Sie sind auf Seite 1von 13

A sociologia das desigualdades em educação posta à prova pela segunda explosão escolar

A sociologia das desigualdades em educação


posta à prova pela segunda explosão escolar:
deslocamento dos questionamentos e reinício
da crítica*

Jean-Louis Derouet
Institut National de Recherche Pédagogique, Groupes d’Études Sociologiques

Tradução: Anne Marie Milon Oliveira


Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Educação

Na França e nos países influenciados pelos prin- do primeiro período da sociologia da educação, ini-
cípios da Revolução Francesa, a questão das desigual- ciada por Durkheim no final do século XIX. Seu pro-
dades remete a duas cronologias. Uma delas, a longa, blema era a criação de uma consciência coletiva. A
enraíza-se nos planos de educação que floresceram questão da mobilidade social não era posta. Em com-
na segunda metade do século XVIII (Backso, 1982; pensação, ela encontra-se no centro da cronologia cur-
Van Haecht, 1985), ligando a igualdade educativa à ta, que corresponde ao projeto de escola única. Até a
realização da unidade nacional e ao exercício da ci- Segunda Guerra Mundial, o sistema francês estava
dadania. Essa concepção afirma um certo número de organizado em duas ordens diferentes. A ordem pri-
princípios fundadores da modernidade. Primeiramen- mária, que escolarizava as crianças das classes popu-
te, a idéia de que a educação é uma tarefa do Estado, lares, conduzia os melhores alunos a um primário su-
e não da Igreja ou das comunidades. Em segundo lu- perior que culminava no nível do brevet.1 As crianças
gar, formula um projeto de distribuição das posições da burguesia, em contrapartida, entravam para o ní-
sociais que valoriza o mérito, em detrimento do nas- vel secundário ainda nas primeiras classes dos liceus2
cimento. No entanto, durante muito tempo esta afir-
mação ficou restrita ao âmbito dos princípios. Isto ex-
plica porque o tema das desigualdades ficou ausente 1
Brevet des collèges: exame que sanciona o fim da primeira
parte dos estudos secundários, o collège. Este corresponde ao se-
gundo segmento do ensino fundamental brasileiro (5ª à 8ª série)
* Artigo publicado originalmente em Éducation et Societés – (N.T.).
2
Revue Internationale de Sociologie de l’Éducation (Paris, Estabelecimentos atualmente reservados ao segundo seg-
Bruxelles: Département De Boeck Univeristé, nº 5, 2000/1, dossier mento dos estudos secundários (aquele que segue o collège). Até
“Les inégalités d´éducation: un classique revisité”). Tradução e a época citada pelo autor, acolhiam, também, crianças em nível
publicação autorizada em setembro de 2002. primário, geralmente oriundas da burguesia (N.T.).

Revista Brasileira de Educação 5


Jean-Louis Derouet

e prosseguiam, salvo acidente, em um curso que as perspectiva que não está longe, mutatis mutandis, de
levava ao baccalauréat 3 e aos estudos superiores. A evocar a problemática durkheimiana. De mais a mais,
realização do ideal de igualdade implicava a substi- a reivindicação perdeu a parte mais ativa de sua base
tuição dessa organização, formada por dois sistemas social. Desde os anos de 1930, a demanda por maior
paralelos, por um sistema organizado em níveis, que abertura do ensino secundário era uma bandeira das
teria por base a escola única (Prost, 1981). Tal era o classes médias, que viam nela uma possibilidade de
preço a pagar para conferir justiça à seleção daqueles promoção para seus filhos. Esta reivindicação foi aten-
alunos suscetíveis a prosseguirem os estudos supe- dida nos anos de 1960 e 1970, mesmo que seu atendi-
riores. Esse objetivo foi inscrito, desde 1919, no pro- mento não tenha ocorrido sem decepções (Dubet,
grama do Partido Radical por Ferdinand Buisson e 1992). Hoje, o prolongamento incontrolado do movi-
foi confirmado após a Primeira Guerra Mundial pe- mento de abertura do ensino secundário, desencadea-
los Companheiros da Universidade Nova. Inspirou, do por essas classes, corre o risco de frustrá-las. Desde
na época do Front Populaire,4 o projeto de Jean Zay, 1975, muitos pais temem que a massificação acarrete
e depois, na época da Libertação, o Plano Langevin- uma desqualificação deste nível de ensino e que a su-
Wallon. Após a Segunda Guerra Mundial, os pesqui- pressão dos procedimentos de distinção afogue seus
sadores começaram a construir o dispositivo empírico filhos num fluxo que não leve a lugar nenhum. Sua
que ia suceder à implementação desse plano. O traba- reivindicação muda, então, de sentido. Não se trata
lho de codificação da sociedade, que resultou na cria- mais de pedir um maior acesso ao ensino secundário,
ção do Instituto Nacional de Estatística e de Estudos e depois à universidade, e sim de uma maior transpa-
Econômicos (INSEE), chegava a seu termo (Desrosières, rência, de forma que as famílias, bem-informadas,
1993) e os sociólogos podiam relacionar a posição possam fazer as boas escolhas. A França passa, as-
social dos pais com a carreira escolar dos filhos. As- sim, de uma concepção da democratização, por ela
sim, a questão tornou-se central, no fim dos anos de forjada durante os anos de 1930, à da democracy
1950, com os trabalhos do Instituto Nacional de Es- anglo-saxã, na qual os cidadãos são associados às de-
tudos Demográficos (INED) (Girard, Bastide & cisões que lhes dizem respeito.
Porcher, 1963; Girard & Bastide, 1963), e depois com Diante dessa evolução das classes médias, não
as interpretações propostas por Bourdieu e Passeron se pode afirmar que as classes populares tenham re-
(1964, 1970) e Boudon (1973). Esta questão ocupou tomado essa bandeira e formulado algum ideal capaz
a totalidade do campo educacional nos anos de 1960 de corresponder ao fenômeno hoje chamado de “se-
e 1970, e continua a ocupar hoje um amplo espaço. gunda explosão escolar”, isto é, à chegada em massa
No entanto, é possível – mesmo que isto seja politi- de alunos aos liceus, que se verifica a partir de mea-
camente incorreto – interrogar-se: se o interesse pe- dos dos anos de 1980, seguida da chegada em massa
las desigualdades em educação nasceu em uma dada de estudantes ao ciclo básico das universidades, no
conjuntura, não seria ele chamado a decrescer, ou até decorrer dos anos de 1990. Na verdade, essas classes
mesmo a desaparecer em outra? O debate público está não precisam valer-se dos ideais da classe média, já
marcado, desde meados dos anos de 1980, por um que ninguém pode publicamente questionar esse mo-
retorno da questão dos saberes e dos valores, numa vimento. O risco, mais velado, é de que o aumento da
oferta perca seu sentido, deixando a engrenagem fun-
cionando no vácuo. Um sinal disso é o arrefecimento
3
Baccalauréat: exame que corresponde ao certificado de que se verifica, já há alguns anos, da procura por li-
conclusão de curso secundário (N.T.). ceus e, mais recentemente, pelas universidades.
4
Coligação reunindo todos os partidos de esquerda que assu- Talvez, para compreender esse fenômeno, seja
miu o poder em 1936 e promoveu profundas reformas sociais (N.T.). útil voltar às suas origens. No final dos anos de 1970,

6 Set/Out/Nov/Dez 2002 Nº 21
A sociologia das desigualdades em educação posta à prova pela segunda explosão escolar

várias vozes autorizadas previam uma estabilização nesta promessa. A palavra de ordem ministerial: “80%
no crescimento dos efetivos do ensino secundário. O de cada geração com o nível do baccalauréat” justi-
fluxo demográfico da primeira explosão escolar já ha- fica esse movimento pela evolução do trabalho e pelo
via passado e a integração das crianças das classes fato de que as tarefas de execução requerem, hoje em
médias ao ensino secundário já estava completa. dia, capacidades de antecipação e de comunicação que
Quanto às classes populares, elas pareciam afastadas só se desenvolvem com a aquisição de uma cultura
demais desse universo para pretender ter acesso a ele geral. Esse argumento revela uma verdade incontes-
imediatamente. Em razão disso, os demógrafos pre- tável, mas ele é pouco mobilizador, pois pede aos jo-
viam um decréscimo dos efetivos nos liceus e reco- vens que consintam em fazer maiores sacrifícios para
mendavam uma redução nas contratações de docen- conseguir posições que as gerações anteriores haviam
tes (Norvez, 1977). Esta opinião era combatida por conseguido com menores esforços. Pode-se até evo-
outros experts, notadamente por Antoine Prost, cujas car um projeto de realização de si pelo saber, ou um
pesquisas históricas permitiam situar o fenômeno princípio de busca pela perfectibilidade do ser huma-
numa perspectiva mais ampla. A evolução da educa- no, independentes de toda esperança de lucro. A pro-
ção no século XX não pode ser separada daquela que posta é nobre, mas talvez um pouco nobre demais para
afeta as concepções sobre a família e a juventude. Para ser socialmente realista. Disso surge uma crise que
além do projeto de democratização e das esperanças pode ser percebida nos comportamentos cotidianos:
de sucesso social, é o lugar mesmo dos jovens na so- o sentido que os alunos constroem para sua presença
ciedade que mudou (Prost, 1981, 1993). Até os anos nos liceus não se refere mais aos desafios propostos
de 1960, os jovens de dezesseis a dezoito anos tinham pela instituição, e sim a um sistema paralelo que
um lugar no mundo do trabalho e aqueles que prosse- Patrick Rayou chama de Cidade invisível (1998).
guiam nos estudos constituíam uma exceção. Nos anos Essa dificuldade se encontra também, guardadas
de 1980, já não há mais lugar para um jovem, a não as devidas proporções, na área científica. O questio-
ser na escola. Aqueles que não a freqüentavam apa- namento sobre as desigualdades perdura e continua
recem, invariavelmente, quase como marginais. Por muito produtivo, mas ele anda numa velocidade já
isso, no relatório que redigiu em 1963 para o diretor consolidada, isto é, considera a situação atual basea-
dos Liceus, Antoine Prost prevê a continuidade e até do na problemática da partilha dos benefícios (Darras,
a aceleração da progressão do acesso dos jovens aos 1966). Com certeza, essas análises permanecem em
liceus. No entanto, o fato de que não há lugar para os grande parte pertinentes, mas pensar o estado atual
jovens fora da escola não basta para dar um sentido à do sistema educativo com instrumentos forjados para
sua presença nela. Este sentido não pode mais se fun- dar conta do seu funcionamento durante os “trinta
dar majoritariamente nas esperanças de mobilidade gloriosos”5 não deixa de acarretar problemas.
social. Os sistemas de classificação então utilizados Eu proporia, então, três deslocamentos. O primei-
mostram que a proporção de executivos em relação ro é aquele ligado à crise de confiança no Estado de
ao total da população ativa é de 30%: 10% de execu- Bem-Estar Social e à necessidade de levar-se em con-
tivos com nível superior e 20% com nível médio. Ora, sideração a ação local. A seguir, vêm as tentativas que
a proporção de cada geração que chegava, na época, chamam a atenção para a pluralidade dos princípios
ao baccalauréat, era inferior a 30%, razão pela qual de justiça e propõem substituir o ideal de justiça pelo
esse diploma constituía uma promessa estatística de
se chegar a uma posição invejável. Mas, a partir do
momento em que esta proporção se situa entre 60% e 5
Na França, chama-se “Os trinta gloriosos (anos)” o perío-
70% da população, fica impossível organizar o siste- do compreendido entre o final da Segunda Guerra Mundial e o
ma escolar e os investimentos dos alunos com base primeiro choque do petróleo (N.T.).

Revista Brasileira de Educação 7


Jean-Louis Derouet

de igualdade. Para concluir, apresentarei os empreen- pla contratualização: contratualização das relações
dimentos que tentam recompor, ao mesmo tempo, o entre as unidades educacionais e o Estado; contratua-
debate social e o campo científico, aprofundando as- lização entre as famílias e as unidades. Essa proposta
pectos até agora negligenciados: a experiência esco- constitui, sem dúvida, a melhor expressão da realida-
lar dos alunos e sua relação com o saber. Em todas de atual, mas seus diferentes objetivos atrapalham-se
essas análises, refiro-me prioritariamente ao caso fran- mutuamente. Será que é possível, por exemplo, dar a
cês, embora saiba que ele não constitui um paradigma palavra às famílias e desenvolver, ao mesmo tempo,
universal. Peço que me desculpem por isso, mas tra- uma ação em favor dos alunos de origem popular? A
ta-se do caso que melhor conheço! demanda das famílias é a mesma da das classes mé-
dias: querem que seus filhos recebam o melhor ensi-
A descentralização e o círculo no possível para poderem destacar-se dos demais.
vicioso da crítica tradicional Nessas condições, será que a descentralização cons-
titui um meio de aproximação do sistema de ensino com
A política dos anos de 1960 tinha por base uma os alunos, para que eles assumam suas necessidades es-
grande confiança no Estado. Não se duvidava de que, pecíficas, ou um recuo do Estado que dá livre curso ao
quando este realmente queria algo, ele o podia. Esse jogo do mercado? Questão insolúvel: as avaliações dis-
é, por sinal, o ponto nodal da crítica de Bourdieu e poníveis fornecem argumentos para ambas as teses, e
Passeron: se a igualdade educativa alardeada pelas é certamente cedo demais para colocar-se um ponto
decisões oficiais não progride é porque os discursos final na discussão e dar-lhe um sentido definitivo.
são mistificadores e tanto a sociedade como o Estado Esta incerteza acarreta um determinado número
não querem realmente a democratização. A noção de de reviravoltas, e é interessante notar, em particular,
efeito perverso foi formulada, desde o início dos anos a evolução de Pierre Bourdieu. Parte das decisões de
de 1970, por Raymond Boudon (1973, 1977) e foi descentralização inspirava-se na crítica da indiferen-
magnificamente ilustrada pelas pesquisas de Antoine ça diante das diferenças apresentada por Bourdieu e
Prost. Ele demonstrou que a “democratização raste- Passeron. No relatório do Collège de France, Pierre
jante”, que existiu nos anos de 1950, havia parado no Bourdieu até tomava partido em favor de uma con-
momento em que o Estado adotou uma política corrência controlada entre as unidades da rede edu-
voluntarista (Prost, 1985). Essa demonstração se jun- cacional, já que tal concorrência lhe parecia capaz de
ta às críticas formuladas por Michel Crozier sobre o ser, ao mesmo tempo, fator de eficácia e de igualdade
fenômeno burocrático, com base em um ponto de vista (Propositions pour l’enseignement de l’avenir, 1985).
epistemológico bem diferente (Crozier, 1964), assim Hoje em dia, o coletivo animado por ele, o “Raison
como outra leitura da crítica feita por Bourdieu e d’agir”, denuncia com muita força a autonomia das
Passeron recolocando em questão a definição segun- unidades (Bourdieu & Charles, 2000), vendo nela,
do a qual a igualdade tem por base a igualdade de apenas, a demissão do Estado. Nada ilustra melhor as
oferta. Esse conjunto de convergências resulta na de- dificuldades da crítica ante a gestores que recupera-
cisão de desconcentrar-se e de descentralizar-se par- ram, em parte, as conquistas promovidas por ela e até
cialmente o sistema educativo, com o intuito de sim- seguiram as suas recomendações explicitas (Boltanski
plificar a gestão e, ao mesmo tempo, dar a palavra & Chiapello, 1999). A refundação da postura crítica
aos cidadãos, aproximando o ensino das reais condi- exige um novo trabalho. Trata-se de refletir sobre uma
ções de vida dos alunos (Derouet, 1996). Esta orien- nova formulação do problema, que seja sensível aos
tação é central na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de novos aspectos da questão. É hoje bem visível o au-
1989, levada a efeito por Lionel Jospin, que propõe mento das desigualdades entre as unidades (Trancart,
reorganizar o sistema educativo por meio de uma du- 1998), mas não há nenhuma certeza de que isso se

8 Set/Out/Nov/Dez 2002 Nº 21
A sociologia das desigualdades em educação posta à prova pela segunda explosão escolar

deva à autonomia das unidades e aos direitos exerci- cação Prioritária (ZEP)6 aclimatou a idéia de “desi-
dos pelas famílias. A influência das famílias ou das gualdades justas”. Do mesmo modo, no âmbito da ava-
coletividades territoriais sobre as unidades escolares liação, os europeus criticaram muito os estudos ameri-
permanece limitada. Muitas dessas desigualdades são canos por terem reduzido a totalidade do funcionamento
fruto dos múltiplos ajustes que são diariamente nego- da escola a uma única dimensão: a da eficácia. Para
ciados entre professores e turmas, e que ocorreriam contrabalançar a influência desse paradigma foi pre-
com ou sem autonomia. Ao focalizar as orientações, ciso identificar outras dimensões e formalizar sua de-
corre-se o perigo de negligenciar os efeitos do traba- finição em um sistema de indicadores: a igualdade, a
lho dos atores: o problema principal talvez não seja o capacidade de criar uma consciência comum e uma
recuo do serviço público diante do mercado, e sim solidariedade coletiva, a capacidade de satisfazer os
um enfraquecimento do imperativo de justificação consumidores inseridos num mercado etc. Outras tan-
entre os atores. tas definições de justiça que guiam efetivamente a
ação dos políticos e dos atores. A contribuição desses
Igualdade, eficácia, “desigualdades justas”, trabalhos foi retomada, há alguns anos, por uma pro-
a era da gestão e o fim da crítica? liferação de publicações que hesitam entre vários gê-
neros. Um esclarecimento parece necessário: os tra-
O ideal de igualdade de oportunidades para alu- balhos de Rawls e os de Walzer situam-se claramente
nos de diferentes classes sociais repousava sobre um do lado da filosofia política. Eles foram retomados
compromisso entre dois princípios: a exigência cívi- pelos sociólogos, que se apóiam neles para levar adian-
ca de igualdade e a necessidade de operar uma sele- te uma investigação sobre as competências políticas
ção que preparasse a divisão do trabalho. Essa mon- dos atores (Boltanski & Thévenot, 1991; Dubet 1992).
tagem tinha recalcado algumas outras definições de Uma certa confusão instala-se nas publicações mais
justiça, em particular aquelas que estavam ligadas aos recentes, que misturam, em dosagens diversas, ver-
direitos das famílias e das comunidades: tudo isto era dadeiras preocupações científicas e prescrições des-
transferido para o lado do Ancien Régime (Derouet, tinadas ao uso dos que decidem (Van Parijs, 1991;
1992). Logo que esse compromisso foi questionado, Rosanvallon, 1995; De Munck & Verhoeven, 1997;
nos anos de 1960, todos os princípios que ele tinha Meuret, 1999; Crahay, 2000). Tal confusão corres-
descartado voltaram à cena. Tal situação, que não se ponde a um mercado: os atores e os políticos experi-
refere apenas à educação, foi teorizada pelos traba- mentam grandes dificuldades em orientar-se entre a
lhos de Rawls (1971), e em seguida pelos de Walzer multiplicidade de referências possíveis. E muitos con-
(1983). Esses trabalhos chamam a atenção para a va- sideram o objetivo da igualdade de oportunidades uma
riedade de referências que animam a sociedade e se casa de marimbondos da qual é preciso se desvenci-
propõem a definir a democracia como um modo de lhar, sem deixar de ser politicamente correto. Uma
governo que respeita essa pluralidade. Se reduções ciência que não servisse a esclarecer a ação certamente
dos direitos são necessárias para permitir a decisão,
estas devem ser negociadas dentro de uma circulação
de saberes e de poderes que dê chances iguais a todos 6
No início dos anos de 1980, o governo socialista recém-
os princípios. E os compromissos que são concluídos eleito instituiu uma política de discriminação positiva no sistema
devem sempre ser reversíveis. Essa concepção, que é educacional, definindo Zonas Geográficas Prioritárias (ZEPs), lo-
uma forte característica da filosofia política anglo- calizadas em bairros “problemáticos” (geralmente periferias), nas
saxã, levou tempo para penetrar no corpo político fran- quais as escolas e os próprios bairros poderiam se beneficiar de
cês, porque ela não se inscrevia em suas tradições. uma série de recursos adicionais para compensar suas situações
No entanto, isto está feito. A criação de Zonas de Edu- de desvantagem relativa (N.T.).

Revista Brasileira de Educação 9


Jean-Louis Derouet

não mereceria um minuto de esforço. Mas hoje é gran- se numa perspectiva de igualdade de oportunidades
de o perigo de que as ciências sociais sirvam como é, no colégio,7 organizar o ensino de tal forma que
caução para montagens oportunistas. Uma parte da pelo menos uma parte dos alunos possa pretender ter
classe política está à procura de um novo compro- acesso a uma seção nobre do liceu. Tal organização
misso entre o Estado Providência e o mercado que implica um nível de exigência que corre o risco de
propõe uma fundamentação teórica a uma nova defi- excluir, de imediato, os mais fracos. Ir buscar os mais
nição de social-democracia. Os candidatos orientam- fracos onde eles estão significa assumir uma certa fle-
se, então, para uma posição de intelectual orgânico xibilidade em relação aos programas, o que impedirá,
do novo período. A decisão de engajar-se neste traba- mais adiante, os melhores de terem acesso às seções
lho é direito de todos, contanto que o limite entre a nobres. Seria muito injusto atribuir essa dificuldade
ciência e a política esteja claramente fixado. Em edu- aos professores e a sua falta de imaginação pedagógi-
cação, essa evolução se traduz por uma proposição: ca. Ela sinaliza um problema teórico que não foi sufi-
substituir o ideal de justiça pelo de igualdade. É certo cientemente analisado. A luta pela igualdade e a luta
que a igualdade de oportunidades constitui apenas uma contra a exclusão remetem a modelos de sociedades
das formas de justiça e que a escola não pode ser ava- diferentes. O objetivo de igualdade corresponde à vi-
liada somente pela sua influência sobre a mobilidade são dos anos de 1960. A sociedade era concebida como
social. É certo também que a instauração das ZEP um vasto conjunto no qual grupos – as categorias so-
mostrou o interesse – mas também os limites – do cioprofissionais do Instituto Nacional de Estatística e
projeto de “desigualdades justas”, e que os novos mo- de Estudos Econômicos (INSEE), por exemplo – en-
dos de regulação social devem levar em conta a plu- tretinham trocas permanentes. Suas relações podiam
ralidade de lógicas dos atores. Deve-se, então, seguir evoluir – concorrência, cooperação, aliança, conflito
um movimento que corre o risco de levar a um relati- aberto ou paz armada... –, mas estes grupos estavam
vismo tão confortável quanto conservador?
Diante de tal derivação, é importante reafirmar a
exigência do projeto sociológico: dar um passo em 7
N.T.: O sistema educativo francês organiza-se, com rela-
direção à exterioridade para desvencilhar-se do jogo ção ao brasileiro, segundo as seguintes correspondências:
social e da influência daqueles que o dominam. Escola Primária
• Curso de Alfabetização (CA) à Curso Preparatório (CP)
Luta pela igualdade ou luta contra a exclusão • 1ª série do Ensino Fundamental à Curso Elementar, 1º ano
(CE1)

Outro deslocamento acompanha o movimento da • 2ª série do Ensino Fundamental à Curso Elementar, 2º ano
(CE2)
crise: a problemática da repartição dos benefícios es-
• 3ª série do Ensino Fundamental à Curso Médio, 1º ano
tava marcada pelo contexto dos anos de 1960. É nor-
(CM1)
mal que ela se desloque e leve em conta a situação
• 4ª série do Ensino Fundamental à Curso Médio, 2º ano
nova criada pelo desemprego e o aumento da exclu-
(CM2)
são. Deve-se, então, aceitar que um novo objetivo (a
Colégio
luta contra a exclusão) substitua a antiga luta pela • 5ª série do Ensino Fundamental à 6ª série (sixième)
igualdade? • 6ª série do Ensino Fundamental à 5ª série (cinquième)
Em princípio, as duas não são incompatíveis. No • 7ª série do Ensino Fundamental à 4ª série (quatrième)
entanto, parece difícil, na prática, mantê-las ao mes- • 8ª série do Ensino Fundamental à 3ª série (troisième)
mo tempo. O olhar dos professores não consegue se Liceu
fixar sobre estes dois horizontes simultaneamente. Nas • 1º ano do segundo grau à 2ª série (seconde)
ZEP, muitos são confrontados com um dilema: situar- • 2º ano do segundo grau à 1ª série (première)

10 Set/Out/Nov/Dez 2002 Nº 21
A sociologia das desigualdades em educação posta à prova pela segunda explosão escolar

fortemente ligados pelo que estava em jogo na repar- bres? Vê-se facilmente os interesses a que essa con-
tição dos benefícios do crescimento. Nesse modelo, cepção poderia servir. Sem ir até às formas extremas
o papel do Estado era definir as regras do jogo, prote- que põem em causa a idéia de sociedade, o inconve-
ger os mais fracos das conseqüências dos acordos niente de uma focalização excessiva no problema da
concluídos entre os poderosos, mas também relançar exclusão é perder-se de vista a necessidade da refe-
permanentemente a dinâmica que funda a unidade da rência à globalidade. A exclusão de alguns e as desi-
sociedade. A escola constituía, certamente, um ele- gualdades que outros sofrem não se remetem a uma
mento privilegiado dessa função, na medida em que mesma causa? É certo que não é fácil pensar nessa
pretendia redistribuir as posições de uma geração a causa. O velho conceito de exploração precisa ser re-
outra. A luta contra a exclusão refere-se a um outro novado, mas é, sobretudo, necessário estabelecer uma
modelo. A sociedade pode ser descrita como uma ligação entre os resultados de pesquisas cada vez mais
curva em forma de sino, cujo centro é constituído por etnográficas e tais interpretações “estruturais”.
uma enorme classe média, tão grande que se poderia
duvidar que ela fosse, realmente, uma classe. Trata- Desigualdades entre os sexos, saberes e
se mais de um agregado de indivíduos que partilham relação com o saber: a fecundidade dos
um certo número de critérios de definição da norma- questionamentos sobre o sentido da escola
lidade social, mas entre os quais existem diferenças e
desigualdades consideráveis. Nas duas extremidades As análises das desigualdades, realizadas tanto
desse sino, duas minorias: uma minoria muito rica, por Bourdieu e Passeron como por Boudon, negli-
cuja posição e riqueza são definidas nas redes inter- genciavam as diferenças sensíveis – e, por vezes, pa-
nacionais sobre as quais os Estados têm pouco poder, radoxais – que existem entre os sexos. Da mesma for-
e uma minoria de excluídos. O papel do Estado é, certa- ma, para a Teoria da Reprodução, a natureza dos
mente, o de reintegrar os excluídos no centro do sino, saberes escolares situa-se no coração da explicação
mesmo que seja ao preço de operações que evocam, do fracasso escolar das crianças de origem popular.
às vezes, as antigas oficinas de caridade (Rosanvallon, Mas essa hipótese não é verificada por nenhum estu-
1995). A oposição fundamental é entre aqueles que do empírico. Essas linhas de pesquisa foram muito
estão “fora” e os que estão “dentro”. A questão da igual- trabalhadas desde o início dos anos de 1980, e o pro-
dade entre aqueles que estão “dentro” torna-se então blema atual é saber se os trabalhos que abordam es-
secundária. Vê-se o que está em jogo nesse desloca- sas questões se contentam em matizar o modelo anti-
mento: se uma parte da esquerda política perde sua go, ou se anunciam uma recomposição do campo que
alma nos compromissos com o mercado, outra parte prepararia a emergência de um novo paradigma.
fica em perigo, limitando sua perspectiva a uma luta A evolução dos interesses científicos é muito li-
contra a exclusão. Na prática, existem escolhas evi- gada ao movimento social. São conhecidas as rela-
dentes que são guiadas pela urgência e não se trata de ções mantidas, na América do Norte, entre os estudos
pôr em dúvida o devotamento dos professores que mi- sobre gêneros e o movimento feminista. Essa relação
litam nas ZEP. A retomada da questão das desigual- é muito menos sensível na França, mas o interesse
dades na educação conduz, no entanto, a uma vigi- suscitado pelo sucesso escolar das meninas corres-
lância tanto política quanto científica. É verdade que ponde, ainda assim, a uma vontade de questionar os
a sociedade se fragmentou, que a dinâmica de trocas arquétipos que direcionam a orientação dada aos alu-
entre os grupos foi desacelerada e que vários deles nos e afastam, por exemplo, as meninas das carreiras
ficaram marginalizados. O raciocínio sociológico técnicas ou científicas (Duru-Bellat, 1990). Temos
deve, por isso, renunciar a estabelecer uma relação aqui um movimento que, no decorrer da sua emprei-
entre a felicidade dos ricos e a infelicidade dos po- tada, acaba por esbarrar na questão do sentido quan-

Revista Brasileira de Educação 11


Jean-Louis Derouet

do se trata de explicar as diferenças, em termos de ficas. Os historiadores já haviam modificado ampla-


sucesso escolar, entre meninas e meninos de uma mente nossa visão, ao relativizarem a importância
mesma categoria social. Se deixarmos de lado as ex- dada à escola de Jules Ferry.9 Bernard Lahire dá con-
plicações que remetem a outros arquétipos (a docili- tinuidade a esse empreendimento ao estudar, conjun-
dade das meninas), a explicação mais provável reme- tamente, o sucesso escolar e as práticas domésticas
te ao sentido que as pessoas investem em suas ações. de leitura e escrita (Lahire, 1993). Nesse caso, de novo,
Tal explicação está tornando-se um lugar-comum a questão do sentido aparece como central: um aluno
quando se trata do sucesso escolar das meninas oriun- pode muito bem não ter sucesso em redação escolar e
das da imigração. Quanto à questão do saber, tratava- escrever cartas ou um diário íntimo nos quais ele de-
se, provavelmente, do ponto cego do projeto de de- monstre competências que não aparecem na escola.
mocratização dos anos de 1960. Desde suas origens, Essa idéia foi retomada e aprofundada pela equipe de
o projeto de escola unitária foi alvo de críticos que ciências da educação da Universidade de Paris VIII,
temiam que a abertura dos liceus tivesse por conse- com o conceito de relação com o saber. Preocupada
qüência um desaparecimento da cultura clássica. Ape- em demonstrar a dimensão de realidade das ciências
sar de combaterem esse argumento, os partidários da da educação, essa equipe cruza múltiplas abordagens:
democratização não deixavam de lhe ser sensíveis. filosofia, lingüística, psicológica... Paradoxalmente,
Na França, a questão da adequação dos programas e ela vale-se pouco da sociologia, ainda que seu traba-
da pedagogia ao novo alunado só foi colocada muito lho esteja impregnado de problemáticas sociológicas.
tarde e, muitas vezes, de uma forma que justificasse Bourdieu e Passeron mostravam bem a relação entre
as suspeitas das quais era alvo. O recalcado voltou à o sucesso escolar e a possibilidade (para os alunos)
tona com toda força e sob várias roupagens quando o de descobrir um sentido nos saberes transmitidos pela
projeto de colégio único foi implementado no plano escola, mas não realizaram nenhum tipo de estudo
institucional. Havia, é claro, uma nostalgia pura e sim- empírico sobre esta questão. Sua demonstração era
ples dos bons (velhos) estudos. Mas surgiu, também, puramente teórica e repousava na hipótese de uma
uma espécie de discurso de barganha que sacrificava harmonia preestabelecida na qual a linguagem e os
o projeto de democratização do ensino: “A escola não saberes da escola só têm sentido para as crianças das
traz igualdade e mobilidade social. É uma pena, mas classes superiores, ao mesmo tempo que afastam as
isto seria menos grave se tivéssemos a certeza de que demais. Elisabeth Bautier, Bernard Charlot e Jean-
as crianças aprendem nela alguma coisa”. Esse dis- Yves Rochex retomam essa interrogação, mas diver-
curso pode constituir, também, um incentivo para o sificam a sua resposta: a capacidade do aluno encon-
enriquecimento da noção de democracia, na medida trar, para si, um sentido nos saberes escolares pode
em que, por exemplo, leva a medir a realidade dos ser ligada à origem social, mas ela depende, também,
progressos da igualdade de acesso ao saber (Thélot, de uma experiência pessoal (Charlot, Bautier &
1993). Tal preocupação deu origem, no final dos anos Rochex, 1993, 1998; Rochex, 1995).
de 1980, a uma importante reorientação na ação da Essa parece ser uma das mais promissoras dire-
Direção de Avaliação e Prospectiva do Ministério da ções para a recomposição do campo científico, no
Educação Nacional. Foram implementados importan- tocante às desigualdades educacionais. Seu único
tes mecanismos de avaliação nos pontos nodais do
sistema educativo: CM2, Sixième, Seconde.8 Esta pre-
ocupação norteia, também, novas orientações cientí- 9
No final dos anos de 1870, Jules Ferry foi o ministro da
educação que implementou a efetiva universalização da escola
“pública, gratuita, laica e obrigatória”, dos 7 aos 13 anos, em todo
8
Ver nota anterior. o território francês (N.T.).

12 Set/Out/Nov/Dez 2002 Nº 21
A sociologia das desigualdades em educação posta à prova pela segunda explosão escolar

risco é de fechar-se numa abordagem centrada na que tivesse como objeto a interpretação local dos
pessoa do aluno e de cortar esse aspecto da dialética programas e os deslocamentos que estes podem acar-
que se desenvolve continuamente entre a definição retar.
dos saberes escolares e as competências interpreta-
tivas dos alunos. Ao agir dessa forma, ela inverte o Conclusão:
procedimento de alguns sociólogos que, ao consta- Segunda explosão escolar, novas abordagens
tarem o caráter formal dos exercícios escolares, de- das desigualdades e reinício da crítica
duziam que as crianças de origem popular eram in-
capazes de penetrar sua lógica. A abordagem da Desde os anos de 1960, numerosos trabalhos ten-
equipe da Universidade de Paris VIII mostra de for- tam fazer um balanço das políticas de democratiza-
ma clara que não existe “código restrito”, estabili- ção (Duru-Bellat & Kieffer, 1999; Merle, 2000). Um
zado de uma vez por todas (Bernstein, 1975), e que dos problemas é que os indicadores se movem junto
as crianças de origem popular podem perfeitamente com o objeto observado. Durante muito tempo, as
ter acesso às formas elaboradas do pensamento, estatísticas de acesso à sixième, e depois ao liceu ou
contanto que estas tenham sentido diante de sua ex- ao ensino superior, eram considerados indicadores de
periência. Mas ela negligencia outra vertente: será democratização do ensino. A partir de meados dos
que todas as formas de elaboração dos saberes esco- anos de 1980, os sociólogos e os políticos começa-
lares oferecem os mesmos recursos para que as crian- ram a estabelecer uma distinção entre massificação e
ças possam construir, baseadas nelas, um sentido para democratização, sem contudo resolver o problema das
si? Isso nos remete a uma sociologia do currículo relações entre essas duas noções. Alguns só vêem na
que trabalhe na construção dos programas escola- massificação um quadro de vida ou uma translação
res. A verdadeira crítica não se refere à questão do para o alto das desigualdades (Oeuvrard, 1979;
enciclopedismo, mas à da coerência dos programas. Coëffic, 1996; Duru-Bellat & Merle, 1997). Outros
Se os saberes podem ser organizados com base em julgam que a massificação favorece, globalmente, a
um pequeno número de princípios simples, sua quan- democratização (Langoüet, 1994). Encontramos aqui
tidade pode ser dominada pelo aluno. Em compen- um dos componentes fundamentais da pós-moderni-
sação, quando se trata de saberes incoerentes e sem dade. Tornou-se impossível fazer sociologia das de-
relação com o que está em jogo na experiência dos sigualdades sem fazer, ao mesmo tempo, sua episte-
alunos, ainda que o ministro aligeire ao infinito os mologia, isto é, sem relacionar os dados aos sistemas
programas, sua insignificância só terá por resultado no seio dos quais eles foram construídos (Briand,
aumentar as dificuldades enfrentadas pelos profes- Chapoulie & Peretz, 1979; Combessie, 1984; Ungerer,
sores. A isso se acrescenta o problema da assimila- 1987; Duru-Bellat & Mingat, 1992; Vallet, 1998,
ção da crítica por estes professores (Derouet, 2000). 1999). Tal é, sem dúvida, o preço a pagar para que
Se o objetivo é progredir, tanto no plano político possamos objetivar, ao mesmo tempo, uma compreen-
quanto no científico, é fundamental que haja uma são mais exata dos novos aspectos do problema e uma
articulação entre duas formas de encaminhamento: retomada da crítica.
aquela que estuda o modo de construção dos sabe- Com certeza, pode ser perigoso substituir o ideal
res escolares e joga uma luz sobre as armadilhas que de justiça pelo ideal de igualdade. No entanto, todo
os programas podem comportar e aquela que toma questionamento sobre as desigualdades deve integrar
como ponto de partida os alunos, estudando a manei- os aportes dos trabalhos contemporâneos no que se
ra pela qual os saberes podem ganhar sentido diante refere à pluralidade das definições de justiça. A se-
de sua experiência. Essas duas abordagens deveriam, gunda explosão escolar dos anos de 1980 visa à igual-
sem dúvida, ser complementadas por uma terceira dade, tanto quanto a dos anos de 1960, mas ela de-

Revista Brasileira de Educação 13


Jean-Louis Derouet

senvolve-se num contexto diferente e a definição de ver o incremento do conhecimento, a possibilidade,


igualdade diversificou-se. Já não há mais um consen- para as pessoas de desenvolverem suas competências
so em torno de uma definição única de Bem Comum e darem sentido à sua vida pelo saber. Ao mesmo tem-
como pôde existir acerca do objetivo de igualdade de po, não é possível desconectar totalmente a formação
oportunidades. A avaliação do papel da escola na so- das pessoas da sua posição social. Os estudos históri-
ciedade deve levar em conta essa realidade. A am- cos mostram um progresso inconteste dos conheci-
pliação do olhar não corresponde, forçosamente, a uma mentos adquiridos pelos alunos (Baudelot & Establet,
perda de substância, contanto que essa avaliação per- 1988; Dessus, 1996), e o rendimento do trabalho be-
maneça no interior do espaço político. A dificuldade neficia esse crescimento. Isso coloca, em primeiro lu-
de orientar-se entre as diferentes definições pode, de gar, problemas para sua organização, para que o pro-
fato, levar a diversas formas de relativismo. Alguns gresso do conhecimento corresponda a uma difusão
tomam a forma aberta e quase insolente de estraté- do pensamento crítico na sociedade. Jovens forma-
gias de sobrevivência: “Gosto dos meus princípios, dos para ter um espírito crítico não podem aceitar
mas entre os meus princípios e a minha pele, prefiro obedecer sem compreender (Eckert, 1992). Mas isso
minha pele”. Essa atitude extrema é, todavia, margi- tem sobretudo por efeito colocar, de uma forma nova,
nal e gera desconforto naqueles que a desenvolvem. o problema da mobilidade social: até quando a repar-
A derivação mais inquietante é aquela que se desvia tição das posições pode permanecer surda à nova re-
da justiça dos princípios para concentrar-se unicamen- partição das competências? (Euriat & Thélot, 1995;
te na justeza dos dispositivos. Muitos especialistas Goux & Maurin, 1995)
em ciências políticas propugnam por um sistema de
governança. A pilotagem nacional seria complemen- JEAN-LOUIS DEROUET é professor de sociologia no
tada por lugares de regulação local, nos quais se en- Institut National de Recherche Pédagogique, na França, onde
contrariam os diversos parceiros interessados pela dirige o Département “Politiques, Pratiques et Acteurs de
ação pública (Kooiman, 1993; Dutercq, 1999). No l’Éducation”. Trabalha com sociologia política da educação,
caso da escola, tratar-se-ia tanto dos professores e da especialmente com questões relacionadas ao direito à educa-
administração da educação nacional quanto dos pais ção. E-mail: derouet@inrp.fr
de alunos, das coletividades territoriais, das empre-
sas etc. Esse princípio pode ser a melhor ou a pior das Referências bibliográficas
coisas. As unidades escolares e os territórios educati-
vos são, sem dúvida, lugares nos quais as pessoas po-
dem reconstituir o laço que deve unir o que está em BACZKO, B., (1982). Une éducation pour la démocratie: textes

jogo na sua vida cotidiana às missões gerais do siste- et projets de l’ époque révolutionnaire. Paris: Gamier.

ma. Mas, para isso, é preciso que o debate aborde os BAUDELOT, C., ESTABLET, R., (1988). Le niveau intellectuel
problemas de fundo, isto é, os problemas políticos, e des jeunes conscrits ne cesse de s’élever. Économie et
que não se limite apenas à questão da gestão. Statistique, nº 207.
Por mais variadas que sejam as definições da jus-
BAUTIER, E., ROCHEX, J.-Y., (dir.) (1998). L’expérience scolaire
tiça, todas atribuem, hoje em dia, uma grande impor-
des “nouveaux lycéens”: démocratisation ou massification?
tância ao saber. Esse interesse não é propriedade de
Paris: A. Colin.
alguns filósofos mediáticos, mas constitui preocupa-
BERNSTEIN, B., (1975). Langage et classes sociales: codes socio-
ção para todos aqueles que constatam a quantidade e
Iinguistiques et contrôle. Paris: Minuit.
a complexidade das competências necessárias para ser
um membro normal da sociedade. Por isso, não é ruim BOLTANSKI, L., (1996). Une sociologie sans société. La Lettre
que a escola volte às suas fontes: seu papel é promo- de l’Association pour la Recherche à l’EHESS, nº 14.

14 Set/Out/Nov/Dez 2002 Nº 21
A sociologia das desigualdades em educação posta à prova pela segunda explosão escolar

BOLTANSKI, L., CHIAPELLO, E., (1999). Le nouvel esprit du GREMION, C., FRAISSE, R. (eds.). Le service public en
capitalisme. Paris: Gallimard. recherche.Quelle modernisation? Paris: La Documentation

BOLTANSKI, L., THÉVENOT, L., (1991). De la justification. Française.

Les économies de la grandeur. Paris: Gallimard. , (dir.) (1999). L’école dans plusieurs mondes. Paris/
Bruxelles: De Boeck/INRP.
BOUDON, R., (1977). Effets pervers et ordre social. Paris: PUF.
, (1992). École et justice. De l’égalité des chances
, (1973). L’inégalité des chances. La mobilité sociale
aux compromis locaux? Paris: A. M. Métailié.
dans les sociétés industrielles. Paris: A. Colin.

BOURDIEU, P., CHARLES, Ch., (2000). Un ministre ne fait pas , (2000). L’identité enseignante dans une société cri-

le printemps. Le Monde, 8 avril 2000. tique. In: ABOU, A., GILETTI, M. J. (coords.), Enseignants
d’Europe et d’Amérique. Questions d’identité et de formation.
BOURDIEU, P., PASSERON, J.-C., (1970). La reproduction.
Paris: INRP.
Éléments pour une théorie du système d’enseignement. Paris:
DESROSIÈRES, A., (1993). La politique des grands nombres.
Minuit.
Histoire de la raison statistique. Paris: La Découverte.
, (1964). Les héritiers. Les étudiants et la culture. Pa-
DESSUS, N. et al., (1996). Les connaissances des élèves en fin de
ris: Minuit.
troisième générale. Évolution 1984-1990-1995. Note
BRIAND, J.-P., CHAPOULIE, J.-M., PERETZ, H., (1979). Les
d’Information, nº 36.
statistiques scolaires comme représentation et comme activité.
Revue Française de Sociologie, v. XX. DUBET, F., (1992). Massification et justices scolaires: à propos
d’un paradoxe. In: AFFICHARD, J., FOUCAULT (de), J. B.
CHARLOT, B., BAUTIER, E., ROCHEX, J.-Y., (1993). École et
Justice sociale et inégalités. Paris: Esprit.
savoir dans les banlieues… et ailleurs. Paris: A. Colin.
, (1994). Sociologie de l’expérience. Paris: Le Seuil.
CRAHAY, M., (2000). L’école peut-elle être juste et efficace?
DURU-BELLAT, M., (1990). L’école des filles: quelle formation
De l’égalité des chances à l’égalité des acquis. Bruxelles: De
pour quels rôles sociaux? Paris: L’Harmattan.
Boeck.
DURU-BELLAT, M., KIEFFER, A., (1999). Évaluer la démocra-
COËFFIC, N., (1996). Amélioration des carrières scolaires au
tisation de l’enseignement: la situation française à l’épreuve
collège, mais maintient d’orientations différentiées en fin de
des comparaisons internationales. Revue Française de Péda-
troisième. In: . La société française; données
gogie, nº l27.
sociales. Paris: INSEE.
DURU-BELLAT, M., MERLE, P., (1997). La démocratisation
COMBESSIE, J. C., (1984). L’évolution comparée des innégalités:
impossible? Usages sociaux de l’école et inégalités sociales
problèmes statistiques. Revue Française de Sociologie, v. XXV-2.
des cursus scolaires. Savoir Éducation-Formation, nº 3-4.
CROZIER, M., (1991). État modeste, État moderne: stratégies
DURU-BELLAT, M., MINGAT, A., (1997). La constitution de
pour un autre changement. Paris: Le Seuil.
classes de niveau dans les collèges: les effets pervers d’une
, (1964). Le phénomene bureaucratique. Paris: Le Seuil.
pratique à visée égalisatrice. Revue Française de Sociologie,
DARRAS, (1966). Le partage des bénéfices: expansion et v. XXXVIII-4.
inégalités en France. Paris: Minuit.
, (1992). Un regard analytique sur la démocratisation
DE MUNCK, J., VERHOEVEN, M., (dirs.) (1997). Les mutations de l’enseignement: valeur heuristique et problèmes
du rapport à la norme: un changement dans la modernité? méthodologiques des comparaisons dans le temps. Sociétés
Bruxelles: De Boeck. Contemporaines, nº 11-12.

DEROUET, J. L., (1996). De nouveaux espaces de formulation de DUTERCQ, Y., (1999). Vertus et limites d’un gouvernement lo-
I’intérêt général: le cas des établissements scolaires. In: cal éducatif. Administration et Éducation, nº 2.

Revista Brasileira de Educação 15


Jean-Louis Derouet

ECKERT, H., (1992). L’émergence d’un ouvrier bachelier. Les “bac République par les professeurs du Collège de France. Paris:
pro” entre déclassement et recomposition de la catégorie des Collège de France.
ouvriers qualifiés. Revue Française de Sociologie, v. XL-2.
PROST, A., (1993). Éducation, société et politiques. Une histoire
EURIAT, M., THÉLOT, C., (1995). Le recrutement social de l’élite de l’enseignement en France de 1945 à nos jours. Paris: Le Seuil.
scolaire en France. Évolution des inégalités de 1950 à 1990.
, (1981). L’école et la famille dans une société en
Revue Française de Sociologie, v. XXXVI-3.
mutation. In: PARIAS, L. H. (dir.) Histoire générale de l’
GIRARD, A., BASTIDE, H., (1963). La stratification sociale et la enseignement et de l’ éducation. Paris: Nouvelle Librairie de
démocratisation. Population, nº 2. France, t. IV.

GIRARD, A., BASTIDE, H., PORCHER, G., (1963). Enquête , (1985). Les lycées et leurs études au seuil du XXIe
nationale sur l’entrée en sixieme et la démocratisation. siècle: rapport du groupe de travail national sur les seconds
Population, nº 1. cycles. Paris: Ministère de l’Éducation Nationale.

GOUX, D., MAURIN, E., (1995). Origine sociale et destinée RAWLS, J., (1971). A theory of justice. Harvard: Harvard
scolaire. L’inégalité des chances devant l’enseignement à travers University Press.
les enquêtes Formation-Qualification Professionnelles 1970,
RAYOU, P., (1998). La cité des lycéens. Paris: L’Harmattan.
1977, 1985 et 1993. Revue Française de Sociologie, v. XXXVI-1.
ROCHEX, J. Y., (1995). Le sens de l’expérience scolaire. Paris: PUF.
KOOIMAN, J. (ed.) (1993). Modern governance: new
government-society interactions. London: Sage. ROSANVALLON, P., (1995). La nouvelle question sociale.
Repenser l’ État-providence. Paris: Le Seuil.
LAHIRE, B., (1993). Culture écrite et inégalités scolaires:
sociologie de l’ échec scolaire à l’ école primaire. Lyon: Presses THÉLOT, C., (1993). L’ évaluation du système éducatif: coûts,

Universitaires de Lyon. fonctionnement, résultats. Paris: Nathan.

LANGOÜET, G., (1994). La démocratisation de l’enseignement TRANCART, D., (1998). L’évolution des disparités entre collèges

aujourd’hui. Paris: ESF. publics. Revue Française de Pédagogie, nº 124.

MERLE, P., (2000). Le concept de démocrarisation de l’institution UNGERER, C., (1987). La double vision de la sélection scolaire.

scolaire: une typologie et sa mise à l’épreuve. Population, Retour sur une enquête de l’INED. Revue Française de

nº 55 (1). Sociologie, v. XXVIII-2.

MERLE, P., MEAR, P., (1992). 1986-1990: Démocratisation et/ VALLET, L. A., (1998). L’évolution de l’inégalité des chances

ou hiérarchisation sociale croissante des publics lycéens. devant l’enseignement. Un point de vue de modélisation

Sociétés Contemporaines, nº 11. statistique. Revue Française de Sociologie, v. XXIX-3.

MEURET, D. (dir.) (1999). La justice du système éducatif. , (1999). Quarante années de mobilité sociale en
BruxelIes: De Boeck. France. L’évolution de la fluidité sociale à la lumière des
modèles récents. Revue Française de Sociologie, v. XL-1.
NORVEZ, A., (1977). Le corps enseignant et l’évolution démo-
graphique. Effectifs des enseignants du second degré et besoins VAN HAECHT, A., (1985). L’enseignement rénové de l´origine à
futurs. Paris: INED (Cahiers Travaux et Documents), nº 82. l´éclipse. Bruxelles: Éditions de l´Université de Bruxelles.

OEUVRARD, F., (1979). Démocratisation ou élimination différée? VAN PARIJS, P., (1991). Qu´est-ce qu´une société juste? Paris:
Actes de la Recherche en Sciences Sociales, nº 30. Le Seuil.

PROPOSITIONS POUR L’ENSEIGNEMENT DE L’AVENIR, WALZER, M., (1983). Spheres of justice. A defence of pluralism
(1985). Élaborées à la demande de Monsieur le Président de la and equality. Oxford: Basil Blackwell.

16 Set/Out/Nov/Dez 2002 Nº 21
Resumos/Abstracts

Resumos/Abstracts

chronologies: a long term one which is namental moderna. A investigação, de


Jean-Louis Derouet rooted in the educational plans of the inspiração foucaultiana, propõe-se a
A sociologia das desigualdades em second half of the 18th century, linking destacar também como os aparatos de
educação posta à prova pela segunda educational equality with the poder/saber que se relacionam com a
explosão escolar: deslocamento dos construction of national unity and to infância, com seus sistemas de enun-
questionamentos e reinício da crítica the exercise of citizenship and, a more ciados verdadeiros, são produzidos no
Analisa exemplarmente o caso recent short-term chronology that interior das relações pedagógicas. Nes-
francês, considerando inicialmente corresponds to the project of the te artigo, realiza-se uma analítica de
duas cronologias: uma longa, que se unitary school in which the question of governamento da infância, a partir das
enraíza nos planos de educação da se- social mobility is central. The theme of proposições presentes no documento
gunda metade do século XVIII, ligando educational inequalities appears in examinado. Destacam-se, neste exame,
a igualdade educativa à construção da France at the end of the 1950’s. os modos de operar daquilo que Michel
unidade nacional e ao exercício da ci- However the second school explosion Foucault denominou de tecnologias da
dadania; outra curta, mais recente, que which starts in the 1980’s and the experiência de si ou tecnologias do eu.
corresponde ao projeto da escola única relative inefficiency of the alternatives Associado às tecnologias políticas e às
e na qual a questão da mobilidade so- tested in the educational system, racionalidades de governamento, res-
cial é central. O tema das desigualda- amongst which decentralisation, salta-se o RCN como dispositivo de
des educacionais aparece na França ao demand a new formulation of the produção das subjetividades infantis,
final dos anos de 1950. No entanto, a problem, taking into account the new uma vez que ele propõe a organização,
segunda explosão escolar, que ocorre a situation created by unemployment and a disseminação e o controle do saber
partir dos anos de 1980, e a ineficácia the increase in exclusion. que circula nas instituições de educa-
relativa das alternativas experimenta- Key-words: education sociology, ção infantil.
das no sistema educativo, entre elas a inequalities in education. Palavras-chave: educação infantil,
descentralização, exigem nova formu- tecnologias do eu, subjetividade infan-
lação do problema, em particular le- Maria Isabel Edelweiss Bujes til, dispositivos de poder.
vando em conta a nova situação criada A invenção do eu infantil: Inventing the child’s self:
pelo desemprego e pelo aumento da dispositivos pedagógicos em ação pedagogical dispositifs in action
exclusão. Este trabalho se insere no terreno This work was conceived within the
Palavras-chave: sociologia da educa- das discussões que pretendem exami- discussions that propose to analyse
ção, desigualdades em educação. nar as relações entre infância e poder. connections between power and early
The sociology of inequalities in Tomando como seu foco principal o childhood. Choosing as its main focus
education put to the test by the Referencial Curricular Nacional para a the National Curriculum for Early
second school explosion: changing the Educação Infantil (RCN), ele pretende Childhood Education – Referencial
questions and restarting the criticism apontar para as formas como operam Curricular Nacional para a Educação
The article analyses the French case os dispositivos de governamento da in- Infantil (RCN) –, this study intends to
considering initially two different fância, a partir da racionalidade gover- problematise the ways governmental

Revista Brasileira de Educação 167

Das könnte Ihnen auch gefallen