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RESUMO: O presente trabalho, parte de uma pesquisa em desenvolvimento, busca fazer uma
análise da narrativa elaborada por Tácito sobre o povo judeu e a Primeira Guerra Romano-
Judaica (66-73 d.C.), no Livro V de suas Histórias. Concluída com a tomada de Jerusalém e
destruição da estrutura da cidade e do Templo, esta é a primeira de três rebeliões da população
da Judeia contra a dominação romana ocorridas no contexto do período de maior alargamento
do Império Romano. A partir do olhar de Tácito, considerado o maior historiador romano, se
desenvolve uma narrativa priorizando os temas militares enquanto concede apenas um
tratamento superficial, por vezes com tom de desprezo, em relação aos aspectos da cultura e
da religiosidade judaicas. É a partir deste horizonte que se pretende como objetivo central
analisar tanto o desenvolver da guerra que é minuciosamente descrito, quanto a própria forma
de construção desta narrativa na apresentação da visão sobre “si”, enquanto cidadão romano, e
o “outro”, enquanto judeu.
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Cabe aqui uma breve exposição das outras duas guerras dos judeus contra os romanos: a segunda ocorreu sob o
governo de Trajano entre 115 e 117 d. C., também chamada de Guerra de Kitos; a terceira, por sua vez, é
chamada de Revolta de Bar Kokhba e teve seu período de incidência entre 132 e 135 d. C.
influência e incentivo de produção da obra pelos romanos, suas bases são judaicas, afinal não
se pode desligar um homem de sua própria cultura de constituição.
No entanto, o que pouco se fala é da existência de um outro relato sobre a Primeira
Guerra Romano-Judaica que permaneceu até o nosso tempo. Descrita sob o ponto de vista do
considerado maior historiador romano, essa narrativa se encontra nos treze primeiros
capítulos do livro V da obra Histórias.
No que diz respeito à sua biografia, as informações sobre Publius Cornelius Tacitus
são escassas e imprecisas. Não se sabe ao certo suas datas de nascimento e morte, estima-se
porém que viveu entre os anos de 55 d.C. e 120 d.C. As demais informações sobre ele se
baseiam em alguns indícios presentes em seus textos, evidências arqueológicas, e através de
estudos de outras fontes, como por exemplo algumas cartas de Plínio, o Jovem.
Nascido em família romana, acredita-se que provavelmente seja natural da província
da Gália Narbonense, hoje região sul da França. Ganha destaque por sua famosa eloquência e
erudição, sendo provavelmente o autor latino de maior complexidade e sofisticação no que se
refere à forma de linguagem. Além disso, ao longo da vida foi tribuno militar, questor, pretor,
cônsul, e governador da província da Ásia em 112 d.C., tendo em suma obtido preeminência
também no contexto político de sua época. Suas obras, em ordem de produção, são: Diálogo
dos oradores (Dialogus de Oratoribus), Agrícola (De vita Iulii Agricolae), Germânia (De
origine et situ Germanorum), Histórias (Historiae) e Anais (Annales); sendo desenvolvidas
principalmente durante o período dos Antoninos.
As respectivas três primeiras obras são as menores, e por isto talvez sejam também as
que foram melhor conservadas com o passar do tempo, estando todas elas completas. As duas
seguintes são as maiores, e assim sendo, na mesma lógica, chegaram até nós muito
fragmentadas. Em geral, se estivessem completas, a soma dos relatos das Histórias e dos
Anais sintetizariam os principais acontecimentos de Roma durante parte do período
classificado como Alto Império, uma espécie de resumo do que foi o primeiro século do
Principado. “A leitura de Tácito não se esgota no século XXI, mostrando-se na verdade tão
relevante e atual como nas questões sobre as quais o autor refletiu” (MARQUES in
PARADA, 2012, p. 102).
A obra Histórias foi escrita aproximadamente entre os anos de 104 a 109 d.C.
Abarcando o período entre a guerra civil de 69 d.C. e o fim do principado de Domiciano, em
96 d.C., nela encontramos contemplados os modelos políticos dos reinados de Galba, Oto,
Vitélio, Vespasiano, Tito e Domiciano. Dos prováveis 12 ou 14 livros que a compunham, se
perderam boa parte, sendo conhecido hoje apenas os 4 primeiros livros e alguns capítulos do
V – o qual contém os 13 capítulos que usaremos nesta pesquisa como fonte documental sobre
a guerra.
A fonte primária aqui utilizada pode ser facilmente encontrada em versões traduzidas
do latim – língua do documento original –, tanto em edições impressas como em domínios
públicos em formato digital. Apesar dessa facilidade faz-se necessário expor que a fonte em
português só possui uma versão publicada em 1937, traduzida por Berenice Xavier, sendo ela
muito antiga e difícil de ser encontrada. Sendo assim, as traduções encontradas são
basicamente em inglês e espanhol. Após análises, para a realização deste trabalho optou-se
pela versão em espanhol de Joaquín Soler Franco, publicada em 2015 – além de ser uma
publicação mais recente, e traduzida diretamente do latim, se trata de uma edição bilíngue
latim-espanhol, permitindo a conferencia da fonte original da tradução.
Em sua descrição sobre o conflito entre os romanos e judeus do primeiro século,
Cornélio Tácito desenvolve sua argumentação priorizando os temas políticos e militares, os
quais narra com muita atenção, enquanto concede apenas um tratamento que pode ser tido
como superficial, e por vezes com tom de desprezo, ao tratar as questões referentes à cultura e
religiosidade judaica. Logo de início, considera importante expor as origens do povo, se
colocando a apresentar inúmeras possibilidades de surgimento, além de abordar os seus
costumes.
É “importante ressaltar que, durante os séculos de dominação romana sobre os judeus,
identificamos uma série de revoltas e movimentos contrários à dominação estrangeira na
Judeia” (GAMA, 2011, p. 74), assim Jorwan Gama defende que “o alto nível de
complexidade social daquela região contribuiu para o turbulento período de dominação
romana” (GAMA, 2011, p. 74), sendo essas complexidades indicadas, no caso da Judeia,
principalmente no que se refere à estratificação social, capacidade de integração entre Estado
e os grupos sociais, ao setor produtivo sob supervisão, dentre outros.
Nesse sentido, é importante ter em mente que para os romanos não existe separação
entre o mundo civil e militar. “A história romana está cheia dessa mistura de domínio violento
e ductilidade, de sentido profundo e inflexível de imperium e de talento para descobrir
soluções maleáveis” (GIARDINA, 1992, p. 17). Se fazia então importante estar a altura da
missão, ser digno do imperium, ou seja, possuir a estatura e as virtudes necessárias. Assim, a
noção de pater patriae, um pai para a pátria, é criada ao longo do desenvolver do império,
onde se entende que assim como um pai, existe e é necessário saber agir em atos de
benevolência e ainda sim quando necessário saber ser rigoroso.
Em geral, a guerra tem estado presente em todos os períodos ao longo da história, em
menor ou maior escala. Precedendo o que conhecemos hoje como Estado, “a guerra é quase
tão antiga quanto o próprio homem e atinge os lugares mais secretos do coração humano,
lugares em que o ego dissolve os propósitos racionais, onde reina o orgulho, onde a emoção é
suprema, onde o instinto é rei” (KEEGAN, 1996, p.19). O historiador John Keegan, em seu
livro Uma história da Guerra, a partir da análise da teoria de que a guerra seria a continuação
da política por outros meios, criada por Clausevitz na obra Da Guerra, busca contrapor essa
ideia por entender que ela está intrinsecamente ligada à cultura. Para além, identifica a
existência de sociedades que fazem da guerra a sua cultura, dedicando-se e investindo em
capacitação.
Cabe destacar de forma geral o que aqui se entende enquanto cultura, e de que forma
ela é nesse texto tratada. Produzida pelo homem, destaca as peculiaridades e as similaridades,
bem como se faz impossível desassociar os traços da cultura da personalidade de cada um a
ela ligado. É o “conhecimento adquirido no ambiente não-formal do aprendiz, por imitação,
condicionamento inconsciente por reinterpretação pessoal de um dado anterior” (ANDRADE
et al., 1999).
Fazendo da guerra a sua cultura, é através das políticas de expansão e conquista que
Roma torna-se um Império de grande dimensão e importância. O sucesso da expansão
econômica dessa época deve-se em grande parte às políticas de anexação e de urbanização de
novas províncias e territórios já conquistados, o que gerou um grande desenvolvimento dentro
da península e fora dela. O período de foco deste trabalho, segunda metade do século I d.C.,
se insere nos princípios do período de maior alargamento do Império Romano. Em longo
prazo, a extrema expansão, que assumiu dimensões mediterrânicas, desencadeou sérios
problemas de administração territorial, sucumbindo em suas próprias pretensões.
Atuando sempre em conjunto, mas também exibindo a capacidade combativa
individual, a legião romana exibia mobilidade e flexibilidade. Pensando nas táticas
empregadas no caso mais específico da revolta judaica, o exército romano se colocou a sitiar
o centro da resistência, na cidade de Jerusalém. O ocorrido em Massada é a demonstração
mais clara – e no caso, a final –, do que Tácito expõe nas Histórias: “E o que aumentava suas
iras era que só os judeus haviam recusado submeter-se” (TÁCITO, V, X, tradução nossa). O
povo recusava se submeter, a guerra se estendia, e os romanos se colocavam em maior gana
pela resolução do problema.
Tratando sobre o período das revoltas enfrentadas pelo Império, o historiador Greg
Woolf, em seu livro Roma: A história de um Império, indica que:
O sistema romano, naturalmente, tinha também suas fraquezas. Uma
das consequências de depender de um exército de infantaria baseado
na orla do império era que ele respondia com lentidão aos desastres no
interior. As tropas romanas foram em geral bem-sucedidas contra
rebeliões provinciais durante os primeiros dois séculos depois de
Cristo porque a maioria das rebeliões ocorreu relativamente perto das
fronteiras e os rebeldes costumavam manter uma posição estacionária
e não tinham fortificações. Em geral, a ordem era restaurada em
questão de meses. A guerra judaica durou tanto tempo porque os
judeus possuíam fortalezas (WOOLF, 2017, p. 274).
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Á exemplo de autores como, Maneton, Lisímaco, Apión, Demócrito, etc.
Compreendendo, por sua vez, que as fontes por elas mesmas são discursos que não se
revelam em totalidade, propõe-se a investigação através da mobilização do conceito de
identidade étnica, relacionando-o às ideias de pertencimento e tradição. Para que assim,
considerando o mundo político, econômico e social que os transformam, seja possível
perceber as transformações de entendimento e pertencimento ocorridas, e as disputas
semânticas travadas neste campo ao longo do tempo. “Nossa matéria prima é a memória,
nosso produto são identidades sociais” (MARQUES, 2013, p. 12).
FONTE:
TÁCITO, Cornelio. Libros de Las Historias. Tradução de Joaquín Soler Franco. 2ª ed.
Zaragoza: Institución Fernando el Católico (CSIC), 2015.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ANDRADE, Julieta de; SOARES, Luiz Fernando de Andrade; HUCK, Roberto. Conceito
etimológico de cultura. In: ANDRADE, Julieta de; SOARES, Luiz Fernando de Andrade;
HUCK, Roberto. Identidade Cultural no Brasil. São Paulo: A9 Editora e Empreendimentos,
1999.