da previsdo, por sua vez, € equiparada & mantica (arte da adivinha-
¢40), sendo subdividida em méntica geral e especial. A segunda
possui varios itens, como previsao por ordculo, astrologia, interpre-
tagdio dos sonhos, entre outros; por fim, a faculdade dos signos,
chamada de semidtica, semiologia ou simbdlica, também se subdi-
vide a partir de varios elementos, tratados originalmente pela Retdé-
rica, como 0 significado de palavras, as flexdes e conexées, as pro-
posigdes, e inimeros outros.
3.3 As faculdades inferiores e as faculdades superiores
Ao passo que, na Metaphysica, as faculdades da alma esto si-
tuadas na parte trés, destinada a tratar da Psychologia, capitulo um,
sobre Psychologia Empirica,"* na obra Aesthetica, Baumgarten
localiza as suas faculdades no contexto da estética natural,” que
trata da capacidade inata que o ser humano possui para 0 pensa-
mento belo. O filésofo afirma inicialmente que a estética natural
possui um Ambito inato e outro adquirido e divide as faculdades,
assim como nas obras anteriores, entre faculdades cognitivas infe-
riores e superiores (facultates cognoscitivae inferiores/superiores).
As faculdades inferiores compreendem'*
a) 0 sensus ou a capacidade de sentir agudamente (acute sen-
tiendi), ou seja, a capacidade de perceber 0 mundo com sentidos
internos e externos;'*
b) a phantasia (também apresentada pelos conceitos imagina-
tio, visum e visio), definida como a representagdo dos estados pas-
sados do mundo e do sujeito;”
c) a perspicdcia, faculdade que permite diferenciar as identi-
dades das coisas,” cujo fim é trabalhar as imagens recebidas nos
sentidos e na fantasia;”
16
'6 Cf. Alexander G. Baumgarten, Metaphysica, p. 173.
Id., Theoretische Asthetik, p. 17.
18 Id,, ibid., p. 19.
° Id., Metaphysica, p. 189.
® Id,, ibid., p. 197.
21 1d, ibid., p. 203.
2 Id., Theoretische Asthetik, p. 18.
Estética e semidtica: de Baumgarten e Kanta Umberto Eco 57d) a meméria, uma disposigio natural para reconhecer e se
lembrar dos perceptos reproduzidos (reproductas perceptiones);
e) a facultas fingendi (faculdade criativa) ou dispositio poética
(disposigio poética),™ correspondente & capacidade de criar, rela-
cionando as imagens da fantasia: “combinando phantasmata &
praescindendo [...], fingo” [combinando ou separando as imagens,
crio};?>
f) 0 iudicium (juizo)** ou disposigdo para o bom-gosto (dispo-
sitio ad saporem non publicum),” correspondente a aptidio para
julgar sobre as perfeig6es e as imperfeigdes das coisas;
g) a praevisio, uma espécie de contraponto da mem6ria, a di:
posigao que permite perceber a situagio futura do sujeito e do mun-
do;*
h) a facultas characteristica, uma espécie de aptidio semidti-
ca, que Baumgarten explica como a capacidade de unir os signos
(signa) com seus significados (signatis).” Na Philosophia genera-
lis, essa faculdade também havia sido caracterizada como semidti-
ca, semiologia ou simbolica.
Das oito faculdades inferiores (faculdades perceptivas) postu-
ladas por Baumgarten, apenas as quatro primeiras parecem direta-
mente alinhadas com a tradi¢do ligada as faculdades da alma, a
saber, 0 sensus, a phantasia, a perspicdcia e a meméria, conforme
os sistemas de Arist6teles, Agostinho e Aquino, entre outros. Den-
tre as quatro restantes, duas possuem sua origem claramente na
Poética, a saber, a facultas fingendi (faculdade criativa) ou disposi-
tio Poética (disposig&ao Poética),” correspondente & capacidade de
criar, a partir das imagens da fantasia, e 0 iudicium (juizo) ou dis-
posigao para 0 bom-gosto (dispositio ad saporem non publicum),'
correspondente a aptidao para julgar sobre as perfeigdes e as imper-
Id., Metaphysica, p. 207
1d., Theoretische Asthetik, p. 20.
Id., Metaphysica, p. 211.
1d, ibid, p. 219,
Id., Theoretische Asthetik, p. 20.
1d., Metaphysica, p. 214.
25.
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% Id., Theoretische Asthetik, p. 20.
3! Id, ibid., p. 20.
58 Edgar Roberto Kirchoffeigdes das coisas. A facultas characteristica, uma espécie de apti-
dio semiética, por sua vez, est4 claramente alinhada com a tradigao
da Retérica, na medida em que se ocupa de questées semdnticas,
gramaticais e mesmo de estilo dos objetos percebidos.
Devido as suas inovagées — principalmente a facultas fingen-
di, 0 iudicium, a praevisio e a facultas characteristica -, a cogni¢do
perceptiva, em Baumgarten, adquire fung6es criativas, discrimina-
torias e semidticas, que o fildsofo liga, em alguns de seus escritos,
aos efeitos produzidos pela obra de arte no espfrito humano. Em
poucos termos, Baumgarten funda a percepgdo estética, chamada,
de forma ainda bastante reducionista, de belo. Segundo o filésofo,
“o objetivo da estética é a perfeigdo do conhecimento sensivel en-
quanto tal. Com isso, quer-se dizer a beleza.”” A cognitio sensitiva,
equiparada ao belo por Baumgarten, diferencia-se da mera percep-
¢o, que 0 fildsofo caracteriza como a primeira das faculdades infe-
riores, 0 sensus: ao passo que a ultima compreende apenas a habili-
dade para reproduzir os objetos do mundo a partir de imagens men-
tais (conforme a tradigao aristotélica), a segunda pressupde essa
habilidade, mas possui caracterfsticas ativas, inexistentes na mera
percepgio, tais como a criatividade (facultas fingendi), a aptidéo
para o juizo (iudicium) e a habilidade ret6rica ou semi6tica (facul-
tas characteristica), entre outras.
Assim sendo, a designagao da estética como disciplina da
“cognigao sensivel” é ambigua, pois, em tiltima andlise, nao se trata
apenas dos conhecimentos provindos da agio (ou da passividade)
dos sentidos, como era o caso (na maior parte das vezes) da aisthe-
sis para os gregos. Salim Kemal resume a maneira como Baumgar-
ten vé essa questio, afirmando que, embora 0 filésofo apresente a
cognigao sensivel como confusa (na tradigéo de Leibniz e de
Wolff), imputa-Ihe um cardter de “enriquecimento” ou de “acrés-
cimo de sentido” — 0 termo latino utilizado é ubertas — caracteri-
zando-o como um avivamento da aparéncia. Sua atividade nao se
da por processos Idgicos, mas por associagGes, capazes de gerar
abundancia, magnitude, verdade, claridade, certeza e vivacidade
tanto nas representagGes sensiveis quanto légicas. Assim sendo,
Kemal conclui que existe uma ambigilidade na definigao das facul-
2 Id,, ibid., p. 10,
Estética e semidtica: de Baumgarten e Kanta UmbertoEco 59