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Agradecimentos:
À minha esposa, Leticia, que, mesmo diante deste preguiçoso, jamais deixou de
acreditar nele, entendendo que tal estado fazia parte da natureza de sua criativida-
de. Um pouco ingênua, é verdade, mas faz prova de seu amor.
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Índice
Livro I - Introdução
Para quem é este livro
Os motivos para este livro
Meu objetivo
Meu trajeto pelo tema
Livro II - Natureza da preguiça
A preguiça e o preguiçoso
A preguiça é natural
A preguiça é universal
A preguiça é uma prisão
A preguiça é uma reação
A preguiça é um equívoco
A preguiça é uma omissão
A preguiça é uma luta
A preguiça é dispersão
Livro III - Reflexões sobre a preguiça
A rotina
O processo
O trabalho
A associação
Livro IV - Causas da preguiça
Cultura do bem estar
Desatenção
Ambiente estimulante
Inconsciência
Indiferentismo
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Sentimentalismo
Paixão
Fuga da dor
Sacrifício
Imediatismo
Impaciência
Pressa
Superficialidade
Pessimismo
Confusão
Desmotivação
Perfeccionismo
Prazer
Liberdade
Descanso
Planejamento
Hierarquização
Paradoxo das opções
Autoconfiança
Autoconhecimento
Conclusão
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Livro I - Introdução
Para quem é este livro
Este não é um livro para preguiçosos! Não, pelo menos, se estivermos nos
referindo ao preguiçoso como alguém lançado sobre o sofá da sala, com o con-
trole remoto na mão, uma garrafa de cerveja ao lado, com a barriga suja de mo-
lhos usados no último sanduíche devorado, evitando todo tipo de compromisso,
fugindo de suas obrigações, decidindo não fazer nada mais que o necessário para
se manter vivo. Na verdade, em toda minha vida, conheci pouquíssimas pessoas
que se encaixassem nesse perfil. Esse tipo parece mais um personagem de um
romance qualquer, mas que pouco vemos na vida real. Aliás, ainda que existam
pessoas assim, certamente elas não teriam interesse no que escrevo aqui. É que
se alguém decide, conscientemente, que vai evitar, de todas as maneiras, cumprir
com suas obrigações e manter-se deliberadamente no ócio, sequer o chamaria de
preguiçoso, mas de vagabundo.
O vagabundo não quer mudar, já que decidiu ser como é, pois não vê van-
tagens no esforço. Ele acredita que sua atitude de não fazer nada lhe permite
usufruir melhor o tempo, não desperdiçado em atividades cansativas e estressan-
tes. Na verdade, ele acha que quem trabalha demais é bobo e está jogando fora
sua vida, não usufruindo dos prazeres que ela oferece. É por isso que jamais se
interessaria por este meu livro, afinal, o vadio não carrega remorsos, pois sua
postura é um estilo de vida, que ele assumiu por entender ser a melhor forma de
existir. O que ele precisa, de fato, é de uns bons bofetões ou de tratamento psi-
quiátrico, não de um livro. Portanto, corrigindo minha primeira sentença, eu
posso dizer que este não é um livro para vagabundos. É, sim, para preguiçosos,
como somos quase todos nós.
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após o impulso dado por uma crise existencial. Isso porque, se este é um livro
para preguiçosos, eu mesmo deveria ser o seu primeiro leitor.
Não me lembro de nenhuma época de minha vida que eu não tenha tido a
percepção de ser um preguiçoso. Apesar de, na maioria das vezes, conseguir
cumprir minhas obrigações, eu sabia que não estava fazendo nisso o melhor que
eu podia. Pelo contrário, tinha plena consciência de que a forma como eu reali-
zava minhas tarefas tangenciava o irresponsável. E apesar de, em geral, conse-
guir cumprir meus prazos, a maneira como eu fazia isso não permitia entregar o
melhor trabalho que eu era capaz de realizar.
Quando não havia, sobre o que eu precisava fazer, a pressão do tempo, di-
ficilmente eu conseguia dar andamentos mais contínuos aos trabalhos. A execu-
ção do necessário para o alcance dos objetivos traçados acabavam invariavel-
mente sendo adiados, pois, por ser um preguiçoso, faltava-me disciplina para
manter-me debruçado, constantemente, sobre ele. No fim das contas, os projetos
acumulavam-se e as realizações quase nunca aconteciam. Neste contexto, não
havia como eu me sentir bem. Pelo contrário, a sensação é que se eu continuasse
levando a vida daquela maneira as coisas iriam dar muito errado para mim.
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ta. E tudo isso, obviamente, causa efeitos indesejados na alma humana, afetando
sua forma de viver e sua relação com as pessoas.
Eu mesmo cheguei a um ponto de sentir-me profundamente frustrado com
tudo o que estava acontecendo. Ao mesmo tempo que me via envolto em tarefas
das mais diversas, não conseguia constatar as realizações que deveriam segui-
las. Na verdade, faltava-me constância e persistência. Boa parte daquilo que eu
me dignava a fazer, quase sempre, era abandonado. É verdade que, na maioria
das vezes, esse abandono nem era consciente, sendo percebido apenas algum
tempo depois de ter se tornado inegável. De qualquer forma, era um ambiente
de frustração, pois quando o que fazemos não redunda em nada, não há como
ser diferente.
Além disso, toda essa situação foi me fazendo sentir-me inferiorizado. Prin-
cipalmente, porque acabava observando aquelas pessoas que, apesar de serem
minoria, destacam-se como gente que produz e realiza e via nelas como que um
espelho, que me acusava de ser tão incapaz. Enquanto olhava aquelas pessoas
conquistando seus objetivos, minha vida tornava-se uma sucessão de inícios sem
fins. Obviamente, sentia-me abaixo dos padrões e, apesar disso não ser verdade,
de fato, era essa a minha sensação. Inferiorizado, começava a duvidar inclusive
de minhas capacidades.
Se a regra da minha vida era não conseguir dar andamento ao que me pro-
punha, a conclusão só poderia ser que havia algum problema intrínseco, algo
que me afetava pessoalmente e que me tornava incapaz. Cheguei ao ponto de
querer abandonar tudo e, quem sabe, encontrar um trabalho essencialmente bu-
rocrático e assalariado, apenas para não ter mais de me preocupar com o que eu
fosse realizar. Comecei a cogitar se não era melhor viver sob a égide de uma fun-
ção rotineira e sem objetivos, do que sofrer por ter tantas ideias, mas não conse-
guir colocá-las em prática.
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frutos que conhecemos as árvores, quem visse meu real estado poderia concluir
que eu era um verdadeiro vagabundo.
Chegou um momento que até os sonhos começaram a evadir-se. Não me
parecia mais adequado ficar acumulando objetivos sabendo que dificilmente eles
se materializariam. Conforme vamos ficando mais velhos, mais realistas nos tor-
namos. E, assim, estava quase resignando-me com minha condição, aceitando
que as coisas eram para ser mesmo daquela forma, acomodando minha vida de
uma maneira que eu vivesse sem grandes percalços, apesar de sem grandes
perspectivas também.
Porém, como é das grandes crises que normalmente nascem as grandes so-
luções, foi de toda essa sensação de derrota e quase desespero que encontrei as
últimas forças para tentar entender o que estava acontecendo comigo. E foi des-
se último esforço que encontrei aquilo que estava precisando e que mudou a mi-
nha vida e a forma de enfrentar os obstáculo que ela costuma impor.
Meu objetivo
Antes de continuar, preciso alertá-lo, caro leitor, que este não é um livro de
autoajuda, nem propõe qualquer solução para o problema da preguiça. Estou
trabalhando em um projeto maior, que conterá isso, além de oferecer esse tipo
de conhecimento em meus cursos. Porém, neste presente trabalho, me propus
simplesmente a refletir sobre o problema.
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buem para sermos preguiçosos. E são principalmente estes que abordo neste tra-
balho.
Se o leitor tomar essas reflexões e, ele mesmo, pensar sobre quais desses
motivos podem estar afetando a sua própria vida, acredito eu que apenas isso já
será suficiente para começar a mudar sua realidade.
O importante é saber que a preguiça pode até ser uma tendência, mas ja-
mais será uma condição imutável do ser humano. E entender por que ela se dá
pode ser o primeiro passo para dominá-la, definitivamente.
Havia muitos planos que eu sonhava realizar e por causa desse problema
não os colocava em prática, como escrever livros, manter uma regularidade na
produção de meus blogs, estudar melhor e com método, seguindo um planeja-
mento de estudos racional, além da vontade de executar um projeto financeiro
que garantisse um futuro mais tranquilo para minha família, manter uma disci-
plina espiritual adequada, conseguir fazer exercícios físicos com regularidade,
além de algo mais prosaico, como conseguir manter minha casa em limpa e ar-
rumada.
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Por uma questão de afinidade, os primeiros autores com quem me deparei
foram os religiosos. O problema é que eles costumam tratar o assunto desde um
ponto de vista moral. Sua perspectiva é de quem está lidando com um desvio
que precisa ser corrigido. A preguiça, nesse contexto, acaba sendo a ré de suas
acusações e a solução, segundo eles, é tomar consciência da malignidade de sua
presença para, então, abandoná-la.
Ocorre que isso não resolvia o meu problema, pois já havia em mim a cons-
ciência do erro. Aliás, era por isso mesmo que me sentia culpado. Tais autores,
portanto, serviram apenas para tornar-me mais convicto de meu problema, mas
com um agravante: fazendo-me sentir ainda mais culpado. Isto, em vez de me
ajudar, acabou piorando minha situação. Afinal, a culpa é uma grande geradora
de estresse e o estresse é o maior vilão contra a força de vontade.
Foi quando, então, ainda nessa minha busca incessante por respostas, en-
contrei, em um sebo do Rio Grande do Sul, um livro que até o momento que es-
crevo estas linhas é considerado uma raridade, do escritor Jules Payot, chamado
Educação da Vontade (achei-o em espanhol, Educación de la Voluntad). O livro
era tão difícil de achar que encontrei apenas essa cópia, de uma edição de 1943.
E foi esse livro que, definitivamente, abriu minha mente para o que real-
mente estava envolvido nesse problema. Apesar dele não abarcar toda a questão
da força de vontade, foi por ele que eu entendi que minha luta não era mera-
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mente uma questão de consciência e de motivação, mas era uma batalha contra
uma natureza, contra uma tendência. E mais ainda: esse adversário contra quem
eu lutava não era apenas meu, mas de todos os homens. Eu estava, na verdade,
batalhando contra o inimigo de toda a humanidade. Não eram defeitos individu-
ais que me atrapalhavam, mas obstáculos intrínsecos a todos os indivíduos.
Este passou a ser o meu desafio. E, apesar de descobrir que estava lidando
com uma dificuldade intrínseca, paradoxalmente isso me deu esperança. Consi-
derando que, na história, os homens, mesmo contendo essa dificuldade dentro
deles, conseguiram fazer grandes obras, isso significava que era possível superar
esse obstáculo que se impunha. Se tudo fosse um defeito pessoal e idiossincráti-
co, talvez não houvesse saída. Como era, porém, um problema comum, é certo
que haveria alguma resposta.
Soube, então, que eu deveria procurar aqueles que estudaram especifica-
mente o assunto, principalmente sob uma perspectiva científica. Era na observa-
ção do comportamento humano e na experiência laboratorial que eu deveria en-
contrar as respostas faltantes. Lembre-se: eu já possuía a consciência moral, a
motivação adequada e o entendimento da natureza do problema. O que faltava
era apenas compreender cientificamente como ele se dava.
Não precisei pesquisar muito para descobrir que havia um grande estudioso
do assunto, o Dr. Roy Baumeister, que, por meio de experiências promovidas por
ele mesmo e com o uso de experiências de cientistas anteriores, apresentou al-
guns trabalhos bastante amplos e completos sobre a questão da força de vonta-
de.
Foi pelo Dr. Baumeister, como por uma de suas alunas, a Dra. Kelly McGo-
nigal, que eu consegui fechar o circuito de compreensão do assunto.
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Todo esse conhecimento me permitiu montar toda uma cadeia de enten-
dimentos que me levaram a chegar a uma síntese que me permitiram tomar cer-
tas atitudes, em minha própria vida, com resultados fantásticos, que me tiraram
dos problemas relativos à preguiça que me torturavam, além de poder criar um
curso para ajudar outras pessoas a livrarem-se deles também.
O que eu quero que você entenda é que, antes de tudo, o que aprendi estu-
dando o problema da preguiça surgiu de uma necessidade pessoal, de uma in-
quietação própria, de um anseio íntimo. O que eu desenvolvi não é, portanto,
apenas fruto de um estudo acadêmico, de teorias prontas. Há nisso muito de re-
flexão e de experiência. O que eu quero dizer é que, primeiramente, eu aprendi
a educar a minha vontade, aplicando tudo o que eu aprendi com meus estudos,
para depois poder transmitir isso para quem tivesse a necessidade e o desejo de
aprender.
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Livro II – Natureza da preguiça
A Preguiça e o Preguiçoso
Após toda essa introdução, parece-me que chegou a hora de definir o que é
a preguiça. Afinal, ela é o objeto de nossa investigação.
A preguiça, como eu a defino, não significa ficar sem fazer nada, deixando
a vida passar, no mais profundo ócio improdutivo. Quase ninguém faz isso, na
verdade. O preguiçoso, pelo contrário, às vezes é alguém que até faz coisas de-
mais e acumula diversas tarefas no seu dia. Preguiça, de fato, se refere à insistên-
cia constante de deixar de fazer aquilo que deve ser feito, para fazer uma outra coi-
sa qualquer.
Ainda sim, diferente do que possa parecer, a preguiça não é uma decisão,
mas uma inércia. Geralmente, o preguiçoso não decide substituir a tarefa que
deveria ser realizada, mas deixa-se levar pelas circunstâncias, pelos sentimentos
e pelas tentações que o conduzirão à substituição do que deveria ser feito. O
preguiçoso não planeja ser assim, ele apenas se deixa ser. Não, claro, sem enga-
nar-se.
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a realização de seus compromissos era apenas uma questão de erro de planeja-
mento ou uma falha de orientação. Não passava pela sua cabeça que seu pro-
blema era muito mais íntimo do que um mero lapso metodológico.
Claro que tudo isso não ocorre de maneira consciente, mas manifesta-se
por meio de atos impulsivos e reações impensadas, ainda que tudo muito bem
justificados por racionalizações engenhosas.
A preguiça é natural
Ainda assim, não há como negar que ser preguiçoso é natural. E quando
afirmo isso não estou tentando justificar nada, apenas apontando que as ações
que caracterizam o preguiçoso são menos fruto de uma autodeterminação que
respostas espontâneas oriundas de sua estrutura psicológica e fisiológica. Em ou-
tros termos, as ações preguiçosas são movimentos predeterminados pela confi-
guração de sua estrutura humana fundamental.
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ral tende a aprofundar o problema da preguiça, mas é certo que, se todos pudes-
sem, viveriam a vida de maneira que seus trabalhos e obrigações fossem todos
cumpridos plenamente. Se não vivem isso, apesar de quererem, então se encon-
tram diante de uma luta muito mais profunda.
A preguiça é universal
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Por isso, antes de continuarmos, eu gostaria de dar-lhe um conselho: pare
de se culpar! Se a preguiça, como vimos até aqui, é algo universal, não há por-
que carregar o peso na consciência por ceder a seus apelos. O que não é delibe-
rado não pode ser punido. Se não houve escolha, não há porque envergonhar-se.
Em uma sociedade forjada sobre bases cristãs, como a nossa, onde a culpa
é parte central de seu imaginário, pois é a consciência dos próprios pecados que
nasce o religioso, é muito comum as pessoas paralisarem-se por sentirem-se res-
ponsáveis pelos seus erros. A percepção de que fazem as coisas de uma maneira
inadequada costuma lançar sobre elas um peso que, não poucas vezes, dificulta a
retomada adequada de seus atos.
Sobre isso, lançando mão de uma interpretação parcial e equivocada das
ideias fundamentais de nossa cultura, muitos experts acreditam que a melhor
maneira de enfrentar a preguiça é lançar por terra todo escrúpulo de consciência
e deixar-se guiar pelos sentimentos e instintos. De fato, o que ensinam é que
ninguém deve se culpar por nada, pois isso seria contraproducente.
Apenas quero dizer que, neste caso específico da preguiça, que, como eu
ensinei, refere-se a uma atitude não deliberada e até inconsciente, normalmente
provocada por uma reação da natureza, não há razão para culpar-se. Isso, po-
rém, não significa que seja necessário resignar-se a ela e este é o ponto mais im-
portante que eu desejo tratar aqui. É que, falando em uma linguagem religiosa,
uma tendência não é pecado, até que nos conformemos com ela. Ser uma ten-
dência é apenas uma sugestão, às vezes forte, porém não significa uma determi-
nação inescapável.
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inabalável em um poder regenerador superior. Em resumo, o cristianismo, mais
que a culpa, ensina sobre o perdão e a redenção. Assim, reter-se na culpa não é
cristão, mas agir sobre ela, de maneira a emendá-la, isso sim é próprio do cristi-
anismo.
Nesse aspecto, vejo muita gente que se sente culpado por perceber que a
preguiça é uma realidade em sua vida, mas faz muito pouco para mudar sua si-
tuação. Alguns, simplesmente, praguejam contra o mal e acabam por acreditar
que a situação é irreversível. Acostumam-se tanto com a preguiça que acabam
incorporando-a em sua personalidade, assumindo que ela faz parte de sua forma
de ser.
O que eu posso dizer é que isso jamais é verdade. A preguiça é uma ten-
dência humana, mas não uma condição inexorável. Pelo contrário, como tantas
outras tendências negativas, ela pode ser superada com consciência e esforço e,
principalmente, com conhecimento.
Pode parecer estranho para algumas pessoas tratar algo natural como um
obstáculo a ser transposto. É que, no imaginário popular, o que é natural costu-
ma confundir-se com liberdade. O selvagem, por exemplo, é visto como alguém
livre das amarras das regras e dos padrões. Normalmente, os rebeldes são vistos
como selvagens exatamente por darem essa impressão de fazerem o que querem,
de não se prenderem às convenções.
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çoso não tem liberdade, pois não faz aquilo que quer, mas aquilo que sua natu-
reza lhe impõe.
Também quero dizer que a preguiça, por ser natural, é uma reação absolu-
tamente previsível da estrutura humana. Os atos típicos de quem é preguiçoso
não são voluntários, nem determinados por uma mente livre, mas são meros im-
pulsos, que podem ser perfeitamente calculados e previstos.
Diante disso, somos obrigados a concluir que ninguém é preguiçoso por es-
colha, mas porque está deixando-se conduzir por sua própria natureza. O pre-
guiçoso é um selvagem, mas nos termos como apresentei aqui. Ele, longe de es-
tar livre dos padrões de comportamento e longe de fazer aquilo a que se deter-
mina, está sendo guiado por seus impulsos mais básicos, permitindo que sua na-
tureza seja o timoneiro de sua vida.
Por tudo isso, não há como tratar o problema da preguiça apenas por seu
aspecto moral, nem somente através de palavras de estímulo. Estamos lidando
com uma luta intrínseca de cada indivíduo - e uma luta inglória, pois trata-se de
contrariar tendências que fazem parte da estrutura primordial de todo ser hu-
mano.
De qualquer forma, somos homens e como maus homens seríamos se não
fôssemos capazes de vencer aquilo que a natureza tenta nos impor. Se sempre
fosse assim, viveríamos ainda nas cavernas, colhendo os frutos dados graciosa-
mente pelas árvores. Porém, desde o início, a humanidade não se resignou a vi-
ver apenas aquilo que a natureza lhe impunha, mas sobrepujou-a formidavel-
mente, chegando à imensidão civilizacional que temos hoje em dia. Isso é a me-
lhor prova de que realmente não estamos sujeitos aos nossos impulsos básicos,
mas quando esforçamo-nos por vencê-los somos capazes disso de maneira sober-
ba.
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Assim, ninguém está condenado a viver preguiçosamente. Apesar de ser
uma tendência, somos superiores a isso e podemos, com inteligência e perspicá-
cia, no uso de nossa razão, vencer o que a natureza tenta nos impor.
Mas o que pode haver de tão ruim em uma tarefa cotidiana que a natureza
entende que é um mal? Realmente nada de mais. Porém, ela entende assim. É
que sempre que somos obrigados a executar uma tarefa, isso demanda de nós
atenção e esforço. Normalmente, as tarefas mais importantes são também as
mais estressantes. E, na verdade, só o fato delas precisarem ser feitas já causa
algum tipo de preocupação.
Por isso, quando temos uma atividade que deve ser realizada, quando mais
complexa e mais atenção ela demandar, mais nossa natureza tenderá a interpre-
tá-la como um elemento indesejável e fará de tudo para desviar-nos dela.
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busca preservar nossa paz, manter nossa tranquilidade, evitar que entremos em
um estado de tensão.
E, de maneira interessante, é por isso que ela não nos conduz a não fazer
nada, mas a praticar alguma outra atividade. É que se nossa natureza nos levas-
se ao ócio, criaria outro tipo de tensão, que é a sensação de inutilidade. O puro
ócio não é natural para o ser humano e, por isso, a natureza tende também a
evitá-lo.
O que ela faz é, de uma maneira inteligente, se bem que não sábia, evitar
uma atividade que interpreta como estressante, substituindo-a por outra mais
tranquila e que possa justificar a escolha.
Assim, a substituição da tarefa parece até bastante racional e sempre vem
acompanhada de um motivo razoavelmente plausível. E tais motivos podem ser
os mais diversos: uma pessoa pode deixar de fazer uma tarefa para arrumar os
arquivos do escritório, justificando que não aguenta mais a bagunça; pode adiar
um relatório para conversar com colegas do trabalho, alegando que isso faz par-
te de seu crescimento na empresa; deixar para outro dia uma petição para ler
um livro, afirmando que a obtenção de cultura é também muito necessária; pode
ficar meses para arrumar a porta de casa, substituindo isso por atividades diver-
tidas e entretenimento, falando que faz isso porque trabalha o dia inteiro e pre-
cisa descansar para pode realizar bem suas tarefas no dia seguinte. Seja como
for, a substituição sempre vem acompanhada, de forma ostensiva ou oculta, de
uma racionalização.
O mais importante, porém, é entender que o impulso preguiçoso não é uma
ação desenfreada, uma mera necessidade de descanso, mas um ato provocado
pela natureza para proteger-nos do que ela interpreta ser um mal. Evitar a pre-
guiça é difícil porque ela apresenta-se como uma atitude justificada, como algo
que é para o nosso bem. Quando alguém deixa de fazer o que deve ser feito, di-
ficilmente fará isso afirmando que estava com preguiça, mas dizendo que preci-
sava fazer outras coisas igualmente importantes.
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A preguiça é um equívoco
Imagine essa configuração natural, criada para a busca constante por ali-
mentos em um mundo onde esses alimentos são oferecidos abundantemente!
Imagine, também, essa configuração, criada para reagir rapidamente a qualquer
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ameaça, em um mundo onde estamos expostos a todo tipo de estímulo, de ruí-
dos e de apelos às sensações! É neste mundo que a natureza, que, diferente do
que muitos cientistas acreditam, tem uma dificuldade tremenda de adaptação,
precisa atuar. E, não raro, fará isso interpretando equivocadamente os dados que
se lhe apresentam.
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Uma variação desse princípio é o fato de que a natureza não apenas faz de
tudo para evitar atividades que gastem energia, como ela tende a economizar
essas energias, mesmo em situações que, em princípio, não são tão ameaçadoras
a ela. É que o corpo humano funciona da seguinte maneira: como as reservas de
energia são limitadas, ele entende que cada vez que essas reservas ficam mais
baixas, mais necessidade há de economizá-las. Fazendo uma analogia com uma
bateria de telefone celular, seria como se o ideal fosse que a pessoa trabalhasse
sempre com a bateria quase cheia, evitando deixar os níveis baixarem demais.
Pois, de acordo com a configuração da natureza, o corpo, diante das reservas de
energia em cinquenta por cento, por exemplo, vai tender a economizar mais
energia do que quando ele se depara com ela em setenta por cento. Resumindo:
quanto menos energia no corpo, mais a tendência de economizá-la se manifesta-
rá. Diante disso, não é difícil entender porque é tão difícil lutar contra a pregui-
ça. Também fica evidente que uma maneira eficiente de fazer isso é sempre des-
cansar adequadamente e não achar que trabalhar até atingir a estafa física seja
uma boa estratégia. Até porque a natureza age dessa maneira exatamente para
evitar que a pessoa desfaleça. Sabendo que o fim da energia significaria a com-
pleta cessação de qualquer atividade, muito antes de atingi-la o corpo já começa
a trabalhar para levar a pessoa para o descanso, que é o que ela usa para recar-
regar as energias corporais.
Junto a tudo isso, é importante entender que as energias do corpo são limi-
tadas. Quando elas chegam no fim, não há o que fazer. Nem a maior força de
vontade consegue arrancar mais forças de onde já não existe nenhuma. No en-
tanto, é preciso atentar, diante do que expliquei sobre a relação da natureza com
as reservas de energia, para o fato que o corpo vai começar a dar sinais de can-
saço bem antes de chegar aos limites de sua reserva energética. Assim, também
não seria muito produtivo, diante dos primeiros sinais de cansaço, desistir da
atividade, pois esses sinais são apenas os primeiros alertas de que a energia está
baixando, não que elas estão no fim. Lembre-se que o corpo sempre age assim,
tentando fazer a pessoa desistir daquilo que ele está fazendo para economizar a
energia. No entanto, normalmente, há ainda uma boa reserva para gastar antes
de ter de cessar mesmo a atividade.
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que, a fim de que a pessoa não pense em outra coisa senão em saciar a necessi-
dade por comida. Da mesma maneira, diante do perigo de uma tarefa estressan-
te, o cérebro também sofre alterações, de maneira que a pessoa não reflita sobre
as consequências de não cumprir com o determinado, mas corra para saciar a
necessidade de escape. Esse sistema de proteção, ao mesmo tempo que impede o
raciocínio libera os impulsos. É que diante do perigo é preciso que as reações se-
jam rápidas. Não cabe a reflexão nesse momento. Para quem está prestes a ser
atacado por um animal feroz, pensar demais pode ser fatal. E assim que a natu-
reza “pensa”. Por isso, ela capacitou o homem a reagir impulsivamente, de ma-
neira a encontrar uma solução rápida para o perigo iminente.
Ambos os princípios, portanto, existem para proteger o ser humano. Porém,
como estão inseridos em um ambiente para os quais não foram criados, acabam
exagerando em suas atuações.
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dos animais, não é definido por sua animalidade. Esta infligi-lhe tendências, di-
reciona suas reações, impulsiona seus atos, mas não representa uma limitação
definitiva ao que ele pode fazer.
É claro que esta sempre será uma luta inglória! Porque toda vez que nos
dispormos a fazer algo que planejamos, vamos nos deparar com tendências con-
trárias que brotam de nosso interior, com forças naturais que buscam se impor.
Haverá sempre uma oposição interna. Nosso corpo irá lutar contra nossa vonta-
de e nosso cérebro irá tentar nos enganar.
Por isso, nossa única chance é assumir que somos mais do que meros ani-
mais, rebelarmo-nos contra a autoridade da natureza em relação às nossas atitu-
des e alçarmos a razão ao comando, deixando que ela dirija nossos passos e de-
termine nossas ações.
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A preguiça é uma luta
Se há uma luta, antes de tudo precisamos definir quais são as partes que
estão se enfrentando. E se de um lado está a natureza, com suas reações impul-
sivas e irracionalidades, do outro está a vontade, que se configura por aquilo que
queremos e nos determinamos a alcançar. De maneira simples podemos dizer
que o inimigo da preguiça é a vontade ou a força de vontade, como se diz usu-
almente.
No entanto, vontade é uma palavra equívoca que, como tantas outras, pode
significar coisas diferentes, às vezes até antagônicas, dependendo do contexto
como é empregada e da intenção de quem a pronuncia. Portanto, acredito ser
importante deixar claro sobre o que eu estou tratando.
Vontade se diferencia do desejo puro e simples, pelo fato deste ser desper-
tado sem qualquer determinação anterior. O desejo simplesmente surge. O que é
desejado não é planejado. É um mero sentimento de atração em direção a de-
terminados objetos ou pessoas. O desejo é despertado por razões inconscientes,
por mera reação natural, ou seja, por instinto, sendo algo de nossa estrutura bio-
lógica e cerebral mais básica.
A vontade, por seu lado, se refere àquilo que escolhemos, que decidimos
buscar. Ela é fruto de uma decisão inteligente, não de nossos instintos ou rea-
ções. Ela é algo absolutamente racional. Por isso, os objetos da vontade não são
aqueles que estão à disposição imediata, nem estão ao alcance, não podendo ser
possuídos neste momento. Os objetos da vontade referem-se àquilo que tenta-
mos alcançar, depois de algum tempo e esforço. É aquilo que é visualizado no
futuro e nos determinamos a possui-lo.
Por essa razão, os objetos da vontade não possuem uma atração natural,
não estão perto o suficiente para isso. Nós não somos conduzidos a eles por im-
pulso. Para a comida, a bebida, os objetos de prazer, somos lançados. Sequer
precisamos pensar neles. Nossa estrutura elementar nos empurra na direção de-
les, mesmo contra nossa vontade. Os objetos da vontade, porém, são criações
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mentais, frutos da razão, escolhidos pela inteligência. Por isso, apenas o esforço
consciente conduz-nos até eles.
E a partir do momento que os objetos da vontade são frutos de uma deci-
são inteligente, é certo que se tratarão de coisas superiores. Como ninguém quer
para si algo ruim, ninguém faz planos para prejudicar a si mesmo, conclui-se que
a vontade é a decisão por algo melhor.
Na verdade, em ambos, na vontade e no desejo, nos dirigimos para aquilo
que pressupõe-se melhor. A diferença é que quem toma a decisão no desejo é a
nossa natureza elementar, inconsciente, enquanto que na vontade somos nós
mesmos, com consciência e razão. No desejo trata-se de um desfrute, de um me-
lhor imediato. Na vontade, o melhor é diferido e exige que se faça algo para al-
cançá-lo.
É por isso que a vontade envolve nossos planos, nossos projetos, enfim, os
nossos sonhos. Também envolve aquilo que consideramos mais nobre, mais belo,
que entendemos superior. Na vontade, projetamos os que queremos alcançar e
nos determinamos a empreender o esforço necessário para isso.
A preguiça é dispersão
Quem, na hora exata de cumprir aquilo que está determinado, não se sente
impulsionado a fazer qualquer outra coisa, antes de começar? Navegar um pou-
co na internet, verificar as redes sociais ou ler um artigo que se lembrou naquele
instante; ou mesmo algum tipo de atividade mais importante, como organizar os
arquivos, ajeitar as pastas do escritório ou mesmo ler um algumas linhas de um
bom livro; pode ser ainda que se lembre de adiantar uma tarefa importante ou
colocar em dia uma obrigação que está atrasada. Não importa! O que caracteriza
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o elemento dispersivo não é sua qualidade intrínseca, nem sua importância ge-
ral, mas seu deslocamento no tempo - ele está sendo realizado no lugar de outra
atividade, sendo que esta sim é que deveria estar sendo feita.
É fato que a mente não suporta atitudes sem motivo. Mesmo quem decide
por nada fazer, encontra nisso boas razões. No caso dos elementos dispersivos
não é diferente. A justificativa ou racionalização sempre os acompanha. Invaria-
velmente, quem cede a eles faz isso utilizando dos melhores argumentos, dando
sobre a necessidade de executá-los boas explicações. O equívoco de sua escolha
normalmente só é percebido bem posteriormente, quando as consequências da
substituição materializam-se. E isto é bem típico de um elemento dispersivo: pa-
recer a melhor escolha no momento, para revelar-se em erro logo depois.
Mas não seria possível, para os elementos dispersivos, atrair com tanta efi-
cácia, se não houvesse, nas pessoas, uma tendência para a racionalização de suas
escolhas. Como o Dr. Leon Festinger descobriu em suas experiências, há uma ne-
cessidade de justificação daquilo que decidimos fazer, adquirir ou assumir em
nossas vidas. No caso da dispersão em relação às nossas obrigações não é dife-
rente. Quando deixamos de fazer algo, substituindo por uma outra atividade
qualquer, imediatamente iremos procurar justificativas que racionalizem essa es-
colha, dando a esta atividade alternativa valores que talvez ela não possua. Se
não fosse isso, os elementos dispersivos não conseguiriam atrair-nos com tanta
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eficácia. São essas justificativas que aplacam a culpa pela escolha dispersiva e
dão caráter de nobreza ao que se decidiu fazer, em lugar do que deveria ser fei-
to.
Parece claro, diante disso, a sutileza dos elementos dispersivos. Para enga-
nar mostram-se como atividades necessárias, fingindo que não são meros esca-
pes, dando a aparência de labor valoroso. Agem, pode-se dizer, diabolicamente,
já que o demônio costuma travestir-se de anjo de luz. Sendo assim, tornam-se
perigosos, pois carregam uma beleza que não lhes pertence, enredando aqueles
que agem inadvertidamente.
Como tudo na vida, levar-se pela impressão imediata pode ser perigoso.
Deixar-se seduzir pelo sentimento momentâneo costuma ser um erro. No caso
das obrigações não é diferente. A cessão em favor de um elemento dispersivo
quase sempre é um impulso, uma resposta imediata a uma provocação pontual.
Não é uma ação prevista, mas uma reação, simplesmente. E como todo ato irre-
fletido, cede ao gosto, à impressão, não à razão. O abandono da tarefa principal
por outra extemporânea geralmente é uma mera concessão ao sentimento mo-
mentâneo e, por isso, quase sempre equivocada.
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Livro III – Reflexões sobre a preguiça
A rotina
Não é difícil perceber que as pessoas, hoje em dia, veem a rotina do traba-
lho como um peso a ser suportado. O que antes era algo natural, agora é apenas
inevitável. No entanto, se pensarmos bem, vamos perceber que essa relação com
o trabalho não possui muita razão de ser. Inclusive, eu acho estranho quando
vejo alguém reclamando da rotina do seu trabalho. Parece até que ele fica so-
nhando com algo que possa fazer que jamais se repete, que a cada novo ato é
uma novidade, com algo sempre inesperado. Eu fico tentando me esforçar para
imaginar um tipo de trabalho assim. E, sinceramente, pode até ser que eu possua
uma imaginação muito fraca, mas não consigo vislumbrá-lo.
As pessoas costumam ter inveja daqueles que exercem atividades que apa-
rentemente não têm nada de rotineiro, como os artistas e os esportistas. No en-
tanto, só quem nunca foi artista ou esportista pode pensar algo desse tipo. Se as
pessoas soubessem o tanto de rotina, de repetição, de prática de pequenos atos
envolvem a atividade desse pessoal, talvez começasse a valorizar aquilo que eles
mesmos fazem. O que vemos nos campos e casas de espetáculos é apenas o pro-
duto final de um trabalho que envolveu muitos outros pequenos atos anteriores,
a grande maioria deles sem nenhum glamour e prazer.
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quem quer algo precisa trabalhar e isso significa que precisa repetir algumas coi-
sas diversas vezes até atingir aquilo porque o seu trabalho existe.
Mas eu entendo a aversão que as pessoas têm em relação à rotina. Se ela
existe em função de um resultado, a percepção que temos em relação a ela de-
pende da percepção que temos também do resultado. O problema é que, muitas
vezes, o resultado está tão distante e tão oculto que a rotina acaba perdendo
qualquer significação. Quando isso acontece, a rotina torna-se apenas um enfado
sem sentido, uma obrigação que se cumpre apenas por causa de uma recompen-
sa paralela que ela proporciona. Nela mesma, porém, não vê-se nada de atrativo.
Não vou ser hipócrita, falando algo apenas para agradar os leitores. Eu pre-
ciso aceitar que, realmente, há algumas atividades que são desestimulantes. Há
trabalhos que realizá-los parece não ter sentido algum, senão apenas cumpri-los
para receber o salário no final do mês. Por isso, é absolutamente compreensível
que algumas pessoas tenham verdadeira ojeriza ao cotidiano de seu trabalho.
De qualquer forma, boa parte daqueles que se dispõem a ler um livro sobre
a preguiça, não se encontram nessa categoria. Em geral, são pessoas que gostam
do que fazem ou, no mínimo, entendem a importância de suas atividades. Tam-
bém são pessoas que possuem objetivos e estão preocupadas exatamente porque
não estão conseguindo alcançá-los, por causa da preguiça.
Vale dizer, então, que o problema com a rotina está no fato de não a acei-
tarmos em sua verdadeira natureza. Sendo que a rotina nada mais é do que par-
te de um processo maior e inescapável e só tem sentido dentro desse contexto.
Se enxergarmos a rotina isoladamente, veremos nela apenas uma repetição en-
fadonha de atos, o que obviamente é insuportável. Se a observarmos, porém,
como parte da natureza do processo, então ela começa a tomar um sentido mai-
or e é este sentido que vai nos dar força para executá-la com alegria.
O processo
É óbvio que todo mundo gostaria de poder bater palmas três vezes e ver as
coisas se materializarem na sua frente. A fábula do gênio da lâmpada é fascinan-
te porque mexe com uma fantasia agradável e quando lembramos dela imagi-
namos o que faríamos se nos fosse concedida a possibilidade de fazer três pedi-
dos.
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Mas voltemos à nossa vida verdadeira e cresçamos. Gênios da lâmpada não
existem e se queremos obter qualquer coisa precisamos trabalhar. Com exceção
dos pouquíssimos agraciados com a fortuna que lhes caiu no colo, quase todo
mundo precisa exercer atividades que lhe possibilitem obter as coisas. E mesmo
os milionários por herança precisam fazer algo se quiserem ter o que desejam.
Trabalho é processo e processo é rotina. Quem não percebe que esses ele-
mentos são quase a mesma coisa acaba tendo uma visão equivocada da realida-
de. Não existe trabalho sem rotina, e toda rotina faz parte de um processo. As-
sim, se alguém quer obter algo deve preparar-se para fazer várias coisas repeti-
damente e para realizar diversas atividades pequenas e, aparentemente, sem re-
lação com o todo.
Isso é trabalho! E isso faz parte da vida! Não adianta fugir, não adianta se
iludir, não adianta ficar sonhando com um mundo onde as coisas se obtém ins-
tantaneamente. No mundo real, o esforço precede o resultado, da mesma manei-
ra que o impulso precede o movimento. Querer algo sem rotina, sem trabalho,
sem processo é apenas a demonstração de uma consciência imatura, como de
uma criança que acredita em gênios da lâmpada. Se bem que, pelo que me pare-
ce, nem as crianças têm acreditado nisso. Há, porém, alguns adultos que recla-
mam de suas rotinas, que sentem-se amaldiçoados em seu cotidiano, como se
fosse possível viver de outra maneira. São pobres de espírito! Não entendem que
o trabalho e a rotina que os envolve não é um azar, nem uma opção, mas parte
intrínseca da vida, aceitem isso ou não.
O mais saudável, portanto, é entender que tudo faz parte de um processo e
cada ato é um pequeno elemento desse processo. Melhor ainda é tomar consci-
ência que cada pequena atividade pode ser vista como um parafuso em uma
grande engrenagem. Talvez, olhando para ele assim, isoladamente, em sua pe-
quenez, seja difícil entender o valor que tem. Quando, porém, entende-se que
não há parafuso que não tenha uma função e que retirá-lo pode comprometer o
todo, talvez fique um pouco mais fácil de enxergá-lo em sua importância.
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mente cada uma de suas partes, para, assim, entender que cada uma delas tem
sua importância diante de todo e até tornam-se imprescindíveis para ele.
Ao fazer isso, quem sabe o relógio que desperta nas primeira horas da ma-
nhã não seja mais o prelúdio de uma tortura anunciada, mas passe a ser visto
como o despertar para mais um dia quando um pouco mais será feito em favor
de algo realmente importante.
O trabalho
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da que sejam igualmente preguiçosos, possuem a motivação infalível da ameaça,
o que não lhes permite manter-se inertes.
Muitos estudiosos do assunto vão, neste ponto, ensinar nossos pobres pre-
guiçosos a visualizar os objetivo que buscam, a mantê-los em suas mentes, a fa-
zer um exercício de meditação qualquer e, com isso, esperam que eles consigam
manter-se firmes no trabalho.
Ocorre que a preguiça não obedece esses ditames. Ela é sorrateira e surge
em um momento que pega a pessoa desprevenida. E, normalmente, ela carrega o
argumento infalível de que aquilo que não se está fazendo agora pode ser feito
amanhã, sem grandes prejuízos. Por isso, essa tática dos gurus da psicologia difi-
cilmente funciona.
Eu mesmo não tenho nenhuma fórmula para esse problema, senão tentar
fazer você entender que só há uma maneira de trabalharmos com afinco, com
constância e com persistência: por meio da santificação do nosso trabalho.
E apesar dessa expressão parecer um tanto religiosa - e o é!, ela revela exa-
tamente aquilo que quero dizer aqui. Quando eu falo em santificação, estou refe-
rindo-me àquele significado exposto na literatura cristã, que é de tornar a coisa
separada, como algo especial.
Algo santificado não é mais visto em sua utilidade, nem como mero meio,
mas passa a ter valor por si mesmo, não porque possui qualidades intrínsecas,
mas porque algo externo e superior assim lhe tornou.
No caso das coisas religiosas, elas são santificadas porque Deus assim as
fez. De alguma maneira, por sua vontade soberana, transformou-as em instru-
mentos úteis para seus propósitos.
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humana minimamente digna sem trabalho e, portanto, o valor do trabalho não
depende unicamente de sua utilidade, mas sobrevive independe dela.
Ao entender isso, é possível começar a vislumbrar o trabalho como algo
que possui valor próprio. Assim, ao levantar de manhã não é preciso praguejar
contra os céus, reclamando de mais um dia quando precisará cumprir obrigações
sem sentido e valor. Pelo contrário, deve agradecer a Deus a possibilidade de ex-
pressar sua humanidade no que ela tem de nobre, que é sua capacidade de em-
preender esforços racionais e úteis, para o bem de si mesmo, dos seus e de toda
a sociedade.
A associação
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trabalho apenas em relação ao esforço que ele exige e não suas outras caracterís-
ticas que podem ser mais positivas. Assim, o trabalho transforma-se em algo que
é preciso exercer, mas por obrigação e sem prazer. É apenas o preço que se paga
para a sobrevivência e para se obter o que deseja.
Para as pessoas de nosso tempo, muitas vezes, falta esse tipo de associação,
de ver o trabalho não apenas como um instrumento, mas como algo que tem a
ver com nossa missão neste mundo. Acontece que, não raro, elas não se identifi-
cam com o que fazem, não entendem seu labor como uma parte de sua missão.
Sequer conseguem ver a função de seus trabalhos na sociedade, restringindo-se
apenas aos atos imediatos deles, apenas ao exercício cotidiano e rotineiro das
tarefas.
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Parte IV - Causas da preguiça
Cultura do bem estar
Por quase toda a história, as pessoas viveram com a clara noção que a vida
não era um parque de diversões. Não que não houvesse prazeres e festas, mas
ninguém esperava que elas se tornassem o aspecto mais importante de suas vi-
das. Como os carnavais medievais, a diversão servia mais como uma válvula de
escape necessária, para que a vida cotidiana e as obrigações rotineiras pudessem
ser melhor suportadas.
Não há nem de falar-se em resignação, mas assim era a vida e revoltar-se
contra essa situação de nada adiantaria mesmo. De qualquer forma, a noção de
esforço e trabalho eram comuns, não havendo sequer algum tipo de indignação
quanto a isso.
Apenas em tempos mais modernos é que começou a haver uma crítica ao
trabalho, que passou a ser visto não mais como algo natural e necessário, mas
como uma obrigação imposta e inescapável, da qual deve-se aceitar mais por ne-
cessidade do que por natureza.
E também é destes tempos a ideia de lazer e diversão como aspectos impor-
tantes e apreciáveis em si mesmos, o que gerou uma sociedade que tem o prazer
como algo a ser buscado, muitas vezes de forma desenfreada e desmesurada-
mente.
Assim, se antes o trabalho fazia parte da vida, como algo inescapável e na-
tural, agora ele passou a ser apenas um interregno, muitas vezes enfadonho e
cansativo, entre os momentos de prazer e descanso.
Sendo assim, não estando mais no centro da vida do homem, ainda que
ocupe sua maior parte do tempo, não é de se estranhar que as pessoas tenham
mais dificuldades em manter-se firmes em suas atividades. O tempo todo, suas
mentes e corpos são instadas a buscar aquilo que lhes é mais importante, como o
prazer, o entretenimento e o descanso.
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Fica muito difícil, para o homem de nossos tempos, manter-se concentrado
no trabalho, absorto em seus afazeres, sem que brote dentro dele a provocação
que o desejo pela diversão e o lazer fazem.
Desatenção
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suas sugestões. Só a atenção pode identificá-lo e possibilitar a anulação de sua
movimentação.
Mas, para isso, é preciso aprender a observar o que acontece, a direcionar o
pensamento para uma coisa de cada vez. Até porque quem não sabe olhar para
uma coisa de cada vez, na verdade, não vê nada. Diante de sua vista há apenas
uma confusão de objetos, em sua mente reside somente um turbilhão de pensa-
mentos e sua memória não passa de um acúmulo de imagens turvas e disformes.
O pior é que é assim que normalmente as pessoas se colocam diante do cotidia-
no. Com suas cabeças contendo apenas um amontoado de pensamentos, elas
costumam manter-se na superficialidade das coisas. E ainda que arrisquem-se
em sonhos e novas ideias, não vão além de rascunhos que logo se apagam.
Até porque, quando algo é planejado, as tarefas necessárias para sua con-
quista são, nos momentos previstos para sua execução, o que há de mais impor-
tante. Tudo o que atravesse em sua frente e impeça que sejam realizadas é, de
alguma maneira, uma agressão, uma forma de desrespeito. Quem, portanto não
executa suas tarefas com a devida atenção oferece claras evidências de que não
dá uma verdadeira importância para aquilo. O desatento é como o mau adminis-
trador, que não cuida bem dos bens que lhe pertencem.
Há, nos elementos dispersivos, muitas intenções ocultas. Quase nunca eles
se apresentam com sua verdadeira natureza. Mas como o desatento não reflete,
mas age praticamente por automatismo, jamais consegue capturar o que há por
trás daquilo que aqueles elementos apresentam. Até porque o desatento não se
esforça por compreender, resignando-se com aquilo que lhe é aparente. Sendo
assim, nenhuma razão escondida lhe é revelada.
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A desatenção, portanto, é amiga da preguiça, servindo-lhe de facilitadora.
Por isso, quem quiser vencer essa dificuldade precisa começar a olhar as coisas,
não apenas de relance, não superficialmente, mas com o devido cuidado, procu-
rando entender o que cada uma é e porque ela está ali.
Ambiente estimulante
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O que realmente diferencia-nos é o ambiente. Sim! Aqueles homens, apesar
de possuírem condições materiais para o trabalho bem inferiores que as nossas,
eram bem menos assediados por elementos dispersivos do que nós somos.
Não que sejamos piores que aqueles antigos. Pelo contrário! A natureza
humana não mudou muito desde sua criação. O ambiente em que o ser humano
vive, porém, alterou-se profundamente e o que antes era uma mera sugestão,
hoje tornou-se quase uma irresistível provocação.
Para finalizar este capítulo, é possível, e com razão, que alguns leitores le-
vantem uma objeção ao que apresentei aqui, afirmando que cometi o erro de
comparar pessoas comuns com os grandes mestres do passado e que isso real-
mente não é justo, afinal, hoje também haveria alguns superdotados que conse-
guem produzir tanto ou mais do que aqueles antigos. Tal objeção, porém, é qua-
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se correta. Realmente, se eu comparar as pessoas comuns de um tempo com os
grandes de outro tempo, estarei sendo injusto. No entanto, se observarmos bem,
os tempos modernos não forjaram mais ninguém que conseguisse produzir como
aqueles. Isso não é mero sinal de uma decadência cultural, mas informa algo
também das condições ambientais destes novos tempos. No passado, não foram
apenas alguns poucos mestres que criaram obras colossais, mas uma infinidade
de escritores, artistas e trabalhadores que fizeram coisas impensadas para qual-
quer mortal de nosso tempo.
Inconsciência
Quem não presta atenção ao que faz costuma também esquecer os motivos
porque faz as coisas. E como agindo por instinto, de maneira automática, apenas
conduzido por sua inconsciência, não costuma lembrar da importância do seu
trabalho, tornando-o, assim, uma vítima fácil dos elementos dispersivos. Quando
o valor de uma coisa não vêm constantemente à consciência, a todo instante
qualquer outra coisa estará apta a substituí-la.
Quem não lembra porque está fazendo algo, por não reavivar as razões de
suas ações, costuma encher-se de outros pensamentos. Fazendo isso, perde a ca-
pacidade de dar prioridade ao que realmente importa, pois, em sua cabeça, to-
das as coisas acabam ocupando o mesmo espaço. De fato, a mente dele caracte-
riza-se por confusão.
Indiferentismo
A pessoa que age dessa maneira não é capaz de perceber que há momentos
que são únicos, que merecem uma entrega total e a exclusividade dos esforços.
Para ela, que não ultrapassa a superficialidade das coisas, todos os instantes são
iguais. Ela não se aprofunda, pois isso lhe requer dedicação. Assim, parece sem-
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pre agir como se atuasse desde fora, sem jamais se envolver de verdade com o
que está fazendo. Para ser o guardião de algo, é preciso colocar-se diante dele,
até dar a vida por ele. Mas quando a pessoa apenas age segundo seus impulsos,
não se compromete e deixa desguarnecido o que deveria cuidar.
Tudo tem seu próprio espírito, que é o sentido de sua existência. No entan-
to, muitas pessoas contentam-se em viver apenas as aparências exteriores, ape-
nas aquilo que apresenta-se aos olhos. Por isso cansam-se rápido e por isso são
facilmente desvirtuados.
A vida está repleta de momentos, mas seu valor reside no quanto cada um
deles manifestou-se em toda sua força. Pode-se passar a existência fazendo mi-
lhões de coisas, sem fazer nada que realmente seja marcante. Há a possibilidade
também de transformar cada atividade em uma pequena história, que se consti-
tuirá um fragmento importante da narrativa final de uma vida cheia de sentido.
Sentimentalismo
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O problema é que com um pensamento assim é impossível vencer, não
apenas a preguiça, mas diversas outras dificuldades que encontramos em nossa
vida, exatamente por darmos vazão exagerada ao nossos sentimentos.
Não que eu acredite que a razão deva ser a única a ser considerada em
nossas vidas. Somos seres completos e a emoção e os sentimentos fazem parte de
nossa estrutura, sem as quais não somos totalmente humanos. No entanto, sou
convicto de que o que deve nos guiar é aquilo que nós temos de superior e nada
nos torna mais superiores do que nossa capacidade de pensar.
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pirações e os desejos costumam ser úteis como auxiliares na busca por nossos
objetivos. Eles apenas não podem se tornar os senhores dos nossos atos.
Paixão
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Se dependermos, portanto, da paixão, estaremos certamente sujeitos à pre-
guiça, pois quem pode garantir quando estaremos apaixonados para executar as
tarefas que precisamos fazer? Se confiarmos demasiadamente nas paixões, é cer-
to que seremos apenas aqueles que quase fazem muitas e grandes coisas, mas
que, no final, não constróem nada de mais importante.
Fuga da dor
Ninguém gosta de sentir dor, a não ser que seja um masoquista. Evitar a
dor é um impulso de sobrevivência, pois a dor está relacionada, normalmente,
com um perigo ou um mal. Portanto, é absolutamente natural tentarmos evitar
aquilo que nos causa desconforto e incômodo.
Por outro lado, não há nada que possamos fazer de importante que não exi-
ja de nós esforço, que acarrete algum tipo de penosidade. E quanto maior for o
objetivo a ser alcançado, quanto mais importante ele pareça ser, a regra é que
exija ainda mais esforço e, portanto, mais dor.
As pessoas de hoje tentam afastar tanto a dor de suas vidas que o menor
indício de sua aparição já lhes causa terror. Na verdade, elas fingem que a dor
sequer existe e quando ela aparece assustam-se como se diante de um fantasma,
de um monstro.
Agora, imagine pessoas que fingem que a dor não existe, pensando nela
apenas quando encará-la é inevitável e despendendo todos os esforços para li-
vrar-se dela o mais rápido possível. Pessoas assim acabam absurdamente fragili-
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zadas e completamente despreparadas para enfrentar as dificuldades do cotidia-
no. Mais ainda, tornam-se inaptas para encarar de frente os desafios mais difí-
ceis. Basta um contratempo e sucumbem.
Vencer a preguiça passa muito por estar disposto a encarar a dor, por acei-
tar sofrer um tanto, pois todo trabalho demanda esforço e sacrifício. Nada se re-
aliza sem suor e às vezes sangue. E quanto maior o empreendimento, mais so-
frimento provavelmente será necessário.
Quando nega-se a dor, quando o maior objetivo da vida é fugir dela, pouco
é possível realizar. Quem vive assim, o tempo todo, cederá às tentações dispersi-
vas que têm como principal objetivo, exatamente, fazer escapar do que cansa e
causa incômodo.
Para vencer a preguiça é preciso aceitar que a dor faz parte da vida. Que o
sacrifício é algo inerente a ela. Que a inércia não oferece nada e apenas a dispo-
sição para submeter-se ao desagradável possibilita construir alguma coisa.
Quem apenas quer escapar do problema, cria outros problemas ainda mai-
ores.
Sacrifício
É verdade que a busca da felicidade é tão natural ao ser humano que pode-
se dizer que faz parte de sua própria estrutura psíquica. Não há quem não queira
ser feliz, por mais que os conceitos de felicidade possam variar indefinidamente.
O fato é que todos querem o melhor para si mesmos e não há quem, em posse de
sua sanidade, queira infligir contra si algum tipo de prejuízo.
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Quando não há mais a expectativa da felicidade, o que a substitui não é a
tristeza, mas a busca constante do prazer, como um simulacro da alegria que
acreditava antes poderia ser alcançada pela plenitude do estado feliz. Então, o
que anteriormente era visto como necessário para um dia alcançar a felicidade,
agora torna-se perda de tempo. A noção do sacrifício, portanto, desaparece e
tudo o que se faz exige alguma recompensa, se não imediata, ao menos não dis-
tante.
Assim, com a perda da noção do sacrifício, todos os atos deixam de ser uma
entrega abnegada por uma recompensa possível, mas apenas tem valor se apre-
sentarem um resultado palpável. Ninguém mais está disposto a entregar-se por
algo futuro e maior, mas todos precisam saber que o que fazem é realmente útil -
imediatamente útil.
O sacrifício, por definição, é uma entrega e nada garante que será recom-
pensado. O sacrifício, na verdade, envolve mais a doação do que o serviço. Nes-
te, o que se faz tem o intuito de ganhar algo como contraprestação, enquanto no
sacrifício faz-se tudo por algo, sem expectativa de retorno.
Mas para um mundo onde tudo tem seu preço e os valores superiores já
não importam tanto, senão dentro de uma esfera muito privada e subjetiva, o
sacrifício restringe-se para pouquíssimas situações e pouquíssimas pessoas.
Diante disso, encontramo-nos em uma sociedade que olha cada ato segun-
do sua utilidade e segundo a eficácia que promete alcançar. As pessoas, então,
acostumam-se a trabalhar muito mais pela recompensa do que pelo valor intrín-
seco do próprio labor.
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O trabalho, assim, não é visto mais como uma missão ou vocação, mas
apenas em seu aspecto de utilidade. E, dessa maneira, pouca energia sobra para
lutar, principalmente, por aqueles resultados que encontram-se no futuro, onde
há apenas a expectativa remota de usufruir de seus frutos.
Imediatismo
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Pensando bem, a preguiça é um tipo de imaturidade, como de uma criança
mimada que não aceita um não como resposta, que exige de seus pais o brin-
quedo que viu na prateleira e faz de tudo para obtê-lo, naquele momento, do
que jeito que for.
É que o preguiçoso não aceita o não como resposta. Ele não pensa que tal-
vez seja melhor deixar para depois tais prazeres. É-lhe inconcebível não gozar do
que está à disposição para ser usufruído.
Para o preguiçoso nenhuma oportunidade pode ser perdida, mas só as pen-
sa de acordo com o que se apresenta diante dele. Sua maior dificuldade é pensar
que no futuro poderá usufruir de muitas coisas e evitar muitos problemas. Ele,
na verdade, só tem olhos para o agora e vive como seus dias sempre como se
fossem os últimos.
Impaciência
Para vencer a preguiça, portanto, é preciso ter força para renunciar um de-
sejo presente, ou melhor, a uma satisfação atual em favor de algo futuro. Mas,
sejamos sinceros, quem tem força para isso hoje em dia? Não estamos nos tem-
pos quando a entrega para o sentido é quase uma obrigação e a negação do pra-
zer vista como estupidez?
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Em um mundo assim, aprendemos que usufruir do que nos é oferecido é
um direito e um direito não deve ser negado. Pelo contrário, a cultura dos direi-
tos permeou nossa sociedade de tal forma que não há quem não acredite que
eles vêm antes de quaisquer obrigações e responsabilidades. Todo mundo está
pronto para reivindicar aquilo que acredita ser seu e aprende que renunciá-lo é
ingenuidade. Poucos estão dispostos a abrir mão do que pensam lhes pertencer,
enquanto muitos estão bem alertas para o que devem reclamar. Nesse ambiente,
as pessoas aprendem a não rejeitar nada e a estarem sempre prontos para gozar
do que está disponível. Sendo assim, torna-se quase impossível negar os prazeres
que se apresentam, o bem estar prometido pelas tentações dispersivas, quando o
costume é o de nunca renunciar a algo que pode ser usufruído.
Junto a tudo isso há também o fato de ter sido desenvolvida em nós a ideia
que tudo o que permanece constante durante algum tempo está, na verdade, pa-
ralisado. Toda a louca velocidade do mundo moderno tem nos ajudado a desen-
volver esse pensamento. Para os olhos contemporâneos, só é bom o que muda,
só tem valor aquilo que vemos melhorando. Todavia, é comum que trabalhos
importantes sejam compostos de vários atos sucessivos, que podem ter uma lon-
ga duração, que não apresentem nenhum resultado aparente durante um tempo.
Para a percepção atual, porém, se não há mudança, se os resultados não podem
ser vistos então não há valor e provavelmente trata-se de algo sem importância.
Não é por acaso que temos tanta dificuldade em permanecer constantes, pois
aquilo que não se mostra imediatamente nos parece estagnado e o que não evo-
lui não tem força para estimular o nosso esforço.
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Todas essas coisas nos tornam impacientes demais para aguentarmos a ro-
tina do trabalho repetitivo e constante durante muito tempo. Queremos tudo rá-
pido e agora, mas as grandes coisas não são conquistadas assim.
Pressa
Com esse vício impregnado em nossa alma, fica muito difícil resistir as su-
gestões dos elementos dispersivos. Quando estes aparecem, insinuando-se, como
é de seu costume, tendemos a nos entregar a eles, porque é isso que estamos
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acostumados a fazer. Entre permanecer firme em um trabalho que não traz qual-
quer resposta factível e sensível e pular para algo que oferece imediatamente,
como alívio, o prazer, o corpo, que está tão acostumado a ter tudo que quer na
hora, vai possuir pouca força de resistência.
Superficialidade
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guém superficial cede facilmente à boa aparência dos elementos dispersivos,
porque é assim que acostumou-se reagir quando algo se insinua a ele.
E somos superficiais porque valorizamos as sensações exteriores, aquelas
que podemos sentir na pele e nada mais profundo que isso. Na verdade, vivemos
em um mundo de sensações, de cheiros, de explosões visuais, de cores artificiais
que o tornam excessivamente estimulante. Isso faz-nos menos propensos à inte-
riorização, desacostumando-nos da prática do olhar interior, do vasculhamento
de si mesmo. Sem contar que nossa sociedade tem reconhecido as aparências e
premiado o supérfluo. Tudo nela, portanto, leva-nos à superficialidade e preci-
samos lutar muito para fugir desse destino.
Assim, acabamos por não nos aprofundar em nada, fazendo tudo com pres-
sa e sem a devida reflexão. Processamos milhares de informações inúteis, con-
sumimos imagens e notícias irrelevantes e, com isso, sobra-nos muito pouco
tempo e energia para o que realmente importa. Acabamos, dessa maneira, por
nos acostumarmos a responder a tudo rapidamente, de maneira que não há es-
paço para a devida reflexão.
O fato é que, para a maioria das pessoas, intelecto e razão são tidos como
algo frio e insensível. O erudito é visto como alguém sem sentimentos e o ho-
mem de cultura como quem não tem emoções. Tudo o que envolve esforço inte-
lectual é tido por sacrificante e o que exige raciocínio como enfadonho e cansati-
vo. Se alguém passa mais tempo lendo do que se divertindo, se envolve mais
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com interesses intelectuais do que com as diversões disponíveis, é tachado rapi-
damente de excêntrico. O que importa mesmo é o que causa respostas sensíveis,
sensações corporais gostosas e satisfações físicas.
Pessimismo
Isso ocorre dessa forma não por causa de alguma força invisível que vai
carregar seus pensamentos e fazer com que eles se materializem, mas porque o
pessimismo é talvez o maior gerador de obstáculos internos que alguém pode
carregar em sua própria vida. Muita gente é preguiçosa, simplesmente, porque é
pessimista.
Sem contar que o pensamento negativo cria monstros. Sua maneira de ra-
ciocinar não apenas antecipa o problema, como torna-o, invariavelmente, maior
do que ele realmente é ou mesmo imagina um obstáculo onde talvez ele nem
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exista. Com isso, tudo fica mais difícil, mais pesaroso, mais cansativo do que de-
veria ser, na verdade.
Assim, querer cumprir tudo o que deve ser cumprido raciocinando dessa
maneira torna-se uma ilusão. O que acontece é que quem pensa negativamente
dificilmente consegue realizar muitas coisas, pois, se elas já possuem algum grau
de dificuldade, diante deles tornam-se verdadeiras fortalezas a serem transpos-
tas.
Confusão
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Porém, como fazer isso quando estamos desnorteados, sem entender o que acon-
tece a nossa volta, sem compreender como realmente as coisas são?
Estamos confusos e não sabemos bem o que queremos. Vivemos um dia
após o outro, em uma sequência de rotinas sem sentido. Somos conduzidos, in-
variavelmente, pelas sensações, deixando com que as circunstâncias da vida nos
carreguem. Há nisso pouca deliberação e muito abandono. Faltam-nos objetivos
superiores, para os quais possamos nos dirigir, sobrando apenas as pequenas me-
tas diárias, que são pobres e vazias de significado.
E por sermos assim confusos, ficamos fragilizados diante das tentações que
nos provocam a abandonar o que devemos fazer por algo mais palpável. Como
não sabemos o que queremos, cedemos para aquilo que primeiro se nos apresen-
ta.
Além disso, toda essa confusão que nos acomete impede de nos mantermos
constantes em um trabalho, persistentes em uma direção. Se nada nos é claro,
não há força, nem motivação, para empreendermos os esforços necessários. Fi-
camos assim impedidos de usar as armas que nos ajudariam a vencer a preguiça,
armas que nos dariam o devido foco e uma definida direção.
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Desmotivação
O que faz alguém levantar cedo, encarar a luta cotidiana, enfrentar as bar-
reiras que se impõem, ter razões para fazer algo mais que o normal e até ultra-
passar limites é possuir uma boa motivação. Uma pessoa motivada é incontrolá-
vel e supera até aquilo que parece insuperável. Tanto que os gurus da produtivi-
dade e quase todo tipo de literatura de autoajuda estabelecem alguma maneira
de inocular motivações das mais diversas nas mentes de seus leitores e ouvintes.
Assim, nada vale a entrega. Se não vemos valor eterno em nada, para nada
nos dispomos a doar-se plenamente. Menos ainda seremos capazes de nos anular
pelo outro ou por algo. É a nossa satisfação que está em primeiro lugar, somente
a nós mesmos expressamos verdadeiro amor, porque somente em nós encontra-
mos algo duradouro.
Como vencer a preguiça assim, se para isso é preciso deixar de lado nossos
desejos mais imediatos e dedicar-se por algo que será colhido apenas em um fu-
turo, muitas vezes, remoto? Como negar a ação dos elementos dispersivos, se
para manter-se firme em algo que é, muitas vezes, enfadonho e tedioso, é preci-
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so amá-lo quase que incondicionalmente? Se nos falta amor então não temos a
principal arma para deixarmos de ser preguiçosos.
Perfeccionismo
Quando ela me falou, realmente suas palavras não puderam ser contradi-
tadas por mim. Porque elas confirmavam algo que, apesar de não tê-las expres-
sado e nem sequer pensado claramente, vieram ao encontro daquilo que eu, lá
no fundo, sabia que era verdade. Não havia razão alguma para eu refazer tantas
vezes os meus trabalhos, nem motivos convincentes que justificassem tantas mu-
danças. As próprias pessoas que os liam afirmavam que estava tudo bem feito.
Mas eu, em meu perfeccionismo, sempre encontrava uma desculpa para começar
tudo de novo, de uma maneira que nunca terminava o que deveria fazer.
Casos como esse podem bem ser confundidos com preguiça. E, por uma
certa perspectiva, principalmente aquela que estou apresentando aqui neste li-
vro, o é. Na verdade, é mais uma das maneiras que nossa natureza usa para evi-
tar aquilo que ela entende que deve evitar. No caso, não é fácil saber o que ela
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está querendo afastar - pode ser o medo de enfrentar a crítica pública, pode ser o
receio de encarar o mercado, depois que a obra está pronta, ou qualquer outra
razão que a natureza invente para evitar que o trabalho finalize. Seja como for, o
perfeccionismo, longe de ser a característica daqueles que sempre buscam o me-
lhor, geralmente é apenas uma forma de continuar não realizando aquilo que
deve ser feito.
O pior é que mesmo depois que tomei consciência dessa realidade, ainda
me vejo sendo provocado por esse desejo louco de recomeçar os trabalhos que já
comecei, principalmente quando eles já encontram-se em estágios avançados de
produção. Este livro mesmo, pode ter certeza, passou por algumas revisões que
provavelmente não eram necessárias.
O prazer
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Há, ainda, um prazer que muitas vezes é esquecido como tal e relegado
apenas como uma obrigação a ser suportada: o trabalho. Sim! O trabalho é tam-
bém um prazer e talvez um dos maiores entre eles. Só que, para entendê-lo as-
sim, é preciso desapegar-se de algumas ideias que povoam a mente das pessoas e
que apenas afastam-nas de sua verdadeira natureza.
Não quero aqui parecer artificial e dar a ideia de que não percebo que há
trabalhos onde as chances de realização são maiores que dos outros. De qual-
quer forma, independente do que você faça, não existe nenhuma atividade que
não proporcione algum tipo de benefício para a sociedade. Sendo assim, tente
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entender bem a natureza do que você faz e encontre nisso a razão para trabalhar
cada vez com mais afinco e alegria.
Liberdade
Realmente, não há nada de errado em querer ser livre. Até porque, todos
precisam de alguma liberdade para poderem viver suas vidas, desenvolver sua
existência e procurar aquilo que desejam. O que não podem, sob pena de frus-
tração, é iludir-se, acreditando que a liberdade é um bem absoluto.
Quem quiser manter a sanidade deve entender que ao mesmo tempo que
ansiamos pela liberdade, nunca a teremos plenamente. A ideia quase anárquica
de liberdade plena e absoluta é um equívoco. A vida, por definição, possui limi-
tações intrínsecas, que jamais serão superadas. Conviver com isso, portanto, é o
princípio da sabedoria.
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Como diz Jules Payot, a liberdade não é um direito, mas uma conquista. Ser
livre não é viver sem qualquer limitações - o que jamais acontecerá, mas aceitá-
las como parte da existência e aproveitar os espaços permitidos, direcionando-se
com inteligência por eles.
Quem não faz isso, mas apenas fica se debatendo, como um animal selva-
gem enjaulado, contra as grades impostas pela vida, nada conquista, menos ain-
da qualquer liberdade. Pelo contrário, tende a machucar-se, por não saber acei-
tar como as coisas são, desenvolvendo frustração e tristeza.
Muito da preguiça vem disso. Crendo-se livres por direito, muitas pessoas
acham que não podem impor sobre si mesmas qualquer regramento, qualquer
direcionamento. Acham que devem seguir seus desejos e fazer as coisas quando
tiverem vontade de fazer, afinal, são livres.
Assim, acabam por, ainda que não queiram, serem tomadas por um outro
tipo de aprisionamento, que é aquele gerado pelas suas próprias fraquezas e sua
própria tendência ao inferior. Por não se prepararem, acabam engolidas pelas
circunstâncias e aquela liberdade que deveria gerar mais ação, acaba se tornan-
do a causa da inércia.
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Descanso
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cultura sobressalente, que passa a julgar o trabalho em excesso como ganância e
a tratar o descanso como um bem a ser buscado, com o fim de proporcionar
saúde física, psíquica e espiritual.
Quando lutamos contra uma tentação, que aqui eu chamo de elemento dis-
persivo, várias sugestões surgem em nossa cabeça, tentando convencer-nos que
ceder a ela não é algo ruim. Por isso, é importante ter bem claro, antecipada-
mente, qual é a verdadeira natureza desse elemento, para não deixarmos con-
fundir-nos. Se, porém, não entendermos o descanso como ele verdadeiramente
é, a saber, apenas uma pausa entre trabalhos e não um bem em si, ficará mais
difícil negar seus apelos.
Por isso, o descanso não deve ser almejado, mas planejado como parte das
atividades que praticamos. Muita gente erra ao pensar seu dia de trabalho sem
considerar a necessidade das pausas. Elas devem fazer parte da jornada, porque
possuem sua utilidade e função.
No entanto, é preciso também refletir sobre essa cultura do bem estar, que
valoriza demasiadamente os prazeres inferiores, tornando assim o descanso
como algo a ser almejado desesperadamente. Ninguém vence a preguiça se não
fizer isso. Apenas é capaz de trabalhar com afinco e com persistência quem en-
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tende que o valor maior está nos trabalhos que realiza e não nos intervalos entre
eles.
Planejamento
É muito fácil chegar aqui e falar que muito dos problemas enfrentados pe-
las pessoas em relação à capacidade de manter-se firmes em seus trabalhos é a
ausência de um plano bem feito. Diversos especialistas no assunto vão, então,
oferecer métodos de planejamento que prometem ajudá-las a enfrentar o pro-
blema de não conseguirem fazer aquilo a que se propõem.
Não serei leviano em dizer que tais métodos não funcionam. Pelo contrário,
muitos deles são realmente muito bons. Até porque este capítulo pretende real-
çar exatamente isso: que a falta de planejamento é um dos motivos principais
que levam as pessoas a agiram de maneira preguiçosa.
Assim, quem deixa para decidir o que fazer apenas no momento de fazer
vai, invariavelmente, escolher aquelas atividades menos chatas, que exijam me-
nos concentração, que são mais fáceis de ser executadas.
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que vai acontecer é o que ocorre com todo preguiçoso: o que deve ser feito, de
verdade, vai sendo adiado indefinidamente, fazendo com que o resultado que se
busca também seja lançado para um futuro remoto, até que, de uma vez por to-
das, se perca.
Planejar o que deve ser feito não é apenas uma questão gerencial, mas é
uma maneira de antecipar-se contra o maior amigo da preguiça: a provocação
dos elementos dispersivos. Quem planeja tem maiores chances de não ceder
porque delibera, antecipadamente, sobre o que vai fazer, não abrindo brechas
para que as tentações dispersivas lhe sugiram saídas alternativas.
Como é possível ver nisso tudo, o planejamento pode não ser a solução
para todos os problemas e, muitas vezes, é verdade, caem por terra no primeiro
momento que é testado. Porém, de qualquer forma, sua existência é um passo
importante na luta contra os ataques dos elementos dispersivos.
Hierarquização
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O fato é que se algo for passível de ser excluído do processo em direção ao
resultado final, é sinal que, na verdade, não tem importância, ou, pelo menos,
possui uma importância muito relativa e dependente de outros fatores.
Todavia, o mais importante aqui é entender que cada pequeno ato dentro
do processo tem quase que uma importância vital, independente de ser algo
grande ou uma pequena tarefa.
Porém, sua importância não pode ser medida apenas pela sua contribuição
ao conjunto, mas uma outra forma de entendê-la que é crucial para bem realizá-
la. Para isso, as perguntas que devem ser feitas são: o que deve ser feito neste
exato momento? Qual das atividades necessárias para obter-se o resultado deve
ser realizada agora?
Assim, saber decidir, para cada momento determinado, o que deve ser fei-
to, pensando no bem do conjunto e na necessidade temporal, é uma antídoto
importante contra o veneno da tentação de fazer qualquer outra coisa que não
vai contribuir em nada para o resultado buscado.
O que, porém, deveria ser objeto de estímulo e impulso à ação, pelo contrá-
rio, tem levado as pessoas à indecisão. E este paradoxo tem feito com que, em
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vez de acharem mais fácil a escolha, se paralisem diante da diversidade com a
qual se deparam.
A razão para que isso ocorra, porém, não é nenhum mistério. Acontece as-
sim: quando nos deparamos com diversas opções e precisamos escolher uma de-
las, imediatamente entramos em um tipo de estado de tensão, que anseia por ser
solucionado. O problema é que, em estado de tensão, não conseguimos pensar
direito. Daí, com a mente entenebrecida, não é mais a razão consciente que atua,
mas a natureza inconsciente toma a dianteira do ato. E, neste estado, a tendên-
cia sempre vai ser pela busca do mais fácil, do mais agradável, daquilo que apa-
rentemente resolverá mais rapidamente a tensão.
Assim, a chance de fazer a escolha correta, diante do leque de opções que
se apresenta, é mínima. O mais comum, de fato, é acabar escolhendo por aquela
que é menos estressante e, provavelmente, menos importante para aquele de-
terminado momento, ou, então, por alguma outra coisa que não estava no car-
dápio inicial, mas que vai servir como algo aliviador naquele instante.
Ao fazer isso, o que ela precisa é apenas a força de vontade adequada para
cumprir aquilo a que se determinou, segundo a hierarquização feita previamen-
te.
Por outro lado, é exatamente a falta dessa hierarquização que faz muitas
pessoas não conseguirem executar as tarefas necessárias para encontrar seus ob-
jetivos. Como não preveem o que vão enfrentar, deixando para apenas em cima
da hora decidir o que fazer, sofrem os efeitos da tensão da escolha, deixando,
assim, de agir de uma maneira consciente e racional.
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Autoconfiança
Mas o mundo de hoje promove essa insanidade e exige que cada um confie
em si mesmo de maneira incondicional. Isso gera nas pessoas, obviamente, uma
imagem distorcida, supervalorizada, que ignora as dificuldades inerentes e ines-
capáveis.
Não que eu seja um pessimista inveterado e ache que os homens são inca-
pazes e impossibilitados de grandes conquistas. No entanto, também tenho plena
consciência das limitações intrínsecas que todos possuímos e, ainda mais impor-
tante, das tendências que temos.
Sendo assim, seria até ingênuo acreditar que vencer a luta contra a pregui-
ça é algo fácil, que basta um pouco de força de vontade e esforço e isso vai acon-
tecer de qualquer maneira. Pensar assim é demonstrar desconhecimento de
quem somos e das dificuldades intrínsecas que possuímos.
O fato é que essa autoimagem distorcida faz crermos que temos mais per-
sistência do que realmente temos, que somos mais atentos do que realmente so-
mos, de que temos mais força do que realmente temos e que possuímos mais ca-
pacidade de concentração do que realmente possuímos. Esse erro de avaliação
acaba levando-nos a olhar para nossas capacidades e natureza de maneira exces-
sivamente otimista, o que é prenúncio certo de frustração.
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Quando pensamos em nós no futuro, idealizamos nosso eu, visualizando
alguém, normalmente, muito melhor do que somos de fato. Também idealizamos
o ambiente, pensando nele como perfeito, sem distrações, sem surpresas, sem
incômodos.
A chance disso dar errado, obviamente, são imensas e não é por acaso que
caímos tão facilmente nas armadilhas da preguiça. A realidade costuma ser mui-
to mais difícil, complexa e variável do que a imaginamos quando estávamos de-
cidindo como faríamos as coisas e, por isso, acabamos ficando desguarnecidos
ante a forma como ela se impõe.
Autoconhecimento
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Como eu já disse, é importante planejar antes de agir. Deixar para escolher
em cima da hora o que deve ser feito é a fórmula para a má escolha, é o cami-
nho mais fácil para ceder às tentações dos elementos dispersivos.
E isso acaba sendo uma das causas mais comuns da preguiça, pois, quando
chega o momento de cumprir a tarefa, não temos a energia que esperávamos ter,
nem a concentração que achávamos que teríamos, mas tudo parece bem mais
difícil e complicado do que quando estávamos planejando as tarefas.
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Conclusão
De fato, a preguiça não é algo a ser combatido de frente. Até porque, sorra-
teira que é, sua forma de atuação é sempre sutil e quase imperceptível. Quem
quiser vencê-la, portanto, precisa mais de percepção que de força, mais de sensi-
bilidade que de músculos.
Toda reflexão que fiz aqui, apesar de não abarcar todos os motivos que le-
vam as pessoas a serem preguiçosas, ao menos levanta algumas razões que, se
bem observadas, podem ser suplantadas pela consciência. Assim, quem começar
a prestar atenção em si mesmo vai detectar muitos dos motivos que tracei e, a
partir daí, estará apto a combatê-los com inteligência.
A última coisa que eu espero, porém, é que as pessoas deixem de, em al-
guma medida, serem preguiçosas. Às vezes, sair do planejado, deixar-se levar
pelo impulso ou por um desejo momentâneo é saudável. No entanto, o que eu
pretendo ter ajudado é em fazer as pessoas refletirem sobre as razões porque a
preguiça se manifesta e, assim, colaborado para que elas possam superar essas
dificuldades.
Podemos tratar a preguiça como algo prosaico e até sem importância. Po-
rém, os efeitos de uma vida preguiçosa podem ser muito mais sérios do que, à
primeira vista, podem se apresentar.
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