin-
cípio da colaboração, do qual decorre o dever de cooperação, expressa-
mente previsto em suas normas fundamentais, sendo, por conseguinte,
o modelo do novo processo civil um modelo cooperativo.

Daí decorre deveres para todos os sujeitos processuais a serem ob-


servados no bojo do processo, ensejando a participação efetiva de todos
no desenrolar processual para a construção de um ato final: a decisão.

Nesse viés, sob um novo paradigma expressamente encampado


pelo diploma processual vigente, embora esse modelo de processo co-
operativo já estivesse no extrato constitucional, de suma importância
compreender as bases sobre as quais é lançado, as mudanças acarreta-
das e o contexto no qual é inserido.

1  Bacharela em Direito pela UNICAP. Advogada. Pós-graduanda em Processo Ci-


vil Contemporâneo pela UFPE. Pós-graduada em Direito do Trabalho pela Univer-
sidade de Coimbra-PT.
MMarianMaMariana 173
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Prima o processo cooperativo por um modelo democrático, com-


participativo, por um lado estimulando o diálogo entre as partes e o juiz
com o redimensionamento do contraditório, o qual, aqui, é amplamente
fortalecido; por outro, estabelecendo deveres de cooperação e alçando
todos os agentes à condição de protagonistas na condução do processo;
melhor dizendo, não há protagonismo de nenhum sujeito nessa condu-
ção, havendo, no processo civil, uma divisão equilibrada de trabalho
entre eles.

Nesse sentido, abandona o código o paradigma de que o processo


é um ambiente de guerra e hostilidade, traz o dever de todos contribuí-
rem para o seu deslinde de maneira participativa e leal, remodelando o
papel dos próprios sujeitos, inclusive do magistrado.

Em suma, o modelo cooperativo de processo traz uma condução


em que impera o equilíbrio (sem protagonismos), a lealdade e o diálogo
entre partes e juiz, sendo que todos os sujeitos no processo devem coo-
perar entre si nessa nova condução processual. Nesse contexto, surge o
novo princípio da colaboração, que tem por objeto a transformação do
processo em um ambiente de cooperação, dizendo-se, por isso, que os
princípios da boa-fé e do contraditório são as suas matrizes.

Nessa toada, apresenta-se o processo cooperativo como um modelo


de processo civil contemporâneo alinhado às exigências de um Estado
Democrático de Direito e estruturado a partir do formalismo-valorati-
vo ou neoprocessualismo, no qual se deu a reconstrução da ciência do
processo através de sua compreensão vinda de uma série de transfor-
mações no pensamento jurídico.

2 Fases Metodológicas do Processo Civil


Historicamente, diz-se que a evolução do processo civil se deu em
quatro fases distintas, havendo, em um primeiro momento, a fase do
praxismo ou imanentismo, em que o direito processual não detinha au-
tonomia, ou seja, não havia distinção entre direito material e direito
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

processual.

Em seguida, veio o processualismo. Aqui, o processo era tido como


um mero encadear de formalidades previstas em lei. Nessa fase, o pro-
cesso ganha autonomia científica e passa a distinguir-se do direito ma-
terial como ciência autônoma. Neste sentir, surgem diversas teorias so-
bre o processo e há grande preocupação com a definição de conceitos.

A terceira fase evolutiva do processo civil, o instrumentalismo,


não reviu as bases conceituais anteriormente firmadas, também não
negando as conquistas da fase antecedente. Preocupa-se com acesso à
justiça, efetividade do processo, tutela dos novos direitos (personalida-
de, coletivos). São preocupações mais sociais, concretas, aproximando
o processo do direito material no contexto histórico pós segunda guerra
mundial. O processo é tido como instrumento para realização do di-
reito material. No entanto, há ainda grande enfoque no positivismo. O
Código de Processo Civil anterior foi criado nessa perspectiva.

Chegando na quarta e atual fase desse processo evolutivo, tem-se o


formalismo-valorativo ou neoprocessualismo no qual o processo passa
a ser visto para além da técnica, sendo essa apenas um meio para atin-
gir-se o fim. Aqui, o processo preocupa-se com a própria concretização
da justiça e não somente com o exercício do direito material, recebendo
especial atenção os direitos fundamentais tutelados no bojo do proces-
so.

Nas palavras de Oliveira:


“O processo é visto para além da técnica, como fenômeno cultu-
ral, produto do homem e não da natureza. Nele os valores consti-
tucionais, principalmente o da efetividade e o da segurança, dão
lugar a direitos fundamentais, com características de normas
principiais”.2

Destarte, direciona-se o formalismo-valorativo a valores como jus-

2  OLIVEIRA. Carlos Alberto Álvaro de. Do formalismo no processo civil. 3. ed.


São Paulo: Saraiva, 2009.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

tiça, segurança e efetividade buscando conferir-se um olhar neocons-


titucionalista ao processo. A constituição, com sua força normativa,
irradia para todo o ordenamento jurídico os seus valores, inclusive, ob-
viamente, para o processo civil. Longe de ser o único ou principal enfo-
que do formalismo-valorativo as formalidades do procedimento, consi-
derando-se, também, a delimitação dos poderes, faculdades e deveres
dos sujeitos processuais, coordenação de sua atividade, ordenação do
procedimento e organização do processo visando ao atendimento de
suas finalidades primeiras.

Nesta seara, surge o processo cooperativo como um modelo demo-


crático de processo e sobre o qual o processo civil deve estruturar-se,
o que o fez o novo código alinhado inteiramente com o escopo consti-
tucional.

3 Modelos Processuais
O processo civil enquanto fenômeno cultural sofreu inúmeras mu-
tações de acordo com a organização política e social de cada época. As-
sim, variou, ao longo da história jurídica e a cada modelo processual
predominante em dado espaço temporal, o papel estabelecido para os
juízes e para as partes, acerca da “divisão de trabalho” no processo a
eles conferida.

Tradicionalmente, a doutrina costuma identificar dois modelos


de processo, na civilização ocidental, influenciados pelo iluminismo: o
modelo dispositivo e o modelo inquisitivo, conforme assevera Fredie
Didier3. Há, recentemente, um terceiro modelo, o cooperativo.

Veja-se que no modelo dispositivo ou adversarial, o foco do desen-


volvimento processual está sob a batuta das partes, de modo que o ór-
gão jurisdicional é, aqui, relativamente passivo, havendo uma disputa,
uma competição entre as partes e àquele é dada a função apenas de
decidir, ao final, de acordo com o que fora apresentado pelas partes.
3  DIDIER JR., Fredie. Os Três Modelos de Direito Processual, 2011.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

O julgador assume uma posição de mero espectador no desenrolar da


lide. Por esse motivo, impera o princípio dispositivo, tendo em vista os
amplos poderes conferidos às partes.

Sob outro ângulo, está o modelo inquisitivo, no qual o protagonis-


mo da marcha processual recai sobre o juiz e as partes agem apenas
como se realizassem a uma consulta àquele, a uma pesquisa oficial, im-
perando, aqui, o princípio inquisitivo.

Em suma, quando os poderes forem atribuídos mais às partes ou


ao órgão jurisdicional tem-se o modelo adversarial ou inquisitivo, res-
pectivamente. Em ambos os modelos não há valorização do diálogo,
mas sim uma preponderância exacerbada na condução do processo,
seja das partes, seja do julgador, conforme o caso.

Eis que surge um terceiro modelo, o modelo cooperativo de pro-


cesso, no qual não há protagonismos entre os sujeitos processuais, com
uma visão moderna dos princípios do contraditório e da boa-fé pro-
cessual. Partes e juiz conduzem o processo de forma cooperativa, cabe
ainda que apenas àquele a tarefa de proferir a decisão, vez que o poder-
-dever de julgar é exclusivo do órgão jurisdicional.

Assim, há uma relação paritária no desenrolar processual até o


momento de prolação da decisão, ou seja, o órgão jurisdicional é pari-
tário na condução do processo e assimétrico no instante de proferir o
julgado.

Nessa forma de condução processual contempla-se a democracia


participativa no processo, como exercício de cidadania, inclusive de
natureza processual, tendo-se um processo jurisdicional democrático,
produto da atividade cooperativa triangular das partes e do magistra-
do.

O magistrado assume posição colaborativa no processo, como


agente colaborador, participante ativo no contraditório e não de mero
fiscal do procedimento, conduzindo ao diálogo entre e com as partes,
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

passando a figurar como ente que concretiza as regras em favor de um


processo justo, fortalecido pelo contraditório e análise intrínseca dos
fatos.

Nesse contexto, assume o processo civil uma posição de interação


com a constituição e sob essa nova ótica surge o modelo cooperativo
de processo. Com o processo civil constitucionalizado, há um encade-
amento lógico entre o Estado Democrático de Direito – princípio da
cooperação e a responsabilidade dos sujeitos processuais, ou melhor,
uma redefinição das posturas adotadas por cada um deles.

Destarte, os princípios do devido processo legal, da boa-fé pro-


cessual e do contraditório, juntos, servem de base para o surgimento
de outro princípio do processo: o princípio da cooperação, consoante
continua Fredie Didier, sobre o qual estrutura-se o código processual
vigente no direito brasileiro.

Nessa concepção, afasta-se a ideia reducionista do contraditório


apenas como meio de defesa, no sentido negativo de oposição e resis-
tência, cedendo lugar à ideia de influência no sentido positivo de atua-
ção direta das partes no desenrolar processual.

Há um redimensionamento do contraditório, repise-se, e o juiz é


incluído no rol dos sujeitos do diálogo processual e não atua mais como
espectador do duelo entre as partes.

Nesse viés, o modelo comparticipativo passa a ser o mais adequado


para uma democracia, como técnica de construção de um processo civil
democrático e alinhado à constituição. O contraditório passa a ser ele-
mento essencial e fator de legitimação democrática do processo e não
apenas uma formalidade a ser cumprida.

O diálogo é o principal instrumento desse modelo de processo, uma


vez que possibilita a participação das partes, estabelece um contraditó-
rio efetivo e auxilia na formação da decisão. A partir dele, o julgador
conduz o processo isonomicamente, coopera com as partes e assume os
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

respectivos deveres de cooperação, buscando atingir um resultado útil


para o processo.

No que tange à boa-fé, a aqui tratada é a boa-fé processual objetiva,


segundo a qual é dever de todos, que atuem no processo, de qualquer
forma, agir de boa-fé, estando, inclusive, positivada no diploma vigente
em seu art. 5º. Observe-se que é norma de conduta, comportamento
a ser adotado que exige uma atuação leal dos litigantes dispensando a
análise de suas intenções, exame necessário apenas para a aferição da
boa-fé subjetiva. Trata-se, pois, de cláusula geral.

Tal implica manejar conceitos como lealdade, razoabilidade, con-


fiança, estabilidade, eticidade e segurança. Tem o dever de atuar de
modo a não trair a razoável confiança do outro, constituindo o padrão
de comportamento comum que se espera do homem médio em deter-
minada situação.

Nesse passo, Pablo Stolze e Salomão Viana:


“Um comportamento de acordo com a boa-fé objetiva, pois, é
aquele que não trai a confiança razoavelmente depositada, revela
a lealdade que se pode esperar de um homem médio, mantém-se
nos limites dos critérios de razoabilidade que, em dado momen-
to, são os predominantes na comunidade integrada pelo agente e,
por tudo isto, gera estabilidade e segurança”4

Essa é a concepção de boa-fé objetiva contemplada no novo pro-


cesso civil.

Como terceiro arcabouço do princípio da colaboração, está o prin-


cípio do devido processo legal. O que se entende por devido processo
legal variou ao longo da história de acordo com os recortes temporal
e espacial, como cláusula geral que é. Atualmente, impõe que o pro-
cesso seja algo a mais do que uma simples ordenação de atos e formas,
trazendo em si, a um só tempo, garantias às partes para que auxiliem
na marcha processual, influenciando ao final a decisão a ser proferida,

4  GAGLIANO, Pablo Stolze. VIANA, Salomão. Boa-Fé Objetiva Processual.


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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

traduzindo garantia ao exercício da jurisdição, que deve ser pautado na


justiça e na honestidade, características inerentes à atuação estatal, em
suas diversas facetas.

Por conseguinte, pelo devido processo legal, o processo deve ser


concebido como consentâneo da democracia e de todas as garantias
democráticas asseguradas pelo Estado Democrático de Direito que o
Brasil é. Exige-se, pois, que o processo atenda às regularidades formais
que lhes são impostas, mas também respeite os direitos fundamentais
no seio da relação processual. A cooperação tem alicerce no devido pro-
cesso legal.

Nesse ínterim, com esses três princípios basilares juntos e remo-


delados, cria-se o ambiente para o surgimento do princípio da colabo-
ração que, a despeito de anteriormente não se encontrar positivado,
tratava-se de princípio implícito na Carta Magna, sem prejuízo de sua
eficácia normativa.

Desse modo, o processo civil contemporâneo ergue-se sobre o pi-


lar do princípio da cooperação e do modelo cooperativo de processo,
sendo esse o modelo mais alinhado à constituição, onde encontra seus
fundamentos e toma suas diretrizes, surgindo daí deveres tanto para as
partes, como para o julgador.

4 Modelo Cooperativo de Processo e o Código de


Processo Civil de 2015 – Deveres de Cooperação
Como visto, o código processual civil vigente estruturou-se inteira-
mente sobre o princípio da colaboração resultado de uma nova leitura
de princípios constitucionais já conhecidos, o qual restou expressamen-
te previsto em suas normas fundamentais, art. 6º:
Art. 6ºCPC/2015Todos os sujeitos do processo devem cooperar en-
tre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito
justa e efetiva.5

5  NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil, 2016.


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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Registra-se que referido princípio não constava de forma expressa


do diploma processual anterior, o que se explica tendo em vista ter sido
editado antes da Constituição Federal de 1988, não obstante o código
revogado já previsse, em seu artigo 339, que ninguém se exime de cola-
borar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade, dispo-
sitivo que foi reproduzido integralmente pelo código no artigo 378. No
entanto, o princípio da colaboração, tal como posto no artigo 6º supra,
exige que todos os sujeitos do processo, inclusive o magistrado, coo-
perem entre si para que se obtenha uma solução com efetividade e em
tempo razoável. Nota-se que é muito mais abrangente e impactante do
que o previsto no artigo 339 do código vencido, sendo, mesmo, coisas
distintas.

Nesse panorama, surgem, na seara processual, deveres de coope-


ração para todos os sujeitos processuais. Para o magistrado os deveres
de esclarecimento, diálogo, prevenção e auxílio; para as partes os deve-
res de esclarecimento, lealdade e proteção.

Primeiramente, pretende o artigo 6º estimular o diálogo entre o


juiz e as partes, saindo àquele de mero agente espectador para um agen-
te que deve tentar aproximar as partes, estimular a reflexão e inseri-las
em uma busca da justa e efetiva solução, não surpreendendo àquelas
com “decisões surpresas”.

Nesse passo, tem o magistrado o dever de esclarecer-se junto às


partes quanto às alegações, fatos ou pedidos que lhes tenham deixa-
do dúvidas, a fim de evitara tomada de decisões com base em falta de
informações, ou informações ambíguas e sem total clareza; como tam-
bém deve esclarecer as partes no tocante aos seus pronunciamentos,
sendo cediço que tal dever decorre do dever de motivar, garantia pro-
cessual já consolidada historicamente.

Nota-se, pois, que o dever de esclarecimento é um dever de todos,


tanto das partes, como do magistrado.

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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Desse cenário decorre, ainda, para o órgão julgador o dever de con-


sulta (diálogo), pelo qual ele não pode decidir com base em questão de
fato ou de direito, ainda que cognoscível de ofício, sem antes ouvir as
partes. Tal consta explicitamente no código, em seu artigo 10º, através
do qual se proíbem as chamadas “decisões surpresas”. Novamente, con-
sagra-se o contraditório como uma das pedras fundantes desse modelo
processual.

Ademais, tem o órgão julgador o dever de prevenção, ou seja, o de-


ver de advertir as partes quanto ao seu comportamento ou uso inade-
quado do processo e suas consequências, ou seja, o dever de prevenir
as partes sobre eventuais deficiências em suas alegações ou pedidos
intimando-as a supri-los, podendo, também, sugerir-lhes conduta a ser
adotada. Exemplo desse dever é o dever de intimar a parte para emen-
dar sua exordial antes de indeferi-la de plano, conforme o artigo 321 do
código vigente.

Por fim, tem-se para o juiz o dever de auxílio, em razão da qual


deve o magistrado auxiliar as partes na superação de eventuais difi-
culdades para comprovação do seu direito, aproximando o processo da
verdade material.

Desse ambiente cooperativo, decorrem, também, deveres para as


partes. O dever de esclarecimento, tanto das partes e do magistrado,
como acima discorrido, assim como os deveres de lealdade e proteção
que derivam diretamente do princípio da boa-fé processual objetiva,
positivadada no artigo 5º do diploma processual. Assim, não pode uma
parte causar danos à outra, havendo punições estabelecidas no código
processual, bem como não devem as partes litigar de má-fé.

O espírito do novel diploma é alçar a ética, lealdade e honestidade


como standards de conduta facilitando a gestão do processo pelo juiz e
permitindo que se chegue a uma solução mais justa.

Exige-se como comportamento uma atuação limpa das partes de

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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

forma a reprovar-se a utilização de artifícios para distorcer os fatos e


retardar a prestação jurisdicional, sendo a boa-fé processual objetiva
norma de conduta expressamente exigida no código. Registre-se, por
exemplo, o § 1º do art. 77 do código vigente, que trata dos deveres das
partes em total consonância com o princípio colaborativo e um proces-
so cooperativo.

Pela boa fé objetiva, são vedados institutos como o “venire contra


factum proprium”, ou seja, proibição de comportamento contraditório
e seus derivados lógicos da supressio, surrectio e tu quoque.

Veja que, na verdade, o código em vigor nada mais fez do que ex-
plicitar conteúdos que, de acordo com a melhor doutrina, são corolários
da exegese democrática de garantias constitucionais já postas explícita
ou implicitamente. na Carta de 1988.

Diante dessa perspectiva, na qual o código é desenhado e embasa


sua estrutura, o atual modelo de processo traz em seu bojo vários insti-
tutos cooperativos, dentre os quais, a título de exemplo, o saneamento
compartilhado, novidade trazida pelo novel diploma, vez que no código
processual anterior a decisão de saneamento era proferida de maneira
solitária pelo juiz.

Dessarte, o diploma processual traz as partes para junto na organi-


zação do processo, assim como para a resolução de questões pendentes
e pontos controvertidos, conforme a dicção do § 2º do art. 357:
§ 2CPC/2015As partes podem apresentar ao juiz, para homologação,
delimitação consensual das questões de fato e de direito a que
se referem os incisos II e IV, a qual, se homologada, vincula as
partes e o juiz6

Por tal dispositivo as partes podem apresentar negócio jurídico


processual para delimitação das questões de fato e de direito, o que, de
outra forma, seria delimitado exclusivamente pelo magistrado. Tem-se,
aqui, claramente, o princípio da cooperação de partes e juiz na condu-
6  NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil, 2016.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

ção do processo, contemplado no modelo cooperativo.

Mais evidente é o § 3º do mesmo dispositivo:


§ 3CPC/2015Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato
ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o sanea-
mento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em
que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou escla-
recer suas alegações.7

Nota-se que o preceito legal retro diz que o juiz deve chamar as
partes para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes
em audiência. Novamente, consagrando a cooperação como pilar do có-
digo. Nessa audiência o magistrado e as partes exercerão todos os de-
veres cooperativos de lhes cabem: esclarecimento, prevenção, consulta,
auxílio, lealdade e proteção.

Ademais, não se olvide o calendário processual previsto no art. 191


do código, no mesmo ideário cooperativo de processo:
Art. 191. De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar ca-
lendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso8.

Pelo modelo cooperativo, reforça-se, ainda, o aproveitamento dos


atos processuais tanto quanto possível, primando-se pelo resultado útil
do processo, ou seja, por uma decisão de mérito e em tempo razoável.
Nesse sentido, prevê o código que se tratando de defeitos sanáveis, se-
jam as partes intimadas para supri-los e, apenas no caso de não o faze-
rem, seja o processo extinto sem resolução de mérito.

Assim, vê-se que o código está integralmente permeado de dispo-


sitivos que incorporaram o ideal cooperativo de processo evidenciando
as bases sobre as quais foi erguida a nova processualística, inauguran-
do um novo paradigma de “se fazer processo”.

7  NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil, 2016.


8  NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil, 2016.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

5 Considerações Finais
Ante o exposto, verifica-se que, de fato, o modelo cooperativo de
processo é o que mais se coaduna com a Constituição Federal de 1988
e um Estado Democrático de Direito. Nessa perspectiva, tendo o código
tomado como referência principal a Carta Magna, nada mais natural
que exprimisse um modelo de processo com ela alinhado, como o fez.

Assim, tem-se, atualmente, um processo civil constitucionalizado,


construído sobre o princípio da cooperação que reflete uma nova lei-
tura de princípios já conhecidos. Com isso, pretende o diploma vigente
conferir nova feição à relação jurídica processual, “um novo jeito de se
fazer processo”, remodelando as posturas de todos os sujeitos proces-
suais, ampliando o espaço conferido às partes, atribuindo-lhes respon-
sabilidade na condução processual, bem como tirando o órgão julgador
da posição de mero espectador da competição entre as partes.

A inserção da nova principiologia busca propiciar um ambiente de


cooperação no processo a fim de alcançar-se um resultado efetivo pri-
mando pela boa-fé, lealdade, eticidade. Na prática, é necessário haver
uma mudança de mentalidade de todos, seja do magistrado, advogados,
partes, ministério público, defensores, todos que, de qualquer forma,
atuem no processo, caso contrário o modelo e ideário de processo en-
campado pelo código será apenas uma utopia de como deveria ser o
processo civil constitucional, fundado na cooperação.

6 Referências
MITIDIERO, Daniel. Bases para a Construção de um Processo Civil Coo-
perativo: O Direito Processual Civil no Marco Teórico do Formalismo Va-
lorativo. 2007.
MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais,
lógicos e éticos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático. Curitiba:
Juruá, 2008.
OLIVEIRA. Carlos Alberto Álvaro de. Do formalismo no processo civil. 3.
ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao

MMarianMaMariana 185
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. Vol. 1. 15. ed. Bahia:
Editora Jus Podivm, 2013.
DIDIER JR., Fredie. Os Três Modelos de Direito Processual: Inquisitivo,
Dispositivo e Cooperativo. Revista de Processo, nº 198, ano 36. São Paulo:
Editora Revista do Tribunais, 2011.
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. https://jota.info/colunas/novo-cpc/o-
-saneamento-compartilhado-no-ncpc-08082016.
GAGLIANO, Pablo Stolze. VIANA, Salomão. Boa-Fé Objetiva Processual -
Reflexões quanto ao Atual CPC e ao Projeto do Novo Código. Disponível em:
http://www.lex.com.br/doutrina_23930862_BOA_FE_OBJETIVA_PRO-
CESSUAL.
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Teoria do Processo e Teoria do Direito: o neopro-
cessualismo. Disponível em: http://academia.edu/1771108/Os_tres_mode-
los_de_direito_processua.
OLIVEIRA, C. A. A. de. O Formalismo-valorativo no confronto com o For-
malismo excessivo. UFRGS. Disponível em: http://www.ufrgs.br/ppgd/
doutrina/CAO_O_Formalismo-valorativo_no_confronto_com_o_Forma-
lismo_excessivo_290808.htm.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil: co-
mentado artigo por artigo. 1ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2016.

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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

O termo a quo de contagem do prazo decadencial


da A ção R escisória e sua harmonização com o
vigente sistema principiológico processual
Maurício Schibuola de Carvalho1

O presente artigo tem por finalidade a análise da redação do art. 975


do CPC-15 e da Súmula 401 do STJ, que tratam da contagem do prazo
da ação rescisória. Para isso, faz-se um estudo da teoria dos capítulos
da sentença tal qual foi desenvolvida originariamente e vem sendo apli-
cada, bem como da admissão da coisa julgada parcial pela doutrina,
jurisprudência e pelo CPC-15.
Palavras-Chave: Capítulos da Sentença. Coisa Julgada Parcial. Ação
Rescisória.
Sumário: 1. A sentença em capítulos; 1.1. Teoria de Liebman; 1.2. Te-
oria de Dinamarco e sua aplicação ao direito brasileiro; 2. A coisa jul-
gada parcial e o CPC-15; 3. O termo a quo do prazo decadencial da
ação rescisória e as ambiguidades ocasionadas pela expressão “última
decisão” do art. 975 do CPC-15; 4. Harmonização do texto legal do
CPC-15 com as demais normas jurídicas processuais; 4.1. A possibili-
dade de prazos autônomos para propositura de ações rescisórias; 4.2.
A forma de contagem do prazo para ação rescisória de coisa julgada
parcial: a ambiguidade da expressão última decisão proferida no pro-
cesso e a possível violação de princípios processuais; 5. Conclusão; 6.
Referências.

1 A sentença em capítulos
A doutrina processualista, a iniciar pela italiana, afirma divi-
dir-se a sentença em partes ou capítulos dotados de autonomia, di-
vergindo quanto ao que seria essa autonomia, conforme será visto
adiante.

Antes de dar seguimento, faz-se importante destacar que não


será exaurido o tema da Teoria dos Capítulos da Sentença, haja
vista não ser o foco do presente estudo, restringindo-se apenas às
teorias que exerceram maior influência no ordenamento jurídico

1  Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Pós-graduan-


do em Processo Civil Contemporâneo pela Universidade Federal de Pernambuco.
Fundador do Grupo de Estudos de Processo Civil da Faculdade de Direito do Recife
(UFPE).
MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci 187
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

brasileiro, quais sejam, as de Enrico Tulio Liebman e Cândido Ran-


gel Dinamarco.

Teoria de Liebman
Liebman utilizou a expressão “capo”, que significa chefe ou ca-
beça, para se referir à parte da sentença que denominamos “capí-
tulo”, cuja procedência vem do latim “capitulum”.

Em artigo intitulado “Parte o capo di sentenza”, publicado na


Rivista di diritto processuale civile, percebeu que a doutrina ita-
liana se divide em três correntes: a) a primeira identifica o capítulo
de sentença como cada pronúncia relativa a uma demanda, quan-
do no processo há cúmulo de demandas; b) a segunda entende ser
capítulo cada solução para cada uma das questões de fato ou de
direito apresentadas no processo; c) a terceira, denominada relati-
vista, que adota uma ou outra das posições, a depender de se estar
analisando o recurso de apelação ou juízo de cassação.2

Aduz, Liebman, estar a Teoria dos Capítulos da Sentença inclu-


ída no estudo de tal ato judicial, indo de encontro ao praticado pela
doutrina, cuja abordagem a colocava na Teoria Geral dos Recursos.
Todavia, apesar de colocar os estudos dos capítulos da sentença
na Teoria da Sentença, não nega a importância prática e teórica do
tema para os recursos.3

Alegava ser possível dividir a sentença apenas quando as uni-


dades elementares que a compõe sejam de per si uma decisão im-
perativa, tendo somente um capítulo aquelas que contenham um
comando imperativo isolado.

Outra inovação de sua teoria foi ir além do afirmado pelos seus


predecessores acerca da equivalência entre os capítulos de senten-
ça e os da demanda, explicando não necessariamente, no caso de

2  LIEBMAN, Enrico Tullio. Parte o capo di sentenza, 1964, p. 47-48.


3  Ibidem, p. 48.
MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci 188
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

cúmulo de pedidos, serem aqueles correspondentes a estes. Traz


como exemplos demonstrativos da não obrigatoriedade de equiva-
lência entre demanda e sentença os casos de o juiz decidir extra pe-
tita ou citra petita, os quais podem, respectivamente, conter mais
capítulos na sentença do que na demanda e vice-versa, já que foi
deferido mais ou menos do que o pleiteado.4

Liebman aborda os casos nos quais, embora haja um único pe-


dido (ou objeto), a sentença apresenta vários capítulos. Acontece
essa situação quando ele pode ser quantificado e dividido em di-
versas partes, como, por exemplo, quando se trata de pagamento de
quantia em dinheiro ou entrega de certa quantidade de bens fun-
gíveis, o que permite, embora tenha o objeto sido proposto como
único, a decisão os separar.5 Dinamarco, ao fazer referência a essa
hipótese, afirma ser o objeto decomponível:
(...) quando for possível, física e juridicamente, seja possível
atribuir ao sujeito um minus em relação ao majus que ele pre-
tende e pede, como nos pleitos relacionados com coisas susce-
tíveis de ser dimensionadas em peso, extensão ou quantidade,
ou, em geral, em unidades possíveis de serem separadas.6

Seria o caso de um processo cuja pretensão do autor seja rela-


tiva apenas à aplicação de uma ordem de pagamento de cem, po-
rém o juiz concede sessenta e rejeita quarenta, surgindo, assim,
dois capítulos: um favorável ao autor e outro contrário. Além desse
exemplo, cita o caso de um pedido de pagamento de dívida, cuja
sentença divide-o em dois capítulos distintos: um primeiro decla-
rando a existência do débito e um segundo negando ter o prazo
para quitação expirado.7

Assim como outros doutrinadores, reparte a sentença em pre-


ceitos imperativos, que se situam no dispositivo e no plano hori-
4  Ibidem, p. 52.
5  LIEBMAN, Enrico Tullio. Parte o capo di sentenza, 1964, p. 53.
6  DINAMARCO, Candido Rangel. Capítulos da Sentença. Malheiros. 2008, p.
41/42.
7  LIEBMAN, Enrico Tullio. Op cit, p. 53.
MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci 189
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

zontal, e o seu suporte lógico, construído na motivação e residente


no plano vertical. Conquanto reconheça a importância da divisão
dos fundamentos da sentença em tópicos referentes à solução dada
a cada questão pertinente ao julgamento, difere-se dos relativistas
justamente por não os considerar capítulos. Expõe que as respos-
tas às questões de mérito influenciam a lógica de formação da sen-
tença e, por conseguinte, contribuem para determinar o mérito da
decisão, mas, se tomadas isoladamente, são apenas momentos da
elaboração de um único ato: a decisão final de caráter imperativo.8
Prosseguindo seu raciocínio, restringe, portanto, o acobertamento
pela autoridade da coisa julgada aos capítulos presentes no dispo-
sitivo da sentença, porque é onde se produz efeitos sobre a vida dos
litigantes ou sobre o processo mesmo. Inclusive, esse entendimen-
to é adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, o qual exclui dos
efeitos da coisa julgada o relatório e a motivação, vide arts. 469 do
CPC-73 e 504 do CPC-15.9

Por outro lado, diversa é a situação das questões preliminares


- litis ingressum impedientes -, pois cada uma, quando levantada,
importa, através do exame de uma ou mais questões de fato e de
direito, um julgamento completo e autônomo sobre o assunto pro-
cessual, impedindo ou autorizando o prosseguimento da ação até
o alcance do mérito. É, portanto, uma decisão autônoma que, se
for pela inadmissibilidade e não houver recurso, será final; caso vá
pela admissibilidade, igualmente terá autonomia, existindo, nesse
caso, no mínimo, um capítulo relativo à admissibilidade e outro ao
julgamento de mérito.10

A influência da teoria de Liebman para o processo civil brasi-


leiro é demonstrada resumidamente por Dinamarco:
A configuração dos capítulos de sentença segundo o modo-de-

8  LIEBMAN, Enrico Tullio. Op cit, p. 54.


9  DINAMARCO, Candido Rangel. Op cit, p. 16.
10  LIEBMAN, Enrico Tullio. Parte o capo di sentenza, 1964, p. 55.
MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci 190
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
-ser do direito brasileiro corresponde substancialmente à que
fora proposta por Liebman em seu famoso ensaio. Cada capítu-
lo do decisório, quer todos de mérito, quer heterogêneos, é uma
unidade elementar autônoma, no sentido de que cada um deles
expressa uma deliberação específica; cada uma dessas delibe-
rações é distinta das contidas nos demais capítulos e resulta
da verificação de pressupostos próprios, que não se confundem
com os pressupostos das outras. Nesse plano, a autonomia dos
diversos capítulos de sentença revela apenas uma distinção
funcional entre eles, sem que necessariamente todos sejam
portadores de aptidão a constituir objeto de julgamentos sepa-
rados, em processos distintos e mediante mais de uma senten-
ça: a autonomia absoluta só se dá entre os capítulos de mérito,
não porém em relação ao que contém julgamento da pretensão
ao julgamento deste. Na teoria dos capítulos de sentença au-
tonomia não é sinônimo de independência, havendo capítulos
que comportariam julgamento em outro processo e também,
em alguns casos, um capítulo que não o comportaria (o que re-
jeita preliminares).11

Liebman pontifica que todas as decisões em que o magistra-


do profere uma decisão de mérito têm um efeito direto e imediato
sobre o objeto do processo (pedido). Saliente-se que o entendimen-
to de Liebman não vai de encontro à ideia de que os capítulos de
sentença possuem autonomia, isto é, que eles podem constituir,
sozinhos, o conteúdo de uma sentença. Todavia, prefere o mestre
italiano relacionar os capítulos de sentença com as decisões de mé-
rito.12

Teoria de Dinamarco e sua aplicação ao direito brasileiro


Cândido Rangel Dinamarco foi o precursor do estudo aprofun-
dado da teoria dos capítulos de sentença no Brasil, tendo o feito
através da célebre obra “Capítulos de Sentença”, cujas ideias serão,
de maneira sintética, aqui expostas. Antes de mais nada, é essen-
cial destacar a grande influência sofrida por Dinamarco das ideias

11  DINAMARCO, Candido Rangel. Capítulos da Sentença. Malheiros. 2008, p.


34.
12  LIEBMAN, Enrico Tullio. Op cit, p. 54-55; NOGUEIRA, Pedro Henrique. Teo-
ria da Ação de Direito Material, 2008, p. 169.
MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci 191
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

de Liebman, tornando-se redundante abordar a fundo os assuntos


já analisados no capítulo anterior.

Assim como Liebman, afirma dever o tema ser analisado den-


tro da teoria da sentença, embora influencie diversas outras áre-
as processuais, principalmente a teoria geral dos recursos. Nes-
se ponto, também inovou no direito brasileiro, sendo o primeiro
doutrinador nacional a realizar um estudo próprio dos capítulos
da sentença, sem fazê-lo com foco em outro campo do direito pro-
cessual.

De início, demonstra que dificilmente haverá sentença jul-


gando apenas uma pretensão, pois a condenação do vencido nas
despesas processuais, sempre presente no processo, constitui de-
cisão autônoma em relação ao julgamento do objeto motivador da
lide. Exemplifica tal construção também por meio das hipóteses
de cumulação de pedidos, reconvenção, chamamento ao processo,
ação declaratória incidental, pretensões decomponíveis (quantifi-
cáveis, divisíveis, fungíveis), o da rejeição das preliminares etc.13

Ressalva Dinamarco ser aplicável a teoria dos capítulos de


sentença também a outros pronunciamentos judiciais, tais quais as
decisões interlocutórias e acórdãos. É perfeitamente possível deci-
são interlocutória ser composta por uma pluralidade de capítulos,
bastando que, no dispositivo, haja mais de um comando imperati-
vo, como no caso de deferir prova requerida por uma das partes e
deferir da outra. Já o acórdão nem precisa de grandes explicações,
uma vez que não passa de uma sentença colegiada, ou, usando as
palavras de Dinamarco, de um doublé da sentença.14

Classifica os capítulos em homogêneos e heterogêneos. Homo-


gêneos seriam os constituídos apenas por pronunciamentos sobre
o mérito, ou seja, acerca das pretensões resistidas das partes; hete-

13  DINAMARCO, Candido Rangel. Capítulos da Sentença, 2008, p. 09-10.


14  Ibidem, p. 48.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

rogêneos são os compostos primeiro pelo direito ao julgamento do


mérito e depois pela própria decisão meritória.15 Essa classificação
está muito relacionada à bifrontalidade da demanda, ou seja, por
tratar com duas questões: o pedido imediato, que é a satisfação da
pretensão ao julgamento de mérito; e o mediato, o qual é a obten-
ção do bem da vida objeto do processo.16 Essa estrutura sentencial
permite a convivência, na mesma decisão, de vários capítulos pro-
cessuais e de mérito.

A diferença relevante entre as teorias dos capítulos de Lieb-


man e Dinamarco é ter ido o brasileiro além e diferenciado aqueles
sobre matéria processual em extintivos ou não.17

Capítulos extintivos são os das preliminares processuais que


obstam o julgamento do mérito e extinguem o processo. Dinamar-
co afirma que, quando as preliminares processuais decididas são
todas extintivas, existirá na sentença somente o cúmulo de solução
de questões, apresentando apenas dois capítulos: o extintivo do
processo e o atinente às despesas processuais. Liebman, destarte,
diria existir tantos capítulos quantas forem as questões impedien-
tes resolvidas.18

Assim, o CPC-15, assim como de 1973, baseado nos estudos


principalmente de Liebman e Dinamarco, demonstra a adoção
da teoria dos capítulos da sentença, o que pode ser verificado por
expressas disposições tratando do parcelamento das decisões, a
exemplo do art. 1.012, que afirma que a decisão poderá ser impug-
nada em todo ou em parte.19
15  Ibidem, p. 34.
16  Ibidem, p. 39/40.
17  PEIXOTO, Ravi. Ação Rescisória e Capítulos da Sentença, p. 157-176.
18  DINAMARCO, Candido Rangel. Capítulos da Sentença. Malheiros. 2008, p.
41/42.
19  Demais exemplos: Art. 90, § 1CPC/2015: “Sendo parcial a desistência, a renúncia ou
o reconhecimento, a responsabilidade pelas despesas e pelos honorários será pro-
porcional à parcela reconhecida, à qual se renunciou ou da qual se desistiu.”.
Art. 354, Parágrafo único: “A decisão a que se refere o caput pode dizer respeito a
apenas parcela do processo, caso em que será impugnável por agravo de instrumen-
MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci 193
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Nesse contexto, aponta Humberto Theodoro Jr., adotando a


teoria dos capítulos da sentença, que as partes dos julgados que
resolvem questões autônomas formam sentenças com vida própria,
podendo cada uma ser mantida ou reformada sem prejuízo das de-
mais.20

Ainda, importante destacar que o efeito devolutivo dos recur-


sos não afeta a teoria dos capítulos, pois abrange apenas a extensão
horizontal do recurso (ou seja, a amplitude da análise das matérias
impugnadas), e não o alcance vertical (profundidade), devolvendo
ao tribunal apenas os capítulos impugnados e excluindo os que não
foram suscitados no recurso.21

Diante do exposto, revela-se fundamental a teoria dos capítu-


los da sentença para o estudo da coisa julgada, já que a sentença
– ou a decisão de mérito - pode ser dividida em diversos capítulos
decisórios, causando a multiplicidade de interesses recursais e a
imutabilidade do conteúdo em momentos diferenciados.22

2 A coisa julgada parcial e o CPC-15


Após a abordagem detida da teoria dos capítulos da sentença
e antes de ingressar no estudo da coisa julgada parcial, deve-se es-
clarecer sucintamente que o CPC-15, em regra, restringe os efeitos
da coisa julgada ao dispositivo da decisão, de acordo com seu art.
to.”.
Art. 356: “O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos
formulados ou parcela deles:
I - mostrar-se incontroverso;
II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.”.
Art. 503: “A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos
limites da questão principal expressamente decidida.”.
Art. 1.013, § 1CPC/2015: “Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal
todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido
solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.”.
20  THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 2011, p. 744.
21  CARDOSO, Oscar Valente. Capítulos de sentença, coisa julgada progressiva e
prazo para ação rescisória, 2009, p. 75-85.
22  ARAÚJO, José Henrique Mouta. Conceito de sentença e o projeto do Novo
CPC, 2011, p. 110-115.
MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci 194
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

504. - -
23 24 25

De acordo com José Henrique Mouta, para se estudar a coisa


julgada, é necessário ter a seguinte premissa: o tempo demasiado
do processo é um fator que desestimula a procura pelo Poder Judi-
ciário. A imunização mais rápida das decisões judiciais, que permi-
ta seu imediato e definitivo cumprimento, é fator positivo em busca
da brevidade da prestação jurisdicional, e, consequentemente, da
duração razoável do processo.26-27

Desse modo, a segurança jurídica apresenta importante papel


em qualquer Estado Democrático de Direito, e é em seu nome que
se estrutura o instituto coisa julgada28, possibilitando a estabiliza-
ção do objeto decidido e conferindo segurança jurídica às partes

23  “Art. 504. Não fazem coisa julgada:


I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva
da sentença;
II - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença.”
24  Exceção se encontra no § 1º do art. 503 do CPC-15, in verbis:
“§ 1CPC/2015 O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida
expressa e incidentemente no processo, se:
I - dessa resolução depender o julgamento do mérito;
II - a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no
caso de revelia;
III - o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como
questão principal.”
25  José Ignácio Botelho Mesquita analisa o art. 469 do CPC-73, similar ao art. 504
do CPC-15, do seguinte modo: “Por força do que dispõe o art. 469 do CPC, só essa
declaração principal adquire a autoridade da coisa julgada. É ela que, com o trânsito
em julgado, irá se tornar imutável e indiscutível entre as partes.
Em que consiste essa declaração principal?
Nas ações condenatórias, consiste na conclusão de que o autor tem, ou não, o direito
de exigir do réu o cumprimento da obrigação. Nas ações constitutivas, consiste na
conclusão de que o autor tem, ou não, o direito à modificação jurídica pretendida. E,
nas ações meramente declaratórias, consiste na conclusão de que existe, ou não, a
relação jurídica, a autenticidade ou a falsidade afirmadas pelo autor, ou na declara-
ção de que não existe, ou existe, a relação jurídica negada pelo autor.” (MESQUITA,
José Ignácio Botelho de. A coisa julgada, 2004, p. 4)
26  ARAÚJO, José Henrique Mouta. A duração razoável do processo e o fenômeno
da coisa julgada no novo código de processo civil, 2015, p. 200-223.
27  Como afirmam Gisele Leite e Denise Heuseler, “a coisa julgada é autêntico signo
da tutela da confiança do cidadão nos atos estatais”. (LEITE, Gisele; HEUSELER,
Denise. Coisa Julgada Contemporânea, 2013, p. 43-73.)
28  OLIVEIRA JUNIOR, Délio Mota de. A Formação Progressiva da Coisa Julgada
Material e o Prazo para o Ajuizamento da Ação Rescisória, p. 99-126.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

integrantes da lide. Entretanto, no âmbito processual, a coisa jul-


gada não vai garantir a justiça da decisão, mas sim a segurança de
que a questão migrou da instabilidade inerente ao processo para o
campo da estabilidade. Inclusive, destaca Márcio Carvalho Faria
que o CPC de 1939 já afirmava, em seu art. 80029, que “a injustiça
da decisão e a má apreciação da prova ou errônea interpretação do
contrato não autorizam o exercício da ação rescisória”.30

Em suma, o que importa para a imunização do provimento


jurisdicional é o fato de estar seu conteúdo com grau cognitivo
suficiente para a imunização, existindo várias hipóteses, no orde-
namento jurídico-processual atual, em que a decisão, embora não
encerre fase do processo, possui cognição suficiente para a forma-
ção da coisa julgada.31 Didier metaforicamente sintetiza a questão
alegando que: “Uma fruta madura não precisa esperar o amadu-
recimento de uma outra, ainda verde, para ser colhida.”32 E, por
madura, tem-se a causa que não mais dependa da instrução proba-
tória para julgamento, como ocorre nos casos em que o pedido é só
de direito ou de direito e de fato com a parte fática estando incon-
troversa.33 Estando madura, o juiz é capaz de prover decisão com
cognição exauriente, apta a produzir os efeitos da coisa julgada.

Marinoni, de modo incisivo, pontua acerca da importância da


tutela imediata do direito incontroverso:
Ora, a impossibilidade de cisão do julgamento do mérito, isto é,
do julgamento antecipado de apenas um dos pedidos cumula-
dos, torna risível qualquer economia que se pretenda por meio
da cumulação.
29  Art. 800. A injustiça da sentença e a má apreciação da prova ou errônea inter��-
pretação do contrato não autorizam o exercício da ação rescisória.
30  FARIA, Márcio Carvalho. Considerações Sobre o Prazo Rescisório no Novo
CPC, p. 127-156.
31  ARAÚJO, José Henrique Mouta. Decisão Rescindível e o Novo CPC – Aspectos
Polêmicos e Atuais, p. 683-708.
32  DIDIER JR, Fredie. Inovações na antecipação dos efeitos da tutela e a resolu-
ção parcial do mérito, 2003, p. 225-251.
33  DIAS, Jean Carlos. A reforma do CPC e o fim da teoria da unicidade da senten-
ça, 2006, p. 79-84.
MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci 196
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
Tudo isso demonstra que um pedido - ou sua parcela – pode se
tornar maduro para o julgamento antes do outro – ou da outra
parcela – e, assim, que o processo que não possui técnica capaz
de viabilizar tutela imediata ao direito que se tornou incontro-
verso no seu curso não atende ao direito fundamental à razoá-
vel duração do processo.34

É com base nesses mesmos argumentos que se defende a


existência da coisa julgada parcial - denominada, por alguns dou-
trinadores, como coisa julgada progressiva.35 A admissão da coisa
julgada parcial não é fenômeno que surgiu com o CPC-15, já sendo
vislumbrada antes pela doutrina e parcela da jurisprudência, con-
forme será visto adiante. Pontes de Miranda, por exemplo, já vis-
lumbrava a coisa julgada parcial. Para Pontes, a extensão da ação
rescisória não é dada pelo pedido, mas pela sentença em que com-
põe o pressuposto da rescindibilidade. Se a mesma petição conti-
ver 3 pedidos e o trânsito em julgado foi em três instâncias, haverá
tantas rescisórias quanto sentenças transitadas em julgado.36

Ainda, Daniel Mitidiero, ao analisar o § 6º do art. 273 do CP-


C-7337, inserido na reforma ocorrida em 2002, considerava se tratar
a concessão da tutela antecipada de um ou mais pedidos incontro-
versos de hipótese apta a produzir coisa julgada.38-39-40 Entretanto,

34  MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da Tutela, 2011, p. 283.


35  Didier critica a nomenclatura coisa julgada progressiva: “Já se chamou esse
fenômeno de CJ progressiva. Não me parece adequada a designação, pois leva a uma
indevida percepção de que uma mesma coisa julgada se forma progressivamente,
quando, na verdade, o que há é a formação de várias coisas julgadas em um mesmo
processo, em momentos distintos e, muitas vezes, em juízos distintos.” (DIDIER JR,
Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 2015, p. 527.)
36  PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da Ação Rescisória,
da sentença e das outras decisões. 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 353.
37  § 6CPC/2015 A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou
mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.
38  MITIDIERO, Daniel. Sentenças parciais de mérito e resolução definitiva-fra-
cionada da causa, 2004.
39  No mesmo sentido, José Henrique Mouta: “As hipóteses do art. 273, §6º do CPC
de 73 e art. 356, I, do NCPC trata de antecipação parcial do próprio objeto litigioso,
ensejando a formação de coisa julgada e o abreviando o início do cumprimento da
decisão” (ARAÚJO, José Henrique Mouta. A duração razoável do processo e o fenô-
meno da coisa julgada no novo código de processo civil, 2015, p. 200-223.)
40  Sobre a natureza da decisão prevista no §6º do art. 273 do CPC-73, recomen�� -
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

apesar da nomenclatura dada ao referido dispositivo pelo CPC-73


fosse de tutela antecipada, na realidade, se tratava de julgamento
antecipado parcial de mérito, pois decisão que concede tutela an-
tecipada não tem o atributo da definitividade, podendo ser confir-
mada, modificada ou revogada até o julgamento de mérito - tanto
é assim que o CPC-15 alterou o nome dado ao instituto (art. 356,
CPC-15).41-42

Ademais, Ana Paula Schoriza apontava – ainda sob a égide do


CPC-73 - possível violação ao princípio da congruência e do tan-
tum devolutum quantum appelatum ou dispositivo caso não fosse
admitida a teoria da coisa julgada parcial. Isso porque, em caso de
recurso parcial, ocorreria a possibilidade de um acórdão que nada
decidiu sobre um dos capítulos (o não recorrido) fazer coisa julgada
material sobre este, cujo conteúdo está presente em outra decisão.43

E o que seria a coisa julgada? Em poucas palavras, é uma quali-


dade da decisão representada pela imutabilidade do julgado e seus
efeitos, que ocorre após não mais poder ser impugnada através de
recurso.44 E a coisa julgada parcial? É simplesmente a coisa julgada
formada antes da decisão final do processo, contendo os mesmos
requisitos de qualquer outra coisa julgada: decisão jurisdicional
fundada em cognição exauriente e o trânsito em julgado.45
da-se a seguinte leitura: SIMONASSI, Mauro. A parte incontroversa da demanda,
2014, p. 197-218.
41  LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Tutela Provisória e Julgamento Parcial
no CPC de 2015, 2015, p. 325-341.
42  Desenvolve esse raciocínio Marinoni: “Frise-se que o § 6º. Decorre da necessi��-
dade de se dar tutela final à parte da demanda que se mostra incontroversa no curso
do processo, e não tutela de cognição sumária ou propriamente antecipatória. Em
termos de aprofundamento a cognição do juiz, a fragmentação do julgado (art. 273, §
6.°) não é diferente do julgamento antecipado da integralidade do mérito, “quando a
questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não hou-
ver necessidade de produzir prova em audiência” (art. 330, I, CPC).” (MARINONI,
Luiz Guilherme. Antecipação da Tutela, 2011, p. 291.)
43  SCHORIZA, Ana Paula. Capítulos da sentença: como o STJ tem se posicionado
sobre o termo inicial..., 2009, p. 195-225.
44  THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 2017, p.
1116.
45  DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 2015, p. 516.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

A coisa julgada parcial apresenta como principal efeito prá-


tico a possibilidade de execução definitiva desde logo, sem haver
a necessidade de aguardar até o último provimento jurisdicional
do processo, conforme previsto no § 3º do art. 356, o qual trata
da execução definitiva do julgamento antecipado parcial de mérito
transitado em julgado. Ressalta José Henrique Mouta que a exe-
cução definitiva de um dos capítulos do pedido antes do trânsito
em julgado dos demais está de acordo com a duração razoável do
processo, evitando, assim, o prolongamento desnecessário da litis-
pendência.46-47

Enquanto o CPC-73 previa, em seu art. 485, ser rescindível a


“sentença de mérito”, o CPC-15, em seu art. 966, utiliza a expressão
“decisão de mérito”. Apesar do termo utilizado, Nelson Nery Junior
observa que o CPC-73 dizia menos do que queria dizer, sendo essa
distorção de sentido causada pela literalidade do texto normati-
vo corrigida pelo CPC-15.48 Assim, há clara mudança na semântica
decorrente da mudança do texto da norma jurídica, que passa a
trabalhar com a ideia de coisa julgada parcial e, consequentemen-
te, a admitir ação rescisória também de decisões interlocutórias,
acórdãos e decisões de relator.49

46  ARAÚJO, José Henrique Mouta. A duração razoável do processo e o fenômeno


da coisa julgada no novo código de processo civil, 2015, p. 200-223.
47  Gustavo Garcia traz o seguinte exemplo: “Exemplificando, imagine-se sentença
condenando o réu em multa contratual, indenização e devolução do bem. Inconfor-
mado, este apela apenas quanto à condenação em multa contratual e indenização. O
capítulo relativamente autônomo da decisão, condenando na devolução do bem, não
sendo impugnado, transita em julgado desde logo, podendo ser exigido através de
execução definitiva, em razão da auctoritas rei judictae” (GARCIA, Gustavo Filipe
Barbosa. Capítulos autônomos da decisão e momentos de seu trânsito em julgado,
de 2003, p. 290/305)
48  NERY JUNIOR, Nelson. Comentários ao novo código de processo civil, 2015,
p. 1986.
49  Destaca Humberto Theodoro Jr: “Por último, é de se ter em mente que a coisa
julgada é uma decorrência do conteúdo do julgamento de mérito, e não da natureza
processual do ato decisório. Quando os arts. 502 e 503 do novo Código estabelecem
o conceito legal e a extensão do fenômeno da coisa julgada, e se referem a ela como
uma qualidade da decisão de mérito, e não apenas da sentença, reconhecem a pos-
sibilidade de a res iudicata recair sobre qualquer ato decisório, que solucione “total
ou parcialmente o mérito”. Dessa maneira, a coisa julgada leva em conta o objeto da
MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci 199
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Além disso, o texto do CPC-15, traz hipóteses de decisões par-


ciais passíveis de produzir coisa julgada parcial e de serem atacadas
por ação rescisória, a exemplo do julgamento antecipado parcial de
mérito (art. 356 do CPC-15). Como afirma Didier, “um mesmo pro-
cesso poderá produzir tantas coisas julgadas quantas tenham sido
as decisões proferidas e que possuam essa aptidão”.50

Outros casos de produção de coisa julgada parcial são a homo-


logação da autocomposição parcial (art. 354, § único do CPC-15) e o
recurso parcial (art. 1.002 do CPC-15). No caso do recurso parcial,
haverá uma delimitação do objeto do recurso, restando o capítulo
da decisão recorrida sem impugnação, sobre o qual poderá incidir
a autoridade da coisa julgada.51 Do mesmo modo pensava Barbosa
Moreira, o qual destacava que, se parte da decisão transitou em
julgado, por não ter sido objeto de recurso ou o órgão ad quem não
a houver conhecido, a ação rescisória em face desta parcela deve
ser proposta contra a decisão recorrida.52

No Tribunal Superior do Trabalho, ainda no ano de 2017, foi


publicada a Resolução nº 219/2017, alterando a redação da Súmula
398/TST de “na ação rescisória, o que se ataca é a sentença...” para
“na ação rescisória, o que se ataca é a decisão...”, demonstrando
clara adaptação ao CPC-15, que permite ação rescisória de decisões
decisão, que haverá de envolver o mérito da causa, no todo ou em parte, seja o ato
decisório uma sentença propriamente dita, seja um acórdão, seja uma decisão inter-
locutória. O importante é que o pronunciamento seja definitivo e tenha sido resul-
tado de um acertamento judicial precedido de contraditório efetivo.” (THEODORO
JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 2017, p. 1117).
50  DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, 2016, p. 424.
51  Observa José Henrique Mouta, ao analisar os efeitos devolutivo e translativo
dos recursos parciais: “Não se pode mexer naquilo que não foi objeto do recurso,
ainda que isso conduza a situações de contradição lógica. Se não houver recurso
contra uma parte da sentença, mas verificou-se que faltava um requisito de validade
do processo (por exemplo: o Ministério Público não foi chamado a intervir quando o
caso era de obrigatória intervenção), nem por isso se está autorizado a anular a parte
da sentença da qual não houve recurso. Essa já transitou em julgado, e só com ação
rescisória é possível atingi-la.” (ARAÚJO, José Henrique Mouta. Notas sobre o efeito
substitutivo do recurso e seu reflexo na ação rescisória, 2007, p. 9-23.)
52  BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil,
2011, p. 114/115.
MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci 200
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

interlocutórias e, consequentemente, a coisa julgada progressiva.53

Importante destacar que, tal qual pode haver coisa julgada


parcial, é possível a rescisória parcial, que consistiria basicamente
na impugnação de apenas um ou alguns dos capítulos da decisão
rescindenda.

3 O termo a quo do prazo decadencial da ação


rescisória e as ambiguidades ocasionadas pela
expressão “última decisão” do art. 975 do CPC-15
A ação rescisória, em resumo, é ação autônoma de impugna-
ção . Utilizada para desconstituir a coisa julgada formada, apre-
54

sentando, portanto, natureza desconstitutiva ou constitutiva ne-


gativa. Tem como requisitos: a) as exigências comuns a qualquer
demanda (condições da ação e pressupostos processuais); b) a exis-
tência de decisão de mérito transitada em julgado; c) estar presente
um dos fundamentos de rescindibilidade previstos pelo art. 966 do
CPC-15.55

O CPC-15, em seu art. 975, dispõe que o direito à rescisão se


extingue em 2 anos contados do trânsito em julgado da última de�-

53  Redação atual da Súmula 398/TST: “Na ação rescisória, o que se ataca é a
decisão, ato oficial do Estado, acobertado pelo manto da coisa julgada. Assim, e
considerando que a coisa julgada envolve questão de ordem pública, a revelia não
produz confissão na ação rescisória.” Antiga redação da Súmula 398/TST: “Na
ação rescisória, o que se ataca na ação é a sentença, ato oficial do Estado, acober-
tado pelo manto da coisa julgada. Assim sendo, e considerando que a coisa julgada
envolve questão de ordem pública, a revelia não produz confissão na ação resci-
sória.”.
54  Da seguinte forma divide Barbosa Moreira os meios de impugnação: “Os meios
de impugnação dividem-se, pois, em duas grandes classes: a dos recursos – assim
chamados os que se podem exercitar dentro do processo em que surgiu a decisão im-
pugnada – e o das ações impugnativas autônomas, cujo exercício, em regra, pressu-
põe a irrecorribilidade da decisão. No direito brasileiro, protótipo da segunda clas-
se é a ação rescisória, eventalmente cabível para impugnar sentença (de mérito) já
transitadas em julgado (art. 485, caput).”(MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo
processo civil brasileiro, 2010, p. 114.)
55  CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Termo inicial do prazo para ajuizamen-
to da ação rescisória, capítulos da sentença e recurso parcial, 2005, p. 180-228.
MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci 201
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

cisão proferida no processo. O texto do dispositivo é similar ao da


Súmula 401 do STJ, o qual afirma que “o prazo decadencial da
ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer re-
curso do último pronunciamento judicial”. Logo, verifica-se ter o
legislador se inspirado na redação da Súmula 401 do STJ ao elabo-
rar o art. 975 do CPC-15.

O texto do CPC-15 é problemático, uma vez que, ao se admitir


a coisa julgada parcial e, ao mesmo tempo, apenas definir o cabi-
mento da ação rescisória da última decisão proferida no processo,
dá azo a questionamentos acerca da possibilidade de ajuizamento
da ação rescisória: qual o termo inicial e final do prazo para a ação
rescisória em hipóteses em que a coisa julgada se formou no meio
do andamento do processo (coisa julgada parcial)?

4 Harmonização do texto legal do CPC-15 com as


demais normas jurídicas processuais
A possibilidade de prazos autônomos para propositura de
ações rescisórias
Didier aponta duas soluções possíveis: a) para cada coisa jul-
gada fluirá um prazo de ação rescisória; b) haveria somente um
prazo de ação rescisória, para todas as coisas julgadas, o qual seria
contado do último trânsito em julgado.56 O segundo entendimento
foi o adotado pelo STJ ao formular a sua Súmula 401.

Acontece que o entendimento do STJ é insustentável com a


nova sistemática processual, pois, ao admiti-lo, estar-se-ia diante
da possibilidade de haver decisão passível de ser executada defini-
tivamente, de modo que a parte prejudicada não poderia impugná-
-la através da ação rescisória.57
56  DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tri-
bunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis,
incidentes de competência originária de tribunal. Ed. Salvador: JusPodivm, 2016,
p. 461.
57  Outra questão problemática envolvendo ações rescisórias, coisa julgada parcial
MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci 202
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Leonardo da Cunha já criticava o precedente sumulado pelo


STJ ainda na vigência do CPC-73, consoante trecho a seguir:
Ora, com o devido respeito, o entendimento manifestado pelo
STJ no julgamento ora comentado atrita com o ordenamento
jurídico como um todo. É que o ordenamento jurídico, por es-
sência, deve manter unidade e coerência. Realmente, consti-
tuindo o direito um sistema, deve manter as qualidades de or-
denação e de unidade, na medida em que todo sistema contém
uma ordem e uma unidade.
A existência de capítulos de sentença e a possibilidade de recur-
sos parciais (CPC (LGL\1973\5), art. 505) acarretam a existên-
cia de momentos diferentes para o trânsito em julgado, sendo
igualmente diversos os momentos para ajuizamento das ações
rescisórias relativas a cada capítulo. Além do mais, é curial que
o capítulo não impugnado oportunamente transita em julgado,
produzindo coisa julgada material e podendo ser objeto de exe-
cução definitiva, sem que se aplique qualquer restrição contida
no art. 588 do CPC (LGL\1973\5).

Adotar tal posição é atentar contra o acesso à justiça, uma vez


que não se pode impedir aquele que tem uma decisão desfavorá-
vel contra si – e que está sendo executada definitivamente – de
impugná-la pelo instrumento fornecido pela legislação processual.
Assim, pensa grande parte da doutrina.58

Além de parcela relevante da doutrina, o STF e o TST também


têm o entendimento atual de que o prazo para propor ação rescisó-
ria é contado de forma independente entre os trânsitos em julgado.
e a jurisprudência do STJ está relacionada à competência para julgar as rescisória.
Para maiores informações, recomenda-se a seguinte leitura: PEREIRA, Mateus Cos-
ta; PEIXOTO, Ravi. Da competência à ação rescisória, p. 195-216.
58  Exemplos: SCHORIZA, Ana Paula. Capítulos da sentença, 2009, p. 195-225; DI-
DIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais,
recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, inciden-
tes de competência originária de tribunal. Ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 461.
Didier ainda traz, nesta obra, a seguinte relação de doutrinadores que comparti-
lham da mesma opinião: PEIXOTO, Ravi. Ação Rescisória e Capítulos da Sentença,
p. 157-176; MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes. Tratado da Ação Rescisória,
1976, p. 353; CARNEIRO, Athos Gusmão. Ação Rescisória, Biênio Decadencial e
Recurso Parcial, 1997; MOREIRA, José Carlos Barbosa. Sentença objetivamente
complexa, trânsito em julgado e rescindibilidade, 2006; THEODORO Jr., Humber-
to. Curso de Direito Processual Civil, 2011, p. 745-746.
MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci 203
O STF, através de votos dos Ministros Marco Aurélio, Luís Roberto
Barros e Rosa Weber, no RE nº 666.589-DF, à unanimidade, re-
chaçou a tese do STJ e encampou o entendimento doutrinário su-
pracitado, apresentando como principal fundamento contrário ao
entendimento da outra Corte Superior a ofensa à coisa julgada (art.
5º, XXXVI da CF). No mesmo sentido, entendeu – previamente ao
STF - o TST, conforme enunciado da sua Súmula 100, II:
II - Havendo recurso parcial no processo principal, o trânsito
em julgado dá-se em momentos e em tribunais diferentes, con-
tando-se o prazo decadencial para a ação rescisória do trânsito
em julgado de cada decisão, salvo se o recurso tratar de preli-
minar ou prejudicial que possa tornar insubsistente a decisão
recorrida, hipótese em que flui a decadência a partir do trânsito
em julgado da decisão que julgar o recurso parcial.

Ainda que se admita a ideia do prazo único da rescisória, não


seria razoável impedir aquele que tem decisão transitada em julga-
do contra si de ingressar com sua rescisória. Nesse caso, poderia a
parte rescindente se valer do art. 218, § 4º do CPC-15, o qual afir-
ma ser tempestivo o ato praticado antes do termo inicial.59

Portanto, deve-se admitir a propositura da ação rescisória a


partir do trânsito em julgada da decisão que se pretenda rescindir.

A forma de contagem do prazo para ação rescisória de coisa


julgada parcial: a ambiguidade da expressão última decisão
proferida no processo e a possível violação de princípios
processuais
Superado o ponto anterior, deve-se estabelecer como se dará
a contagem do prazo decadencial para propositura da ação resci-
sória. A expressão “última decisão proferida no processo”, do art.
975 do CPC-15, é passível de duas principais interpretações: a) úl-
tima decisão dentre todas proferidas no processo (entendimento
da Súmula 401 do STJ); b) última decisão acerca da questão que foi

59  No mesmo sentido: MAZZEI, Rodrigo; GONÇALVES, Tiago Figueiredo. Primei-


ras Linhas sobre a Disciplina da Ação Rescisória no CPC/15, p. 177-202.
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

acobertada pelos efeitos da coisa julgada.

A primeira possível interpretação ofende claramente a segu-


rança jurídica, já que seria possível – ao fim da marcha processual
– impugnar questões transitadas em julgado há mais de 2 anos.
Nesse caso, o prazo para ingressar com a rescisória contra a deci-
são parcial proferida no processo seria indefinido, podendo ultra-
passar os 2 anos previstos no próprio art. 975 do CPC-15.60

Além disso, tal posicionamento daria margem à nulidade de


algibeira, ou seja, a parte poderia, após anos de curso do proces-
so, alegar, ao seu final, através de ação rescisória, fundamento que
anule todos os atos processuais posteriores à decisão rescindenda
que já formou, há muito tempo, coisa julgada. Assim, sob pena de
ofensa aos princípios da economia e boa-fé processual, não se deve
adotar a interpretação sumulada pelo STJ.

A segunda interpretação deve ser a adotada, estando de acor-


do com as normas jurídicas (regras e princípios) do ordenamen-
to jurídico processual brasileiro. Didier pontua estar relacionada
tal interpretação com o princípio da igualdade, entendimento que
compartilhamos, o que demonstra no trecho a seguir:
Se há coisa julgada parcial, há possibilidade de execução defi-
nitiva desta decisão (art. 356, § 2º, CPC); se o credor não pro-
mover a execução dentro do prazo prescricional, sua pretensão
será encoberta pela prescrição. A coisa julgada parcial faz dis-
parar, em desfavor do credor, o início do prazo prescricional,
mas não faria disparar, em desfavor do devedor, o início do pra-
zo decadencial para propor a ação rescisória? O credor passa
a ter um prazo para executar; o devedor, um prazo indefinido
para propor a ação rescisória. Essa situação é, claramente, uma
ofensa ao princípio da igualdade.61

60  DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tri-
bunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis,
incidentes de competência originária de tribunal. Ed. Salvador: JusPodivm, 2016,
p. 462.
61  DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, 2016, p. 463. Utiliza do
mesmo argumento: SCHORIZA, Ana Paula. Capítulos da sentença, 2009, p. 195-
MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci 205
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Ravi Peixoto compartilha da interpretação de Didier,


acrescentando que o texto normativo do art. 975 do CPC-15 se re-
fere a cada capítulo que não possua relação de dependência com
outro, ou seja, “à decisão que substituiu por último cada capítulo”,
fundamentando-se em princípios processuais como o da isonomia,
segurança jurídica, duração razoável do processo e efetividade.62
Ademais, alega que, embora a existência de prazos autônomos para
ações rescisórias possa ocasionar problemas práticos, tal qual a
necessidade de analisar quais capítulos foram impugnados pelo
recurso e a relação de prejudicialidade entre os capítulos, as vanta-
gens teóricas e práticas superam os problemas.

5 Conclusão
Assim, o presente trabalho conclui:

a) O CPC-15 admitiu expressamente a coisa julgada parcial de


acordo com a teoria dos capítulos da sentença;

b) Deve-se interpretar sistematicamente o art. 975 do CPC-15,


em conjunto com as demais normas previstas no CPC-15 e na CF-
88, sob pena de violação aos princípios da segurança jurídica, coi-
sa julgada, boa-fé, economia, juiz natural e igualdade processual,
de modo que possa haver ações rescisórias autônomas no mesmo
processo, contando-se o prazo de 2 anos a partir do trânsito em
julgado da última decisão acerca da questão específica que foi aco-
bertada pelos efeitos da coisa julgada.

Finaliza-se, portanto, o presente artigo com excerto da obra de


Giuseppe Chiovenda:
“Para que a vida social se desenvolva o mais possível segura
e pacífica, é necessário imprimir certeza ao gozo dos bens da
vida, e garantir o resultado do processo”.63

225.
62  PEIXOTO, Ravi. Ação Rescisória e Capítulos da Sentença, p. 157-176.
63  CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, 2009.
MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci 206
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

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MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci 209
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

O princípio da primazia da decisão de mérito como


norma fundamental do processo civil brasileiro
Melissa Lucena1

O presente artigo propõe uma análise e observação do princípio da pri-


mazia da decisão de mérito na atual conjuntura processual. Conforme
se pode observar na Lei 13.105 de 2015, que institui o Código de Pro-
cesso Civil vigente, esta teve como um dos principais objetivos a criação
de mecanismos que possibilitassem uma tutela jurisdicional mais efetiva,
isto é, que o processo oferecesse um resultado verdadeiramente útil às
partes. O diploma processual ressalta o dever das partes e, principal-
mente, do magistrado em priorizar a resolução do mérito, fazendo o
possível para que ao final do processo seja proferida solução definitiva
para a questão levada a Juízo. Assim, o princípio da primazia da deci-
são de mérito vem auxiliar na concretização da efetividade do processo,
já que um processo justo e efetivo é aquele que proporciona às partes o
exame do mérito da demanda.
Palavras-chave: Primazia da decisão de mérito – Código de Processo
Civil de 2015 – Efetividade do Processo
Sumário: 1. Introdução; 2. Breves considerações acerca da evolução
do processo; 3. Princípio da primazia da decisão de mérito e efetivida-
de processual; 4. Dispositivos no CPC/2015 que objetivam efetivar o
princípio da primazia da decisão de mérito; 5. Considerações finais; 6.
Referências.

1 Introdução
O tema abordado no presente trabalho transita em torno da
compreensão e aplicação do princípio da primazia do mérito no
Direito Processual Civil pátrio, uma vez que o Código de Processo
Civil vigente elegeu em seu artigo 4º a solução integral do mérito
como princípio fundamental. Como é cediço, a nossa Carta Magna
assegura a duração razoável do processo possibilitando o emprego
de meios que permitam a celeridade na resolução do conflito (por
força do inciso LXXVIII, do seu artigo 5º). Assim, para dar maior
efetividade a este direito fundamental, o diploma Processual po-

1  Advogada. Graduada em Direito pelo Centro Universitário Tabosa de Almeida-


-ASCES. Pós-graduanda em Processo Civil Contemporâneo pela Universidade Fede-
ral de Pernambuco-UFPE.
MMelissMeMelis 210
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

sitivou, em seu texto legal, o princípio da primazia da decisão de


mérito que, como se verá no decorrer do estudo, tem por objetivo
tornar o processo mais efetivo, devendo o órgão julgador assegu-
rar, sempre que possível, a apreciação do mérito da causa.

Neste sentido, será feita uma breve análise sobre a evolução


da teórica processual, evidenciando a atual percepção do processo
como instrumento, medida legal com a qual se busca atingir um
fim. Ou seja, o processo deve ser considerado instrumento para
efetivação do direito material, devendo, para tanto, serem invalida-
dos apenas os atos que se mostrarem incompatíveis com os direitos
fundamentais.

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe em sua essência o


direito a uma tutela jurisdicional mais efetiva, onde os atos pro-
cessuais devem ter o máximo de aproveitamento, estimulando-se
a colaboração recíproca de todas as partes envolvidas no processo,
para que, ao final da demanda, seja proferida decisão de mérito.
Desta forma, o processo passará a ter maior utilidade, pois terá
como principal desígnio a resolução definitiva da causa trazida à
apreciação jurisdicional.

Para tanto, a atual Lei processual procurou positivar em vá-


rios dispositivos legais, os quais serão analisados no transcorrer
do presente artigo, meios que possibilitem a aplicação do princí-
pio da primazia do mérito, posto que o magistrado deve primar
pela resolução do mérito da demanda, oportunizando a correção
de possíveis vícios, aplicando a instrumentalidade das formas do
processo, para que se alcance o objeto principal da ação, e, con-
sequentemente, seja solucionado o caso concreto levado a Juízo.
Assim, a não análise do mérito passa a ser situação excepcional.

Portanto, a presente pesquisa mostra-se de total relevância,


haja vista a contemporaneidade do tema proposto, onde o CPC/2015
importou-se sobremaneira com a utilidade final do processo. O es-
MMelissMeMelis 211
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

tudo do princípio da primazia do mérito, o qual busca a efetividade


do Processo Civil; é de extrema utilidade para a comunidade jurí-
dica em geral, pois procura analisar as garantias que estão à dispo-
sição das partes para que estas tenham acesso ao referido direito.

2 Breves considerações acerca da evolução do


processo
Para compreendermos o processo civil que atualmente viven-
ciamos, é necessário observarmos a paulatina evolução que a teo-
ria do processo vem sofrendo. Destarte, podemos identificar pelo
menos três etapas metodológicas basilares, quais sejam: o sincre-
tismo, a autonomia e a instrumentalidade.

Inicialmente, o processo era concebido como simples fração


de direito privado, assemelhando-se a um negócio jurídico. Nesta
fase, denominada de sincretismo processual, o processo era des-
provido de qualquer autonomia, sendo entendido apenas como
mero procedimento ou conjunto sucessório de atos destinados a
permitir a aplicação do direito material desrespeitado.

Eis o que diz o professor Luiz Guilherme Marinoni, sobre o


ponto:
O processo constituía uma série de atos que deveriam ser pra-
ticados como consequência da litigiosidade da relação jurídica
de direito privado. Melhor: a relação privada, ao se tornar liti-
giosa, dava origem à necessidade da prática de um a sequência
de atos que faziam parte do rito judicial de aplicação do direito
material que se tornava litigioso2.

Dessa forma, nesta primeira fase, o processo civil não tinha


conceitos próprios ou métodos, onde sequer existia percepção de
relação jurídica entre os sujeitos. Assim, o processo chegou a ser
confundido como mero procedimento ao ser definido como “suces-

2  MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel.


Curso de Processo Civil, 2015, p. 423.
MMelissMeMelis 212
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

são de atos” ou “modo de exercícios de direitos”.

Entretanto, não demorou muito até surgirem questionamen-


tos sobre a concepção de processo inserido no âmbito privado. O
sistema processual percorreu uma etapa de formulação de novos
conceitos e estruturas bem organizadas, caracterizado pela ruptu-
ra dogmática entre o direito material e processual. Nascia, então, o
segundo período, conhecido como da autonomia processual.

A nova autonomia dada ao processo, com a fragmentação do


direito processual ante o direito material, bem como a nova defini-
ção do processo como de natureza pública, deve-se, principalmen-
te, aos estudos de Oskar Bülow, que tentou explicar a natureza do
processo, criando a conhecida teoria da relação jurídica proces-
sual, a qual afirma a existência de uma relação jurídica especial
entre as partes do processo, que não pode ser confundida com a
relação jurídica da matéria litigiosa, haja vista suas características
próprias, como seus sujeitos, seu objeto e seus pressupostos3.

Assim, nessa etapa, nasce a ciência do processo, que foi de ex-


trema importância para compreensão do processo, pois define con-
ceitos e estuda diversos fenômenos do direito processual, como,
por exemplo, a ação, os pressupostos processuais, as condições da
ação etc4. No decorrer do período da autonomia do processo, evi-
denciou-se que o processo não é um modo de exercício dos direitos
(colocado no mesmo plano dos demais modos previstos pelo direito
privado), mas o caminho para se obter uma proteção especial por
meio do órgão julgador, qual seja, a tutela jurisdicional. As normas
do direito processual não têm por objeto os bens da vida (próprios
do direito privado), e, sim, os fenômenos que ocorrem na vida do
processo (jurisdição, ação, defesa e processo).

Acontece que, por se preocupar sobremaneira em separar o

3  DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, 2009, p. 19.


4  JÚNIOR, Eloy Melo. Estudos contemporâneos sobre o novo CPC, 2016, p. 85.
MMelissMeMelis 213
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

direito processual do material, buscando formar uma teoria indi-


vidual e autônoma, sem conexão com o direito substancial, perce-
beu-se que a fase da autonomia do processo se distância da real
função do processo. Apesar de perceber a autonomia do direito
processual, restou-se evidenciada a necessidade de conduzir o pro-
cesso para resultados substancialmente justos, deixando de lado o
excesso do tecnicismo. Surgiu, pois, a terceira fase metodológica,
intitulada de instrumental, a qual faz paralelo com movimento ne-
oconstitucionalista.

Logo, os processualistas passaram a entender que o processo,


embora autônomo, consiste em técnica de pacificação social, razão
pela qual não pode se desvincular da ética nem de seus objetivos a
serem cumpridos nos planos social, econômico e político (escopos
metajurídicos). O direito processual, portanto, deve privilegiar a
efetividade e o resultado prático do processo, superando a ideia de
formalismo exacerbado. Dessa forma, o instrumentalismo proces-
sual tem por objetivo auxiliar na efetividade da prestação jurisdi-
cional, uma vez que o direito processual deve ser mecanismo para
concretude do direito material.

No cenário atual, percebe-se que a instrumentalidade do pro-


cesso está diretamente ligada ao neoconstitucionalismo, onde
se busca compatibilizar o direito processual com os princípios e
normas que emanam da ordem constitucional. Portanto, o direito
processual serve como instrumento de efetivação de direitos mate-
riais, servindo à proteção das liberdades, deixando de ser um me-
canismo de exclusiva utilização individual para se tornar um meio
à disposição do Estado para fazer justiça.

Nessa esteira, vale transcrever literalmente os apontamentos


feitos pelo professor Fredie Didier Jr. acerca da evolução do pro-
cesso:
A evolução histórica do processo costuma ser dividida em três

MMelissMeMelis 214
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
fases históricas: a) praxismo ou sincretismo, em que não havia
a distinção entre o processo e o direito material: o processo era
estudado apenas em seus aspectos práticos, sem preocupações
científicas; b) processualismo, em que se demarcam as fron-
teiras entre o direito processual e o direito material, com o de-
senvolvimento científico das categorias processuais; c) instru-
mentalismo, em que, não obstante se reconheçam as diferenças
funcionais entre o direito processual e o direito material, se
estabelece entre eles uma relação circular de interdependência:
o direito processual concretiza e efetiva o direito material, que
confere ao primeiro o seu sentido.
Parece mais adequado, porém, considerar a fase atual como
uma quarta fase da evolução do direito processual. Não obstan-
te mantidas as conquistas do processualismo e do instrumen-
talismo, a ciência teve de avançar e avançou.
Fala-se, então, de um Neoprocessualismo: o estudo e aplicação
do direito processual de acordo com esse novo modelo de re-
pertório teórico5.

Desta forma, a teoria do processo vem sendo gradualmente al-


terada, agregando as conquistas passadas, mas sempre buscando
dar real efetividade ao processo, pois este deve servir de instru-
mento de pacificação social.

3 Princípio da primazia da decisão de mérito e


efetividade processual
O Código de Processo Civil de 2015 elegeu, de forma inovado-
ra, o princípio da primazia da decisão de mérito como norma fun-
damental do sistema processual pátrio. A invocação desse instituto
é de extrema importância no cenário jurídico atual, pois reflete o
desejo de tornar o processo mais efetivo e útil às partes que bus-
cam uma atividade jurisdicional satisfativa.

Por oportuno, revela-se a reflexão feita pelo professor Fredie


Didier Jr. no que concerne ao princípio da primazia da decisão de
mérito. Vejamos:

5  DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, 2016. p. 34/35.


MMelissMeMelis 215
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
O CPC consagra o princípio da primazia da decisão de mérito.
De acordo com esse princípio, deve o órgão julgador priorizar
a decisão de mérito, tê-la como objetivo e fazer o possível para
que ocorra [...]6.

Assim, observa-se que, em vários dispositivos do diploma pro-


cessual, pretendeu-se ressaltar o dever de efetividade do processo,
haja vista que o magistrado deve, sempre que possível, enfrentar
o mérito da demanda. Portando, se for constatado um vício pro-
cessual e este puder ser corrigido/superado, o órgão julgador deve
solucionar o mérito da questão trazida a juízo.

Então, o princípio em comento direciona o processo para um


resultado mais efetivo, ou seja, o processo deve ser útil para as
partes. Por muitas vezes, o processo mostrava-se inútil, pois não se
chegava a discutir o mérito da demanda por haver um exacerbado
formalismo, levando ao descrédito a atividade jurisdicional. É nes-
se sentido que o Código de Processo Civil eleva a instrumentalida-
de das formas a postulado máximo, estimulando a correção ou sa-
nação de vícios, bem como o aproveitamento dos atos processuais,
com a colaboração mútua das partes e do juiz para que se viabilize
a apreciação do mérito7.

Contudo, os postulados em estudo não excluem a necessidade


de alguns requisitos para formalização de determinados atos, haja
vista que alguns requisitos são essenciais ao próprio ato. Entretan-
to, os mecanismos trazidos pelo CPC buscam oportunizar o conhe-
cimento do mérito, tornando mais democrática a prolação de uma
sentença definitiva.

Portanto, o magistrado, ao conduzir a causa, deverá evitar se


pautar por interpretações ritualísticas que deem ensejo à inviabi-

6  DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil , 2016, p. 137/188.


7  MORETTI, Deborah Aline Antonucci; COSTA, Yvete Flavio da. O princípio da
primazia da decisão de mérito no novo CPC como instrumento de efetividade da
jurisdição, 2016, p. 432/432
MMelissMeMelis 216
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

lização da análise do mérito da demanda8. Nesse diapasão, o atual


sistema processual, pauta-se pela cooperação de todos os sujeitos
envolvidas no processo, fundamento expresso no artigo 6º do cita-
do Código, para que ao final da demanda, superados todos os vícios
sanáveis, seja proferida decisão de mérito, conduzindo-se, desta
maneira, para um patamar de justiça e efetividade processual.

Certamente, a aplicação do princípio da primazia da decisão


do mérito, o qual impulsiona o processo rumo à decisão de mérito,
empregado conjuntamente com os institutos da cooperação e da
instrumentalidade das formas, servirá para dar maior efetividade
e utilidade ao processo, produzindo, pois, resultados mais justos.

4 Dispositivos do CPC/2015 que objetivam efeti-


var o princípio da primazia da decisão de mérito
Em análise mais atenta do atual arcabouço processual, pode-
mos observar que o CPC/2015 inseriu vários dispositivos legais
que buscam efetivar o princípio da primazia da decisão de méri-
to. Essas normas têm por objetivo viabilizar a atuação das partes,
principalmente, do órgão julgador, para que se alcance a máxima
utilidade e efetividade do processo.

Primordialmente, o artigo 4º do CPC/2015 reflete de forma


inédita o princípio fundamental à solução integrada do mérito. Se-
não, vejamos:
Art. 4º- As partes têm direito de obter em prazo razoável a solu-
ção integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

Tal postulado exprime três premissas diferentes. A primei-


ra delas codifica o princípio da duração razoável do processo, já
consagrado no inciso LXXVIII, do artigo 5º da Carta Magna, en-
tretanto, ainda não estava expressamente positivado no Código de
Processo Civil de 1973.
8  DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, 2016. p. 145.
MMelissMeMelis 217
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Em segundo lugar, a termo “solução integral do mérito” traz o


novo princípio da primazia da decisão de mérito, propósito princi-
pal do presente trabalho. O princípio da primazia do julgamento do
mérito aduz que as regras processuais que regem o processo civil
brasileiro devem balizar-se pela preferência, pela prioridade, da
resolução da questão de mérito, conduzido o processo para que, ao
seu final, seja possível julgar o mérito da demanda9.

Por derradeiro, o dispositivo legal em análise assegura a ati-


vidade satisfativa, promovendo, então, uma maior efetividade da
jurisdição, para que, ao final do processo, a parte consiga um re-
sultado verdadeiramente útil na resolução do caso concreto.

Ademais, os princípios extraídos do artigo 4º do CPC/2015,


devem ser aplicados em todas as fases e tipos processuais, inclusi-
ve em grau recursal, conforme pode ser depreendido de enunciado
emitido pelo Fórum Permanente de Processualistas Civis. Obser-
ve-se:
“O art. 4º tem aplicação em todas as fases e em todos os ti-
pos de procedimento, inclusive em incidentes processuais e na
instância recursal, impondo ao órgão jurisdicional viabilizar o
saneamento de vícios para examinar o mérito, sempre que seja
possível a sua correção.”

Neste sentido, esbarramos em diversos mecanismos que au-


xiliam a efetivação da resolução do mérito, como, por exemplo, os
artigos 6º, 76 e 139, inciso IX, todos do vigente Código Processual,
que, em suma, propõem uma cooperação das partes processuais,
essencialmente, do magistrado, na qual devem ser oportunizadas
as correções dos vícios, para que se possa conhecer o mérito da
demanda, e, assim, proferir tutela jurisdicional satisfativa.

Outrossim, o § 2° do artigo 282, do CPC/2015, mostra-se regra

9  MORETTI, Deborah Aline Antonucci; COSTA, Yvete Flavio da. O princípio da


primazia da decisão de mérito no novo CPC como instrumento de efetividade da
jurisdição, 2016, p. 416.
MMelissMeMelis 218
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

de extrema importância, pois exprime a vontade do legislador em


obter a solução do mérito da lide, uma vez que determina que o juiz
ignore os defeitos processuais, se a decisão de mérito não prejudi-
car aquele que se beneficia com a declaração da nulidade.

Cumpre destacar a luzente exemplificação de Alexandre Frei-


tas Câmara, sobre o ponto:
Pense-se, por exemplo, o caso em que o juiz observa não ter
havido a correta intimação do réu para comparecer em audi-
ência de instrução e julgamento, vicio este que só é percebido
quando os autos estão conclusos para sentença. Ora, se o ma-
terial probatório existente nos autos é suficiente para prolação
de uma sentença de improcedência do pedido (pronunciamen-
to de mérito favorável ao réu, que seria favorecido pela decre-
tação da nulidade da audiência a qual não fora regularmente
intimado), não há qualquer sentido em anular essa audiência.
Deve-se, pois, proferir sentença de mérito, e não anular o ato
processual10.

Merece ressalte, também, os seguintes mandamentos do diplo-


ma processual pátrio:
Art. 317: antes de proferir decisão sem resolução de mérito,
o órgão jurisdicional deverá conceder à parte oportunidade,
para, se possível, corrigir o vício;
Art. 321: antes de indeferir a petição inicial, o juiz deve mandar
que a parte autora a emende ou a complete.
Art. 485, § 7°: interposto apelação contra sentença que extin-
gue o processo sem exame de mérito, poderá o juiz retratar-se;
Art. 488 (enunciado que reitera o disposto no inciso § 2º do
artigo 282): sempre que for possível, o juiz deve priorizar a re-
solução do mérito em detrimento da decisão que não examina.
Art. 923. Par. ún: o relator, antes de considerar inadmissível o
recurso, concederá prazo de cinco dias ao recorrente, para que
seja sanado o defeito.
Art. 1.029 ,§ 3°: O Supremo Tribunal Federal ou Superior Tri-
bunal de Justiça poderá desconsiderar vicio formal de recurso

10  CÂMARA, Alexandre Freitas. O princípio da primazia da resolução do mérito e


o Novo Código de Processo Civil, 2015, p. 45.
MMelissMeMelis 219
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute
grave11.

Destarte, sobeja cristalina que o Código de Processo Civil/2015


forneceu vários mecanismos para aplicação do princípio da prima-
zia da decisão de mérito. Assim, em todas as fases do processo,
consoante se observou da dicção dos enunciados, o magistrado
deve, sempre que possível, superar os vícios da demanda, com o
escopo de resolver o mérito do processo, proferindo, por conse-
guinte, tutela jurisdicional mais adequada e efetiva.

Vale ressaltar, ainda, que o rol de artigos analisado não é taxativo,


existindo outros dispositivos na própria lei processual, na Constitui-
ção Federal e nas demais legislações extravagantes que endossam a
aplicação do presente princípio.

5 Considerações Finais
A partir das breves considerações tecidas no bojo do presente
estudo, parece ter restado evidenciada a importância do princípio
da primazia da decisão de mérito, que tem por objetivo tornar o
processo mais célere e efetivo, oferecendo um resultado mais útil
às partes ao final da demanda.

Em virtude das constantes demandas que eram extintas sem


conhecimento do mérito apenas por motivos meramente formais,
os quais poderiam ser superados sem lesionar direitos fundamen-
tais das partes, o Código de Processo Civil de 2015 buscou presti-
giar a resolução substancial da demanda, proporcionando meios
para que o processo se tornasse mais efetivo, isto é, tivesse a capa-
cidade de produzir efeitos válidos e mais úteis às partes que dese-
jam ter assegurados seus direitos.

Assim, em decorrência desse instituto, o juiz deverá sempre


tentar apreciar o mérito da demanda, viabilizando a correção de ví-
11  DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil I, 2016. p. 137/188.
MMelissMeMelis 220
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

cios, para que ao final do processo seja proferida decisão definitiva


de mérito. A inutilidade prática do processo acaba por desencora-
jar a busca pela resolução jurídica da lide. Dessa forma, deve ser
aplicado o princípio da instrumentalidade das formas do processo
para se pronunciar definitivamente sobre a questão suscitada, en-
sejando uma atividade jurisdicional satisfativa, de forma a garantir
que o processo seja realmente efetivo, ou seja, traga um resultado
que não leve a parte a buscar novamente o Judiciário para que o
mérito daquela demanda seja apreciado.

6 Referências
CÂMARA, Alexandre Freitas. O princípio da primazia da resolução do mérito e o Novo
Código de Processo Civil. V 18. N 70. P. 42-50. Rio de Janeiro: EMERJ. 2015.
DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil I. 18ª ed. Salvador: Juspodivm.
2016.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14º ed. São Paulo:
Malheiros. 2009.
JÚNIOR, Eloy Melo. Estudos contemporâneos sobre o novo CPC. Vol. 1. Recife: nossa
livraria. 2016.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso
de Processo Civil. V. 1. São Paulo: RT, 2015.
MORETTI, Deborah Aline Antonucci; COSTA, Yvete Flavio da. O princípio da primazia
da decisão de mérito no novo CPC como instrumento de efetividade da jurisdição. V 21.
P. 411-441. Fortaleza: Pensar. 2016.

MMelissMeMelis 221
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Inciso IV do art. 139do C ódigo de P rocesso


Civil: surgimento do inciso e aplicação em
alguns casos concretos .
Nathally Brandão Lins1

Com o advento do Código de Processo Civil em vigor, apresentaram-se


institutos inovadores e que se aproximam aos princípios norteadores da
Constituição Federal. Dentre estas inovações fora incluído o inciso IV do
art. 139 do CPC/2015, com a seguinte redação: “art. 139. O juiz diri-
girá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais
ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem
judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniá-
ria”, que está inserido em um extenso rol de condutas, que se espera de
um magistrado para a direção de um processo. Diante disso, diversos
debates surgiram a respeito da aplicação deste novo instituto e dos seus
alcances, alguns juristas entendendo que a aplicação do instituto causa
arbitrariedade e ferimento dos direitos e garantias do credor e outros
juristas entendem pela segurança jurídica, satisfação do crédito e para
desmascarar os devedores que agem de má-fé. O inciso é bastante ino-
vador e fornece poderes ao magistrado para determinar o cumprimento
das obrigações determinadas nas decisões exaradas processualmente.
Por fim, os casos concretos tratados neste artigo trazem as nuances das
aplicações do inciso IV do art. 139 do CPC/2015.
Palavras-chave: Inciso IV do art. 139 CPC – Casos concretos – Princípios
Sumário: 1. Introdução; 2; Princípios Norteadores; 2.1 Princípio da Se-
gurança Jurídica; 2.2 Princípio da Boa-fé; 2.3 Princípio da Motivação
das Decisões Judiciais ou Princípio da Fundamentação das Decisões Ju-
diciais; 2.4 Princípio da Cooperação do Juiz; 3. Do surgimento do inciso
IV do art.139 do CPC; 4. Da aplicação do inciso IV do artigo 139 do có-
digo de processo civil no caso concreto; 5. Conclusões; 6. Referências.

1 Introdução
O Código de Processo Civil de 2015 traz o fenômeno do Neo-
constitucionalismo, que tem como essência a construção de nor-
mas infraconstitucionais compatíveis com o conteúdo, princípios e
regras advindas da Constituição Federal do Brasil de 1988, ou seja,
tem-se o objetivo de tornar as legislações mais próximas da Magna
1  Advogada cível atuante, formada pela UNINASSAU, Pós-graduanda em Direito
Processual Penal, Civil, Trabalhista e Tributário pela UNINASSAU e Pós-graduanda
em Direito Processual Civil Contemporâneo pela UFPE.
NNathallNaNathalNaNat 222
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Carta, conforme art. 1º do CPC/15:


Art. 1o O processo civil será ordenado, disciplinado e interpre-
tado conforme os valores e as normas fundamentais estabele-
cidos na Constituição da República Federativa do Brasil, obser-
vando-se as disposições deste Código.

Nesta nuance, o código em vigor trouxe diversos institutos ino-


vadores e que se aproximam aos princípios norteadores da Cons-
tituição Federal, inclusive, com a inovação do art. 139, inciso IV
do CPC, que se encontra no Capítulo I da lei nº 13.105/15, com o
título: Dos poderes, dos deveres e das responsabilidades do juiz,
que determina o que se espera da conduta de um magistrado para
a direção de um processo. Desta forma, o art. 139 e seus incisos
apresentam um extenso rol de condutas.

Este rol de condutas já existia no código de 73, sem a figura do


inciso IV, mas já havia a presença tanto dos poderes quanto deve-
res e responsabilidades do magistrado, sendo assim, estas condu-
tas têm como embasamento o princípio do impulso oficial, previsto
no art. 2.º do CPC/15,
Art. 2o O processo começa por iniciativa da parte e se desenvol-
ve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei.

Desta forma, o art. 2º do CPC demonstra que o trâmite proces-


sual e sua condução serão atribuição do juiz, principalmente com
a inovação do inciso IV do art. 139 do CPC com o seguinte funda-
mento:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições
deste Código, incumbindo-lhe: IV - determinar todas as me-
didas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias
necessárias para assegurar o cumprimento. de ordem judicial,
inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniá-
ria.

O instituto do inciso IV do art. 139 traz a figura de medidas


coercitivas, indutivas, mandamentais, sub-rogatórias para que
seja assegurado o cumprimento do comando judicial, inclusive
NNathallNaNathalNaNat 223
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária, como por
exemplo, ações de alimentos.

O referido inciso é bastante inovador, justamente por forne-


cer poderes ao magistrado para impulsionar e forçar o devedor
de má-fé a cumprir com as obrigações determinadas nas decisões
exaradas, com determinações que possuem características como:
suspender a carteira nacional de habilitação, bem como o passa-
porte, efetivar o bloqueio de cartões de crédito, entre outras que se
adequem ao caso concreto apresentado ao Juiz dentro do processo.
Salienta-se que a aplicação do inciso IV do art. 139 será utilizada
de uma forma diversa da obrigação principal, conforme exemplos
ora mencionados.

Diante dos fatos, diversos debates surgiram a respeito da apli-


cação desse novo instituto e dos seus alcances, eis que há alguns
entendimentos de que atitudes arbitrárias poderiam ocorrer por
parte do magistrado, e que a nova previsão legal abre leque para
a restrição dos direitos fundamentais, trazendo uma insegurança
jurídica para o direito e para o devedor.

Ademais há entendimentos de que há ferimento dos direitos


e garantias do credor e que a inovação deste inciso vem com o ob-
jetivo de buscar a satisfação do crédito do autor, que é um direito
deste, e trazer segurança jurídica ao processo e desmascarar os
devedores que agem de má-fé.

Sendo assim, com a inclusão do inciso IV do art. 139 do CPC,


este presente ensaio traz um debate demonstrando aplicações em
casos concretos.

NNathallNaNathalNaNat 224
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

2 Princípios norteadores
Princípio da Segurança Jurídica
O princípio da segurança jurídica existe para que ocorra a es-
tabilidade nas relações jurídicas existentes no Ordenamento Jurí-
dico Brasileiro. Este princípio não se encontra explícito na Cons-
tituição Federal do Brasil, porém, encontra-se, de forma implícita,
espalhada em diversos dispositivos do ordenamento jurídico.

Esse princípio norteia o inciso IV do art. 139 do Código de Pro-


cesso Civil, em razão da necessidade do cumprimento das ordens
judiciais, tendo como consequência a efetiva segurança jurídica;
claramente com o magistrado respeitando a razoabilidade e a pro-
porcionalidade das ações, como por exemplo, coercitivas para o de-
vido cumprimento do comando judicial.

Assim, o magistrado para manter a ordem jurídica para o devi-


do cumprimento do comando judicial, utiliza-se o artigo em ques-
tão com o fito da garantia jurídica e constitucional, como explica
Canotilho2:
“[...]A durabilidade e permanência da própria ordem jurídica,
da paz jurídicosocial e das situações jurídicas”, sendo que outra
‘garantística jurídico-subjectiva’ dos cidadãos legitima a con-
fiança na permanência das respectivas situações jurídicas.

Desta forma, utilizar o princípio da segurança jurídica para a


aplicação do inciso IV do art. 139 do CPC-2015 é também assegu-
rar os direitos e garantias fundamentais do Estado Democrático de
Direito, transcendendo as relações jurídicas e externando\impul-
sionando o cumprimento de uma obrigação satisfativa no processo.

Princípio da boa-fé
O princípio da boa–fé encontra-se no art. 5º do Código de Pro-
cesso Civil, explicando que qualquer ato dentro de um processo

2  CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição,


1998, p. 374
NNathallNaNathalNaNat 225
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

ocorrerá a clareza, transparência, ou seja, de acordo com a boa-fé,


veja-se:
Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve com-
portar-se de acordo com a boa-fé.

Ou seja, o dispositivo engloba participação e cooperação tanto


das partes no processo quanto de todo o Poder Judiciário; sendo
assim, cria-se direito e deveres a serem cumpridos por todos os
envolvidos nesse princípio.

Diante do dispositivo acima, conclui-se sobre a importância


desse princípio na aplicação do instituto das medidas coercitivas e
outras encontradas no inciso IV do art. 139 do CPC-2015, confor-
me exemplo jurídico que se pode verificar a seguir. Imagine que há
uma ação onde o Autor tem a sua energia cortada pela Ré, tendo
aquele pago o sua fatura em data anterior ao vencimento, mas por
um erro, a Demandada suspendeu o fornecimento de energia do
imóvel. A parte Autora, no seu direito, adentrou com uma tutela
antecipada judicialmente, visto que administrativamente o seu pe-
dido de religação não fora atendido.

Diante do exposto, o magistrado deferiu o pedido liminar e de-


terminou que a Ré realizasse a religação, esta, mesmo intimada\ci-
tada, manteve-se inerte, tendo a parte autora se manifestado acla-
mando pela aplicação do inciso IV do art. 139 do CPC, com status
de medida coercitiva para que o seu pedido liminar fosse atendido.

Ante o caso exemplificativo acima, conclui-se que houve a bo-


a-fé da parte autora em requerer o instituto da medida coercitiva,
tendo em vista a transparência e demonstração do direito para que
ocorra a religação da energia em seu imóvel.

Conclui-se então, que o princípio da boa-fé tem uma correlação


ao instituto o inciso IV do art.139 do CPC, sendo a sua aplicação
perceptível e necessária.

NNathallNaNathalNaNat 226
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
Princípio da motivação das decisões judiciais ou princípio da
fundamentação das decisões judiciais
O princípio da motivação das decisões judiciais encontra-se in-
serido em vários dispositivos do ordenamento jurídico, bem como
expressamente na Constituição Federal do Brasil, dispondo sobre o
Estatuto da magistratura, conforme podemos constatar in verbis:
“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal
Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados
os seguintes princípios: (...)
IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário se-
rão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de
nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar
a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus
advogados, ou somente a estes;”

Nos casos jurídicos apresentados, o magistrado ao decidir pela


utilização do inciso IV do art. 139 do CPC, deverá motivar as suas
decisões fundamentá-las e estudando cada caso concreto para a
atualização deste dispositivo. Ou seja, assim como o Juiz funda-
menta e motiva as suas decisões como, por exemplo, na sentença,
terá também que motivar a utilização do dispositivo.

O ilustre mestre italiano Piero Calamandrei3 entende que:


“A fundamentação da sentença é sem dúvida uma grande ga-
rantia da justiça quando consegue reproduzir exatamente,
como num levantamento topográfico, o itinerário lógico que o
juiz percorreu para chegar à sua conclusão, pois se esta é erra-
da, pode facilmente encontrar-se, através dos fundamentos, em
que altura do caminho o magistrado se desorientou.”

Apesar de partir-se da premissa de que o Juiz tem discriciona-


riedade em escolher uma interpretação, bem como a técnica para a
aplicação no caso em sub judicie, conforme art. 371 do CPC, enten-
de-se que essa liberdade fica limitada no sentido de que é neces-
sário informar no processo qual foi o raciocínio utilizado, veja-se:

3  CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados, 2015, p.


78.
NNathallNaNathalNaNat 227
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, indepen-
dentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na de-
cisão as razões da formação de seu convencimento.

Conclui-se então, que este princípio resguarda as decisões do


magistrados que têm como fundamentação o inciso IV do art. 139
do CPC, sendo estas motivadas e com base nas diversas provas do-
cumentais, orais, entre outras que esclareçam a decisão apresen-
tada.

Princípio da cooperação do juiz


O inciso IV do art. 139 do CPC tem a sua relação junto ao prin-
cípio do art. 6º do CPC, onde consta que haverá cooperação das
partes para que obtenha o êxito da decisão de mérito justa e efeti-
va, senão veja-se:
Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que
se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

Ou seja, ao juiz cabe trabalhar com cooperação dentro do


processo, atingindo os âmbitos do esclarecimento, no sentido de
requerer especificações dos fatos, realizações de diálogos para
reconhecimento do contraditório, bem como atuar sempre com
prevenção no sentido de advertir as partes e auxiliar a eliminação
dos obstáculos.

Com base no entendimento de Luiz Guilherme Marinoni4, há


necessidade da cooperação nas relações judiciais tanto das partes
quanto o juiz, senão veja-se:
“encarar o processo civil como uma comunidade de trabalho
regida pela ideia de colaboração, portanto, é reconhecer que
o juiz tem o dever de cooperar com as partes, a fim de que o
processo civil seja capaz de chegar efetivamente a uma decisão
justa, fruto de efético ‘dever de engajamento’ do juiz no proces-
so. Longe de aniquilar a autonomia individual e auto-respon-
sabilidade das partes, a colaboração apenas viabiliza que o juiz
atue para a obtenção de uma decisão justa com a incrementação

4  MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil, 2008, p. 112.


NNathallNaNathalNaNat 228
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
de seus poderes de condução no processo, responsabilizando-
-o igualmente pelos seus resultados. A colaboração não apaga
obviamente o princípio da demanda e as suas consequências
básica: o juízo de conveniência a respeito da propositura ou não
da ação e a delimitação do mérito da causa continuar tarefas
ligadas exclusivamente à conveniência das partes. O processo
não é encarado nem como coisa exclusivamente das partes,
nem como coisa exclusivamente do juiz – é uma coisa comum
ao juiz e às partes (chose commune des parties et du juge)”

Desta forma, o Princípio da Cooperação norteia o inciso IV


do art. 139 do CPC, tendo em vista que as partes têm o dever de
colaborar entre si, além de cumprir com os comandados judiciais
determinados com o fito de que se obtenha, em tempo razoável,
decisão de mérito justa e efetiva.

3. Do surgimento do inciso IV do art. 139 do Códi-


go de Processo Civil
O nascimento do inciso IV do art. 139 do CPC deu-se quando
as partes que saíam vitoriosas dos processos e tornavam-se credo-
res, porém por muitas vezes não conseguiam obter a concretiza-
ção do êxito judicial. Posto, que a parte vencida não cumpre com
a obrigação imposta na sentença. A obrigação poderia tratar-se de
pagar, fazer, não fazer, entre outros, perpetuando-se assim ao lon-
go do processo judicial e que tinha como consequência o não cum-
primento do objeto do direito, que é a dissolução dos problemas
litigiosos e a satisfação da parte.

Desta forma, o Código de Processo Civil/2015 ao verificar a


necessidade para o cumprimento das ordens judiciais, inclusive
nas ações que tenham por objeto prestações pecuniárias, por meio
de lei, trouxe a inovação, permitindo que o magistrado determine
medidas, que podem ser: indutivas, coercitivas, mandamentais ou
sub-rogatórias; necessárias para assegurar o cumprimento de or-
dem judicial, conforme disposto do art. 139, inciso IV do CPC:

NNathallNaNathalNaNat 229
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições
deste Código, incumbindo-lhe:
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, man-
damentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cum-
primento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por
objeto prestação pecuniária;

Esta nova regra jurídica faz com que o magistrado aplique uma
medida bastante diversa da obrigação principal, podendo realizar,
por exemplo, a apreensão de Carteira Nacional de Habilitação, bem
como do passaporte; efetivar o bloqueio de cartões de crédito entre
outros para “forçar” que ocorra o cumprimento do comando judi-
cial contido na sentença e nas decisões no decorrer do processo.

Salienta-se que o juiz tem que se basear nos princípios nortea-


dores do direito para a aplicação do dispositivo, tendo em vista que
serão impostas medidas diversas da obrigação principal, com o fito
de que ocorra o cumprimento forçado pela parte que não efetuou
no tempo determinando a sua obrigação.

Ante o exposto, para que ocorra a aplicação do instituo do in-


ciso IV do art. 139 do CPC, o magistrado deverá ter como base os
princípios da proporcionalidade, a razoabilidade, da adequação ao
processo, tendo em vista que cada caso deverá ter a medida induti-
va, coercitiva, entre outras de um modo particular e ímpar, respei-
tando o art. 8º do código de Processo Civil/2015, veja-se:
Art. 8o Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos
fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e
promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a
proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade
e a eficiência.

Conforme destacado por Marinoni5, é extremamente lícita e


permissível a necessidade da atividade executiva para o devido
cumprimento por parte de um devedor, para que ocorra de fato a
satisfação do direito existente, veja-se:
5  MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Curso de Processo Civil, 2015. p. 74-75.
NNathallNaNathalNaNat 230
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
“[...] acontece que a sentença que reconhece a existência de um
direito, mas não é suficiente para satisfazê-lo, não é capaz de
expressar uma prestação jurisdicional efetiva, uma vez que não
tutela o direito e, por isso mesmo, não representa uma respos-
ta que permita ao juiz se desincumbir do seu dever perante a
sociedade e os direitos. Diante disso, não há dúvida que a tute-
la jurisdicional só se aperfeiçoa, nesses casos, com a atividade
executiva. Portanto, a jurisdição não pode significar mais ape-
nas iuris dictioou dizer o direito como desejavam os juristas
que enxergam na atividade de execução uma mera função ad-
ministrativa ou uma “função menor”. Na verdade, mais do que
direito à sentença, o direito de ação, hoje, tem como corolário o
direito ao meio executivo adequado”.

Sendo assim, o Código de Processo Civil de 2015 previu a ne-


cessidade da obtenção de êxito nas ações que careciam de cum-
primento efetivo das obrigações de pagar, fazer, não fazer entre
outros, por parte dos devedores e outras situações em que estes se
negavam a cumprir aos comandos judiciais, necessitando, então,
medidas diversas da obrigação principal para que o objetivo fosse
atingido.

4 Da aplicação do inciso IV do art. 139 do Código


de Processo Civil no caso concreto
Diversas têm sido as indagações a respeito do inciso IV do art.
139 do CPC, posto que alguns doutrinadores arguem que, deter-
minações coercitivas, como, por exemplo, apreensão de Carteira
Nacional de Habilitação, do passaporte, ou a efetivação do bloqueio
de cartões de crédito, seriam um ataque ao Princípio da Dignidade
Humana, ao direito de ir e vir e uma invasão aos princípios indivi-
duais.

Além disso, alguns doutrinadores têm debatido que o juiz po-


deria decidir de forma arbitrária e, com certas atitudes, restringir
os direitos fundamentais, tornando-se totalmente parcial e autori-
tarista, trazendo uma insegurança jurídica para o direito.

NNathallNaNathalNaNat 231
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Por outro lado, outros doutrinadores argumentam que ao mes-


mo tempo em que o devedor não pode ter suas garantias e direitos
fundamentais feridos, tampouco o credor pode ter os seus direitos
também feridos no sentido de deixar de receber o crédito ou ao
cumprimento da obrigação de fazer e não fazer contidos na decisão.

Diante de tais fatos, a jurisprudência vem se manifestando a


respeito da aplicação do inciso IV do art. 139 do CPC, trazendo esta
como um malefício ou um benefício para as partes processualmen-
te, inclusive para a satisfação e finalização do processo.

Sendo assim, algumas decisões, no sistema jurídico, trazem


a figura desse dispositivo como uma medida excepcional que não
se justifica para o caso concreto, como, por exemplo, a decisão do
Tribunal de São Paulo abaixo, em que a aplicação do dispositivo do
art. 139, inciso VI CPC fora afastada, eis que o entendimento foi de
que a medida excepcional não justificaria a sua aplicabilidade no
caso concreto, veja-se:
Agravo de instrumento – ação de execução de título extrajudi-
cial – pretensão que visa afastar determinação de suspensão
para dirigir e de utilização de cartão de crédito – inciso iv, do
art 139, cpc – medida excepcional que não se justifica para o
caso concreto - responsabilidade patrimonial do devedor – in-
teligência do art. 789, cpc - decisão afastada – recurso provido.
(TJ SP-AI: 2030717682017826000 SP 2030717-
68.2017.8.26.0000, Relator: Paulo Roberto De Santana Data
De Julgamento: 23/05/2017, 23ª Camara De Direito Privado,
Data De Publicação: 24/05/2017).

Na decisão acima o relator entendeu que tal medida (suspen-


são para dirigir e de utilização do cartão de crédito) estaria infrin-
gindo os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, além de
ocorrer a violabilidade do inciso XV do art. 5º da CF/88 e que o
devedor apenas tem que responder com os seus bens, conforme art.
789 do CPC/2015:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
NNathallNaNathalNaNat 232
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros resi-
dentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de
paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar,
permanecer ou dele sair com seus bens;
Art. 789. O devedor responde com todos os seus bens presentes
e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as res-
trições estabelecidas em lei.

Ademais, na visão desse julgador, há fortes limitações na apli-


cabilidade do dispositivo, principalmente por ferir princípios pre-
sentes na Constituição Federal do Brasil, decidindo que a aplicação
traria um malefício.

Ocorre que, nessa mesma decisão acima, há um voto vencido


do Desembargador Sérgio Shimurra, que demonstra, em parte, o
benefício na aplicabilidade do dispositivo do inciso IV do art. 139
do CPC ao caso concreto, com base e força no inciso XXXV do art.
5º da CF/88, art. 3º, 4°, 8º e art. 797 do CPC, conforme trechos
abaixo6:
[...]“a Constituição Federal dispõe que “não se excluirá da apre-
ciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito” (art. 5º, XXXV,
CF/88; art. 3º, CPC/2015).”.
[...]“se está havendo lesão ao direito do credor, marcadamente
quando o devedor nem se digna a justificar a impossibilidade
de cumprir a sua obrigação, é dever do juiz resguardar e aplicar
o princípio da eficiência e efetividade do processo em prol do
interesse do exequente (art. 8º c.c. art. 797, CPC/2015).”
[...]“e a efetividade da jurisdição se conjuga com o direito da
parte à “razoável a solução integral do mérito, incluída a ativi-
dade satisfativa” (art. 4º, CPC/2015; art. 5º, LXXVIII, CF/88).”
[...]“é certo que a obrigação de pagar quantia certa deve ser
cumprida com os bens do devedor (art. 789, CPC/2015; art. 391,

6  TJSP. Agravo de Instrumento: 2030717682017826000. Relator: Min. PAULO


ROBERTO DE SANTANA. Dj: 23-05-2017. JusBrasil, 2017. Disponível em: <https://
tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/ 521039602/21512384220178260000-sp-
21512384220178260000/inteiro-teor-521039652>. Acesso em: 18 fev. 2018.
NNathallNaNathalNaNat 233
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
Código Civil).”
[... ] “No entanto, para forçar e estimular o devedor a pagar, é
preciso que se adotem técnicas que atuem diretamente sobre
sua vontade, para que cumpra a obrigação original ou princi-
pal.”

Desta forma, o Relator diverge em parte da decisão que afastou


a aplicação do dispositivo do inciso IV do art. 139 CPC/2015/2015,
demonstrando que o devedor deve ser estimulado e forçado por
essa inovação, em razão de estar se esquivando de cumprir volun-
tariamente a obrigação principal e traz à luz, em favor do credor, o
princípio que exclui ameaça ou lesão ao direito deste, além de o juiz
aplicar o princípio da eficiência e efetividade do processo.

Em outra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo ocorreu


a aplicação do inciso IV do art. 139 do CPC, na qual se obteve como
embasamento que, após o esgotamento das tentativas da localiza-
ção dos bens do devedor, incumbe ao juiz determinar todas as me-
didas indutivas e coercitivas:
Execução – medidas executivas atípicas- medidas indutivas co-
ercitivas – bloqueio de cartão de crédito – cabimento – o prin-
cípio constitucional da dignidade humana (art. 1º, iii, CF) deve
ser analisado tanto da ótica do devedor como do credor – na
aplicação do ordenamento jurídico, incumbe ao juiz resguardar
a dignidade da pessoa humana, a razoabilidade e a eficiência
(art. 8º, CPC/2015) – diante do esgotamento das tentativas de
localização de bens do devedor, incumbe ao juiz determinar to-
das as medidas indutivas e coercitivas que assegurem o cum-
primento da ordem.
(TJSP; agravo de instrumento 2112371-77.2017.8.26.0000; re-
lator(a): roberto maia; órgão julgador: 20ª câmara de direito
privado; foro de piracicaba – 2ª vara cível; data do julgamento:
07/08/2017; data de registro: 11/08/2017)

Com a decisão acima, demonstra-se que o inciso IV do art. 139,


no caso concreto, poderá ser aplicado quando a parte utilizar to-
dos os requerimentos e vias ordinárias disponibilizadas ao credor
como, por exemplo, o BACENJUD/RENAJUD, entre outros, não
NNathallNaNathalNaNat 234
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

sendo estes efetivos, ocasionando então a não satisfação do crédito,


porque claramente o devedor, de forma ardilosa, pratica manobras
para não cumprir com a obrigação principal.

Ou seja, o instituto visivelmente poderá ser utilizado quando


todas as vias cabíveis para o recebimento do crédito não forem sa-
tisfativas e o devedor, mesmo tendo ciência da situação, ocultar
bens ou agir de má-fé para que não ocorra o recebimento por parte
do credor.

As decisões jurisprudenciais contêm bastante cautela dos ma-


gistrados, conforme acórdão acima, em que os julgadores utiliza-
ram-se da cautela para aplicar o inciso IV do art. 139 do CPC, ou
seja, conclui-se que a jurisprudência vem entendendo pela análise
de cada caso concreto para a aplicação do artigo, demonstrando
uma preocupação com a segurança jurídica das partes, bem como
a transparência das decisões.

5 Conclusão
O Código de Processo Civil de 2015, com o título Dos poderes,
dos deveres e das responsabilidades do juiz, determina o que se
espera da conduta do magistrado para a direção de um processo,
com a novidade do inciso IV do CPC, bem como os demais incisos
do art. 139, há o extenso rol de condutas.

Sendo assim, o instituto do inciso IV do art. 139 do CPC fora


uma inovação no Código de Processo Civil de 2015 e com ele trou-
xe, em favor das partes, assim como para o processo, a aplicação
dos princípios da segurança jurídica, da razoabilidade e da propor-
cionalidade, além de atingir a celeridade processual.

Baseando-se nas decisões apresentadas nesse artigo, percebe-


-se a cautela que vem sendo apresentada pelos magistrados, bem
como do estudo realizado para aplicação e manejo processual do

NNathallNaNathalNaNat 235
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Juízo, porém, ainda há relutância para a aplicação do instituto,


com bastante precaução e em algumas decisões os magistrados en-
tendem que são medidas excepcionais as quais não se justifica para
o caso concreto.

Observa-se que o inciso é bastante inovador e fornece poderes


ao magistrado para determinar o cumprimento das obrigações de-
terminadas nas decisões exaradas pelo douto magistrado.

Ademais, não havendo como prever circunstâncias de deter-


minado processo judicial, o magistrado terá que fazer uma análise
profunda e minuciosa do caso concreto, ademais, as partes em co-
laboração podem motivar e embasar o pedido do inciso IV do art.
139 do CPC, demonstrando que a sua aplicação irá efetivamente
assegurar o cumprimento de ordem judicial.

Desta forma, percebe-se que a sua aplicação será em cada caso


específico surgindo nas relações judiciais e da sua importância em
cada aspecto. Conclui-se, então, que para cada caso concreto será
estudada a aplicação do dispositivo, respeitando os princípios nor-
teadores do Direito Processual Civil e da Constituição Federal de
1988.

6 Referências
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constitui-
ção. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998.
CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados. São
Paulo: Clássica Editora, 2015.
DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil; 14ª ed. Salvador:
JusPODIVM, 2015.
MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do pro-
cesso. São Paulo: RT, 2008.
MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Curso de Processo Civil. São Paulo:
Ed. RT. 2015.

NNathallNaNathalNaNat 236
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Princípios O rientadores do D ireito processual


Civil: instrumentos utilizados para a prestação
da efetiva tutela de mérito
Paulo Santana1

O presente artigo destina-se à análise dos principais princípios presen-


tes no direito processual civil contemporâneo, que têm por finalidade
uma prestação jurisdicional de qualidade, prestação essa que deve se
pautar incessantemente e indubitavelmente na busca pela efetividade
da jurisdição, que pressupõe: de um lado, a duração razoável do pro-
cesso, pois como é de conhecimento, toda justiça lenta é injusta, todavia
nem toda justiça rápida pode ser classificada como justa; e do outro,
a maior proximidade do direito material no caso concreto (tutela de
mérito). Faz-se esse estudo mencionando os principais princípios pre-
vistos no CPC/2015, entre eles, o da razoável duração do processo, o
da inafastabilidade da jurisdição, o da cooperação e o da primazia do
julgamento de mérito. A pesquisa analisa posicionamentos adotados
pelos doutrinadores e especialistas, como também, os precedentes ju-
risprudenciais, a fim de obter o entendimento se foi proveitoso ou não
o sistema principiológico adotado pelo CPC de 2015. Para que essa
atividade seja desenvolvida de forma satisfativa, o estado-juiz deverá
trilhar um caminho buscando aplicar o conjunto normativo de forma
harmônica e observando as particularidades do caso concreto.
Palavras-Chave: Princípios Orientadores – Processo Civil – Tutela de Mé-
rito
Sumário: 1. Introdução; 2. Valorização do Processo Principiológico; 3.
Acesso à Justiça; 4. Contraditório dinâmico; 5. Celeridade Processual e
Primazia do Julgamento do Mérito; 6. Conclusão; 7. Referências.

1 Introdução
O Direito Processual Civil, assim como qualquer outro ramo do
direito, depende de uma compreensão histórica, isto é, de uma análise
do percurso histórico ocorrido pela figura do Estado para que se possa
entender como vai dar-se a atuação estatal.

Primordialmente, quando se tratava de Direito Processual era ine-


xistente a figura do Estado, pois a resolução dos conflitos acontecia
exclusivamente pela autotutela, ou seja, pela vingança privada. Diante
1  Bacharel em Direito pela Faculdade do Recife. Pós-graduando em Processo Civil
Contemporâneo pela UFPE e em Direito Público pela UniNassau.
PPaulPaPaulo 237
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

disso cada pessoa resolvia seu conflito de forma isolada, sem que hou-
vesse a mínima intervenção do Estado, pois este não estava preocupa-
do com os conflitos privados de cada cidadão. Desse modo, não havia
qualquer interesse do Estado em resolver estes problemas, cada pessoa
ficava responsável para resolver seus próprios conflitos, o que ocasio-
nava a prevalência do mais forte.

Assevera Cintra, Grinover e Dinamarco (1999, p. 27)


Nas fases primitivas da civilização dos povos, inexistia um esta-
do suficientemente forte para superar os ímpetos individualistas
dos homens e impor o direito acima da vontade das partes: por
isso, não só existia um órgão estatal que, com soberania e au-
toridade, garantisse o cumprimento do direito, como ainda não
havia sequer as leis (normas gerais e abstratas impostas pelo es-
tado aos particulares). Assim, quem pretendesse alguma coisa
que outrem o impedisse de obter haveria de, com sua própria
força e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a sa-
tisfação de sua pretensão.

Aos poucos, o Estado foi chamando para si essa figura arbitral,


através da resolução dos conflitos, ou seja, pelo monopólio da jurisdi-
ção. A princípio, quando o Estado toma para si a função jurisdicional
tem-se a figura do Estado liberal, isto é, ele vai assumindo aos poucos
a função jurisdicional sem muito interesse de resolver os conflitos, de
modo a tornar-se, conforme a expressão de Montesquieu, a boca da
lei. O Estado é meramente responsável por ouvir os conflitos e apli-
car a norma, pois não atua de forma criativa, proativa; ele não é um
protagonista no processo jurisdicional, uma vez que, os “atores” nesse
primeiro momento são as partes e os advogados.

Posteriormente, na perspectiva de um Estado social, percebeu-se


que o liberalismo jurídico ocasionou uma grande desigualdade social,
visto que não permite que todos os jurisdicionados possam defender
seus próprios direitos. Sendo assim, surge um Estado com a função de
pacificar os conflitos, de trazer justiça e paz social. Neste diapasão, o
Estado passou a assumir o protagonismo jurisdicional.

PPaulPaPaulo 238
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Na lição de Cintra, Grinover e Dinamarco (1999, p. 31)


[...] hoje, prevalecendo as idéias de Estado Social, em que ao Es-
tado se reconhece a função de promover a plena realização dos
valores humanos, isso deve servir, de um lado, para por em des-
taque a função jurisdicional pacificadora como fator de elimina-
ção dos conflitos que afligem as pessoas e lhes trazem angústia;
de outro, para advertir os encarregados do sistema, quanto à
necessidade de fazer do processo um meio efetivo para a rea-
lização da justiça. Afirma-se que o objetivo-síntese do estado
contemporâneo é o bem comum e, quando se passa ao estudo da
jurisdição, é licito dizer que a projeção particularizada do bem
comum nessa área é a pacificação com justiça.

Finalmente, chega-se ao Estado Democrático de Direito, quando


há a superação do Estados liberal e social. Assim, o Estado passa a se
preocupar com o devido processo legal, em outras palavras, um pro-
cesso com as previsões constitucionais e legislativas, com observância
do contraditório, da ampla defesa e com a efetiva participação das par-
tes, e por fim, com a possibilidade de fiscalização por parte do povo, da
atividade estatal.

O atual Código de Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de


2015, foi construído numa perspectiva de harmonização da lei proces-
sual com o texto constitucional, conforme se constata em seu art. 1°,
que disciplina: “O processo civil será ordenado, disciplinado e inter-
pretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos
na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as
disposições deste Código”. Com esse olhar, o CPC/2015 buscou compa-
tibilizar o processo com o Estado Democrático de Direito e ampliou o
poder de participação das partes nas decisões jurisdicionais, inclusive
permitindo a participação de terceiros como se verifica com a possibi-
lidade de participação da figura do “Amicus Curiae2” prevista no art.
138 do Código de Processo Civil de 2015. O Diploma buscou uma am-
pla participação das partes, o efetivo processo legal, o contraditório, a
2  Amicus Curiae é uma expressão em latim que significa amigo da corte. Empregada
para nomear instituições cuja finalidade é promover esclarecimentos no âmbito técnico com
objetivo de subsidiar a decisão jurisdicional.
PPaulPaPaulo 239
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

ampla defesa, a primazia do julgamento do mérito, com a finalidade de


atingir a eficaz e célere atividade satisfativa.

2 Valorização do Processo Princípiológico


Os princípios processuais são mecanismos indispensáveis para
a compreensão do processo, essenciais para o direcionamento da ati-
vidade jurisdicional. Esses elementos, não só no âmbito processual,
como também em todo âmbito jurídico, possuem três funções, quais
sejam: informativa, interpretativa e normativa. A função informativa
tem relação com o auxílio dos princípios para esclarecer as ideias do le-
gislador na hora da construção legislativa. A função Interpretativa, por
sua vez, serve para o aplicador do direito interpretar a legislação, in-
terpretar o direito. Já a função normativa servirá para todas as partes,
interessados e também aos julgadores como norma, já que possuem o
status de norma jurídica.

Ao apreciar-se o art. 1° do Código de Processo Civil de 2015, é pos-


sível compreender que este diploma deve ser interpretado e aplicado
em consonância com os valores e normas fundamentais previstas na
carta constitucional, tais como o devido processo legal, a inafastabili-
dade do controle jurisdicional3, a efetividade, o contraditório e a ampla
defesa, a isonomia, o juiz natural, a motivação das decisões judiciais, a
publicidade processual, entre outros.

É de conhecimento de toda comunidade jurídica que não só o


CPC/2015, no que se refere a sua aplicação, como também qualquer
normativo infraconstitucional, indubitavelmente, deve observância ao
comando da Constituição Federal. Conforme menciona Neves (2016,
p.1 e 2)
Ainda que se possa elogiar o dispositivo legal por consagrar ex-
pressamente a força normativa do texto constitucional, o seu
conteúdo não traz qualquer novidade ou mesmo inovação. Tra-

3  Trata-se de um princípio que tem por objetivo assegurar ao cidadão quando em um


conflito de interesses obter sua resolução por meio do estado juiz.
PPaulPaPaulo 240
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
ta-se, insista-se, do óbvio, inclusive não sendo exclusividade da
norma processual a exigência de que sejam construídas e inter-
pretadas de acordo com a constituição federal, sendo essa uma
realidade aplicável para qualquer espécie de norma legal.

Dessa forma, princípios constitucionais foram incorporados ex-


pressamente ao CPC/2015 com a finalidade de demonstrar a harmonia
com o texto constitucional e o art. 1° da respectiva norma exige que
as dúvidas interpretativas sejam resolvidas a favor da otimização dos
valores e das normas fundamentais previstas no texto constitucional.

3 Acesso à Justiça
O caput do art. 3° do CPC/2015 nos traz a seguinte redação: “Não
se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”.

O chamado princípio da inafastabilidade da jurisdição, também


conhecido como princípio do acesso à justiça ou da ubiquidade, remete
à ideia de que o Poder Judiciário apreciará a lesão ou ameaça à direito.
O Estado tem o dever de responder ao jurisdicionado, proferindo uma
decisão, mesmo que negativa.

Além disso, a garantia de recorrer à defesa estatal abrange duas


perspectivas: 1) quando houver lesões já ocorridas, de modo que aque-
le que se sentir lesado poderá buscar reparação à violação perante o
Poder Judiciário; 2) quando se verificar ameaça de lesão, podendo o
cidadão buscar proteção jurisdicional a fim de evitar que haja lesão a
direito.

O princípio da indeclinabilidade ou inafastabilidade revela à ga-


rantia que a parte tem de pleitear, junto ao Poder Judiciário, uma de-
terminada demanda e, além disso, de vê-la analisada. Assim, uma vez
que o órgão jurisdicional competente for acionado para resolver deter-
minado conflito não poderá se abster de julgar alegando lacuna na le-
gislação. Nesta senda, uma vez visualizada a falta de norma abstrata e
geral poderá o interprete incumbido da atividade jurisdicional se utili-

PPaulPaPaulo 241
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

zar de fontes alternativas, como por exemplo, a analogia, os costumes e


os princípios gerais do direito (DONIZETTI, 2016).

Vale salientar que, como toda regra, essa também comporta ex-
ceções, como exemplo, podemos visualizar a figura de mecanismos de
resolução consensual dos conflitos como a conciliação. Além disso, em
razão da exagerada quantidade de demandas judiciais e com o objetivo
de regulamentar o ingresso das partes no processo, é possível condicio-
nar o acesso à jurisdição a prévio exaurimento da via administrativa.

Nesse sentido, contempla-se a jurisprudência do STF, com relação


aos requisitos necessários para a concessão de benefício previdenciá-
rio:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL.
PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERES-
SE EM AGIR.1. A instituição de condições para o regular exer-
cício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da
Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em
agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo.2. A concessão de
benefícios previdenciários depende de requerimento do interes-
sado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de
sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o pra-
zo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigên-
cia de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento
das vias administrativas.3. A exigência de prévio requerimento
administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da
Administração for notória e reiteradamente contrário à postula-
ção do segurado.4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabe-
lecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido,
considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a pres-
tação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado
diretamente em juízo – salvo se depender da análise de matéria
de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração –,
uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não
acolhimento ao menos tácito da pretensão. [...]” (RE 631.240/
MG, Rel. Min. Luiz Roberto Barroso, j. 03.09.2014).

No que se refere aos mecanismos alternativos de solução de con-


flitos, parece contraditório falar em inafastabilidade da jurisdição. No
entanto, a jurisdição é inafastável, portanto, é um direito do cidadão e
PPaulPaPaulo 242
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

um dever do Estado. Contudo, a jurisdição não é monopólio do órgão


estatal. Os cidadãos podem e o ordenamento jurídico os incentivam na
busca de instrumentos para resolução de seus conflitos.

4. Contraditório Dinâmico (princípios da coopera-


ção e da boa-fé Processual)
O princípio do contraditório está previsto no inciso LV do art. 5°
da Constituição Federal, segundo o qual “aos litigantes, em processo
judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela ineren-
tes”.

O CPC de 2015 foi construído com o objetivo de que o processo se


estabeleça como um elemento democrático de dimensionamento dos
conflitos, ou seja, de forma cooperativa. Não se trata aqui de uma mera
abertura para a participação das partes (contraditório em sua dimen-
são formal). Garante-se que as partes possam influenciar de maneira
adequada o magistrado na solução de determinada lide (contraditório
em sua dimensão material).

Assim, em regra, o juiz não pode decidir nenhuma questão a res-


peito da qual não se tenha dado a oportunidade de a parte se manifes-
tar, conforme prevê o caput do art. 9° do CPC, vejamos: “Não se proferi-
rá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”.

Discorrendo sobre esse assunto, leciona Neves (2016, p. 22)


Diante do exposto, não é feliz a redação do art. 9°, caput, do novo
CPC, ao prever que o juiz não proferirá decisão contra uma das
partes sem que esta seja previamente ouvida. Na realidade, não
há qualquer ofensa em decidir sem que a outra parte tenha sido
ouvida, já que a manifestação dela é um ônus processual. A única
compreensão possível do dispositivo legal é de que a decisão não
será proferida antes de intimada a parte contraria e concedida a
ela uma oportunidade de manifestação. Afinal, a circunstância
de poder ser ouvida, que não se confunde com efetivamente ser
ouvida, já é o suficiente para se respeitar o princípio do contra-
PPaulPaPaulo 243
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
ditório.

Conforme o explicitado, é possível verificar o dever de consulta do


magistrado com previsão no art. 10, vejamos: “O juiz não pode decidir,
em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do
qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda
que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”. Esse dever
é, na realidade, uma ramificação, um consectário, do princípio do con-
traditório. Assim, o dispositivo prevê que o juiz, antes de decidir algo,
deve conceder às partes oportunidade para se manifestar, mesmo que
constitua um tema que deva ser decidido de ofício. É uma forma de o
juiz possibilitar que as partes possam influenciar na decisão que será
tomada, concretizando o princípio do contraditório e evitando decisões
surpresas no curso do processo.

Existem, contudo, exceções. O parágrafo único menciona que o


disposto no caput não se aplica nas hipóteses de tutela provisória de
urgência, nas hipóteses da tutela de evidência e no caso de evidencia do
direito do autor da ação monitória, pois a prolação de decisões inaudita
altera parte, por meio da técnica do contraditório postergado4 (ulte-
rior) constitui uma exceção à regra.

Trata-se de uma mudança de paradigma na aplicação do Direito,


isto é, o novo modelo processual constitui-se em uma comunidade de
trabalho, conforme prevê o art. 6° do CPC que diz: “Todos os sujeitos
do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo
razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

Segundo Donizetti (2016, p. 42)


“o dever de cooperação estaria voltado eminentemente para o
magistrado, de modo a orientar sua atuação como agente cola-
borador do processo, inclusive como participante ativo do con-
traditório, não mais se limitando a mero fiscal de regras. Entre-
tanto, não somente o juiz deve colaborar para a tutela efetiva,

4  Trata-se de garantia de defesa dada a parte em uma relação processual sendo


posterior a uma medida cautelar deferida pelo juiz.
PPaulPaPaulo 244
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
célere e adequada. Todos aqueles que atuam no processo (juiz,
partes, oficial de justiça, advogados, ministério público etc.) tem
o dever de colaborar para que a prestação jurisdicional seja con-
cretizada da forma que prescreve a carta de 1998. Nesse sentido,
o CPC/2015 estabelece que “todos os sujeitos do processo devem
cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, deci-
são de mérito justa e efetiva”.

O princípio da cooperação postula por um equilíbrio, sem prepon-


derância das partes ou do magistrado (código policêntrico). Na realida-
de, todos os envolvidos no processo (partes, juiz, testemunhas, peritos,
servidores, advogados) devem atuar de forma cooperativa, em respeito
às regras de lealdade. Nesse aspecto, podemos afirmar que o princípio
da cooperação se aproxima do princípio da boa-fé objetiva.

Desse modo, ao se falar em cooperação não se pretende que autor e


réu se ajudem mutuamente, o que é impossível, mas que ambos atuem
com observância aos deveres de boa-fé prevista no art. 5° do CPC/2015
que dispõe: “Aquele que de qualquer forma participa do processo deve
comportar-se de acordo com a boa-fé”.

Sobre essa boa-fé processual vejamos a jurisprudência temática:


Processual Civil. Tempestividade Da Apelação. Suspen-
são Do Processo. Homologação Antes De Ser Publicada
A Decisão Recorrida. Impossibilidade Da Prática De Ato
Enquanto Paralisada A Marchaprocessual. Hipótese Que
Não Se Confunde Com A Alegada Modificação De Prazo
Peremptório. Boa-Fé Do Jurisdicionado. Segurança Jurí-
dica E Devido Processo Legal. Nemo Potest Venire Contra
Factum Proprium. 1. O objeto do presente recurso é o juízo ne-
gativo de admissibilidade da Apelação proferido pelo Tribunal
de Justiça, que admitiu o início da contagem de prazo recursal
de decisão publicada enquanto o processo se encontra suspenso,
por expressa homologação do juízo de 1º grau. 2. Cuida-se, na
origem, de Ação Declaratória ajuizada pela recorrente contra o
Município de Porto Alegre, tendo como objetivo a declaração de
nulidade de processo administrativo que culminou na aplicação
de penalidades pela instalação irregular de duas Estações Rádio
Base (ERBs) naquela municipalidade. 3. O Tribunal a quo não
conheceu da Apelação da ora recorrente, porquanto concluiu

PPaulPaPaulo 245
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
que se trata de recurso intempestivo, sob o fundamento de que
a suspensão do processo teria provocado indevida modificação
de prazo recursal peremptório. 4. Com base nos fatos delinea-
dos no acórdão recorrido, tem-se que: a) após a interposição dos
Embargos de Declaração contra a sentença de mérito, as par-
tes convencionaram a suspensão do processo pelo prazo de 90
(noventa) dias; b) o juízo de 1º grau homologou a convenção em
12.9.2007 (fl. 343, e-STJ); c) posteriormente, em 2.10.2007, foi
publicada a sentença dos aclaratórios; d) a Apelação foi interpos-
ta em 7.1.2008. 5. Antes mesmo de publicada a sentença contra
a qual foi interposta a Apelação, o juízo de 1º grau já havia ho-
mologado requerimento de suspensão do processo pelo prazo de
90 (noventa) dias, situação em que se encontrava o feito naquele
momento, conforme autorizado pelo art. 265, II, § 3º, do CPC.
6. Não se trata, portanto, de indevida alteração de prazo pe-
remptório (art. 182 do CPC). A convenção não teve como objeto
o prazo para a interposição da Apelação, tampouco este já se en-
contrava em curso quando requerida e homologada a suspensão
do processo. 7. Nessa situação, o art. 266 do CPC veda a prática
de qualquer ato processual, com a ressalva dos urgentes a fim
de evitar dano irreparável. A lei processual não permite, desse
modo, que seja publicada decisão durante a suspensão do feito,
não se podendo cogitar, por conseguinte, do início da contagem
do prazo recursal enquanto paralisada a marcha do processo. 8.
É imperiosa a proteção da boa-fé objetiva das partes da relação
jurídico-processual, em atenção aos princípios da segurança ju-
rídica, do devido processo legal e seus corolários – princípios da
confiança e da não surpresa - valores muito caros ao nosso or-
denamento jurídico. 9. Ao homologar a convenção pela suspen-
são do processo, o Poder Judiciário criou nos jurisdicionados
a legítima expectativa de que o processo só voltaria a tramitar
após o termo final do prazo convencionado. Por óbvio, não se
pode admitir que, logo em seguida, seja praticado ato proces-
sual de ofício - publicação de decisão - e, ademais, considerá-lo
como termo inicial do prazo recursal. 10. Está caracterizada a
prática de atos contraditórios justamente pelo sujeito da relação
processual responsável por conduzir o procedimento com vis-
tas à concretização do princípio do devido processo legal. Assim
agindo, o Poder Judiciário feriu a máxima nemo potest venire
contra factum proprium, reconhecidamente aplicável no âmbito
processual. Precedentes do STJ. 11. Recurso Especial provido.
(STJ - REsp: 1306463 RS 2011/0227199-6, Relator: Ministro
HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 04/09/2012, T2 -
SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/09/2012).
PPaulPaPaulo 246
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Observa-se, através da jurisprudência supracitada, que não apenas


as partes devem se comportar de acordo com a boa-fé, mas também o
magistrado, vedando assim o comportamento contraditório (conforme
o enunciado 375 do FPPC, “O órgão jurisdicional também deve com-
portar-se de acordo com a boa-fé objetiva”).

Portanto, o princípio da boa-fé objetiva processual é uma cláusula


geral que impõe que as partes, como o Juiz, o perito, o advogado, a
testemunha, observem durante todo o processo, seguindo os padrões
éticos de conduta.

5 Celeridade Processual e Primazia do Julgamen-


to do Mérito
O maior desejo daquele que busca a atividade jurisdicional nada
mais é que a resolução de um conflito de interesses da forma mais ágil
e efetiva possível. A CF/88 em seu art. 5°, inciso LXXVIII prevê: “a to-
dos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação”, explicitando, assim, o “princípio da razoável duração do
processo”.

Nesse prisma, o CPC preocupou-se com essa aspiração dos usuá-


rios e construiu o art. 4° que traz a seguinte redação: “As partes têm o
direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, inclu-
ída a atividade satisfativa”. O dispositivo citado é fonte do princípio da
razoável duração do processo e do princípio da primazia do julgamento
do mérito.

Vejamos a jurisprudência sobre o tema:


Recurso De Apelação. Inexistência De Defeito De Repre-
sentação. Substabelecimento Com Assinatura Digitaliza-
da. 1. Não há falar em defeito de representação quando o recur-
so de apelação possui assinatura do advogado substabelecido. 2.
Em razão da primazia da decisão de mérito, norma fundamen-
tal que passa a orientar o sistema processual brasileiro, deve o
PPaulPaPaulo 247
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
magistrado assegurar a correção do vício de forma pela parte
antes de inadmitir qualquer recurso. 3. Recurso conhecido e
provido. Maioria. (TJ-MA - AGR: 0615312015 MA 0000936-
16.2013.8.10.0034, Relator: MARCELINO CHAVES EVERTON,
Data de Julgamento: 15/03/2016, QUARTA CÂMARA CÍVEL,
Data de Publicação: 22/03/2016).

Tem-se que ao princípio da primazia do julgamento do mérito de-


corre de um dos deveres previstos pelo princípio da cooperação inscri-
to no art. 6° do hodierno processo civil, qual seja, o dever de prevenção.
Sendo assim, o juiz deve apontar as deficiências no que for postulado
pelas partes facilitando para que possam ser supridas.

Segundo Neves (2016, p. 11)


pelas óbvias razões apresentadas, cabe ao juiz fazer o possível
para evitar a necessidade de prolatar uma sentença terminativa
no caso concreto, buscando com todo o esforço chegar a um jul-
gamento do mérito. Essa é uma realidade incontestável, e bem
representada pelo art. 282, § 2°, do novo CPC ao prever que o
juiz, sempre que puder decidir o mérito a favor da parte a quem
aproveite a declaração de nulidade, deve ignorar o vício formal
e proferir decisão de mérito. É a prevalência do julgamento de
mérito aliada ao princípio da instrumentalidade das formas.

Entende-se que o juiz vai conduzir o processo buscando a solução


integral do mérito e, para tanto, ele deve observar o contraditório, de
modo a permitir que o ato processual seja aperfeiçoado. Isto é, ele não
julgará sem resolução do mérito sem antes dar oportunidade a parte de
regularizar o ato processual.

Nessa linha de pensamento, pode, ainda, o juiz desconsiderar uma


nulidade quando for decidir a favor daquele que seria beneficiado, se a
nulidade fosse reconhecida.

Convém mencionar que a primazia do julgamento de mérito tam-


bém tem como objetivo combater a famigerada jurisprudência defensi-
va, que são mecanismos criados pelos Tribunais com o intuito de não
examinarem o mérito do recurso, como, a exemplo, a Súmula 115 do

PPaulPaPaulo 248
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

STJ, vejamos: “Na instancia especial é inexistente recurso interposto


por advogado sem procuração nos autos”.

É de grande valia ainda destacar, conforme o Enunciado 372 do


FPPC, que o art. °4 em comento deve ser aplicado em todas as fases do
processo e em todos os tipos de procedimento, inclusive em incidentes
processuais e na esfera recursal, compelindo o órgão jurisdicional a
facilitar o saneamento de vícios para examinar o mérito, sempre que
seja possível a sua correção.

6 Conclusão
A Constituição Federal é o centro da estrutura hierárquica do
nosso ordenamento jurídico, de modo que, todas as demais normas
que compõem ramos jurídicos específicos passam pelo filtro constitu-
cional. Naturalmente, o Direito Processual Civil deve ser construído a
partir dos valores e preceitos constitucionais. É necessário, portanto,
estabelecer um diálogo interdisciplinar com a Constituição.

A constituição fixa um modelo processual, o qual é desenvolvido


pelas leis processuais. Assim o que for de encontro com a carta consti-
tucional é inconstitucional. O Código de Processo Civil traz em seu ca-
pítulo introdutório as denominadas normas fundamentais do processo
civil. O legislador pretendeu reunir, nos primeiros artigos, as regras e
os princípios que orientam toda codificação.

Embora não se confundam com as regras, os princípios possuem


força cogente, possuem caráter vinculativo e podem servir como único
fundamento para justificar uma decisão judicial. Ao contrário do que
tínhamos há duas décadas, hoje, majoritariamente, tanto na doutri-
na e jurisprudência, como também na legislação, os princípios não são
apenas considerados vetores interpretativos, são considerados como
normas.

Conclui-se que o legislador infraconstitucional buscou harmoni-

PPaulPaPaulo 249
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

zar o Código de Processo Civil com a Carta da República e introduziu


em seu texto princípios que irão orientar toda atividade jurisdicional
do Estado, dentre eles, o da inafastabilidade da jurisdição, acesso à jus-
tiça, contraditório, cooperação, boa-fé, razoável duração do processo e
primazia do julgamento de mérito. Esses princípios vinculam o poder
judiciário no que tange à sua atividade típica de julgar e têm como ob-
jetivo, sempre que possível, a busca pela primazia do julgamento do
mérito.

7 Referências
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DIMARCO,
Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros Edito-
res, 1999.
DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 19. ed. São
Paulo: Atlas, 2016.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção (Ed.). Novo Código de Processo Civil Co-
mentado. Salvador: Juspodivm, 2016.

PPaulPaPaulo 250
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

A constitucionalização do C ódigo de P rocesso


Civil de 2015 através da incorporação dos
princípios e normas fundamentais e seu impacto
para o novo modelo processual
Paulo Roberto de Macêdo Brandão1

Esta publicação tem por desígnio analisar os objetivos do Código de


Processo Civil de 2015 a partir do exame histórico da evolução do direi-
to processual civil brasileiro, da incorporação dos princípios e normas
fundamentais e seu impacto para o novo modelo processual. Tendo em
vista a constitucionalização do processo, com a reconstrução do pensa-
mento processualista, a fim de apontar a necessidade de uma alteração
qualitativa e consciente na interpretação e na aplicação da legislação
processual civil, necessitando acompanhar a sociedade, modernizando-
-se e evoluindo de acordo com as necessidades sociais, políticas, cultu-
rais e dos instrumentos à disposição para sua efetivação.
Palavras-chave: Constitucionalização – Princípios e Normas - Código de
Processo Civil
Sumário: 1. Introdução; 2. Breves considerações sobre a evolução do
processo civil brasileiro; 3. A constitucionalização do Código de Proces-
so Civil de 2015 através da incorporação dos princípios e normas fun-
damentais e seu impacto para o novo modelo processual; 4. Conclusão;
5. Referências.

1 Introdução
Muito embora a recepção de princípios no âmbito do processo
civil seja tratada como uma novidade legislativa, desde os primórdios
do Código de 1973, já se era possível vislumbrá-los ao longo dos seus
dispositivos.

Com o advento da Lei 13.105/2015, Código de Processo Civil, que


passou a regulamentar a matéria processual, os princípios ganharam
maior notoriedade, sobretudo, aqueles oriundos da Carta Constitu-
cional, cuja reprodução na lei ordinária reforçou a importância e va-
lidade do instituto no mundo jurídico.

1  Advogado, Bacharel em Direito pelo Grupo Ser Educacional, Pós graduando em


Direito Imobiliário pela EPD – Escola Paulista de Direito; Pós-graduando em Pro-
cesso Civil Contemporâneo pela UFPE.
PPaulPaPaulo PPaPaPauloPaPaulo 251
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Isso porque, o sistema legislativo é dotado de inúmeras lacunas,


fato que, muitas vezes, dificulta a tarefa do julgador que, por outro
lado, encontra nos princípios o caminho para granjear o mérito e sa-
tisfazer o direito das partes.

Contudo, a finalidade do processo não se limita ao regozijo do


mérito. Muito pelo contrário! O processo, em termos gerais, deve ser
visto como uma trajetória para a solução de um conflito, onde as par-
tes possuam paridade de armas e se mantenham em pé de igualdade
perante a autoridade judicial, no que tange ao tratamento e aos meios
de galgar o seu direito.

Além de todas essas benesses proporcionadas pela aplicação dos


princípios, há de se ressaltar também, que, a introdução deles no pla-
no do direito processual, sem dúvida, foi a de exaltar a força nor-
mativa da Constituição e a necessidade de se garantir a efetividade
dos direitos fundamentais ali esposados, conquanto, na concepção de
alguns doutrinadores, essa reiteração legal seja desnecessária, já que
as normas constitucionais são de respeito obrigatório erga omnes.

Em contrapartida, há os que acreditam que, mesmo com os es-


forços do legislador em repisar os princípios constitucionais na con-
juntura do atual Código de Processo Civil, ainda assim, não será
suficiente para se culminar o fim que se almeja, qual seja, a concreti-
zação dos direitos fundamentais dentro do processo, tendo em vista
a dificuldade para se abandonar decrépitas práticas errôneas e exa-
geradas que sempre resultaram em pontos negativos para as partes e
para o processo.

Diante disso, o presente artigo tem a finalidade de averiguar a


supremacia da Constituição frente a norma processual civil, e como a
introdução de princípios constitucionais em seu contexto impactará
o novo modelo processual, sobretudo, para às garantias processuais
e a materialização do direito.

PPaulPaPaulo PPaPaPauloPaPaulo 252


Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

2 Breves considerações sobre a evolução do


Processo Civil brasileiro
Inegável que toda relação humana esteja vulnerável a gerar in-
teresses antagônicos que, muitas vezes, pode desencadear uma con-
tenda. Mas também, é indiscutível que a sociedade evolui constan-
temente, e com isso, faz surgir a necessidade de se idealizar novos
meios de resolução desses conflitos.

Um dos mais famosos meios de exercício do direito na história


foi a autotutela, marcado pelo direito natural e onde os indivíduos
faziam justiça pelas próprias mãos, posteriormente substituído pelo
Positivismo, ou seja, pela atuação do Estado-juiz que agia como um
terceiro imparcial, substituindo a vontade das partes, na prestação
da tutela jurisdicional.

E é através de um conjunto de atos integrados, direcionados, se-


gundo uma ordem, um modo e um tempo predeterminados, deno-
minado de Processo, que o Estado-juiz proporciona a satisfação do
direito material das partes.

Também, é a partir daí que o processo abandona aquela concep-


ção privatista, oriunda do direito civil, sustentada pelo direito roma-
no até meados do século XIX, e passa a ganhar contornos publicista e
de ciência jurídica independente do direito material.

Oskar Von Bulow, ao divulgar sua teoria sobre a relação jurídica,


explica que o processo é “uma relação de direito e obrigações recípro-
cos, ou seja, uma relação jurídica, e demonstrou que esta relação vin-
culativa do juiz e das partes é de Direito público e distinta da relação
jurídica material”2.

Contudo, na lição de Dinamarco e de acordo com o Princípio da


Instrumentalidade, “o processo não deve ser compreendido como um
fim em si mesmo, mas sim, como meio legalmente admitido de asse-
2  CARMO, Wagner José Elias. Finalidade e natureza do processo.
PPaulPaPaulo PPaPaPauloPaPaulo 253
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

gurar um direito materialmente invocado”3.

Com base nisso, é mister que o processo seja aplicado e interpre-


tado em consonância com outros ramos das ciências jurídicas, justa-
mente para se garantir a efetividade do direito, como aponta Ovídio
Baptista4, ao lecionar que
“o direito objetivo não constitui um conglomerado caótico de
preceitos isolados. Os ramos da ciência jurídica, por conse-
guinte, embora autônomos, devem restar integrados em um
sistema, formar um conjunto harmônico de normas coordena-
das em interdependência metódica. Não se encontra um prin-
cípio isolado em ciência alguma”.

Na visão do jurista Alemão Erik Jayme, por meio da teoria inti-


tulada de “Diálogo das Fontes”, a ideia de que as leis devem ser apli-
cadas de forma isolada umas das outras é afastada, de modo que o
ordenamento jurídico deve ser interpretado de modo unitária5.

A teoria surge para fomentar a ideia de que o Direito deve ser in-
terpretado como um todo de forma sistemática e coordenada. Segun-
do a teoria, uma norma jurídica não excluiria a aplicação da outra,
como acontece com a adoção dos critérios clássicos para solução dos
conflitos de normas (antinomias jurídicas) idealizados por Norberto
Bobbio. Pela teoria, as normas não se excluiriam, mas se complemen-
tariam. Nas palavras do professor Flávio Tartuce, “a teoria do diálogo
das fontes surge para substituir e superar os critérios clássicos de
solução das antinomias jurídicas (hierárquico, especialidade e cro-
nológico). Realmente, esse será o seu papel no futuro”6.

Durante a sua vigência, o Código de Processo Civil de 1973 bus-


cou se servir de outros ramos do direito para perfazer o fim que se
buscava no processo, porém, essa intenção estava bem distante da

3  Idem.
4  SILVA, Ovídio Araújo Baptista da Silva; GOMES, Fábio Luiz; SILVA, Jaqueline
Mielke; BAPTISTA, Luiz Fernando. Teoria Geral do Processo.
5  PRADO, Sérgio Malta. Da teoria do diálogo das fontes.
6  Flávio Tartuce apud PRADO, Sérgio Malta. Da teoria do diálogo das fontes.
PPaulPaPaulo PPaPaPauloPaPaulo 254
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

realidade que se apresentava, tendo em vista o modelo processual ser


nitidamente formalista e distante do interesse social, o que acarreta-
va verdadeira deficiência na prestação jurisdicional.
“A metodologia aqui evidenciada é tanto mais importante
quando se constata objetivamente o grande número de Refor-
mas do Código de Processo Civil. Que elas são necessárias, não
há por que duvidar. O Estado, o jurisdicionado, suas necessi-
dades e sua consciência de “acesso à justiça” de hoje não são os
da década de sessenta, que viu o Código de Processo Civil ser
promulgado em 1973, com entrada em vigor em 1974”7.

Hoje, a história não difere muito de antigamente quando o as-


sunto é à aplicação unitária do ordenamento jurídico como caminho
para se instrumentalizar a justiça e garantir direitos, ressaltando-se
unicamente a força normativa da Constituição e sua estreita ligação
com os institutos processuais, como reforço para a materialização do
direito e observância das garantias processuais que a lei ordinária
preconiza.
“Nesta esteira, inaugurou-se o Código de Processo Civil de
2015 e com ele a constitucionalização do processo, passando-
-se a explicitar os princípios e as regras como espécies de nor-
mas de efeito vinculante e aplicabilidade aos casos concretos,
reflexo dos tempos e das necessidades modernas, cujo início
se deu com a cláusula do devido processo legal, considerada a
norma-mãe, aquela que “gera” os demais dispositivos, e regras
constitucionais do processo, acompanhada pelo Pacto de São
José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil através do decreto nº
678 de 1992, que prescrevia o direito a um processo com du-
ração razoável, de onde se retira o princípio constitucional da
efetividade, rumo à realização do direito material vindicado”8.

Com efeito, muito além de uma contraposição de interesses, o


processo deve ser visto como instrumento apto à materialização de
um direito e, para que isso seja possível, é imprescindível que o mo-
delo processual em voga se certifique que as garantias processuais
serão respeitadas, objetivo principal da constitucionalização do pro-
7  BUENO, Cássio Scarpinella. O modelo constitucional do Direito Processual Ci-
vil.
8  DESTEFENNI, Marcos. Curso de Processo Civil.
PPaulPaPaulo PPaPaPauloPaPaulo 255
cesso civil, e assim, o processo consiga, enfim, alcançar a sua finali-
dade precípua.

3 A constitucionalização do Código de Processo


Civil de 2015 através da incorporação dos princí-
pios constitucionais e seus impectos para o novo
modelo processual civil
“O renascimento do direito constitucional no Brasil se deu no
ambiente de reconstitucionalização do país, por ocasião da
discussão prévia, convocação, elaboração e promulgação da
Constituição de 1988. Sem embargo de vicissitudes de maior
ou menor gravidade no seu texto, e da compulsão com que tem
sido emendada ao longo dos anos, a Constituição foi apta a pro-
mover, de forma bem-sucedida, a travessia do Estado brasilei-
ro de um regime autoritário para um Estado democrático de
direito”9.

E não foi apenas para a sociedade, mas também para o mun-


do jurídico, que a promulgação da Carta Maior se tornou um marco
de acesso à justiça e ao exercício de direitos, de modo que, passados
quase vinte anos da sua vigência, ela permanece como núcleo do di-
reito contemporâneo e sinônimo de garantias.
“Sob a Constituição de 1988, o direito constitucional no Brasil
passou da desimportância ao apogeu em menos de uma gera-
ção. Uma Constituição não é só técnica, tem que haver, por trás
dela, a capacidade de simbolizar conquistas e de mobilizar o
imaginário das pessoas para novos avanços10.
O surgimento de um sentimento constitucional no País é algo
que merece ser celebrado. Trata-se de um sentimento ainda tí-
mido, mas real e sincero, de maior respeito pela Lei Maior, a
despeito da volubilidade de seu texto. É um grande progresso.
Superamos a crônica indiferença que, historicamente, se man-
teve em relação à Constituição [...]”11.

9  GOMES, Marcelli Penedo Delgado Gomes. MENDONÇA, Samuel. A tendência


de “constitucionalização” do processo civil moderno e a salvaguarda da efetivida-
de processual.
10  Idem.
11  Idem.
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Atualmente, a Constituição Federal assume o papel de protago-


nista do ordenamento jurídico, ao passo que, as leis ordinárias, cada
vez mais, tendem a enquadrar essas normas dentro do seu contexto
e assim, garantir efetividade e segurança jurídica à prestação juris-
dicional.

Refletindo sobre esse traço constitucionalista adotado pelas leis


infraconstitucionais, a Lei 13.105/2015, ao implementar o Código de
Processo Civil de 2015, seguiu a mesma linha de raciocínio, embora
para alguns estudiosos essa repetição tenha sido desnecessária, já
que às regras estabelecidas pela Constituição Federal são de respeito
geral e compulsório.

Ainda assim, há quem aviste o constitucionalismo do processo


como uma oportunidade de alterar o modo de pensamento e compre-
ensão do atual modelo processual, elegendo-o como “programa de
reforma e como método de pensamento” do direito processual civil12.
Mas a constitucionalização do processo, é uma reconstrução
do pensamento processualista que, a todo tempo, objetiva con-
trastá-lo com o “modelo constitucional”, verificando se e em
que medida o “modelo” foi ou não alcançado satisfatoriamente.
Cuida-se, vale a ênfase, de apontar a necessidade de uma alte-
ração qualitativa e consciente na interpretação e na aplicação
da legislação processual civil, que deve partir da Constituição
Federal, que é o ponto de partida das demais normas brasilei-
ras13.

O Direito Processual, como qualquer outro ramo do Direito, ne-


cessita acompanhar a Sociedade, modernizando-se e evoluindo de
acordo com as necessidades sociais, políticas e culturais e dos ins-
trumentos à disposição para sua efetivação14. E como não é demais
lembrar, o extinto modelo processual de 1973, marcado pelo forma-
lismo exacerbado, há muito, não satisfazia as necessidades das partes

12  Idem.
13  BUENO, Cássio Scarpinella. O modelo constitucional do Direito Processual Ci-
vil.
14  MIOTTO, Carolina Cristina. A evolução do Direito Processual Civil brasileiro.
PPaulPaPaulo PPaPaPauloPaPaulo 257
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

dentro do processo, sendo reputado como moroso e ineficiente, o que


rendeu à tutela judicial a pecha de atividade desacreditada.

Ponto que destoante da evolução social que, em contrapartida,


clama por um jurisdicionado mais próximo do interesse coletivo e
que proporcione maior isonomia entre as partes ao atuarem no pro-
cesso, a fim de que o resultado seja satisfatório e realizado em tempo
razoável.

Nessa perspectiva,
“o novo código, portanto, demonstra que o processo civil, além
de (dever) ser um meio de concretização dos direitos funda-
mentais previstos na Constituição, deve ser interpretado nos
moldes do texto constitucional. Verifica-se, de fato, uma posi-
tivação do “totalitarismo constitucional” – expressão que não
deve ser vista de forma negativa, por ser louvável que todo o
ordenamento jurídico orbite em torno da Constituição.”15

“[Na] parte propedêutica, o Novo Código aparentar [sic] ser


mais racional, [...] pois os princípios envolvidos tanto presti-
giam a segurança jurídica, (inércia da jurisdição, devido pro-
cesso legal, ampla defesa, contraditório), quanto, asseguram a
eficiência (celeridade, dignidade da pessoa humana, razoabili-
dade, moralidade, publicidade), portanto, [...] está em sintonia
com a Constituição, entrementes, [...] não basta que que sejam
assegurados formalmente, deve haver seu respeito material-
mente, [contemplando-se o princípio da efetividade].”16

Como se vê, o ultrapassado


“formalismo processual civil se transforma [expressamente]
em um “formalismo-valorativo”, isto é, o processo será condu-
zido conforme as normas infraconstitucionais na medida em
que os valores processuais constitucionalmente previstos se fi-
zerem presentes em determinada hipótese [(caráter axiológi-
co), cabendo ao intérprete da lei processual sempre] se pautar
pelos princípios gerais do processo [(“linhas fundamentais”)]
de modo a satisfazer as diretrizes da [CR/88, concedendo ao
15  DONIZETTI, Elpídio. Expressa constitucionalização do direito processual.
16  BRESSAN, Gabriel Barreira. A sintonia do processo com a Constituição Federal
no novo CPC.
PPaulPaPaulo PPaPaPauloPaPaulo 258
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
jurisdicionado] uma justiça efetiva, célere e adequada [(pro-
cesso justo)]”.17

4 Conclusão
“Atendendo aos reclamos hodiernos de efetividade processual,
mostra-se imprescindível que os novos dispositivos processu-
ais alcancem os seus desideratos sem prejuízo ou risco aos di-
reitos fundamentais e às garantias individuais, sobretudo sem
qualquer afronta aos princípios processuais civis elencados na
Constituição da República Federativa do Brasil”.18

Todavia, antes de se falar em “efetividade”, que é o fim a ser al-


cançado, impende mencionar a “justiça” como valor supremo e aquilo
que se busca efetivar, bem como a dificuldade para concretizá-la, já
que os instrumentos destinados ao seu exercício são precários, ca-
bendo à constitucionalização do processo, assumir a justiça como
fim último do Estado Democrático de Direito e resgatar o interesse
social expresso no texto constitucional.

Através desse instituto, enaltecido pela Lei 13.105 de 2015,


“os princípios constitucionais deixaram de ser [mero norte a
ser seguido e passaram a ser expressão de efetividade,] já que
representam ditames dotados de normatividade e coercibili-
dade, [permitindo] o encontro do verdadeiro espírito das leis,
razão pela qual são conhecidos como a “ponte de ouro” para
a perfeita realização daquilo que foi objetivado originalmente
pelo legislador”19.
“De acordo com o dicionário Aurélio, a efetividade é produção
de resultado real, positivo. Em uma definição mais apurada,
considera-se a efetividade, em linhas mestras, como o alcance
da finalidade precípua do processo, a tutela jurisdicional mais
adequada, reconhecendo e realizando o direito material de
forma célere, satisfatória e segura, tudo isso com comprometi-
mento social e com a realização virtuosa do “justo”20.

17  DONIZETTI, Elpídio. Expressa constitucionalização do direito processual.


18  GOMES, Marcelli Penedo Delgado Gomes. MENDONÇA, Samuel. A tendência
de “constitucionalização” do processo civil moderno e a salvaguarda da efetivida-
de processual.
19  Idem.
20  Idem.
PPaulPaPaulo PPaPaPauloPaPaulo 259
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
“Em suma, a efetividade pode ser entendida como o direito a
um processo rápido, seguro e eficaz, proporcionando às partes
envolvidas no processo a tutela jurisdicional adequada. Mas
não é só. Pode-se referir também como um verdadeiro princí-
pio norteador do direito processual para realizar com eficiên-
cia a sua função instrumental dos direitos materiais, de forma
justa a satisfatória. Ou seja, pode-se ainda concebê-la como
um valor em si mesmo”21.
“Ressalte-se, todavia, que a busca pela efetividade não pode se
dar a qualquer custo, pois depende da preservação íntegra dos
princípios gerais do direito [e aqueles de natureza processual.
Nesse sentido,] não se pode perder de vista “que a efetividade é
um princípio do ordenamento jurídico e não um fim a ser con-
quistado a custo de injustiça e do desrespeito aos demais prin-
cípios que sustentam o processo e o ordenamento jurídico”22.

Então, a tendência de “constitucionalização” dos princípios e ga-


rantias do processo civil é resultado da marcante busca pela efeti-
vidade processual, que deve ser perquirida sempre, mas nunca ser
conquistada com o comprometimento dos princípios informadores
e basilares da ciência processual, bem como do processo de valori-
zação e reconhecimento da força normativa da Constituição Federal,
ocorrido com o advento da Carta Magna de 1988.

Sendo assim, importante “reconhecer o Direito Constitucional


como supedâneo principal de todo o ordenamento jurídico, norma
fundante de toda a dogmática, e de onde se extraem os princípios
norteadores e se concretiza o espírito informador de toda a legislação
infraconstitucional”23, tendência do atual cenário processualista que
vê nesse instituto o instrumento para se pôr em prática às garantias
processuais e atingir a finalidade da prestação jurisdicional, que é a
concretização do direito material24.

21  Idem.
22  Idem.
23  Idem.
24  Idem.
PPaulPaPaulo PPaPaPauloPaPaulo 260
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

5 Referências
BRESSAN, Gabriel Barreira. A sintonia do processo com a Constituição Fe-
deral no novo CPC. JusBrasil Artigos. Disponível em: https://jus.com.br/arti-
gos/35569/a-sintonia-do-processo-com-a-constituicao-federal-no-novo-cpc .
Acessado em: 01.09.2017.
BUENO, Cássio Scarpinella. O modelo constitucional do Direito Processual
Civil: um paradigma necessário de estudo do Direito Processual Civil e al-
gumas de suas aplicações. Disponível em: http://www.scarpinellabueno.com/
images/textos-pdf/016.pdf. Acessado em: 01.09.2017.
CARMO, Wagner José Elias. Finalidade e natureza do processo. Disponível
em: https://jus.com.br/artigos/26387. Acesso em: 18.09.2017.
DESTEFENNI, Marcos. Curso de Processo Civil. Processo de Conhecimento e
cumprimento de sentença. São Paulo: Saraiva, 2006.
DONIZETTI, Elpídio. Expressa constitucionalização do direito processual
civil (positivação do “totalitarismo constitucional”). JusBrasil Artigos. Dis-
ponível em: https://elpidiodonizetti.jusbrasil.com.br/artigos/121940194/ex-
pressa-constitucionalizacao-do-direito-processual-civil-positivacao-do-tota-
litarismo-constitucional . Acessado em: 01.09.2017.
GOMES, Marcelli Penedo Delgado; MENDONÇA, Samuel. A tendência de
“constitucionalização” do processo civil moderno e a salvaguarda da efetivi-
dade processual. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 89, jun 2011. Disponí-
vel em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_
leitura&artigo_id=9690&revista_caderno=21
MIOTTO, Carolina Cristina. A evolução do Direito Processual Civil brasileiro:
de 1939 a análise dos objetivos visados pelo Projeto de Lei n. 8.046 de 2010.
Revista da UniFebe, v. 1, n. 11, 2013. Disponível em: http://periodicos.uni-
febe.edu.br/index.php/revistaeletronicadaunifebe/article/viewFile/135/66.
Acessado em: 18.09.2017.
PRADO, Sérgio Malta. Da teoria do diálogo das fontes. Disponível em: http://
www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI171735,101048-Da+teoria+do+dialogo+-
das+fontes. Acessado em; 18.09.2017
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da Silva; GOMES, Fábio Luiz; SILVA, Jaqueline
Mielke; BAPTISTA, Luiz Fernando. Teoria Geral do Processo Civil. 6 ed.rev e
atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

PPaulPaPaulo PPaPaPauloPaPaulo 261


Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

O critério normativo de distribuição aleatória


como pressuposto jurídico - positivo do devido
processo legal : considerações sobre a
aplicabilidade da L ei de A cesso à I nformação
junto ao S upremo T ribunal F ederal
Rafael Rocha1

O presente artigo destina-se ao estudo do critério normativo de distri-


buição aleatória como requisito indispensável ao devido processo le-
gal, inclusive no âmbito do STF, analisando a sua evolução em face da
legislação atual. Nesse sentido, a conjugação entre o reconhecimento
da aleatoriedade no CPC/2015 e a aplicabilidade da lei de acesso à in-
formação junto ao STF desperta a necessidade de divulgação das infor-
mações que formam o algoritmo responsável pela distribuição aleatória
na Suprema Corte.
Palavras-Chave: Distribuição Aleatória – Lei de Acesso à Informação –
Suprema Corte.
Sumário: . Introdução; 2. O Critério Normativo de Distribuição Alea-
tória; 3. O Algoritmo e sua Função; 4. A Distribuição Processual no
Supremo Tribunal Federal: escolha do destino ou destino escolhido?; 5.
A Lei de Acesso à Informação e o Dever de Informar; 6. Considerações
Finais; 7. Referências.

1 Introdução
Reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal como condição
intrínseca ao princípio do juiz natural, o critério normativo de dis-
tribuição aleatória constitui elemento importante do nosso orde-
namento jurídico, havendo claro reconhecimento da jurisprudên-
cia quanto à nulidade dos atos praticados sem a sua observância.

Embora por vezes despercebida, a aleatoriedade pode ser com-


preendida no mundo jurídico a partir de diferentes sentidos. De
um lado, percebe-se a aleatoriedade como uma regra básica de dis-
tribuição processual, antagônica, portanto, ao instituto da distri-
buição por dependência. Nesse aspecto, a aleatoriedade é traduzida

1  Bacharel em Direito pela UFPE. Pós-graduando em Processo Civil Contempo-


râneo pela UFPE.
RRafaeRaRafa 262
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

como pressuposto normativo do devido processo legal e requisito


de validade processual.

Ainda em seu sentido jurídico-positivo, a aleatoriedade


também pode ser observada como fundamento dos contratos alea-
tórios de natureza civil, além dos eventos econômicos extraordiná-
rios e extracontratuais no âmbito do direito administrativo.

Todavia, uma terceira perspectiva busca conceituar a alea-


toriedade a partir de um processo de transformação linguística,
culminando na formação de um dado algoritmo, ou melhor, in-
formações criadas a partir de uma linguagem algorítmica. Nesse
contexto, após se incorporar ao mundo do “dever ser” e ganhar sig-
nificado jurídico, a aleatoriedade é reproduzida a partir de códigos
não jurídicos e informatizados (sorteios eletrônicos), acendendo
intenso debate sobre a sua natureza jurídica e confiabilidade.

Por outro lado, a aprovação da Lei nº 12.527/2011 inaugurou


um novo período no controle de informações em nosso país, espe-
cialmente ao estabelecer a publicidade da informação como pre-
ceito geral e o sigilo como exceção, limitando em 25 anos o prazo
de restrição de acesso às informações consideradas ultrassecretas.

E foi por meio da Resolução nº 528/2014 que o Supremo Tri-


bunal Federal regulamentou a Lei de Acesso à Informação no âm-
bito de sua competência administrativa, considerando informação
quaisquer “dados, processados ou não, que podem ser utilizados
para produção e transmissão de conhecimento, contidos em qual-
quer meio, suporte ou formato”.

Houve também singular preocupação com o tratamento da in-


formação, conforme o artigo 2º, I, da Resolução nº 528/2014 do
STF, o qual foi definido como um conjunto de ações referentes à
produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução,
transporte, transmissão, distribuição, arquivamento, armazena-

RRafaeRaRafa 263
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

mento, eliminação, avaliação, destinação ou controle da informa-


ção.

Desenham-se, portanto, os contornos de uma provocante dis-


cussão quanto à manutenção do sigilo das informações algorítmi-
cas que condicionam a distribuição aleatória e a aplicabilidade da
Lei de Acesso à Informação no âmbito do Supremo Tribunal Fede-
ral.

Atualmente, o debate ganha musculatura, sobretudo, em face


da existência de variantes legais, como a uniformidade na carga de
trabalho dos magistrados, dos infelizes casos de direcionamento
ilícito de processos no âmbito do Poder Judiciário, além do fenô-
meno de ampliação dos poderes do relator, inclusive em sede de
controle de constitucionalidade.

2 O Critério Normativo de Distribuição Aleatória


O sorteio de juízes como uma regra de fixação de competência
é amplamente difundido entre os mais diversos operadores do di-
reito. Não há exagero em afirmar, inclusive, que em determinadas
situações o sorteio é o mais importante elemento de uma batalha
jurídica. Afinal, saber previamente o entendimento do julgador
pode significar um passo importante na busca da tutela jurisdicio-
nal, sobretudo nas hipóteses de provimento antecipatório.

Apesar de figurar como regra para uma parcela considerável


dos processos judiciais, os sorteios são dispensados em varas, jui-
zados e seções judiciárias com a presença de um único magistrado.
Nessas situações, não há distribuição livre (sorteio), mas somente
o registro do processo, conforme previsão do artigo 284 do CP-
C/20152.

2  No caso dos plantões judiciários, a limitação ao critério de distribuição aleatória


ocorre unicamente em relação aos pedidos reputados como urgentes, havendo dis-
tribuição no primeiro dia útil subsequente. Mesmo assim, houve a preocupação do
legislador infraconstitucional em proibir o levantamento de valores ou liberação de
RRafaeRaRafa 264
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Embora o artigo 286 do CPC/2015 traga a figura da distri-


buição por dependência, alvo de intensos debates, o objeto do pre-
sente estudo será a distribuição livre prevista no artigo 285: “A
distribuição, que poderá ser eletrônica, será alternada e aleatória,
obedecendo-se rigorosa igualdade”.

Podemos conceber a alternatividade como requisito legal


que objetiva respeitar a diversidade de pensamentos entre diferen-
tes magistrados, evitando, com isso, que a distribuição de proces-
sos se concentre em um único juiz ou órgão julgador. Em função
disso, a presença da alternatividade como requisito dos sorteios
indica a necessidade de que todos os juízes competentes sejam sor-
teados constantemente, proibindo-se a exclusão prévia de magis-
trados como forma de reduzir o universo das probabilidades.

Porém, a distribuição de processos unicamente alternada pode


gerar acúmulo de trabalho ao longo do tempo, devendo ser obser-
vada a igualdade como forma de evitar a sobrecarga entre juízes
igualmente competentes.

É nesse sentido que os Códigos de Processo Civil de 1939


(Decreto Lei nº 39/1.608) e de 1973 (Lei nº 73/5.869) também
previam a alternatividade e a igualdade como regras de distribui-
ção processual, conforme dispunham os seus artigos 50 e 252, res-
pectivamente:
Art. 50. Os feitos serão obrigatoriamente distribuídos e regis-
trados.
§ 1º A distribuição entre juízes e escrivães será alternada, nos
termos da lei de organização judiciária, obedecendo a rigorosa
igualdade.
§ 2º Distribuir-se-ão por dependência os feitos de qualquer
natureza, que se relacionarem com outros já distribuídos;
Art. 252. Será alternada a distribuição entre juízes e escrivães,
obedecendo a rigorosa igualdade.

bens apreendidos durante esse período (art. 905, parágrafo único, do CPC).
RRafaeRaRafa 265
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Já no âmbito dos Tribunais, o CPC/1939 não somente assegu-


rava a alternatividade na distribuição dos processos, assim como
trazia o requisito da publicidade, disciplinando, inclusive, a forma
como o sorteio manual era realizado:
Art. 872. A distribuição far-se-á de acôrdo com o regimento in-
terno do Tribunal, observados os seguintes princípios:
I – distribuição obrigatória e alternada;
II - quando forem dois ou mais os processos, a distribuição será
feita em público, e antes de iniciada a sessão de julgamento,
pelo presidente do Tribunal a que couber conhecer do recurso;
III - verificados os números de ordem dos processos o presiden-
te os escreverá em papéis destacados, colocando-os na urna;
em seguida irá, por sorteio, distribuindo os que fôr retirando
da urna, na ordem de antigüidade dos juízes que compuserem
o Tribunal3.

Por outro lado, o artigo 548 do CPC/1973, na medida em que


assegurava a publicidade, a alternatividade e o sorteio como prin-
cípios da distribuição processual, não se restringia a regulamentar
o procedimento manual de escolha.

Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, além do


reconhecimento dos sorteios eletrônicos (arts. 285 e 930) e da ma-
nutenção da possibilidade de fiscalização do procedimento pelas
partes e procuradores (art. 289), houve a introdução da aleatorie-
dade como requisito a ser observado pela distribuição processual.
Para o CPC/2015, não basta que a distribuição seja somente alter-
nada e igualitária. É necessário que a distribuição de processos
também seja aleatória (art. 285), sob pena de violação da garantia
constitucional do juiz natural.
3  Redação dada pela Lei nº 1.661/52, substituindo o texto original: “II – quando
fôrem dois ou mais os processos, a distribuição será feita, em público e antes de
iniciada a sessão de julgamento, pelo presidente da Camara a que couber conhecer
do recurso; III – verificados os números de ordem dos processos, o Presidente os
escreverá em papéis destacados, colocando-os na urna; em seguida, irá, por sorteio,
distribuindo os que fôr retirando da urna, na ordem de antiguidade dos juízes que
compuserem a Câmara, ou turma. Parágrafo único. No caso de impedimento do juiz
sorteado, o Presidente de novo distribuirá o feito, mediante compensação”.
RRafaeRaRafa 266
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Originada do latim “aleatorius”, a palavra “aleatório” remete à


ideia de incerteza do dado (alea), sendo chamadas por “aleatoris”
as casas de jogos em Roma4. O seu sentido não se limita à incerte-
za como fenômeno singular (alea), mas também pode representar
um verdadeiro estado de coisas, sendo utilizada usualmente pela
língua portuguesa como sinônimo de casual, acidental, eventual,
inesperado e incerto.

Apesar de sua origem etimológica traduzir um sentido subje-


tivo, a aleatoriedade também pode ser investigada objetivamente a
partir dos testes experimentais. Afinal, somente diante da inexis-
tência de um padrão de comportamento é que se pode afirmar que
uma determinada sequência é verdadeiramente aleatória.

Como exemplo de impressão subjetiva da aleatoriedade, temos


o movimento browniano, o qual foi observado a partir do desloca-
mento imprevisível dos gânglios dentro dos grãos de pólen, indi-
cando uma força inerente à natureza, uma vez que haveria repeti-
ção aleatória mesmo sem a presença de vida5.

Porém, descontruindo a impressão subjetiva de supostos mo-


vimentos aleatórios, Albert Einstein, em trabalho publicado em
1905, explica o fenômeno observado pelo biólogo Robert Brown,

4  Disponível em: https://www.dicionarioetimologico.com.br/aleatorio.


5  “Olhando através de sua lente, Brown observou que os grânulos dentro dos
grãos de pólen pareciam se mexer. Embora seja uma fonte de vida, o pólen em si não
é um ser vivo. Ainda assim, sob o olhar de Brown, o movimento jamais se interrom-
pia, como se os grânulos possuíssem alguma energia misteriosa. Não se tratava de
um movimento intencional; na verdade, parecia ser completamente aleatório. Mui-
to entusiasmado, ele inicialmente pensou ter concluído sua busca, pois que outra
energia poderia ser aquela a não ser a energia que move a própria vida? Numa série
de experimentos que realizou cuidadosamente ao longo do mês seguinte, Brown ob-
servou o mesmo tipo de movimento ao suspender em água, e às vezes em gim, uma
enorme variedade de partículas orgânicas que conseguiu obter: fibras de vitela em
decomposição, teias de aranha “enegrecidas com a poeira de Londres” e até mesmo
seu próprio muco. Então, no que foi um golpe de misericórdia para sua interpreta-
ção esperançosa da descoberta, Brown também observou o mesmo tipo de movi-
mento em partículas inorgânicas – asbesto, cobre, bismuto, antimônio e manganês.
Ele soube então que o movimento observado não se relacionava à questão da vida”
(MLODINOW, 2009, p. 52)
RRafaeRaRafa 267
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

chegando à conclusão de que o movimento dos gânglios era ocasio-


nado pelo choque de suas partículas com as moléculas do fluido,
deslocando-se em função da temperatura e do número de molécu-
las (agitação térmica).

Embora os ensinamentos do trabalho desenvolvido por Eins-


tein não se limitem à conclusão acima formulada, o exemplo é im-
portante para se distinguir a aleatoriedade em seu sentido subje-
tivo (aparente aleatoriedade ou pseudoaleatorieade), e a ausência
comprovada de padrões de comportamento em seu sentido objetivo
(verdadeira aleatoriedade).

Uma demonstração mais simples do sentido subjetivo da alea-


toriedade foi o problema enfrentado pela Apple na distribuição de
músicas do iPod:
A empresa Apple teve esse problema ao desenvolver o primeiro
programa para embaralhar as músicas tocadas num iPod: a ver-
dadeira aleatoriedade às vezes gera repetições, mas ao ouvirem
uma música repetida, ou músicas do mesmo artista tocadas em
sequência, os usuários acreditam que o embaralhamento não é
aleatório. Assim, a companhia fez com que a função se tornasse
“menos aleatória para que pareça mais aleatória”, nas palavras
de seu fundador, Steve Jobs6.

Contudo, a pretensão do presente artigo não é demonstrar


como nasce o conceito de aleatoriedade e suas implicações no
campo da filosofia, da física ou da matemática. O objetivo central
das indagações quanto à subjetividade na compreensão dos even-
tos aleatórios é contribuir na construção do seu sentido jurídico-
positivo.

Observe-se que o legislador ao definir “contrato aleatório” no


âmbito do direito civil (art. 458 do CC), por dizer respeito a coisas
ou fatos futuros dependentes de evento casual (álea), não traduz a
compreensão de aleatoriedade para as ciências naturais.

6  MLODINOW, 2009, p. 56.


RRafaeRaRafa 268
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

A aleatoriedade, nesse aspecto, possui um sentido próprio


para a ordem jurídica, não sendo verificada, então, uma impor-
tação conceitual em abstrato, mas sim a incorporação concreta de
um significado jurídico traduzido na ideia de (im)previsibilidade
objetiva e subjetiva7.

Nas lições de ÁVILA:


De um lado a compreensão do significado como o conteúdo
conceptual de um texto pressupõe a existência de um significa-
do intrínseco que independa do uso ou da interpretação. Isso,
porém, não ocorre, pois o significado não é algo incorporado
ao conteúdo das palavras, mas algo que depende precisamente
de seu uso e interpretação, como comprovam as modificações
de sentidos dos termos no tempo e no espaço e as controvérsias
doutrinárias a respeito de qual o sentido mais adequado que se
deve atribuir a um texto legal. Por outro lado, a concepção que
aproxima o significado da intenção do legislador pressupõe a
existência de um autor determinado e de uma vontade unívoca
fundadora do texto. Isso, no entanto, também não sucede, pois
o processo legislativo qualifica-se justamente como um proces-
so complexo que não se submete a um autor individual, nem a
uma vontade específica. Sendo assim, a interpretação não se
caracteriza como um ato de descrição de um significado pre-
viamente dado, mas como um ato de decisão que constitui a
significação e os sentidos de um texto8.

Nesse sentido, podemos conceituar juridicamente a aleatorie-


dade como a existência de eventos não previsíveis capazes de pro-
duzir efeitos jurídicos, não se exigindo, dessa forma, a completa
ausência de padrões de comportamento9.

7  “Ainda que inexista paralelismo lógico-gramatical, ainda que as formas lin�� -


guísticas não traduzam formas lógicas, todavia, como acentual Husserl (Husserl,
Recherches Logiques, págs. 1/16, vol. II), as investigações lógicas tomam o fato da
linguagem como ponto de apoio, se não como fim temático, pelo menos como índice
temático para alcançar seu objeto próprio. A experiência da linguagem é o ponto de
partida para a experiência das estruturas lógicas” (VILANOVA, 1997, p. 38-39).
8  ÁVILA, 2005, p. 23.
9  Propõe-se, ainda, uma reflexão quanto ao sentido lógico-jurídico da aleatorie��-
dade como fundamento de validade de institutos jurídicos que contenham a (im)
previsibilidade como pressuposto normativo, a exemplo do caso fortuito, onerosi-
dade excessiva dos contratos, álea econômica extraordinária e extracontratual, dolo
eventual e culpa consciente. Somente a partir da compreensão da aleatoriedade
RRafaeRaRafa 269
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Partindo desse pressuposto, observa-se que o critério norma-


tivo de distribuição aleatória não exige a produção de sequencias
verdadeiramente aleatórias, mas somente a garantia de uma se-
leção imprevisível de juízes para o caso concreto, evitando, dessa
forma, o direcionamento dos feitos e/ou a antecipação prematura
do entendimento jurídico10.

Assim, podemos conceber o critério normativo de distribui-


ção aleatória como pressuposto jurídico-positivo do devido pro-
cesso legal na medida em que se revela como requisito indispen-
sável à garantia do juiz natural, inibindo, por meio dos sorteios, o
direcionamento de processos e assegurando a presunção de impar-
cialidade da jurisdição11.
como um estado de coisas (in)certas consideradas juridicamente é que seria possível
entendê-los como eventos (im)previsíveis, ainda que de forma subjetiva. Afinal, o
sentido fundamental da (im)previsibilidade como pressuposto normativo repousa
na inexistência de padrões de comportamento perceptíveis no plano lógico-jurídi-
co. Haveria, nesse caso, nas lições de Lourival Vilanova, “notória incorporação pelo
universo jurídico de referências conceituais a fatos-do-mundo [...], sendo inegável
a sua importância metodológica para o conhecimento jurídico-dogmático” (VILA-
NOVA, 1997, p. 63-66). Frise-se, contudo, que o fundamento de validade dos even-
tos considerados de força maior não remete à concepção de aleatoriedade, mas
sim ao império da força externa. Não interessa se há padrão de comportamento
em determinados eventos naturais ou se havia possibilidade de sua previsão. A
inevitabilidade do evento de força maior fundamenta, por si só, a exclusão de respon-
sabilidade, mesmo que previsível o seu acontecimento.
10  Não há por parte da ordem jurídica a exigência de que o sorteio de juízes ou
órgãos julgadores seja definido por sequencias verdadeiramente aleatórias, con-
ceituadas a partir da ausência completa de padrões de comportamento. A melhor
compreensão do instituto do critério normativo de distribuição aleatória indica que,
para o ordenamento jurídico, basta um processo de “seleção” de magistrados impre-
visível e seguro.
11  Esse também é o entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior
Tribunal de Justiça quanto à necessidade de observância do critério normativo
de distribuição aleatória, mesmo antes do advento do Código de Processo Civil de
2015: “EMENTA: 1. PROCESSO. Distribuição. Direcionamento injustificado da cau-
sa a determinado juízo. Ato não aleatório. Ofensa aos princípios do juiz natural e
da distribuição livre, que asseguram a imparcialidade do juiz e integram o justo
processo da lei. Nulidade processual absoluta. Desnecessidade de indagação de pre-
juízo. Recurso extraordinário conhecido e provido. Aplicação do art. 5º, XXXVII e
LIV, da CF. Distribuição injustificada de causa a determinado juízo ofende o justo
processo da lei (due process of law) e, como tal, constitui nulidade processual abso-
luta. 2. RECURSO. Embargos declaratórios. Efeito declaradamente infringente ou
modificativo. Contradição inexistente. Conhecimento como agravo regimental. Re-
curso improvido. Devem ser recebidos e julgados como agravo regimental, embargos
RRafaeRaRafa 270
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

3. O Algoritmo e sua Função


A introdução dos sorteios eletrônicos nos tribunais brasileiros
representou, sem dúvida, um passo importante no processo de in-
formatização e aprimoramento das regras de distribuição. Houve
inegável avanço tecnológico, uma vez que possibilitou a inclusão de
variantes objetivas, tentando uma maior uniformização da carga
de trabalho entre os magistrados, ao passo em que também con-
solidou a sensação de segurança quanto à imprevisibilidade dos
resultados.

Ressalta-se, contudo, que esse sentimento de confiança é sedi-


mentado no pressuposto lógico de reprodução fidedigna do conjun-
to de normas jurídicas em códigos não jurídicos e informatizados.
Não há espaço para reticências ou dúvidas quanto à necessidade rí-
gida de cumprimento das regras de distribuição processual, afinal,
a legitimidade dos sorteios está diretamente relacionada à existên-
cia de algoritmos seguros.

Atualmente, os algoritmos responsáveis por reunir as regras


de distribuição e condicionar os sorteios vêm sendo uniformizado
com a implantação do Processo Judicial Eletrônico (PJe). A Reso-
lução nº 185/2013 do Conselho Nacional de Justiça é prova disso,
e busca, sobretudo, consolidar uma única plataforma virtual para
a prática de atos processuais, encerrando, assim, a pluralidade de
sistemas operacionais12.

declaratórios opostos com manifesto e infundado propósito modificativo. (STF - AI-


-ED: 548203 AL, Relator: CEZAR PELUSO, Data de Julgamento: 12/02/2008, Se-
gunda Turma, Data de Publicação: 07-03-2008); EMENTA: PROCESSUAL PENAL.
HABEAS CORPUS. JUÍZO DESIGNADO. DISTRIBUIÇÃO. PRINCÍPIO DO JUIZ
NATURAL. I - Segundo o Princípio do Juiz Natural, não pode um tribunal ou um
juízo ser criado ou designado para o julgamento de um caso concreto (art. 5º, incisos
XXXVII e LIII da Lex Fundamentalis). II - A inobservância do critério normativo
de distribuição aleatória ofende o princípio do juiz natural, tornando nulo todos os
atos praticados após a designação do juízo. Habeas Corpus concedido, para anular
o processo ab initio, incluindo a denúncia. (STJ - HC: 12403 SE 2000/0019528-6,
Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 07/08/2001, T5 - QUINTA
TURMA, Data de Publicação: DJ 10.09.2001)”.
12  É importante destacar que a Resolução nº 185/2013 é fruto de um grande esfor-
RRafaeRaRafa 271
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

No tocante às regras de distribuição processual, a Resolução


nº 185/2013 consolida em seu artigo 5º a distribuição automática,
insere variantes legais como forma de garantir uma maior unifor-
midade na carga de trabalho dos magistrados, além de reconhecer
a aleatoriedade como elemento necessário aos sorteios eletrônicos,
in verbis:
Art. 5º A distribuição dos processos se realizará de acordo com
os pesos atribuídos, dentre outros, às classes processuais, aos
assuntos do processo e à quantidade de partes em cada polo
processual, de modo a garantir uma maior uniformidade na
carga de trabalho de magistrados com a mesma competência,
resguardando-se a necessária aleatoriedade na distribuição.
§ 1º A atribuição dos pesos referidos no caput será realizada
pelos Conselhos, Tribunais e/ou Corregedorias, no âmbito de
suas competências, devendo ser criados grupos de magistrados
de todas as instâncias para validação das configurações locais,
sendo possível a atribuição de um peso idêntico para cada um
dos aspectos passíveis de configuração.
§ 2º A distribuição em qualquer grau de jurisdição será
necessariamente automática e realizada pelo sistema
imediatamente após o protocolo da petição inicial.
§ 3º O sistema fornecerá indicação de possível prevenção com
processos já distribuídos, com base nos parâmetros definidos
pelo Comitê Gestor Nacional do PJE, cabendo ao magistrado
analisar a existência, ou não, da prevenção.
§ 4º É vedado criar funcionalidade no sistema para exclusão
prévia de magistrados do sorteio de distribuição por qualquer
motivo, inclusive impedimento ou suspeição.
§ 5º Poderá ser criada funcionalidade para indicação prévia de
possível suspeição ou impedimento, que não influenciará na
distribuição, cabendo ao magistrado analisar a existência, ou
não, da suspeição ou do impedimento.

Exige-se, portanto, que a distribuição processual busque uni-


formizar a carga de trabalho entre magistrados com a mesma com-

ço nacional que nasce da assinatura dos Acordos de Cooperação Técnica nº 73/2009


e 43/2010, firmados entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e os Tribunais Re-
gionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados, respectivamente.
RRafaeRaRafa 272
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

petência, por meio de critérios não taxativos e com peso atribuído,


assegurada a aleatoriedade e vedada a exclusão prévia de magis-
trados do sorteio por qualquer motivo.

Desse modo, há de se reconhecer a plena compatibilidade e


harmonia entre a referida resolução e o atual Código de Processo
Civil. Embora anterior ao diploma processual vigente, houve na Re-
solução nº 185/2013 claro reconhecimento da alternatividade, da
aleatoriedade e da igualdade previstos no artigo 285 do CPC/2015.

Ao prever a impossibilidade de exclusão prévia de magistrados


dos sorteios de distribuição, a Resolução nº 185/2013 assegura o
respeito à diversidade de pensamentos, garantindo, com isso,
a alternatividade na medida em que permite que todos os juízes
competentes sejam sorteados constantemente.

Por outro lado, a busca por uma maior uniformidade na carga


de trabalho indica o reconhecimento de variantes capazes de ga-
rantir a igualdade e impedir um desequilíbrio na distribuição de
processos a longo prazo. Apesar de inserir as classes processuais,
os assuntos do processo e a quantidade de partes em cada polo pro-
cessual, a resolução é clara quanto à possibilidade de novos crité-
rios capazes de influenciar o algoritmo responsável pelos sorteios
eletrônicos.

Contudo, a resolução reconhece que a atribuição do peso de


cada variante será definido pelos Conselhos, Tribunais e/ou Cor-
regedorias, no âmbito de suas competências, devendo ser criados
grupos de magistrados de todas as instâncias para validação das
configurações locais, sendo possível a atribuição de um peso idên-
tico para cada um dos aspectos passíveis de configuração.

Sendo assim, a aleatoriedade como mecanismo de seleção im-


previsível de juízes ou órgãos julgadores para o caso concreto, de-
verá conter em sua fórmula ou algoritmo não somente a existência

RRafaeRaRafa 273
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

de uma sequência verdadeiramente aleatória ou pseudoaleatória,


mas também uma série de variantes legais que devem ser integra-
das aos critérios do sorteio eletrônico.

Em suma, é necessário que o comando sequencial respeite o


peso atribuído a cada variante, assegure os critérios de alternativi-
dade e igualdade, e, mesmo diante desses fatores, produza um al-
goritmo seguro e capaz de garantir a seleção imprevisível de juízes
ou órgãos julgadores para o caso concreto.

O algoritmo será, portanto, o instrumento responsável pela


função de traduzir um conjunto de regras jurídicas em códigos não
jurídicos e informatizados, identificado a partir de dados proces-
sados e capazes de produzir uma sequência que possibilite a alter-
natividade dos sorteios, uma maior uniformidade na distribuição
dos trabalhos, além da necessária imprevisibilidade do resultado.

4 A Distribuição Processual no Supremo Tribunal


Federal: escolha do destino ou destino escolhido?
No âmbito do Supremo Tribunal Federal, o procedimento de
seleção dos (as) ministros (as) nas turmas ou plenário é definido
juridicamente pelo Regimento Interno (RISTF) e pela Resolução
nº 558/2015. Paralelamente, o Sistema de Processamento Eletrô-
nico do Supremo (e-STF) cumpre a tarefa de operacionalizar a dis-
tribuição por meio de comandos não jurídicos e informatizados13.
13  Embora já iniciada a implantação do Sistema Processo Judicial Eletrônico
(PJe) na Suprema Corte, a atual Presidente do STF, Min. Carmen Lúcia, através da
Resolução nº 594/2016, revogou a Resolução nº 578/2016, publicada na gestão do
então Presidente Min. Ricardo Lewandowski, que instituiu o Sistema Processo Ju-
dicial Eletrônico (PJe) como o sistema informatizado de constituição e tramitação
de processos judiciais em meio eletrônico, no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
O objetivo central da mudança era a padronização dos sistemas prevista pelo artigo
14 da Lei nº 11.419/2006, com a consequente racionalização de recursos a partir da
adoção de uma plataforma tecnológica única para todo o Poder Judiciário. Outro as-
pecto relevante na tentativa de substituição do Sistema de Processamento Eletrôni-
co (e-STF) pelo Sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe) é o fato do PJe ter sido
desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça com a participação de Tribunais e
da OAB., o que romperia com a atual dependência do STF em relação às empresas
RRafaeRaRafa 274
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Segundo o artigo 66 do RISTF, a distribuição será feita por


sorteio ou prevenção, mediante sistema informatizado, acionado
automaticamente, em cada classe de processo, garantindo-se a ale-
atoriedade e publicidade do procedimento, in verbis:
Art. 66. A distribuição será feita por sorteio ou prevenção, me-
diante sistema informatizado, acionado automaticamente, em
cada classe de processo.
§ 1º O sistema informatizado de distribuição automática e
aleatória de processos é público, e seus dados são acessíveis aos
interessados.
§ 2º Sorteado o Relator, ser-lhe-ão imediatamente conclusos os
autos.

Todavia, os artigos seguintes excluem do sorteio o Presidente


do STF, ou Vice-Presidente quando estiver ocupando a Presidên-
cia, bem como nas hipóteses de cargo vago, Ministro (a) licenciado,
em missão oficial, ou processo que diga respeito a ato praticado
por determinado Ministro (a). Também não haverá distribuição de
processos com medida liminar para o Ministro que ocupar a Presi-
dência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)14.

Em contrapartida, o Regimento Interno traz a figura da com-


pensação como forma de equilibrar, por exemplo, a ausência de
distribuição a(o) Ministro(a) que estava licenciado(a), em missão
oficial, em decorrência da vacância do cargo, ou, ainda, quando o
Vice-Presidente do STF estiver ocupando a Presidência, conforme
prevê o seu artigo 67.

Já em relação à distribuição de processos por prevenção, cone-


xão, continência, compensação ou impedimento de Ministro (a), a
Resolução nº 558/2015 objetivou o aprimoramento da segurança e
transparência na distribuição de processos no STF, sendo a mesma

privadas terceirizadas para a manutenção e desenvolvimento do software.


14  Haverá também a exclusão do(a) Ministro(a) da distribuição de processo no
qual se impugne ato praticado por ele durante o exercício da Presidência do Conse-
lho Nacional de Justiça (CNJ).
RRafaeRaRafa 275
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

aprovada ainda durante a gestão do então Presidente Min. Ricardo


Lewandowski.

Entre as medidas de segurança adotadas pelo STF, destaca-


mos: 1) a proibição de distribuição realizada por empregados (as)
terceirizados e estagiários(as), restringindo-a somente aos(as) ser-
vidores(as) ocupantes de cargo efetivo ou de confiança; 2) a neces-
sidade de justificativa, por escrito, acerca do critério adotado; e 3)
a exigência de validação formal do Coordenador de Processamento
Inicial ou do Secretário Judiciário:
Art. 1º Esta Resolução regula o procedimento de distribuição
de processos por prevenção, conexão, continência, compensa-
ção ou impedimento de Ministro, bem como das demais hipó-
teses previstas no Regimento Interno, ressalvada aquela feita
de forma livre.
Art. 2º A distribuição somente será realizada por servidor
ocupante de cargo efetivo ou de confiança, com exclusão de
empregados terceirizados e estagiários.
Art. 3º O servidor responsável pela distribuição deverá justifi-
car, em campo próprio do sistema informatizado, o dispositivo
normativo em que ela se fundou, o número do processo e o(s)
nome(s) do(s) Ministro(s) eventualmente dela excluído(s).
Art. 4º O procedimento, antes de concluído, deverá conter, além
da justificativa descrita no artigo anterior, a validação formal
da distribuição pelo Coordenador de Processamento Inicial ou
pelo Secretário Judiciário, salvos nas hipóteses previstas nos
§§ 1º, 2º e 5º do art. 67 do Regimento Interno, situações em que
tais informações já foram previamente aprovadas no sistema
pelo Coordenador ou Secretário.

Observa-se, com isso, que no âmbito do Supremo Tribunal Fe-


deral houve claro reconhecimento da aleatoriedade e publicidade
como critérios normativos da distribuição processual. Mas não há
no STF a definição de como se dará a uniformização do trabalho
entre os(as) ministros(as), não havendo regulamentação específica
para o instituto da compensação.

RRafaeRaRafa 276
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Diferentemente do que ocorre nos processos submetidos ao


Sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe), em que há, como já
vimos, a atribuição de pesos a serem validados por grupos de ma-
gistrados de todas as instâncias, não podemos identificar no Siste-
ma de Processamento Eletrônico do Supremo (e-STF) os critérios
jurídicos formadores do algoritmo responsável pela distribuição
de processos.

Por sua vez, o Regimento Interno do STF prevê a possibili-


dade de exclusão prévia de ministros(as) da distribuição processu-
al, havendo, portanto, um reconhecimento de alteração constante
do algoritmo, seja para diminuir o âmbito do sorteio na exclusão
de magistrados, seja para eventual compensação15.

Não se trata de negar a importância da existência de mecanis-


mos que possibilitem uma maior uniformização da carga de traba-
lho entre ministros e ministras do STF, mas os critérios devem ser
claros e não podem ser delegados sob o argumento de que se trata
de assunto de responsabilidade do Setor de Tecnologia da Informa-
ção da Suprema Corte.

Afinal, como já vimos, os códigos não jurídicos que formam os


algoritmos definidores da distribuição de processos são oriundos
de normas jurídicas e possuem a função de traduzi-las em dados
processados e informatizados de forma a garantir a imprevisibili-
dade do resultado e, no âmbito do STF, a compensação como forma

15  No que se refere à compensação na distribuição, o Tribunal Regional do Tra�� -


balho da 12ª Região negou provimento à reclamação administrativa movida por
Juiz do Trabalho da 2º Vara do Trabalho de Balneário Camboriú/SC, com o objetivo
alterar as regras de distribuição processual para fins de compensação, in verbis:
“DISTRIBUIÇÃO PROCESSUAL. PROVIMENTO CR N. 01/2013. Os critérios de dis-
tribuição vigentes, previstos no Provimento CR n. 01/2013, são objetivos e unifor-
mes para todas as unidades judiciárias, e não comportam a compensação conforme
o grau de dificuldade das ações, na medida em que consideram tão somente o nú-
mero de feitos a serem distribuídos, conforme a classificação dentro de cada grupo
estabelecido no sistema a que pertence a ação (TRT - 12 Região - RecAdm 0010117-
70.2015.5.12.0000. Rel. Des. Roberto Basilone Leite, Secretaria do Tribunal Pleno,
Data de Publicação: 16/09/2015)”.
RRafaeRaRafa 277
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

de evitar a concentração de trabalho ao longo do tempo.

Saber ao certo se a distribuição processual no âmbito da Su-


prema Corte é segura e imprevisível dependerá do grau de transpa-
rência com que o STF abordará o assunto, se o algoritmo respon-
sável pela definição dos(as) ministros(as) reflete uma sequencia
verdadeiramente aleatória ou pseudoaleatória, mas, sobretudo,
se o algoritmo é capaz de impedir o direcionamento ilícito de pro-
cessos, preservando, com isso, o devido processo legal16.

5 A Lei de Acesso à Informação e o Dever de In-


formar
A introdução da Lei nº 12.527/2011 em nosso ordenamento ju-
rídico representou um significativo avanço nas relações estabele-
cidas entre o Estado e a sociedade brasileira, particularmente pelo
longo período de ditadura militar vivenciado nas últimas décadas.
A perspectiva de um novo paradigma no controle de informações
surge e redefine o papel do Estado quanto à transparência de suas
ações e omissões.

Conhecida como a Lei de Acesso à Informação, a Lei nº


12.527/2011 prevê em seu artigo 1º o objetivo de garantir o acesso a
informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do §

16  A presença de investigações sobre supostas fraudes, ou ainda a existência de


falhas nos sistemas de distribuição de processos pelo país, alimentam a necessi-
dade de um amplo debate sobre a transparência dos critérios e dos mecanismos de
segurança adotados. Como exemplos, citamos: 1) A investigação iniciada no âmbito
do TRT-2ª Região (https://www.conjur.com.br/2005-out-15/trt_paulista_inves-
tigado_suspeita_fraude); 2) A denúncia formulada pelo Ministério Público contra
funcionários do TJPB que, supostamente, direcionavam ilicitamente processos no
2º grau (Processo nº 0038917-35.2005.815.2002); 3) A suspensão da distribuição
de processos por prevenção determinada pela Corregedoria-Geral da Justiça Fede-
ral ao TRF-2ª Região (https://www.conjur.com.br/2016-jul-10/corregedoria-man-
da-trf-suspender-distribuicao-prevencao); e 4) O auto circunstanciado de inspeção
preventiva do CNJ que constatou a paralisação das investigações de supostas frau-
des na distribuição de processos no âmbito do 1º e 2º grau do TJAM (http://www.
cnj.jus.br/noticias/67032-cnj-recomenda-instauracao-de-sindicancias-para-apu-
rar-morosidade-na-justica-amazonense).
RRafaeRaRafa 278
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

3º do art. 37 e no §2º do art. 216 da Constituição Federal, subordi-


nando os três poderes de República em todos os entes da federação,
além do Ministério Público:
Art. 1o Esta Lei dispõe sobre os procedimentos a serem obser-
vados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com
o fim de garantir o acesso a informações previsto no inciso
XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do
art. 216 da Constituição Federal.
Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei:
I - os órgãos públicos integrantes da administração direta dos
Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas,
e Judiciário e do Ministério Público;
II - as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas,
as sociedades de economia mista e demais entidades controla-
das direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Fede-
ral e Municípios.

Além disso, houve a preocupação do legislador em definir


quais as diretrizes fundamentais à aplicação da Lei nº 12.527/2011,
conforme dispõe o seu artigo 3º:
Art. 3CPC/2015 Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se
a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e
devem ser executados em conformidade com os princípios bá-
sicos da administração pública e com as seguintes diretrizes:
I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo
como exceção;
II - divulgação de informações de interesse público, indepen-
dentemente de solicitações;
III - utilização de meios de comunicação viabilizados pela tec-
nologia da informação;
IV - fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência
na administração pública;
V - desenvolvimento do controle social da administração pú-
blica.

Sem dúvida, a prevalência da publicidade como preceito ge-


ral no tocante ao controle de informações redimensiona a relação
RRafaeRaRafa 279
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

entre a administração pública e o conjunto da sociedade brasileira,


na medida em que restringe o sigilo da informação e inaugura uma
nota etapa no processo de abertura democrática.

Como bem asseverou Bernades em sua dissertação:


Pode-se afirmar que a “cultura do segredo” e a “noção do se-
creto” já haviam sofrido uma sensível alteração desde a pro-
mulgação da Constituição Cidadã em 1988, sendo que em di-
versos trechos a carta magna estabelece que o agir do Estado
Democrático de Direito brasileiro deve ser pautado pela trans-
parência. Dessa forma, a lei 12.527/2011 não inova acerca da
concepção do sigilo das informações públicas, já que a própria
Constituição preconiza o direito fundamental de acesso à infor-
mação. Contudo, a administração pública passa a oferecer, com
fulcro na Lei de Acesso à Informação, a efetiva possibilidade de
acesso à informação aos cidadãos, e a consequente fiscalização
dos atos realizados pelos agentes públicos, promovendo uma
reafirmação e potencialização do acesso à informação, promo-
vendo uma nova forma de se conceber o sigilo no âmbito da
informação pública17.

Todavia, Barroso destaca a separação entre as liberdades de


informação e expressão, reportando-se a garantias constitucionais
diversas:
A doutrina brasileira distingue as liberdades de informação e
de expressão, registrando que a primeira diz respeito ao direito
individual de comunicar livremente fatos, e ao direito difuso de
ser deles informado; a liberdade de expressão, por seu turno,
destina-se a tutelar o direito de externar ideias, opiniões, juí-
zos de valor, em suma, qualquer manifestação do pensamento
humano18.

Lançadas as considerações acima, a nova ordem jurídica no


controle de informações não somente protege o direito fundamen-
tal de acesso à informação, como também cria, em contrapartida,
o dever de informar por parte do Estado.

Nesse sentido, a Lei nº 12.527/2011 também se preocupou em


17  BERNARDES, 2015, p. 103.
18  BARROSO, 2012, p. 58.
RRafaeRaRafa 280
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

definir diversos conceitos e características necessárias à identida-


de, tratamento, autenticidade, disponibilidade, integridade e ori-
gem da informação, a fim de viabilizar o pleno exercício do direito
fundamental de acesso à informação e o cumprimento do dever de
informar previsto em seu artigo 5º:
Art. 4CPC/2015 Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I - informação: dados, processados ou não, que podem ser uti-
lizados para produção e transmissão de conhecimento, conti-
dos em qualquer meio, suporte ou formato;
II - documento: unidade de registro de informações, qualquer
que seja o suporte ou formato;
III - informação sigilosa: aquela submetida temporariamente à
restrição de acesso público em razão de sua imprescindibilida-
de para a segurança da sociedade e do Estado;
IV - informação pessoal: aquela relacionada à pessoa natural
identificada ou identificável;
V - tratamento da informação: conjunto de ações referentes à
produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodu-
ção, transporte, transmissão, distribuição, arquivamento, ar-
mazenamento, eliminação, avaliação, destinação ou controle
da informação;
VI - disponibilidade: qualidade da informação que pode ser co-
nhecida e utilizada por indivíduos, equipamentos ou sistemas
autorizados;
VII - autenticidade: qualidade da inedida, recebida ou modifi-
cada por determinado indivíduo, equipamento ou sistema;
VIII - integridade: qualidade da informação não modificada,
inclusive quanto à origem, trânsito e destino;
IX - primariedade: qualidade da informação coletada na fonte,
com o máximo de detalhamento possível, sem modificações.
Art. 5CPC/2015 É dever do Estado garantir o direito de acesso à in��
-
formação, que será franqueada, mediante procedimentos obje-
tivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de
fácil compreensão.

Noutra ponta, a Lei nº 12.527/2011 também buscou classificar


as informações quanto a sua imprescindibilidade à segurança da
RRafaeRaRafa 281
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

sociedade ou do Estado, limitando em 25 anos o prazo para a ma-


nutenção do sigilo de informações consideradas ultrassecretas:
Art. 23. São consideradas imprescindíveis à segurança da so-
ciedade ou do Estado e, portanto, passíveis de classificação as
informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam:
I - pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integrida-
de do território nacional;
II - prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou
as relações internacionais do País, ou as que tenham sido for-
necidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos
internacionais;
III - pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população;
IV - oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica
ou monetária do País;
V - prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégi-
cos das Forças Armadas;
VI - prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desen-
volvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas,
bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional;
VII - pôr em risco a segurança de instituições ou de altas auto-
ridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ou
VIII - comprometer atividades de inteligência, bem como de in-
vestigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a
prevenção ou repressão de infrações.
Art. 24. A informação em poder dos órgãos e entidades públi-
cas, observado o seu teor e em razão de sua imprescindibilidade
à segurança da sociedade ou do Estado, poderá ser classificada
como ultrassecreta, secreta ou reservada.
§ 1CPC/2015 Os prazos máximos de restrição de acesso à informa-
ção, conforme a classificação prevista no caput, vigoram a par-
tir da data de sua produção e são os seguintes:
I - ultrassecreta: 25 (vinte e cinco) anos;
II - secreta: 15 (quinze) anos; e
III - reservada: 5 (cinco) anos.

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, o acesso à informa-

RRafaeRaRafa 282
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

ção previsto na Lei nº 12.527/2011 foi regulamentada pela Resolu-


ção nº 528/2014, a qual se limita ao fornecimento de informações
de cunho administrativo e não jurisdicional. Houve também por
parte da referida resolução a previsão de requerimentos adminis-
trativos na forma eletrônica e a interposição de recursos.

Destaca-se o teor do artigo 4º da Resolução nº 528/2014, abai-


xo transcrito, o qual prevê um rol não exaustivo de informações
que podem ser requisitadas à Suprema Corte:
Art. 4º O acesso à informação de que trata esta Resolução com-
preende, entre outros, os direitos de obter:
I – orientação sobre os procedimentos para a consecução de
acesso, bem como sobre o local onde poderá ser encontrada ou
obtida a informação almejada;
II – informação contida em registros ou documentos, produzi-
dos ou acumulados pelo Supremo Tribunal Federal, recolhidos
ou não aos arquivos da Corte;
III – informação produzida ou custodiada por pessoa física ou
entidade privada decorrente de qualquer vínculo com o Supre-
mo Tribunal Federal, mesmo que esse vínculo já tenha cessado;
IV – informação primária, íntegra, autêntica e atualizada;
V – informação sobre atividades exercidas pelo Supremo Tri-
bunal Federal, inclusive as relativas à sua política, organização
e serviços;
VI – informação pertinente à administração do patrimônio pú-
blico, utilização de recursos públicos, licitação, contratos admi-
nistrativos; e
VII – informação relativa:
a) à implementação, acompanhamento e resultados dos progra-
mas, projetos e ações, bem como metas e indicadores propos-
tos;
b) ao resultado de inspeções, auditorias, prestações e toma-
das de contas realizadas pela unidade competente do Supremo
Tribunal Federal e pelos órgãos de controle externo, incluindo
prestações de contas relativas a exercícios anteriores.

Como se pode observar no artigo 4º, incisos II e III, o acesso


RRafaeRaRafa 283
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

à informação abrange tanto a informação contida em registros ou


documentos, produzidos ou acumulados pelo Supremo Tribunal
Federal, assim como a informação produzida ou custodiada por
pessoa física ou entidade privada decorrente de qualquer vínculo
com o STF, mesmo que esse vínculo já tenha cessado.

Dessa forma, mesmo no caso da manutenção e desenvolvi-


mento do Sistema de Processamento Eletrônico do Supremo (e-S-
TF) ser realizado por empresa privada, é assegurado o direito à
informação ante a aplicabilidade da Lei nº 12.527/2011. No caso da
distribuição processual eletrônica, a relação estabelecida entre as
regras jurídicas e os códigos não jurídicos e informatizados a par-
tir de um software administrado pelo setor de tecnologia do tribu-
nal ou por uma empresa privada é indiferente quando se refere à
incidência da Resolução nº 528/201419.

Segundo Daniel Chada e Ivar A. Hartmann, engenheiro-chefe


e coordenador do projeto Supremo em Números, não haveria risco
na divulgação do algoritmo responsável pela distribuição de pro-
cessos no STF, independente de se tratar de algoritmo verdadeira-
mente aleatório ou pseudoaleatório:
Mas quando a semente usada é suficientemente complexa, mes-
mo algoritmos pseudo-aleatórios são praticamente impossíveis
de quebrar. Se for desse tipo, o algoritmo de distribuição alea-
tória de processos do Supremo estaria vulnerável apenas a en-
tidades com poder computacional semi-infinito, como o Google
ou a NSA. Mesmo assim, seria necessário descobrir a semente.
Ou seja, uma renovação periódica dela resolveria o problema. O
algoritmo poderia ser divulgado sem risco.
Existem também formas de um computador dar respostas ver-
dadeiramente aleatórias. Nesses casos, nem todo o poder com-
putacional do mundo permitiria prever para qual ministro o
próximo processo seria distribuído. Esses algoritmos tornam a
engenharia reversa impossível. Eles se baseiam em dados im-

19  A natureza jurídica das regras de distribuição processual é administrativa e


não jurisdicional, mesmo reproduzidas a partir de códigos não jurídicos e informa-
tizados.
RRafaeRaRafa 284
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
previsíveis da realidade, como o ruído atmosférico ou a tempe-
ratura ambiente. Há soluções online neste formato, como o site
random.org. Neste caso, não importa qual o algoritmo usado,
pois o resultado é aleatório independentemente do código-fon-
te.
Qual dos dois o Supremo usa? Se o método depende do algorit-
mo é uma escolha muito perigosa, pois permite manipulação. A
divulgação do algoritmo nesse caso é o menor dos problemas.
Se não se baseia no algoritmo e sim em uma semente complexa
ou em algo verdadeiramente aleatório, então o sigilo do códi-
go-fonte não faz diferença. De fato, muitos sistemas realmente
seguros publicam voluntariamente seu algoritmo para corro-
borar sua segurança. Os tokens usados pelos clientes de bancos
como o Itaú para gerar um número aleatório e garantir a segu-
rança do internet banking são baseados em um algoritmo pú-
blico. O Bitcoin, que já movimenta milhões no mundo inteiro,
também tem seu código fonte divulgado ao público20.

Não há como negar, portanto, a aplicabilidade da Lei nº


12.527/2011 junto ao Supremo Tribunal Federal como forma de
garantir a divulgação das informações responsáveis pelos sorteios
eletrônicos e definidoras do critério normativo de distribuição
aleatória. Somente o fornecimento do algoritmo responsável pela
tradução das regras de distribuição processual em códigos não ju-
rídicos e informatizados indicará o nível de segurança dos sorteios
quanto à imprevisibilidade dos resultados.

6 Considerações finais
O protagonismo atualmente desempenhado pelo Supremo
Tribunal Federal impõe uma nova postura junto à sociedade, es-
pecialmente no que se refere à transparência de suas ações. A apli-
cabilidade da Lei de Acesso à Informação é um passo importante
nessa direção, mas ainda esbarra na cultura de um Poder Judiciá-
rio preso aos resquícios de um passado não democrático.

Nesse contexto, o recente fenômeno do ativismo judicial repo-

20  CHADA e HARTMANN, 2017.


RRafaeRaRafa 285
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

siciona a separação dos poderes e coloca a Suprema Corte no cen-


tro das decisões mais importantes do país, especialmente quando
o STF exerce o controle de constitucionalidade, definindo de forma
soberana a extensão e os limites dos direitos fundamentais.

Somado a isso, o crescimento dos poderes do(a) relator(a) e o


enfraquecimento das decisões colegiadas acendem o debate quan-
to aos critérios de distribuição processual. Nesse sentido, a atual
polarização ideológica dos ministros e ministras do STF, pública
e notória, traz consigo a necessidade de expor de forma clara as
normas jurídicas que definem os sorteios.

Entretanto, esse conjunto de regras jurídicas passa por um


processo de tradução informatizado e que culmina na formação de
comandos eletrônicos quase sempre ignorados pelos operadores
do direito. A zona cinzenta entre as normas jurídicas e o algorit-
mo responsável por comandar essas informações traduzidas foi o
objeto do presente trabalho e direcionou as expectativas quanto à
aplicabilidade da Lei de Acesso à Informação.

Embora reconheça o caráter ácido com que o presente trabalho


possa se apresentar para alguns setores, inclusive do Poder Judici-
ário, saber quais as regras que definem, por exemplo, a distribui-
ção de processo relacionado ao exercício dos direitos fundamentais
é uma informação de interesse público.

Por outro lado, saber se o sistema de distribuição processual


do STF é vulnerável ou previsível também se revela uma preocupa-
ção importante, na medida em que não há divulgação do algoritmo
responsável por assegurar a aleatoriedade dos sorteios. Somente a
garantia de imprevisibilidade do resultado garantirá a observância
dos critérios de distribuição processual com a consequente preser-
vação do devido processo legal.

Fica claro, portanto, que a divulgação do algoritmo responsá-

RRafaeRaRafa 286
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

vel pela distribuição de processos no STF durante os últimos anos


é fundamental para consolidar a transparência na Suprema Corte
e redimensioná-la como protagonista no processo de abertura do
Poder Judiciário e como ativista de uma nova cultura judiciária
marcada pela publicidade dos seus atos administrativos.

7 Referências
ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios: da definição à aplicação
dos princípios jurídicos. 4ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2005.
MLODINOW, L. O andar do bêbado, Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
VILANOVA, Lourival, As estruturas lógicas e o sistema do Direito Positivo, São Paulo:
Editora Max Limonad, 1997.
BERNADES, C.F.S. O direito fundamental de acesso à informação: uma análise sob a
ótica do princípio da transparência. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade
Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2015.
BARROSO, Luis Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da perso-
nalidade. Critérios de ponderação. In GOZZO, Débora (coord.). Informação e direitos
fundamentais: a eficácia horizontal das normas constitucionais. São Paulo: Saraiva,
2012.
CHADA, Daniel. HARTMANN. Ivan. A distribuição dos processos no Supremo é re-
almente aleatória? Disponível em <https://jota.info/colunas/supra/ distribuicao-dos-
-processos-no-supremo-e-realmente-aleatoria-25072016>. Acesso em 10 de nov. de
2017.

RRafaeRaRafa 287
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

O P rincípio da C ooperação no C ódigo de


Processo de 2015 como garantia à razoável
duração do processo
Rafael Targino Falcão1

O presente artigo analisa a aplicabilidade de princípios processuais de


natureza constitucional em razão do surgimento de um processo civil
constitucionalizado no ordenamento jurídico pátrio. Para tanto, mister
se fez uma análise sobre a influência e os reflexos da aplicação dos
princípios no ordenamento jurídico, de forma específica ao processo
civil em razão do advento do código de processo civil de 2015. Ao fim,
expõe-se sobre os reflexos da utilização do princípio da cooperação no
processo de natureza cível, de forma específica quanto a sua influên-
cia no que tange à possibilidade de prestação jurisdicional em tempo
razoável, como determinam inclusive os dispositivos internacionais. A
metodologia utilizada na elaboração deste escrito organiza-se em uma
linha descritivo-analítica, desenvolvida por meio de pesquisas do tipo
bibliográfica, pura no que se refere à utilização dos resultados, e de
natureza qualitativa. Diante do que se observou, concluiu-se pela íntima
relação entre os princípios da cooperação e da duração razoável do
processo, uma vez que, por meio daquele, possibilita-se a prática de
atos, por todos os sujeitos de direito envolvidos na relação, que visem a
maior celeridade processual.
Palavras-chave: Processo civil – direito civil-constitucional – princípios
processuais – princípio da cooperação – princípio da duração razoável
do processo
Sumário: 1. Introdução; 2. Os Princípios no Código de Processo Civil
de 2015; a. Considerações Iniciais; b. Princípios Processuais Constitu-
cionais; 3. As inovações trazidas pela introdução do Princípio da Coo-
peração ao Processo Civil Pátrio; 4. Efetivação do Princípio da Duração
Razoável do Processo por meio da aplicabilidade do Princípio da Coo-
peração; 5. Conclusão; 6. Referências.

1 Introdução
Com o advento do Código de Processo Civil, sendo aplicado des-
de março de 2015, muitas foram as mudanças observadas no ordena-
mento jurídico brasileiro. Isto porque, conquanto seja o direito, sen-
sivelmente o processual, também reflexo das mudanças culturais de
uma sociedade, é sabido que se passaram mais de 40 anos até a edição
1  Advogado. Bacharel em Direito pela UFPB. Pós-graduando em Processo Civil
Contemporâneo pela UFPE.
RRafaeRaRafaelRaRafae 288
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

de um código com escopo de regulamentar tal aspecto jurídico.

Diante de uma realidade de constitucionalização de vários âmbi-


tos do direito, não foi diferente com o processo civil. Inclusive, quan-
do da elaboração do Código de Processo Civil, atentou o legislador
ao prisma neoconstitucionalista a ser adotado, motivo pelo qual, logo
em seu primeiro artigo, dispôs sobre a necessidade de concordância
daquilo que era aplicado ao processo com os valores e princípios cons-
titucionais.

Motivo da elaboração de um novo código foi a necessidade de se


buscar uma solução para o crescimento do número de processos a se-
rem julgados, assim como uma tentativa de efetivar a prestação juris-
dicional em tempo razoável, conforme determina o Pacto de San José
da Costa Rica, aspectos que, em reiteradas vezes, são indissociados.

Para tanto, pretendeu o legislador, quanto ao número de proces-


sos, priorizar a utilização de meios extrajudiciais para resolução, seja
pela mediação, conciliação ou, até mesmo, a arbitragem, de modo a
diminuir, de forma significativa, as demandas efetivamente proces-
sualizadas.

Quanto à procura de uma prestação jurisdicional feita em tempo


razoável, buscou o legislador a utilização de princípios, como o da co-
operação, a fim de que, por meio da participação efetivas das partes,
bem como do juiz competente, possibilite-se uma maior celeridade
processual.

No presente escrito, haverá a apresentação das mudanças perce-


bidas no ordenamento jurídico brasileiro em decorrência da aplicação
de princípios constitucionais ao processo civil pátrio, de modo espe-
cial o princípio da cooperação, com escopo de demonstrar a íntima
relação entre a aplicabilidade deste e seu reflexo na garantia da pres-
tação jurisdicional em tempo razoável, uma vez que importa, necessa-
riamente, em maior celeridade processual.

RRafaeRaRafaelRaRafae 289
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

2 Os Princípios no Código de Processo Civil de


2015
Considerações Iniciais
Os princípios são entendidos, no ordenamento jurídico brasileiro,
como fundamento de uma norma jurídica. Isto porque, conquanto,
por vezes, não esteja definido em nenhum diploma legal, são basilares
para a aplicação, a integração e até mesmo a elaboração de novas nor-
mas. É como aduz Miguel Reale2, veja-se:
Princípios são enunciações normativas de valor genérico, que
condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurí-
dico, a aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de
novas normas. São verdades fundantes de um sistema de co-
nhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por
terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem
prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigi-
dos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.

Percebe-se, pois, que são mais que simples regras, tanto que es-
tabelecem limitações ao exercício do direito na sociedade, além de
fornecer diretrizes que são responsáveis por embasar a ciência jurí-
dica, isto é, justificar a criação e a aplicabilidade de determinada lei
ou norma.

Hodiernamente, é cristalino que os princípios possuem uma im-


portância dantesca, tanto que servem como padrões teleológicos do
sistema, com base nos quais poderá ser obtido o melhor significado
das regras, conforme defendem Cláudio Bonatto e Paulo Moraes3.
Apresentam-se como sendo, portanto, o grande embasamento da or-
dem jurídica.

Resta clarividente que muitas são as funções dos princípios no


ordenamento jurídico, seja a de servir como embasamento interpreta-
tivo, isto é, conferir as diretrizes básicas para que se possa interpretar

2  REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, 2003, p. 37.


3  BONATTO, Cláudio; MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões Controverti-
das no Código de Defesa do Consumidor, 2009, p. 28.
RRafaeRaRafaelRaRafae 290
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

determinada norma ou a de servir, de forma subsidiária, à aplicação


do direito em casos práticos, caso não haja regulamentação expressa.

Ainda, é evidente a função fundamentadora que possuem, tanto


que, como entende Celso Antônio Bandeira de Mello4, se apresentam
como sendo “disposição fundamental que se irradia sobre diferentes
normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exa-
ta compreensão e inteligência”.

Depreende-se do exposto que, quanto a sua função fundamen-


tadora, os princípios acabam por garantir que a norma jurídica seja
aplicada de acordo com sua motivação primeira, sem que haja deci-
sões pautadas na vontade particular do jurista ou do operador do di-
reito, tanto que tais decisões devem ser, obrigatoriamente, fundamen-
tadas em dispositivo legal.

Conquanto abranjam o ordenamento jurídico como um todo,


mister se faz destacar que há princípios inerentes a cada ramo estu-
dado, isto é, específicos ao direito constitucional, ao que se refere ao
processo trabalhista, ao direito processual penal, bem como ao direito
processual civil.

Diante da constitucionalização do direito brasileiro, percebe-se


que os princípios inseridos na Constituição Federal, vez que se refe-
rem às normas fundamentadoras do ordenamento pátrio, são aplicá-
veis a todo e qualquer processo judicial, devendo ser seguido por to-
dos os participantes da relação jurídica.

Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, o legislador


dispôs de forma expressa sobre a aplicabilidade dos princípios cons-
titucionais ao Direito Processual Civil, com escopo de “densificar o
direito de ação como direito a um processo justo e, muito especial-
mente, como um direito à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tem-

4  BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 2003,


pp. 817-818.
RRafaeRaRafaelRaRafae 291
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

pestiva dos direitos”, como dispôs Daniel Mitidiero e Luiz Guilherme


Marinoni5.

Inclusive, o artigo 1º do Código de Processo Civil dispõe, expres-


samente, sobre a obrigatoriedade de que todo o processo civil seja or-
denado, disciplinado e interpretado segundo a Carta Magna, de modo
que, mesmo os princípios constitucionais que não tenham sido ex-
pressos no Código, devem ser utilizados, caso se faça pertinente.

Princípios Processuais Constitucionais


O Código de Processo Civil traz, no decorrer dos seus 12 (doze)
primeiros artigos, os princípios fundamentais à execução do processo
civil no ordenamento jurídico pátrio, a observar, de forma especial,
as regras e princípios constitucionais. Embora haja a disposição de
alguns desses princípios, é clarividente que não se trata de rol exaus-
tivo, uma vez que, como já exposto, o processo reflete, também, as
realidades sociais, que podem sofrer alterações.

Um exemplo de princípio de origem constitucional que passou a


ser aplicado ao processo civil, agora com amparo legal expresso, foi o
do devido processo legal. Isto porque, como assegura o rol do artigo
5º da Constituição Federal, é garantido a todo sujeito de direito, no
Brasil, o direito fundamental a um processo devido; seja ele no âmbi-
to legislativo, administrativo ou jurisdicional. Tal garantia é necessá-
ria para evitar o exercício abusivo do poder.

Seu significado modifica-se, no decorrer do tempo, visto que se


trata de cláusula geral, de modo que oscila a depender das modifica-
ções verificadas na sociedade. Sua essência, entretanto, a saber, a de
proteção contra o abuso do poder, remota ao Édipo de Conrado II, em
1.037, oportunidade em que, pela primeira vez, dispôs-se, de forma
escrita, que até mesmo o Imperador está submetido às leis do Império.

5  MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. O Projeto do CPC. Crítica e


propostas, 2010, p. 16.
RRafaeRaRafaelRaRafae 292
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Ainda que se modifique durante o tempo, é inegável que alguns


aspectos, isto é, garantias mínimas, foram incorporadas à ideia de de-
vido processo legal, tanto que a Carta Magna passou a estabelecê-los,
de modo a se perceber, no ordenamento pátrio, um modelo constitu-
cional do processo.

A importância do presente princípio é hercúlea, tanto que dele


decorrem outros importantes aspectos do processo, como o da ade-
quação, da boa-fé processual e da efetividade. Percebe-se, como des-
taca Fredie Didier Jr., que além de público, paritário e tempestivo, o
processo, para ser devido, deve ser adequado, legal e efetivo6. Não por
outra razão, aspectos como a obrigatoriedade de obediência à lega-
lidade, por exemplo, também decorrem da aplicabilidade do devido
processo legal.

Há que se destacar que entendem alguns doutrinadores que di-


versos são os modelos de direito processual e que todos eles podem
ser considerados em conformidade com o princípio do devido proces-
so legal, uma vez que, como já exposto, o conceito de devido processo
legal pode diferir, a depender do espaço e do tempo em que seja apli-
cado.

Diante disto, percebe-se que a doutrina identifica dois modelos de


estruturação do processo, conquanto haja severas discussões quanto
a essa dicotomia7, sendo eles: modelo adversarial e modelo inquisiti-
vo. Tal divisão decorre da análise do papel do juiz na problemática,
como discorre José Carlos Barbosa Moreira8:
Falar dos poderes do juiz importa enfrentar problema central
de política jurídica, a cujo respeito todo o sistema processual é
chamado a definir-se: o problema da ‘divisão de trabalho’ entre
o órgão judicial e as partes.
6  DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 2016, p. 125.
7  DAMAKA, Mirjan R. The faces of justice and State Authority, 1986, pp. 3-segs;
CHASE, Oscar G. A ‘excepcionalidade’ americana e o direito processual compara-
do, 2003, p. 122.
8  MOREIRA, José Carlos Barbosa. Os poderes do juiz na direção e na instrução
do processo, 1989, p. 45-46.
RRafaeRaRafaelRaRafae 293
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

O primeiro deles, adversarial, organiza-se como uma disputa en-


tre dois adversários9, qual seja, as partes, realizada diante de um ór-
gão jurisdicional relativamente passivo, representado pela figura do
juiz, cuja principal função é decidir o caso10. Já o modelo inquisitorial,
ou não adversarial, é aquele que se organiza como uma pesquisa ofi-
cial, sendo o órgão jurisdicional o grande protagonista do processo.

Em razão das mudanças sociais observadas em todo o mundo,


sensivelmente no Brasil, e a observar os ditames de um processo civil
constitucionalizado, o legislador, quando da elaboração do Código de
Processo Civil de 2015 acabou por criar um novo modelo a ser anali-
sado: o processo cooperativo, abordado a seguir.

3 As Inovações Trazidas pela Introdução do Prin-


cípio da Cooperação ao Processo Civil Pátrio
Por meio do advento do Código Civil de 2002, em atenção ao pro-
cesso de constitucionalização do direito pátrio, especificamente com
escopo de viabilizar a efetivação da prestação jurisdicional em tempo
razoável, conforme a seguir será demonstrado, o legislador dispôs, em
seu artigo 6º, sobre o princípio da cooperação.

No referido dispositivo, dispôs que “todos os sujeitos do proces-


so devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável,
decisão de mérito justa e efetiva”, caracterizando tal disposição como
norma fundamental, razão pela qual deve ser seguido e respeitado por
todos os envolvidos na relação processual.

Oriundo dos princípios constitucionais do contraditório e da boa-


-fé processual (tanto que já era considerado como implícito por alguns
doutrinadores), o princípio da cooperação é considerado como sendo
o meio pelo qual se busca a efetivação do princípio do devido processo

9  DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 2016, p. 126.


10  JOLOWICZ, J.A. Adversarial na inquisitorial approaches to civil litigation,
2000, p. 177.
RRafaeRaRafaelRaRafae 294
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

legal, uma vez que determina como deve se estruturar o processo no


direito brasileiro, em atenção ao novo modelo cooperativista.

Percebe-se, por meio da aplicabilidade do supramencionado


princípio, haver um redimensionamento do princípio do contraditó-
rio, uma vez que se expande o direito de diálogo processual às partes
e também ao órgão jurisdicional, afastando-se a ideia do juiz como
mero espectador, como no modelo adversarial, como também do pa-
pel de protagonista da lide, como ocorria no modelo inquisitorial.

Busca-se com tal redimensionamento, portanto, conferir tanto ao


juiz quanto as partes, com previsão legal, posição apta para que pos-
sam buscar sanar qualquer dúvida e incerteza que exista, de modo a
evitar as situações de insegurança processual e se obter a solução do
litígio de forma justa, efetiva e em prazo razoável.

Destaca-se que, apesar de, em um primeiro momento, ser o prin-


cípio da cooperação utilizado para prolação da decisão, isto é, no pro-
cesso de conhecimento, sua aplicabilidade não se restringe a tal fase.
Isto porque é aplicável, também no processo de execução, tanto no
que tange a indicação de bens a serem penhoráveis, bem como apre-
sentar o meio de execução menos oneroso e mais favorável.

O modelo cooperativo, viabilizado por meio da aplicabilidade do


princípio da cooperação, é visto como sendo o mais adequado para
uma democracia, isto porque, como determina Dierle José Coelho
Nunes11, “a comunidade de trabalho deve ser revista em perspectiva
policêntrica e comparticipativo, afastando qualquer protagonismo e
se estruturando a partir do modelo constitucional de processo”.

Diante de tal realidade, surgem deveres de conduta tanto para


as partes quanto para o órgão jurisdicional. Isto porque, diferente do
que ocorria no processo civil orientado pelo Código de Processo Civil
de 1973, o papel das partes (a incluir o órgão jurisdicional) passa a ser

11  NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático, 2008, p. 215.
RRafaeRaRafaelRaRafae 295
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

“paritário”, como defende Daniel Mitidiero12.

Mister se faz destacar que tal paridade de participação durante o


processo não se estende ao momento da decisão, isto porque trata de
função exclusiva do órgão jurisdicional. O que ocorre é que tal decisão
decorre de um processo estabelecido sob as normas da cooperação,
isto é, resulta das discussões percebidas durante o decorrer do pro-
cesso. Em suma, percebe-se que “a atividade cognitiva é compartilha-
da, mas a decisão é manifestação do poder, que é exclusivo do órgão
jurisdicional” 13.

Ao perceber que o processo é um feixe de relações jurídicas, uma


vez que se estabelece entre os mais diversos sujeitos de direito, a in-
cluir, o órgão jurisdicional, é clarividente que tal princípio deve abran-
ger, também, todas as relações ali percebidas. Isto é, utilizar-se-á o
princípio da cooperação seja na relação autor-réu, juiz-réu, autor-réu-
-juiz, juiz-perito e quantas outras se verificarem no decorrer do pro-
cesso, inclusive ente terceiros interessados que venham a fazer parte
da lide.

Conquanto não haja disposição legal sobre sua forma de imple-


mentação, não se pode afastar a aplicabilidade do princípio da coope-
ração no processo civil, uma vez que sua eficácia normativa indepen-
de da existência de regras jurídicas expressas. Trata-se de princípio
responsável, fundamentalmente, por integrar o sistema jurídico.

Sistematizar os deveres que decorrem da aplicabilidade do prin-


cípio em questão se mostra matéria de grande discussão na doutrina
pátria, isto porque o legislador não o fez de forma expressa, de modo
que, de forma analógica ao princípio da boa-fé, entende ser os deve-
res da cooperação divididos em deveres de esclarecimento, lealdade e
proteção14 ou esclarecimento, prevenção, consulta e auxílio15.
12  MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil, 2009, pp. 102-103.
13  DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 2016, p. 127.
14  DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 2016, p. 128.
15  MOUZALAS, Rinaldo. Processo Civil volume único, 2016, p. 60.
RRafaeRaRafaelRaRafae 296
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

O dever de esclarecimento tem como escopo primeiro evitar situ-


ações de insegurança jurídica em que o juiz profira sua decisão com
base em informação incompleta e frágil. Preza-se, pois, pela fidedig-
nidade dos fatos, de modo a obter uma decisão coerente e justa. Inclu-
sive, o legislador conferiu ao juiz o poder de decretar inépcia em face
daquele que, de alguma forma, desrespeitar tal dever.

Destaca-se que, quando em face de petições que possuam obscu-


ridade do pedido ou da causa de pedir, por exemplo, não deve haver
o indeferimento antes de se solicitar o devido esclarecimento pelo de-
mandante ou seu procurador, de modo a possibilitar a economia dos
atos processuais.

É faceta do dever de esclarecimento o dever de consulta ou de


informar, isto é, não pode “o órgão jurisdicional decidir com base
em questão de fato ou de direito sem que sobre elas sejam as partes
intimadas a manifestar-se” 16, como assegura o artigo 10º do Código
de Processo Civil.

Depreende-se do exposto que o princípio da cooperação se apre-


senta como sendo concretização do princípio do contraditório, uma
vez que assegura aos litigantes o poder de influenciar na solução da
controvérsia de forma significativa, por meio da aplicação do dever de
esclarecimento.

Quanto ao dever de lealdade, o princípio da cooperação se mos-


tra como garantia à efetivação do princípio da boa-fé processual, e
de proteção no sentido de que não pode a parte causar danos à parte
adversária, como no caso de responsabilização objetiva do exequente
quando em casos de execução injusta, assegurado pelo artigo 520, I e
776 do Código de Processo Civil.

O dever de prevenção se aplica quando o êxito da ação ou da de-

16  DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 2016, p. 130.
RRafaeRaRafaelRaRafae 297
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

fesa possa ser frustrado pelo uso inadequado do processo17, visivel-


mente em quatro situações, sendo elas: explicitação de pedidos pouco
claros, o caráter lacunar da exposição dos fatos relevantes, a necessi-
dade de adequar o pedido formulado à situação concreta e a sugestão
de certa atuação.

Tal dever encontra seu marco no direito conferido pelo artigo 321
do CPC que confere ao demandante o direito de emendar a petição
inicial, se o órgão jurisdicional considerar que lhe falta algum requi-
sito, de modo que não é permitido o indeferimento da petição inicial
sem que se confira a oportunidade de correção do defeito18, fato que
corrobora com a tese de que é o princípio da cooperação garantidor
da celeridade processual, bem como do respeito à economicidade dos
atos processuais.

Resta evidente que a aplicabilidade do princípio da cooperação


acaba por garantir outros princípios processuais e, também, de ordem
constitucional ao direito processual pátrio, a exemplo do princípio do
contraditório, da economicidade dos atos processuais e também, de
forma sensível, do princípio da celeridade processual.

4 Efetivação Do Princípio Da Duração Razoável


Do Processo Por Meio Da Aplicabilidade Do Prin-
cípio Da Cooperação
Como já elucidado, a aplicabilidade de um devido processo legal
é de fundamental importância para o ordenamento jurídico, em todas
as suas facetas, a incluir, portanto, a razoável duração do processo.
Não por outro motivo, o Código de Processo Civil, em seu artigo 4º,
dispôs expressamente tal garantia, veja-se: “Art. 4º: As partes têm di-
reito de obter em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a
atividade satisfativa”.

17  SOUSA, Miguel Teixeira de. Estudos sobre o novo processo civil, 1997, p. 66.
18  GRASSI GOUVEA, Lucio. Cognição Processual Civil, 2007, p. 52.
RRafaeRaRafaelRaRafae 298
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Tal regulamentação constitucional decorreu do fato de ser o Bra-


sil signatário do Pacto de San José da Costa Rica, tendo este sido pro-
mulgado e incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro com hie-
rarquia de norma constitucional, como defende Flávia Piovesan19.

O referido pacto, introduzido ao ordenamento jurídico como De-


creto nº 678/92 traz em seu artigo 8º, 1, a obrigatoriedade de imple-
mentação do presente princípio, conferindo a este status de norma
fundamental, veja-se:
Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias
e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal com-
petente, independente e imparcial, estabelecido anteriormen-
te por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada
contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obriga-
ções de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra
natureza.

Entende a Corte Europeia dos Direitos do Homem que, respeita-


das as exceções, três são os aspectos a serem observados para que se
determine se houve, ou não, atenção ao princípio em questão, a saber,
a complexidade do assunto, o comportamento dos litigantes e de seus
procuradores ou da acusação e da defesa no processo e a atuação do
órgão jurisdicional.

Destaca-se o fato de que a garantia é a de que haja uma razoável


duração do processo, fato que não importa, necessariamente, em uma
celeridade processual, uma vez não deve o processo ser rápido/célere:
“o processo deve demorar o tempo necessário e adequação à solução
do caso submetido ao órgão jurisdicional”20.

Para que se obtenha a implementação deste, o legislador dispôs


de instrumentos que podem servir para concretização deste direito
fundamental, seja a possibilidade de representação por excesso de
prazo ou, ainda, a determinação do artigo 93 da CF que estabelece que
19  PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional,
2000, p. 79-80.
20  DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, 2013, pg. 69.
RRafaeRaRafaelRaRafae 299
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

“não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em


seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório
sem o devido despacho ou decisão”.

Percebe-se, pois, que houve a aplicabilidade de tal princípio tanto


aos atos das partes como aos atos do órgão jurisdicional e ainda aos
serventuários da justiça e aos advogados das partes, de modo a com-
provar a indissociabilidade dos sujeitos de direito quando da presta-
ção jurisdicional.

Além dos instrumentos acima dispostos, estabeleceu o legislador


a necessária aplicabilidade do princípio da cooperação ao processo
civil pátrio, como já exposto. Sendo este, também, meio de concreti-
zação do princípio ora em questão, uma vez que, por meio da coope-
ração das partes, bem como do órgão jurisdicional, dos serventuários
cartorários e dos advogados, faz-se possível o andamento processual
em duração razoável.

Isto porque, ao determinar que devam todos os sujeitos de di-


reito envolvidos no caso em questão cooperarem, o legislador acaba,
também, por garantir que não haja a litigância de má-fé por meio de
atos que visem a lentidão do processo, sob pena de aplicabilidade de
sanções.

Como expõe Álvaro de Oliveira21, a partir da aplicabilidade do


princípio da cooperação dos sujeitos de direito às lides, perceber-se-
-á uma busca, tanto pelas partes quanto pelo órgão jurisdicional, por
uma solução alcançada em tempo razoável, isto porque, a lide passará
a ser participativa, de modo que os interesses das partes, bem como
a real situação fática causadora do ajuizamento da ação serão mais
rapidamente percebidos e, consequentemente, analisados.

Outro aspecto que demonstra a aplicabilidade do princípio da co-

21  OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. A garantia do Contraditório, 2003, p.


253.
RRafaeRaRafaelRaRafae 300
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

operação como meio de efetivação da duração razoável do processo


diz respeito ao disposto a partir do artigo 35 do Código de Processo
Civil, a saber, a cooperação internacional.

Por meio da aplicabilidade do princípio da cooperação, também


no âmbito internacional, a exemplo do melhor – e mais efetivo – cum-
primento das cartas rogatórias que possuam condão decisório, nota-
-se a clarividente efetivação do princípio da duração razoável do pro-
cesso.

Isto porque, sem a regulamentação trazida pelo Código de Pro-


cesso Civil de 2015, tais decisões, proferidas em Estados diversos,
passavam por um longo e burocrático processo, que se perdurava no
tempo, fato que se contrapunha sensivelmente ao interesse de haver a
concretização dos processos em tempo razoável.

Percebe-se, portanto, que a aplicabilidade do princípio da coope-


ração entre os sujeitos de direito da relação processual se mostra, cris-
talinamente, como meio de efetivação daquilo que se busca quanto à
temporalidade do processo: sua razoável duração.

5 Conclusão
Depreende-se do amplamente exposto no decorrer do presente
escrito que, por meio das inovações trazidas pelo Código de Processo
Civil de 2015, sensivelmente no que se refere à aplicabilidade do prin-
cípio da cooperação, passa-se a garantir a prestação jurisdicional em
tempo razoável, em consonância com as disposições internacionais as
quais se submete o Brasil.

Diante de tal realidade, percebe-se que os princípios constitucio-


nais passam, cada vez mais, a regulamentar também o direito pro-
cessual, em seus mais diversos âmbitos, de forma especial o da esfera
cível, de modo que se verifica a existência de um processo civil cons-
titucionalizado.

RRafaeRaRafaelRaRafae 301
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

A existência de um processo civil constitucionalizado comprova a


existência de um ordenamento jurídico mais coerente quanto as suas
funções e objetivos. Isto porque, hodiernamente, impossibilita-se que
determinado ramo funcione de forma contraposta às determinações
constitucionais, que regulam todas as relações jurídicas verificadas
no Brasil.

Não por outra razão, percebe-se que a aplicabilidade dos princí-


pios constitucionais ao direito processual faz com que se verifique um
processo mais atento, também, a dignidade da pessoa humana, por
exemplo, sensivelmente no aspecto temporal da duração do processo.

Conclui-se, portanto, que a tendência evolutiva do processo ci-


vil, em razão, principalmente, da sua constitucionalização por meio
da aplicabilidade de princípios constitucionais, assegura um ordena-
mento mais coerente e, também, mais efetivo quanto as mais diversas
controvérsias a serem resolvidas.

Fato possível, principalmente, pela aplicabilidade do princípio da


cooperação que, por ter alterado, de forma significativa, as funções
dos sujeitos de direito envolvidos, vez que passou a conferir a todos
o dever de cooperar com a mais célere resolução da lide, acaba por
efetivar o princípio do devido processo legal.

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RRafaeRaRafaelRaRafae 303
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

A constitucionalização processual e a nova


face do contraditório no CPC de 2015
Renata Arcoverde1

O presente artigo propõe analisar a nova interpretação processual en-


dossada pela mudança legislativa recente, trazida pela Lei nº 13.105/15.
A abordagem do tema foi realizada através da pesquisa teórica, com a
utilização do método dedutivo e procedimento técnico de análise textual,
temática e interpretativa, além da análise de conteúdo de leis existentes
no ordenamento jurídico brasileiro. A constitucionalização do processo
civil resgatou a centralização da Constituição no ordenamento jurídi-
co, comprometendo o conjunto normativo com a democratização das
fontes de poder, assim como possibilitou a garantia do contraditório
substancial, fundado na participação ampla das partes para a efetiva
solução jurídica, com inexistentes ou mínimas decisões surpresas, de
forma integrada com os princípios da boa-fé, cooperação e primazia
do mérito, de foma a fomentar a democracia no processo, através do
diálogo e equilíbrio dos sujeitos processuais.
Palavras-chave: Neoprocessualismo – Processo colaborativo – Contra-
ditório
Sumário: 1. Introdução; 2. A constitucionalização do processo; 3. A
nova face do contraditório; 4. Conclusão; 5. Referências.

1 Introdução
Com o fenômeno pós-segunda Guerra Mundial, denominado
de neoconstitucionalismo, vivenciamos mudanças de paradigmas
que colocaram a Constituição Federal de 1988 como centro da her-
menêutica jurídica. A passagem do Estado Liberal de Direito, o
qual se fundava na igualdade e na liberdade individual, para o Es-
tado Democrático de Direito, cuja principal função é a equiparação
formal dos interesses sociais e econômicos, ocorreu por meio de
um modelo baseado na força normativa dos princípios e na conso-
lidação de uma justiça substancial.

1  Advogada, especialista em Direito Público pelo ATF cursos Jurídicos em convê-


nio com a Universidade Maurício de Nassau, estudante do curso de Especialização
em Direito Judiciário e Magistratura do Trabalho, ESMATRA da 6º Região, estu-
dante do curso de Especialização em Processo Civil Contemporâneo pela UFPE.
RRenatReRenata A 304
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Nesse contexto, o poder judiciário deixou de ser um mero repe-


tidor de lei, da voz do poder legislativo, e passou a ter uma postura
diferente, interpretativa, com a consolidação da teoria dos direitos
fundamentais, da força normativa da Constituição, especialmente
por meio de seus princípios, e da expansão da jurisdição constitu-
cional.

Tais características repercutiram em diversos ramos do direi-


to, inclusive no processo civil, tendo em vista que a Constituição
Federal de 1988, seja por dispositivos originários, seja por dispo-
sitivos acrescidos por Emenda Constitucional, apresenta uma série
de comandos aplicáveis ao processo. Assim, verifica-se que tam-
bém houve no ramo processual uma evolução iniciada pela com-
preensão do processo a partir dos valores da Constituição.

Nesse sentido, surgiu a necessidade de que as esferas de atua-


ção do direito também fossem democratizadas e, consequentemen-
te, a necessidade de mudanças no Processo para acompanhar os
valores de Estado Democrático de Direito contidos na Constituição
Federal. Nesse passo, em 2015, foi promulgado o Código de Proces-
so Civil de 2015, o qual se apresenta revestido de dispositivos que
asseguram a aplicação de princípios constitucionais, incorporados
ao Processo Civil.

Verifica-se expressamente na exposição de motivos do Novo


Código o interesse em elaborá-lo com o objetivo de “estabelecer
expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Consti-
tuição Federal”. Nesse contexto, os dispositivos iniciais do Novo
CPC foram elaborados no intuito de alinhar o novo diploma legal
aos princípios constitucionais vigentes, especialmente o artigo 1º.
In Verbis:
Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpre-
tado conforme os valores e as normas fundamentais estabele-
cidos na Constituição da República Federativa do Brasil, obser-
vando-se as disposições deste Código.
RRenatReRenata A 305
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Ademais, a garantia do contraditório, prevista constitucional-


mente, foi amplamente salvaguardada no novo conjunto normati-
vo processual brasileiro. Nesse contexto, verifica-se que todas as
questões de mérito, sejam questões de fato ou de direito, passaram
a exigir um prévio debate entre os litigantes, evitando-se, destarte,
a decisão surpresa, e, consequentemente, a nulidade do julgamen-
to.

No mesmo sentido, foi consagrado o Princípio da Isonomia,


sendo almejado o tratamento igual para os iguais e desigual para
os desiguais, na medida de suas desigualdades, de forma a restabe-
lecer o equilíbrio entre as partes, possibilitando a sua livre e efeti-
va participação no processo.

Observa-se claramente tais considerações nos artigos 7º, 9º e


10º do CPC/2015, in verbis:
Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em rela-
ção ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios
de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções pro-
cessuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.
Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que
ela seja previamente ouvida.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:
I - à tutela provisória de urgência;
II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311,
incisos II e III;
III - à decisão prevista no art. 701.
Art. 10º O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição,
com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado
às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de
matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

Note-se, dessa forma, que o protagonista do processo deixa de


ser o representante estatal que vai exercer a atividade jurisdicio-
nal, abrindo espaço para a inserção das partes como peças funda-

RRenatReRenata A 306
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

mentais na evolução do processo, o qual passará a se desenvolver


mediante contraditório e ampla atuação das partes, de forma a in-
terferir e construir de forma participativa a decisão que se busca
no judiciário.

Nesse diapasão, no presente trabalho abordar-se-á a nova in-


terpretação processual, bem como será analisada a importância
da constitucionalização processual como forma de adequação ao
Estado Democrático de Direito, e como meio para alcançar uma
maior efetividade da aplicação do direito material almejado.

2 A constitucionalização do processo
Composto por um conjunto de procedimentos, o direito pro-
cessual é marcado por quatro fases distintas: praxismo ou sin-
cretismo, caracterizado pela ausência de diferenciação quanto ao
processo e ao direito material; processualismo, no qual já se reco-
nhece as diferenças quanto ao direito processual e material; ins-
trumentalismo, em que os direitos processual e material se relacio-
nam de forma interdependente, no qual, a ocorrência do primeiro
garante o exercício do segundo;e, finalmente, o neoprocessualismo
ou formalismo-valorativo, composto por um direito processual de
acordo com as normas e princípios constitucionais e que remete ao
fenômeno do neoconstitucionalismo2.

O neoprocessualismo pode ser definido como a influência que


o constitucionalismo contemporâneo – calcado na força normativa
da Constituição e na ascensão de valores fundamentais que passam
a ocupar o centro de todo o sistema normativo – exerceu e exerce
sobre o processo civil. Trata-se de verdadeira constitucionalização
da ciência processual, cuja instrumentalidade passa a ser interpre-
tada à luz da axiologia constitucional3.

2  DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito pro-
cessual civil, 2015. p. 44-46.
3  MEIRA, Marcos. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo no novo CPC,
RRenatReRenata A 307
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Verifica-se que a multiplicidade de situações sociais contem-


porâneas levou a existência cada vez mais frequente de uma legis-
lação emergencial, desenfreada e excessiva, fenômeno denominado
de inflação legislativa. Nesse cenário, as Constituições representa-
ram, e continuam a representar, um núcleo mais elevado e de força
obrigatória para todos, sobretudo para os legisladores e componen-
tes do poder Judiciário, bem como uma forma de controle aos efei-
tos desagregadores desse crescimento desenfreado de dispositivos
legais, os quais devem estar em plena sintonia com as diretrizes
constitucionais, seus princípios fundamentais e o acesso à justiça.

A referida ideia de supremacia constitucional, que consoante


diversos doutrinadores, teve início com o clássico julgado Marbury
vs. Madison, da Suprema Corte Americana, é inerente a Estados
democráticos que utilizam a Constituição como centro irradiador
do Direito.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi evi-


dente a sobreposição da Constituição aos demais atos infraconsti-
tucionais, fenômeno que Konrad Hesse havia denominado de “For-
ça normativa da Constituição”. Barroso sintetiza os fatos históricos
preponderantes para a construção da supremacia constitucional.
Veja-se:
A reconstitucionalização da Europa, imediatamente após a 2º
Grande Guerra e ao longo da segunda metade do século XX,
redefiniu o lugar da Constituição e a influência do direito cons-
titucional sobre as instituições contemporâneas. A aproxima-
ção das ideias de constitucionalismo e de democracia produziu
uma nova forma de organização política, que atende por nomes
diversos: Estado democrático de direito, Estado constitucional
de direito, Estado constitucional democrático).4

Nessa esteira, o Poder Judiciário, ao exercer a função jurisdi-


cional, deve não apenas cumprir as regras e princípios constitucio-
2015.
4  BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, 2003. p.
01.
RRenatReRenata A 308
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

nais de natureza procedimental, tais como acesso à justiça, devido


processo legal, contraditório e ampla defesa, juiz natural, duração
razoável do processo, motivação e publicidade das decisões judi-
ciais, etc, mas aplicar adequadamente a jurisdição constitucional,
garantindo, destarte, a observância da Constituição Federal, de
todos os direitos fundamentais, relacionados diretamente ou não
com o direito processual, bem como a organização judiciária e as
funções essenciais à Justiça, afim de se realizar os objetivos de
efetividade, celeridade e justiça intrínsecos ao Estado Democrático
de Direito.

Segundo Dinamarco, o pleno acesso à justiça depende, sobre-


tudo, da implantação de “uma nova mentalidade no processo”, des-
tinada a envolver não apenas o legislador, mas, sobretudo, os dou-
trinadores e os sujeitos do processo5.

E, dessa forma, as leis processuais, instrumentos para se al-


cançar a tutela jurisdicional, jamais poderiam se opor às regras e
princípios traçados pela ordem constitucional. Consequentemen-
te, o Código de Processo Civil de 2015 refletiu exatamente os ide-
ais neoprocessuais, sendo verificado já no seu art. 1º a influência
constitucional no processo, com grandes avanços em sua aplicação
prática e objetivando, sobretudo uma plena prestação jurisdicio-
nal.

3 A nova face do contraditório


O princípio do contraditório encontra guarida expressa na
Constituição Federal vigente, no artigo 5º, LV, nos seguintes ter-
mos:
Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla de-
fesa, com os meios e recursos a ela inerentes

5  DINAMARCO, Cândido R. Fundamentos do processo civil moderno. colocar


em negrito, 1986. p. 255.
RRenatReRenata A 309
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Tal princípio, ao longo de sua existência, sofreu diversas alte-


rações na sua interpretação. Ele apresenta uma dupla dimensão:
formal, que garante às partes o direito de participar do processo,
de serem ouvidas me juízo, e substancial, que garante às partes
aquilo que se chama de “poder de influência”.

Segundo Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, por contradi-


tório entende-se o direito que tem o indivíduo de tomar conheci-
mento e contraditar tudo o que é levado pela parte adversa ao pro-
cesso6. Em outras palavras, seria o direito de resposta e a verdade
evidenciada pelas partes litigantes, em suas teses contrapostas. E
assim foi entendido o contraditório por bastante tempo, sob um
caráter mais formal, no qual as partes discutiam apenas os fatos.

Esse pensamento formalista se acentuou nos séculos XIX e


XX, com a prevalência das ideias de Franz Klein, para quem o pro-
cesso deveria ser estruturado de modo a oferecer uma participação
mais intensa do juiz, dotado de valores sociais privilegiados, com
amplos poderes para influir ativamente no curso do processo.

Contudo, no período pós-Segunda Guerra Mundial, o processo


destitui-se do conceito arcaico de procedimento meramente for-
mal e singelamente lógico-dedutivo, sobrepondo-se ao direito ma-
terial, tendo início uma grande mudança de rumo do processo, que
assumiu um caráter mais instrumental na realização e tutela dos
direitos e garantias constitucionais como reflexo dos pensamentos
constitucionalistas que eram o alicerce do Estado Democrático de
Direito.

Contrapondo-se ao estado de Direito, no qual imperavam as


características de respeito ao ordenamento jurídico, à legalidade, à
segurança jurídica e à isonomia, no Estado Democrático de Direito
se destacam as ideias de legalidade como juridicidade, de obser-

6  PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descompli-


cado, 2015. p. 191.
RRenatReRenata A 310
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

vância do ordenamento jurídico de formal global, abarcando as leis


e todas as normas.

Nesse contexto, o Código de Processo Civil de 2015 foi ela-


borado de acordo com os ideais democráticos e buscando tornar
o processo mais eficiente e efetivo, com uma intensa liberdade e
participação dos sujeitos processuais. Surgiu, portanto, o direito
ao contraditório reconstruído, perdendo a característica de ser tão
somente um direito de resposta, de contraposição de fatos, mas as-
sumindo um aspecto de poder de influência e diálogo, de manifes-
tação de exercício democrático.

Assim, verifica-se, especialmente nos artigos 9º e 10º do


CPC/2015, que o intuito do diploma legal foi a plena inserção das
partes como protagonistas do processo, como colaboradores e atu-
antes no convencimento do juiz, o qual tem o dever de ouvir todos
os interessados nas questões apresentadas ao Judiciário. Ressal-
te-se que, o debate entre os sujeitos processuais é indispensável,
mesmo em relação às questões que anteriormente poderiam ser
decididas de ofício pelo magistrado, afim de não promover a cha-
mada decisão surpresa, ou de terceira via, como é denominada em
alguns países.

Destarte, as partes serem surpreendidas com uma decisão


pela qual não tiveram a chance de contribuir na sua formação, não
se aproxima do ideal democrático da modernidade, na qual os ele-
mentos democráticos devem estar presentes no curso do processo,
haja vista que se distanciaria da dimensão substancial do princípio
do contraditório.

Nesse sentido, o legislador prestigiou a ética no processo, com


enfoque na boa-fé e cooperação das partes, bem como revestiu o
Código de características de instrumentalidade, com a busca pri-
mordial da prevalência do mérito e a efetividade e eficiência do
judiciário.
RRenatReRenata A 311
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

É interessante observar que, ao lado do contraditório, nessa


sua nova dimensão, paralelamente, também foi se implementando
a chamada boa-fé objetiva, que atualmente apresenta-se como um
grande pilar do direito processual, que ganha novos contornos. A
boa-fé está relacionada ao comportamento de lealdade, transpa-
rência, de conduta coerente dos sujeitos processuais.

Outrossim, cumpre destacar que o princípio da boa-fé gera


também deveres secundários, anexos, que são chamados de deve-
res de cooperação das partes. Assim, o processo cooperativo seria
aquele no qual as funções são bem repartidas e as partes, Minis-
tério Público e auxiliares se apresentam como protagonistas, cor-
responsáveis pelo processo, e o juiz, por seu turno, não se limitaria
apenas à aplicação de leis e atos burocráticos, seria um participan-
te ativo do contraditório.

Dessa forma, se está diante de um processo colaborativo, no


qual o princípio do contraditório apresenta-se estritamente interli-
gado com os princípios de cooperação e boa-fé, devendo ser obser-
vados conjuntamente pelo juiz, prevenindo, assim, eventuais injus-
tiças, além de dar celeridade ao processo, uma vez que minimiza a
perda de tempo com possíveis nulidades e recursos.

4. Conclusão
O neoprocessualismo sofreu grande influência dos ideais ne-
oconstitucionalistas, levando a uma nova hermenêutica na ciência
processual. Nesse modelo processual contemporâneo, o eixo da ju-
risdição deixou de estar centrado na figura do julgador, tendo em
vista que na nova conjuntura, não é possível a simples subsunção
do fato à norma, pois os sujeitos processuais tornam-se copartici-
pes na formação do Direito.

Nesse sentido, o CPC/2015 foi elaborado em plena consonân-


cia com a Constituição Federal, buscando também a efetividade
RRenatReRenata A 312
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

dos princípios constitucionais processuais, independentemente de


previsão legal expressa, bem como a democratização do processo,
privilegiando o direito material em detrimento de sua forma, com
o incremento dos poderes instrutórios do juiz na busca pela verda-
de real.

Consequentemente, o princípio do contraditório foi reinterpre-


tado sob o seu aspecto substancial, de maneira a afastar o pro-
tagonismo processual centrado no magistrado e permitindo que
partes participem ativamente no processo, exercendo o poder de
influência na decisão final, havendo uma maior preocupação com
os princípios da boa-fé e cooperação processual, servindo, assim,
o processo como instrumento para se alcançar os ideais do Estado
Democrático de Direito.

Verifica-se, destarte, que o Judiciário, como motor da demo-


cracia, depende do modelo cooperativo e deve se manter compro-
metido com a cidadania, sendo imprescindível a efetiva participa-
ção da sociedade, a qual tem o direito de influenciar as decisões
finais, e o empenho dos magistrados no simétrico debate das ques-
tões suscitadas, para que de forma mais célere e justa a justiça pre-
valeça.

5 Referências
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 5. ed.
São Paulo: Saraiva, 2003.
DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito
processual civil. 17. ed., rev. ampl. e atual. Salvador, BA: Juspodivm, 2015.
DINAMARCO, Cândido R. Fundamentos do processo civil moderno. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1986.
MEIRA, Marcos. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo no novo
CPC. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 20, n. 4278, 19 mar. 2015. Dispo-
nível em: https://jus.com.br/artigos/36710/o-neoconstitucionalismo-e-su-
a-inf luencia-sobre-a-ciencia-processual-algumas-ref lexoes-sobre-o-ne-
oprocessualismo-e-o-projeto-do-novo-codigo-de-processo-civil. Acesso
em: 15 out. 2017.
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional des-
complicado. 14. ed. rev. atual. São Paulo: Método, 2015.

RRenatReRenata A 313
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

A constitucionalidade do incidente de
deslocamento de competência
Romero Solano de Oliveira Magalhães1

Este artigo aborda o Incidente de Deslocamento de Competência, insti-


tuto previsto no artigo 109, §5º, da Constituição Federal. Através dele,
casos de graves violações a direitos humanos que originalmente trami-
tam na Justiça Estadual são deslocados para a Justiça Federal. Estuda-
-se a definição do incidente, finalidades, processamento, os cinco casos
em que o deslocamento foi suscitado e a sua compatibilidade com a
ordem constitucional vigente.
Palavras-Chave: Incidente de Deslocamento de Competência –Direitos
Humanos – Constitucionalidade.
Sumário: 1. Introdução; 2. Incidente de Deslocamento de Competên-
cia; 2.1 Conceito e finalidades; 2.2 Processamento; 2.3 Os cinco IDCs
suscitados; 3. Alegações de inconstitucionalidade do IDC; 4. Constitu-
cionalidade do IDC; 4.1 Segurança jurídica; 4.2 Juiz natural; 4.3 Devi-
do processo legal, contraditório e ampla defesa; 4.4 Soberania do júri
popular; 4.5 Pacto federativo; 5. Conclusão; 6. Referências.

1 Introdução
Nos termos do artigo 1º, III, da Constituição Federal, a digni-
dade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do
Brasil. Nesse mesmo sentido, a prevalência dos direitos humanos,
o repúdio ao terrorismo e ao racismo e a cooperação entre os povos
para o progresso da humanidade são princípios pelos quais o Brasil
rege suas relações internacionais, conforme preceitua o artigo 4º
da Carta Política.

Ocorre que, não obstante os dispositivos citados, existem


tristes casos na história do Brasil de graves violações a direitos
humanos. Lembra-se, nesse sentido, dos famosos massacres do
Carandiru e do Eldorado dos Carajás, ocorridos em 1992 e 1996,
respectivamente.

1  Advogado, Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco


(UFPE) e Pós-Graduando em Direito Processual Civil pela UFPE.
RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S 314
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

O primeiro deles, Massacre do Carandiru, se deu quando uma


intervenção da Polícia Militar do Estado de São Paulo para conter
uma rebelião na Casa de Detenção de São Paulo causou a morte
de 111 detentos. A intervenção foi liderada pelo Coronel Ubiratan
Guimarães que, apesar de condenado em 1ª instância, foi absolvido
pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Ficou conhecido como Massacre do Eldorado dos Carajás, por


sua vez, a morte de dezenove sem-terra pela Polícia Militar do Es-
tado do Pará no Município de Eldorado do CarajásCPC/2015 Tais
mortes decorreram de confronto em protesto pelos sem-terra con-
tra a demora da desapropriação de terras. Muitos dos 155 policiais
que participaram da operação permaneceram impunes por não te-
rem tido suas condutas individualizadas, já que não houve perícia
em boa parte das armas e projéteis que atingiram as vítimas.

Diante desse cenário, surgiu a necessidade do estabelecimen-


to de nova vertente processual para a defesa dos direitos da pes-
soa humana, em consonância com a internacionalização do direito
humanitário. Estudar-se-á adiante, nesse sentido, o Incidente de
Deslocamento de Competência (IDC), sua definição, finalidades,
processamento, casos suscitados e a constitucionalidade do insti-
tuto.

2 Incidente de Deslocamento de Competência


Conceito e finalidades
Em 1996, idealizou-se no Brasil o 1º Programa Nacional de Di-
reitos Humanos (PNDH), com o objetivo de consolidar orientações
para promover a defesa dos Direitos Humanos. Tal programa apre-
sentou uma série de propostas de ações governamentais de caráter
administrativo, legislativo e político-cultural visando identificar os
principais obstáculos à promoção e proteção dos referidos direitos.

Dentre um amplo rol de 228 propostas, foi a seguinte a de nú-


RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S 315
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

mero 28, integrante do grupo das medidas a serem tomadas a “cur-


to prazo”: “Atribuir à Justiça Federal a competência para julgar (a)
os crimes praticados em detrimento de bens ou interesses sob a tu-
tela de órgão federal de proteção a direitos humanos (b) as causas
civis ou criminais nas quais o referido órgão ou o Procurador-Ge-
ral da República manifeste interesse”.

Nesse sentido, ainda em 1996, o então Presidente da República


Fernando Henrique Cardoso encaminhou ao Congresso Nacional o
projeto de emenda constitucional (PEC) de n° 368/96, para acrés-
cimo ao art. 109 da Constituição Federal de dois incisos. Eis o teor
deles:
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...)
XII – os crimes praticados em detrimento de bens ou interesses
sob a tutela de órgão federal de proteção aos direitos humanos;
XIII – as causas civis ou criminais nas quais órgão federal de
proteção aos direitos humanos ou Procurador Geral da Repú-
blica manifeste interesse”.

Conforme explana Medeiros2, a PEC n° 368/96 justificava em


sua exposição de motivos a necessidade da federalização devido
ao fato de que, historicamente, por fatores sociais, econômicos e
culturais, os Estados membros terem desenvolvido uma postura
mais distante do respeito aos direitos humanos e que a adoção des-
se instrumento poderia significar um combate à impunidade e um
maior controle dos conflitos sociais, de maneira a evitar a violência
generalizada.

Soma-se ao alegado o fato de Justiça e Ministério Público Fe-


deral se encontrarem mais distantes de forças locais e suas influ-
ências, o que, nos termos de Castilho, facilitaria a “garantia de im-
parcialidade na condução das investigações de graves violações aos
direitos humanos”3.

2  MEDEIROS, Gilmara Joane Macêdo de. O incidente de deslocamento de competência: história


e aspectos conceituais.
3  CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer apud MEDEIROS, Gilmara Joane Macêdo de.
RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S 316
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

A transcrita proposta original de redação dos incisos, entretan-


to, sofreu modificações quando da incorporação da PEC n° 368/96
à de n° 96/92, posteriormente transformada na Emenda Constitu-
cional 45/2004, a qual trouxe uma ampla reforma do Poder Judi-
ciário. Tal Emenda Constitucional, ao acrescentar o parágrafo 5º
ao artigo 109 da Constituição Federal, instituiu no Ordenamento
Jurídico brasileiro o Incidente de Deslocamento de Competência
(IDC). Dispõe o referido dispositivo:
“Art. 109, § 5º, CF: Nas hipóteses de grave violação de direitos
humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalida-
de de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de
tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil
seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Jus-
tiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de
deslocamento de competência para a Justiça Federal”.

Conforme se depreende, o texto final do parágrafo difere do


inicial em vários aspectos, como a legitimação exclusiva do Pro-
curador Geral da República para propor o IDC, a necessidade de
“grave violação a direitos humanos” e de risco de responsabilização
internacional do Brasil pela violação cometida.

Com propriedade, Aras define o Incidente de Deslocamento de


Competência:
“instrumento político-jurídico, de natureza processual penal
objetiva, destinado a assegurar a efetividade da prestação ju-
risdicional em casos de crimes contra os direitos humanos,
previstos em tratados internacionais dos quais o Estado bra-
sileiro seja parte. Cuida-se de ferramenta processual criada
para assegurar um dos fundamentos da República: a dignidade
da pessoa humana (artigo 1º, III, CF) e para preservar um dos
princípios pelos quais se guia o País nas suas relações interna-
cionais e obviamente também no plano interno: a prevalência
dos direitos humanos (artigo 4º, II, CF)”4.

Trata-se o IDC, portanto, de instituto por meio do qual se fe-

O incidente de deslocamento de competência.


4  ARAS, Vladimir. Federalização de crimes só é válida em último caso.
RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S 317
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

deralizam graves violações aos direitos humanos, possuindo natu-


reza jurídica de garantia à efetividade da prestação jurisdicional e
funcionando como resguardo da responsabilidade do Estado sobe-
rano perante a comunidade internacional, em função de tratados
de proteção à pessoa humana firmados pela União.

Processamento
Conforme dito, o único legitimado para propor o IDC é o Pro-
curador-Geral da República (PGR), chefe do Ministério Público
Federal. Outras autoridades que desejam o deslocamento devem
provocar o PGR, o qual, por sua vez, deverá diligenciar no sentido
de observar se os pressupostos para o incidente estão preenchidos
e, se for o caso, suscitá-lo perante o Superior Tribunal de Justiça
(STJ).

A competência do STJ para julgamento do IDC explica-se pelo


disposto no artigo 105, I, “d”, da Constituição Federal. Estabelece
tal dispositivo que compete ao STJ processar e julgar, originaria-
mente, os conflitos de competência entre juízes vinculados a tribu-
nais diversos. Aras explica:
“é exatamente uma espécie de ‘conflito’ de competência que o
STJ decide quando julga o incidente de deslocamento, pois, nos
casos de grave violação a direitos humanos previstos em tra-
tados internacionais, há uma competência virtual ou potencial
da Justiça Federal que se pospõe à competência tradicional da
Justiça Estadual, para esses mesmos delitos, caso esta se revele
ineficiente”.5

Não há, entretanto, regulamentação do procedimento a ser


adotado no IDC. Objetivando suprir tal lacuna legislativa, tramita
desde 2006 no Congresso Nacional o projeto de lei nº 6.647/2006,
que exige, em seu artigo 2º, que a petição inicial contenha a expo-
sição do fato ou situação que constitua grave violação de direitos
humanos, a indicação do tratado internacional, cujas obrigações

5  ARAS, Vladimir. Federalização de crimes só é válida em último caso.


RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S 318
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

pretendem-se assegurar e as razões que justifiquem o deslocamen-


to de competência para a Justiça Federal.

O mencionado projeto estabelece ainda, no artigo 4º, que o Mi-


nistro-relator, no STJ, deve requisitar informações por escrito ao
Tribunal de Justiça, à Procuradoria-Geral de Justiça e à Secretaria
de Segurança do Estado onde ocorreu a grave violação dos direitos
humanos, devendo, o inquérito ou o processo, ter prosseguimento
regular perante as autoridades estaduais enquanto não for julgado
o incidente.

Caso o STJ decida pelo deslocamento, não há motivo para que


não sejam aproveitados, sempre que possível, os atos praticados no
juízo de origem, em nome dos princípios celeridade, da economia e
da conservação, sabendo-se que o instrumento também visa a dar
maior rapidez à persecução.

Os cinco IDC’s suscitados


Atenta Cazzeta que o IDC é uma medida excepcional, de forma
que “há de se agregar um elemento diferencial, que demonstre a
inação ou a inadequação da apreciação de tais lides em seu locus
de competência original” 6. A inexistência de tal inércia dos órgãos
estaduais, inclusive, foi o motivo pelo qual o STJ indeferiu o IDC nº
1, suscitado em maio de 2005, no caso da morte da freira norte-a-
mericana, naturalizada brasileira, Dorothy Stang.

Dorothy Stang atuava em movimentos sociais no interior do


Pará, objetivando minimizar os conflitos fundiários, melhorar a
qualidade de vida dos agricultores e buscando o desenvolvimento
sustentável. Foi assassinada a mando de grileiros e madeireiros da
região.

O então PGR Cláudio Fonteles suscitou o IDC argumentando

6  CAZZETA, Ubiratan. Direitos Humanos e Federalismo: o incidente de desloca-


mento de competência, 2009, p. 154.
RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S 319
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

que houve omissão das autoridades do Estado do Pará para lidar


com o conflito fundiário na área e proteger possíveis vítimas de
homicídio e tortura. Baseou-se no aspecto de “morte anunciada” do
crime e o fato de ter a vítima denunciado várias vezes as ameaças
sofridas. O STJ, porém, não acolheu tais argumentos, destacando
a atuação dos órgãos paraenses na busca por responsabilizar os
envolvidos, conforme a seguinte ementa:
“(...) as autoridades estaduais encontram-se empenhadas na
apuração dos fatos que resultaram na morte da missionária
norte-americana Dorothy Stang, com o objetivo de punir os
responsáveis, refletindo a intenção de o Estado do Pará dar
resposta eficiente à violação do maior e mais importante dos
direitos humanos, o que afasta a necessidade de deslocamen-
to da competência originária para a Justiça Federal, de forma
subsidiária, sob pena, inclusive, de dificultar o andamento do
processo criminal e atrasar o seu desfecho, utilizando-se o ins-
trumento criado pela aludida norma em desfavor de seu fim,
que é combater a impunidade dos crimes praticados com grave
violação de direitos humanos. O deslocamento de competência
– em que a existência de crime praticado com grave violação aos
direitos humanos é pressuposto de admissibilidade do pedido
– deve atender ao princípio da proporcionalidade (adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), compre-
endido na demonstração concreta de risco de descumprimento
de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados
pelo Brasil, resultante da inércia, negligência, falta de vonta-
de política ou de condições reais do Estado-membro, por suas
instituições, em proceder à devida persecução penal. No caso,
não há a cumulatividade de tais requisitos, a justificar que se
acolha o incidente”. (STJ. IDC nº -1PA, Terceira Seção, Relator:
Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 06/10/2005).

Registra-se que, de fato, já em 2007, os envolvidos na morte de


Dorothy Stang foram condenados.

Situação diversa do IDC nº 1 foi observada pelo STJ no IDC


nº 2. Neste, os fatos que motivaram o pedido de deslocamento de-
duzido pelo PGR foi o assassinado do advogado e vereador pernam-
bucano Manoel Bezerra de Mattos Neto, em 2009, no Município de

RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S 320


Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Pitimbu/PB, em decorrência de sua persistente e conhecida atuação


contra grupos de extermínio que agem impunes na divisa dos Es-
tados da Paraíba e de Pernambuco. No caso, o STJ considerou que:
“A existência de grave violação a direitos humanos, primeiro
pressuposto, está sobejamente demonstrado: esse tipo de as-
sassinato, pelas circunstâncias e motivação até aqui reveladas,
sem dúvida, expõe uma lesão que extrapola os limites de um
crime de homicídio ordinário, na medida em que fere, além do
precioso bem da vida, a própria base do Estado, que é desafiado
por grupos de criminosos que chamam para si as prerrogativas
exclusivas dos órgãos e entes públicos, abalando sobremaneira
a ordem social” (STJ. IDC nº 2 DF 2009/0121262-6, Relator:
Ministra Laurita Vaz, Data do Julgamento: 27/10/2010, Tercei-
ra Seção, Data da Publicação: 22/11/2010).

Nesse sentido, o STJ concluiu ser oportuno e conveniente a en-


trega das investigações e do processamento da ação penal aos órgãos
federais. No caso, ações estatais firmes e eficientes fizeram-se neces-
sárias, as quais as autoridades locais não foram capazes de adotar,
mesmo porque, envolveu zona limítrofe entre Pernambuco e Paraí-
ba, o que dificultara a coordenação entre os órgãos dos dois Estados.

Deslocado o feito para a 2ª Vara Federal da Seção Judiciária da


Paraíba, os réus foram levados a júri popular em 2015, tendo sido
dois deles condenados, os quais se encontram presos em regime
fechado. O TRF da 5ª Região, recentemente, manteve, por decisão
unânime, as penas dosadas em 1ª instância, 25 e 26 anos de prisão.

De modo semelhante, em 2014, o STJ deferiu o IDC nº 5, que


tratou da morte do promotor de Justiça do Estado de Pernambuco
Thiago Faria Soares. Havia indícios de que o assassinato também
resultara de ação de grupos de extermínio do interior do referido
Estado, tendo Thiago Faria Soares atuado em caso relacionado a
crimes de pistolagem. Nesse caso, o STJ identificou problemas nas
investigações, conforme se depreende julgado a seguir:
“(...) A falta de entendimento operacional entre a Polícia Civil e
o Ministério Público estadual ensejou um conjunto de falhas na
RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S 321
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
investigação criminal que arrisca comprometer o resultado fi-
nal da persecução penal, com possibilidade, inclusive, de gerar
a impunidade dos mandantes e dos executores do citado cri-
me de homicídio. (...) Encontram-se devidamente preenchidos
todos os requisitos constitucionais que autorizam e justificam
o pretendido deslocamento de competência, porquanto eviden-
ciada a incontornável dificuldade do Estado de Pernambuco de
reprimir e apurar crime praticado com grave violação de direi-
tos humanos, em descumprimento a obrigações decorrentes de
tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil
é parte (...)” (STJ. IDC nº 5 - PE 2014/0101401-7. Relator: Mi-
nistro Rogerio Schietti Cruz. Data do Julgamento: 13/08/2014).

A tônica do IDC nº 3, de 2013, por sua vez, foi a violência poli-


cial em Goiás, no exercício da função propriamente policial, com
uso indevido da força, levando a homicídios, tortura e desapare-
cimentos. O STJ decidiu que estavam presentes os requisitos do IDC
em apenas parte dos casos suscitados pelo PGR, atentando para as
situações nas quais as instâncias e autoridades locais demonstra-
ram não ter capacidade de oferecer respostas à sociedade diante das
violações aos direitos humanos.

Quanto ao IDC nº 4, anota-se que não foi proposto pelo PGR,


mas sim por membro do TCU/PE, de modo que, por esse motivo, a
ele foi negado seguimento por decisão monocrática do ministro do
STJ Rogerio Schietti Cruz.

3 Alegações de inconstitucionalidade do IDC


Em maio de 2005, logo após, portanto, a Emenda Constitu-
cional 45/2004, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)
ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) Ação Direta de Incons-
titucionalidade (ADI), autuada sob o nº 3486, em face do parágrafo
5º do artigo 109 da Constituição Federal, que criou o IDC.

Em síntese, a AMB alegou que a possibilidade de deslocar a


competência da Justiça Estadual para a Federal nos casos de gra-
ve violação a Direitos Humanos, com a finalidade de assegurar o
RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S 322
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais


de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, fere a segurança
jurídica, já que se cria “competência cujos critérios de determina-
ção são vagos e ambíguos”; fere a cláusula pétrea do Juiz Natural,
vez que cria “competência cuja fixação é estabelecida após a fixação
dos fatos e de acordo com a discricionariedade do PGR”; afronta o
devido processo legal; e viola “a cláusula pétrea que estabelece as
competências do júri popular, somente excepcionadas pelo consti-
tuinte originário”.

Também em maio de 2005, foi ajuizada no STF outra ADI, au-


tuada sob nº 3493, contra o mesmo artigo 109, §5º da Constituição
Federal, dessa vez pela Associação Nacional dos Magistrados Esta-
duais (ANAMAGES). Além dos argumentos listados trazidos pela
AMB, a ANAMAGES defendeu que o IDC é inconstitucional por
violar o pacto federativo e pela ausência de ampla defesa e contra-
ditório.

A ADI nº 3493 foi distribuída por prevenção à ADI nº 3486, já


que possuem o mesmo objeto impugnado. Segundo consulta ao sítio
eletrônico do STF, elas ainda não foram julgadas, encontrando-se
conclusas ao Ministro-relator Dias Toffoli. Várias entidades como a
Associação dos Juízes Federais (AJUFE), Associação Nacional dos
Procuradores da República, Conecta Direitos Humanos e Centro de
Direitos Humanos ingressaram nos feitos como amicus curiae.

4 Constitucionalidade do IDC
Segurança jurídica
O princípio da segurança jurídica é básico no Estado de Direi-
to, possuindo diversas aplicações, como a proteção ao direito adqui-
rido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada e a fundamentação da
prescrição e decadência. No que toca ao IDC, o suposto desrespeito
à segurança jurídica está relacionado à inexistência de definição

RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S 323


Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

legal do que seriam as graves violações a direitos humanos, de


modo que o instituto violaria a estrita legalidade.

É de se atentar, porém, que os crimes que constituem graves


violações a direitos humanos são penalmente típicos, isto é,
preexistem no Ordenamento Jurídico em relação ao deslocamento.

No tocante à abertura da expressão “grave violação” e indefini-


ção do seu real alcance, o STJ entendeu, quando da análise do IDC
nº 1, que tal delimitação poderia prejudicar o uso do instrumento,
limitando seu uso futuro em possíveis casos não elencados. Veja-se
trecho do voto do Ministro-relator Arnaldo Esteves Lima:
“(...) dada a amplitude e a magnitude da expressão ‘direitos hu-
manos’, é verossímil que o constituinte derivado tenha preferi-
do não definir o rol desses crimes que passariam para a com-
petência da Justiça Federal, sob pena de restringir os casos de
incidência do dispositivo (CF, art. 109, § 5º), afastando-o de
sua finalidade precípua, que é a de assegurar o cumprimento
de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados
pelo Brasil sobre a matéria (...)” (STJ. IDC nº 1-PA, Relator: Mi-
nistro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 06/10/2005).

Nesse contexto, defende-se que o artigo 109, §5º, da Consti-


tuição Federal, possui eficácia plena, sendo, pois, autoaplicável e
produzindo efeitos sem a necessidade de lei ou regulamentação
própria. Até porque, nos termos do Ministro-relator do IDC nº 1,
Arnaldo Esteves Lima, “as normas que definem os direitos e ga-
rantias fundamentais, em cujo elenco, indiscutivelmente, se encon-
tram inseridos os ‘direitos humanos’, têm aplicação imediata, por
força do disposto no § 1º do art. 5º da Carta Política”.

Não há o que se falar, portanto, que o IDC ofende a segurança


jurídica, já que, conforme expõe Castro, a discricionariedade ad-
vinda da indefinição legal do que seria “graves violações a direitos
humanos” faz-se necessária como forma de dar efetividade ao IDC,
“adaptando-o ao cumprimento de seus propósitos e às exigências
da realidade, tal qual se apresenta”. Assim, para que haja o deslo-
RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S 324
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

camento, deve ser analisado o caso concreto, levando-se em con-


ta “a gravidade do crime, aliada a premissas diversas, como por
exemplo, a repercussão, o clamor público e o propósito dos agentes
delitivos, geralmente ligado a questões sociais”7.

Juiz natural
O princípio do juiz natural consagra o direito de ser processa-
do pelo magistrado competente (Art. 5º, LIII, CF - ninguém será
processado nem sentenciado senão pela autoridade competente) e a
vedação constitucional à criação de juízos ou tribunais de exceção
(Art. 5º, XXXVII, CF- não haverá juízo ou tribunal de exceção).
Nos termos de Távora, “tal princípio impede a criação casuística de
tribunais pós-fato, para apreciar determinado caso”8.

Entendido o princípio, resta evidente que o deslocamento de


competência da Justiça Estadual para a Federal nos casos de gra-
ves violações a direitos humanos não o fere, já que, conforme de-
fende Castro:
“A possibilidade de modificação da competência foi inserida
em nosso sistema por meio idôneo, qual seja, emenda consti-
tucional, e não visou de forma alguma minar a imparcialidade
do julgador. Não há a designação de magistrados ou tribunais
para casos particulares e sim o deslocamento da competência
fundamentado em determinados critérios (...)” 9

Recorda-se, ainda, que existem no Ordenamento Jurídico pá-


trio outras possibilidades de modificação da competência original,
como se depreende do enunciado 150 da súmula do STJ: “Compete
à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico
que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias
ou empresas públicas”.

7  CASTRO, Marcela Baudel de. A constitucionalidade do incidente de desloca-


mento de competência, 2013.
8  TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual
Penal, 2014, p. 72.
9  CASTRO, Marcela Baudel de. A constitucionalidade do incidente de desloca-
mento de competência, 2013.
RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S 325
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Assim, ingressando um ente federal em certo feito e modifica-


da a competência para a Justiça Federal, há simples alteração do
juiz anteriormente tido como competente. Tal simples modificação
também ocorre nos casos de graves violações aos direitos huma-
nos, em que não há, evidentemente, criação de tribunal específico
para um determinado caso.

Devido processo legal, contraditório e ampla defesa


Távora ensina que o princípio do devido processo legal consa-
gra um processo tipificado, sem a supressão e/ou desvirtuamen-
to de atos essenciais, de maneira que “a pretensão punitiva deve
perfazer-se dentro de um procedimento regular, perante a autori-
dade competente, tendo por alicerce provas validamente colhidas,
respeitando-se o contraditório e a ampla defesa”10. Ampla defesa,
nesse contexto, é a garantia assegurada ao réu de produzir livre-
mente as provas que necessite para defender-se, influenciando no
convencimento do julgador, enquanto que o contraditório é a exte-
riorização da ampla defesa, impondo a condução bilateral do pro-
cesso, diante da qual uma parte toma conhecimento do argumento
da outra e pode contraditá-lo.

Nessa toada, pode-se pensar que o IDC desvirtua o regular de-


senvolvimento do processo, configurando desrespeito aos princí-
pios citados. Ocorre que, na prática, vê-se que o STJ tem chamado
os órgãos estaduais envolvidos para prestarem os devidos esclare-
cimentos, isto é, para que demonstrem, ou não, que o Estado pos-
sui condições reais, por suas instituições, em proceder à devida
persecução penal.

Astolfi e Lagatta11 defendem, inclusive, que o determinante


para os ministros deferirem o IDC é a posição favorável das insti-

10  TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual


Penal, 2014, p. 75.
11  ASTOLFI, Roberta Corradi; LAGATTA, Pedro. Os desafios para caracterizar o
conceito de graves violações de direitos humanos...
RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S 326
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

tuições estaduais de competência originária, optando os ministros,


relatores e votantes, por não enfrentar a questão sobre o que cons-
titui grave violação a direitos humanos. No IDC nº 1, por exemplo,
o Ministério Público e Tribunal de Justiça (do Pará) apresentaram
forte oposição ao deslocamento, tendo sido este indeferido. No IDC
nº 2, por sua vez, o Ministério Público da Paraíba e os governos da
Paraíba e de Pernambuco concordaram com a federalização, en-
quanto que o Ministério Público de Pernambuco e os Tribunais de
Justiça dos dois Estados se manifestaram de forma neutra, sendo
o incidente deferido. Já no IDC nº 5, o próprio Ministério Público
de Pernambuco foi quem representou junto ao PGR solicitando o
deslocamento, o qual também foi deferido.

Nesse mesmo sentido, como visto, o citado projeto de lei nº


6.647/2006, ainda em tramitação no Congresso Nacional, prevê a
exigência que o Ministro-relator, no STJ, requisite informações por
escrito ao Tribunal de Justiça, à Procuradoria-Geral de Justiça e à
Secretaria de Segurança do Estado onde ocorreu a grave violação
dos direitos humanos.

Soberania do júri popular


A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXVIII, re-
conhece a competência do júri para o julgamento dos crimes dolo-
sos contra a vida, assegurados a plenitude de defesa, o sigilo das
votações e a soberania dos vereditos. Lecionando sobre os funda-
mentos do tribunal do júri, Távora12 explica que a ideia do tribunal
popular é a de que os casos importantes sejam julgados pelos pares
do réu, ou seja, que o julgamento se dê por pessoas que formam a
comunidade a qual pertence o acusado.

A competência do tribunal do júri é absoluta, não sendo, para


tanto, possível de modificação pelas partes. Apesar de o homicídio,

12  TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual


Penal, 2014, p. 974.
RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S 327
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

crime contra a vida, constituir violação a direito humano, inexiste,


com o IDC, desrespeito à competência do júri popular. Isso por-
que, com o deslocamento, há apenas a alteração do juiz competente
para conduzir o processo até que se instaure o julgamento perante
o Conselho de Sentença.

Aras explica:
“(...) não há um povo “estadual” e um povo “federal”. O povo é
um só. Nos crimes dolosos contra a vida eventualmente deslo-
cados por meio de IDC, o “povo” que julgará o fato será o mes-
mo, o da comarca estadual ou da subseção federal em que se
deu o fato, conforme o critério territorial. Enfim, nada se tira
do júri (art. 5º, XXXVIII, da CF)”13.

O Conselho de Sentença do júri, portanto, é formado por repre-


sentantes do povo tanto na Justiça Estadual quanto na Federal, de
modo que não há violação à soberania do júri popular com o IDC.

Pacto federativo
Estabelece o artigo 21, I, da Constituição Federal, que compete à
União manter relações com Estados estrangeiros e participar de orga-
nizações internacionais. Assim, ela é responsável em nome do Estado
brasileiro pelas regras estipuladas em tratados internacionais, inclu-
sive no que concerne ao respeito aos direitos humanos, não cabendo
invocar a autonomia dos entes federados: Estados, DF e municípios,
para justificar o desrespeito aos preceitos internacionalmente firma-
dos.

Nesse contexto, no IDC nº 1, o STJ estabeleceu, como estudado,


que a incapacidade (oriunda de inércia, negligência, falta de vontade
política, de condições pessoais, materiais etc.) de o Estado-membro,
por suas instituições e autoridades, levar a cabo a persecução penal,
é requisito essencial para o deslocamento de competência previsto no
art. 109, parágrafo 5º da Constituição Federal. Afinal,

13  ARAS, Vladimir. Federalização de crimes só é válida em último caso.


RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S 328
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
“do contrário haveria indevida, inconstitucional, abusiva inva-
são de competência estadual por parte da União Federal, ferin-
do o Estado de Direito e a própria federação, o que certamente
ninguém deseja, sabendo-se, outrossim, que o fortalecimento
das instituições públicas – todas, em todas as esferas – deve ser
a tônica, fiel àquela asserção segundo a qual, figuradamente,
“nenhuma corrente é mais forte do que o seu elo mais fraco”.
Para que o Brasil seja pujante, interna e externamente, é ne-
cessário que as suas unidades federadas – Estados, DF e Mu-
nicípios –, internamente, sejam, proporcionalmente, também
fortes e pujantes” (STJ. IDC nº 1-PA, Terceira Seção, Relator:
Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 06/10/2005).

Reafirma-se, assim, a excepcionalidade do IDC, cabível apenas


quando se observa, além da incapacidade dos Estados, a possibilidade
de punição do Brasil por organismos internacionais por desrespeito
a tratados assinados. No IDC nº 2, por exemplo, a Ministra-relato-
ra Laurita Vaz, em seu voto pelo deferimento do deslocamento, levou
em consideração a jurisprudência da Corte Interamericana de Di-
reitos Humanos, com diversos precedentes apontando a responsa-
bilidade estatal pela demora na investigação de fatos relacionados
ao desrespeito ao direito à vida decorrente da atuação de grupos
paramilitares.

Conforme pontua Castro14, não há o que se falar em desrespei-


to ao pacto federativo, pois o IDC cumpre a função de possibilitar à
União assegurar, em âmbito nacional, o respeito aos direitos huma-
nos, em realização ao que foi pactuado por ela nos tratados internacio-
nais, sem que se necessite da medida drástica da intervenção federal.

5 Conclusão
Configura o Incidente de Deslocamento de Competência im-
portante instrumento de proteção aos direitos humanos, já que
estimula os tribunais estaduais a responderem de forma eficaz às
violações e, não havendo tal resposta, assegura a atuação da União,
por meio da Justiça Federal. Também corresponde a um mecanis-

14  CASTRO, Marcela Baudel de. A constitucionalidade do incidente de desloca-


mento de competência, 2013.
RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S 329
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

mo de preservação da responsabilidade internacional do Estado


brasileiro perante órgãos internacionais.
O IDC presta-se à sociedade, à própria vítima e aos autores
dos crimes. Isso porque serve à sociedade e à vítima no intuito de
buscar reparação e segurança, enquanto que, para os autores, res-
guarda, no interesse deles, a razoável duração do processo.
Não obstante a ausência de regulamentação legal acerca do
IDC, o STJ, nos casos em que os deslocamentos foram requeridos,
esclareceu vários contornos do instituto, compatibilizando-o com
a ordem jurídica vigente.
Ante a ausência de violação aos princípios da segurança jurídi-
ca, juiz natural, devido processo legal, contraditório, ampla defesa,
soberania do júri popular e pacto federativo, espera-se que o STF
declare, nas ADIs em tramitação, a constitucionalidade desse im-
portante incidente.

6 Referências
ARAS, Vladimir. Federalização de crimes só é válida em último caso. Disponí-
vel em: < https://www.conjur.com.br/2005-mai-17/federalizacao_crimes_va-
lida_ultimo > Acesso em: 05 nov. 2017.
ASTOLFI, Roberta Corradi; LAGATTA, Pedro. Os desafios para caracterizar
o conceito de graves violações de direitos humanos a partir da análise dos jul-
gamentos de deslocamento de competência de 2005 a 2014. Disponível em: <
http://www.revistaliberdades.org.br/site/outrasEdicoes/outrasEdicoesExibir.
php?rcon_id=231 > Acesso em: 2 nov. 2017.
CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer. apud MEDEIROS, Gilmara Joane Macêdo
de. O incidente de deslocamento de competência: história e aspectos con-
ceituais. Disponível em: < http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.
php/%3Fn_link% 3Drevista_artigos_leitura%26artigo_id%3D11520%26re-
vista_caderno%3D25?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11392&re-
vista_caderno=9 >. Acesso em: 31 out. 2017.
CASTRO, Marcela Baudel de. A constitucionalidade do incidente de desloca-
mento de competência (IDC). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Tere-
sina, ano 18, n. 3638, 17 jun. 2013. Disponível em: <https://jus.com.br/arti-
gos/24716>. Acesso em: 1 nov. 2017.
CAZZETA, Ubiratan. Direitos Humanos e Federalismo: o incidente de deslo-
camento de competência. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2009.
MEDEIROS, Gilmara Joane Macêdo de. O incidente de deslocamento de
competência: história e aspectos conceituais. Disponível em: http://www.
ambitojuridico.com.br/site/index.php/%3Fn_link%3Drevista_artigos_leitu-
ra%26artigo_id%3D11520%26revista_caderno%3D25?n_link=revista_arti-
gos_leitura&artigo_id=11392&revista_caderno=9. Acesso em: 31 out. 2017.
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual
Penal. 9 ed. Salvador: Jus Podium, 2014.

RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S 330


Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

O N ovo P rocesso de J urisdição Voluntária: do


CPC de 2015 à nova fórmula de homologação
de acordo extrajudicial inserido na CLT
Sergio Torres Teixeira1

A polêmica discussão acerca da natureza da atividade do juiz no exer-


cício da jurisdição voluntária assume posição de destaque na doutrina
processual há décadas. A Lei nº 13.467 de 2017, intitulada de Reforma
Trabalhista, inseriu no corpo da CLT o “processo” de jurisdição voluntá-
ria de homologação de acordo extrajudicial. Processo ou procedimen-
to? O presente trabalho almeja desenvolver a análise da jurisdição vo-
luntária exercida pela Justiça do Trabalho quando provocada para fins
de chancelar uma solução consensual materializada fora do Judiciário,
mas cujo aperfeiçoamento por meio da homologação judicial interessa
aos respectivos sujeitos. Precisar a índole da respectiva judicial, exami-
nar a fórmula procedimental concretizada e expor as razões do recurso
a tal via alternativa à jurisdição contenciosa serão as metas perseguidas.
Nesse contexto, serão examinados criticamente os dispositivos da Lei
nº 13.467 de 2017 que disciplinam esse novo “processo de jurisdição
voluntária”, com o objetivo de descrever as novas técnicas colocadas à
disposição dos sujeitos da relação de emprego para dirimir seus confli-
tos individuais. Ao final, será enfatizada a importância da participação
dos juízes e dos mediadores no fortalecimento da Justiça do Trabalho.
Palavras-Chave: Justiça do Trabalho – Jurisdição Voluntária – Vias Alter-
nativas à Jurisdição Contenciosa Trabalhista – Homologação de Acordo
Extrajudicial.
Sumário: 1. Morfologia da Jurisdição Voluntária; 2. Jurisdição Volun-
tária no Código de Processo Civil de 2015; 3. Exercício da Jurisdição
Voluntária pela Justiça do Trabalho; 4. O Novo Processo de Jurisdição
Voluntária Instituído pela Lei nº 13.467 de 2017; 5. Jurisdição Voluntá-
ria e Processo de Homologação de Acordo Extrajudicial; 6. Conclusões;
7. Referências.

1 Morfologia da Jurisdição Voluntária


A Jurisdição implica, necessariamente, na solução de um con-
flito?

A origem etimológica da expressão Iuris dictio, dizer ou decla-


rar o direito, traduz uma noção de uma situação primitivamente

1  Desembargador do TRT6. Doutor em Direito. Professor Adjunto da FDR/UFPE


e da UNICAP. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho.
SSergiSeSergiSeSergio 331
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

indefinida, incerta, sugerindo a prévia existência de alguma espé-


cie de conflito.

O caráter de contenciosidade, contudo, não é uma característi-


ca imprescindível à jurisdição.

O conceito de jurisdição consagrado na obra de Giuseppe Chio-


venda, ao enaltecer a sua posição de função estatal, não apresenta
o elemento lide como essencial à sua constituição, mas deixa claro
o caráter substitutivo da respectiva atividade:

Função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade


concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos
públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos,
já no afirmar a existência da vontade concreta da lei, já no torná-la,
praticamente, efetiva. (CHIOVENDA, 1998, p. 8).

Por meio da jurisdição, destarte, o Estado-Juiz substitui aque-


les que, originalmente, integram a respectiva relação material da
qual surgiu o interesse para a provocação da intervenção estatal,
com a consequente substituição da atividade particular entre os
mesmos por uma atividade pública desenvolvida pelo Estado.

Dentro desse contexto, conforme ressalta Alexandre Freitas


Câmara, a presença do conflito não é indispensável à atuação ju-
risdicional:
Para buscar definir jurisdição, é preciso, em primeiro lugar, di-
zer o que ela não é. A jurisdição não é uma função estatal de
composição de lides. Em primeiro lugar, porque nem sempre
existe uma lide (assim entendido o conflito de interesses qua-
lificado por uma pretensão resistida) para compor. A lide não
é elemento essencial à jurisdição, mas um elemento que lhe é
meramente acidental. Em outras palavras, até pode haver uma
lide subjacente ao processo, mas não é essencial que isto ocor-
ra. É que existem casos de jurisdição sem lide, como se dá, por
exemplo, quando é proposta uma ´demanda necessária´ (assim
entendida aquela demanda que se propõe nos casos em que o
direito só pode ser efetivado através do processo jurisdicional,
SSergiSeSergiSeSergio 332
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
como, por exemplo, no caso de anulação de casamento, em que
o resultado só pode ser obtido através de um processo jurisdi-
cional, mesmo que não exista uma lide entre os interessados.
(CÂMARA, 2017, p. 32).

A atividade jurisdicional do Estado-Juiz, portanto, pode ser


materializada por meio de dois caminhos distintos.

Por uma das vias, ocorre a imposição de solução a um conflito


de interesses submetido ao exame do Judiciário.

Por outro itinerário, a jurisdição é concretizada mediante a


atuação do juiz dentro de uma relação que não alberga uma lide,
quando então passa a executar uma atividade de gestão com nítida
feição administrativa.

Nesse sentido, a doutrina processual costuma classificar a ju-


risdição, quanto à sua finalidade, em duas categorias, a jurisdição
contenciosa e a jurisdição voluntária (também conhecida como ju-
risdição graciosa, jurisdição administrativa ou jurisdição integra-
tiva).

Na primeira modalidade, como evidencia a respectiva nomen-


clatura (contenciosa deriva da expressão “contender”, no sentido de
disputar ou litigar), se pressupõe uma contenda a ser solucionada,
ou seja, uma lide que lhe serve de objeto, buscando uma resolução
a ser decretada pelo Estado-Juiz de forma a pôr fim à disputa. A
jurisdição contenciosa, portanto, almeja impor (e não compor, uma
vez que a composição naturalmente exige a participação imediata
das partes) uma definição a uma relação litigiosa, materializando
uma solução por meio de uma decisão diante de um conflito de in-
teresses. (BERMUDES, 1996, p. 21).

Na segunda espécie, ocorre o exercício de atribuições de gestão


pública, sem a premissa de um conflito a solucionar. O magistrado,
em vez de atuar diante de uma relação conflituosa com a missão de
resolver a lide, cumpre uma missão de administrador ou gestor de
SSergiSeSergiSeSergio 333
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

interesses privados aos quais o legislador impõe essa tutela espe-


cial do Judiciário, quando então o juiz passa a operar dentro dos
limites do respectivo caso como um verdadeiro tutor na adminis-
tração de interesses particulares, cumprindo uma função simulta-
neamente de fiscalização/vigilância e de integração/constituição.
O juiz, no exercício da jurisdição voluntária, pratica atos sub-
jetivamente judiciais, mas substancialmente administrativos.
Qual o motivo que levou o legislador a confiar, em hipóteses
cada vez mais numerosas, a administração de interesses pri-
vados ao Poder Judiciário? Por que não os confiou, como seria
teoricamente mais adequado, a órgãos do próprio Poder Execu-
tivo? As razões são muitas. E uma parte, a tradição histórica,
dos tempos em que se não reconhecia a separação dos Pode-
res, e as atividades jurisdicionais e administrativas não eram
devidamente discriminadas; de outra parte, a conveniência em
confiar certos atos, de intervenção nos negócios e situações dos
particulares, a pessoas dotadas de imparcialidade, e experien-
tes na aplicação do direito.
A intervenção do Judiciário, aliás, é também fator valioso para
reforçar a ´prevenção´ de eventuais futuras lides, que poderiam
com mais facilidade surgir se a intervenção fosse realizada por
agentes de outro Poder. (CARNEIRO, 1997, p. 34).

A jurisdição voluntária, por conseguinte, se destina à admi-


nistração pública de interesses privados socialmente relevantes,
cuja gestão a Lei atribui ao magistrado por razões históricas, como
também em virtude do interesse do Estado em submeter esses in-
teresses particulares ao controle de agentes públicos capacitados a
exercer uma tutela gerencial preventiva, de modo a evitar abusos,
desvios e arbitrariedades exatamente em virtude da importância
de tais interesses.

Não há lide, e, tampouco, partes litigantes. Existe, isso, sim,


um interesse privado (objeto de ato ou negócio jurídico) envolven-
do sujeitos interessados.

Tais características levam alguns doutrinadores a criticar a

SSergiSeSergiSeSergio 334
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

denominação “jurisdição voluntária”, sustentando que a respec-


tiva atividade não seria “jurisdição” e, muito menos, “voluntá-
ria”. (THEODORO JÚNIOR, 2017, p. 119; DIDIER JÚNIOR, 2015,
p.186).

Segundo essa linha de pensamento, por corresponder a uma


atividade que não se destina a solucionar um conflito mas sim ad-
ministrar interesses privados, não poderia ser chamada de “juris-
dição”. E por ser obrigatória a submissão a essa gestão estatal para
se obter os efeitos jurídicos almejados de acordo com a Lei, não
seria adequado denominar a mesma de “voluntária”.
Os atos praticados no exercício da jurisdição voluntária são
atos judiciais, porque praticados por juízes; mas não são atos
jurisdicionais, pois ao praticá-los, o juiz não está aplicando o
direito com vista a eliminar um conflito de interesses, mas sim
com o propósito de influir em um negócio privado ou em uma
situação jurídica. (CARNEIRO, 1997, p. 34).

As críticas são compreensíveis dentro de uma visão formal


acerca da função tradicional do Judiciário, quanto à sua atividade
principal de julgar demandas. Mas apenas dentro de tal contexto,
enquanto restrito a uma concepção “clássica”. (GRECO, 2003, p.
23).

Conforme acima destacado, a ideia de que a solução de lides


é absolutamente essencial à jurisdição, no sentido de que não há
jurisdição sem lide, é uma tese ultrapassada.

Jurisdição é a função do Judiciário se, quando devidamente


provocado, este declarar o direito aplicável ao caso concreto sub-
metido à sua apreciação ... e tal atividade jurisdicional ocorre tanto
diante de uma lide, como na jurisdição contenciosa, como em face
a uma situação envolvendo interesses privados que, necessaria-
mente, precisam ser tutelados pelo Estado mediante uma atividade
administrativa/integrativa prevista em Lei como imprescindível
à válida constituição de um ato, providência ou negócio jurídico.
SSergiSeSergiSeSergio 335
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Tanto uma como outra se revela necessária à obtenção aos efei-


tos previstos pela legislação aplicada, no melhor sentido do devido
processo legal.

A jurisdição voluntária assim, é tipificada pelo legislador como


atividade própria do Poder Judiciário, sendo abrangida pela sua
função jurisdicional em uma esfera que vai além daquela própria
da sua atividade natural de processamento e julgamento de proces-
sos litigiosos.

Ao magistrado incumbe exercer dentro de sua função jurisdi-


cional, além de atos típicos de resolução de conflitos, outras atri-
buições como aquelas de índole administrativa que integram a ges-
tão pública de interesses particulares materializada na jurisdição
voluntária. Hodiernamente, não faz sentido a distinção que no pas-
sado se buscava estabelecer para excluir a natureza jurisdicional da
atividade do juiz no âmbito das suas atribuições não-contenciosas,
como aquelas próprias das demandas necessárias anteriormente
apontadas. (CÂMARA, 2017, p. 32).

O adjetivo “voluntária”, por sua vez, não é utilizado pelo legis-


lador no sentido de consagrar uma “faculdade” do interessado a
submissão do interesse privado à tutela jurisdicional administrati-
va do Estado. A submissão a essa gestão pública pelo magistrado é
necessária e exigida para se obter os efeitos legalmente previstos e
almejados pelos interessados. Nesse contexto, a jurisdição volun-
tária é tão necessária e inevitável quanto a jurisdição contenciosa.
A submissão dos interessados a essa função gestora e integradora
do magistrado, pois, corresponde a um requisito de validade dos
negócios jurídicos decorrentes.

A respectiva expressão foi adotada pelo legislador (ao qual a


doutrina proporciona os adjetivos alternativos de “graciosa”, “ad-
ministrativa” e “integrativa”) apenas em virtude de inexistir uma
lide a ser solucionada mas apenas um interesse privado a ser ad-
SSergiSeSergiSeSergio 336
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

ministrado pela autoridade judiciária. A expressão “voluntária” foi


contraposta à expressão “contenciosa” ... não foi colocada como
contraponto à expressão “obrigatória”.

Compreendida a jurisdição voluntária dentro dessas diretri-


zes quanto à sua nomenclatura e sua natureza de atividade juris-
dicional, incumbe agora proceder a uma breve exposição da sua
disciplina legal no principal diploma processual pátrio, o Código
de Processo Civil (Lei nº 13.105 de 2015), que serve como a mais
relevante fonte subsidiária e supletiva do modelo processual tra-
balhista.

E este será o objeto de análise da próxima seção.

2 Jurisdição Voluntária no Código de Processo


Civil de 2015
De grande relevância para a Justiça do Trabalho consideran-
do as lacunas na legislação processual trabalhista e o recurso ao
processo comum como fonte subsidiária e supletiva ao processo do
trabalho (artigos 769 da Consolidação das Leis do Trabalho e 15 do
próprio diploma processual civil), o Código de Processo Civil de
2015 (Lei nº 13.105 de 2015 introduziu uma série de inovações no
modelo processual brasileiro, tanto no âmbito institucional, como
na esfera estrutural do próprio sistema. Mesmo o corpo do diploma
apresentou uma nova organização, com uma Parte Geral composta
de seis Livros e uma Parte Especial constituída por outros quatro
Livros.

O Capítulo XV do Título III do Livro I da Parte Especial do res-


pectivo álbum processual, por meio dos artigos 719 a 770, contém
os dispositivos que regulam os procedimentos especiais de jurisdi-
ção voluntária no âmbito do processo civil. Intitulado Dos procedi-
mentos de jurisdição voluntária, o respectivo capítulo congrega as
regras processuais que disciplinam a atividade dos juízes em sede
SSergiSeSergiSeSergio 337
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

de jurisdição voluntária, fixando as diretrizes para a atuação do


magistrado na gestão de interesses privados aos quais o legislador
impôs a administração pelo Estado-Juiz como forma de fiscalizar
atos e negócios particulares relevantes e assim os prevenir de des-
vios.

Após estabelecer as disposições gerais acerca da jurisdição vo-


luntária na Seção I (artigos 719 e 725), o capítulo elenca outras onze
seções envolvendo procedimentos especiais de institutos legal-
mente submetidos à tutela administrativa do Estado-Juiz, dentre
os quais a notificação e interpelação (artigos 726 a 729), o divórcio
e a separação consensuais (artigos 731 a 734), os testamentos e co-
dicilos (artigos 732 a 737), a interdição (artigos 747 a 758) e a tutela
e a curatela (artigos 759 a 763).

O artigo 724 do Código de Processo Civil, por seu turno, esta-


belece que mesmo não estando sujeito a ritos processuais peculia-
res como aqueles afetos aos institutos relacionados nominalmente
nas seções II a XII do respectivo Capítulo XV, devem ser proces-
sados por meio do procedimento especial “padrão” disciplinado na
seção especial pedidos como a emancipação, a alienação de bem de
incapaz, a expedição de alvará judicial e o objeto do inciso XIII do
citado artigo:
Art. 725. Processar-se-á na forma estabelecida nesta Seção o
pedido de:
VIII – homologação de autocomposição extrajudicial, de qual-
quer natureza ou valor.

Como a atividade de jurisdição voluntária envolvendo a homo-


logação de autocomposição extrajudicial corresponde a temática
intrinsecamente ligada ao objeto do presente trabalho, a temática
será revisitada mais adiante, em outra seção. Importante anotar,
apenas, que a jurisdição voluntária que tem por objeto tal provi-
dência judicial se sujeita às normas do procedimento especial “pa-

SSergiSeSergiSeSergio 338
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

drão” previstas na Seção I do Capítulo XV, que agora será alvo de


uma análise descritiva.

Na mencionada Seção I, ao disciplinar as disposições gerais, o


legislador de 2015 destaca no artigo 720 que a provocação do Es-
tado-Juiz para exercer a jurisdição voluntária dentro de um desses
procedimentos deve ser materializada por meio de uma fórmula
simples de manifestação do direito de ação. Segundo o respectivo
dispositivo, incumbe ao interessado (ou ao Ministério Público ou à
Defensoria Pública) apresentar um pedido de tutela jurisdicional
voluntária, com a definição da espécie de providência judicial que
se almeja obter por meio da jurisdição administrativa, instruído
com os documentos indispensáveis à demonstração da respectiva
causa de pedir:
Art. 720. O procedimento terá início por provocação do interes-
sado, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, cabendo-
-lhes formular o pedido devidamente instruído com os docu-
mentos necessários e com a indicação da providência judicial.

Os dois artigos subsequentes se dedicam a assegurar a plena


transparência do procedimento de jurisdição voluntária, estabele-
cendo a exigência de promover a citação de todos os interessados,
inclusive e especialmente a Fazenda Pública se for o caso, para que
tenham ciência do desenvolvimento da respectiva atividade e, que-
rendo, se pronunciem acerca da questão dentro de um prazo espe-
cífico (de 15 dias para os interessados “comuns”; de 30 dias para a
Fazenda Pública e outros interessados com prerrogativa processual
semelhante).
Art. 721. Serão citados todos os interessados, bem como inti-
mado o Ministério Público, nos casos do art. 178, para que se
manifestem, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 722. A Fazenda Pública será sempre ouvida nos casos em
que tiver interesse.

É importante destacar que a imposição da citação dos

SSergiSeSergiSeSergio 339
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

interessados não corresponde a uma manifestação típica da


garantia constitucional do contraditório, assegurado no artigo 5º,
inciso LV, da Constituição da República.

Na realidade, como não há litigantes mas sim “interessa-


dos”, não há a materialização do contraditório típico da jurisdição
contenciosa, na qual se assegura aos adversários o direito de
ciência acerca dos atos processuais praticados para permitir
aos mesmos o exercício do direito à ampla defesa consagrado no
mesmo dispositivo constitucional. A preocupação do legislador,
manifestada nos artigos 721 e 723, se harmoniza com o ideal de
proporcionar ampla transparência ao procedimento de modo a
permitir a todos os interessados possam contribuir para o adequado
desenvolvimento da respectiva atividade jurisdicional.

O caput do artigo 723 do Código de Processo Civil, por seu


turno, estabelece um prazo para o magistrado proceder à sentença
por meio da qual será concedida (ou não) a providência jurisdicio-
nal pretendida pelo interessado que provocou o Estado-Juiz. Não
há menção a qualquer produção probatória mas é evidente que,
em entendendo necessária a produção de provas para melhor fir-
mar a sua convicção, o magistrado poderá proceder a um incidente
cognitivo envolvendo a apresentação de provas de toda natureza
(depoimentos dos interessados, oitiva de testemunhas, exibição de
documentos, realização de perícias, etc.), seguindo as diretrizes
gerais da fase probatória prevista para o procedimento comum do
processo civil.

O prazo de dez dias, previsto pelo legislador, assim, natural-


mente terá o seu começo condicionado à necessidade ou não de
produção de provas, devendo ser iniciado o prazo apenas após a
conclusão de eventual incidente instrutório, se for o caso.

Questão de grande relevância se encontra exposto no parágra-


fo único do citado artigo 723, que estipula a admissibilidade do
SSergiSeSergiSeSergio 340
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

julgamento por equidade do magistrado. Segundo as suas linhas,


o juiz não está vinculado aos estritos limites da legislação quando
da definição do acolhimento ou rejeição do pedido de tutela juris-
dicional voluntária.
Art. 723. O juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias.
Parágrafo único. O juiz não é obrigado a observar critério de
legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que
considerar mais conveniente ou oportuna.

Diante de tal autorização legal, o juiz dispõe de maior liber-


dade ao apreciar a pretensão do requerente da providência de ju-
risdição voluntária, sem estar adstrito aos limites típicos do texto
legal acerca da matéria. Tal forma de julgamento por equidade, en-
tretanto, não torna o magistrado um “déspota” ou “tirano” proces-
sual, pois em que pese o maior campo de liberdade para firmar a
sua convicção, o juiz ainda assim se encontra sujeito à imposição
de sua imparcialidade e à sua submissão às demais exigências na-
turais do seu ofício como órgão judicante (notadamente, a atuação
de boa-fé e o uso do simples “bom senso”). A hipótese do parágra-
fo único do artigo 723 do diploma processual civil, de qualquer
modo, constitui uma exceção à regra da vedação do julgamento por
equidade consagrado no parágrafo único do artigo 140 do mesmo
álbum processual.

O pronunciamento do juiz, pelo qual ocorrerá o acolhimento


ou a rejeição da pretensão à providência judicial pleiteada, cons-
titui verdadeira sentença judicial, e, como consequência, revela-se
recorrível, conforme exposto no artigo 724 do Código de Processo
Civil:
Art. 724. Da sentença caberá apelação.

Nada mais natural, pois se trata de uma decisão judicial que


resulta na entrega de uma prestação jurisdicional, encerrando uma
fase cognitiva própria de um procedimento judicial tipificado pelo

SSergiSeSergiSeSergio 341
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

legislador.

E cabe ação rescisória de uma sentença proferida em procedi-


mento de jurisdição voluntária?

O tema é polêmico, tanto no âmbito dos tribunais como na


doutrina. Os que defendem o descabimento da ação rescisória
como meio de desconstituição de sentença proferida em sede de
procedimento de jurisdição voluntária, usualmente levantam como
principal argumento a tese de que a jurisdição voluntária não pro-
duz a coisa julgada material, podendo a sentença ser modificada
posteriormente pelo juiz em caso de circunstâncias supervenientes
mesmo após exaurido o prazo recursal. Como, por exemplo, no caso
de uma simples petição informando o restabelecimento da vida em
comum de um casal que, em um procedimento de jurisdição volun-
tária, anteriormente obteve sentença homologatória do pedido de
separação, nos moldes previsto no artigo 46 da Lei 6.515 de 1977:
Art. 46. Seja qual for a causa da separação judicial, e o modo
como esta se faça, é permitido aos cônjuges restabelecer a todo
o tempo a sociedade conjugal, nos termos sem que fora consti-
tuída, contanto que o façam mediante requerimento nos autos
da ação de separação.

Em outras palavras, como não ocorre no âmbito da jurisdição


voluntária a qualidade de imutabilidade que caracteriza a sentença
de mérito proferida no âmbito da jurisdição contenciosa, tal deci-
são não seria rescindível.

Ao defender a natureza jurisdicional da jurisdição voluntária,


entretanto, Fredie Didier Júnior deixa clara a admissibilidade da
ação rescisória para hostilizar a sentença oriunda de procedimento
(DIDIER JÚNIOR, 2015, p. 193 a 194).

E tal entendimento tem especial relevo em casos de procedi-


mentos de jurisdição voluntária que envolvem típica atividade ne-
gocial.

SSergiSeSergiSeSergio 342
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Em obra anterior à vigência do Código de Processo Civil, Athos


Gusmão Carneiro expôs uma divisão dos procedimentos de juris-
dição voluntária em três modalidades: 1) “intervenção estatal na
formação de sujeitos jurídicos”, cujo exemplo típico é o registro do
estatuto de um partido político perante o Tribunal Superior Elei-
toral; 2) “intervenção do Judiciário na integração da capacidade
jurídica das pessoas e no status quo das pessoas”, como nos casos
de divórcio consensual, adoção, habilitação para casamento e in-
terdição; e 3) “intervenção do Judiciário em negócios jurídicos”.
(CARNEIRO, 1997, p. 36 e 37).

Humberto Theodoro Júnior, mesmo entendendo que a ativi-


dade envolvendo jurisdição voluntária não revela o mesmo caráter
substitutivo que caracteriza a jurisdição na visão clássica de
Chiovenda, enfatiza essa índole negocial da respectiva atividade ao
descrever a natureza da jurisdição voluntária:
Não se apresenta como ato substitutivo da vontade das par-
tes, para fazer atuar impositivamente a vontade concreta da lei
(como se dá na jurisdição contenciosa). O caráter predominan-
te é de atividade negocial, em que a interferência do juiz é de
natureza constitutiva ou integrativa, com o objetivo de tornar
eficaz o negócio desejado pelos interessados. A função do juiz é,
portanto, equivalente ou assemelhada à do tabelião, ou seja, a
eficácia do negócio jurídico depende da intervenção pública do
magistrado. (THEODORO JÚNIOR, 2017, p. 118).

Nessa linha de raciocínio, a jurisdição voluntária implica em


uma atividade negocial na qual a atuação gestora do magistrado é
necessária para fins de validação do objeto em foco, seja um ato,
uma providência, ou, de fato, um negócio jurídico.

Exatamente por resultar, dentro dessa categoria de procedi-


mentos de jurisdição voluntária que têm por objeto um negócio
jurídico, em uma sentença judicial constitutiva/integrativa do
próprio negócio jurídico, essencial à validade deste, fica em clari-
vidência a natureza jurisdicional da respectiva atividade e, como

SSergiSeSergiSeSergio 343
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

consequência, a imprescindibilidade de atribuir a essa “chancela”


um efeito além daquele que poderia ser obtido por alguma via ex-
trajudicial caso o interessado tivesse optado por tal caminho alter-
nativo ... exatamente o “manto” da coisa julgada material por meio
do qual a definição obtida através da jurisdição se torna “imutável”
e atacável apenas por meio de outro processo judicial agora, agora
contencioso.

Mas seria mesmo uma ação rescisória? Ou suficiente seria uma


ação anulatória (?), nos moldes do artigo 496, §4ª, do Código de
Processo Civil:
§ 4CPC/2015Os atos de disposição de direitos, praticados pelas par-
tes ou por outros participantes do processo e homologados pelo
juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da
execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei.

Tal discussão assume contornos especiais quando discutido no


âmbito do processo do trabalho, considerando entendimento sedi-
mentado no âmbito da jurisprudência sumulada do Tribunal Supe-
rior do Trabalho.

E, assim, será objeto de uma análise específica em outra seção


do presente trabalho.

3 Exercício da Jurisdição Voluntária pela Justiça


do Trabalho
A análise da evolução história da legislação constitucional e
infraconstitucional disciplinadora da competência material da
Justiça do Trabalho deixa claro o menosprezo do legislador pátrio
pelo caminho de atribuir a tal instituição a execução de atividades
administrativas típicas de jurisdição voluntária.

O exame de certos dispositivos encontrados de modo avulso,


inclusive em alguns desses mesmos diplomas legais já analisados,
por outro lado, revelam um legislador tímido, mas ao menos não
SSergiSeSergiSeSergio 344
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

completamente inerte. Ainda que aparentemente desconectados


com questões próprias de delimitação jurisdicional, disciplinam
atribuições afetas a uma atuação não contenciosa do juiz do traba-
lho, envolvendo atividade de homologação de atos de interesse de
ambos os sujeitos da relação de emprego.

Nesse sentido, os artigos 500 da Consolidação das Leis do Tra-


balho (CLT), artigo 1º da Lei nº 5.107 de 1966, o artigo 9º, §4º, da
Lei nº 7.064 de 1982 e artigo 233 da Constituição da República
(este último posteriormente revogado pela Emenda Constitucional
nº 20 de 1998).

O artigo 500 da CLT, que disciplina a solenidade exigida pelo


legislador para a validade do ato por meio do qual um empregado
portador de estabilidade (originalmente a antiga estabilidade de-
cenal do artigo 492 do respectivo diploma laboral) formaliza a ter-
minação do seu contrato por livre e espontânea vontade unilateral
do obreiro, impondo que a demissão voluntária seja submetida à
assistência de entidade legitimada para chancelar a respectiva ces-
sação do contrato de emprego no qual o obreiro estaria alcançado
pela proteção estabilitária.

A redação primitiva do respectivo dispositivo, por sua vez, se


encontra a seguir transcrita:
Art. 500. O pedido da demissão do empregado estável só será
válido quando feito com a assistência do respectivo sindicato e,
se não o houver, perante autoridade local competente do Minis-
tério do Trabalho, Indústria e Comércio ou da Justiça do Tra-
balho.

A Lei nº 5.584 de 1970 alterou de forma “cosmética” o texto


original, sem modificar a sua essência, mudando apenas o nome da
entidade ministerial alcançada pela sua previsão:
Art. 500 O pedido de demissão do empregado estável só será
válido quando feito com a assistência do respectivo Sindica-
to e, se não o houver, perante autoridade local competente do
SSergiSeSergiSeSergio 345
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
Ministério do Trabalho e Previdência Social ou da Justiça do
Trabalho.

As letras do dispositivo em qualquer uma das duas redações,


entretanto, evidenciam que, caso a assistência formal exigida para
a validade da demissão voluntária do empregado portador de esta-
bilidade no emprego não fosse prestado pela entidade sindical do
obreiro ou pela autoridade local do Ministério do Trabalho, restaria
aos interessados (o empregado e o empregado) levar o instrumento
no qual estaria materializado o pedido de demissão para a Justiça
do Trabalho para obter a assistência de um juiz do trabalho. E este,
numa cerimônia simples mas solene, chancelaria o ato resilitório
do empregado, após logicamente confirmar que era esta mesma a
sua vontade, usualmente pelo mero registro de sua homologação
no corpo do mencionado instrumento.

Tal atuação do magistrado diante de uma situação não conten-


ciosa, portanto, corresponde a uma atividade típica de jurisdição
voluntária. Afinal, ambos, empregado e empregador, apenas dese-
jam o reconhecimento da validade do pedido de demissão voluntá-
ria. E, ainda, a questão envolve um interesse particular de inegável
relevância, pois, em última análise, o objetivo é validar a termi-
nação de um contrato emprego de um empregado ungindo com a
proteção máxima que a legislação trabalhista pode proporcionar (a
estabilidade no emprego), por suposta vontade livre e espontânea
desse mesmo hipossuficiente juridicamente protegido.

Tal despojamento praticado voluntariamente pelo empregado,


resilindo unilateralmente o contrato de emprego mesmo protegido
pela estabilidade decenal, constitui algo não usual, atípico e até
“estranho”. Tal “estranheza” merece (na visão do legislador) ser ob-
jeto de uma tutela preventiva como essa assistência ... correspon-
dente a uma jurisdição administrativa na qual o magistrado fisca-
liza a prática do ato de desligamento e, ao homologar o respectivo
instrumento, aperfeiçoa a resilição, (des) constituindo uma relação
SSergiSeSergiSeSergio 346
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

contratual até então íntegra e regular.

Não se revela apta a refutar tal constatação o argumento se-


gundo o qual, se fosse jurisdição voluntária, então o sindicato e o
representante do Ministério do Trabalho também estariam exer-
cendo uma jurisdição administrativa quando prestando assistência
nos moldes do artigo 500 da CLT. Nem o Ministério do Trabalho,
nem qualquer entidade sindical, exercem a jurisdição , exatamente
por não integrarem o Poder Judiciário.

Quando a homologação for feita pelo sindicato ou pelo auditor-


-fiscal do trabalho nos moldes do artigo 500 da CLT, há interven-
ção estatal na administração de interesses privados, mas não por
meio da jurisdição voluntária.

Athos Gusmão Carneiro (CARNEIRO, 1997, p. 33) admite ex-


pressamente a existência de múltiplas vias de intervenção do Esta-
do na gestão de interesses privados, citando exemplos outros além
da jurisdição voluntária, como a intervenção por órgãos alheios ao
Poder Judiciário (atuação da Junta Comercial na aquisição de per-
sonalidade jurídica de sociedade empresariais) e a intervenção por
meio de órgãos sob o controle e fiscalização do Poder Judiciário
(como é o caso dos tabelionatos e Ofício de Registro Civil).

Apenas no âmbito do Poder Judiciário, entretanto, tal inter-


venção assume a forma da jurisdição voluntária.

Quando um juiz do trabalho executa tal atividade tipicamente


administrativa de homologar um pedido de demissão de empre-
gado estável, prestando assistência aos sujeitos de um contrato de
emprego quando um obreiro estabilitário deseja espontaneamente
encerrar o pacto laboral, chancelando o instrumento no qual tal li-
vre vontade do empregado estável é manifestada, é inequívoca que
tal atuação do magistrado se enquadra como atribuição propria-
mente graciosa no sentido de uma jurisdição não contenciosa. Em

SSergiSeSergiSeSergio 347
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

outras palavras, uma jurisdição voluntária.

E tal atuação não pode ser ignorada, mesmo considerando que


em termos quantitativos há reduzida expressão prática, uma vez
que usualmente tal homologação sempre foi formalizada no âmbi-
to dos sindicatos profissionais. Mesmo que em números pouco ex-
pressos, ao menos corresponde a uma atuação inequívoca da Jus-
tiça do Trabalho no âmbito da jurisdição voluntária, para além dos
limites expressamente traçados nos dispositivos que disciplinavam
a sua competência material até o advindo da Emenda Constitucio-
nal nº 45 de 2004.

Atuação de idêntica natureza jurisdicional integrativa foi dis-


ciplinada pela Lei nº 5.107 de 1966, a chamada “Lei do Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço” (FGTS).

Dispunha o seu artigo 1º, caput e §§ 1º e 3º:


Art. 1º Para garantia do tempo de serviço ficam mantidos os
Capítulos V e VII do Título IV da Consolidação das Leis do Tra-
balho, assegurado, porém, aos empregados o direito de opta-
rem pelo regime instituído na presente Lei.
§ 1º O prazo para a opção é de 365 (trezentos e sessenta e cinco)
dias, contados da vigência desta Lei para os atuais empregados,
e da data da admissão ao emprêgo quanto aos admitidos a
partir daquela vigência.
§ 3º Os que não optarem pelo regime da presente Lei, nos
prazos previstos no § 1º, poderão fazê-lo, a qualquer tempo, em
declaração homologada pela Justiça do Trabalho, observando-
se o disposto no Art. 16.

Posteriormente, o Decreto-Lei nº 20 de 1966 acrescentou ao


mesmo artigo 1º da Lei nº 5.107 de 1966 o seu §4º:
§ 4º O empregado que optar pelo regime desta lei, dentro do
prazo estabelecido no § 1º e que não tenha movimentado a sua
conta vinculada, poderá retratar-se desde que o faça no prazo
de 365 dias a contar da opção, mediante declaração homologada
pela Justiça do Trabalho, não se computando para efeito de
contagem do tempo de serviço o período compreendido entre
SSergiSeSergiSeSergio 348
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
a opção e a retratação.

Nos parágrafos 3º e 4º do artigo 1º da Lei do FGTS, assim,


o legislador expressamente atribuiu à Justiça do Trabalho a in-
cumbência de homologar declarações em duas hipóteses de recon-
sideração do obreiro: a) o empregado “não-optante” pelo regime
do Fundo de Garantia posteriormente reconsidera a sua escolha
primitiva e deseja posteriormente formalizar sua opção pelo siste-
ma; b) o empregado que originalmente fez a opção pelo regime do
FGTS reconsidera sua escolha e, condicionado ao exercício do seu
arrependimento dentro do prazo de 365 dias da escolha primitiva,
manifesta sua vontade de se retratar e retornar ao regime da CLT.

A Lei nº 7.839 de 1989 revogou a Lei nº 5.107 de 1966, mas


poucos meses após o início de sua vigência, aquela foi sucedida
pela Lei nº 8.036 de 1990, que prossegue disciplinando o sistema
do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço até os dias atuais.

E a previsão da homologação da opção continua a existir, con-


forme prevista no §4º do artigo 14 da Lei nº 8.036 de 1990:
§4º Os trabalhadores poderão a qualquer momento optar pelo
FGTS com efeito retroativo a 1º de janeiro de 1967 ou à data de
sua admissão, quando posterior àquela.

Nessa atuação de homologação de atos declaratórios de recon-


sideração quanto a opções relacionadas ao regime do Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço, o juiz do trabalho está evidente-
mente exercendo a jurisdição voluntária, pois a respectiva ativida-
de constitui uma fórmula de administração pública de interesses
particulares, mediante o qual o magistrado está fiscalizando a re-
gularidade do ato de reconsideração manifestado pelo empregado e
ao chancelar a respectiva declaração com a sua homologação, está
integrando e constituindo o negócio jurídico entre os respectivos
sujeitos da relação de emprego envolvendo a aplicabilidade ou não
das regras do regime do FGTS ao respectivo contrato entre as par-

SSergiSeSergiSeSergio 349
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

tes.

A intervenção estatal, na hipótese, é imposta pelo legislador


em virtude da necessidade de proporcionar segurança aos “inte-
ressados”, empregado e empregador, diretamente alcançado pelos
efeitos de tal declaração de reconsideração, uma vez que a sub-
missão ou não ao regime do FGTS afeta ambas as partes quanto a
questões “sensíveis”, desde a estabilidade no emprego até o direito
de despedir.

O Tribunal Superior do Trabalho, inclusive, reconhece não ape-


nas a relevância de tal negócio jurídico-processual cuja validade
depende da homologação de um juiz do trabalho, como a impres-
cindibilidade de se obter a anuência do empregador para proceder
a tal chancela estatal. Nesse sentido, em 27.11.1998, por meio da
Orientação Jurisprudencial nº 146 da Seção Especializada em Dis-
sídios Individuais 1 (SDI-1), posteriormente (20.03.2005) cancela-
da em 20 de abril de 2005 em face a sua conversão na Orientação
Jurisprudencial Transitória nº 39, da Subseção Especializadas em
Dissídios Individuais-1 (SBDI-1), consagrou-se o seguinte entendi-
mento, exigindo a anuência do outro “interessado” para a validade
da respectiva homologação:
FGTS. OPÇÃO RETROATIVA. CONCORDÂNCIA DO EMPRE-
GADOR. NECESSIDADE.

À semelhança do verificado quanto à atuação em sede de


jurisdição voluntária na hipótese do artigo 500 da CLT, a atividade
dos juízes do trabalho no exercício de tal fórmula de jurisdição vo-
luntária não é expressiva em termos quantitativos.

Reconsiderações relacionadas às opções (ou não) pelo FGTS


ocorreram e as consequentes declarações foram homologadas por
juízes de trabalho no exercício de uma jurisdição voluntária da
Justiça do Trabalho, mas não em números de grande destaque.

SSergiSeSergiSeSergio 350
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Uma outra hipótese de jurisdição voluntária da Justiça do Tra-


balho se encontra prevista no artigo 9º da Lei nº 7.064 de 1982. De
incidência ainda mais rara que as hipóteses anteriores, a atividade
jurisdicional voluntária tipificada neste último dispositivo envolve
um procedimento de homologação, por juiz do trabalho, de instru-
mento autorizando o levantamento pelo empregador de depósitos
do FGTS recolhidos em uma conta vinculada de um empregado
transferido para o exterior, para fins de dedução de eventual paga-
mento previsto na legislação do país no exterior no qual ocorreu a
prestação de serviços, em caso dessa mesma legislação alienígena
considerar o período laboral durante a transferência como objeto
de um contrato autônomo ao final do qual terá que ocorrer a “liqui-
dação” de direitos decorrentes da respectiva cessação.

Apesar de estar alicerçada no seu §4º, é oportuna a transcrição


da íntegra do artigo:
Art. 9º O período de duração da transferência será computado
no tempo de serviço do empregado para todos os efeitos da le-
gislação brasileira, ainda que a lei local de prestação do serviço
considere essa prestação como resultante de um contrato autô-
nomo e determine a liquidação dos direitos oriundos da respec-
tiva cessação.
§ 1º Na hipótese de liquidação de direitos prevista neste artigo, a
empresa empregadora fica autorizada a deduzir esse pagamento
dos depósitos do FGTS em nome do empregado, existentes na
conta vinculada de que trata o art. 2º da Lei nº 5.107, de 13 de
setembro de 1966.
§ 2º Se o saldo da conta a que se refere o parágrafo anterior não
comportar a dedução ali mencionada, a diferença poderá ser
novamente deduzida do saldo dessa conta quando da cessação,
no Brasil, do respectivo contrato de trabalho.
§ 3º As deduções acima mencionadas, relativamente ao
pagamento em moeda estrangeira, serão calculadas mediante
conversão em cruzeiros ao câmbio do dia em que se operar o
pagamento.
§ 4º O levantamento pelo empregador, decorrente da dedução
acima prevista, dependerá de homologação judicial.
SSergiSeSergiSeSergio 351
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

O legislador brasileiro, assim, criou um procedimento de juris-


dição voluntária por meio do qual o empregador, se desejar econo-
mizar nas despesas relacionadas ao empregado transferido, pode
obter a autorização judicial para proceder ao levantamento de um
valor extraído da conta do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
do empregado transferido, para fins de dedução do montante que,
eventualmente, tiver que pagar ao respectivo trabalhador na hipó-
tese de previsão na lei do local da prestação de serviço.

E, merece ser destacado, o recurso a tal via alternativa à juris-


dição contenciosa não é simplesmente decorrente da vontade es-
pontânea do empregador, mas uma verdadeira imposição do legis-
lador na hipótese da entidade patronal desejar diminuir os custos
da operação envolvendo o empregado transferido ao exterior quan-
do prevista na lei estrangeira tal figura contratual mencionada no
caput do artigo 9º da Lei nº 7.064 de 1982. A única forma de obter
a autorização para o levantamento do valor depositado na conta
vinculada do empregado, para fins de dedução da quantia devida
pela liquidação do contrato autônomo eventualmente previsto na
legislação do país no qual o serviço for prestado, é exatamente tal
caminho de jurisdição administrativa.

O juiz do trabalho, com a homologação, desenvolve uma atu-


ação jurisdicional sem a presença de um conflito, mas imprescin-
dível à obtenção do efeito almejado pelo empregador. Em outras
palavras, uma atividade jurisdicional necessária, mas sem lide.

Apesar de servir com um exemplo perfeito da natureza juris-


dicional da jurisdição voluntária, a utilidade prática da respectiva
fórmula é evidentemente limitada em termos quantitativos, pois
poucos são os empregados cuja transferência para o exterior gera-
ria o quadro necessário à aplicabilidade da regra legal. Correspon-
de, assim, a uma hipótese peculiar de jurisdição voluntária rara-
mente concretizada na prática dos tribunais do trabalho.

SSergiSeSergiSeSergio 352
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Um “experimento” de ainda menor aplicabilidade prática, ou


de maior “insucesso” em termos numéricos, ocorreu com o artigo
233 do texto original da Constituição da República.

Revogado pela Emenda Constitucional nº 28 de 2.000, o res-


pectivo dispositivo estabelecia a seguinte disciplina:
Art. 233. Para efeito do art. 7º, XXIX, o empregador rural com-
provará, de cinco em cinco anos, perante a Justiça do Traba-
lho, o cumprimento das suas obrigações trabalhistas para com
o empregado rural, na presença deste e de seu representante
sindical.
§ 1ºUma vez comprovado o cumprimento das obrigações
mencionadas neste artigo, fica o empregador isento de qualquer
ônus decorrente daquelas obrigações no período respectivo.
Caso o empregado e seu representante não concordem com a
comprovação do empregador, caberá à Justiça do Trabalho a
solução da controvérsia.
§ 2ºFica ressalvado ao empregado, em qualquer hipótese, o
direito de postular, judicialmente, os créditos que entender
existir, relativamente aos últimos cinco anos.
§ 3º A comprovação mencionada neste artigo poderá ser feita
em prazo inferior a cinco anos, a critério do empregador.

O legislador constituinte de 1986-1988, assim, criou um proce-


dimento típico de jurisdição voluntária, envolvendo a comprovação
em juízo do cumprimento de obrigações trabalhistas por meio do
qual o empregador rural poderia provocar a Justiça do Trabalho
para, diante do respectivo empregado rural e do seu representante
sindical, obter a chancela judicial de quitação das respectivas obri-
gações patronais derivadas do contrato entre as partes.

Era uma hipótese de atuação em sede de jurisdição adminis-


trativa, pois no início do procedimento não havia conflito e a pro-
vocação do Estado-Juiz para demonstrar o correto cumprimento
das obrigações tinha por objeto interesses privados submetidos a
uma gestão pública materializada mediante uma fiscalização pre-
ventiva do Estado.
SSergiSeSergiSeSergio 353
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Caso surgisse, no curso do procedimento, um conflito de in-


teresses, então caberia a qualquer um dos “agora” litigantes pro-
mover uma ação judicial de jurisdição contenciosa (ação de con-
signação em pagamento, pelo empregador; reclamação trabalhista
típica, pelo empregado) para que a Justiça do Trabalho solucionas-
se a contenda.

A ideia original, assim, seria proporcionar ao empregador rural


uma fórmula não contenciosa para demonstrar a quitação de suas
dívidas trabalhistas a cada período de cinco anos e assim evitar a
comprovação posterior de obrigações antigas, considerando que à
época ao trabalhador rural se aplicava somente a prescrição bienal
iniciada com o término do contrato de emprego entre as partes ...
o que podia levar o empregador a ter que demonstrar em juízo o
cumprimento de obrigações relativas a décadas atrás quando dian-
te de um rurícola com contrato de emprego de longa data.

A equiparação feita pela Emenda Constitucional nº 28 entre


os empregados urbanos e rurais quanto à prescrição, estendendo
aos rurícolas a prescrição quinquenal incidente durante o curso do
contrato, acabou por tornar obsoleto o procedimento de jurisdição
voluntária criado pelo legislador constituinte ... daí a consequente
revogação do artigo 233 pela mesma Emenda.

Mas mesmo antes da Emenda Constitucional nº 28, o proce-


dimento do artigo 233 era de uso quase que inexistente por um
problema simples: o procedimento já nasceu obsoleto.

Como o § 2º do respectivo artigo assegurava o direito do em-


pregado rural de, a qualquer tempo, judicializar a questão dentro
de um processo contencioso, a opção pelo procedimento de jurisdi-
ção voluntária de revelou pouco atrativo.

Qual o incentivo de provocar o Estado e se submeter, dentro


de um procedimento de jurisdição administrativa, à demonstração

SSergiSeSergiSeSergio 354
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

do cumprimento de obrigações trabalhistas se, ao final, não haverá


nenhum efeito liberatório decorrente de tal comprovação, (em que
pese as letras do §1º) a não ser iniciar um prazo prescricional de
cinco anos para o empregador poder propor uma ação para pleitear
créditos que entender devidos?

Ao permitir ao empregado demandar posteriormente, dentro


do prazo de cinco anos, os créditos que entender existir, o legis-
lador constituinte acabou por desestimular o empregador rural.
O interesse deste, naturalmente, estaria vinculado à ideia de que,
uma vez comprovado o cumprimento das obrigações e obtido uma
“chancela” do Estado-Juiz, a respectiva quitação não mais estaria
sujeito a discussão.

De forma bem objetiva, na visão natural do empregador, o in-


teresse estaria em obter os efeitos de uma coisa julgada material.
Como o §2º do artigo ressalvou o direito de ação do empregado
rural, o recurso ao procedimento de jurisdição voluntária foi visto
como pouco proveitoso e até “atrevido” ou mesmo “perigoso”, pois
poderia provocar a reação de um empregado originalmente “dócil”.

Não era, ainda, a iniciativa ideal para incentivar uma atuação


mais consistente da Justiça do Trabalho no exercício da jurisdição
voluntária.

Mas a promulgação da Lei nº 13.467 de 2017 parece ter sido um


passo em tal direção.

Como será abordado na próxima seção.

4 O Novo Processo de Jurisdição Voluntária Insti-


tuído pela Lei nº 13.467 de 2017.
A Reforma Trabalhista promovida pela Lei nº 13.467 de 2017
tem sido alvo de incessantes críticas negativas e positivas das mais
diversas ordens. Como o presente artigo envolve uma análise acer-
SSergiSeSergiSeSergio 355
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

ca de uma de suas inovações no plano processual, o exame a será


desenvolvido da forma mais técnica possível, reconhecendo even-
tuais defeitos e virtudes dentro de uma perspectiva propriamente
institucional.

A Lei nº 13.467 de 2017 instituiu um acréscimo importante ao


Título X da CLT (Do processo judicial do trabalho), apresentando
um novo capítulo, o III-A, intitulado Do processo de jurisdição vo-
luntária para homologação de acordo extrajudicial, com os arti-
gos 855-B a 855-E.

O legislador de 2017, destarte, expressamente inseriu por meio


da denominada Reforma Trabalhista dispositivo tratando de um
processo de jurisdição voluntária, ou seja, de uma fórmula alter-
nativa à jurisdição contenciosa exercida pela Justiça do Trabalho.

Foi uma opção do legislador que, apesar desde a tramitação do


projeto enfrentar ruídos de oposição por parte daqueles contrários
ao uso de caminhos alternativos à jurisdição estatal contenciosa
para a solução de conflitos individuais do trabalho, decidiu enfren-
tar a resistência e insistir nas medidas inovadoras.

A chave para o funcionamento adequado de qualquer via al-


ternativa à jurisdição contenciosa da Justiça do Trabalho, na rea-
lidade, reside em algo que legislador algum pode impor por mais
que formalize a imposição no texto da lei como fez o legislador de
2015 no artigo 5º do Código de Processo Civil: a exigência de um
alto padrão ético para todos os envolvidos, desde as partes interes-
sadas (empregado e empregador) e seus respectivos representantes
(como os advogados), até o terceiro que intervém na relação com o
objetivo de promover um resultado final satisfatória a todos.

Estabelece o citado artigo 5º do diploma processual civil:


Art. 5o - Aquele que de qualquer forma participa do processo
deve comportar-se de acordo com a boa-fé.

SSergiSeSergiSeSergio 356
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

É desconfortável reconhecer que o legislador de um país sen-


tiu a necessidade de expressar na letra da Lei que todos os partici-
pantes de um processo judicial, seja de jurisdição contenciosa ou
voluntaria, têm o dever de agir de acordo com algo que, em uma
nação civilizada, se pressupõe como inato a um cidadão.

Ser honesto. Atuar de forma leal. Agir de boa-fé.

Elementos que devem sempre nortear o caminho de um indiví-


duo e de uma coletividade.

Se a Constituição da República estabeleceu logo no seu artigo


1º, dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil, a ci-
dadania, a dignidade da pessoa humana e o valor social do traba-
lho, é por meio de um caminho percorrido com ética e boa-fé que o
brasileiro conseguirá alcançar esses valores essenciais à sociedade
pátria.

Sem uma atuação pautada em valores morais intrínsecos a


uma vida escorreita, não há como materializar esses objetivos, seja
dentro ou fora de um processo judicial.

Sem ética, não haverá como promover acesso à justiça, em


qualquer uma de suas dimensões.

Em havendo uma atuação com alto padrão ético por parte dos
envolvidos em qualquer fórmula alternativa à jurisdição contencio-
sa, não haverá motivo de preocupação com fraudes, com abusos,
com ilicitudes.

Dentro de tal contexto, a fórmula de acordos extrajudiciais


(e sua posterior homologação em um procedimento de jurisdição
voluntaria) deve ser sempre bem-vindo como forma de acesso à
justiça ... em uma visão de uma “Justiça Multiportas”. (ZANETI
JÚNIOR e CABRAL, 2017).

É a partir dessa premissa que deve ser pautada a defesa da


SSergiSeSergiSeSergio 357
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

admissibilidade dessa via alternativa à jurisdição contenciosa da


Justiça do Trabalho, consubstanciada em uma fórmula de jurisdição
voluntária destinada à homologação de acordo extrajudicial.

Deve o magistrado, ao exercer essa nova atribuição, partir do


pressuposto da crença na boa-fé das partes. Mas ser absolutamente
intolerante com a má-fé.

Se existir uma fraude, uma tentativa de sonegar direitos e si-


mular um acordo, deve o magistrado agir com rigor para evitar a
concretização do desvio e para sancionar os responsáveis. Ações
de tal natureza devem ser combatidas com vigor pela Justiça do
Trabalho. E o juiz do trabalho deverá estar atento a tais condutas
nocivas, pois, como será examinado adiante, no exercício da juris-
dição voluntária dentro da nova fórmula processual, a sua atuação
não se resume a ser um equivalente a um mero “certificante”.

Agora, a premissa não pode ser no sentido que sempre haverá


tal intuito perverso.

Presunção de boa-fé, punição à má-fé.

Esta deve ser a diretriz.

Feitas essas considerações de bases éticas, a análise da nova


fórmula faz surgir uma série de constatações de grande interesse
processual. Para alguns doutrinadores, o processo de homologação
de acordos extrajudiciais representa uma das propostas mais am-
biciosas do legislador de 2017. (SILVA, 2017, p. 165).

A primeira providência do legislador de 2017, para evitar qual-


quer problema envolvendo questões de competência, foi inserir a
alínea “f” no elenco do artigo 652 da CLT:
Art. 652. Compete às Varas do Trabalho:
...
f) decidir quanto à homologação de acordo extrajudicial em
SSergiSeSergiSeSergio 358
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
matéria de competência da Justiça do Trabalho.

Além de incluir o novo dispositivo, o legislador igualmente


promoveu uma mudança no caput do artigo 652, substituindo a
expressão “Juntas de Conciliação e Julgamento” pela nomenclatura
mais moderna de “Varas do Trabalho”. Mas, mesmo com essa “mo-
dernização” de nomenclaturas, persiste uma incoerência técnica
no texto do respectivo artigo.

Uma Vara do Trabalho não exerce competência jurisdicional.


Esta atribuição no primeiro grau é exclusiva do juiz do trabalho.

A terminologia adotada pelo legislador, assim, não foi a mais


adequada, uma vez que as Varas do Trabalho são unidades judiciá-
rias nas quais atuam os juízes do trabalho, estes sim órgãos da Jus-
tiça do Trabalho segundo o artigo 111, inciso III, da Constituição
da República, e, assim, como tais, investidos na jurisdição e com
competência para processar e julgar ações.

É da competência do juiz do trabalho de primeiro grau, assim,


proceder à atividade judicante envolvendo a prolação de sentenças
homologatórias de transações celebradas extrajudicialmente em
questões que se enquadram dentro da competência material da
Justiça do Trabalho.

O legislador de 2017 atribuiu tal atividade jurisdicional aos ór-


gãos de primeiro grau e não aos tribunais regionais ou ao Tribunal
Superior do Trabalho, delimitando o alcance da competência em
termos funcionais, em virtude da nova alínea “f” ter por objeto o
acordo extrajudicial celebrado em sede das relações individuais de
trabalho. Não quis o legislador, assim, incluir dentro de tal âmbito
de atuação jurisdicional a homologação de eventual acordo extra-
judicial celebrado pelas partes em matéria que, caso judicializada,
seria da competência originária dos tribunais. E agiu bem o legis-
lador, seja em virtude de não ser razoável conceber a existência de

SSergiSeSergiSeSergio 359
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

interesse (e muito menos de necessidade) de submeter à homolo-


gação judicial acordos extrajudiciais envolvendo temas típicos de
mandado de segurança ou de ação rescisória, seja em face à evi-
dente prescindibilidade de qualquer tutela jurisdicional integrati-
va de tal natureza diante de instrumentos oriundos de negociação
coletiva, já revestidos de sua eficácia própria.

Nada impede, entretanto, que o relator de um recurso ordi-


nário no âmbito de um tribunal regional (ou mesmo no Tribunal
Superior do Trabalho), interposto contra a sentença do juiz do tra-
balho no processo de jurisdição voluntária, venha a proceder à ho-
mologação do acordo extrajudicial. Mas em assim agindo, estará
no exercício de uma competência funcional derivada, em conse-
quência da sua atuação na fase recursal do processo. (CASSAR e
BORGES, 2017, p. 141).

A expressão “em matéria da competência da Justiça do Tra-


balho” constante da mencionada alínea “f”, por sua vez, deixa evi-
dente que o respectivo acordo extrajudicial pode envolver questões
além dos limites do inciso I do artigo 114 da Constituição da Repú-
blica, anteriormente examinado. Em outras palavras, a respectiva
atividade jurisdicional pode ter por objeto da homologação de um
acordo extrajudicial envolvendo obrigações relativas a um contrato
de empreitada entre um empreiteiro operário ou artífice e seu to-
mador de serviço, nos moldes permitidos pelo inciso IX do citado
artigo 114 em combinação com o artigo 652, alínea “a”, inciso III,
da Consolidação das Leis do Trabalho.

E mais: pode até envolver outras situações alcançadas pelos


demais incisos do artigo 114 da Carta Magna. Como, por exemplo,
alguma disputa pertinente ao exercício do direito de greve (inciso
II) ou um conflito entre sindicato e trabalhador ou entre sindicato
e empregador (inciso III).

Desde que o acordo extrajudicial envolva interesses que pos-


SSergiSeSergiSeSergio 360
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

sam ser objeto de uma transação e cuja matéria se encontra dentro


do âmbito dos limites estabelecidos pelos incisos do artigo 114 da
Carta Política de 1988, será da competência material dos juízes do
trabalho o exercício da respectiva atividade jurisdicional nova in-
troduzida pela Lei nº 13.467 de 2017.

Com tal medida, o legislador deixou em clarividência que o juiz


do trabalho agora tinha ampliado a sua esfera de atuação para in-
cluir mais essa manifestação de jurisdição voluntária da Justiça do
Trabalho. (SOUZA JÚNIOR et al, 2017, p. 347).

Algo perfeitamente admissível não apenas considerando as ex-


periências anteriores envolvendo os procedimentos previstos nos
artigos 500 da CLT, 1º da Lei nº 5.107, 9º da Lei nº 7.064 de 1982 e
233 do texto primitivo da Constituição de 1988, mas especialmente
considerando a alteração promovida pela Emenda Constitucional
nº 45 de 2004 ao texto do artigo 114 da mesma Constituição.

Ao estabelecer a competência da Justiça do Trabalho para pro-


cessar e julgar ações oriundas da relação de trabalho, o texto do
artigo 114 não deixa dúvidas quanto a admissibilidade de atividade
jurisdicional dos juízes do trabalho em sede de jurisdição voluntá-
ria, administrando interesses privados numa função de gestão de
natureza integrativa própria da jurisdição graciosa.

Mas atuação do juiz do trabalho no exercício da jurisdição vo-


luntária peculiar ao procedimento de homologação de acordo ex-
trajudicial vai além de uma função meramente “certificante”.

Como será abordada na próxima sessão.

5 Jurisdição Voluntária e Processo de Homologa-


ção de Acordo Extrajudicial
A Lei nº 13.467 de 2017 introduziu um novo capítulo, o Capí-
tulo III-A, ao Título X da CLT, destinado a disciplinar o “PROCES-
SSergiSeSergiSeSergio 361
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

SO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA PARA HOMOLOGAÇÃO DE


ACORDO EXTRAJUDICIAL”.

Interessante a opção terminológica do legislador: “Processo”


de jurisdição voluntária.

Para aqueles que negam o caráter jurisdicional à jurisdição vo-


luntária, apontando que a mesma se materializa apenas por meio
de um procedimento e não por intermédio de um processo jurisdi-
cional, surge um novo argumento a desafiar.

Mera falha parlamentar na escolha da nomenclatura, como


ocorreu na redação do texto do caput do artigo 652 ao utilizar a
expressão “Varas” ao invés de “Juízes”?

Talvez ...

Mas é evidente que se apresenta como mais atrativo o entendi-


mento de que, no caso particular do título do novo Capítulo III-A,
houve um acerto na terminologia e uma consequente evolução no
texto legal no tratamento dispensado à jurisdição voluntária. Ao
menos para os que reconhecem como jurisdicional que todo o com-
plexo de atribuições do magistrado diante de lides e de demandas
necessárias mas não contenciosas.

Dentro de tal contexto, destarte, acertou o legislador de 2017


ao utilizar a expressão “Processo de Jurisdição Voluntária”, indo
além do legislador de 2015, que no Código de Processo Civil prefe-
riu utilizar a expressão “procedimentos de jurisdição voluntária”.

Conforme já defendido em seções precedentes, a jurisdição


graciosa, mesmo sem ter por objeto uma lide, é sim jurisdição do
Estado-Juiz. O conflito não é absolutamente essencial à atividade
jurisdicional. Não há dúvida de que a jurisdição contenciosa ocupa
o posto de principal foco de atenção do Judiciário. Mas a jurisdição
não contenciosa e integrativa também representa uma relevante

SSergiSeSergiSeSergio 362
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

atribuição dos órgãos jurisdicionais. Como exposto em passagens


anteriores, assim, a jurisdição voluntária é atividade jurisdicional
exercida pelo juiz.

E, deve ser destacado ainda, a “necessidade” dessa nova fór-


mula alternativa à jurisdição contenciosa nem sempre decorre da
vontade espontânea dos sujeitos que celebraram o acordo no âm-
bito extrajudicial, fato que acentua ainda mais o seu caráter juris-
dicional. Em algumas hipóteses, o recurso à jurisdição voluntária
pode derivar de uma imposição legal decorrente de situação alheia
à vontade dos interessados, conforme já demonstrado na análise da
hipótese do artigo 9º da Lei nº 7.064 de 1982.

Pode ocorrer a necessidade de se obter a homologação de um


acordo extrajudicial celebrado pelo empregador com os sucessores
legais de um empregado falecido, por exemplo, simplesmente para
se obter a autorização judicial do levantamento de valores anterior-
mente depositados em nome do de cujus, uma vez que a simples
transação extrajudicial não implicará automaticamente em tal li-
beração. (SOUZA JÚNIOR et al, 2017, p. 441).

Há, por conseguinte, um autêntico processo de jurisdição vo-


luntária dentre as novas atribuições da Justiça do Trabalho oriun-
das da Lei nº 13.467 de 2017.

Quanto ao rito processual disciplinado nos novos artigos 855-


B a 855-E da Consolidação das Leis do Trabalho, a estrutura do
modelo é bastante simplificado.

O caput do artigo 855-B estabelece apenas as exigências para


a instauração do processo, exigindo que a peça vestibular seja uma
petição conjunta apresentada e que as partes estejam representa-
das por advogados, vedando o ius postulandi:

Art. 855-B – O processo de homologação de acordo extrajudi-


cial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a represen-
SSergiSeSergiSeSergio 363
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

tação das partes por advogado.

A imposição legal da representação judicial por meio de pro-


fissional devidamente habilitado, evidentemente, decorreu a pre-
ocupação do legislador em exigir maior solenidade à fórmula de
jurisdição voluntária, com o intuito de prevenir desvios e abusos
com a presença de quem a Constituição da República de 1988 ele-
vou ao status de agente indispensável à administração da justiça.

E, por mais que venham a surgir críticas no sentido de que tal


exigência é insuficiente para assegurar a lealdade dos interessa-
dos e que a nova fórmula servirá apenas para legitimar fraudes, a
premissa da boa-fé deve prevalecer. Ou seja, deve o juiz partir do
pressuposto da crença na boa-fé das partes, mas ser intolerante
com a má-fé.

Os dois parágrafos do artigo 855-B, por seu turno, estabele-


cem que cada parte deve constituir seu próprio advogado, sendo
proibida a atuação de um mesmo causídico para representar ambas
as partes, e que, se o empregado assim optar, poderá ser assistido
pelo advogado da entidade sindical da sua categoria:

§ 1CPC/2015 As partes não poderão ser representadas por advoga-


do comum.

§ 2CPC/2015Faculta-se ao trabalhador ser assistido pelo advogado


do sindicato de sua categoria.

Na disciplina dos respectivos dispositivos, novamente se torna


visível uma certa cautela do legislador, que impôs a presença de ad-
vogados distintos para as partes e vedou a representação de ambos
por um advogado comum, como forma de garantir a higidez das
manifestações de vontade dos interessados e assegurar, caso venha
a surgir diferenças, maior independência na defesa dos interesses
de cada um dos sujeitos.

SSergiSeSergiSeSergio 364
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Apesar do legislador não especificar qualquer proibição explí-


cita, o bom senso e o alto padrão ético desejável recomendam ave-
riguar em cada caso se existe ou não alguma forma de sociedade
ou parceria eventual entre os causídicos, para evitar simulações e
fraudes.

Quanto aos requisitos intrínsecos e extrínsecos dessa petição


conjunta, o legislador de 2017 nada esclareceu no texto do novo
capítulo. Como consequência lógica, a disciplina de tais exigências
de regularidade devem ser os mesmos previstos para uma petição
inicial trabalhista típica.

Devem acompanhar a respectiva peça vestibular do processo,


por conseguinte, os documentos necessários à propositura da ação,
bem como os instrumentos de mandato outorgando poderes aos
respectivos advogados. O conteúdo da petição, por seu turno, deve
conter os elementos exigidos pela nova redação do artigo 840, §1º,
da Consolidação das Leis do Trabalho, inclusive com a identifica-
ção dos valores de cada pedido envolvendo prestação pecuniária.

A exigência de tal quantificação é natural. Se no acordo se al-


meja obter a quitação de dívidas, as respectivas obrigações devem
ser identificadas e os valores das prestações expressamente indi-
cados.

O artigo 855-C, por sua vez, apenas deixou claro que o proces-
so de homologação de acordo extrajudicial em nada afeta os prazos
do §6º e a multa do §8º do artigo 477 da CLT:

O disposto neste Capítulo não prejudica o prazo estabelecido


no § 6CPC/2015do art. 477 desta Consolidação e não afasta a aplicação
da multa prevista no § 8CPC/2015art. 477 desta Consolidação.

O processo de jurisdição voluntária de homologação de acordo


extrajudicial, deve ser enfatizado, não serve apenas para compo-
sições envolvendo empregados cujos contratos foram encerrados.
SSergiSeSergiSeSergio 365
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Mas se o caso for este, a disciplina do artigo 855-C certamente es-


timulará o empregador a proceder, simultaneamente, com a homo-
logação do termo de resilição contratual ou, ao menos, proceder ao
depósito do valor dos títulos decorrentes da terminação contratual
como forma de evitar a incidência da sanção pecuniária prevista
no §8º do artigo 477. (SILVA, 2017, p. 167).

É no artigo -855D, no entanto, que apresenta a essência do rito


especial do processo de homologação de acordo extrajudicial:

No prazo de quinze dias a contar da distribuição da petição, o


juiz analisará o acordo, designará audiência se entender necessário
e proferirá sentença.

O procedimento, de simplicidade aparente mas que pode se de-


senvolver com alguma complexidade dependendo das peculiarida-
des do caso, estabelece o seguinte protocolo a ser cumprido dentro
do prazo (exíguo) de apenas 15 dias:
Distribuída a petição, que deverá conter no seu corpo ou em
anexo o instrumento do acordo cuja homologação é pretendida,
o magistrado exerce um juízo de admissibilidade sobre a ação e,
sendo admitida, em seguida procede a um exame acerca do teor
do pacto extrajudicial;
analisado o instrumento, o magistrado passa a ter três opções:
a) pode proferir sentença indeferindo o pedido de homologação,
caso que entenda que haja motivo para a rejeição, devendo fun-
damentar de modo claro e preciso a sua decisão; b) pode pro-
ferir sentença homologando o acordo, caso entenda que todos
os requisitos de validade do negócio jurídico foram atendidos;
e c) pode designar audiência de justificação e eventual instru-
ção, caso entenda necessária diligências de tal natureza para
melhor esclarecer a matéria objeto do acordo, e, em seguida,
proferir uma sentença nos moldes de uma das letras anteriores.

Rito processual em princípio simples, mas que pode se tornar


complexo, dependendo do caso.

Apenas 15 dias para cumprir todas as etapas? Na prática será

SSergiSeSergiSeSergio 366
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

muito, muito difícil atender à postura otimista do legislador quan-


do à celeridade do protocolo judicial.

Durante o curso do processo de jurisdição voluntária, o juiz do


trabalho deve sempre proceder com cautela, ponderação e dinami-
cidade.

Cautela para prevenir qualquer tentativa de fraude. Deve o ma-


gistrado examinar cuidadosamente a petição conjunta e, se enten-
der adequado, convocar os interessados para uma audiência para
prestar esclarecimentos. Incumbe ao juiz fiscalizar a regularidade
da peça vestibular e do próprio acordo, com o objetivo de não dei-
xar passar incólume qualquer defeito ou vício de vontade.

Ponderação no sentido de atuar com o objetivo de, com sensi-


bilidade e dentro de limites de razoabilidade, conduzir os interes-
sados na missão de alcançar a finalidade proposta pelo legislador e
permitir a homologação de um acordo celebrado extrajudicialmen-
te. Sem exageros formalistas e com bom senso.

E dinamicidade no sentido de agir de forma pró-ativa, inclusi-


ve em cooperação com os interessados, de modo a suprir eventual
empecilho que esteja impedindo o prosseguimento do processo,
seja o obstáculo um simples defeito sanável na petição conjunto,
seja o problema a necessidade de readequar os termos do acordo a
limites legais. O magistrado deve auxiliar os interessados para que
o objetivo comum dos mesmos seja alcançado.

A atuação do juiz no processo de jurisdição voluntária, assim,


não é de natureza meramente certificante. Há uma atuação ativa
do magistrado tanto no exame do objeto do processo (o acordo ju-
dicial), para aferir a presença e validade dos elementos constitu-
tivos e a ausência de defeitos aptos a comprometer a validade do
respectivo negócio jurídico, como também para ajudar as partes
a proceder ao desenvolvimento regular da respectiva relação pro-

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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

cessual de modo a viabilizar a entrega da prestação jurisdicional


almejado por ambos os interessados.

O receio daqueles que visualizam essa nova fórmula de juris-


dição voluntária como uma via expressa para a fraude, assim, deve
ser superado pela constatação do papel que o juiz do trabalho exer-
cerá durante toda a tramitação da respectiva demanda necessária,
executando simultaneamente atos de fiscalização e de integração,
como é próprio de uma função jurisdicional tão relevante.

Em obra sobre a Lei nº 13.467 de 2017, os autores Antônio Um-


berto de Souza, Fabiano Coelho de Souza, Ney Maranhão e Platon
Teixeira de Azevedo Neto enfatizam exatamente a importância de
tal papel do juiz do trabalho:

Seja sobre o objeto, seja sobre a forma e seja sobre os sujeitos


envolvidos, cabe ao juiz, independentemente de qualquer provoca-
ção, avaliar a juricidade e eticidade do pedido que lhe é dirigido.
(SOUZA JÚNIOR et al, 2017, p. 441).

Efetivamente, o juiz do trabalho não estará obrigado a homo-


logar o acordo extrajudicial a ele submetido (CLT, art. 855-E, pará-
grafo único). Cumprirá verificar as circunstâncias do negócio jurí-
dico entabulado e, em especial, ter certeza da ausência de qualquer
vício de vontade na manifestação dos transatores – em especial da
pessoa mais frágil naquele instante. Afinal, se a fragilidade é um
dado sociológico inerente à generalidade dos empregados, ela esta-
rá sensivelmente agravada no momento imediatamente à dispensa,
pois a incerteza do futuro, o medo do ócio involuntário e as neces-
sidades materiais prementes podem formar um campo fértil para
a prática de abusos patronais, com ofertas de quitação rescisória
que sejam ruinosas para o trabalhador. A presença do estado de
perigo, da lesão, da coação ou até mesmo da simulação (viabilizada
por qualquer dos vícios anteriores) deve ser afastada no exame do
pedido de homologação.(SOUZA JÚNIOR et al, 2017, p. 448).
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Incumbirá ao juiz do trabalho, em cada caso, exercer as múl-


tiplas atribuições desse novo papel no âmbito da jurisdição volun-
tária. Se entender que há algum vício formal ou material insupe-
rável, deverá indeferir o pedido de homologação, proferindo uma
sentença de improcedência e, se evidenciado nos autos, aplicar as
sanções próprias da litigância de má-fé agora constantes da legis-
lação processual trabalhista, em face à inserção na Consolidação
das Leis do Trabalho dos artigos 793-A, 793-B e 793-C pela Lei nº
13.467 de 2017.

Será possível homologar apenas parte do acordo?

Em princípio sim ... mas dentro de determinados parâme-


tros de razoabilidade. O magistrado pode, assim, não homologar
uma parte do acordo que envolva alguma ilicitude (uma cláusula
dispensando o empregador de anotar a CTPS do empregado, por
exemplo) ou que dar quitação de um contrato de dez anos de vigên-
cia mediante o pagamento de uma quantia evidentemente despro-
porcional ... mas não será razoável, por outro lado, o juiz homolo-
gar apenas as cláusulas do acordo que favorecem uma das partes e
negar a homologação das cláusulas que favorecem a outra, quando
é óbvio que as partes fizeram concessões recíprocas para chegar a
um denominador comum ...

Na medida do possível deve o juiz do trabalho buscar o diálogo


com e entre as partes para promover um acerto dentro dos limites
da licitude que permitirá a obtenção da desejada homologação ju-
dicial.

De qualquer modo, o magistrado deverá sempre fundamentar


a sentença, expondo os motivos que o levaram a deferir ou indefe-
rir o pedido de homologação, inclusive observando as exigências do
§1º o artigo 489 do CPC de 2015.

E, caso haja indeferimento total ou parcial do pedido de homo-

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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

logação, caberá recurso ordinário de tal decisão, a ser interposto


por qualquer das partes interessadas.

Em ocorrendo a homologação do acordo conforme postulado


na petição que deu início ao processo de jurisdição voluntária, so-
mente caberá recurso em uma única hipótese: apelo do Instituto
Nacional de Seguridade Social, à semelhança do previsto no artigo
831, parágrafo único da CLT, para o termo de conciliação judicial,
uma vez que a autarquia previdenciária poderá constatar, após ser
devidamente intimada da sentença homologatória da quitação de
créditos de natureza indenizatória, a existência de irregularidades
envolvendo recolhimentos previdenciários.

O último artigo do Capítulo III-A, por fim, se limita a tratar


dos efeitos do processo de homologação de acordo extrajudicial
sobre a prescrição, estabelecendo eu haverá a suspensão do prazo
prescricional quanto aos direitos discriminados no negócio jurí-
dico, retornando o seu fluxo normal no dia útil subsequente ao do
trânsito em julgado da sentença que negou a pretensão homologa-
tória.

Art. 855-E. A petição de homologação de acordo extrajudicial


suspende o prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela
especificados.

Parágrafo único. O prazo prescricional voltará a fluir no dia


útil seguinte ao do trânsito em julgado da decisão que negar a ho-
mologação do acordo.

O parágrafo único igualmente destaca, merece ser destacado,


que após o exaurimento do prazo recursal haverá o trânsito em
julgado da sentença. O efeito da res iudicata certamente será al-
mejado por ambos os interessados na homologação, uma vez que
estabelece a imutabilidade da decisão homologatória, que então so-
mente poderá ser desconstituída em outro processo judicial, agora

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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

de jurisdição contenciosa.

E a via processual adequada será uma ação anulatória ou uma


ação rescisória?

Antônio Umberto de Souza, Fabiano Coelho de Souza, Ney


Maranhão e Platon Teixeira de Azevedo Neto (SOUZA et al, 2017,
p. 450), defendem que o artigo 966, §4º, do Código de Processo
Civil de 2015 teria superado o entendimento sedimentado na Sú-
mula nº 259 do Tribunal Superior do Trabalho, e, assim, defendem
que a ação anulatória seria o instrumento a utilizar para impugnar
uma sentença homologatória do acordo extrajudicial. Entretanto,
os mesmos autores defendem que será a ação rescisória o remédio
processual a ser utilizado para hostilizar sentença que tenha inde-
ferido o pedido de homologação.

O caminho mais em sintonia com as peculiaridades, antigas


e novas, do modelo processual trabalhista, entretanto, conduzem
à ideia de que a ação rescisória se revela mais adequada para pos-
tular a invalidação da sentença proferida em sede de processo de
jurisdição voluntária de homologação de acordo extrajudicial na
Justiça do Trabalho.

Já no segundo ano de vigência do Código de Processo Civil de


2015, o Tribunal Superior do Trabalho ainda mantém intacto texto
da sua Súmula 259, que consagra a ação rescisória como o meio de
impugnação do termo de conciliação judicial, ressalvada a hipóte-
se de recurso ordinário interposto pela Fazenda Pública quanto a
questões previdenciárias.

O texto do parágrafo único do artigo 855-E, por sua vez, ao


enfatizar que ocorre o “trânsito em julgado da decisão que negar
a homologação do acordo”, deixa em clarividência a existência da
espécie de coisa julgada material típica da pretensão rescindenda
da ação rescisória.

SSergiSeSergiSeSergio 371
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

E admitir duas vias distintas para a impugnação da sentença,


dependendo do deferimento ou não do pedido de homologação, se-
ria seguir por um caminho processual tortuoso e confuso para as
partes ... e isso sem considerar que, em tese, na hipótese de uma
possível uma sentença que deferisse em parte o pedido de homolo-
gação, um capítulo seria impugnável pela via da rescisória e outro
capítulo teria que ser hostilizado por meio de uma ação anulatória.

Mas simples e adequado ao modelo processual do trabalho, as-


sim, concentrar na via ação rescisória o caminho para impugnar a
sentença oriunda do processo de jurisdição voluntária envolvendo
a homologação de acordo extrajudicial, seja qual for o teor do res-
pectivo julgado.

Ao menos no atual estágio de evolução do processo trabalhista.

O processo de jurisdição voluntária de homologação de acordo


extrajudicial é, indiscutivelmente, uma fórmula inovadora diante
de grandes expectativas.

Como o respectivo processo permite a obtenção dos efeitos


da coisa julgada mediante a homologação por sentença do acordo,
haverá um natural estímulo àqueles que não desejam passar pelo
tormento de um processo contencioso mais longo.

Mas funcionará? Haverá harmonia entre juízes e interessados


em obter a chancela judicial? Serão parceiros ou adversários?

Dependerá de dois fatores subjetivos de grande relevância ...


Um alto padrão ético das partes interessadas (e de seus respectivos
advogados), que assim podem se tornar importantes aliados dos
juízes do trabalho. E a receptividade destes últimos à respectiva
via alternativa à jurisdição contenciosa.

Se os magistrados trabalhistas compreenderem o seu papel


definidor na reconquista da legitimidade de sua atuação perante

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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

toda a sociedade, hoje abalada pela incapacidade de enfrentar um


volume colossal de demandas litigiosas ... aí sim a Justiça do Tra-
balho estará fortalecida para enfrentar qualquer ameaça ... e com a
resiliência capaz de superar qualquer adversidade.

6 Primeiras Conclusões
Por meio da Lei nº 13.467 de 2017, o legislador introduziu no
modelo processual trabalhista uma nova fórmula jurisdicional não
contenciosa, consubtanciada em um processo de jurisdição volun-
tária para homologação de acordos extrajudiciais.

Incluindo tal atribuição dentro da competência dos órgãos de


primeiro grau da Justiça do Trabalho mediante a inclusão da nova
alínea “f” do artigo 652 da Consolidação das Leis do Trabalho, e
disciplinando o respectivo rito processual nos novos artigos 855-B
a 855-E do mesmo diploma, a chamada Lei da Reforma Trabalhista
ampliou a dimensão da atuação jurisdicional dos juízes do traba-
lho.

Essas inovações legislativas trazidas pela Lei nº 13.467 de 2017


podem contribuir para o fortalecimento do Judiciário Trabalhista.

É inegável a existência de uma forte resistência às vias


alternativas à jurisdição contenciosa da Justiça do Trabalho, como
o processo judicial para homologação de acordos extrajudiciais.

Para o funcionamento adequado da nova fórmula alternativa,


o mais importante é a exigência de um alto padrão ético por parte
de todos os sujeitos participantes dessa técnica.

A introdução do processo de jurisdição voluntária de homolo-


gação de acordo extrajudicial certamente dará um impulso à me-
diação de conflitos individuais trabalhistas. E com uma vantagem
sobre a disciplina envolvendo outras vias alternativas como a arbi-
tragem privada: ao condicionar a formação da coisa julgada mate-
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

rial à homologação pelo juiz do trabalho, instituiu um mecanismo


de controle sobre o negócio jurídico e seus sujeitos.

Com um procedimento em princípio bastante simples, o pro-


cedimento de homologação é iniciado com a exigência de instau-
ração por uma petição conjunta, mas a representação judicial de
cada parte terá que ser por advogado próprio. Em seguida, são
desenvolvidas uma fase de admissibilidade da pretensão e outra
de análise do acordo com a possibilidade de ser designada sessão
de audiência para fins de esclarecimentos de eventuais dúvidas do
magistrado, finalizando com uma etapa decisória na qual o juiz
sentenciará definindo se homologará ou não o acordo, com o dever
de fundamentar adequadamente essa decisão. A sentença, por fim,
poderá ser desafiada por meio de recurso ordinário por qualquer
das partes se não ocorrer a homologação ou se esta for parcial, e,
excepcionalmente, poderá ser hostilizada pelo INSS em caso afeto
às contribuições previdenciárias. Uma vez transitada em julgada, a
sentença formará a coisa julgada almejada pelas partes como for-
ma de garantia de segurança jurídica quanto aos termos do acordo
homologado, sendo desafiada apenas por meio de ação rescisória.

Nova técnica, novo procedimento processual. E talvez uma re-


alidade diferente para a Justiça do Trabalho na sua árdua missão
de solucionar um número verdadeiramente impressionante de con-
flitos trabalhistas.

Como será a solução de conflitos individuais trabalhistas com


essas inovações trazidas pela Lei 13.467 de 2017?

Difícil afirmar com precisão, mas uma certeza existe: o suces-


so dessa fórmula alternativa à jurisdição contenciosa da Justiça do
Trabalho está diretamente vinculada ao grau de consciência que os
protagonistas terão de seus respectivos papéis nesse quadro insti-
tucional contemporâneo.

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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

O juiz do trabalho, acima de tudo, terá que ser perspicaz e as-


tuto, compreendendo o momento delicado pelo qual passa a Justiça
do Trabalho em virtude da ameaça à sua legitimidade institucional
diante da sociedade.

Compreender o processo de jurisdição voluntária para homo-


logação de acordos extrajudiciais como uma fórmula que pode efe-
tivamente auxiliar o Judiciário Trabalhista na sua missão de solu-
cionar conflitos trabalhistas, sempre dentro da linha de um alto
padrão ético e da atuação em boa-fé, representará um ganho e não
uma perda para todos que compõem a Justiça do Trabalho.

São esses os caminhos a seguir.

7 Referências
BERMUDES, Sergio. Introdução ao Processo Civil. 2ª edição. Rio de Janei-
ro: Forense, 1996.
CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 3ª edição.
São Paulo: Atlas, 2017.
CARNEIRO, Athos Gusmão Carneiro. Jurisdição e Competência. 8ª edição.
São Paulo: Saraiva
CASSAR, Vólia Bomfim e BORGES, Leonardo Dias. Comentários à Refor-
ma Trabalhista. São Paulo: Método, 2017.
CHIOVENDA, Giussepe. Instituições de Direito Processual Civil. Volume
II. 1ª edição (tradução do original italiano). Campinas: Bookseller, 1998.
DALAZEN, João Oreste. Competência Material Trabalhista. São Paulo:
LTr, 1994.
DIDER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Volume 1. 17ª
edição. Salvador: JusPodium. 2015.
GRECO, Leonardo. Jurisdição Voluntária Moderna. São Paulo: Dialética,
2003.
SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à Reforma Trabalhista:
análise da Lei 13.467/2017 – artigo por artigo. Sâo Paulo: Revista dos Tri-
bunais, 2017.
SOUZA JÚNIOR, Antônio Umberto de; SOUZA, Fabiano Coelho de; MA-
RANHÃO, Ney; e AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. A Reforma Tra-
balhista: análise comparativa e crítica da Lei nº 13.467/2017. São Paulo:
Rideel, 2017.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volu-
me I. 58ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
ZANETI JÚNIOR, Hermes e CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Justiça Mul-

SSergiSeSergiSeSergio 375
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
tiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução
adequada para conflitos. Salvador: JusPodium. 2017.

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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

O CPC/2015 e o rompimento do rigor da doutrina


de L iebman sob a perspectiva da legitimidade e
do interesse de agir
Victor Rizzo Carneiro da Cunha1

A eliminação da categoria “condições da ação” do Código de Processo


Civil de 2015 rompe definitivamente com o rigor da doutrina de Lieb-
man. Com o Código de Processo Civil de 2015 foram eliminados alguns
entraves criados até então pela adoção da teoria do doutrinador italia-
no para apreciação do mérito dos processos. É sobre esse tema que o
presente trabalho se centra.
Palavras-chave: condições da ação – Liebman – teoria da asserção –
CPC/2015
Sumário: 1. Introduçãp; 2. Breves considerações sobre a influência da
teoria da ação de Liebman no CPC/1973; 4. Interesse de agir; 5. Con-
siderações finais; 6. Referências.

1 Introdução
Este trabalho tem por escopo apresentar a influência da Teoria de
Liebman no CPC de 1973, que previa as condições da ação, sendo abor-
dados ainda os efeitos da retirada dessa categoria do CPC/2015, especial-
mente do ponto de vista da aplicação da Teoria da Asserção no exame dos
atuais pressupostos processuais (antigas condições da ação), legitimidade
para agir e interesse de agir. Para atingir tal intento, primeiramente se
expõe a Teoria da Ação do doutrinador italiano, sua previsão no CPC 1973,
como tais condições foram previstas no CPC/2015 e a sua visível ruptura.
Posteriormente, examina-se a legitimidade para agir e o interesse proces-
sual de acordo com o ordenamento. Desta forma, sem qualquer pretensão
de esgotar o tema, busca-se à guisa de conclusão, ainda que sem deline-
ar com precisão os desdobramentos, vislumbrar possíveis consequências
dessa alteração legislativa, impressa no CPC de 2015.

1  Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas Barros Melo. Pós-graduando


em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco. Advogado
da União.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

2 Breves considerações sobre a influência da Teoria


da Ação de Liebman no CPC/1973
As diversas Teorias da Ação que surgiram ao longo da história so-
freram a influência das características do ordenamento jurídico, bem
como dos valores do Estado e da cultura em que foram concebidas. A teo-
ria apresentada por Enrico Tullio Liebman na Universidade de Turim em
1949 define ação como direito ao processo e a um julgamento de mérito,
sendo satisfeita com uma sentença favorável ou desfavorável ao autor. To-
davia, o doutrinador defendeu que, para a existência da ação, é necessária
a presença das suas condições, quais sejam: legitimidade de agir, interesse
de agir e possibilidade jurídica do pedido, sendo esta última abolida pos-
teriormente e deslocada para o interesse de agir.23

Liebman apresentou uma posição intermediária entre os doutrina-


dores que defenderam que a ação depende da obtenção de uma senten-
ça favorável e aqueles que sustentaram que a ação é um direito de agir
completamente abstrato. Para o autor italiano, as condições da ação são
requisitos da sua existência. Quando não se faz presentes há carência da
ação. Assim, segundo ele, somente haverá direito a uma decisão de mérito
(favorável ou desfavorável) quando se fizerem presentes tais condições.4

O CPC de 1973 foi marcado pela doutrina de Liebman, conforme se


infere do seu art. 267, IV, que autorizava a extinção do processo sem reso-
lução de mérito quando ausente qualquer das condições da ação, como a
possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual.
A carência de ação era mencionada no art. 301, inciso X, como matéria de
defesa do réu.

Diversas críticas se faziam à categoria adotada. A principal objeção

2  Na 3ª edição do seu Manual de Processo Civil, o autor passou a abordar a im��


-
possibilidade jurídica do pedido como parte do interesse de agir.
3  MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Curso de Processo Civil: Teoria do Pro-
cesso Civil, 2017, p. 149.
4  MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Curso de Processo Civil: Teoria do Proces-
so Civil, 2017, p.155/156.
VVictoViVictViVictor VViViVict 378
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

citada por Didier5 dizia respeito à existência de apenas dois juízos que
eram feitos pelo órgão jurisdicional (juízo de admissibilidade e juízo de
mérito), não havendo sentido em se criar uma terceira espécie de questão.

No CPC atual a categoria “condições da ação” foi eliminada. A legiti-


midade e o interesse de agir passaram a ser tratados como pressupostos
processuais, nos termos do art. 17, de tal forma que, constatando a ausên-
cia da legitimidade ou interesse, o juiz deverá indeferir a inicial, consoante
o art. 330, II e III. Caso a verificação seja posterior à fase inicial, o art. 485,
VI, do CPC/2015 autoriza a extinção do processo sem resolução do mérito.
Por sua vez, a possibilidade jurídica do pedido passou a integrar questão
de mérito, como há muito defendido pela doutrina, inclusive, como visto,
pelo próprio Liebman.

De fato, se o pedido é juridicamente impossível, na verdade, o que se


tem é que ele não encontra respaldo no ordenamento jurídico, enfrenta-
mento que encerra questão de mérito, motivo pelo qual a questão deve ser
apreciada e a demanda julgada improcedente.

Com isso, o órgão julgador continua examinando o que se denomi-


nava “condições da ação”, mas agora como pressupostos processuais ou
como questões de mérito.

A nosso ver, a eliminação tem como uma das suas consequências a


flexibilização da adoção da teoria de Liebman, tão marcante e ao mes-
mo tempo criticada em nosso país. Conforme aponta Marinoni6, segundo
Liebman, as condições da ação não poderiam ser examinadas com base
na afirmação do autor, cabendo inclusive instrução probatória para sua
verificação. Tal rigor estimulava a extinção do processo sem resolução do
mérito, postura completamente desestimulada pelo ordenamento.

Nem sempre a ausência de legitimidade e interesse conduzem à ex-


tinção do processo sem resolução do mérito, pois a análise de tais ques-
5  JR. DIDIER FREDIE. Curso de direito processual civil, 2017, p.345.
6  MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Curso de Processo Civil: Teoria do Proces-
so Civil, 2017, p.161.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

tões deve ser feita à luz das afirmações do demandante contidas na peti-
ção inicial, aplicando-se a Teoria da Asserção.

Na lição de Câmara: “Deve o juiz raciocinar, admitindo, provisoria-


mente, e por hipótese, que todas as afirmações do autor são verdadeiras,
para que se possa verificar se estão presentes as condições da ação”.7

Destarte, a verificação dos requisitos processuais dispensaria a dila-


ção probatória. Não há necessidade de provar legitimidade ou interesse.
Essa verificação deve ser feita conforme a afirmação do autor.

Adiante, examina-se a legitimidade e o interesse à luz do CPC/2015.

3 Legitimidade para agir


O princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição não ga-
rante a qualquer pessoa discutir em juízo qualquer caso. Conforme a clás-
sica lição de Buzaid8, a legitimidade ad causam “é a pertinência subjetiva
da ação”. Para demandar (legitimidade ativa) e ser demandado (legitimi-
dade passiva) em juízo, portanto, é necessária a presença de vínculo entre
os sujeitos da demanda e a situação jurídica afirmada.

A principal classificação deste pressuposto processual leva em conta


a relação entre o legitimado e o objeto litigioso do processo. Há legitimida-
de ordinária quando se discute em juízo direito próprio em nome próprio,
o que corresponde à maioria das demandas. Já a legitimidade extraordi-
nária (ou substituição processual) ocorre quando se discute direito alheio
em nome próprio. Assim, na legitimação extraordinária não se verifica
identidade entre as partes da demanda e as partes do litígio.9

Segundo o CPC/2015 (art. 18), “ninguém poderá pleitear direito alheio


em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico”.

7  CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, 2002, v. 1, p.


127.
8  BUZAID, Alfredo. Agravo de petição no sistema do Código de Processo Cívil,
1956, p. 388.
9  JR. DIDIER FREDIE. Curso de direito processual civil, 2017, p.345.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Assim, embora a legitimidade extraordinária continue sendo excepcional,


é evidente que a sua autorização com base no “ordenamento jurídico” (ao
invés do termo “lei” utilizado pelo código anterior) restou mais ampla.

Um exemplo de legitimação extraordinária é a atuação dos sindicatos


na defesa dos interesses da categoria que representam, nos termos do art.
8º, inciso III, da Constituição Federal, tendo o Supremo Tribunal Fede-
ral decidido no Recurso Extraordinário (RE) 883642 que tal legitimidade
abrange, inclusive, as execuções e liquidações de sentença, independente-
mente da autorização dos substituídos.

O substituto processual atua na condição de parte, e não de represen-


tante, motivo pelo qual fica submetido ao regime jurídico de parte. Embo-
ra os efeitos da decisão judicial repercutam diretamente na esfera jurídica
do substituído, o substituto está sujeito ao ônus da sucumbência (custas
e honorários advocatícios), bem como às sanções processuais, tal como a
multa pela litigância de má fé.10

Feitas tais considerações, é necessário perquirir se a ausência de le-


gitimidade sempre deve levar à extinção do processo sem resolução de
mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC. Entende-se que não, pois a
falta de legitimidade ordinária se confunde com a ausência de titularidade
do direito discutido, hipótese de improcedência do pedido, nos termos do
art. 487, inciso I.11

Veja-se que nos casos de legitimidade ordinária a parte afirma ser ti-
tular da situação jurídica litigiosa. Se a afirmação é improcedente, o juízo
declarará que a situação jurídica litigiosa não lhe pertence, hipótese na
qual examinará o mérito da causa, devendo julgar improcedente o pedido
formulado, nos termos do art. 487, I, do CPC.

Um exemplo torna a questão mais fácil de visualizar. Suponha-se que


X, afirmando ser proprietário de determinado imóvel, ajuíza ação reivin-

10  JR. DIDIER FREDIE. Curso de direito processual civil, 2017, p.392.
11  JR. DIDIER FREDIE. Curso de direito processual civil, 2017, p.400/402.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

dicatória contra Y. Suponha-se ainda que o juízo verifique que X não é o


proprietário do imóvel. Neste caso, deve o juízo julgar improcedente o pe-
dido, resolvendo o mérito da causa, por ausência de titularidade do direito
à proteção da propriedade.

É nesse sentido que Fredie Didier12 afirma que:


“Se a parte não for titular da situação jurídica litigiosa, a decisão é
necessariamente de mérito: o órgão jurisdicional examina o mérito
da causa (situação jurídica litigiosa), para reconhecer que a parte
não titulariza a posição jurídica afirmada (a posição de credor ou
possuidor, por exemplo).”

Marinoni13destaca a ausência completa de “lógica e utilidade” na pro-


lação de uma sentença sem resolução do mérito quando o juízo pode re-
conhecer que o autor não é titular do direito material (legitimidade para
a causa). Com efeito, com o CPC/2015 primando em seu art. 4º, expres-
samente, pela resolução do mérito, não há mais razão para simplesmente
deixar de resolver o mérito da causa nos casos em que se verifica que o
autor não é titular do direito material.

Espera-se, nesta senda, uma modificação gradual do entendimento


majoritário da doutrina brasileira no sentido de seguir as lições tradicio-
nais de Liebman, que tenta separar o exame da legitimidade ativa do exa-
me do mérito da causa.

A situação muda em caso de legitimação extraordinária, na qual a


parte afirma situação litigiosa pertencente a outro sujeito. Se a afirma-
ção for procedente, a parte autora será reconhecida como legitimada para
conduzir o processo. Se a afirmação for improcedente, o juízo declarará
que a parte não tem autorização para condução do processo. Note-se que
a situação litigiosa nesta hipótese não foi apreciada, não havendo exame
de mérito.

Assim, via de regra, a extinção do processo sem resolução do mérito

12  Idem, ibidem.


13  MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Curso de Processo Civil, 2017, p.162.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

por ausência de legitimidade prevista no art. 485, VI, do CPC/2015, é apli-


cável nos casos de ausência de legitimidade extraordinária14, pois, como
visto, a ausência de legitimidade ordinária é caso de improcedência do
pedido, na forma do art. 487, I, do CPC.15

4 Interesse de agir
O interesse de agir deve ser analisado pela perspectiva da necessida-
de e da utilidade do provimento jurisdicional, sendo certo que ambas as
perspectivas devem ser analisadas à luz do caso concreto.

Há utilidade quando o processo tiver a aptidão de trazer ao deman-


dante algum proveito. A tutela jurisdicional será útil quando “por sua na-
tureza, verdadeiramente se revele - sempre em tese - apta a tutelar, de
maneira tão completa quanto possível, a situação jurídica do requerente”.16

Assim, não há interesse, por exemplo, quando o réu cumpre a obriga-


ção pleiteada antes da citação, o que tipicamente é conhecido como “per-
da do objeto” da demanda, diferentemente do cumprimento da obrigação
após a citação, situação que revela o reconhecimento da procedência do
pedido. 17

No mesmo sentido, não há utilidade na execução quando, devido ao


ínfimo valor do crédito, este é absorvido pelas custas do processo de exe-
cução, nos termos do art. 836 do CPC.

Outro exemplo é o do ferroviário que pleiteia complementação de


aposentadoria em face da União, nos termos da Lei nº 8.186/91, mas per-
manece no serviço ativo. Se estiver no serviço ativo, logicamente não há
aposentadoria a ser complementada. Muito embora, nesses casos, enten-

14  Não obstante isso, parcela da doutrina já defende que em homenagem ao


princípio da primazia da resolução do mérito consagrado pelo novo CPC, deve o
juízo, sempre que possível, ao invés de extinguir o processo sem resolução do
mérito, tentar realizar a sucessão processual, trocando-se o sujeito pelo legitimado
ordinário ou extraordinário.
15  JR. DIDIER FREDIE. Curso de direito processual civil, 2017, p.402.
16  MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ação declaratória e interesse, 1971, p. 17.
17  JR. DIDIER FREDIE. Curso de direito processual civil, 2017, p.405.
VVictoViVictViVictor VViViVict 383
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

demos que a demanda deve ser julgada improcedente, pois, em verdade, o


Juízo estaria apreciando o mérito.

Nesta senda, leciona Didier que nas ações condenatórias a configura-


ção do interesse deve ser examinada com base na afirmação do autor, pois
a verificação da existência ou não da lesão é questão de mérito.18

Há necessidade da jurisdição quando inexistir meios para satisfação


voluntária da obrigação. Parte-se da premissa que a intervenção do poder
judiciário deve ser a última forma de solução da controvérsia.

Por exemplo, no julgamento do RE nº 631.240, em 27/08/2014, o Su-


premo Tribunal Federal decidiu pela necessidade de prévio requerimento
administrativo antes de o segurado recorrer à justiça para a concessão de
benefício previdenciário, pois sem o prévio requerimento não há interesse
de agir:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL.
PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE
EM AGIR. 1. A instituição de condições para o regular exercício do
direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição.
Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver
necessidade de ir a juízo. 2. A concessão de benefícios previdenci-
ários depende de requerimento do interessado, não se caracteri-
zando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indefe-
rimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise.
É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento
não se confunde com o exaurimento das vias administrativas. 3. A
exigência de prévio requerimento administrativo não deve preva-
lecer quando o entendimento da Administração for notória e reite-
radamente contrário à postulação do segurado. 4. Na hipótese de
pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefí-
cio anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o de-
ver legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido
poderá ser formulado diretamente em juízo – salvo se depender da
análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da
Administração –, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS
já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão. 5.
Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria,

18  JR. DIDIER FREDIE. Curso de direito processual civil, 2017, p.407.
VVictoViVictViVictor VViViVict 384
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
inclusive no Supremo Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma
fórmula de transição para lidar com as ações em curso, nos termos
a seguir expostos. 6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do
presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha havido prévio
requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será
observado o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito
de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo
não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha
apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse
em agir pela resistência à pretensão; (iii) as demais ações que não
se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se
a sistemática a seguir. 7. Nas ações sobrestadas, o autor será inti-
mado a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena
de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa,
o INSS será intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90
dias, prazo dentro do qual a Autarquia deverá colher todas as pro-
vas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for
acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito anali-
sado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-
-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e
o feito deverá prosseguir. 8. Em todos os casos acima – itens (i), (ii)
e (iii) –, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão
levar em conta a data do início da ação como data de entrada do re-
querimento, para todos os efeitos legais. 9. Recurso extraordinário
a que se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido
para determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual
deverá intimar a autora – que alega ser trabalhadora rural infor-
mal – a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena
de extinção. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será
intimado para que, em 90 dias, colha as provas necessárias e pro-
fira decisão administrativa, considerando como data de entrada do
requerimento a data do início da ação, para todos os efeitos legais.
O resultado será comunicado ao juiz, que apreciará a subsistência
ou não do interesse em agir.”

Neste sentido, via de regra, a ausência de interesse de agir, verificada


inicialmente, levará à extinção do processo sem resolução de mérito, nos
termos do art. 485, VI, do CPC/2015. Não obstante, conforme visto, en-
tendemos que o seu exame deve ser feito com base nas afirmações do au-
tor, no início do procedimento, pois a correspondência entre a afirmação
do autor e a realidade é questão de mérito.

VVictoViVictViVictor VViViVict 385


Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Assim, por exemplo, não há lógica na prolação de uma sentença sem


resolução de mérito ao final do processo, quando o juiz reconhecer que o
autor não pode exigir o pagamento de uma dívida por ela estar vencida
ou, no exemplo dado anteriormente, quando o ferroviário que pleiteia a
complementação de sua aposentadoria ainda não estiver aposentado.19

5 Considerações finais
Ao eliminar a legitimidade e interesse como condições da ação, o
CPC/2015 reforça a ideia de que o exame de tais pressupostos deve ser
feito com base nas afirmações do autor.

Nos casos de ausência de legitimidade ordinária, o juízo declarará


que o autor não é titular da situação jurídica litigiosa, hipótese na qual
examinará o mérito da causa, devendo julgar improcedente o pedido for-
mulado, nos termos do art. 487, I, do CPC. A situação muda em caso de
legitimação extraordinária, hipótese na qual o juízo declarará que a parte
não tem autorização para condução do processo, devendo extingui-lo sem
resolução do mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC/2015.

Por outro lado, quando verificada a ausência de interesse de agir nas


ações condenatórias, por vezes restará constatada a ausência da lesão,
motivo pelo qual deve haver uma sentença de improcedência, e não a ex-
tinção sem resolução do mérito.

Não há sentido, sobretudo com o CPC/2015, em admitir a extinção


sem resolução do mérito, por exemplo, quando o juiz pode reconhecer que
o autor não é titular do direito pleiteado (legitimidade) ou que o autor não
pode exigir o pagamento de uma dívida por ela não estar vencida (inte-
resse).

Embora tais questões já fossem recorrentes na doutrina, entende-se


que o CPC/2015 deu uma espécie de gatilho para os juízes se pronuncia-
rem mais sobre o mérito, eliminando os entraves ainda remanescentes

19  MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Curso de Processo Civil, 2017, p.162.
VVictoViVictViVictor VViViVict 386
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

em decorrência da adoção da teoria de Liebman, que, diga-se de passa-


gem, foi de suma importância para o amadurecimento da teoria da ação
no direito brasileiro.

Assim, a eliminação da categoria “condições da ação”, bem como o


princípio da primazia da resolução do mérito, expostos no ordenamento,
rompem definitivamente com o rigor da doutrina de Liebman, tão enrai-
zada em nossa cultura jurídica, dando o gatilho para aplicação da Teoria
da Asserção, cujo desdobramento não é possível prever. Acredita-se, to-
davia, que a opção legislativa em referência, trazida pelo CPC de 2015,
ensejará a prolação de mais decisões de mérito em casos que tipicamente
se extinguia o processo sem a sua resolução.

6 Referências
BUZAID, Alfredo. Agravo de petição no sistema do Código de Processo Cívil. 2a
ed. São Paulo: Saraiva, 1956.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 8 ed. Rio de Ja-
neiro: Lumen Juris, 2002.
JR. DIDIER FREDIE. Curso de direito processual civil: introdução ao direito pro-
cessual civil, parte geral e processo de conhecimento. 19. ed. Salvador: Ed. Jus Po-
divm, 2017.
MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Curso de Processo Civil: Teoria do Processo
Civil. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ação declaratória e interesse. Direito processual
civil (ensaios e pareceres). Rio de Janeiro: Borsoi, 1971.

VVictoViVictViVictor VViViVict 387


Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Princípio da tutela jurisdicional efetiva : análise


contemporânea dos elementos para sua real
efetivação
Vitória Regina Mergulhão1

O presente artigo analisará, através da técnica de revisão de literatura,


o princípio da tutela jurisdicional efetiva, problematizando sua interpre-
tação e sua importância dentro do ordenamento processual. No tópico
segundo será analisada a tutela efetiva como direito fundamental, sua
presença no acesso à justiça. Nos tópicos seguintes, serão problemati-
zados os elementos necessários para que a tutela jurisdicional seja efe-
tivada. Analisar-se-á o elemento temporal no tópico terceiro, seguindo
para o tópico quarto onde será abordada a tutela adequada. No tópico
quinto a importância da tutela justa no processo e por fim o resultado
útil da tutela, desta forma esperando-se que os tópicos tenham um di-
álogo em si, para que possa ser observada a importância da aplicação
dos quatro elementos na tutela jurisdicional a fim de que ela possa ser
efetiva integralmente.
Palavras-chave: tutela jurisdicional – princípios – efetivação
Sumário: 1. Introdução; 2. A tutela jurisdicional efetiva como direito fun-
damental e breves considerações; 3. A tutela jurisdicional e seu fator
temporal; 4. A tutela adequada para a efetividade jurisdicional; 5. O
Processo Justo para a efetivação da tutela; 6. A tutela jurisdicional efeti-
va e seu aspecto útil; 7. Conclusão; 8. Referências.

1 Introdução
Os princípios são a base de todo o ordenamento, sendo eles indis-
pensáveis em qualquer ramo do direito; são o percurso a ser utilizado
para obter na aplicação das normas analisadas seu “estado de coisa ide-
al”2. Deles surgem um dos principais parâmetros para interpretação,
aplicação e criação do Direito. No saber de Cármem Lúcia Antunes Ro-
cha “no princípio repousa a essência de uma ordem, seus parâmetros
fundamentais e direcionadores do sistema normado”3.

1  Advogada. Bacharela em Direito pela ASCES-UNITA. Pós-graduanda em Pro-


cesso Civil Contemporâneo pela UFPE.
2  THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 2014,
p.24.
3  ROCHA, Cármem Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administra-
ção Pública, 1994, p. 21.
VVitóriViVitórViVitória 388
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Assim entende sobre a indispensabilidade dos princípios o doutri-


nador Jones Figueiredo Alves que:
“Diante da importância dos princípios, mormente tendo em vista
a colocação publicística do processo, o juiz os tenha sempre em
mente para deles se servindo, em cooperação com a índole dialé-
tica do processo, possibilite de fato a justa composição da lide.
Esta somente resultará possível da coerência de aplicação dos
princípios informadores do processo que hão de ser observados
para ensejar tal alcance”4.

Há uma grande diversidade de princípios, os quais diante das suas


peculiaridades e grande importância para o sistema jurídico, deman-
dam estudos individualizados, neste estudo será abordado o princípio
da tutela jurisdicional efetiva analisando as suas diversas faces, abor-
dando não só o seu aspecto temporal, mas analisando seu aspecto de
direito fundamental que garante não somente uma razoável duração
do processo, mas também o acesso à justiça, bem como as garantias da
tutela justa, adequada e útil, que são necessárias para que se tenha a
real efetividade da tutela jurisdicional.

Iniciamos o estudo abordando a efetividade5 da tutela jurisdi-


cional como direito fundamental previsto na constituição. Ademais,
abordamos algumas características necessárias sobre o direito de ação
e acesso à justiça, diferenciando tutela jurisdicional de pretensão ju-
risdicional a fim de facilitar o entendimento no decorrer do artigo. Fi-
nalizadas as considerações iniciais, começa-se a abordar os elementos
essenciais para a efetivação da tutela jurisdicional.

O objetivo aqui pretendido é abordar a tutela jurisdicional efetiva


além do seu aspecto temporal, entender que para uma real efetivação
faz-se necessário um conjunto de elementos indispensáveis, de modo

4  ALVES, Jones Figueirêdo. Da aplicação dos princípios processuais – uma pro-


posta de estudo. Recife, 1990, p. 14.
5  Em todo o texto serão repetidamente utilizadas as efetivo e efetividade, desta
forma, é primordial a compreensão do leitor do seu conceito jurídico. Efetividade,
refere-se à capacidade de atingir seu objetivo com qualidade, de forma satisfatória,
que seu direito seja efetivo, ou seja, executável.
VVitóriViVitórViVitória 389
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

que a tutela jurisdicional, para ser realmente efetiva, precisa ser mais
que célere, além de ser justa, útil e adequada, não podendo afastar-se
da presença cumulativa desses elementos.

2 A tutela jurisdicional efetiva como direito funda-


mental e breves considerações
O Processo Civil possui princípios constitucionais que auxiliam no
desenvolvimento processual eficaz, previstos especialmente no artigo
5º da Constituição Federal, sendo dessa forma garantidores de direitos
fundamentais e possuidores de eficácia plena independente de normas
infraconstitucionais. Como forma de assegurar sua eficácia o Código
de Processo Civil de 2015, no artigo 1º, determina que “o processo ci-
vil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as
normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Fe-
derativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.

As indecisões abarcadas pelas situações de litígios acarretam di-


versos contextos desagradáveis para as partes que os compõem, sendo
a procrastinação da resolução do conflito traumática, além do provi-
mento jurisdicional final tardio. Na sociedade contemporânea, não é
suficiente a simples resolução da ação declarativa6; as pessoas anseiam
pela efetividade da tutela jurisdicional, hoje devidamente assegurada
pelo ordenamento brasileiro.

A tutela jurisdicional efetiva recepcionada pela Constituição Bra-


sileira de 1988 no artigo 5º, XXXV, o qual prevê que “a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, encontra
sua efetividade na esfera processual. Neste sentido ao se falar do direi-
to fundamental da tutela jurisdicional efetiva há uma necessidade de
fazer uma ligação com o direito de ação e o acesso à justiça, posto que
6  Se faz necessário explanar que quando nos referimos a ação declarativa, temos
o intuito de direcionar o leitor as ações que tem como proposito obter sentença que
apenas declare a existência de um determinado direito ou de um fato. E sua insufi-
ciência refere-se à necessidade de ter mais que o seu direito declarado, que o direito
arguido seja realmente efetivado.
VVitóriViVitórViVitória 390
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

através deles ela encontra sua efetividade.

O tema acesso à justiça ganhou força e disseminação mundial


diante da obra de Mauro Cappelleti e Bryan Garth, intitulada de “Aces-
so à Justiça”, a qual versa sobre as principais ondas do acesso à justiça.
Defendia os autores uma perspectiva diversa ao que se verificava no
período do Estado Liberal. O primeiro aspecto trabalhado por eles seria
o acesso ao judiciário pelo cidadão, as dificuldades por ele enfrentadas
na busca da prestação judicial. No segundo aspecto já fora trabalhada
a efetividade do acesso, que buscou estudar o desenvolvimento de uma
prestação jurisdicional justa por parte do Estado. Definida na obra,
para os autores o termo “acesso à Justiça” é:
“Reconhecidamente de difícil definição, mas serve para deter-
minar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema
pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resol-
ver seus litígios sob as auspícios do Estado. Primeiro, o sistema
dever ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produ-
zir resultados eu sejam individualmente e socialmente justos.”7

O direito ao acesso à justiça deve ser garantido de forma ampla,


não apenas o direito ao processo puro e simplesmente, mas um direito
que garante ao cidadão buscar uma tutela jurisdicional efetiva. Neste
contexto a Constituição assegura ao cidadão acesso a um sistema que
antes de tudo será justo.

Sendo este acesso garantido a todos, independentemente de pre-


tensões devidamente fundamentadas ou não, aqueles que realmente
fazem jus a uma tutela jurisdicional merecem a garantia não apenas ao
acesso à justiça, mas também a uma tutela jurisdicional efetiva, com
todos os seus pressupostos, os quais serão abordados no devido mo-
mento.

O direito de ação confere a todos a possibilidade de postular em


juízo tutela jurisdicional, seja ela de natureza preventiva ou reparatória,
podendo versar sobre qualquer direito. Esse direito vai além da garan-
7  CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça, 1988, p. 8.
VVitóriViVitórViVitória 391
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

tia de movimentar o sistema judiciário por meio do processo, mas, ga-


rante também o direito de obter uma tutela jurisdicional.

Conforme o entendimento de Nery Junior:


“Podemos verificar que o direito de ação é um direito cívico e
abstrato, vale dizer é um direito subjetivo à presença tout court,
seja essa de acolhimento ou de rejeição da pretensão, desde que
preenchidas as condições da ação. A realização de um direito
subjetivo é alcançada quando se consegue o objeto desse mesmo
direito. Como o objeto do direito subjetivo de ação é a obtenção
da tutela jurisdicional do Estado, deve entender-se por realizado
o direito subjetivo de ação, assim que pronunciada a sentença,
favorável ou não ao autor.”8

Observar-se-á de forma mais clara a importância da efetivação da


tutela jurisdicional ao diferenciá-la da prestação jurisdicional. A tutela
jurisdicional tem o intuito de satisfazer, cumprir uma obrigação explica
Sergio Torres Teixeira que “trata-se, pois, da satisfação do direito à re-
solução da lide, isto é, da definição ou concretização da norma abstrata
em face da concreta”9

A prestação jurisdicional pode ser relacionada ao direito de ação


em seu sentido amplo, sendo comum a todos que integram o processo,
as partes ou terceiros, ou seja, “é simplesmente a atividade estatal de
solucionar o litígio apresentado pelas partes, cumprindo com o dever
do Estado de decidir questão (definir o mérito da causa), para entregar
aos litigantes o provimento jurisdicional adequado”10

Nesse contexto também diferencia Humberto Theodoro Junior:


“Urge não confundir tutela com prestação jurisdicional; uma vez que se
tem como abstrato o direito de ação, a garantia de acesso do litigante à
justiça lhe assegura um provimento jurisdicional, capaz de proporcionar
a definitiva solução para o litígio, mesmo quando o autor não detenha de
fato o direito que afirma violado ou ameaçado pelo réu. Na satisfação do
8  NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal,
1999, p. 96-97.
9  TEIXEIRA, Sergio Torres. Tutela jurisdicional e reintegração de emprego: en-
quadramento da tutela reintegratória, 2006, p. 343.
10  Idem.
VVitóriViVitórViVitória 392
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V
direito à composição do litígio (definição ou atuação da vontade concreta
da lei diante do conflito instalado entre as partes) consiste a prestação
jurisdicional. Mas, além dessa pacificação do litígio, a defesa do direito
subjetivo ameaçado ou a reparação da lesão já consumada sobre o direito
da parte também incumbe à função jurisdicional realizar, porque a justiça
privada não é mais tolerada (salvo excepcionalíssimas exceções) pelo sis-
tema de direito objetivo moderno. Assim, quando o provimento judicial
reconhece e resguarda in concreto o direito subjetivo da parte, vai além
da simples prestação jurisdicional e, pois, realiza a tutela jurisdicional.
Todo litigante que ingressa em juízo, observando os pressupostos pro-
cessuais e as condições da ação, tem direito à prestação jurisdicional (sen-
tença de mérito ou prática de certo ato executivo); mas nem todo litigante
faz jus à tutela jurisdicional.”11

Realizadas as considerações iniciais a respeito da tutela jurisdicio-


nal e seu aspecto de direito fundamental, passamos a analisar os ele-
mentos que devem estar presentes para que seja efetivada.

3 A tutela jurisdicional e seu fator temporal


O direito à razoável duração do processo é algo consagrado no Bra-
sil e em diversos documentos internacionais, assegurado pelos Direitos
Humanos e almejados por todos aqueles que buscam um provimento
judicial.

Tema bastante discutido universalmente, a morosidade no siste-


ma jurídico é um problema comum enfrentado por tribunais de todo o
mundo, o que demanda diversos estudos e teorias que surgem na ten-
tativa de aprimorar os procedimentos, para que possa ser alcançada a
tutela jurisdicional efetiva.

Essa preocupação é plenamente cabível, já que essa situação gera


um grande empecilho para que o processo consiga obter seus objetivos
e efetivação. A morosidade pode acarretar no perecimento das preten-
sões, dispêndios econômicos desnecessários e danos psicológicos seja
nas partes ou operadores do direito.

Diante da lentidão do judiciário, o que gera uma grande inadequa-


11  THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela jurisdicional de urgência, 2001, p 2.
VVitóriViVitórViVitória 393
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

ção para a realização de uma composição justa, tem-se como consequ-


ência a insatisfação da parte, que por vezes se sente injustiçada diante
da morosidade e da justiça tardia, mesmo quando consegue a proce-
dência do pleito, haja vista que essa situação se encaixa mais como de-
negação de justiça e não como justiça propriamente dita.

No que se refere ao entendimento da duração razoável, esta não se


refere a um prazo fixo. Para Marinoni há confusão no entendimento,
e interpretação de que haveria um prazo fixo ou determinado “não se
trataria de duração razoável, mas de duração legal, ou do simples de-
ver de o juiz respeitar o prazo fixado pelo legislador para a duração do
processo”12

Compreende-se assim que, a concepção de razoável duração do


processo há de ser analisada em caso concreto, dado as peculiaridades,
contradições e problemas que cada um demanda.

Destarte, não resta dúvida que a celeridade processual é uma for-


ma de garantir a efetividade na esfera jurídica, mas isto ocorre em con-
junto com outros elementos.

Neste sentido podemos perceber a importância do fator temporal


na efetivação da tutela jurisdicional, sendo o aspecto mais discutido
atualmente a fim de garantir essa efetivação. Ocorre que em inúmeras
situações a duração do processo ganha o protagonismo na busca pela
efetivação da tutela e acaba que os demais elementos são deixados a
parte, não sendo incluídos como essenciais para tanto, o que de fato
não poderia ocorrer, pois para uma tutela jurisdicional efetiva se faz
necessária a junção entre eles, os quais veremos a seguir.

4 A tutela adequada para a efetividade jurisdicio-


nal
A técnica processual adequada integra o leque de direitos para

12  MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo, 2008, p. 223.


VVitóriViVitórViVitória 394
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

uma efetiva tutela jurisdicional, sendo a adequação indispensável para


a materialização da efetividade.

Decorrente ainda da insuficiência da simples prestação jurisdicio-


nal, a adequação vem para fomentar a efetivação da tutela jurisdicional,
nas palavras de Rafael Estevez:
“A elevação da questão do tempo do processo – tanto adminis-
trativo como judicial – ao nível de garantia fundamental deu-se
em razão da insatisfação da sociedade com a prestação jurisdi-
cional, entendendo que a jurisdição não deve apenas ser pres-
tada, devendo, ainda, ser efetiva, tempestiva e adequada, sendo
função do Estado atingir este objetivo.”13

Analisando a jurisdição pode-se observar que ela não se restrin-


ge a pura aplicação da lei, mas requer uma aplicação ampla do direito,
uma vez que o instrumento para aplicar os efeitos da justiça no fato
concreto é o processo, assim, a resolução legal para o caso será adequa-
da, entretanto, em algumas circunstâncias, surgem situações das quais
inicialmente não há solução, situação que compele o magistrado a agir
por meio de análise de casos afim de encontrar a solução mais adequa-
da, decidindo inclusive contra legem, contudo, não pode decidir jamais
contra o direito.

Nas palavras de Marinoni, “por efetiva tutela jurisdicional, deve-se


entender a efetiva proteção do direito material, para a qual são impres-
cindíveis a sentença e o meio executivo adequados”14.

A necessidade da efetividade da tutela forçou os processualistas a


estudar tutelas jurisdicionais diferenciadas, ou seja, tutelas que se ade-
quassem às peculiaridades das situações de direito substancial. Nesse
sentido, o estudo de procedimentos que comportem a concretização do
direito mediante cognição sumária, ou seja, o juiz decidirá com emba-
samento no juízo da probabilidade da existência do direito (análise do
fumus boni iuris e do periculum in mora).

13  ESTEVEZ, Rafael. A aplicação da lei 11.382/06 à execução Fiscal, 2008.


14  MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil, 2007. p. 220.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Seria assim a tutela jurisdicional adequada aquela em que o Esta-


do atribui ao jurisdicionado de forma que cumprir adequadamente os
objetivos pleiteados. É a garantia do indivíduo do provimento jurisdi-
cional que mais se adeque a situação conflitante, com a finalidade de
resolver satisfatoriamente a lide.

Desta forma, não seria suficiente a simples tutela jurisdicional;


sendo assim, não basta que o Estado através da jurisdição determine
uma solução, é fulcral que a resolução seja realmente adequada aos cla-
mores daquele que dela necessita.

Diante dos argumentos expostos, teria a tutela jurisdicional ade-


quada o objetivo de garantir a prestação jurisdicional que solucionará
o conflito na esfera do direito material, o Estado tem como intuito não
fornecer meramente um caminho para a solução, mas realmente findar
o problema a ele imposto de forma adequada e justa.

5 O Processo Justo para a efetivação da tutela Ju-


dicial
É indispensável abordar inicialmente alguns incisos do artigo 5º
da Constituição Federal que versam sobre garantias constitucionais, as
quais são indispensáveis na aplicação de um processo justo, sendo eles:
o inciso XXXV que prevê a inafastabilidade da tutela jurisdicional, o
inciso LIV que aborda o devido processo legal e o LV, que traz a garantia
da ampla defesa e o contraditório.

A evolução do direito ao longo da história findou com a justiça


“olho por olho e dente por dente”, quando se proíbe o indivíduo de fazer
justiça por conta própria, recaindo sobre o Estado a obrigação de solu-
cionar os conflitos que não se resolvem sem a sua intervenção.

As formas de resolução dos conflitos sofrem diversas mudanças


no decorrer do tempo diante das variantes que envolvem os litígios que
estão em constante mutação em decorrência da evolução do interesse

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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

da coletividade e do próprio direito. Como exemplo do que alhures fora


abordado, a insuficiência da simples resolução da ação declarativa, o
surgimento de um olhar humanizado que buscasse não a simples de-
claração ou reconhecimento pelo Judiciário, mas a concretização do
direito substancial almejado.

Desta forma, o processo perde o protagonismo na ação, passando


a ser analisado como um instrumento para obter o que realmente se
pretende, ou seja, a efetivação do direito material tutelado.

Ademais, garantir a tutela jurisdicional não se limita à simples


aplicação da lei pelo juiz. A tutela jurisdicional efetiva deve garantir que
o processo foi estruturado devidamente, no qual as partes tiveram no
decorrer da discussão do direito paridade de armas, caracterizada pelo
contraditório para que ao final da lide tenha-se uma resolução jurisdi-
cional justa.
“[...] que a grande equação reside, essencialmente, em conciliar
valores e todas as consequências que dele advêm, com a obtenção
de decisão que represente uma composição do litígio consonante
com a verdade, e em que se respeite amplamente o regramento
do contraditório e todas as garantias de defesa, pois só assim se
logrará uma decisão acertada no âmbito do processo justo.”15

6 A tutela jurisdicional efetiva e seu aspecto útil


Sendo o último tópico a ser abordado, o que não ocorre por demé-
rito, este é tão importante quanto os demais abordados. O resultado útil
da tutela jurisdicional é indispensável para sua eficácia, se este não for
garantido de nada valerá. O direito pleiteado deve ser introduzido ao
final, deve ter sua devida efetivação.

Neste sentido, não só o autor deve ter seu direito a prestação juris-
dicional salvaguardado, mas também o réu; ambos têm como objetivo
o resultado útil do processo. Enquanto o autor almeja a procedência
da demanda, com a devida decisão que reconheceria que o direito lhe

15  TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo, 1997, pág. 29.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

assiste, o réu, todavia, almeja a declaração em sentido oposto. Tendo


ambos os mesmos direito e garantias, não podendo haver tratamento
desigual, de outro modo a busca pela prestação jurisdicional não seria
justa.

Entende Candido Rangel Dinamarco que:


“O resultado útil do processo civil de conhecimento é a tutela ju-
risdicional consistente em julgar as pretensões e com isso definir
o preceito a ser observado pelos litigantes em relação ao bem da
vida sobre o qual controvertem.”16

Hoje há diversas formas de assegurar o efeito útil da pretensão,


como por exemplo a produção de prova antecipada, que tem como obje-
tivo garantir a produção de prova previamente, quando está na iminên-
cia de torna-se impossível, sendo uma típica providência cautelar que
busca a efetivação útil da tutela jurisdicional.

Vale destacar que o efeito útil se aplica aos diversos meios proces-
suais acessórios da ação principal, que são também destinados a ga-
rantir os direitos e interesses das partes. A necessidade de uma ação
adequada quando para a demanda do particular, quando sozinha, pode
se tornar uma pretensão ilusória caso não consiga garantir o efeito útil
da pretensão. Pode-se dizer assim, que não adianta a existência de uma
ação satisfativa no que se refere à pretensão do particular se não possuí-
rem formas de resguardar os objetivos almejado com a sua propositura.

É por meio dessa necessidade de garantia da pretensão útil que


surge as diversas medidas cautelares que podem ser aplicadas ao
processo, posto que não há possibilidade de exaurir todas as formas
que serão necessárias para assegurar o efeito útil da pretensão.

7 Conclusão
Após a exposição feita no decorrer do presente trabalho, pode-se

16  DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 2005,


v. 3, p. 194.
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

concluir que o direito à tutela jurisdicional efetiva é um direito fun-


damental do cidadão, que por vezes é negligenciado em sua aplicação,
posto que quando aplicada observando-se apenas seu aspecto temporal
esta não terá a plenitude de sua eficácia.

Não restam dúvidas que o acesso à justiça deve ser garantido a to-
dos independentemente da fundamentação de sua pretensão. Entretan-
to, não basta garantir o acesso à justiça e o direito de ação, àqueles que
buscam uma pretensão e que ao final têm os mecanismos processuais
direcionados para sua pretensão, por fazerem jus à tutela jurisdicional,
deve ter garantido o acesso a uma tutela jurisdicional efetiva.

Entre os elementos que integram a tutela jurisdicional com a fina-


lidade de torná-la efetiva encontra-se não somente a celeridade proces-
sual. A tutela deverá ser também justa, adequada e útil, pressupostos
que são, sem dúvida, o cerne da efetividade da tutela jurisdicional.

Assim, não se confunde a tutela jurisdicional adequada, justa, útil


e célere com a mera prestação jurisdicional; vai muito além, posto que
esses efeitos fazem com ele essa seja realmente efetivada.

Consequentemente, mesmo que o seu aspecto mais discutido no


cotidiano para uma efetiva tutela jurisdicional seja a curta duração do
processo, este, isoladamente, se torna inútil, assim também se colocam
qualquer dos outros elementos, posto que de nada vale a adequação da
tutela sem que ela ocorra em tempo hábil, ou que a tutela seja justa, mas
não consiga ser útil.

Conseguir distinguir a tutela jurisdicional da tutela dos direitos é


um grande ponto, visto que a tutela jurisdicional é forma utilizada pela
tutela dos direitos para ser prestada, não podendo ser garantida sem-
pre, o oposto da primeira citada.

A concessão da prestação jurisdicional deve ocorrer na sua totali-


dade, de forma que satisfaça e possa se exaurir o direito pleiteado pela
parte perante o judiciário. Diante da incumbência que recai sobre o Es-
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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

tado para que garanta a satisfação do direito pleiteado percorra uma


trajetória com um tempo razoável, de forma justa, pelos meios adequa-
dos e que seja útil.

A tutela jurisdicional quanto não for célere, útil, adequada e justa


será ineficaz, não tendo sua necessária efetivação.

Portando, a efetiva tutela jurisdicional é muito mais que uma ga-


rantia, sendo também um direito fundamental, sendo necessária a ga-
rantia de sua eficácia para garantir a própria dignidade humana, na
esfera processual a composição de princípios e regras devem ser pos-
tos cumulativamente com a finalidade de obter uma ampla efetividade
para que se tenha uma dimensão prática maior e redução no custo na
proteção aos direitos dos cidadãos.

O Estado deve garantir aos cidadãos não somente o devido proces-


so legal, deve ir além garantir uma verdadeira satisfação no processo, a
tutela jurisdicional deve ser garantida na sua forma composta, ampla,
onde seus efeitos são efetivados, desenvolvidos em tempo razoável, de
forma justa, adequada e que seja útil.

8 Referência
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posta de estudo. Recife: O Tribunal de Justiça de Pernambuco, 1990.
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NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal.
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Edição digital e diagramação realizada por:
Luiz Cláudio Cardona Pereira
Tipografia utilizada:
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Julho de 2018

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