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BACHARELADO EM PRODUÇÃO CULTURAL

MARINA DE SIMONE CAVALCANTI

MUITO ALÉM DOS SUPERPODERES:


AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DE SUPER-HERÓIS
COMO FORÇA SOCIAL

IFRJ – CAMPUS NILÓPOLIS


2018
MARINA DE SIMONE CAVALCANTI

MUITO ALÉM DOS SUPERPODERES:


AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DE SUPER-HERÓIS
COMO FORÇA SOCIAL

Monografia apresentada à
coordenação do Curso de
Bacharelado em Produção Cultural,
como cumprimento parcial das
exigências para conclusão do
curso.

Orientador: Prof. Doutor Tiago José


Lemos Monteiro

IFRJ – CAMPUS NILÓPOLIS


1º SEMESTRE/2018
AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer aos meus pais, Antonio Cesar e Mônica, pelo apoio
incondicional e por todo o esforço e dedicação que tiveram para que eu
pudesse ter a melhor educação possível.
Agradeço às minhas irmãs, Raquel, Luiza e Luma, por me inspirarem todos
os dias e me motivarem a dar sempre o melhor de mim. Em especial à minha
irmã Raquel, por ser companheira e que, por acreditar em mim, sempre me
motiva a me esforçar cada vez mais.
Agradeço aos meus familiares por me acompanharem durante toda esta
trajetória e por todo o incentivo que me deram.
Obrigada também às amigas que fiz durante a faculdade: à Ana Clara, por
toda a confiança que me proporcionou e por me ensinar a sempre a enxergar
as questões de forma crítica; à Lethícia, por todo o apoio neste trabalho e na
faculdade, e por ser uma pessoa maravilhosa com quem eu sei que sempre
posso contar; à Maria Clara, pela paciência e incentivo nas horas difíceis; à
Taísa, pelas risadas e por ser uma amiga extremamente companheira, não
apenas na faculdade, mas também na vida em geral; e à Thainá, pelos
momentos de descontração e por tornar a faculdade uma experiência muito
mais divertida.
Obrigada às minhas amigas: Gabrielle, por nossa amizade de muitos anos,
por ser como uma irmã para mim e por sempre tentar me orientar durante toda
a minha trajetória; à Caroline, por me ajudar com seu carinho e otimismo, e por
continuar a me acompanhar mesmo após o colégio; e à Monique, pela
sabedoria, paciência e por ser um exemplo em que posso me espelhar.
Agradeço ao meu orientador, Tiago Monteiro, pelo apoio durante toda a
faculdade e, principalmente, na construção deste trabalho e por abraçar este
tema.
Por fim, obrigada a todos os meus professores do Curso de Bacharelado
em Produção Cultural do IFRJ pelo aprendizado, troca de experiências e por
me guiarem na minha vida, não apenas acadêmica como também profissional
e pessoal.
RESUMO

O presente trabalho visa discutir as histórias em quadrinhos de super-heróis a


partir do papel que desempenham na reafirmação de identidades e na
representatividade de grupos minorizados, em especial mulheres e a
comunidade LGBTQ. A pesquisa também possui o objetivo de compreender de
que modos tais histórias podem agir como ferramentas de engajamento
identitário e força social. A metodologia utilizada baseou-se na análise textual
de determinadas histórias em quadrinhos; em uma revisão bibliográfica, com
ênfase em textos que estudam as HQ's a partir de um viés sociológico, e no
livro "Cultura da Mídia", de Douglas Kellner; e, finalmente, na discussão de
reportagens sobre movimentos sociais diretamente ligados às histórias em
quadrinhos de super-heróis. Desta forma, entendendo que as histórias em
quadrinhos abordam os contextos nos quais são criadas, foi possível concluir
que determinadas HQ's de super-heróis são apropriadas por grupos
minorizados, de forma a reiterarem sua identidade e conceder-lhes maior
visibilidade, servindo também como suporte para diversos movimentos sociais.
Por fim, busca-se ressaltar a importância das histórias em quadrinhos enquanto
campo de estudo, podendo ser compreendidas a partir de abordagens de
diferentes áreas acadêmicas.

PALAVRAS-CHAVE: histórias em quadrinhos; super-heróis; grupos


minorizados; força social; identidade e representatividade.
ABSTRACT

The present work aims to discuss superhero comic books considering the role
they play in reaffirming identities, and in the representation of minoritized
groups, specially women and the LGBTQ community. The purpose of this
research is also to comprehend in which ways these stories can act like means
of identity engagement – which is established when a person identifies with a
certain character or situation – and also as a social force. The methodology
used was based on the textual analysis of certain comic book stories; on a
bibliographical review, with emphasis in Douglas Kellner’s “Media Culture” and
in texts that study the comics in light of a sociological point of view; and, finally,
on the discussion of news reports about social movements directly linked to
superhero comic books. Thus, understanding that comic books address the
contexts in which they are created, it was possible to conclude that certain
superhero comics are adopted by minoritized groups in order to reassert their
identity and grant them greater visibility, also acting as support for several social
movements. Ultimately, we seek to emphasize the significance of comic books
as a field of study, being able to be perceived in light of different academic
approaches.

KEYWORDS: comic books; superheroes; minoritized groups; social force;


identity and representation.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Capa de Superman, Vol 1 #12 ........................................................ 16


Figura 2 – Capa de Superman, Vol 1 #17 ........................................................ 16
Figura 3 – Página da HQ America, Vol 1 #1..................................................... 18
Figura 4 – Página da HQ Captain America Comics, Vol 1 #2 .......................... 21
Figura 5 – Capa de Captain America Comics, Vol 1 #1 ................................... 22
Figura 6 – Página da HQ America, Vol 1 #1..................................................... 22
Figura 7 – Capa de Iron Man, Vol 1 #128 ........................................................ 29
Figura 8 – Quadros de Young Avengers, Vol. 2 #9 .......................................... 36
Figura 9 – Quadro de Young Avengers, Vol. 2 #15 .......................................... 39
Figura 10 – Quadro de Original Sin, Vol. 1 #05.4 ............................................. 41
Figura 11 – Quadro de Original Sin, Vol. 1 #05.5 ............................................. 42
Figura 12 – Quadros de Loki: Agent of Asgard, Vol. 1 #5 ................................ 43
Figura 13 – Página de Loki: Agent of Asgard, Vol. 1 #16 ................................. 44
Figura 14 – Página de Loki: Agent of Asgard, Vol. 1 #17 ................................. 44
Figura 15 – Capa da HQ Sensation Comics, Vol. 1 #6 .................................... 48
Figura 16 – Capa da HQ Sensation Comics, Vol. 1 #11 .................................. 48
Figura 17 – Capa da HQ Sensation Comics, Vol. 1 #20 .................................. 49
Figura 18 – Capa da HQ Sensation Comics, Vol. 1 #21 .................................. 49
Figura 19 – Capa da HQ Sensation Comics, Vol. 1 #94 .................................. 50
Figura 20 – Capa da HQ Sensation Comics, Vol. 1 #95 .................................. 50
Figura 21 – Capa da HQ Sensation Comics, Vol. 1 #96 .................................. 50
Figura 22 – Capa da HQ Sensation Comics, Vol. 1 #97 .................................. 50
Figura 23 – Página da HQ Uncanny X-Men,Vol. 1 #8 ...................................... 54
Figura 24 – Capa da revista Ms.de 1972 ......................................................... 60
Figura 25 – Capa comemorativa da edição de 40 da revista Ms...................... 60
Figura 26 – Capa da HQ New Teen Titans, Vol 1 #23 ..................................... 62
Figura 27 – Imagem do site The Hawkeye Initiative ......................................... 64
Figura 28 – Imagem do site The Hawkeye Initiative ......................................... 64
Figura 29 – Capa alternativa da HQ Invincible Iron Man, Vol 3 #1 ................... 65
Figura 30 – Capa alternativa da HQ Invincible Iron Man, Vol 3 #2 ................... 66
Figura 31 – Capa da HQ Mockingbird, Vol 1 #8 ............................................... 67
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 7
1. A SOCIOLOGIA DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS ............................... 12
2. SUPER-HERÓIS DENTRO E FORA DOS QUADRINHOS .......................... 25
2.1 O papel do (super) herói ......................................................................... 25
2.2 Identidade e representatividade .............................................................. 30
3. PERSPECTIVA HISTÓRICO-SOCIAL SOBRE AS HISTÓRIAS EM
QUADRINHOS ................................................................................................. 46
3.1 A história das histórias em quadrinhos de super-heróis.......................... 46
3.2 As histórias em quadrinhos de super-heróis como força social .............. 58
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 69
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 72
7

INTRODUÇÃO

As histórias em quadrinhos, consideradas a nona arte (GUIMARÃES,


2010), são histórias que conjugam narrativa visual e escrita, divididas em diversos
quadros e normalmente reunidas em formato de revista ou em tiras impressas em
jornais. Tais histórias se apresentam em diversos gêneros, desde o romance ao
terror, mas talvez o mais conhecido deles seja a superaventura. Por
superaventura entende-se o gênero das histórias em quadrinhos que apresenta
um universo caracterizado pela existência de super-heróis e supervilões, sendo
ambos seres dotados de poderes extraordinários (VIANA apud SOARES;
MAGALHÃES, 2014).
Este trabalho busca apresentar as histórias em quadrinhos de super-heróis
em sua condição de recursos estratégicos para a representatividade de grupos
minorizados - especificamente as mulheres e a comunidade LGBTQ (Lésbicas1,
Gays2, Bissexuais3, Travestis4, Transexuais5, Transgêneros6 e Queers7) - e como
elas podem agir como ferramentas de engajamento identitário e força social.
A delimitação do objetivo proposto se deu a partir da realização de uma
pesquisa prévia com leitores de histórias em quadrinhos de super-heróis. A
pesquisa foi feita em 2016, por meio de um questionário qualitativo, elaborado
com o intuito de estimular respostas complexas, de modo a investigar a fundo e
realmente conhecer os participantes dentro do universo estudado.
1
Pessoas do gênero feminino que sentem atração romântica e/ou sexual por outras pessoas do
gênero feminino.
2
Pessoas do gênero masculino que sentem atração romântica e/ou sexual por outras pessoas do
gênero masculino.
3
Indivíduos de ambos os gêneros cuja atração romântica e/ou sexual não se limita a apenas um
sexo. O termo será melhor trabalhado no segundo capítulo desta pesquisa.
4
Segundo o glossário sobre o universo trans do Correio Braziliense (2016), Travesti é um termo
que designa “[...] uma identidade de gênero feminina. O conceito de travesti ainda causa
divergência. Mas, para grande parte da comunidade LGBT [sic], a travesti, ainda que invista em
roupas e hormônios femininos, tal qual [sic] as mulheres transexuais, não sente desconforto com
sua genitália e, de maneira geral, não tem a necessidade de fazer a cirurgia de redesignação
sexual.”
5
Segundo a Organização Mundial de Saúde (apud CORREIO BRAZILIENSE, 2016), o
transexualismo é “[...] um desejo de viver e ser aceito enquanto pessoa do sexo oposto. Esse
desejo se acompanha em geral de um sentimento de mal-estar ou de inadaptação por referência a
seu próprio sexo anatômico e do desejo de submeter-se a uma intervenção cirúrgica ou a um
tratamento hormonal a fim de tornar seu corpo tão conforme quanto possível ao sexo desejado.”
6
“São todos os indivíduos cuja identidade de gênero não corresponde ao seu sexo biológico.”
(CORREIO BRAZILIENSE, 2016)
7
O termo Queer será trabalhado mais a frente na pesquisa, no capítulo 2.
8

O questionário foi realizado através de um formulário na internet, divulgado


8
em uma postagem pública na rede social Tumblr e diretamente para alguns
usuários específicos já previamente identificados como leitores de histórias em
quadrinhos, com uma breve apresentação explicando o intuito do trabalho e a
importância do questionário9. As perguntas foram elaboradas em inglês, por essa
se apresentar como a língua predominante do espaço. Por ser realizado através
de formulário, foi necessário desenvolver um questionário padronizado, onde as
perguntas são exatamente as mesmas para todos os participantes, porém, devido
à intenção qualitativa da pesquisa, tais perguntas tiveram configuração aberta,
com "(...) resposta livre, não limitada por alternativas apresentadas, o pesquisado
fala ou escreve livremente sobre o tema que lhe é proposto." (GOLDENBERG,
2004, p. 86).
Foi perguntado o gênero dos entrevistados (opcional); a idade; o país em que
vivem; há quanto tempo leem quadrinhos de super-heróis; se lembram do
primeiro contato com este tipo de quadrinho e o que os levaram a lê-lo; o que
mais gostam nos quadrinhos que leem; super-herói favorito e por quê; se há
alguma identificação ou conexão com essa personagem e em quais aspectos isso
se daria; se acreditam que os quadrinhos são importantes culturalmente e por
quê.
As respostas obtidas foram bem variadas, mas continham certo padrão dentro
de suas variações. Tanto as respostas com relação à idade, quanto locais e há
quanto tempo os participantes liam quadrinhos de super-heróis foram bem
variadas. Houve respostas de pessoas de 14 a 31 anos, e de quase todos os
intervalos entre essas idades.
A resposta para a pergunta sobre há quanto tempo os entrevistados liam
quadrinhos de super-heróis variou entre 4 meses e 12 anos, uma diferença
também significativa. Muitas dos leitores mais "recentes" disseram que se
sentiram atraídos por conta dos diversos filmes baseados no universo dos super-
heróis que vêm surgindo, e que diversas postagens no Tumblr também os
motivaram a começar a ler.

8
https://www.tumblr.com
9
À semelhança do que a antropóloga Mirian Goldenberg orienta para questionários enviados pelo
correio (2004, p. 87).
9

Praticamente todos os participantes relataram que o que mais gostam nos


quadrinhos que leem é a representação de personagens "humanos" e, como
citado em uma das respostas: "Eu gosto de ler sobre pessoas que parecem reais,
pessoas relacionáveis que só estão tentando fazer a coisa certa e ajudar pessoas
porque elas podem." (ENTREVISTADO 1, 2016). Além disso, outro fator apontado
pelos entrevistados é a diversidade das personagens (cor, gênero, orientação
sexual, etc); segundo um dos relatos: "Eu não quero ler sobre super-heróis
brancos o tempo todo." (ENTREVISTADO 2, 2016).
Todos esses fatores fazem com que os leitores (principalmente hoje em
dia) se identifiquem mais com as personagens, e se interessem cada vez mais
por ler suas histórias, o que se comprova também na escolha das personagens
favoritas e na explicação de como os leitores se identificam com elas. Muitos dos
leitores são pertencentes a grupos que lutam por maior e melhor representação
nas mídias, então, ler uma história onde as personagens são mulheres e não são
submissas, ou são gays, negros, bissexuais, muçulmanos, entre muitas outras
coisas; e ainda por cima são heróis, os proporciona uma sensação de
pertencimento, de que as lutas da qual fazem parte têm surtido efeitos.
Todos afirmaram que os quadrinhos de super-heróis são extremamente
importantes culturalmente, ainda mais hoje em dia, onde tantas mudanças estão
ocorrendo e onde as HQ's estão sendo utilizadas para impulsionar ainda mais
transformações na sociedade, principalmente através da representatividade das
minorias. Destaco aqui alguns dos relatos mais marcantes com relação a isso:
"Eu acho que quadrinhos de super-heróis podem ajudar a mudar as atitudes das
pessoas que os leem. [...] O mesmo pode ser dito da Kamala Khan 10. Sua série
começou em uma época em que o ódio anti-muçulmano era um aspecto tão
crescente e proeminente na América, e aqui nós temos uma menina adolescente
muçulmana (ela já tem três coisas contra ela aí) que está defendendo Nova
Jersey do mesmo jeito que Batman defende Gotham ou o Super-Homem defende
a Metrópolis." (ENTREVISTADO 3, 2016); "[...] [O]s quadrinhos têm uma
influência nas crianças que não gostam de ler." (ENTREVISTADO 4, 2016); "Eles
moldam o modo como as pessoas interpretam os heróis na nossa sociedade."
10
Super-heroína adolescente muçulmana criada em 2014 (seu nome de super-heroína é Miss
Marvel).
10

(ENTREVISTADO 5, 2016); “Os quadrinhos em si realmente me ajudaram a


moldar uma identidade enquanto adolescente.” (ENTREVISTADO 6, 2016).
A partir da realização da pesquisa prévia acima, foi possível identificar que
determinadas histórias em quadrinhos contribuem para a representatividade de
grupos minorizados e que tal fato está diretamente relacionado à identificação de
seus leitores com a figura do super-herói e com a importância desta. Tais fatores
também estão associados ao potencial que as HQ's de super-heróis possuem de
agir como ferramentas de engajamento identitário e como força social, servindo
inclusive como suporte para diversos movimentos sociais, alguns dos quais serão
destacados no capítulo três desta pesquisa.
Antes de abordar tais assuntos, entretanto, é necessário pensarmos as
HQ's como mídias cuja função está para além do entretenimento que possibilitam
e que, cada vez mais, têm encontrado seu espaço nas pesquisas acadêmicas. A
importância do estudo das histórias em quadrinhos se dá exatamente por se
tratarem de produtos da indústria do entretenimento que, justamente em função
disso, possuem um impacto na vida daqueles que os consomem.
O estudo das histórias em quadrinhos - que abrange campos que vão
desde a semiótica até a sociologia -, se situa no âmbito dos estudos culturais, os
quais:
[...] delineiam o modo como as produções culturais articulam ideologias,
valores e representações de sexo, raça e classe na sociedade, e o modo
como esses fenômenos se inter-relacionam. Portanto, situar os textos
culturais em seu contexto social implica traçar as articulações pelas
quais as sociedades produzem cultura e o modo como a cultura, por sua
vez, conforma a sociedade por meio de sua influência sobre indivíduos e
grupos. (KELLNER, 2001, p. 39)

Sendo assim, nesta pesquisa as histórias em quadrinhos serão trabalhadas


a partir do ponto de vista da sociologia - através da Sociologia das Histórias em
Quadrinhos -, de modo a compreender os contextos sociais, culturais e históricos
nos quais tais mídias foram criadas.
O foco deste trabalho são as histórias em quadrinhos de super-heróis, nas
quais será abordado o papel do herói e a identificação dos leitores com essa
figura, assim como será discutida a construção da identidade social de seu
público leitor e a representatividade de grupos minorizados, através de tal
identificação. Para isso serão utilizados como exemplos os quadrinhos da editora
Marvel Comics: Jovens Vingadores (2013-2014), Pecado Original (2014), e Loki:
11

Agente de Asgard (2014-2015), a partir dos quais as personagens William Kaplan


(Billy), Theodore Altman (Teddy), David Alleyne e Loki serão analisadas.
Também será apresentada uma contextualização do surgimento e
desenvolvimento das histórias em quadrinhos de super-heróis, dada a importância
de tal assunto para não apenas explicar, como também exemplificar o caráter
sociológico de tais histórias. Por fim, será abordada a capacidade dos quadrinhos
de agirem como ferramentas de engajamento identitário e como força social,
podendo, assim, atuarem como catalisadoras para movimentos sociais. Nesse
momento serão utilizados como exemplos o movimento The Hawkeye Initiative
(iniciado em 2012) e as capas das revistas em quadrinhos Invincible Iron Man, Vol
3 #1 (2016); Invincible Iron Man, Vol 3 #2 (2016); e Mockingbird, Vol 1 #8 (2016).
12

1. A SOCIOLOGIA DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

Além de obras artísticas e literárias, as histórias em quadrinhos (HQ’s, daqui


para frente) também são produtos midiáticos e, como todo produto midiático, são
uma forma de comunicação com o intuito de transmitir mensagens para um
determinado público. As HQ’s são produtos não só de seus autores, mas também de
suas épocas, ou seja, são fenômenos e produtos sociais, culturais e históricos, que
podem nos dizer muito sobre os contextos nos quais foram criadas. Faz sentido,
então, serem objetos de estudo não apenas a partir de um viés semiótico, mas
também de uma visão sociológica. Para isso surgiu a Sociologia das Histórias em
Quadrinhos.
Porém, por se tratarem de mídias populares-massivas, as histórias em
quadrinhos também já foram muito desvalorizadas como objeto de estudo e até de
leitura. Hoje em dia esse preconceito não se faz mais tão presente quanto
antigamente, mas ainda existe certo estigma e descredibilização enquanto conteúdo
acadêmico devido ao fato de se tratar de uma mídia popular. Utilizo aqui o conceito
de mídia popular como definido por Chagas (2008, p. 136), que contesta a noção
dessas como produtos alienantes e afirma seu valor como legítimos veículos de
informação e entretenimento, e também como ferramentas de reflexão. Apenas
acrescento a essa definição o termo “massivo”, me referindo, não no sentido de
produtos massificados alienantes, mas ao caráter massivo característico da difusão
desses tipos de mídia, produzidas exatamente para o consumo por grandes
públicos.
Mas por que e para quê estudar as histórias em quadrinhos? Do ponto de
vista sociológico, as histórias em quadrinhos podem ser analisadas a partir de três
principais aspectos: o primeiro deles é sua produção enquanto objeto e fenômeno
social; o segundo é com relação às mensagens que apresentam e transmitem; e o
último é centrado em seus leitores e na recepção às HQ’s (VIANA, 2008). Este
trabalho focará no estudo sociológico das histórias em quadrinhos a partir destes
três aspectos.
De certo modo, as HQ’s abordam os contextos sociais, históricos e culturais
nos quais são criadas, de forma que estudá-las é também estudar suas respectivas
épocas. Neste caso, opto pelo uso do termo “abordar” em vez de “refletir”, pois o uso
deste último pode dar margem à interpretação errônea de que os quadrinhos
13

retratam fielmente as épocas e contextos dos quais fazem parte, quando, na


verdade, a maioria das HQ’s vão transmitir valores, opiniões e ideais predominantes
em suas épocas, tanto coletivamente (da sociedade) quanto individualmente (de
seus criadores), o que não é a mesma coisa que retratar a realidade de maneira
verídica. E, da mesma forma que o contexto social afeta os quadrinhos e se
manifesta neles, os quadrinhos também afetam o contexto social, sendo esta uma
relação recíproca de interferências.
Assim, segundo Nildo Viana (2005, p. 42), grande parte das histórias em
quadrinhos são axiológicas, sendo axiologia o padrão dominante de valores na
sociedade e axiológico tudo aquilo que é sustentado nesses valores. Isto posto, é
importante saber que não apenas as HQ’s, como a maioria das produções culturais
de ampla circulação através de meios de comunicação de massa vão ser, de certa
forma, axiológicas. Assim, temos que:
[...] os valores (aquilo que é significativo, importante) são constituídos
socialmente e expressam os interesses e o modo de vida de uma
determinada classe social. A classe dominante produz seus próprios
valores, assim como as demais classes sociais. Estes valores determinam o
que é considerado “belo”, “bom”, “importante” etc. E, na nossa sociedade, a
classe dominante impõe seus valores e determina o que a maioria das
pessoas considera “certo”, “belo”, “bom” etc. Ela cria um conjunto de valores
(tal como a riqueza, o poder, o indivíduo etc.) e este se torna o padrão
dominante de uma determinada sociedade, os valores dominantes são os
valores da classe dominante. Isto não quer dizer que não existem valores
divergentes. Os valores divergentes existem, mas são, tanto nos indivíduos
quanto no conjunto da sociedade, marginais. (VIANA, 2005, p. 43)

É através desses valores que os indivíduos constroem as identidades sociais


com as quais se apresentam, identificam e se relacionam na sociedade e em seus
subgrupos. Assim, é muitas vezes das produções culturais e da mídia que extraímos
aquilo que define os gêneros, classes, raças, sexualidade, e outros fatores
determinantes da identidade de um indivíduo, assim como o que devemos gostar ou
não, o que é aceitável e o que não é, entre outras questões (KELLNER, 2001, p. 9).
Como apontado por Viana, existem vários quadrinhos que vão divergir dos
ideais dominantes e não podemos negar sua crescente potência. Mas também não
podemos negar que as HQ’s mais conhecidas e populares, e que por consequência
são mais rentáveis mundialmente, são aquelas de grandes editoras como Marvel
Comics e DC Comics, que vão tratar de valores dominantes da época. Isto se dá
também por uma necessidade mercadológica de venda. Portanto, podemos afirmar
que “[p]or serem produtos midiáticos, as HQs são subordinadas a interesses
14

editoriais, artísticos e sociopolíticos, que se manifestam por meio de um sistema


simbólico estabelecido pelo imaginário social.” (DALBETO; OLIVEIRA, 2014, p. 66).
Mas é preciso fazer algumas ressalvas quanto a essa afirmação, sendo a
primeira quanto à existência de ideais e valores opostos dentro de uma mesma
classe social. Assim, mesmo com grande parte das HQ’s sendo axiológicas e
transmitindo os valores dominantes da sociedade, ainda devemos levar em
consideração que dentro de uma sociedade rodeada de conflitos e divergências, é
comum que em um grupo ou classe social haja oposições, embates de interesses e
diferentes visões sobre um mesmo assunto (VIANA, 2008).
Assim sendo, ainda que se trate da produção de histórias em quadrinhos de
grandes editoras, que têm seu foco principal no lucro e difusão no mercado, não é
certo que determinados valores dominantes vão ser defendidos, e também pode
ocorrer (como ocorre) a transmissão e defesa de valores opostos àqueles das
classes dominantes, mas que não deixam de ser predominantes da época. Assim
como também existe oposição de valores e ideias dentro da própria classe
dominante.
Ainda é necessário considerarmos que vivemos em uma sociedade
capitalista, na qual as empresas visam sempre atingir o maior público possível, de
forma a obter o maior lucro, o que significa que os produtos ofertados devem ser
atraentes para um grande número de pessoas, independente de suas posições e
opiniões. Desta forma, temos que, muitas vezes, os quadrinhos, enquanto produtos
midiáticos, transmitem e promovem, ao mesmo tempo, valores de grupos
dominantes e valores de grupos de resistência, buscando alcançar um amplo público
consumidor. Sendo assim, não podemos estudar os produtos midiáticos apenas
como propagadores de forças de dominação, o que deve ser feito é analisar e
interpretar tais produtos de acordo com o contexto em que foram criados (KELLNER,
2001).
A segunda questão para a qual devemos nos atentar é que, como dito
anteriormente, os quadrinhos são produtos coletivos – da sociedade de sua época –,
mas também são produtos de seus autores e seus valores, desejos, mágoas, e no
geral, de suas vivências. Assim como as HQ’s, seus criadores também são seres
sociais, produtos de suas épocas (NOGUEIRA, 2010, p. 2), só que com experiências
e vivências específicas e singulares, que também vão transparecer em suas
histórias (mesmo que nem sempre isso seja tão perceptível), de forma consciente ou
15

inconsciente. E isso sempre ocorreu, em diferentes graus de intensidade, a exemplo


da criação do Super-Homem: um indivíduo de outro planeta, cujos pais o enviam
para a Terra ainda bebê para salvá-lo da destruição de seu próprio planeta, e que é
acolhido por um casal humano. Uma criança que passa a viver em um lugar
estranho e que se sente desajustado, sendo diferente de todos a sua volta, foi
criado, não por coincidência, por dois filhos de imigrantes judeus, que também se
viam como desajustados nos Estados Unidos da década de 1930.
Da mesma forma, não é por acaso que essa personagem foi concebida no
bojo da crise de 1929 e do avanço do nazismo, um momento que demandou a
existência de um indivíduo forte, capaz de suportar as dificuldades daquele tempo e
servir não só como esperança, mas também como inspiração para as pessoas. É
possível observarmos isso em uma das capas do quadrinho do Super-Homem
(SIEGEL; RAY; NOWAK, 1941), de 1941 (Figura 1), onde o super-herói caminha de
braços dados com um soldado da marinha e outro do exército, expressando
claramente o apoio da personagem aos Estados Unidos e às tropas americanas
durante a guerra, o que é, além de uma ferramenta de apoio ao país, uma
ferramenta de incentivo e inspiração para os próprios soldados americanos. O
desejo e necessidade de heróis na vida real criou a demanda pelos super-heróis na
fantasia.
16

Figura 1 – Capa de Superman, Vol 1 #12, 1941 Figura 2 – Capa de Superman, Vol 1 #17, 1942

11 12
Fonte: http://www.coverbrowser.com Fonte: http://www.coverbrowser.com

Além disso, não só o Super-Homem serviu como uma resposta dos EUA ao
avanço nazista e à ameaça de guerra, como também outros super-heróis dos
quadrinhos, como, por exemplo, o Capitão América (VIANA, 2005).
Isso é evidenciado em várias capas da HQ; “[...] entre 1942 e 1945
aproximadamente cinquenta por cento das capas dos títulos do Super-Homem
apresentavam a Segunda Guerra Mundial em destaque [...].” (MUNSON, 2012, p. 6,
tradução minha). A título de exemplo, temos uma edição de 1942 (SIEGEL et al.,
1942), onde o Super-Homem aparece carregando pelo pescoço Hitler e o Primeiro-
Ministro do Japão na época, Hideki Tojo (Figura 2), como se estivesse pronto para
golpeá-los e jogá-los dali de cima. Os dois líderes são mostrados com caras
amedrontadas, temendo a força do super-herói, que ali funciona como uma metáfora
para os próprios Estados Unidos.
De modo análogo, hoje em dia nós temos a personagem America Chavez,
uma super-heroína latina e lésbica, que começou como parte da equipe de super-
heróis adolescentes Teen Brigade (em 2011), para depois se tornar um membro da

11
Disponível em: <http://www.coverbrowser.com/image/superman/12-1.jpg>. Acesso em: 11 abr.
2017
12
Disponível em: <http://www.coverbrowser.com/image/superman/17-1.jpg>. Acesso em: 11 abr.
2017
17

equipe (também de super-heróis adolescentes) Jovens Vingadores (em 2013), e que


agora conquistou seu espaço em uma revista solo (2017), tendo Gabby Rivera –
uma mulher que também é latina e queer – como escritora. A autora anunciou que
essa série de quadrinhos da super-heroína “[...] com certeza lidará com a
descendência e identidade étnica da America.” (RIVERA, 2017, apud
BETANCOURT, 2017, tradução minha). Não só o fato de uma grande editora como
a Marvel Comics colocar em pauta importantes discussões protagonizadas por
indivíduos pertencentes a grupos minorizados, como também dar visibilidade e
colocar à frente dessa discussão uma pessoa que, de fato, representa esse grupo, é
bem significativo para entendermos a relevância de tais temáticas na atualidade.
Em uma das páginas do primeiro quadrinho da série (RIVERA; QUINONES,
2017), vemos a frase “Perguntamos a 100 pessoas ‘Quem é America para você?’”
(Figura 3), seguido do que seria o depoimento de diversos personagens do universo
Marvel. É possível ver que a personagem é descrita como uma mulher forte e
importante, com um dos personagens dizendo que “Ela é o nosso futuro”. Mas o que
talvez seja o fato mais notável é a super-heroína Tempestade – uma das
personagens femininas mais importantes da editora, por ter sido a primeira mulher
negra a ter relevância em uma HQ de uma editora grande e popular como a Marvel
Comics –, declarando que “America é esperança”, como se estendesse a ela a
responsabilidade de defender e representar aqueles que são oprimidos pela
sociedade por sua cor, etnia, gênero, ou orientação sexual. Apresentá-la como a
esperança nesse momento conflituoso que vivemos hoje (e no qual, certa forma,
sempre vivemos), de hostilidade às minorias, é um passo importante da editora a
favor da igualdade e tolerância.
Não aprofundarei neste momento a discussão sobre a representatividade nos
quadrinhos e sua importância, visto que ela será melhor desenvolvida nos capítulos
seguintes. Mas através desses exemplos podemos perceber a influência que o
contexto sócio-histórico-cultural, tanto no nível coletivo (social) quanto no individual,
exerce na produção das histórias em quadrinhos.
18

Figura 3 – Página da HQ America, Vol 1 #1, 2017

13
Fonte: http://www.avclub.com

Outra questão importante, ainda com relação à atuação do indivíduo social na


produção das HQ’s de super-heróis, encontra-se no fato de que, por mais que
diversos aspectos das histórias em quadrinhos desse gênero sejam produzidos de
forma consciente pelos autores, muitos deles também são derivados do inconsciente
13
Disponível em: <http://www.avclub.com/article/america-chavez-breaks-out-her-own-america-1-
exclus-250869>. Acesso em 11 abr. 2017
19

dos criadores. Uma vez que estas histórias lidam quase sempre com elementos
inexistentes no mundo real, temos então na superaventura uma atuação muito forte
e direta da imaginação e criatividade, as quais estão ligadas (não exclusivamente)
ao nosso inconsciente. E o que o inconsciente manifesta é muito difícil de controlar
e, muitas vezes, nos parece imperceptível.
Segundo Freud (1975), conforme citado por Viana (2005), o inconsciente é o
âmbito onde se encontram nossos desejos reprimidos, fruto da repressão da
sociedade. Isto se dá tanto em uma esfera individual quanto coletiva – o
inconsciente individual e o coletivo –, e ambos se manifestam em nossas produções
culturais. Assim, temos que “[...] o inconsciente coletivo é expressão de um desejo
reprimido socialmente que atinge o conjunto da sociedade ou então grupos sociais
no seu interior.” (VIANA, 2005, p. 59)
Em uma sociedade na qual é comum e esperado o enclausuramento dos
indivíduos em escritórios, rodeados por burocracia e sofrendo a repressão da
sociedade e do próprio sistema capitalista, não é surpreendente que o desejo
reprimido por liberdade seja comum em todo o coletivo. Tais desejos reprimidos se
manifestam nas histórias de super-heróis, em grande parte devido aos elementos
fantásticos presentes em sua narrativa, elementos esses que atraem uma grande
quantidade de leitores, principalmente os jovens. Através das histórias, o leitor entra
em contato com esses desejos reprimidos, que costumam encontrar-se somente em
seu inconsciente individual e coletivo, e conseguem satisfazê-los pelo menos um
pouco. A partir do exposto, podemos então afirmar que:
O processo de criação da superaventura é um processo consciente no qual
o criador envia uma mensagem na maioria das vezes axiológica. Porém,
nenhuma produção cultural é somente consciente e junto com o processo
consciente caminha o processo inconsciente. No caso da ficção isto é ainda
mais forte. Na superaventura a imaginação ganha autonomia na narrativa e
isto permite uma manifestação mais forte do inconsciente. Porém, além do
inconsciente individual derivado da repressão individual que se manifesta
em cada obra individual, também se manifesta o inconsciente coletivo,
derivado da repressão coletiva. (VIANA, 2005, p. 61)

Em todas as questões apresentadas até agora, é preciso levar em


consideração que as HQ’s não são apenas objetos suscetíveis a influências
externas, mas que também afetam a sociedade e o mundo à sua volta. Como já
discutido anteriormente, por se tratarem de produtos midiáticos e de uma produção
social, todas as HQ’s carregam intrinsecamente uma gama de mensagens, ideais e
valores, os quais são transmitidos ao seu público leitor. Desde o início de sua
20

existência, as histórias em quadrinhos de super-heróis atuam como uma ferramenta


de engajamento social, ora servindo como propaganda ideológica – como no caso
dos quadrinhos do Capitão América durante a Segunda Guerra Mundial (Figura 4) –
ora como força de transformação social – como em quadrinhos que promovem a
representatividade LGBTQ, a exemplo da já mencionada HQ da personagem
America Chavez (codinome Miss America) (Figuras 5 e 6). Os quadrinhos podem
ainda, muitas vezes, atuar das duas formas, articulando ao mesmo tempo forças de
dominação e resistência. Assim, da mesma forma que as histórias do Capitão
América podem servir como força social, as histórias da America também podem
carregar consigo mensagens ideológicas.
Vale pontuar que o conceito de ideologia aqui compreendido e trabalhado
refere-se aos valores e ideais que são a favor dos interesses dominantes, enquanto
o termo “força social” é aplicado no sentido de força de transformação social, de
acordo com o qual as HQ’s podem ser catalisadoras ou inspirações para
transformações sociais. O conceito de força social será melhor esclarecido e
exemplificado mais a frente, no terceiro capítulo.
A Figura 4 reproduz uma das páginas da revista em quadrinhos número dois
do Capitão América (KIRBY; SIMON, 1941b), publicada em 1941. Na metade inferior
da imagem há uma mensagem convidando os leitores da revista e fãs do Capitão
América a se tornarem “Os Sentinelas da Liberdade do Capitão América e juntarem-
se ao Capitão América em sua guerra contra os espiões e inimigos entre nós que
ameaçam nossa própria independência...”; mediante o envio de uma carta com certo
valor em moedas, o leitor receberia um distintivo que o oficializaria como um
“Sentinela” ajudante do super-herói em questão. Na metade superior da imagem
temos o que seria uma carta do próprio super-herói e seu escudeiro, agradecendo
aos jovens pela “ajuda em livrar os Estados Unidos dos traidores que desejam
destruí-lo”. Vemos de forma bem clara nessa imagem a mensagem ideológica que é
transmitida, apontando e distinguindo os “mocinhos” e os “vilões”, e os Estados
Unidos como mensageiros da verdade e da liberdade.
21

Figura 4 – Página da HQ Captain America Comics, Vol 1 #2, 1941

14
Fonte: http://readcomiconline.to
Nas Figuras 5 e 6, encontramos imagens que, à primeira vista podem parecer
ter o mesmo significado e transmitir a mesma mensagem, mas as duas foram
elaboradas em épocas diferentes e devem ser analisadas à luz dos contextos em
que surgiram. A primeira imagem consiste na capa do primeiro quadrinho do Capitão
América (KIRBY; SIMON, 1941a), e constitui uma das cenas mais famosas da
personagem, na qual ele aparece dando um soco na cara de Hitler, apresentando-se
como uma metáfora para a superioridade dos Estados Unidos em relação à
Alemanha.

14
Disponível em: < http://readcomiconline.to/Comic/Captain-America-Comics/Issue-2?id=37362#18>.
Acesso em 12 abr. 2017
22

Figura 5 – Capa de Captain America Comics, Vol 1 #1, 1941

15
Fonte: https://comicvine.gamespot.com

Figura 6 – Página da HQ America, Vol 1 #1, 2017

16
Fonte: http://fusion.net

15
Disponível em: <https://comicvine.gamespot.com/captain-america-comics-1-meet-captain-
america/4000-107870/>. Acesso em 11 abr. 2017
16
Disponível em : <http://fusion.net/america-chavez-marvels-first-queer-latina-superhero-i-
1793858930>. Acesso em 11 abr. 2017
23

Já a segunda imagem se trata de uma das páginas da primeira revista solo da


America (RIVERA; QUINONES, 2017), onde, à semelhança da capa da HQ do
Capitão América de 1941, a super-heroína aparece dando um soco na cara de
Hitler. America possui o poder de abrir portais para viajar para qualquer dimensão e,
na história em questão, a personagem acidentalmente viaja para uma dimensão
onde ainda é 1941, no meio da lendária luta entre Capitão América e Hitler.
A mensagem pretendida aqui não é de supremacia sobre a Alemanha (ou,
pelo menos, não só isso), e também faz mais do que apenas “reencenar” a famosa
cena do super-herói. Em uma época de extrema intolerância vinda de diversas
procedências e por diferentes motivações (cor, gênero, orientação sexual, etnia,
etc), apresentar uma imagem de uma super-heroína atualmente tão relevante, e que
contempla diversos grupos minorizados, lutando contra uma figura que simboliza a
opressão e intolerância, mostra-se como uma mensagem de esperança – não em
um contexto de guerra contra os outros países, mas sim contra a própria
intolerância.
Ambas as personagens apresentam-se em condições semelhantes: no
primeiro número de suas revistas, com nomes parecidos e em situações
semelhantes, mas transmitindo mensagens diferentes, para públicos diferentes e em
épocas distintas e que, portanto, devem ser analisadas de acordo com tais variáveis,
sem nunca igualar seus significados apenas por suas aparentes semelhanças17.
Ou seja, os indivíduos e a sociedade influenciam na produção das histórias
em quadrinhos, mas o inverso também ocorre. Da mesma forma, o público leitor não
é um receptáculo passivo, facilmente influenciável e manipulável pelos quadrinhos
que consome e pela mídia, uma vez que as informações recebidas por ele são
apreendidas de acordo com a interpretação que ele tem delas. O leitor pode, por
vezes, rejeitá-las, questioná-las, apropriar-se delas de acordo com sua própria
leitura, e até mesmo usá-las para fomentar mudanças diretas nos quadrinhos em si.
Desse modo, a cultura da mídia, da mesma forma que leva o seu público a sujeitar-

17
É importante comentar aqui que o quadrinho do Capitão América em questão não pode ser
reduzido apenas à representação da supremacia dos EUA na Segunda Guerra Mundial, mas também
como uma forma dos autores – imigrantes judeus – de se posicionarem em relação à situação que os
afetava diretamente. Sendo assim, essa edição se constitui como uma propaganda ideológica por
conta do uso que lhe é empregado, porém o quadrinho e a própria personagem do Capitão América
também podem ser interpretados a partir de um viés social.
24

se às forças de dominação, também disponibiliza recursos para que possam opor-se


a elas (KELLNER, 2001).
Portanto, agora que discorremos sobre a sociologia das histórias em
quadrinhos, expusemos sua importância, e esclarecemos alguns aspectos acerca da
produção social dos quadrinhos e do estudo desse objeto, é preciso delimitar o foco
desta pesquisa nas HQ’s de super-heróis. Isso será feito através da abordagem do
papel do herói, o que será discutido no próximo capítulo.
25

2. SUPER-HERÓIS DENTRO E FORA DOS QUADRINHOS

Com o objetivo de discutir a construção da identidade social do indivíduo e a


representatividade de grupos minorizados a partir das histórias em quadrinhos de
super-heróis, este capítulo irá primeiro abordar a importância da figura do herói fora
do contexto das HQ’s para, depois, examiná-la em conjunto com essas histórias.
Já a segunda parte do capítulo irá definir os conceitos de identidade e
representatividade, como ambos se relacionam e como a identidade é construída, de
modo a aplicar essas discussões ao caso das HQ’s de super-heróis.
Além disso, de forma a verificar e exemplificar o papel dos quadrinhos de
super-heróis na representatividade de grupos minorizados, serão utilizados como
exemplos as personagens William Kaplan (Billy), Theodore Altman (Teddy), David
Alleyne, e Loki, a partir das HQ’s Jovens Vingadores (2013-2014), Pecado Original
(2014), e Loki: Agente de Asgard (2014-2015), todas da editora Marvel Comics.

2.1 O papel do (super) herói

A figura do herói, como a conhecemos desde as mitologias antigas, é sempre


a de um ser extraordinário, com qualidades superiores – tanto físicas, quanto
intelectuais – às das pessoas comuns, indivíduos (ou deuses) capazes de grandes
feitos e que são sempre lembrados ao longo da História por suas proezas. Heróis
como Hércules, Aquiles, Sansão e Thor.
As histórias de heróis são, muitas vezes, imbuídas de valores e lições morais,
onde a jornada desse ser considerado superior é utilizada como ferramenta para nos
transmitir valores e ensinamentos para a nossa própria vida e jornada. Nesse
sentido, essas histórias e seus próprios heróis protagonistas são mitológicos, sendo
mito, segundo o Dicionário Houaiss (2001a, p. 1936), um “relato fantástico de
tradição oral, geralmente protagonizado por seres que encarnam, sob forma
simbólica, as forças da natureza e os aspectos gerais da condição humana”.
Os mitos são metáforas que têm o intuito de, dentre outras coisas, nos fazer
compreender importantes questões da vida e sobre nós mesmos, “[...] são histórias
de nossa busca da verdade, de sentido, de significação, através dos tempos. [...]
Precisamos que a vida tenha significação, precisamos tocar o eterno, compreender
o misterioso, descobrir o que somos.” (CAMPBELL, 1990, p. 16). Essas histórias
26

vão, então, lidar com grandes problemas humanos, comuns a quase todos,
principalmente no que se refere a questões morais que surgem ao longo de nossas
vidas. Sendo assim, os mitos possuem uma função intrinsecamente pedagógica
(CAMPBELL, 1990, p. 45).
As mitologias tratam de questões atemporais relativas ao ser humano, mas
cada uma delas é produzida de acordo com suas épocas e contextos específicos.
Os mitos, apesar de tratarem de temas que podem ser aplicados às nossas vidas
hoje em dia, são histórias em que é possível observarmos a influência de uma
cultura e época específicas. O mesmo ocorre com os quadrinhos de super-heróis
hoje em dia, nos quais os super-heróis configuram uma mitologia moderna,
relacionada às épocas e contextos em que são criados, utilizando-se de seres
extraordinários e de uma abordagem moderna para tratar de questões atuais, e por
vezes, até atemporais.
A figura do herói é aquela que representa justiça, bondade, coragem,
esperança, perseverança. Heróis são aqueles capazes de grandes feitos, em quem
nos espelhamos e a quem aspiramos ser, por carregarem valores e características
que estimamos. Por conta disso, a personagem do herói exerce grande poder e
influência sobre seus leitores, principalmente os mais jovens. Nós reconhecemos e
admiramos tais qualidades nessas figuras e nos identificamos com essas
personagens, na medida em que representam o poder de lutar a favor de seus
ideais e contra as forças opressoras, sejam elas quais forem. A identificação com o
super-herói, então, também surge devido a essa condição, na qual o leitor que se
sente oprimido pela sociedade se vê como impotente para mudar a condição de sua
própria opressão e enxerga, na figura do super-herói, uma força libertadora, capaz
de lutar contra a opressão e em sua defesa, alguém que fará “justiça em seu nome”.
Marny (1970, apud CHAGAS, 2008, p. 159) afirma que “[o]s homens têm uma
necessidade interior de heróis” e, apesar dessa constatação ser correta em
determinado aspecto, tal necessidade não é inerente ao indivíduo, mas sim, uma
necessidade socialmente construída, produzida a partir do momento em que o
indivíduo é introduzido na sociedade, resultado da opressão de um grupo dominante
sobre outro, oprimido.
Na época da Segunda Guerra Mundial, o Capitão América representava –
além da superioridade dos Estados Unidos, na visão da editora – a luta contra a
opressão do nazismo e o que este defendia. O super-herói foi criado como uma
27

personificação da liberdade que a luta contra esse mal traria e, por isso, era visto
como inspiração e ideal para muitos jovens na época (e até mesmo hoje em dia),
mas principalmente para aqueles que iam lutar na guerra. Para eles, o fato de existir
um super-herói tão admirado e que também lutava na guerra como eles, pelos
mesmos ideais que eles, além de gerar uma identificação importante, também lhes
dava a confiança e motivação para continuar lutando.
De acordo com os dados retirados do curso online Superhero Entertainments
(GORDON, 2016), entre os anos de 1941 e 1944, as vendas de quadrinhos
dobraram de 10 milhões para 20 milhões de cópias por mês, mesmo com a
escassez de papel. Além disso, nos campos de treinamento militar, 44% dos
homens liam histórias em quadrinhos regularmente, e 13% liam ocasionalmente.
Sendo assim, os soldados estadunidenses compunham boa parcela do público leitor
desse produto e, para muitos que estavam servindo, a experiência de guerra incluía
constantemente essas histórias em quadrinhos.
Exatamente por conta da influência dos super-heróis, como já mencionado,
frequentemente essas histórias são utilizadas para tratar de questões que
enfrentamos ao longo da vida (da mesma forma que os mitos), muitas vezes
relacionadas à moral, ao bem versus o mal, e outras que seguem a mesma linha.
Por exemplo, as histórias do Homem-Aranha lidam com questões como o poder e
responsabilidade, enquanto as da America Chavez tratam de questões como ser
mulher, latina e lésbica na sociedade de hoje.
Mas por que utilizamos metáforas como essas mitologias (modernas e
antigas), com elementos e seres fantásticos, como os super-heróis, para nos ensinar
e tratar de questões consideradas comuns? Isso se dá por ser mais fácil os leitores
se conectarem com as histórias que estão sendo contadas através da inserção
desses elementos extraordinários. Assim, com esses elementos, essa conexão se
dá muitas vezes sem o conhecimento total do leitor, o que torna a identificação com
a personagem e o engajamento com a história muito mais enraizados, além de fazer
com que a narrativa fique mais atrativa para o seu público. Pode não parecer, mas é
mais fácil e agradável para o público assimilar esse tipo de história do que aquelas
que tratam diretamente dos problemas e questões que enfrentamos na sociedade,
sem nenhum tipo de elemento atenuante. E isso não é relativo apenas ao público
infantil:
28

Como adultos, não estamos dispostos a encarar problemas profundos e


emocionalmente desafiadores diretamente - nós frequentemente estamos
mais à vontade quando podemos abordar um problema de certa distância.
[...] O Super-Homem é um mito sobre a experiência imigrante. O Batman
surgiu como um meio de tratar do descontentamento com o crime e a
cumplicidade por parte do governo. (USLAN, 2015, tradução minha)

Essas histórias possuem o atrativo de falar de algo próximo da realidade de


seus leitores, de demonstrar compreensão com suas angústias e fazer com que não
se sintam sozinhos, além de apresentarem uma maneira de lidar com suas
preocupações, de discutir e lidar com os problemas e dificuldades que assolam a
sua sociedade naquele momento. Tudo isso é feito de um modo que cativa as mais
diversas idades: utilizando como ferramenta principal personagens que – com super
poderes ou não – fascinam por suas qualidades admiráveis e por lutarem por aquilo
em que acreditam, independente das dificuldades a serem enfrentadas.
Mas há um momento em que a construção da figura do super-herói das
histórias em quadrinhos deixa de ser a de um indivíduo perfeito, incapaz de cometer
erros, e passa a ser de uma figura mais “humanizada”. Os leitores passam a se
identificar e conectar com os heróis por conta dos seus erros e defeitos, pelas
características que os tornam humanos, e não somente por suas qualidades e
virtudes sobre-humanas. As histórias também sofrem uma mudança de conteúdo e
seus dramas passam a ter um grande foco nos aspectos humanos, nas questões
consideradas mais ordinárias da vida do herói, e não somente em torno de suas
missões e feitos enquanto super-herói. Ele não é mais somente alguém a quem
aspiramos ser, mas alguém em quem de fato nos enxergamos:
O erro se torna parte da construção social e da teia de significados (Geertz,
1987) dos super-heróis. A velha forma, dos seres inabaláveis, que não
erram e não tem problemas, não funciona mais. É preciso que haja uma
identificação do público com o seu super-herói e para que isso ocorra,
esses devem estar dentro dos padrões de cada momento histórico, ainda
que de um modo diferente das pessoas comuns. (CHAGAS, 2008, p. 151)

O icônico arco narrativo “Demônio na Garrafa” (MICHELINIE; LAYTON;


ROMITA, JR., 1979), do super-herói Homem de Ferro, representa muito bem essa
mudança no modo de retratar a figura do herói (Figura 7). Na história em questão, o
vilão que Tony Stark (alter ego do Homem de Ferro) deve derrotar não é um
supervilão querendo dominar o mundo, mas sim, o seu próprio vício em bebidas.
Nesse arco, o maior vilão do herói acaba sendo ele mesmo e, pela primeira vez, os
leitores presenciam o que há de pior em Tony Stark, suas maiores falhas e
imperfeições, diferente do que era apresentado até aquele momento: um homem
29

branco, rico, bonito e inteligente, que tinha a solução para tudo e quase sempre
conseguia o que queria. Para os dias de hoje, esse tipo de história pode não
impressionar tanto assim, mas para a época, a discussão de um tema como esse
nos quadrinhos, e de uma forma tão mais incisiva do que os leitores estavam
acostumados, foi uma inovação e representou uma mudança na forma como os
super-heróis eram retratados.

Figura 7 – Capa de Iron Man, Vol 1 #128, 1979

18
Fonte: http://www.coverbrowser.com

Partindo da questão da identificação dos leitores com os super-heróis, a


seguir irei discutir como tal identificação auxilia na construção de uma identidade
social de seu público leitor, e também na representatividade de grupos minorizados,
tendo como foco mulheres e grupos LGBTQ.

18
Disponível em : <http://www.coverbrowser.com/image/iron-man/128-1.jpg>. Acesso em 9 mai. 2017
30

2.2 Identidade e representatividade

Primeiro, é preciso definir o que entendemos como identidade, para depois


estabelecermos o conceito de representatividade; como os dois se relacionam, como
a identidade é construída; e, por fim, que papel as histórias em quadrinhos de super-
heróis desempenham no desenvolvimento desses dois fatores.
Para fins deste trabalho, utilizo algumas concepções de “identidade” a partir
das quais esta discussão é desenvolvida, sendo elas a compreensão de identidade
de acordo com o sociólogo francês Claude Dubar, trabalhada por Faria e Trevisan
de Souza (2011); e as definições do termo estabelecidas pelo Dicionário Houaiss
(2001b).
Sendo assim, a identidade é aqui compreendida como “a consciência da
persistência da própria personalidade”; “[aquilo] que faz que uma coisa seja a
mesma (ou da mesma natureza) que outra”; e “[o] conjunto de características e
circunstâncias que distinguem uma pessoa ou uma coisa e graças às quais é
possível individualizá-la” (HOUAISS; VILLAR; FRANCO, 2001b, p. 1565). Temos
também que “[...] a identidade para si não se separa da identidade para o outro, pois
a primeira é correlata à segunda: reconhece-se pelo olhar do outro.” (DUBAR apud
FARIA; TREVISAN DE SOUZA, 2011, p. 36).
A partir dessas definições, é possível concluir que a identidade é aquilo que
compõe o “eu”, o “outro” e o “nós”. Ou seja, ao mesmo tempo em que ela
individualiza o sujeito através dessas características e circunstâncias que a
constituem, também o auxilia a se situar dentro de um ou mais grupos que
compartilham dessas mesmas características que o sujeito enxerga em si mesmo.
A representatividade, por sua vez, ocorre quando, dentro de determinado
contexto – como, por exemplo, uma situação política ou um produto midiático –, o
indivíduo cria relações de empatia, enxergando naquela situação um símbolo que
expresse suas ideias, posicionamentos e sua própria identidade.
A partir desse símbolo, diferentes pessoas que partilham de ideias,
posicionamentos e até mesmo aspectos identitários semelhantes, passam a se
perceber como um grupo, o que muitas vezes gera um sentimento de pertencimento.
No momento em que o sujeito, enquanto ser social, sente-se parte de determinado
grupo, passa a considerar que ele e seus membros possuem agência para
31

representá-lo no que se refere aos aspectos com os quais se identifica em primeiro


lugar.
Isso se dá pois ele compreende que esses grupos e indivíduos reconhecem
os problemas, questões e demais particularidades sobre suas vidas e identidades de
um modo não claramente perceptível ou compreensível por outros, uma vez que não
fazem parte dessa comunidade e não partilham das características que, ao mesmo
tempo, os define, singulariza e unifica.
A representatividade não limita o sujeito, impondo regras e normas, mas sim
apresenta algumas das possibilidades de expressão dos indivíduos do grupo, tanto
para aqueles que fazem parte dele quanto para os que não fazem parte.
Assim, podemos dizer que a identidade possui uma ligação direta com o
sentimento de pertencimento do indivíduo em relação aos grupos com os quais se
identifica, uma vez que, para que essa identificação ocorra é necessário que o
sujeito tenha uma percepção sobre si mesmo, ainda que esta nunca seja completa e
também seja mutável, visto que nossa própria identidade está em constante
transformação.
A identidade é, então, um fator crucial para o estabelecimento da
representatividade de um grupo ou indivíduo, assim como também é fundamental
para a própria existência deste grupo e para sua construção enquanto coletivo.
Como já abordado anteriormente, nós sentimos uma necessidade de descobrir o
que somos (CAMPBELL, 1990, p. 16), de estabelecer nossa identidade e, com isso,
ser e fazer parte de algo.
Esses diferentes grupos dos quais fazemos parte ao longo de nossas vidas
não só partilham de alguns dos nossos aspectos identitários, mas também ajudam a
nos estabelecer enquanto indivíduos na sociedade, auxiliando a moldar nossa
própria identidade. Seja do núcleo familiar; profissional; escolar; ou grupos formados
pelas pessoas com quem nos identificamos por compartilharem traços da nossa
identidade, como orientação sexual; gênero; cor; etc., todas essas pessoas e grupos
são, em alguma instância, importantes na construção de quem somos, visto que
atuam como mediadores da cultura dos mundos que habitamos, composta por
valores, sentidos e símbolos. (HALL, 2005, p. 11)
É através da nossa constante interação com a sociedade que nossa
identidade se constrói e se modifica em um processo contínuo. Assim, não
possuímos:
32

[...] uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se


uma “celebração móvel”. O sujeito assume identidades diferentes em
diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um
“eu” coerente. (HALL, 2005, p. 12)

Ou seja, as diferentes identidades que construímos ao longo da vida não vão


ser necessariamente condizentes umas com as outras. Nossos valores, ideais e até
mesmo quem somos e com o que nos identificamos se modificam com o tempo e
conforme interagimos com diferentes grupos e indivíduos. Por vezes, assumimos
identidades que vão de encontro com a forma como nos identificávamos e a
compreensão que tínhamos de nós mesmos em determinado ponto de nossas vidas.
“Assim, em vez de falar da identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar
de identificação, e vê-la como um processo em andamento.” (HALL, 2005, p. 39)
A mídia também exerce um grande papel nesse processo contínuo que é a
construção da identidade dos indivíduos e dos grupos. Ela produz e fornece imagens
que traduzem e ajudam a construir os estilos culturais existentes e que são meios de
identificação com e para determinados grupos.
Essa identificação, por sua vez, não é automática, podendo ser perdida ou
ganhada (HALL, 2005, p. 21). Tal fato evidencia o caráter político das identidades.
Ou seja, as identidades também são ferramentas políticas construídas em meio a
situações de conflito e resistência, uma vez que pressupõem a afirmação de certos
ideais e a rejeição de outros. Ela não é apenas a afirmação de quem somos, mas
também daquilo em que acreditamos.
Uma vez definido o que aqui se entende por identidade e representatividade,
e tendo abordado a construção da identidade no mundo midiático atual, devemos
direcionar esta discussão ao foco desta pesquisa, os grupos minorizados, com o
intuito de discutir que papéis as histórias em quadrinhos de super-heróis
desempenham na construção da identidade e na representatividade desses grupos
e seus membros.
Utiliza-se o termo “grupos minorizados” como definido pelo pesquisador
Ricardo Alexino Ferreira no “sentido conceitual de segmentos sociais que,
independente da quantidade, têm pouca representação social, econômica (inserção
no mercado de trabalho, ocupação de cargos de poder e outros) e política.”
(FERREIRA, 2005, p. 655) Ao contrário do termo “grupos minoritários”, que dava
margens à interpretação de que estes seriam referidos como minorias em termos de
número (o que muitas vezes não é o caso), entendê-los como minorizados tem por
33

objetivo distingui-los apenas como grupos à margem dos interesses sociais


hegemônicos.
No caso desta pesquisa, o foco se encontra nas mulheres e nos grupos
LGBTQ, que compreende Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais,
Transgêneros e Queers. Se identificam como queers as pessoas que se
reconhecem como não-binárias19 e que não se sentem contempladas pelas outras
definições da sigla – o que não exclui a possibilidade desses outros também se
identificaram como queers. O termo compreende, por exemplo, assexuais20,
arromânticos21, pansexualidade22, genderfluid22, intersex23, entre outros. A
relevância do termo queer se dá visto que surgiu em um contexto de movimentos
que se pautavam menos pela demanda de aceitação ou incorporação pela
sociedade, e focavam mais na crítica às exigências sociais, aos valores e às
convenções culturais como forças autoritárias e preconceituosas (MISKOLCI, 2012,
p. 25). Além disso, o termo acolhe e reconhece a existência de indivíduos que não
se encaixam no padrão heteronormativo24 da sociedade e que muitas vezes são
apagados do próprio movimento LGBT.
Esses grupos, que estão à margem dos interesses sociais por não se
encaixarem no padrão imposto pela sociedade, muitas vezes não se veem
contemplados nas grandes mídias, como televisão, cinema e histórias em
quadrinhos. Essa carência de representatividade, além de não retratar a realidade
em que vivemos, transmite a mensagem de que esses indivíduos seriam menos
importantes e não merecem o mesmo tratamento e direitos que aqueles que se
encaixam no modelo social.
A existência da representatividade desses grupos em uma mídia de grande
visibilidade como os quadrinhos de super-heróis é uma forma de afirmar a
19
Não-binário é um termo que abarca diferentes identidades, tanto de gênero quanto de orientação
sexual, em que o individuo não se identifica exclusivamente com o gênero feminino ou masculino,
podendo demonstrar comportamentos que não se limitam ao que a sociedade tradicionalmente
identifica como masculinos ou femininos. Com relação à orientação sexual, o individuo não se
identifica exclusivamente com a hetero ou homossexualidade, optando, por vezes, não classificar sua
sexualidade.
20
Termo usado para designar pessoas que não sentem atração sexual por nenhum dos gêneros.
21
Termo usado para designar pessoas que não sentem atração romântica nenhum dos gêneros.
22
Os termos “pansexualidade” e “genderfluid” serão trabalhados nos parágrafos mais a frente.
23
Termo usado para designar as pessoas que nascem com características reprodutivas ou sexuais
que fazem com que elas não se encaixem exclusivamente no padrão de apenas um sexo.
24
Segundo Miskolci (2012, p. 15), “A heteronormatividade seria a ordem sexual do presente, na qual
todo mundo é criado para ser heterossexual, ou – mesmo que não venha a se relacionar com
pessoas do sexo oposto – para que adote o modelo da heterossexualidade em sua vida”.
34

identidade desses indivíduos. É um meio de reafirmar o direito à sua própria


identidade, mesmo que esta não se encaixe nos padrões da sociedade, já que
muitas vezes “[...] as identidades socialmente prescritas são uma forma de
disciplinamento social, de controle, de normalização.” (MISKOLCI, 2012, p. 18).
Além disso, a representatividade também fortalece a luta por igualdade de direitos e
de tratamento. Os quadrinhos podem agir como uma força social que estimula e
contribui nesta luta, sendo essencial a organização em grupo e o apoio que essas
pessoas oferecem umas às outras dentro das comunidades.
O fato de se tratarem de quadrinhos de super-heróis é ainda mais significativo
para essa questão, pois, como visto anteriormente, o herói é a figura de um grande
indivíduo que abarca os valores e qualidades que são prezados pela sociedade,
representando ordem e justiça. Ele também é aquele que toma para si a
responsabilidade de combater o "mal" - que pode se apresentar de diversas formas -
e tornar o mundo um lugar mais justo. Sendo assim, a presença e a utilização de
personagens pertencentes a grupos minorizados no papel de heróis, em posições de
destaque e liderança, além de incluir uma necessária variedade de personagens,
enredos e questões importantes a serem abordados, também representa "[...] um
substituto imaginário para os leitores que são oprimidos e não conseguem se
enxergar como agentes de sua própria libertação." (VIANA, 2008, p. 4).
O herói é aquela figura em quem nos espelhamos, que nos mostra como
enfrentar e superar os problemas e que, de certa forma, nos guia ao longo da vida.
Logo, ter como exemplo uma personagem pertencente aos grupos minorizados na
posição de herói, reafirma a legitimidade dos problemas, questionamentos e
vivências do grupo, sendo eles tão válidos quanto os que são geralmente abordados
pela sociedade. É também uma forma de empoderamento ao salientar que essas
pessoas e grupos merecem e devem ocupar tais espaços tanto quanto qualquer
outra pessoa.
A título de exemplo, tomaremos como base a HQ dos Jovens Vingadores
(2013-2014), da editora Marvel Comics. A história gira em torno de um grupo de
super-heróis adolescentes e jovens adultos, sendo direcionada a um público de
mesma faixa etária, e aborda temáticas e questões que ressoam diretamente junto
ao público leitor. A equipe dos Jovens Vingadores teve duas formações principais,
mas este capítulo foca nas personagens William Kaplan (Billy), Theodore Altman
(Teddy), David Alleyne, e Loki.
35

Começando com Billy e Teddy, irei abordar sua importância como


personagens e de seu relacionamento para esse tipo de quadrinho, que configura
um exemplo de uma relação saudável tanto entre eles quanto com os respectivos
pais. A forma como essas personagens são apresentadas nas páginas do quadrinho
é extremamente natural, sem diferenciá-las do resto das personagens por serem
gays; o mesmo ocorre com as cenas românticas entre os dois, que são tratadas
como todas as outras, ressaltando que essa é uma parte normal da vida do casal. A
única coisa que os diferencia de jovens comuns é o fato de terem superpoderes.
Sua orientação sexual é compreendida como algo que não precisa ser discutido,
estando no foco do convívio social outros assuntos comuns à vida de um jovem,
como relacionamentos, amizades, interesses, etc., além também daquelas ligadas
às suas vidas de super-heróis (EDWARDS, 2014). Essas questões se tornam ainda
mais pertinentes por se tratarem de super-heróis e de personagens centrais do
quadrinho, com o mesmo destaque que os outros membros da equipe. Casais gays
já foram apresentados nos quadrinhos; entretanto, raramente essas personagens
ocupam papéis de destaque nas histórias, e é ainda mais difícil encontrar trabalhos
direcionados especificamente para o público adolescente, sendo esta uma idade
significativa no processo de descoberta e construção da identidade.
Indo para a terceira personagem utilizada como exemplo, David Alleyne:
jovem negro e bissexual, que diferente de Billy e Teddy, foi introduzido no universo
Marvel antes dos quadrinhos dos Jovens Vingadores, em 2003. Antes de entrar para
a equipe, David era um dos estudantes da Escola para Superdotados do Professor
Xavier, com o poder de absorver telepaticamente o conhecimento das pessoas ao
seu redor. Em um dos acontecimentos do universo dos quadrinhos da Marvel, ele e
diversos outros mutantes perdem seus poderes; contudo, ele retém todo o
conhecimento que já havia absorvido, utilizando-o para ajudar diversos super-heróis
e, no caso dos quadrinhos dos Jovens Vingadores, agir junto aos super-heróis como
um deles.
Essa personagem conta com uma diferença importante de Billy e Teddy: além
de já ter sido apresentado antes de fazer parte dos Jovens Vingadores, sua
orientação sexual nunca havia sido mencionada e ele só indica ser bissexual nas
páginas dessa HQ, enquanto Billy e Teddy já foram introduzidos na história como
personagens gays. Esse é um ponto importante, pois o autor se utiliza de uma
personagem já existente e a desloca do padrão heteronormativo, que assume que
36

todas as pessoas são heterossexuais “por natureza”. Isto é, quando uma nova
personagem é introduzida, mesmo que não haja nenhuma indicação de sua
orientação sexual, normalmente supõe-se que ela seja heterossexual, o que, além
de nem sempre ser verdade, também contribui para o apagamento da comunidade
LGBTQ na mídia e fora dela.
O momento em que David revela ser bissexual é muito significativo pela forma
como isso se dá e como é explicado. Em um dos quadrinhos, David beija Teddy, que
fica muito confuso com a situação, pois não imaginava que David não fosse
heterossexual. Na página da HQ apresentada abaixo (Figura 8), Teddy o está
questionando quanto a isso, ao perguntar desde quando que ele é gay, e David
responde: “Eu sou bi. Nunca disse isso em voz alta.” (GILLEN; MCKELVIE, 2013a,
p. 8, tradução minha).

Figura 8 – Quadros de Young Avengers, Vol. 2 #9, 2013

25
Fonte: http://readcomiconline.to

O “dizer em voz alta”, ou seja, explicitar a orientação sexual da personagem,


é algo importante, principalmente por se tratar da bissexualidade – que sofre mais
apagamento na mídia do que a homossexualidade26 –, e mais ainda por se tratar de
um homem negro. As personagens masculinas são frequentemente encaixadas em
uma dicotomia, na qual só podem seguir ou o padrão heterossexual ou o padrão
homossexual (EDWARDS, 2014), onde certos clichês heteronormativos devem ser

25
Disponível em: <http://readcomiconline.to/Comic/Young-Avengers-2013/Issue-9?id=2624#8>.
Acesso em 13 jul. 2017
26
De acordo com o relatório anual sobre inclusão LGBTQ elaborado pelo GLAAD (Gay & Lesbian
Alliance Against Defamation) (2017), dos 278 personagens LGBTQ regulares e recorrentes nas séries
atuais dos canais de TV abertos, pagos e de serviços de streaming nos EUA, apenas 30% são
bissexuais (83 personagens), em comparação à quantidade de personagens gays, 41% (115
personagens).
37

seguidos (como o do gay “afetado”, exagerado, etc.). E quando se tem uma


personagem bissexual, na maioria das vezes é uma mulher27. Essa visão dicotômica
da sexualidade contribui para o apagamento da bissexualidade na mídia 28 e na
sociedade.
O que o quadrinho dos Jovens Vingadores faz ao colocar a bissexualidade
em evidência e afirmar a sua existência é empoderar as pessoas que se identificam
desta forma, ainda mais quando tantos não acreditam que a bissexualidade exista,
tomando-a como “apenas uma fase” da vida de alguém que está indeciso entre a
heterossexualidade e a homossexualidade29. Por vezes a bissexualidade é
discriminada até mesmo dentro do próprio movimento LGBTQ30, assim como outras
identidades que fogem do padrão binário de compreensão do mundo, como
assexual, genderfluid, pansexual, entre outros.
Voltando ao quadrinho, após David afirmar que é bissexual, ele explica como
essa revelação aconteceu para ele: “Eu percebi, bem, você sabe como os meus
poderes funcionam? Absorvendo tudo, exceto os poderes das pessoas? Bem, eu
absorvia tudo, habilidades, talentos e algumas outras coisas. E quando a minha
mutação enlouqueceu e eu fiquei com tudo que já absorvi... Eu fiquei com tudo
mesmo.” (GILLEN; MCKELVIE, 2013a, p. 8, tradução minha). Teddy questiona se
isso não foi esquisito, querendo dizer que seria estranho de repente obter uma
característica que, em tese, não é sua, e que é algo tão individual de outra pessoa.
David, então responde: “Não, isso que é estranho. Foi como um despertar. Foi como
perceber algo que sempre foi verdade e eu só não consegui ver até agora. Como se
fossem todas as portas na minha cabeça se abrindo.” (GILLEN; MCKELVIE, 2013a,

27
De acordo com o relatório anual sobre inclusão LGBTQ elaborado pelo GLAAD (Gay & Lesbian
Alliance Against Defamation) (2017), dos 83 personagens bissexuais regulares e recorrentes nas
séries atuais dos canais de TV abertos, pagos e de serviços de streaming nos EUA, 77% são
mulheres (64 personagens), em comparação com apenas 19 personagens homens, cerca de 23%.
28
Segundo a autora e militante da causa bissexual, Robyn Ochs (GLAAD, 2015, tradução minha), “[o]
apagamento bissexual ou invisibilidade bissexual é um problema frequente no qual a existência ou
legitimidade da bissexualidade (tanto em geral quanto em relação ao indivíduo) é questionada ou
completamente negada.”.
29
A bissexualidade é frequentemente considerada uma fase de transição para uma orientação gay ou
lésbica estável, e não uma orientação válida por si só. (SAN FRANCISCO HUMAN RIGHTS
COMMISSION, 2011)
30
"De acordo com diversos estudos, pessoas que se identificam como bissexuais compõem a maior
parte da população LGBT nos EUA. Os bissexuais vivenciam altas taxas de discriminação,
demonização, são ignorados ou tratados como invisíveis tanto pelo mundo heterossexual quanto as
comunidades lésbicas e gays. Por vezes, sua orientação sexual é considerada como inválida, imoral
ou irrelevante." (GOODE, 2011, tradução minha)
38

p. 8, tradução minha). Essa revelação e a forma como foi trabalhada no quadrinho é


de grande relevância, pois, nas palavras do autor Kieron Gillen (2013b, p. 24,
tradução minha): “A narrativa do “eu sempre soube que era assim” com certeza é
uma história, mas não é a história de todo mundo. Alguém descobrindo sobre si
mesmo através das vivências também é verdade e essas realizações podem ser
profundas e maravilhosas.”.
A abordagem do quadrinho é bem pertinente, principalmente considerando o
público leitor para o qual é direcionado, pois consegue apresentar diferentes formas
de descobrimento de si mesmo, destacando que isso não é algo incomum e que
outras pessoas também passam por situações semelhantes. Dessa forma, a
trajetória do herói pode servir como exemplo e orientar a própria trajetória do leitor,
como já foi mencionado no subcapítulo anterior.
Um dos objetivos desse quadrinho é apresentar aos seus leitores uma grande
diversidade de personagens em relação a questões de identidade de gênero, etnia,
orientação sexual, personalidade, como se posicionam perante a sociedade, etc. De
uma forma leve e natural, o público estabelece empatia com tais personagens e
enxerga neles exemplos que possam ajudar em sua própria trajetória.
Por fim, será usado como exemplo Loki, um dos deuses do reino de Asgard e
uma personagem bastante conhecida do universo Marvel. Loki surge nos quadrinhos
exclusivamente como vilão, mas aos poucos tem feito uma transição para uma figura
mais próxima do herói, transição essa que é aprofundada em seu quadrinho solo,
lançado logo após Jovens Vingadores.
Nessa HQ, é mencionado que Loki é bissexual/pansexual 31 e genderfluid,
mas algumas indicações sobre sua orientação sexual já podem ser encontradas no
próprio quadrinho dos Jovens Vingadores, quando ele, ao conversar com David,
afirma: “Minha cultura não compartilha do mesmo conceito de identidade sexual que

31
"A bissexualidade descreve qualquer um cuja atração não se limita a apenas um sexo. O termo
vem da ciência e descreve uma pessoa com atração tanto homossexual (pelo mesmo sexo) e
heterossexual (pelo sexo oposto). É uma palavra abrangente e inclusiva que descreve um grupo
diverso de pessoas com uma grande variedade de experiências com atrações pelo mesmo sexo e
pelo sexo oposto. Como termo científico, o bissexual não é só uma classificação identitária, também é
uma orientação sexual que pode descrever uma série de comportamentos. " (BISEXUAL.ORG, 2013,
tradução minha) As pessoas que se identificam como pansexuais buscam deixar claro que sentem
atração por todos os gêneros, independente de noções tradicionais de masculino e feminino,
incluindo transexuais, genderqueers e outras identidades. Como a bissexualidade é a atração por
mais de um gênero, a pansexualidade também é considerada uma identidade bissexual.
39

vocês. Existem atos sexuais, e é isso.” (GILLEN; MCKELVIE, 2014, p. 12, tradução
minha), (Figura 9).
Ao dizer isso, Loki está indo contra a tendência da nossa sociedade de
enclausurar qualquer tipo de identidade (seja ela sexual, de gênero, ou outra) em
padrões preconcebidos. No entendimento moderno da sexualidade, isso daria
abertura para a leitura de que ele é bissexual/pansexual, o que vai ser confirmado
pelo autor Al Ewing na revista solo de Loki, Agente de Asgard (2014-2015). Isso foi
confirmado pelo autor antes mesmo do quadrinho ser lançado, em resposta à
pergunta de uma fã na rede social Tumblr: “Sim, o Loki é bi e eu vou focar nesse
assunto. Ele também vai mudar ocasionalmente de gênero.” (EWING apud ASHER-
PERRIN, 2014, tradução minha)

Figura 9 – Quadro de Young Avengers, Vol. 2 #15, 2014

32
Fonte: http://readcomiconline.to

Por poder “mudar de gênero”, Loki passou a ser considerado como


genderfluid (ou genderqueer), que traduzindo seria algo como “fluidez de gênero”, no
sentido de que a identidade de gênero com a qual o indivíduo se identifica é fluida e
varia, podendo ser muitas vezes uma mistura dos dois gêneros tradicionais (homem
e mulher), mas também ter, em certos momentos, uma inclinação maior para o
gênero masculino ou para o feminino.
No caso da personagem Loki, por se tratar de um indivíduo fictício, de outro
planeta e que ainda é um deus, ela possui de fato a habilidade de mudar fisicamente

32
Disponível em: < http://readcomiconline.to/Comic/Young-Avengers-2013/Issue-15?id=2614#11>.
Acesso em 13 jul. 2017
40

de gênero quando quiser. No entendimento do termo genderfluid e na nossa


realidade, onde as pessoas não conseguem mudar fisicamente de quando querem
dessa forma, é preciso ter cuidado ao utilizar esse termo, pois ele não se refere à
aparência física de uma pessoa, mas sim à sua identidade de gênero, o gênero com
que ela se identifica e a partir do qual se enxerga, independente das suas
características físicas. Então, considerar Loki como genderfluid apenas pelo fato de
poder mudar de aparência física, como já fez diversas vezes em outros quadrinhos
anteriormente (até para formas não-humanas), é um equívoco (ASHER-PERRIN,
2014).
Loki sempre foi capaz de se transformar no que quisesse, mas este poder só
era utilizado pela personagem para obter alguma coisa, enganar alguém, se passar
por outra pessoa, passar despercebido, etc., e ele continuava se identificando e
referindo a si como homem, mesmo em outras formas (a menos que fosse para
enganar alguém). Porém, no caso deste quadrinho, quando muda de gênero é
possível observarmos em diversas situações que ele, de fato, se identifica com
aquele gênero e as pessoas ao seu redor também passam a reconhecê-lo por ele.
E, por vezes, Loki se identifica com ambos os gêneros, visto que sua identificação é
fluida.
O fato da personagem mudar visualmente de gênero pode ter sido utilizado
como um artifício pelo autor e pelo artista para apresentar essa temática, além de
ser uma forma de explicar e ilustrar a questão do genderfluid para as pessoas que
podem não estar acostumadas ou não conhecer essa identidade. Tal artifício pode
ter seus aspectos negativos, pois talvez leve alguém que desconheça do assunto a
um entendimento errôneo da identidade genderfluid. Porém, é uma forma lúdica de
iniciar uma discussão importante sobre o tema.
Antes de falar da HQ Loki: Agente de Asgard, o primeiro quadrinho a ser
utilizado para exemplificar a fluidez de identidade de gênero da personagem Loki é o
Pecado Original: Thor & Loki: O Último Reino (2014). Nessa história, Loki se
transforma em mulher para fazer parte de um grupo de anjos mulheres que
governam o Décimo Reino, conhecido como Céu. Ela se transforma para se sentir
parte de uma família naquela sociedade feminina, a convite da própria Rainha do
Céu. Como já explicado anteriormente, Loki não “vira” mulher para enganar ou se
passar por alguém, ela não abdica da sua identidade para ser outra pessoa. Tanto
Loki quanto as pessoas ao seu redor encaram essa mudança com grande
41

naturalidade e passam a se referir a ela usando pronomes femininos. A Figura 10


apresenta um dos quadros da HQ, onde Thor, irmão de Loki, em uma busca por sua
irmã Angela, é capturado pelos anjos, momentos após descobrir que Loki agora usa
um corpo feminino e juntou-se aos anjos do Reino do Céu.
Ao ser questionado pela Rainha do Céu sobre o que queria, Thor responde:
“Minha irmã. A irmã que você roubou de mim.” (EWING et al., 2014a, p. 10, tradução
minha). Ao dizer que possui duas irmãs, Thor reconhece que Loki se identifica como
mulher naquele momento.

Figura 10 – Quadro de Original Sin, Vol. 1 #05.4, 2014

33
Fonte: http://view-comic.com/

Em outro ponto de Pecado Original, Odin, ao se referir aos seus filhos – Thor,
Loki e Angela –, diz: “Meus filhos. Meu filho e minha filha e minha criança que é
ambos.” (EWING et al., 2014b, p. 18, tradução minha) (Figura 11). A forma como
eles se referem a Loki, tanto seu pai quanto seu irmão, é muito importante, pois o
modo de se referir a uma pessoa demonstra o seu reconhecimento ou não da
identidade dela, a aceitação de quem ela é.

33
Disponível em: < http://view-comic.com/original-sin-thor-loki-004-2014/>. Acesso em 17 jul. 2017
42

Figura 11 – Quadro de Original Sin, Vol. 1 #05.5, 2014

34
Fonte: http://view-comic.com/

Já no quadrinho Loki: Agente de Asgard, existem vários momentos que


mostram esse entendimento da identidade de gênero de Loki, sendo um dos mais
relevantes e explicativos na edição nº 5 (Figura 12). Nele, Loki e Lorelei (uma das
personagens da história) estão tentando escapar por um portão considerado
impenetrável, impossível de se abrir de fora a não ser com a chave, e Lorelei sugere
a ele – que nesse momento está uma aparência masculina – se transformar em uma
mosca para passar pelo buraco da fechadura. No quadro seguinte, Loki – agora com
uma aparência feminina – diz que isso não é tão simples, visto que seu poder agora
não é mais forte quanto antes e que mudar de forma tem um custo. Lorelei,
observando a mudança de Loki de uma aparência masculina para uma feminina,
começa a comentar sobre o fato. Entretanto, Loki a interrompe dizendo: “Oh, eu
posso me transformar em mim mesmo. Isso não é um problema. Eu posso me
transformar em qualquer coisa desde que seja eu.” (EWING; GARBETT, 2014, p. 11,
tradução minha)

34
Disponível em: < http://view-comic.com/original-sin-thor-loki-005-2014/>. Acesso em 17 jul. 2017
43

Figura 12 – Quadros de Loki: Agent of Asgard, Vol. 1 #5, 2014

35
Fonte: http://readcomiconline.to/

Isso quer dizer que Loki considera ambas as formas (masculina e feminina)
como parte de sua identidade e mudar sua aparência para um corpo feminino não
demanda muito do seu poder, pois não está se transformando em algo que seja
“fora de sua realidade”, visto que essa é uma das formas como se enxerga e se
identifica.
Por último, em Loki: Agente de Asgard, o autor-narrador sempre faz uma
recapitulação no início de cada nova edição do quadrinho. Na recapitulação da
edição 16, ele se refere à Loki como “Deusa das Histórias” (EWING; GARBETT,
2015a, p. 2, tradução minha), pois no final da anterior ela apresentava a aparência
de uma mulher. Já na recapitulação da edição 17, o autor-narrador refere-se a Loki
no masculino, como “Deus das Histórias” (EWING; GARBETT, 2015b, p. 2, tradução

35
Disponível em: < http://readcomiconline.to/Comic/Loki-Agent-of-Asgard/Issue-5?id=11901#11>.
Acesso em 19 jul. 2017
44

minha), pois no final da anterior ele apresentava a aparência de um homem (Figuras


13 e 14).

Figura 13 – Figura 14 –
Página de Loki: Agent of Asgard, Vol. 1 #16, 2015 Página de Loki: Agent of Asgard, Vol. 1 #17, 2015

36 37
Fonte: http://readcomiconline.to/ Fonte: http://readcomiconline.to/

Essa é outra ferramenta importante para, além de situar o leitor, também


atuar como mais uma reafirmação da identidade da personagem. O fato de se tratar
de uma figura “respeitável” de fora, que é o autor, concede uma legitimidade a ela e
à sua identidade. Ademais, o modo como aborda com naturalidade essa questão,
que parece não ser “natural” hoje em dia, é importante para que se inicie um diálogo
sobre o tema, para que ele deixe de causar estranhamento. “Ficção ou não, as
representações de grupos minoritários38 na mídia auxiliam o público geral a

36
Disponível em: < http://readcomiconline.to/Comic/Loki-Agent-of-Asgard/Issue-16?id=11892#2>.
Acesso em 19 jul. 2017
37
Disponível em: < http://readcomiconline.to/Comic/Loki-Agent-of-Asgard/Issue-17?id=11894#2>.
Acesso em 19 jul. 2017
38
Cabe destacar que o uso do termo “grupos minoritários” neste trecho é apenas para respeitar a
construção original do autor, visto que ao longo deste trabalho optou-se pelo uso do termo “grupos
minorizados”.
45

reconhecer, se identificar com e humanizar um grupo com o qual ele pode não
interagir no seu dia a dia.” (CRUZ, 2014, tradução minha).
Hoje em dia, é possível termos histórias em quadrinhos como as dos Jovens
Vingadores, Loki e muitas outras, pois elas estão inseridas em um contexto em que
determinadas discussões estão em pauta, e o entendimento de questões como
identidade, gênero, sexualidade, etc., é muito mais amplo. Mas, em outras épocas,
os quadrinhos também foram veículos de outras discussões pertinentes
relacionadas aos contextos nos quais foram criados, o que será abordado no
próximo capítulo.
46

3. PERSPECTIVA HISTÓRICO-SOCIAL SOBRE AS HISTÓRIAS EM


QUADRINHOS

Este capítulo, em um primeiro momento, apresentará a linha cronológica do


desenvolvimento das histórias em quadrinhos de super-heróis, relacionando-as com
seus respectivos contextos históricos e sociais. Esta contextualização se faz
necessária, visto que é importante traçar a trajetória do objeto de estudo aqui
trabalhado para compreender e exemplificar de que formas as histórias em
quadrinhos são influenciadas e influenciam os contextos sociais e históricos em que
estão inseridas.
Em seguida, será explicitado de que maneiras as histórias em quadrinhos
podem agir como ferramentas engajamento identitário e como força social. Para tal,
serão utilizados como exemplos o movimento The Hawkeye Initiative (iniciado em
2012) e as capas das revistas em quadrinhos Invincible Iron Man, Vol 3 #1 (2016);
Invincible Iron Man, Vol 3 #2 (2016); e Mockingbird, Vol 1 #8 (2016).

3.1 A história das histórias em quadrinhos de super-heróis

As revistas de histórias em quadrinhos como conhecemos sugiram a partir de


influências de outros formatos produzidos antes de sua concepção e que também
fizeram muito sucesso em suas respectivas épocas. Tais formatos correspondem,
em linhas gerais, às tiras de quadrinhos encontradas em jornais e às pulp
magazines, tendo ambas sido criadas por volta de 1890 (GORDON, 2016). A
primeira influenciou no formato com que as próprias histórias se apresentam, com
cenas desenvolvidas em quadros individuais que, em sequência, contam uma
história, além de balões de fala, onomatopeias, etc. As pulps – revistas de histórias
curtas, impressas em papel de baixo custo que barateava sua produção e venda –,
em contrapartida, influenciaram tanto no formato da impressão – sua configuração
em revistas – quanto no conteúdo das histórias, por introduzir heróis em histórias
ilustradas e publicações de menor volume.
O auge das pulps se deu na década de 1930, bem próximo ao surgimento dos
super-heróis nas revistas em quadrinhos. Essa época foi pontuada por inúmeras
incertezas nos âmbitos político e socioeconômico devido a alguns fatores, como o
clima do princípio da Segunda Guerra Mundial, o avanço progressivo do nazismo na
47

Europa, a queda da bolsa de valores em 1929, entre outros acontecimentos nos


EUA e no mundo. Foi em virtude de tais circunstâncias que a figura do super-herói
encontrou um espaço propício para seu desenvolvimento.
Os estudos acadêmicos voltados ao desenvolvimento das histórias em
quadrinhos de super-heróis dividem sua linha cronológica, de forma consensual, em
quatro Eras, sendo elas: Era de Ouro, Era de Prata, Era de Bronze e Era Moderna.
Tais nomenclaturas foram elaboradas e atribuídas após o desenrolar de cada uma
das épocas referentes a essas Eras e, desde então, têm sido utilizadas para indicá-
las nos quadrinhos. Cabe aqui dizer que o objetivo deste trabalho não é estabelecer
nenhuma relação de superioridade ou inferioridade entre as Eras, compreendendo
que os quadrinhos, histórias e personagens desenvolvidos em cada uma delas são
diferentes, devido a diversos fatores, desde a questão da autoria e das políticas
editoriais, até as diferenças entre os contextos nos quais foram escritos.
A Era de Ouro39 compreende o período que vai de 1938 até meados da
década de 1950, sendo o marco de seu início o surgimento do Super-Homem na
revista Action Comics #1 (USLAN, 2015). Conforme exposto anteriormente, o
surgimento dos quadrinhos de super-heróis está diretamente relacionado ao
desenrolar da Segunda Guerra Mundial, com seus heróis lutando pessoalmente na
guerra ao lado de soldados estadunidenses – como no caso das histórias da Marvel
Comics – ou aludindo a essa luta, através de tramas que envolviam conflitos com
espiões e sabotadores – como no caso da DC Comics (GORDON, 2016). Nessa
época surgem grandes personagens das HQ’s de super-heróis: Super-Homem
(1938); Batman (1939); Namor (1939); Capitão América (1940); Mulher-Maravilha
(1941).
A personagem da Mulher-Maravilha foi criada pelo psicólogo William Moulton
Marston com o intuito de ser uma figura feminina de referência positiva e
empoderadora para as meninas.
Em tempos de guerra, ela representava a força das mulheres norte-
americanas, que deveriam trabalhar para que seu país se mantivesse firme
e unido, enquanto os homens lutavam na guerra contra os nazistas e em
nome da liberdade. Moulton acabou criando uma personagem que se
encaixava perfeitamente nas exigências do período da guerra, quando a
mulher foi convocada a ocupar as colocações masculinas das fábricas, do
campo e comércio. (OLIVEIRA apud NOGUEIRA, 2010, p. 5)

39
Segundo o pesquisador Ken Quattro (2004), o primeiro uso de que se tem conhecimento do termo
“Era de Ouro” foi pelo autor Richard A. Lupoff, em seu artigo “Re-Birth”, de 1960.
48

As capas dos quadrinhos demonstravam essa nova configuração da força


feminina, sempre retratando a Mulher-Maravilha em situações de ação nas quais ela
se encontrava no meio de combates e/ou salvando pessoas, como apresentado nos
exemplos a seguir (Figuras 15, 16, 17 e 18).

Figura 15 – Capa da HQ Sensation Comics, Figura 16 – Capa da HQ Sensation Comics,


Vol. 1 #6, de Junho de 1942 Vol. 1 #11, de Novembro de 1942

40
Fonte: https://www.mycomicshop.com/

40
Disponível em: < https://www.mycomicshop.com/search?maxyr=1949&TID=200461>. Acesso em
15 nov. 2017
49

Figura 17 – Capa da HQ Sensation Comics, Figura 18 – Capa da HQ Sensation Comics,


Vol. 1 #20, de Agosto de 1943 Vol. 1 #21, de Setembro de 1943

41
Fonte: https://www.mycomicshop.com/

Com o fim da guerra e o retorno dos soldados para os EUA, as mulheres


também voltaram ao seu “papel” no lar. É possível perceber tal fato na
reestruturação das tramas da Mulher-Maravilha, que passam a envolver mais
situações românticas e a dar maior atenção a sua aparência. Isso fica evidente em
certas capas de suas histórias (Figuras 19, 20, 21 e 22) onde, por exemplo, seu
envolvimento amoroso com a personagem de Steve Trevor é amplamente
explorado. Essa mudança de direção também foi, de certa forma, influenciada pela
morte de seu criador, único responsável pela elaboração dessas histórias. Com sua
morte, outros escritores passaram a desenvolver as narrativas da personagem.
(MIRK; BELLWOOD, 2017)

41
Disponível em: < https://www.mycomicshop.com/search?maxyr=1949&TID=200461>. Acesso em
15 nov. 2017
50

Figura 19 – Capa da HQ Sensation Comics, Figura 20 – Capa da HQ Sensation Comics,


Vol. 1 #94, de Dezembro de 1949 Vol. 1 #95, de Fevereiro de 1950

Figura 21 – Capa da HQ Sensation Comics, Figura 22 – Capa da HQ Sensation Comics,


Vol. 1 #96, de Abril de 1950 Vol. 1 #97, de Junho de 1950

42
Fonte: https://www.mycomicshop.com

42
Disponível em: < https://www.mycomicshop.com/search?maxyr=1959&tid=200461&pgi=51>.
Acesso em 15 nov. 2017
51

Isso não quer dizer que a Mulher-Maravilha parou de combater o crime ou


que as capas de suas revistas não a apresentavam mais lutando, mas é possível
perceber uma mudança no rumo de suas histórias ao compararmos as publicações
do período durante a guerra com as do pós-guerra. A capa da Sensation Comics
#94 (vide a Figura 19) é a primeira a apresentar a Mulher-Maravilha fora da ação e
do papel de heroína e, mais ainda, demonstrando dependência de um personagem
masculino. A partir de então, capas e histórias com esse conteúdo se tornaram cada
vez mais frequentes.
O fim da guerra não afetou apenas a personagem da Mulher-Maravilha, mas
também o gênero das histórias em quadrinhos de super-heróis como um todo. Os
“vilões” da guerra apresentados nas HQ’s já haviam sido derrotados na vida real;
com isso, a temática da guerra ficou saturada, o que abriu espaço para que outros
gêneros de quadrinhos começassem a fazer mais sucesso, levando à queda das
vendas e da popularidade dos quadrinhos de super-heróis (USLAN, 2015).
Além do fim da guerra, outros fatores também contribuíram para a queda das
vendas das HQ’s de super-heróis, como a Guerra Fria e o medo da ameaça
comunista. Esta se tratava de uma preocupação com uma possível invasão
comunista e a crença de que esta levaria à corrupção dos valores da sociedade
estadunidense. Dentre essas preocupações, havia a desconfiança de que as
histórias em quadrinhos, em especial aquelas de super-heróis, terror e investigação,
constituíam os principais fatores que levavam os jovens à delinquência juvenil
(USLAN, 2015).
A publicação do livro A Sedução do Inocente (1954), de Fredric Wertham,
serviu para fortalecer tais crenças. O livro reúne uma série de críticas às histórias em
quadrinhos e apontamentos sobre como estas estimulavam comportamentos
indecentes e criminosos nos jovens. Sua obra obteve grande repercussão, ainda
mais por se tratar de um momento em que a população estava suscetível a esse tipo
de alegação, e contribuiu para o movimento de oposição dos quadrinhos por parte
da sociedade.
A fama negativa dos quadrinhos e o declínio de suas vendas levaram a uma
resposta das editoras. Em uma tentativa de recuperar sua credibilidade diante do
público, as editoras criaram o Comics Code Authority, um código de autocensura
que instituía um conjunto de normas para a regulamentação do conteúdo que seria
considerado aceitável para publicação (REBLIN, 2012). Dentre os tópicos proibidos
52

estavam: cenas exageradas de violência, nudez, ilustrações sugestivas ou


consideradas vulgares, o uso das palavras “terror” e “horror” nos títulos, histórias em
que o mal triunfasse sobre o bem, entre outros. (SENATE, 1955)
Tais circunstâncias levaram ao fim de uma era de prosperidade para as
histórias em quadrinhos de super-heróis, que futuramente foi denominada de Era de
Ouro. Entre essa e a próxima Era, a Era de Prata, os quadrinhos de super-herói não
pararam de ser produzidos, mas suas vendas caíram significativamente e muitos
títulos foram cancelados. Algumas revistas ainda eram produzidas, mesmo que não
lucrassem como antes, como é o caso das revistas das personagens do Super-
Homem e da Mulher-Maravilha. Além disso, existiam outros gêneros de histórias em
quadrinhos que prosperaram nessa época, como ficção científica, terror, romance,
entre outros.
A Era de Prata43 é normalmente considerada como o período que vai de 1956
até princípios de 1970. Essa época é caracterizada, em linhas gerais, por uma maior
exploração de temas científicos, em consequência dos diversos avanços
tecnológicos da década, assim como da ameaça do uso da bomba atômica por parte
da União Soviética durante a Guerra Fria. Tal tendência se reflete nos quadrinhos de
super-heróis desse contexto, onde há o relançamento de diversas personagens da
Era anterior e o surgimento de outras, cujas origens passam a ter um embasamento
mais científico do que sobrenatural. Esse é o caso da personagem Flash,
considerada um marco para o início da Era de Prata, por se tratar da primeira revista
de super-herói que alcançou sucesso desde a queda das vendas desse gênero. O
super-herói, nesse momento, passa a obter seus poderes de supervelocidade a
partir do contato com substâncias químicas com propriedades elétricas.
Esse momento também é identificado pelo surgimento de uma série de
movimentos de cunho social ligados à contracultura. Tais movimentos eram uma
resposta ao conservadorismo da década de 1950, assim como à intervenção militar
no Vietnã e às tensões provocadas pela Guerra Fria, os quais se materializavam nos
movimentos pacifista, pelos direitos civis da comunidade negra, na segunda onda do
feminismo e no movimento pelos diretos da comunidade gay. Com relação à Guerra

43
Segundo o historiador de quadrinhos Michael Uslan (2015), o início do uso do termo Era de Prata
pode ser definido a partir de uma carta de fã publicada na revista Justice League of America #42,
onde ele relaciona o relançamento de diversos heróis da época com seus correspondentes da Era
anterior.
53

do Vietnã, esta gerou revolta entre a população, principalmente os jovens, levando à


organização de protestos e passeatas.
Nesse momento de revolução social, instabilidade política, desconfiança e
oposição às forças militares e às intervenções armadas, se dá o surgimento da
personagem Anthony (Tony) Stark – que posteriormente se tornaria o Homem de
Ferro –, com origem diretamente ligada à Guerra do Vietnã. Em sua trama, Tony era
um fabricante, comerciante e fornecedor de armas para as tropas estadunidenses
que, em certo momento, sofre um acidente com uma bomba lançada pelo exército
vietnamita, causando-lhe sérios danos físicos. Para impedir que uma substância
química letal atinja seu coração, ele constrói uma placa de metal, o que, mais tarde,
o leva a desenvolver seu traje de Homem de Ferro.
Segundo seu criador, Stan Lee:
Acho que me dei um desafio. Era o auge da Guerra Fria. Os leitores, os
jovens leitores, se tinha algo que eles odiavam, era a guerra, eram as forças
militares. Então, eu criei um herói que representava isso ao máximo. Ele era
um fabricante de armas, fornecia armas para o exército, era rico e
industrialista. Eu achei que seria divertido pegar o tipo de personagem que
ninguém iria gostar, nenhum dos nossos leitores iria gostar, e enfiá-lo goela
abaixo e fazê-los gostar dele... E ele se tornou muito popular. (LEE apud
LEE, 2013, tradução minha)

Em se tratando dos demais movimentos sociais da época, os quadrinhos


também se inspiravam nesses cenários e traduziam os mesmos nas suas histórias.
Isso fica claro ao olharmos para alguns personagens e histórias publicadas nesse
contexto.
Personagens negros são criados pelas duas principais editoras de
quadrinhos americanos na época, Marvel e DC Comics, e outros passam a
ter maior destaque nas superaventuras. As personagens femininas também
ganham mais destaque com a Contrarrevolução, se tornando tão fortes
quanto os personagens masculinos; uma expressão da ascensão do
feminismo. (DALBETO; OLIVEIRA, 2014, p. 67)

Um os exemplos mais característicos e famosos desses movimentos pelos


direitos das minorias transpostos para as HQ’s de super-heróis consiste nos
integrantes da equipe X-Men. Tais personagens são apresentadas como mutantes,
indivíduos que já nasceram com seus poderes e, por conta disso, são discriminados
e por vezes perseguidos pela sociedade.
54

Figura 23 –
Página da HQ Uncanny X-Men,Vol. 1 #8, de Novembro de 1964

44
Fonte: http://readcomiconline.to

Na imagem anterior (Figura 23), extraída da revista Uncanny X-Men #8 (LEE


et al., 1964), está retratada uma situação na qual os mutantes Bobby e Hank salvam
uma criança que estava em perigo. No entanto, eles não têm tempo suficiente para
colocar os uniformes que protegem suas identidades, e acabam sendo descobertos.
Mesmo tendo salvo a criança, Bobby e Hank são perseguidos pela multidão no
momento em que as pessoas percebem que os dois são mutantes. Histórias como
essas muitas vezes expressam questões pertinentes para membros de grupos
minorizados e, por isso, atraem tal público.
Os pesquisadores consideram dois principais motivos para o fim da Era de
Prata: a mudança na forma de distribuição das revistas e a busca do público por
textos com temáticas mais maduras. Na década de 1970, as revistas em quadrinhos

44
Disponível em: < http://readcomiconline.to/Comic/Uncanny-X-Men-1963/Issue-8?id=23297#6>.
Acesso em 20 nov. 2017
55

mudaram de um formato de produção mais barato, segundo o qual eram vendidas


em bancas de jornal, para um mais sofisticado, voltado – porém não exclusivamente
– para lojas especializadas nesse produto. O público consumidor também mudou;
agora mais velho, ele busca por revistas mais sérias, com narrativas que
abordavam, por exemplo, erotismo e política. (GORDON, 2016)
Não é possível apontar tão facilmente um fim específico para a Era de Prata
quanto para a Era de Ouro. Naquela, apesar de ter ocorrido uma queda nas vendas
de alguns quadrinhos e cancelamento de outros (GORDON, 2016), não houve a
crença de que esse gênero pudesse ter se acabado, como ocorreu na Era de Ouro.
Não existe um consenso em relação a qual quadrinho ou momento exato
simbolizou o fim da Era de Prata e o começo da Era de Bronze. Muitos
pesquisadores e historiadores do assunto apontam para momentos diferentes;
porém, o que a maioria desses momentos têm em comum é o fim de uma atitude
majoritariamente otimista e inocente, com temas muitas vezes leves e resoluções
“felizes”, para dar lugar a tramas mais sombrias, com histórias e “[...] personagens
mais complexos, multifacetados e realistas.” (MACHADO, 2016, p. 179).
A Era de Bronze - que é nomeada assim seguindo a tendência das Eras
anteriores (Ouro, Prata e Bronze) -, é normalmente compreendida pelo período que
vai do início da década de 1970 até meados da década de 1980 (USLAN, 2015).
Antes de discorrer sobre a Era de Bronze propriamente dita, vale ressaltar que esta
também não possui um final preciso, tendo a sua conclusão sobreposta a alguns
eventos que inauguram a Era seguinte.
Esta Era é caracterizada por um amadurecimento nos temas abordados pelos
quadrinhos de super-heróis (USLAN, 2015). Tal fato é consequência tanto do
amadurecimento de seu público leitor, que passa a buscar temas mais sérios,
quanto do próprio contexto histórico da época, que envolve os desdobramentos dos
diversos movimentos sociais que estavam em alta durante a Era anterior. Dentre os
temas geralmente retratados pelas HQ's da época estão questões de ressonância
social, como dependência química, alcoolismo, racismo, entre outras.
Um dos marcos que representa essa mudança no tom das histórias em
quadrinhos desta Era é a HQ do Homem-Aranha, onde sua namorada, Gwen Stacy,
morre. Esse episódio é marcante, pois a personagem não morreu "pelas mãos" de
um vilão, mas sim por conta de uma ação diretamente ligada ao super-herói. O
acidente acontece após o supervilão Duende Verde jogá-la de uma ponte. Em uma
56

tentativa de salvá-la, o Homem-Aranha a ampara com uma teia, quebrando seu


pescoço com o impacto da parada brusca. Essa história chocou os leitores, não só
por se tratar de uma mudança no tom, mas principalmente por apresentar uma cena
forte em um quadrinho que tradicionalmente lidava com temáticas mais leves, com
uma vertente cômica e direcionada a um público mais jovem (USLAN, 2015).
Outros exemplos de histórias características desta Era são o arco narrativo
"Demônio na Garrafa" – já mencionado no capítulo anterior –, que lida com o
alcoolismo da personagem Anthony Stark; e a HQ do super-herói Arqueiro Verde na
qual seu ajudante, Ricardito, se torna dependente químico. Outro ponto importante a
se destacar deste período é o aumento no número de protagonistas pertencentes a
grupos minorizados, como mulheres e negros. Este é o caso de personagens como
Luke Cage, Tempestade, Mulher-Aranha, Ms. Marvel, entre outros.
A passagem da Era de Bronze para a Era Moderna, como foi dito
anteriormente, não possui um marco específico, como a queda nas vendas dos
quadrinhos, mas sim outra mudança de tom em suas histórias.
Não existe uma explicação precisa para o uso do termo Era Moderna para se
referir a esse momento das histórias em quadrinhos; alguns pesquisadores,
inclusive, a chamam por seu nome alternativo, Dark Age (Era das Trevas), sendo
uma clara referência ao tom das HQ’s que deram início a esse período (VOGER,
2006). Considera-se como início dessa Era o ano de publicação das histórias em
quadrinhos que compõem os eventos Crise nas Infinitas Terras, da editora DC
Comics, e Guerras Secretas, da editora Marvel Comics, ambas de 1985 (USLAN,
2015).
Esses eventos são considerados pontos decisivos que simbolizam a mudança
de posicionamento das editoras em relação às suas narrativas, principalmente por
apresentarem tramas que envolvem a morte de heróis importantes e reinventarem
esteticamente outros tantos. Como exemplo, a edição #8 da HQ Crise nas Infinitas
Terras (WOLFMAN; PÉREZ; ORDWAY, 1985) retrata o momento no qual, em uma
tentativa de salvar a Terra, o super-herói Flash (Barry Allen) absorve uma grande
quantidade de energia e morre no processo. Esta consistiu em uma das primeiras
vezes na qual uma personagem de grande relevância para o público e para a
trajetória da própria editora é dada como morta. Tal morte é significativa para as
histórias em quadrinhos, levando também em conta que a revista dessa personagem
é considerada por muitos o marco inicial da Era de Prata. No caso do evento
57

Guerras Secretas, um exemplo é o do super-herói Homem-Aranha, que encontra um


traje semelhante ao seu, porém na cor preta, e passa a usá-lo, simbolizando o clima
das histórias estabelecido por esta nova Era.
Contudo, as histórias que melhor representam o clima da Era Moderna são,
na verdade, dois quadrinhos que vieram pouco após o declarado início desse
período: O Cavaleiro das Trevas Ressurge e Watchmen, de Frank Miller e Alan
Moore, respectivamente. Watchmen se propõe como um universo alternativo da
editora DC Comics, onde os heróis principais estão sob as ordens de instituições
governamentais, em um período no qual a figura do super-herói está atrelada à ideia
de um indivíduo fora da lei. Tal história se apresenta como uma reflexão sobre o
próprio conceito de super-herói e a quais autoridades eles se reportam. “Se a Era de
Bronze é quando os quadrinhos amadureceram, a Era Moderna é quando eles se
tornam autocríticos.” (USLAN, 2015, tradução minha)
Além disso, essa Era é pontuada por diversas adaptações cinematográficas
de sucesso das histórias em quadrinhos de super-heróis – iniciadas na década de
1990 e que continuam até os dias de hoje –, que serviram para atrair um maior
público leitor para esse gênero de quadrinho.
A Era Moderna ainda está em curso; no entanto, é possível que, em alguns
anos, pesquisadores estabeleçam um fim para esse período, e até mesmo uma
nova nomenclatura que o separe dos dias atuais. Em se tratando dos quadrinhos
mais recentes (ou seja, produzidos após os anos 2000), é possível encontrar
diversas histórias que, assim como se verificou desde o surgimento deste gênero, se
inspiram nos acontecimentos da vida real para o desenvolvimento de suas tramas,
muitas vezes como uma forma de comentário ou crítica desses referidos eventos.
A partir da contextualização da história das HQ’s de super-heróis aqui
apresentada, a seguir abordaremos a capacidade que essa mídia possui de agir
como uma espécie de catalisador para movimentos sociais, principalmente quando
ela estabelece uma relação de empatia com seu público-leitor.
58

3.2 As histórias em quadrinhos de super-heróis como força social

Conforme demonstrado no capítulo anterior, os quadrinhos têm a capacidade


de, através de suas histórias e personagens, despertar em seus leitores um
sentimento de empatia pelas figuras neles representadas, mesmo em situações nas
quais não há uma identificação direta com elas. Porém, essa empatia se potencializa
a partir do momento em que o público se vê representado de forma mais pessoal
nas personagens, gerando um engajamento possivelmente mais intenso do que se
essa representatividade não existisse. A potencialização desse sentimento de
empatia gera uma forma mais ativa de engajamento nos leitores, baseada na
identificação de seu público com as personagens, a qual nomearemos de
engajamento identitário. Esse engajamento se faz mais presente quando é
apresentada uma maior diversidade de personagens nas histórias em quadrinhos, o
que indica o interesse do público por construções mais plurais.
O interesse do público leitor por uma maior diversidade das personagens nas
histórias em quadrinhos não passou despercebido pela indústria, que começou a
investir nessas novas narrativas com o objetivo de expandir seu público consumidor.
Além de atrair novos leitores, esse novo empenho da indústria de quadrinhos fez
com que as histórias se mantivessem atuais com relação ao contexto histórico em
que estão inseridas e interessantes para o seu público recorrente (DALBETO;
OLIVEIRA, 2015, p. 2).
Tal demanda por mais diversidade nas HQ's não é novidade; contudo, tem
ganhado mais destaque recentemente devido a tais assuntos estarem em pauta,
para além das comunidades dos grupos minorizados. Sendo assim, essas questões
passam a ser difundidas para um maior público, permitindo que ele tenha uma
melhor compreensão de sua identidade e pertencimento. Consequentemente, mais
pessoas passam a lutar por mais visibilidade e contra a discriminação, demandando
que esses assuntos estejam cada vez mais em pauta nos quadrinhos.
Exatamente por serem veículos de comunicação midiáticos, a maioria dos
quadrinhos de super-heróis possuem mensagens fortes em seu bojo; estas, ao
atingirem seu público pretendido – e não só eles, mas também todos aqueles que se
sentirem cativados e até mesmo incomodados com suas mensagens –, podem ser
um catalisador ou uma inspiração para transformações sociais, mesmo que em
59

pequena escala. Dessa forma, os quadrinhos de super-heróis podem se construir,


dentro de determinadas circunstâncias, como uma força social. Assim,
[...] na medida em que os quadrinhos são atraentes para um grande público
e na medida em que eles se inserem nos pensamentos e sentimentos de
um grande público, e influenciam atitudes, eles se constituem como uma
força social que vai além de diferenças em "gostos". [...] A ferramenta em si
não precisa mais ser julgada como boa ou ruim, seja em gosto ou com
relação a sua moral; ela é importante porque é potente. Nós temos que
julgar somente os usos para os quais ela posta [...]. (GRUENBERG, 1944,
p. 208, tradução minha)

Por sua capacidade de agir como uma força social, as histórias em


quadrinhos podem inspirar movimentos que gerem mudanças tanto no contexto das
próprias HQ’s como no mundo em que vivemos. É possível observar essa
característica dos quadrinhos ao nos voltarmos para a representação da figura
feminina nesta mídia. Desde a concepção das histórias em quadrinhos as
personagens femininas vêm sendo representadas de forma estigmatizada e, por
vezes, até ofensiva.
Essa construção, em muitos casos depreciativa, da figura feminina está
ligada ao modo de produção das histórias em quadrinhos, desenvolvidas por um
grupo majoritariamente composto por homens e historicamente pensadas para o
público masculino. Esse olhar masculino durante a concepção das narrativas das
HQ’s não parece levar em consideração as questões relevantes para as mulheres;
mais do que isso, ele viabiliza representações que apenas levam em conta uma
visão masculina do que seria o ideal feminino em termos de comportamento e
aparência.
Por conta dessa predominância masculina na produção e no consumo das
histórias em quadrinhos de super-heróis, essa comunidade foi construída de forma
fechada para o público feminino e, muitas vezes, hostil para as mulheres que
gostariam de fazer parte dele, seja como leitoras ou como produtoras. Sendo assim,
historicamente as leitoras de quadrinhos não se sentem representadas nas HQ’s de
super-heróis. Para compreender melhor essas questões é necessário considerar a
trajetória da representação da figura feminina nos quadrinhos de super-heróis desde
sua origem.
Na Era de Ouro, as personagens femininas – com exceção da Mulher-
Maravilha – não ocupavam a posição de protagonistas das histórias, sendo
apresentadas apenas como um complemento da personagem masculina, ou então
como o par romântico que estava sempre em apuros e precisava ser salvo pelo
60

herói. “Eram sempre esteticamente belas, doces, sensuais, porém com uma aura de
pureza, o alívio em meio à feiura e o caos." (FRANCO, 2017). Ainda nessa Era,
surge a imagem da figura feminina enquanto personagem sensual e perigosa, que
se utiliza da sua aparência para conseguir o que quer, as chamadas femme fatales
(FRANCO, 2017).
Dentro desse contexto, é necessário conceder uma atenção especial à
personagem da Mulher-Maravilha, a qual rompia com diversos dos estereótipos
femininos predominantes na época. Tal construção é devida, em grande parte, à
visão de seu criador sobre a figura feminina. Para ele, a Mulher-Maravilha se
apresentava como um símbolo positivo de força e capacidade feminina necessária
às jovens daquele período. Por esses motivos, em 1972, a personagem foi escolhida
para ser capa da primeira edição da revista Ms. (Figura 24), uma publicação
feminista que continha diversas ideias progressistas para época. Porém, com a
morte do criador da Mulher-Maravilha e o final da Segunda Guerra Mundial, esse
viés feminista perde um pouco de sua força dentro das narrativas das suas HQ’s;
suas histórias passam a apresentar tramas mais românticas, destoando do tom de
aventura utilizado anteriormente.

Figura 24 – Figura 25 –
Capa da revista Ms., onde se lê “Mulher-Maravilha Capa comemorativa da edição de 40 anos
para Presidente”, de 1972 da revista Ms.,de 2012.

45
Fonte: http://msmagazine.com

45
Disponível em: < http://msmagazine.com/blog/2012/10/01/ms-turns-40-and-wonder-womans-back-
on-our-cover/>. Acesso em 13 dez. 2017
61

No período que engloba a Era de Prata, podemos verificar uma dualidade na


forma com que as personagens femininas eram retratadas pelas histórias em
quadrinhos: por um lado, mesmo com o surgimento de algumas super-heroínas,
manteve-se a tendência da Era anterior de representar as mulheres como
personagens coadjuvantes cujo papel era de complementar a narrativa do herói
masculino; por outro, com a segunda onda do movimento feminista, essa forma de
representar a figura feminina nas HQ’s de super-heróis passou por um processo de
mudança gradual. Em um primeiro momento, essas personagens eram, muitas
vezes, apresentadas de acordo com o ideal de feminilidade da época, devendo ser
jovens, puras, inocentes, contidas e lindas (DALBETO; OLIVEIRA, 2015). Além
disso,
[...] os quadrinhos de super-heróis produzidos entre os anos de 1950-70
incorporam imagens idealizadas da mulher, que são na verdade
representações de desejos, fetiches e mesmo do moralismo machista dos
desenhistas e escritores norteamericanos, que vendem um modelo de
mulher que ao mesmo tempo é forte e frágil, destemida e insegura, sempre
necessitando do auxílio masculino [...] (NOGUEIRA, 2010, p. 7)

Em um segundo momento – lembrando que, por vezes, esses dois momentos


são concomitantes –, o papel das personagens femininas nos quadrinhos se desloca
da figura pura, indefesa e com características predominantemente maternais, para
personagens com maior independência, capazes de lutarem sozinhas contra os
vilões e salvarem a si mesmas.
A Era de Bronze intensificou essa atitude da Era anterior, ao introduzir mais
personagens femininas e fazê-las mais independentes e fortes, apesar de, por
vezes, elas ainda incorrerem em estereótipos, como o da mulher que detesta
homens. Entretanto, o final desta Era e início da próxima foi uma época que
consolidou o entendimento de força feminina apenas como sinônimo de força física,
sendo compreendido como o único modo das mulheres conseguirem se igualar aos
homens. Para serem consideradas fortes, as personagens femininas não poderiam
demonstrar emoções, deveriam ser frias, calculistas e precisariam sofrer algum tipo
de tragédia pessoal para “elevarem-se ao nível dos homens”.
Este período também reforçou uma tendência da sociedade – presente não
apenas nos quadrinhos – de hipersexualização do corpo feminino. Trata-se de uma
época de mudanças na representação tanto do corpo feminino quanto do masculino,
com uma discrepância nas proporções dos desenhos. Com a relação às
personagens masculinas, dava-se ênfase aos músculos, deixando-os maiores e
62

mais definidos; já no caso das personagens femininas, acentuavam-se as curvas,


com aumento dos seios, nádegas e pernas, além de afinar as cinturas e apresentar
trajes mais reveladores, com as personagens sendo desenhadas em poses
sugestivas e provocantes (ZELLERS, s.d.) (Figura 26).

Figura 26 –
Capa da HQ New Teen Titans, Vol 1 #23, 1982

46
Fonte: https://www.mycomicshop.com

Apesar dessa mudança ter, de certa forma, atingido ambos os gêneros, as


mulheres foram as mais afetadas negativamente, considerando que muitas das
poses em que as personagens eram – e ainda são – desenhadas as colocam em
posições explícitas e muitas vezes degradantes. Isso é decorrente do fato dos
autores e desenhistas das HQ’s de super-heróis ainda serem, em sua maioria,
homens e, por isso, as histórias serem feitas através de um olhar masculino. Dessa
forma,
[r]epresenta-se aquela mulher que a sociedade dirigida pelos homens
espera ver representada. [...] A representação, deste modo, impõe-se como

46
Disponível em: < https://www.mycomicshop.com/search?SeriesID=5541>. Acesso em 13 dez. 2017
63

um símbolo e extrai a sua força do fato de que tal símbolo deve obedecer
estritamente ao que se quer representado. (NOGUEIRA, 2010, p. 13)

A hipersexualização das personagens femininas vai além das histórias em


quadrinhos, sendo uma prática que permeia toda a indústria do entretenimento e
que ocorre ainda nos dias de hoje. Essa prática vem incomodando o público
feminino há bastante tempo, o que o levou a se posicionar contra e, mais do que
isso, a buscar maneiras de conseguir uma melhor representação nas histórias e uma
voz ativa no seu processo de criação. Essas mulheres se unem através de um
interesse em comum e utilizam-se das próprias histórias em quadrinhos como uma
ferramenta para se manifestarem contra o modo pelo qual a figura feminina vem
sendo retratada nesta mídia. Esse posicionamento do publico feminino ilustra a
capacidade das HQ’s de se apresentarem como uma força social.
Um exemplo do movimento do público feminino se manifestando contra essa
prática foi a criação, em 2012, do site The Hawkeye Initiative47, o qual se propõe
como uma sátira à forma como as personagens femininas são objetificadas nos
quadrinhos, principalmente os de super-heróis. O site seleciona desenhos de
personagens femininas colocadas em poses sugestivas e provocativas e as substitui
pela personagem masculina Gavião Arqueiro (Figuras 27 e 28) na mesma posição,
como uma forma de “chamar atenção para o modo deformado, hipersexualizado e
com roupas inverossímeis com as quais as mulheres são desenhadas nos
quadrinhos.” (THE HAWKEYE INITIATIVE, 2012).
A página The Hawkeye Initiative mostra, através da inversão dos papéis entre
uma personagem feminina e outra masculina, o quão enraizadas na sociedade estão
as ideias sobre o lugar que as mulheres devem ocupar no convívio social e como se
tornou natural a objetificação de seus corpos. A aparição das personagens femininas
nesse tipo de pose nas HQ’s não causa estranhamento, mas quando se coloca a
personagem masculina na mesma situação o público se sente incomodado e passa
a enxergar como são irreais, e por vezes ofensivas, tais construções.

47
http://thehawkeyeinitiative.com/
64

Figura 27 – Imagem do site The Hawkeye Initiative

48
Fonte: http://thehawkeyeinitiative.com

Figura 28 – Imagem do site The Hawkeye Initiative

49
Fonte: http://thehawkeyeinitiative.com

48
Disponível em: < http://thehawkeyeinitiative.com/origins>. Acesso em 13 dez. 2017
49
Disponível em: < http://thehawkeyeinitiative.com/post/138854685748/haru-mi-fix-the-pose>. Acesso
em 13 dez. 2017
65

Outro exemplo, não só de hipersexualização de uma personagem feminina,


mas também da organização do público feminino contra essa prática, é o caso da
personagem Riri Williams, uma menina negra que, com apenas 15 anos, surge
como o novo Homem de Ferro, agora com o nome de Coração de Ferro. O
movimento começou após o desenhista J. Scott Campbell apresentar uma capa
alternativa para a HQ Invincible Iron Man #1 (2016), onde a personagem aparece
com uma pose e roupas que reforçam o padrão de hipersexualização do corpo
feminino, o que lhe concede uma aparência não condizente com a sua idade (Figura
29).

Figura 29 –
Capa alternativa da HQ Invincible Iron Man, Vol 3 #1, 2016

50
Fonte: https://www.dailydot.com

Essa capa causou muita discussão e inquietação entre o público feminino


leitor de quadrinhos, levando Campbell e a Marvel Comics a serem amplamente
criticados nas redes sociais e páginas online especializadas no assunto, o que fez
com que a editora suspendesse a venda dessa capa alternativa (PANTOZZI, 2016).
Campbell, em suas redes sociais, mostrou-se resistente às criticas direcionadas a

50
Disponível em: < https://www.dailydot.com/parsec/riri-williams-variant-cover-iron-man-campbell-
controversy/ >. Acesso em 13 dez. 2017
66

seu trabalho, defendendo que sua ilustração não apresentava uma visão
hipersexualizada da personagem. Porém, em uma nova capa alternativa, feita para a
segunda edição da HQ, o artista retrata a personagem de forma diferente, com uma
aparência mais compatível com sua idade (Figura 30). Logo, essa organização do
público ao reivindicar uma representação menos sexualizada e mais realista da
personagem surtiu efeito, visto que:
[...] o fluxo de influências que existe entre consumidores e mercado é
recíproco, ainda que em instâncias e abrangências diferenciadas. O que
torna a mídia popular, não só um produto com objetivo de vender, mas algo
que traga uma significação e uma identificação para quem compra. Os
super-heróis só têm a fama que têm, porque estão o tempo todo sendo
reinventados de forma a corresponder às expectativas de quem os lê.
(CHAGAS, 2008, p. 151)

Figura 30 –
Capa alternativa da HQ Invincible Iron Man, Vol 3 #2, 2016

51
Fonte: https://comicvine.gamespot.com

Por último, temos o exemplo da HQ Mockingbird #8 (2016), que apresenta a


personagem principal, Bobby Morse, com uma camisa escrita “Ask me about my
femininst agenda” (Figura 31). A capa foi pensada como uma brincadeira
direcionada àqueles que afirmam existir algum tipo de projeto feminista oculto nas

51
Disponível em: < https://comicvine.gamespot.com/invincible-iron-man-2/4000-569333/ >. Acesso
em 13 dez. 2017
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histórias em quadrinhos da editora Marvel Comics, sendo recebida com opiniões


mistas, por leitores que se sentiram incomodados, enquanto muitos outros
aprovaram e abraçaram a ideia.

Figura 31 –
Capa da HQ Mockingbird, Vol 1 #8, 2016

52
Fonte: https://comicvine.gamespot.com

Nesse caso, temos um movimento que se inicia dentro da própria editora


Marvel Comics e, em seguida, é acolhido pelo público, que passa a se apropriar da
frase como um “símbolo de empoderamento e força para as mulheres do meio dos
quadrinhos” (PUIG, 2016). Mesmo que frase não tivesse o intuito de instigar o
surgimento de um movimento feminista entre suas leitoras, vale ressaltar que o fato
da autora desta história ser uma mulher, por si só representa um empoderamento,
visto que ela tem competência para tratar de questões significativas – como assédio,
igualdade salarial, liberdade sexual e outras – para o público feminino, considerando
que vive tais questões em seu dia a dia.

52
Disponível em: < https://comicvine.gamespot.com/mockingbird-8/4000-553962/ >. Acesso em 13
dez. 2017
68

A ideia da frase é que questões de igualdade de tratamento para ambos os


gêneros, enquanto são vistas por alguns como um projeto político feminista, são
entendidas pela autora como questões que abrangem toda a sociedade, por não se
referirem a um tratamento especial que deveria ser direcionado às mulheres, mas
sim, um comportamento coletivo de respeito mútuo que deveria se estender a todos.
A popularidade e a controvérsia gerada em torno da capa fez com que a
editora renomeasse a segunda coletânea dessa HQ para “My Feminist Agenda”
(JOHNSTON, 2017).
Todos os exemplos apresentados acima mostram como:
[...] o público pode resistir aos significados e mensagens dominantes, criar
sua própria leitura e seu próprio modo de apropriar-se da cultura de massa,
usando a sua cultura como recurso para fortalecer-se e inventar
significados, identidade e forma de vida próprios. Além disso, a própria
mídia dá recursos que os indivíduos podem acatar ou rejeitar na formação
de sua identidade em oposição aos modelos dominantes. Assim, a cultura
veiculada pela mídia induz os indivíduos a conformar-se à organização
vigente da sociedade, mas também lhes oferece recursos que podem
fortalecê-los na oposição a essa mesma sociedade. (KELLNER, 2001, p.
11)

Dessa forma, os quadrinhos se constroem como uma força social, a partir do


momento em que são apropriados por um determinado público com o intuito de
reforçar ou contestar certos discursos. Assim como outras mídias, as histórias em
quadrinhos não se apresentam somente como uma forma de entretenimento, mas
também como uma ferramenta de inclusão e representatividade de grupos
minorizados, capaz de estimular mudanças sociais.
69

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com o que foi discutido ao longo deste trabalho, as histórias em


quadrinhos, enquanto produtos midiáticos, abordam os contextos nos quais são
criadas, sendo influenciadas por eles e, ao mesmo tempo, também os influenciando.
Portanto, “[s]e quisermos compreender as HQ’s e a sua importância cultural como
mídia popular, devemos olhá-las em relação às amplas transformações sociais que
moldaram o mundo moderno” (CHAGAS, 2008, p. 136), como demonstrado nos
capítulos 1 e 3.1. Este último, a propósito, apresentou um panorama do surgimento
e do desenvolvimento das histórias em quadrinhos de super-heróis de acordo com
suas Eras (Ouro, Prata, Bronze e Moderna), relacionando suas transformações com
os principais acontecimentos de suas respectivas épocas.
Também vimos que, como produtos de uma sociedade capitalista, a
necessidade de venda faz com que os quadrinhos precisem atingir um grande
público para que possam lucrar. Para tanto, é necessário que essas histórias
atraiam o interesse das pessoas, muitas vezes sendo “[...] eco de assuntos e
preocupações atuais” (KELLNER, 2001, p. 9), e possibilitando que seus leitores se
relacionem com as tramas e personagens de alguma forma, mediante “[...] uma
identificação de público com o seu super-herói [...]” (CHAGAS, 2008, p. 151).
Hoje em dia, é possível perceber um significativo interesse do público -
principalmente dos jovens - por histórias e personagens que incluam mais
diversidade e que abordem questões relacionadas a grupos minorizados. Por conta
disso, os quadrinhos precisam se adaptar para suprir essa demanda e atender a tais
interesses, apresentando, então, personagens mais diversos e que se comuniquem
com o público almejado.
Essas histórias também vão, de certa forma, auxiliar no processo de
construção de identidade de seu público leitor, uma vez que fornecem imagens para
serem “compradas”. Seja referente a roupas ou estilos, a mídia disponibiliza o
material com o qual nos identificamos, que usamos para nos diferenciar de outras
pessoas e para nos identificarmos enquanto parte de um ou mais grupos
específicos. Deste modo, “[e]m nossas interações sociais, as imagens produzidas
para a massa orientam nossa apresentação do eu na vida diária, nossa maneira de
nos relacionar com os outros e a criação de nossos valores e objetivos sociais.”
70

(KELLNER, 2001, p. 29). As histórias em quadrinhos também vão exercer esse


mesmo papel.
Sendo assim, a existência de personagens nas HQ’s de super-heróis com os
quais pessoas de grupos minorizados possam se identificar, além de auxiliar no
processo de construção da identidade desses indivíduos, é importante para que
esses grupos tenham representatividade, principalmente em uma mídia de grande
destaque. A representatividade é necessária, pois se trata de uma forma de
reafirmação e legitimação da identidade, além de uma forma de empoderamento das
pessoas e grupos que se veem representados. Esta lhes concede ferramentas que
os auxiliam na luta por seus direitos e por maior e melhor representatividade em
diversos âmbitos.
Por se tratarem de histórias em quadrinhos com certas especificidades, essa
representatividade ganha ainda mais potência, visto que, na maioria das vezes, tais
personagens representam justiça e esperança, e podem servir como um símbolo de
empoderamento e luta para essas pessoas, agindo como protetores, mesmo que na
esfera da imaginação. Além de, muitas vezes, servirem de motivação e inspiração –
tanto individual como coletivamente – na luta pela igualdade de direitos, visibilidade,
reconhecimento e representatividade.
É por esse motivo, e por sua capacidade de estimular um engajamento
identitário em seus leitores, que as histórias em quadrinhos são capazes de agir
como uma força social que incentiva e inspira a luta desses grupos, além de, por
vezes, atuarem como ferramentas diretas nesses esforços.
Em função destes e de outros aspectos, as histórias em quadrinhos são
materiais muito ricos e relevantes para diversos estudos, tanto nas áreas da
sociologia, história e cultura, como também em linguística, arte, educação, e muitas
outras, ainda que esta inclusão no cânone acadêmico não tenha se dado de forma
plena. As HQ’s se apresentam como um campo muito vasto e ainda não tão
explorado academicamente como poderia e deveria ser, principalmente no que
tange à representatividade de grupos minorizados e enquanto ferramentas de
engajamento identitário e força social.
Por esses motivos e tendo em vista também a dimensão e propósito desta
pesquisa, não é possível abordar determinados temas relacionados às HQ’s de
super-heróis de mesma relevância, tanto para a própria área de estudo das histórias
em quadrinhos quanto para campos mais abrangentes - a exemplo da cultura,
71

sociologia e história -, como a produção nacional de histórias em quadrinhos de


super-heróis. Neste sentido, o Brasil apresenta uma produção de HQ’s de super-
heróis muito rica e diversa, em sua maioria no âmbito de artistas e editoras
independentes, como é o caso da CAPA Comics:
CAPA Comics é um coletivo de histórias em quadrinhos da Baixada
Fluminense, região metropolitana do Rio de Janeiro famosa por seus
problemas sociais e pelo alto índice de violência. A iniciativa de juntar os
quadrinistas para colocar sua realidade no gibi teve início no ano de 2013,
surgindo da percepção de uma cultura pulsante e com histórias fantásticas
contadas pelos moradores que precisavam ser registradas. [...] A falta de
representatividade de nossos costumes, nossa gente e de nossa maneira
peculiar de contar causos, fez com que surgisse a necessidade de se
reapresentar a cultura a quem faz parte do quintal de casa e expandi-la a
outros territórios utilizando a linguagem dos quadrinhos. (CAPA COMICS,
2017)

Mesmo com as dificuldades características das produções independentes e


sem muita visibilidade na mídia tradicional, a produção nacional de HQ’s de super-
heróis vem crescendo e conquistando uma visibilidade cada vez maior. Por
compreender a importância deste tema, encerro esta reflexão com a proposta de
que estes outros recortes possam ser investigados e aprofundados em pesquisas
futuras.
72

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