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Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso

PJe - Processo Judicial Eletrônico

27/03/2019

Número: 1010007-35.2017.8.11.0041
Classe: AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Órgão julgador: VARA ESP. AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AÇÃO POPULAR
Última distribuição : 31/03/2017
Assuntos: INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? NÃO
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? NÃO
Partes Procurador/Terceiro vinculado
DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO
(AUTOR(A))
VICTORIO GALLI (RÉU) ROGERIO LUIS GOULART DE LIMA (ADVOGADO(A))
MOISES SAMPAIO GOMES (ADVOGADO(A))
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
18533 27/03/2019 17:03 Sentença Sentença
073
ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
VARA ESP. AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AÇÃO POPULAR

Processo: 1010007-35.2017.8.11.0041.

REQUERENTE: DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO

REQUERIDO: VICTORIO GALLI

Vistos etc.

A Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso,


por seu representante, ajuizou a presente Ação Civil Pública Cominatória de Obrigação de Não Fazer,
com pedido de Liminar e Indenização por Danos Morais Coletivos, em face de Victorio Galli Filho,
com a finalidade de proibir o requerido de manifestar acerca da comunidade GLBT durante o trâmite da
ação, bem como a condenação do requerido ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no
valor de R$500.000,00 (quinhentos mil reais), em razão das constantes manifestações do requerido, de
forma preconceituosa, com relação às pessoas homossexuais.

Narra a petição inicial que o requerido, à época dos fatos, exercia o cargo de deputado federal e como
representante do Partido Socialista Cristão – PSC, afirmou, nessa qualidade, que seria defensor do projeto
de lei que prevê a possibilidade de líderes religiosos questionarem e criticarem a homossexualidade dos
cidadãos, sem estarem sujeitos a penalidades por homofobia.

Afirma que o discurso de ódio pelos gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros
sempre esteve presente em seus palanques e, que a sua atuação política se limita a categorizar, inferiorizar
e ridicularizar todos cuja orientação do desejo está voltada para pessoas do mesmo sexo.

Assevera que a violação explícita e reiterada dos direitos fundamentais é promovida com a finalidade de
conseguir maior visibilidade política e maior projeção nos meios de comunicação.

Aponta que as atuações do requerido na Câmara dos Deputados, sempre foram apoiadas na pseudo
proteção da entidade familiar formada pelo homem e pela mulher que, segundo o requerido, é colocada
em risco pela diversidade sexual.

Alega ser comum nas declarações do requerido a referência a duas categorias, a do homem heterossexual
e a do homem gay, este último sempre inferiorizado, quer utilizando a orientação sexual como elemento
de injúria, quer atribuindo-lhes traços semânticos nitidamente negativos, como a utilização de adjetivos
como “veados”, “dois barbudos se casando”, “zoológico de gays”. Para o requerido, os GLBTs não teriam
atributos positivos, sendo párias, inconvenientes, ofensivos e com traços de pedofilia.

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Discorre acerca do conceito e dos aspectos históricos da homossexualidade e os seus conflitos
homofóbicos, bem como transcreve entendimentos recentes vindos do Supremo Tribunal Federal, que
ampliaram a proteção e concederam maiores direitos à população LGBTs em todo Brasil.

Registra que o requerido, em entrevista concedida a Rádio Capital, alegou ter feito estudos profundos e
concluído que a Disney e o Mickey fazem apologia ao homossexualismo e estão acabando com a família
tradicional brasileira. Ainda, segundo o requerido, O Rei Leão é outro filme que faz apologia ao
“gayzismo”.

Transcreve trechos da entrevista concedida pelo requerido a uma emissora de rádio, a qual, pelo seu
conteúdo, repercutiu em toda a imprensa, televisão, jornais, rádios, internet, no país e no exterior, dando
forma ao discurso de ódio e incitando a maioria da população a enfrentar a minoria homossexual.

Reproduz algumas matérias publicadas a partir da entrevista concedida pelo requerido, bem como trechos
de um vídeo gravado pelo senador Cidinho Santos e o próprio requerido, onde fazem piadas acerca da
suposta homossexualidade dos personagens da Disney.

Relata também, que o requerido passou a se manifestar em suas redes sociais, postando ilustrações que
equiparam homossexualidade com a pedofilia e, em sua fanpage, o requerido (@victoriogallioficial)
promove verdadeira cruzada contra a diversidade sexual, sempre com discursos de intolerância, em
afronta à dignidade dos indivíduos homossexuais.

Revela que o requerido é autor do projeto de lei n.º 5774/2016, que propõe criminalizar o uso de
banheiros públicos pelos transgêneros.

Sustenta que as ideologias do requerido remetem a regimes que a humanidade se envergonha, como o
apartheid, o nazismo, a eugenia e a islamofobia e que, mesmo diante das muitas manifestações de repudio
as suas declarações e a iminência de ser processado e responsabilizado, o requerido manteve o seu
discurso, afirmando que “sua opinião não pode ter limite”.

Discorre sobre a competência deste Juízo, a legitimidade da Defensoria Pública Estadual, do cabimento
da ação civil pública, a configuração do dano moral coletivo e requer a concessão de tutela antecipatória
inibitória, de modo a proibir que o requerido continue a manifestar-se contrário à comunidade LGBT.

No evento id. 5838719, antes mesmo de recebida a inicial, a Defensoria Pública apresentou manifestação,
afirmando que o requerido tomou conhecimento da ação pela imprensa e manifestou-se publicamente,
proclamando: “eu tenho direito de dar opiniões, você está entendendo? Se é direito deles dar o que eles
querem dar, porque eu não posso dar opinião?”.

Alegou que o requerido novamente se referiu aos GLBTs de maneira chula, vulgar, trivial e que a
comunidade homossexual estava prestes a ser jogada novamente à cova dos leões.

Reiterou o pedido liminar, para proibir que o requerido se manifeste sobre a comunidade homossexual,
sob pena de multa a cada declaração.

O pedido liminar foi apreciado e indeferido, bem como foi dispensada a audiência de conciliação e
determinada a citação do requerido (id. 5895218).

O requerido, devidamente citado (id. 7980528), apresentou contestação (id. 7996302), arguindo,
preliminarmente, a ilegitimidade ativa da Defensoria Pública, uma vez que a ação foi proposta nesta
Capital, mas pela Defensoria Pública da cidade de Chapada dos Guimarães/MT.

No mérito, o requerido discorreu acerca do direito à liberdade de expressão e asseverou que somente
omitiu a sua opinião em entrevista concedida a Rádio Capital, sujeitas, na oportunidade, à ampla
discussão, inclusive, a todo tipo de contraposição científica.

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Alegou também, que o requerente reproduziu na inicial apenas trechos da entrevista, de forma
descontextualizada, o que não é suficiente para caracterizar o alegado incitamento ao ódio, ao preconceito
e à discriminação contra homossexuais.

Para amparar a sua tese de direito à liberdade de expressão, transcreveu dispositivos constitucionais,
julgados e entendimentos doutrinários, parte deles resultado de Convenções Internacionais de Direitos
Humanos.

Sustentou, ademais, que não se pode abstrair do requerido os seus valores pessoais motivados pelas mais
diversas razões, inclusive e, eventualmente religiosas, tendo ele o direito de manifestá-los publicamente e
expô-los ao debate público, para fins da persecução da “razão pública”, no contexto do debate científico.

Requereu, ao final, que seja acolhida a preliminar de ilegitimidade da Defensoria Pública do Estado e, no
mérito, a improcedência dos pedidos da ação, em razão de não ter sido demonstrada qualquer incitação
por parte do requerido.

A Defensora Pública que atua perante este Juízo impugnou a contestação (id. 9218795), ratificando os
termos da inicial e a legitimidade ativa, afirmando que a divisão interna na Defensoria Pública tem efeitos
meramente administrativos e funcionais e, que atos praticados por Defensor Público, eventualmente sem a
respectiva atribuição, podem ser perfeitamente convalidados pela Defensoria Pública Natural, haja vista
os princípios institucionais da unidade, da indivisibilidade e da independência funcional, que regem a
Defensoria Pública.

Salientou ainda, que a Defensoria Pública possui legitimidade para a propositura de ação civil pública,
para a defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, como é o caso dos autos.

No mérito, asseverou que o requerido se expressou de maneira irresponsável, ao afirmar que a orientação
homossexual seria algo para se ter vergonha, que ser gay é incompatível com o cristianismo e colocaria
em risco a família heteroafetiva. Alegou ainda, que o requerido fez apologia a homofobia, conclamando
os pais a não levarem seus filhos à Disney ou permitir que assistissem aos desenhos animados daquela
produtora.

Alegou que, no caso, verifica-se um conflito de princípios constitucionais, devendo, contudo, observar-se
que o direito a liberdade de expressão limita-se quando praticado em excesso e em afronta a outros
princípios, como o da dignidade da pessoa humana e o da liberdade de escolha de gênero.

Requereu, ao final, a procedência dos pedidos iniciais, reiterando-os em todos os seus termos.

O requerido, por seu patrono, manifestou-se alegando que a impugnação foi apresentada
intempestivamente. Apontou que o prazo começou a fluir no dia 05/06/2017, data da expedição da
intimação, encerrando-se em 17/07/2017, tendo a impugnação sido apresentada somente no dia
31/07/2017. Reiterou o pedido de extinção do feito por ilegitimidade ativa da Defensoria Pública do
Estado (id. 9546968).

O Ministério Público, instado a manifestar como custos legis, rebateu a preliminar de ilegitimidade ativa
e, no mérito, opinou pela procedência parcial dos pedidos, com a consequente condenação do requerido
ao pagamento de indenização por danos morais coletivos (id. 10562732).

Os autos vieram conclusos.

É o relatório.

DECIDO.

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Trata-se de Ação Civil Pública Cominatória de Obrigação de Não Fazer, com pedido de Liminar e
Indenização por Danos Morais Coletivos ajuizada pela Defensoria Pública Estadual, em face de
Victório Galli Filho, com a finalidade de obter a reparação por danos morais coletivos em razão das
constantes manifestações do requerido, de forma preconceituosa, com relação às pessoas homossexuais.

No caso, é possível o julgamento antecipado do mérito, pois entendo ser desnecessária a produção de
outras provas, além dos documentos acostados aos autos, nos exatos termos que autoriza o art. 355, inciso
I, do Código de Processo Civil.

Importante consignar que cabe ao Juiz aferir sobre a necessidade ou não da produção de outras provas, a
teor do que estabelece o art. 370, do Código de Processo Civil. Assim, o Magistrado que preside a causa
tem o dever de evitar a coleta de prova que se mostre inútil à solução do litígio.

A respeito do tema, o Superior Tribunal de Justiça já sedimentou seu entendimento:

“RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANO MORAL


COLETIVO - DIVULGAÇÃO DE PUBLICIDADE ILÍCITA - INDENIZAÇÃO
- SENTENÇA QUE ACOLHEU O PEDIDO INICIAL DO MPDFT FIXANDO A
REPARAÇÃO EM R$14.000.000,00 (QUATORZE MILHÕES DE REAIS) E
DETERMINOU A ELABORAÇÃO DE CONTRAPROPAGANDA, SOB PENA
DE MULTA DIÁRIA - INCONFORMISMOS DAS RÉS - APELAÇÃO
PARCIALMENTE PROVIDA PARA REDUZIR O QUANTUM
INDENIZATÓRIO E EXCLUIR DA CONDENAÇÃO OBRIGAÇÃO DE
FAZER CONTRAPROPAGANDA, BEM COMO A MULTA MONITÓRIA
PARA A HIPÓTESE DE DESCUMPRIMENTO. IRRESIGNAÇÃO DAS RÉS -
OGILVY BRASIL COMUNICAÇÃO LTDA. E DA SOUZA CRUZ S/A - E DO
MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS.

1. DO RECURSO ESPECIAL DA OGILVY BRASIL COMUNICAÇÃO LTDA.


(...) 1.2. Julgamento antecipado da lide. Possibilidade. Inexistência de
cerceamento do direito de defesa. Produção de prova documental suficiente.
Impossibilidade de revisão. Incidência da Súmula 7/STJ. Livre
convencimento motivado na apreciação das provas. Regra basilar do
processo civil brasileiro. Precedentes do STJ.” (REsp 1101949/DF, Rel.
Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 10/05/2016, DJe
30/05/2016). (grifo nosso).

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. JULGAMENTO ANTECIPADO


DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA.
PRECEDENTES. RELEVÂNCIA DA PROVA INDEFERIDA.
INVIABILIDADE DE ANÁLISE. SÚMULA 7/STJ. SUSPENSÃO DO
PROCESSO. FUNDAMENTOS NÃO IMPUGNADOS. SÚMULA 283/STF. 1. A
jurisprudência do STJ reconhece que não ocorre cerceamento de defesa por
julgamento antecipado da lide, quando o julgador ordinário considera
suficiente a instrução do processo (REsp 1.252.341/SP, Rel. Ministra ELIANA
CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 5/9/2013, DJe 17/9/2013). 2.
Insuscetível de revisão, nesta via recursal, o entendimento do Tribunal de origem -
que, com base nos elementos de convicção dos autos, entendeu que não ocorreu
cerceamento de defesa e que a produção da prova requerida pelo município era
prescindível -,por demandar a reapreciação de matéria fática, o que é obstado pela
Súmula 7/STJ. (...)." (AgRg no REsp 1.445.137/MG, Rel. Ministro Humberto
Martins, Segunda Turma, julgado em 24/3/2015, DJe 30/3/2015.). (grifo nosso).

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O requerido arguiu a preliminar de ilegitimidade ativa da Defensoria Pública do Estado, afirmando que a
ação foi proposta por Defensor Público, lotado na comarca de Chapada dos Guimarães/MT,
descumprindo a regra de competência territorial prevista no próprio Regimento Interno da Defensoria
Pública do Estado de Mato Grosso.

Entretanto, o requerido não trouxe aos autos cópia da referida normativa que estabelece a competência e
atribuições da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso, tampouco comprovou a sua vigência.

No caso, a Lei Complementar n.º 80/94, que organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal
e Territórios, não estabelece de forma expressa os parâmetros de atuação das Defensorias Públicas dos
Estados.

O art. 1º, da LC nº 80/94, dispõe que:

“Art. 1º A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função


jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime
democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos
humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos
individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim
considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal.”

De acordo com o art. 3º, da Lei 80/94, a Defensoria Pública é dotada de três princípios institucionais,
quais sejam: a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

O princípio da unidade significa que a Defensoria Pública representa um todo, permitindo que um
Defensor Público possa substituir o outro, em nome da mesma instituição. Já o princípio da
indivisibilidade impede que a Defensoria Pública seja fracionada e a independência funcional permite que
a Defensoria Pública seja autônoma perante todos os outros órgãos estatais, podendo agir sem qualquer
interferência política.

Assim, ainda que a ação tenha sido proposta por Defensor Público atuante em outra Comarca, é possível
que o ato ou o processo seja assumido e convalidado pelo Defensor Público natural, justamente o que
aconteceu nos presentes autos, como se vê da impugnação subscrita pela Defensora Pública que atua
perante este Juízo.

Nesse sentido, transcrevo o julgado proferido pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. LEI MARIA DA PENHA.


MEDIDAS PROTETIVAS. SENTENÇA PELA EXTINÇÃO DA
CONSTRIÇÃO. APELAÇÃO CRIMINAL JULGADA. RECONHECIMENTO
DA NULIDADE DA DECISÃO. DETERMINAÇÃO PARA A REANÁLISE DA
VIGÊNCIA DAS MEDIDAS. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO
ESPECIAL. INVIABILIDADE. VIA INADEQUADA. DEFENSORA
PÚBLICA ATUANTE EM RECURSOS CRIMINAIS. OUTRO DEFENSOR
A OFERECER AS CONTRARRAZÕES RECURSAIS. PECHA. NÃO
OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO DO BROCARDO DO DEFENSOR
NATURAL. INEXISTÊNCIA. UNIDADE E INDIVISIBILIDADE DA
DEFENSORIA PÚBLICA. NULIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO.
DEFICIÊNCIA DA DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. ESCORREITO TRÂMITE
PROCESSUAL. INCIDÊNCIA. INTIMAÇÃO PESSOAL DA SESSÃO DE

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JULGAMENTO. AUSENTE DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA NOS
AUTOS. FLAGRANTE ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA. HABEAS CORPUS
NÃO CONHECIDO. 1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego
do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional e
em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a
ordem como substitutiva de recurso especial. 2. Embora a Defensora Pública
subscritora dessa impetração possua a incumbência de atuar no núcleo de
recursos criminais, outro Defensor Público ofertou as contrarrazões da
apelação ministerial, não se vislumbrando qualquer lesão ao exercício pleno e
independente das atribuições de membro da instituição, nem violação do
brocardo do defensor natural, eis que ocorreu, em boa verdade, a cooperação
dos defensores em prol do desenvolvimento do munus público de assistência
ao necessitado, de incumbência da Defensoria Pública, órgão uno e indivisível
. (...). 5. Habeas corpus não conhecido.” (STJ - HC: 277630 AM 2013/0317400-2,
Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento:
04/11/2014, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/11/2014).

Outrossim, tem-se que o Supremo Tribunal Federal reafirmou que a Defensoria Pública possui
legitimidade para propor ação civil pública em defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos.

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA


DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA (ART.
5º, INC. II, DA LEI N. 7.347/1985, ALTERADO PELO ART. 2º DA LEI N.
11.448/2007). TUTELA DE INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS
(COLETIVOS STRITO SENSU E DIFUSOS) E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.
DEFENSORIA PÚBLICA: INSTITUIÇÃO ESSENCIAL À FUNÇÃO
JURISDICIONAL. ACESSO À JUSTIÇA. NECESSITADO: DEFINIÇÃO
SEGUNDO PRINCÍPIOS HERMENÊUTICOS GARANTIDORES DA FORÇA
NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E DA MÁXIMA EFETIVIDADE DAS
NORMAS CONSTITUCIONAIS: ART. 5º, INCS. XXXV, LXXIV, LXXVIII,
DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE NORMA DE
EXCLUSIVIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAMENTO DE
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO INSTITUCIONAL DO
MINISTÉRIO PÚBLICO PELO RECONHECIMENTO DA LEGITIMIDADE
DA DEFENSORIA PÚBLICA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.” (ST F -
ADI: 3943 ED / DF, Relatora: Ministra Carmén Lúcia, Data de Julgamento:
18/05/2018).

Nesses termos, afasto a preliminar de ilegitimidade ativa arguida pelo requerido.

Superada a preliminar, porém, antes de analisar o mérito da ação, verifico que o requerido alegou que a
impugnação foi apresentada intempestivamente (Ref. 9546969), pois a Defensoria Pública foi intimada,
para impugnar a contestação no dia 05/06/2017, esgotando-se o prazo em 17/07/2017.

Entretanto, diferente do que alegado, extrai-se do sistema PJE que a intimação foi expedida no dia
05/06/2017, mas que a Defensoria Pública só registrou ciência em 19/06/2017, às 23:59:59 horas (ciência
automática), ao passo que o prazo de impugnação se esvaiu no dia 31/07/2017, exatamente no dia do
protocolo.

Assim, conforme certidão constante na Ref. 9222392, a impugnação à contestação é tempestiva.

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Passo a análise do mérito.

A Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso afirmou que o requerido frequentemente faz declarações
homofóbicas e preconceituosas e ofensivas, chegando a incitar a maioria da população a enfrentar a
minoria pertencente à comunidade homossexual. Transcreveu uma entrevista e juntou postagens em
mídias sociais onde, ao tratar do assunto, especificamente sobre personagens da Disney, o requerido se
expressa de forma preconceituosa e ofensiva referindo-se a homossexuais.

O requerido, na contestação, não negou que tivesse feito tais declarações, apenas afirmou que os trechos
da entrevista concedida à Rádio Capital e reproduzidos na inicial, estariam desconexos, fora de contexto.
No entanto, dos trechos transcritos, percebe-se que há sequencia lógica da entrevista e não há nada que
indique que houve edição dos registros.

O requerido também não negou que tivesse gravado um vídeo com o então Senador Cidinho Santos, onde,
por mais de um minuto, faziam piadas alegadamente homofóbicas e perturbadoras acerca da suposta
homossexualidade dos personagens da Disney. Não impugnou, também, a afirmação da Defensoria
Pública de que tenha publicado em suas redes sociais ilustrações que equiparam homossexualidade a
pedofilia e que apresentam ameaças às crianças.

Em sua defesa, o requerido invocou o direito constitucional de liberdade de expressão, afirmando que não
fez mais que emitir a sua opinião e, que não se constata nos autos força suficiente para compreender o
incitamento ao ódio e ao preconceito.

Pois bem, a controvérsia cinge-se em decidir se as declarações do requerido possuem cunho homofóbico e
se afrontam a honra, a imagem das pessoas homossexuais, de maneira suficiente a ensejar a condenação
do requerido ao pagamento de indenização por danos morais.

No presente caso, ainda que o requerido afirme que parte de suas falas foram reproduzidas na inicial, fora
de contexto, é incontroverso que as declarações abaixo transcritas partiram do requerido, em entrevista à
emissora de rádio (extraído da entrevista à Radio Capital FM 101,9, transcrita às fls. 14/16 da petição
inicial):

1) “Com relação a essa situação do Mickey e da Disney, a gente vê que em todas as suas atuações,
eles fazem apologia ao homossexualismo. Inclusive o Mickey, se você fizer um estudo profundo
como eu já fiz, ele representa de fato, ele é homossexual tá. Então, as pessoas estão enganadas
com essa mensagem subliminar que a Disney está passando para a sociedade, principalmente às
nossas crianças.”

2) “Infelizmente outro filme em que os personagens transmitem mensagem em relação ao


homossexualismo é aquele desenho animado do leão, não tem? Aquele negócio lá do leão. Não sei
se você já viu o Rei Leão.”

3) “Na realidade é outra mensagem que também transmite a apologia ao 'gayzismo'”

4) “É na questão que o rei leão deveria ser um animal feroz, de transmitir respeito aos outros animais,
ele se torna um animalzinho frágil, animalzinho que carece de proteção dos outros, entendeu?”

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5) “Sim, porque desvirtua a natureza do animal, é essa a mensagem que transmite, tá entendendo.
Quando o homem deixa de ser homem, o que que ele tá fazendo? Ele tá desonrando a sua natureza
de macho, de homem.”

6) “(...) se você está pensando que a sua viagem à Disney... indo pra lá, você não vai trazer uma
formação positiva para sua família, entendeu? Eles vão ver, entre outras coisas lá, a situação que
eles estão denegrindo a família tradicional, isso é patente (...).”

7) “Mas para quem defende a família tradicional, é fator negativo. O errado é que a pessoa tá fazendo
apologia. Eu não sou contra ninguém ser gay, meu filho, eu não sou contra ninguém ser lésbica.
Eu não sou contra um barbudo viver como casado com outro barbudo, uma cara lisa viver como
casada com outra cara lisa, tá entendendo? Tirando a natureza, a natureza do homem e da mulher,
desde que a pessoa tenha 18 anos, faça isso entre quatro paredes e não faz apologia.”

8) “Onde é que se viu há tempos atrás homem usar saia, homem vestir roupa de mulher, vestir sutiã,
deixar os peito crescer, faz tudo querendo ser mulher? Onde que via isso lá atrás? Estão chamando
isso de modernidade. Isso é sem-vergonhice. Entendeu? Homem tem que ser homem. Mulher é
mulher”.

9) “Pois é, sê viu? Nós estamos vivendo numa época em que há inversão de valores, hoje senador, o
poste tá mijando no cachorro. Verifica pra você vê lá, na família, na família do Mickey ninguém
tem pai e ninguém tem mãe. Da onde que esse povo vieram? Só chamam pessoal de tio. Tio daqui,
tio dali, tio de cá. E o leão é cor de rosa. Sai fora rapaz.”

E ainda, em companhia do então Senador Cidinho Santos, gravou um vídeo em um aeroporto, onde
afirma (vídeo compartilhado em redes sociais, fala transcrita às fls. 31/32 da petição inicial):

10) “Não, e agora estão lançando mais um novo filme deles que é a fera, a Bela e a Fera, que é gay
também, tudo... Deus me livre!”

Verifica-se flagrante excesso nas manifestações públicas do requerido ao afirmar que os personagens
infantis da Disney são gays, que fazem apologia ao “gayzismo”, que denigrem a família tradicional.

Em suas declarações a respeito da Disney, Mickey, O Rei Leão, A Bela e a Fera, o requerido não só
atinge as pessoas homossexuais, mas também grande parte da coletividade que, de alguma forma, interage
com os desenhos animados e personagens daquela companhia de mídia.

E mais, para o requerido, família tradicional é aquela composta de casal homem e mulher, separando os
homossexuais do que para ele é o “normal”. Logo, se à margem da normalidade, na opinião do requerido,
as pessoas homossexuais “são anormais”.

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O requerido afirma, também, que a história “O Rei Leão” transmite apologia ao “gayzismo”, pois
desvirtua o animal de sua natureza bravia, retratando-o como um leão frágil e carente de proteção. Na
visão do requerido, há uma comparação entre o homem e o leão: este deveria ser uma fera que transmite
respeito aos outros animais e não um ser frágil; ao se fragilizar uma fera, “homem está deixando de ser
homem” e está desonrando sua natureza de macho.

A toda evidência, as declarações do requerido estão carregadas de preconceito, de repúdio e representam


um julgamento do “certo” e do “errado”, quando se refere às pessoas homossexuais, ou seja, àquelas
pessoas cuja preferencia sexual não corresponde ao padrão social da heterossexualidade.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 4277-DF, que trata da validade da equiparação das uniões
homoafetivas às uniões estáveis a partir da submissão do art. 1.723, do Código Civil a “interpretação
conforme Constituição”, enfrentou o tema relativo à discriminação dos homossexuais:

“1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL


(ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE
REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU
RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE
OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO
CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº
4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição”
ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. 2.
PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO,
SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA
NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A
PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO
CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO
COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA
DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA
AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA
PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição
constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator
de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da
Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de
“promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do
concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral
negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado,
está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual
como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”:
direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo.
Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito
para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da
sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais.
Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade
constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. 3.
(...)”.

(ADI 4277, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em


05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT
VOL-02607-03 PP-00341 RTJ VOL-00219-01 PP-00212)

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O direito à liberdade de expressão e da livre manifestação do pensamento encontra-se estampado na
Constituição Federal de 1988. Não obstante a garantia constitucional, o referido direito não pode ser
utilizado de forma abusiva, permitindo atos de discriminação de qualquer natureza.

Em outros termos: o direito de liberdade de expressão não é absoluto e deve ser exercido em observância
à proteção da dignidade da pessoa humana, de maneira a não humilhar, inferiorizar, ou ridicularizar
outrem, sendo esta a hipótese dos autos.

Não concordar com o homossexualismo ou com qualquer outro fato ou orientação sexual é um direito de
qualquer cidadão, é uma garantia legal. O que não pode ser tolerado são os abusos, as manifestações que
ultrapassam o razoável. Assim, evidenciando o preconceito, a injúria, ou qualquer tipo de agressão,
deve-se haver reprimenda para que tais atos não se repitam.

É importante ressaltar que não cabe a alegação de imunidade parlamentar, em razão cargo político de
Deputado Federal ocupado pelo requerido à época dos fatos. Destarte, conforme já afirmado, a liberdade
de expressão ou a imunidade parlamentar se confronta diretamente com o princípio da dignidade humana
e não avaliza, tampouco autoriza declarações como forma de discriminação, como preconceito quanto à
orientação sexual do ser humano.

Assim, resta caracterizado o teor homofóbico das declarações do requerido, importando no dever de
indenizar por dano moral, eis que atingida a intimidade, honra e imagem das pessoas homossexuais, em
afronta ao art. 5º, X, da Constituição Federal.

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,


assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação; (...).”

No âmbito infraconstitucional, os artigos 186 e 927, do Código Civil regulam a matéria, estabelecendo
que aquele que praticar ação que viole direito ou cause danos a terceiros, ainda que exclusivamente moral,
terá o dever repará-los.

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (...)”.

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a
repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar,
por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (...).”

A jurisprudência tem se manifestado pela procedência dos pedidos, que visam a indenização por dano
moral em situações de discriminação por opção sexual, senão vejamos:

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“HOMOFOBIA. DISCRIMINAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL -
Diante da histeria homofóbica e a hipocrisia que teima em subsistir em nossa
sociedade, o Judiciário tem se posicionado de forma vanguardista, ao assegurar
igualdade substantiva aos que adotam orientação sexual diversa do padrão
imposto sob o olhar da constituição biológica (do sexo). In casu, restou provada a
conduta de cunho homofóbico dirigida ao autor por parte de preposta da empresa,
e esta não adotou qualquer medida a garantir a integridade moral do
trabalhador-ofendido. O caráter da agressão praticada no ambiente de trabalho e a
omissão do empregador ensejam o dever de indenizar o dano moral ocasionado ao
autor, em vista do notório atentado à dignidade do deste, que se viu humilhado
com comentários depreciativos e atingido em sua intimidade e vida privada (art. 5º
, , CF ), resultando malferidos os princípios da igualdade (art. 5º, caput) e da
dignidade humana (art. 1º , III , CF ).” (Recurso patronal improvido, no particular.
- Processo: RO - 0001302-78.2013.5.06.0014, Redator: José Luciano Alexo da
Silva, Data de julgamento: 19/09/2017, Quarta Turma, Data de publicação:
01/10/2017).

“APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA.


DANOS MORAIS. HOMOFOBIA. VIOLAÇÃO AOS ATRIBUTOS DE
PERSONALIDADE DO AUTOR. DANO MORAL CONFIGURADO. Restou
incontroverso nos autos que a ré, cliente da academia em que o autor trabalhava,
sob o argumento de que o autor não dava ouvidos às suas reclamações, deixou um
pacote embrulhado para presente contendo um par de sapatos de salto alto rosa
choque e um bilhete destinado ao autor. Fica evidente, no ato praticado, o ataque à
opção ou orientação sexual do autor. Isto porque tal questão não precisava ter sido
levantada pela ré para a resolução do seu problema. Danos morais que restam
caracterizados, em razão da violação aos atributos da personalidade do autor.
Quantum indenizatório mantido no patamar de R$ 4.000,00, considerando as
características compensatória, pedagógica e punitiva da indenização. APELAÇÃO
DESPROVIDA.” (Apelação Cível Nº 70077936235, Nona Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Kraemer, Julgado em 08/08/2018).

Essa lesão, entretanto, não se verifica apenas no âmbito individual, sendo possível também, a sua
configuração quando há desrespeito a valores morais que afetam de forma negativa a coletividade.

Para o Professor Xisto Tiago de Medeiros Neto, o dano moral coletivo deve ser entendido como:

“(...) lesão intolerável a direitos transindividuais titularizados por uma


determinada coletividade, desvinculando-se, pois, a sua configuração da
obrigatória presença e constatação de qualquer elemento referido a efeitos
negativos, próprios da esfera da subjetividade, que venham a ser eventualmente
apreendidos no plano coletivo (...).”

(MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 2. ed. São Paulo:
LTR, 2007. p. 47).

Para André de Carvalho Ramos: “(...) a proteção dos valores morais não está restrita aos valores morais
individuais da pessoa física. Com efeito, outros entes possuem valores morais próprios, que se lesados,

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também merecem reparação pelo dano moral (...).” (RAMOS, André de Carvalho. A ação civil pública e
o dano moral coletivo. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, n.
25, jan./mar. 1998, p. 82).

Não diverge o entendimento da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

“ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE - IDOSOS – DANO


MORAL COLETIVO - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DOR E
DE SOFRIMENTO - APLICAÇÃO EXCLUSIVA AO DANO MORAL
INDIVIDUAL - CADASTRAMENTO DE IDOSOS PARA USUFRUTO DE
DIREITO - ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE
TRANSPORTE - ART. 39, § 1º DO ESTATUTO DO IDOSO - LEI 10741/2003
VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO.

1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma


classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de
prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das
individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação
jurídica-base.

2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de


sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do
indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos.

3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a submissão dos idosos a


procedimento de cadastramento para o gozo do benefício do passe livre, cujo
deslocamento foi custeado pelos interessados, quando o Estatuto do Idoso, art. 39,
§ 1º exige apenas a apresentação de documento de identidade.

4. Conduta da empresa de viação injurídica se considerado o sistema normativo.

5. Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que considerou as circunstancias


fáticas e probatória e restando sem prequestionamento o Estatuto do Idoso,
mantém-se a decisão.

5. Recurso especial parcialmente provido.”

(Superior Tribunal de Justiça, Segunda Turma, REsp n.º 1.057.274/RS, STJ,


Relatora Ministra Eliana Calmon, Julgamento 01/12/2009).

Assim, tem-se que o requerido, ao argumento que estaria apenas expressando a sua opinião, acabou por
inferiorizar e discriminar a comunidade GLBT, causando lesão a valores fundamentais da sociedade,
como dignidade da pessoa humana e a liberdade.

Não é demais lembrar que dentre os objetivos da República Federativa do Brasil, tem-se a redução das
desigualdades sociais e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.

Para a fixação da indenização, deve-se levar em consideração a conduta reiterada do requerido e seu porte
financeiro, o constrangimento sofrido pelas pessoas homossexuais e a gravidade dos fatos, devendo ter
finalidade reparadora para a sociedade e pedagógica para o infrator, de forma a desestimular novos
ilícitos.

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José Raffaelli Santini leciona que:

“o critério de fixação do dano moral não se faz mediante um simples cálculo


aritmético. O parecer a que se referem é que sustenta a referida tese. Na verdade,
inexistindo critérios previstos por lei a indenização deve ser entregue ao livre
arbítrio do julgador que, evidentemente, ao apreciar o caso concreto submetido a
exame fará a entrega da prestação jurisdicional de forma livre e consciente, à luz
das provas que forem produzidas. Verificará as condições das partes, o nível
social, o grau de escolaridade, o prejuízo sofrido pela vítima, a intensidade da
culpa e os demais fatores concorrentes para a fixação do dano, haja vista que
costumeiramente a regra do direito pode se revestir de flexibilidade para dar a
cada um o que é seu.” (SANTINI, José Raffaelli. Dano moral: doutrina,
jurisprudência e prática. São Paulo: Editora de Direito, 1996. p. 638).

Humberto Theodoro Junior obtempera que:

“o juiz, em cujas mãos o sistema jurídico brasileiro deposita a responsabilidade


pela fixação do valor da reparação do dano moral, deverá fazê-lo de modo
impositivo, levando em conta o binômio 'possibilidades do lesante' - 'condições do
lesado', cotejado sempre com as particularidades circunstanciais do fato danoso”.
(JÚNIOR, Humberto Theodoro. Dano Moral, Ed. Oliveira Mendes, p. 47.).

É preciso consignar que, à época das declarações, o requerido ocupava o cargo de Deputado Federal e,
que as suas manifestações repercutiram em todo território nacional, em canais de rádio, televisão, jornais
e internet.

É fundamental que a valoração do dano moral guarde consonância com os princípios da razoabilidade e
proporcionalidade, não podendo servir de enriquecimento ilícito para a vítima ou para quem for destinada
a quantia, igualmente não pode ser tão desprezível a ponto de encorajar o ofensor a continuar incidindo na
mesma conduta ilícita.

Assim, considerando os elementos acima discriminados, fixo a indenização devida pelo requerido, no
valor de R$100.000,00 (Cem mil reais), eis que um valor inferior em nada puniria a conduta praticada
pelo requerido.

Diante do exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos e, condeno a requerido Victório Galli
Filho, ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, no valor de R$100.000,00 (cem mil
reais), acrescidos de juros moratórios de um (1%) por cento ao mês e correção monetária pelo
INPC/IBGE, ambos incidindo a partir da data da sentença.

O valor será destinado a entidade sem fim lucrativo, com atuação nesta Capital, que esteja regularmente
constituída e tenha, dentre seus objetivos, a promoção de ações que visem combater a violência e a
discriminação praticada contra a classe LGBT. A entidade será escolhida por este Juízo, na fase do
cumprimento da sentença, a partir de indicação a ser feita pelo Conselho Municipal de Atenção a
Diversidade Sexual.

Condeno o requerido Victório Galli Filho ao pagamento das custas judiciais e despesas processuais.

No tocante aos honorários advocatícios, deixo de fixá-los, pois incabíveis em ação civil pública, se não
comprovada má-fé processual, nos termos do art. 18, da Lei nº 7.347/85.

Julgo, por consequência, extinto o presente feito, com julgamento do mérito, com fulcro no art. 487,
inciso I, do Código de Processo Civil/2015.

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Transitada em julgado, procedam-se as anotações necessárias e, não havendo pendências, arquivem-se os
autos, observadas as formalidades legais.

Publique-se.

Registre-se.

Intime-se.

Cumpra-se.

Cuiabá/MT, 27 de março de 2019.

Celia Regina Vidotti

Juíza de direito

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