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Correntes Modernas da Linguística (parte II)
Revisão Textual:
Profa. Ms. Silvia Augusta Barros Albert
Correntes Modernas da Linguística
(parte II)
• Introdução
• A Análise do Discurso
• A Teoria da Enunciação
Nesta unidade daremos sequência aos estudos sobre as Correntes Modernas da Linguística,
apresentando as principais características da Análise do Discurso e das Teorias da Enunciação.
Para obter um bom desempenho, você deve percorrer todos os espaços, materiais e atividades
disponibilizadas na unidade.
Comece seus estudos pela leitura do Conteúdo Teórico: nele você encontrará o material
principal de estudos na forma de texto escrito. Depois, assista à Apresentação Narrada e à
Videoaula que sintetizam e ampliam conceitos importantes sobre o tema da unidade.
Só depois realize as atividades propostas:
• Atividade de Sistematização (AS): são exercícios de múltipla escolha, de autocorreção,
que lhe dá oportunidade de praticar o que aprendeu na unidade e de identificar os
pontos em que precisa prestar mais atenção, ou pedir esclarecimentos a seu tutor.
Lembre-se de que esses exercícios são pontuados. Assim, é muito importante que eles
sejam realizados, dentro do prazo estabelecido no cronograma da disciplina.
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Unidade: Correntes Modernas da Linguística (parte II)
Por fim, mas não menos importante, consulte as indicações sugeridas em Material
Complementar e Referências Bibliográficas para aprofundar e ampliar seus conhecimentos.
Lembramos a você da importância de realizar todas as leituras e as atividades propostas
dentro do prazo estabelecido para cada unidade, no cronograma da disciplina. Para isso,
organize uma rotina de trabalho e evite acumular conteúdos e realizar atividades no último
minuto. Em caso de dúvidas, utilize a ferramenta “Mensagens” ou “Fórum de dúvidas” para
entrar em contato com o tutor.
É muito importante que você exerça a sua autonomia de estudante e que desenvolva sua
proatividade para construir novos conhecimentos.
Contextualização
Muitas pessoas não possuem o hábito de prestar atenção aos discursos proferidos pelos
políticos, não é mesmo? Contudo, esse é um dos materiais mais explorados para as análises
linguísticas feitas pelas correntes que iremos estudar nessa unidade: a Análise do Discurso e as
Teorias da Enunciação.
Dessa forma, para estabelecermos uma conexão inicial com esses estudos, assista ao vídeo
disponibilizado a seguir. Nele, a Presidenta Dilma Rousseff faz um pronunciamento sobre as
manifestações populares que proliferaram pelo país a partir de junho de 2013. Acompanhe,
registrando, os tópicos abordados pela presidenta em seu discurso e procure perceber qual
a crítica que faz às manifestações e qual a mensagem que ela quer transmitir à população
brasileira. Reflita sobre: O que está dito por trás das palavras da presidenta nesse discurso?
Certamente muitos dos tópicos apresentados nesta unidade vão auxiliá-lo a observar e
compreender os discursos políticos de outra forma!
Acesse o link: http://www.youtube.com/watch?v=ahEY59WxWRE
... e bom trabalho!
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Introdução
Iniciamos na unidade anterior alguns estudos sobre as correntes modernas da Linguística que
tiveram um grande desenvolvimento a partir da segunda metade do século XX.
Tratamos do Funcionalismo, observando que há, de fato, várias correntes distintas que
postulam estudos da estrutura da língua em relação aos usos que os usuários fazem dela
nas várias situações de comunicação. Detivemo-nos em particular, na teoria das Funções da
Linguagem desenvolvida por Jakobson e na Linguística Sistêmica de Halliday.
Em seguida, discutimos a respeito dos estudos da Pragmática, corrente linguística tão
abrangente quanto o Funcionalismo. Pudemos notar que para a Pragmática as informações
não marcadas textualmente são tão importantes na observação da linguagem em uso,
quanto os elementos textuais. Dessa forma, estudamos a teoria dos Atos de Fala, as Máximas
Conversacionais e os conceitos de Pressupostos e Subentendidos.
Finalmente, tivemos contato com a Análise da Conversação, área dos estudos linguísticos
que se dedica à observação da fala. Cumpre lembrar que, dentre os objetivos da Análise da
Conversação não cabe determinar a forma ideal de como os falantes devem interagir. Para esta
corrente de estudos linguísticos, o importante é verificar quais as estratégias de que os falantes
fazem uso nas várias situações e como essas impactam o ato da comunicação.
Nesta Unidade, apresentaremos mais duas grandes correntes modernas, cujos estudos
desenvolvem-se até os dias atuais. São elas a Análise do Discurso e as Teorias da Enunciação.
A Análise do Discurso
Pense
O que é discurso?
Quais as características do termo discurso para as ciências da linguagem?
Discurso é o mesmo que texto?
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Unidade: Correntes Modernas da Linguística (parte II)
O que é discurso?
ara Brandão (2005, p.2) o discurso é definido “[...] como toda atividade comunicativa
P
entre interlocutores; atividade produtora de sentidos que se dá na interação
entre falantes”.
Isso significa que o discurso está associado ao ato de comunicação, implicando a
existência de ao menos dois indivíduos e que, os sentidos advindos de tal atividade
estarão relacionados a essa interação, ou relacionamento.
Por conta de tal definição, chegamos à segunda questão que precisa ser respondida.
Quais as características do termo discurso para as ciências da linguagem?
Maingueneau (2008, p.51-56), linguista francês cujos trabalhos têm contribuído
É
grandemente para com a AD, quem apresenta algumas das características que podem
ser atribuídas ao discurso e que adaptamos a seguir:
Isso significa que para se observar o discurso é necessário atentar para os indivíduos que
estão envolvidos na comunicação, as posições sociais que essas pessoas ocupam, bem como o
lugar e tempo em que a situação de comunicação ocorre, pois, em cada contexto, um mesmo
discurso pode adquirir significados diferentes.
Veja o seguinte exemplo:
Nessa charge, para compreender-lhe o sentido de crítica, é importante que não nos atenhamos
apenas ao sentido literal da frase “Gostaria de começar o ano com o pé direito”, cujo significado
seria: “começar bem o ano, ter sorte no ano que se inicia”. Precisamos atentar para o fato
de quem são os sujeitos envolvidos na interação e no local, principalmente, em que se dá a
situação comunicativa.
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A indicação “Na África subsaariana” é fundamental, pois ao recorrer aos nossos conhecimentos
de mundo, sabemos que nessa região ocorreram as guerras civis pela independência de
muitos países africanos, em cujos territórios foram deixadas minas explosivas, pelos antigos
colonizadores que causam a invalidez de muitos habitantes. Ao reunirmos essas informações à
imagem alcançamos a ironia e a crítica proposta pelo autor da charge. Com certeza, esse autor
conta com a participação de seu público leitor para a compreensão de sua mensagem.
Dessa forma, é importante que aqueles que estejam envolvidos no ato comunicativo
dominem não apenas o código linguístico e suas estruturas, mas que também compartilhem
conhecimentos que denominamos de extralinguísticos e que se referem aos conhecimentos
de mundo, do assunto, dos interlocutores, da situação de comunicação etc. Caso contrário,
corre-se o risco de haver alguma dificuldade para se compreender a mensagem, ou ainda,
pode-se compreendê-la incorretamente. Sendo assim, passamos à segunda característica
apontada por Maingueneau:
2.
O discurso sempre é produzido por alguém, por um ‘eu’, e essa pessoa dirige-se,
necessariamente a um interlocutor, um ‘tu’. Esses indivíduos participantes da atividade
discursiva interagem continuamente.
Uma das definições dadas para o termo discurso diz que este “é a linguagem posta em ação,
a língua assumida pelo falante”. (DUBOIS, 2004, p.192, grifos nossos).
Assim, qualquer discurso possui alguém que é responsável por sua realização, como quando
utilizo explicitamente as formas de primeira pessoa, como a que aparece em destaque no
exemplo abaixo:
“Preciso emagrecer cinco quilos”.
Fonte: Thinkstock
Além dessas situações nas quais visivelmente percebemos a presença do autor do discurso,
há outras em que essa presença não é marcada linguisticamente, como nos textos científicos.
Entretanto, ainda nessas situações, não se pode dizer que não existe alguém por trás do discurso
realizado, como quando se diz:
“Espera-se que essa pesquisa possa contribuir para com os estudos na área
das ciências da linguagem”.
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Unidade: Correntes Modernas da Linguística (parte II)
O autor do discurso utiliza recursos linguísticos, como o uso da terceira pessoa do singular e
a partícula “se” de indeterminação de sujeito, para criar certa impessoalidade. Essa é, conforme
citado acima, uma característica de textos acadêmicos.
Tanto na primeira situação, quanto na segunda existem sujeitos responsáveis pela produção
do discurso.
Fonte: Thinkstock
Por dialógico, conforme citamos no item anterior, entende-se que devem existir ao menos
dois participantes que tomem parte do ato comunicativo.
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Mas, além disso, nossos discursos também podem dialogar com outros discursos, para com eles
concordar, deles discordar, ou ainda, a eles remeter, quando, por exemplo, em alguns momentos,
fazemos uso de expressões ou falas que não são nossas, mas tomadas por empréstimo, como
quando repetimos algo que ouvimos alguém dizer.
Dizemos, dessa forma, que os discursos são formados por várias vozes, ou, se você preferir,
por outros discursos, com os quais é estabelecido um diálogo do qual resulta um outro discurso.
Veja o exemplo abaixo fornecido por um fragmento da música Monte Castelo, da banda
Legião Urbana:
É só o amor, é só o amor.
Que conhece o que é verdade.
O amor é bom, não quer o mal.
Não sente inveja ou se envaidece.
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Unidade: Correntes Modernas da Linguística (parte II)
Contexto 1: Essa é sua resposta a alguém que lhe perguntou qual era a temperatura de seu
banho num dia muito quente.
ontexto 2: Essa é sua resposta a alguém que lhe pergunta se seu chefe concordou em lhe
C
dar um aumento de salário.
No Contexto 1, sua resposta ao utilizar a expressão “Tomei uma ducha fria” foi literal,
enquanto que no Contexto 2, há uma utilização metafórica da expressão, criando-se o sentido
de que a reação do chefe ao pedido de aumento não foi favorável, e que a recusa que você
recebeu de seu pedido o deixou desanimado.
Após a compreensão desses importantes elementos, passamos a falar da Análise do Discurso,
de linha francesa, como apontamos anteriormente.
Fonte:Thinkstock
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O período de surgimento da AD (décadas de1960-1970) coincide com um momento bastante
turbulento da História Mundial: tem início, no Brasil, a Ditadura Militar (1964), e, na França,
surgem os movimentos estudantis em prol de reformas no ensino.
Dessa forma, a AD foi utilizada para analisar os vários discursos políticos da época que foram
influenciados por ideologias bastante diferentes e contraditórias.
Conforme você pode observar, a AD estabelece intensa relação com as questões sociais.
Portanto, não poderíamos deixar de abordar alguns conceitos dessa área do conhecimento,
como por exemplo, ideologia.
Há muitas definições para ideologia. Utilizaremos uma que relaciona intimamente esse
conceito com a produção de discursos. Veja a citação abaixo, extraída do livro O que é Ideologia,
de Maria Helena Chauí (2004, p.13):
Imagine, por exemplo, que ao mostrar um trabalho para um colega de turma, este lhe diga:
“Seu trabalho precisa de revisão ortográfica”. Dependendo do grau de confiança que você
deposita no julgamento de seu colega, você pode, ou não aceitar a sugestão feita.
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Unidade: Correntes Modernas da Linguística (parte II)
Agora, pense na mesma frase: “Seu trabalho precisa de revisão ortográfica”, proferida pelo
professor que você mais admira e de quem gostaria de conquistar o respeito. Certamente, antes
mesmo do final da conversa, você já estaria iniciando a revisão ortográfica, pois, pela “posição
discursiva de seu interlocutor”, a sugestão dele soa muito mais como uma ordem, do que como
apenas uma opinião.
É por esta razão que Bakhtin, um dos grandes filósofos da linguagem do século XX,
afirmou que o discurso não é neutro, mas tanto recebe a influência de outros discursos, como
posteriormente poderá influenciar os discursos que se seguirão.
Apesar de saber que a AD abre um extenso campo de pesquisa e suscita importantes questões
a respeito da linguagem, encerraremos aqui a apresentação dessa corrente linguística com uma
citação de Brandão (Ibid., p.7) que resume seu objeto de estudo:
O discurso é como um jogo estratégico que provoca ação e reação, é como
uma arena de lutas (verbais, que se dão pela palavra) em que ocorre um jogo
de dominação ou aliança, de submissão ou resistência, o discurso é o lugar
em que se travam as polêmicas.
Explore
Visite o link abaixo para mais considerações sobre o desenvolvimento da Análise do Discurso de
linha francesa:
http://linguaportuguesa.uol.com.br/linguaportuguesa/gramatica-ortografia/38/artigo273503-1.asp
A Teoria da Enunciação
Para falarmos a respeito das perspectivas teóricas que estudam a enunciação é necessário
compreendermos a que esse termo se refere. Veja, portanto, a definição dada por Trask para
a enunciação e o enunciado. Observe também a diferenciação estabelecida entre esse último
(enunciado) e a sentença (ou frase):
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[a enunciação é] um fragmento de fala específico, produzido por um
indivíduo específico numa ocasião específica. Em lingüística, uma sentença
é um objeto lingüístico abstrato que constitui uma parte do conjunto de
recursos expressivos de uma determinada língua. Portanto, quando falamos,
não produzimos propriamente sentenças: produzimos, sim, enunciados. Um
enunciado é um fragmento de fala marcado de algum modo como unidade;
por exemplo, por meio de pausas e pela entonação (TRASK, 2004, p.92).
Uma vez que a enunciação é o ato de se produzir um discurso, para analisá-la é necessário
se observar o resultado do ato, isto é, o enunciado.
Conforme apresentamos no tópico sobre a AD, uma das características do discurso é que
ele é sempre produzido por alguém, por uma fonte enunciativa, que pode apresentar-se tanto
explicitamente, quanto implicitamente. A teoria da enunciação objetiva, portanto, estudar os
fatores relacionados aos elementos envolvidos na interação comunicativa. Há diversos estudos
e autores que se dedicaram à enunciação. Trazemos a seguir algumas dessas perspectivas e seus
respectivos autores.
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Unidade: Correntes Modernas da Linguística (parte II)
Bakhtin, dessa forma, ao tratar do caráter dialógico do discurso, observa as influências que
os participantes exercem no ato comunicativo, bem como dedica parte de seus estudos ao que
ele denomina o discurso do Outro, ou o discurso citado.
O discurso citado é o discurso no discurso, a enunciação na enunciação, mas
é, ao mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma enunciação sobre a
enunciação. (BAKHTIN, 1981, p.144)
Bakhtin pretende, portanto, estudar os modos como o discurso que provém do Outro, são
inseridos e dialogam com o nosso discurso. Veja o seguinte exemplo:
Quando numa conversa entre amigos eu falo: “João afirmou que chegaria cedo hoje”, estou
fazendo uso de uma expressão que atribuo à outra pessoa (a João), mas ao mesmo tempo, eu
insiro o verbo “afirmou” que traz uma significação relacionada a um julgamento de verdade.
Note que, se ao invés do verbo “afirmou” eu utilizasse o verbo “disse”, eu atribuiria um sentido
ligeiramente diferente à esse enunciado, apesar de estar falando a mesma coisa.
Bakhtin estudará, portanto, as intencionalidades ou efeitos advindos dos diversos tipos
de discursos, dentre eles: o discurso direto, o discurso indireto e, principalmente o discurso
indireto livre.
Como não é objetivo dessa disciplina estudar detalhadamente cada um desses discursos,
vamos nos restringir a uma pequena definição, bem como a alguns exemplos que ilustrem cada
uma das possibilidades discursivas apresentadas por Bakhtin.
iscurso Direto: é denominado por Bakhtin como uma construção sintática completa,
D
situada fora do contexto narrativo.
presidente da Câmara dos Deputados afirmou: “Não haverá tolerância com relação
O
à corrupção”.
este tipo de discurso tenta-se reproduzir com exatidão as palavras do outro, por isso é
N
comum a utilização das aspas.
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iscurso Indireto Livre: nesta forma discursiva, bastante utilizada na literatura, confunde-
D
se a presença do narrador com a do personagem, criando-se um efeito de sentido de dúvida
quanto a quem foi o responsável por determinada enunciação.
“Eu te odeio”, disse ela para um homem cujo crime único era o de não
amá-la. “Eu te odeio”, disse muito apressada. Mas não sabia sequer como se
fazia. Como cavar na terra até encontrar a água negra, como abrir
passagem na terra dura e chegar jamais a si mesma?(LISPECTOR,
1998, p.127).(grifo nosso)
Observe que no exemplo acima, extraído do conto O Búfalo, de Clarice Lispector, inicialmente
temos algumas citações realizadas em discurso direto, com a presença das aspas. Entretanto,
ficamos com dúvida sobre quem proferiu a última frase, uma interrogativa, marcada em negrito.
A quem atribuir essa fala: ao narrador ou à personagem? Temos aí a presença do discurso
indireto livre. Ao utilizar esse discurso, com certeza o autor do texto possui uma intenção e
procura atribuir efeitos de sentido ao que escreve.
Veja como Bakhtin define, portanto, esse tipo de discurso:
Nas línguas modernas, certas variantes do discurso indireto, em particular
do discurso indireto livre, têm uma tendência inerente a transferir a
enunciação citada do domínio da construção lingüística ao plano temático,
de conteúdo. Entretanto, mesmo assim, a diluição da palavra citada no
contexto narrativo não se efetua, e não poderia efetuar-se, completamente:
não somente o conteúdo semântico, mas também a estrutura da enunciação
citada permanecem relativamente estáveis, de tal forma que a substância
do discurso do outro permanece palpável, como um todo auto-suficiente.
(BAKHTIN, 2002, p. 145)
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Unidade: Correntes Modernas da Linguística (parte II)
O grande salto que o autor vai propor para ampliar esse enfoque corresponde, pois, ao
estabelecimento da subjetividade como fundamento da linguagem.
De acordo com Benveniste, “não atingimos nunca o homem separado da linguagem e não
o vemos nunca a inventando.” (op.cit.,p.285). A subjetividade é, pois, segundo o autor, um
fundamento da linguagem: “é na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como
sujeito” (op.cit.,p.286)
Benveniste preconiza então a capacidade do locutor de se propor como sujeito, pois o
fundamento da subjetividade se determina pelo status linguístico da pessoa. Assim, todo discurso
instaura um “eu”. O autor observa que, a todas as línguas, sejam elas de qualquer época ou
região, não faltam os signos que indicam “a pessoa”, os “pronomes pessoais”.
No entanto, essa consciência do “eu” na linguagem não é o bastante. Todo “eu” instaura
um “tu”; todo locutor instaura o seu interlocutor – essa polaridade é condição fundamental
da linguagem – cujo processo de comunicação é sua consequência pragmática. Sendo assim,
ao definir a subjetividade, por conseguinte, Benveniste estabelece a intersubjetividade como
condição inerente à linguagem. O autor postula também que o “eu” e o “tu” não são simétricos,
mas complementares. Por isso, os sujeitos se constituem na linguagem, evidenciando o princípio
da interação na e pela linguagem.
Benveniste afirma que os pronomes pessoais “eu” e “tu” não existem fora da esfera discursiva,
já que eles tratam dos elementos participantes do discurso e que, portanto, amoldam-se a toda
situação comunicativa.
Qual é, portanto, a ‘realidade’ à qual se refere eu ou tu? Unicamente uma
‘realidade do discurso’. [...] Eu só pode definir-se em termos de ‘locução’, não
em termos de objetos, como um signo nominal. Eu significa ‘a pessoa que
enuncia a presente instância de discurso que contém eu’. Instância única por
definição, e válida somente na sua unicidade (BENVENISTE, 1988, p.278).
Repare que, tanto Lúcia quanto Paulo, fazem uso do pronome eu em seus discursos. Isso
ocorre porque, cada um deles é o sujeito de sua própria enunciação. Assim, o pronome “eu”
não tem um significado fora da enunciação, pois irá adequar-se àquele que será o enunciador
em cada situação.
Situação semelhante ocorre com o uso do “tu”, ou “você”, que será, em cada situação
enunciativa, o elemento ao qual a enunciação se dirige.
Em decorrência dessa concepção, Benveniste apresenta e estuda uma série de elementos
linguísticos associados ao “eu” e ao “tu” discursivos aos quais ele denomina de dêiticos.
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Os dêiticos serão chamados de elementos vazios de significado, pois só vão adquirir
significação quando associados ao discurso a que pertencem. São exemplos de dêiticos:
• Pronomes demonstrativos: este, essa, aquele, aquilo etc.
• Alguns advérbios: aqui, lá, ontem, hoje etc.
Da mesma forma como exemplificado com os pronomes “eu” e “tu”, os dêiticos não
possuem uma significação própria, portanto, têm seu sentido alterado a cada vez que o discurso
é proferido.
Assim, posso dizer: “Ela é muito inteligente”, para referir-me a uma terceira pessoa que não
participa da enunciação, sendo esta, de fato, objeto de meu enunciado.
Ao expor aqui breve parte da obra e dos postulados teóricos de Bakhtin e de Benveniste,
nos propomos destacar a sua atualidade e importância. Salientamos, ainda, que mais de 50
anos depois de sua publicação, seus textos abrem possibilidades de reflexão sobre os estudos
da língua, e se configuram como base teórico-metodológica para as pesquisas na área da
linguagem. Passamos, então, a outro autor, que traz contribuições importantes para os estudos
da linguagem a partir da perspectiva da Teoria da Enunciação.
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Unidade: Correntes Modernas da Linguística (parte II)
Para Maingueneau, a noção de ethos está ainda associada ao tom do discurso, ou seja, à
forma como eu quero que me vejam tanto por meio daquilo que digo, quanto pelo que calo.
Isso significa que as atitudes e palavras podem auxiliar, ou não, aquele que fala a ganhar a
confiança e simpatia de seus interlocutores.
Observe que o conceito de ethos retoma o conceito de enunciação, como vimos até aqui,
ao estabelecer a importância dos interlocutores e situar “o dito” em determinada situação
comunicativa, levando em conta quem fala, para quem fala, em determinados tempo e lugar.
Para se criar um determinado ethos é também necessário se estabelecer um público-alvo,
pois, dependendo de com quem falamos, precisamos adequar nossa linguagem para sermos
compreendidos e aceitos, ou, nos dizeres de Maingueneau, precisamos assumir um ethos
compatível com a imagem que nosso interlocutor faz de nós.
Na política é bastante comum que os candidatos a eleição assumam posturas e discursos
bem diferentes de suas reais convicções, pois eles pretendem angariar a confiança (e os votos)
das pessoas. Observe o quanto os discursos políticos são construídos para ganhar a simpatia do
eleitor, bem como a desmoralizar o dos concorrentes.
A noção de ethos é, portanto, bastante atual e relaciona-se intimamente com os princípios
da AD que estudamos na primeira parte desta Unidade, pois lida com as intencionalidades e
ideologias que perpassam todos os discursos.
Sabendo-se da complexidade do assunto abordado, nossa expectativa nessa unidade
é que você perceba a importância desses conceitos para os estudos da linguagem, pois, as
noções apresentadas pela AD e pela Teoria da Enunciação, em suas diferentes perspectivas,
nos habilitam observar, de forma bastante crítica, os vários discursos a que somos submetidos
continuamente, quer da imprensa, da política, do cotidiano etc.
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Material Complementar
Explore
Leia o texto completo da Profª. Helena Brandão que foi utilizado em grande parte de nosso conteúdo
teórico no link abaixo, também disponível no site do Museu da Língua Portuguesa (seção textos).
http://www.museulinguaportuguesa.org.br/colunas_interna.php?id_coluna=1
Explore
Assista aos vídeos disponíveis nos links a seguir. Eles formam um conjunto de cinco aulas dadas
por um dos maiores representantes brasileiros sobre os estudos relativos à enunciação: o Profes-
sor José Luiz Fiorin.
http://www.youtube.com/watch?v=0FmN3h6GM80
http://www.youtube.com/watch?v=POa4RuzCSRM
http://www.youtube.com/watch?v=XbZOViCEfNg
http://www.youtube.com/watch?v=KIykAt4PdrM
http://www.youtube.com/watch?v=i4v6iWWHG48
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Unidade: Correntes Modernas da Linguística (parte II)
Referências
BRANDÃO, Helena Hathsue Nagamine. Analisando o Discurso. São Paulo. 2005. Disponível
em: http://www.poiesis.org.br/files/mlp/texto_1.pdf. Acesso: 20/03/10.
FIORIN, J. L. Introdução à Linguística II: Princípios de Análise. 3ª ed. São Paulo: Contexto,
2004. ebook
FLORES, V.N.; Teixeira, M. Introdução à Linguística da Enunciação. 1ª ed., São Paulo: Editora
Contexto, 2005. ebook
FLORES, V.N. et al. Enunciação e Gramática. São Paulo: Editora Contexto, 2008. ebook
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Anotações
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