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“mentalidade coletiva”, e o exercício ritualístico de fertilidade, apresentando como apêndice
os processos inquisitoriais contra Paolo Gasparutto e Batista Moduco (1575-1581).
No primeiro capítulo intitulado As Batalhas Noturnas, são narradas como se iniciou um
processo de investigação pelo Santo Ofício a respeito de Paolo Gasparutto, que supostamente
seria capaz de curar enfeitiçados e afirmava “vagabundear” pela noite, juntamente a feiticeiros
e duendes. Dessa forma, ao ser interrogado, Gasparutto afirma poder combater os malefícios
causados por bruxas e feiticeiros e
Na quinta-feira de cada um dos quatro tempos do ano, eles deviam andar
junto com esses feiticeiros por diversos campos, como Cormons, diante da
igreja de Iassico, e até pelo campo de Verona, onde combatiam, brincavam,
pulavam e cavalgavam diversos animais e faziam diversas coisas entre si, e
as mulheres batiam com caules de sorgo nos homens que estavam com elas,
os quais só carregavam nas mãos ramos de erva-doce” (GINZBURG, C.
1988. P.19).
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Vocábulo utilizado referente a “andarilhos do bem”, praticantes dos ritos de fertilidade.
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Termo designado para “andarilhos maléficos” que remete aos feiticeiros que são combatidos pelos benandanti.
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semelhanças e particularidades. No segundo capítulo As Procissões dos mortos, o autor vai
mostrar como esse conjunto de crenças remetia ao contato com os mortos, e como pessoas
que habitavam a região do Friul serão interpretadas como praticantes de Feitiçarias, pois o
“falar com os mortos” foi acrescentado às viagens, em êxtase, noturnas realizadas pelos
benandanti sendo associado a uma prática ligada ao demônio. Dessa forma o conjunto de
crenças vai sendo direcionado pelo discurso Clerical, que faz a ligação de que “[...] quem vê
os mortos, quem caminha com eles, é um benandanti”. (GINZBURG, C. 1988. P.61). É
possível perceber claramente como essas crenças populares, simbólicas, que pertenciam a
uma determinada região foram interpretadas de acordo com uma mentalidade do tribunal do
Santo Ofício, ou seja, não estavam configuradas nos moldes do cristianismo, por isso eram
vinculadas ao pacto com o demônio. “[...] O mito dos benandanti liga-se, portanto, por
múltiplos laços, a um conjunto de tradições, mais vasto, largamente difundidas durante quase
três séculos, numa área bem delimitada (...)”(GINZBURG, C. 1988. P. 83).
O historiador Jean Delumeau, em um grande estudo, História do Medo no Ocidente: 1300-
1800, uma cidade sitiada, acrescenta de forma evidente como a figura do demônio foi
construída no imaginário coletivo, despertando uma onda de concepções “assustadoras”
dentro da Europa ocidental. Delumeau destaca o papel da imprensa nesse processo de
compilação imagética do demônio. Todavia, na obra de Ginzburg essa interpretação é
realizada através do discurso retórico, da pressão, tortura e um psicologismo intimidador do
Santo Ofício, levando a construção demonológica das crenças friulanas.
Essa questão será abordada no capítulo três, Os benandanti, entre inquisidores e bruxas,
engendrando uma série de hipóteses, que irão relacionar os benandanti como adeptos dos
rituais de orgia dos feiticeiros. O Santo Ofício se via obrigado a encontrar nas confissões dos
benandanti realizações heréticas, desse modo, num curto período de tempo as crenças
relacionadas aos benandanti se difundem já com as unificações incorporadas, mostrando o
forte poder do discurso do Santo Ofício, no sentido de penetrar na “mentalidade coletiva”.
Ginzburg explica as associações às crenças populares através de um “intercâmbio” cultural
entre as comunidades das regiões, e as resignificações que as crenças sofrem, modificadas
pelo discurso de demonolatria empreendido pela ação do Santo Ofício.
No Quarto capítulo, Os benandanti no sabá, o autor faz referência à configuração das
crenças e sua associação com o sabá, mostrando como mulheres (Ginzburg aborda
abertamente a demonização que ocorre em relação à mulher) são acusadas de praticar a cura
com a ajuda de práticas “diabólicas”, e o papel do Santo Ofício na elaboração “representativa”
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da mulher como feiticeira. O estudo de Ginzburg referente à construção da bruxaria e sua
associação com o sabá é “esclarecido” metodologicamente em outra obra: História Notura:
decifrando o sabá. O próprio autor reconhece que no momento de seu estudo referente aos
Andarilhos do bem, ainda não tinha maturidade conceitual e teórica necessária para engendrar
apontamentos mais “refinados” acerca da problemática da bruxaria.
Bibliografia
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GINZBURG, Carlo. Os andarilhos do bem: feitiçarias e cultos agrérios nos séculos XVI e
XVII. São Paulo: Companhia das Letras. 1988.
________________. Hisória noturna: Decifrando o sabá. São Paulo: Companhia das Letras.
2012.