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O legado que mantém Florestan Fernandes vivo – Por Miriam Limoeiro Cardoso
12/8/2010
Há quinze anos, a morte tirou Florestan do nosso convívio. Já faz tanto tempo, e
Florestan continua fazendo tanta falta, com sua lucidez, sua coragem, sua inteligência
e sua integridade, buscando sempre encontrar a raiz dos grandes problemas postos
no seu tempo, tentando problematizá-los de maneira mais consistente tanto teórica
quanto politicamente, apontando assim novos caminhos para enfrentá-los, tendo
sempre como norte as possibilidades da construção de uma sociedade nova,
socialista. Florestan fala de “utopias igualitárias e libertárias, de fraternidade e
felicidade entre os seres humanos”.
Guardamos dele sua lembrança e seu exemplo. Acima de tudo, porém, podemos
mantê-lo presente (a nós e, principalmente, às nossas lutas) por meio do legado que
nos deixou com os seus escritos. Aí suas idéias, suas formulações e seus embates –
teóricos e políticos – continuam vivos, atuais, presentes, motivadores. Aí podemos
continuar a falar de Florestan no tempo presente, e assim recolher seu ensinamento
para enriquecer o pensamento e para clarificar o encaminhamento das lutas que o
presente requer.
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Florestan Fernandes construiu uma obra que o transcende como pessoa e que contém
contribuições teóricas e metodológicas de grande relevância para as Ciências Sociais.
Sua obra não faz dele apenas um grande sociólogo no Brasil, mas o inscreve entre os
grandes sociólogos das Ciências Sociais em nível internacional.
Esse tipo de pesquisa científica, abrangente e crítica, bem como o magistério que o
acompanhava de perto, onde mais poderiam ser realizados a não ser na universidade
pública? Em 25 de abril de 1969, com base no Ato Institucional nº 5, a ditadura
imposta no Brasil pelo golpe civil-militar de 1964 excluiu Florestan Fernandes do
serviço público em todo o território nacional. Cortava assim irremediavelmente a
continuidade de pesquisa científica importante, conduzida por ele e por seus
assistentes e colaboradores mais próximos, pesquisa que era resultado de trabalho
longamente acumulado em instituição acadêmica superior que, enquanto instituição
pública de ensino superior, se supunha resguardada em sua autonomia pedagógica,
didática e de pesquisa. Mas tal suposição o arbítrio da ditadura revelou ser
equivocada.
Com essa exclusão, Florestan perdeu o locus próprio para exercer o seu ofício como
cientista. Precisou redimensionar suas atividades. Continuou suas pesquisas, mas
desde então sem a interlocução permanente e sistemática de seus colegas e
colaboradores e de seus estudantes, e sem apoio institucional, portanto de forma
mais dispersa e descontinuada. Mesmo assim, retomou o seu trabalho
individualmente, seguiu pesquisando e publicando os resultados de seus estudos,
produzindo análises sempre lúcidas, perspicazes e iluminadoras.
A educação foi sempre um tema muito caro a Florestan, tema sobre o qual ele
elaborou uma extensa e fecunda produção. Se há um fundo comum a essa produção,
ele se forma em torno da educação pública gratuita de alta qualidade e altamente
democratizada. Afinal, a escola pública e as bibliotecas públicas foram fundamentais
para a vida de Florestan, aquele jovem de origem lumpen que se viu obrigado pelas
necessidades de sobrevivência a trabalhar desde os seis anos de idade e que
vislumbrou na educação a perspectiva de, por meio de seu próprio esforço,
determinação e disciplina, poder transformar a sua condição social para, como ele
dizia, “tornar-se gente” e ser reconhecido “como gente”. Leitor voraz, com sua
inteligência e sua aplicação permanente à busca de saber, Florestan perseguiu, com
determinação obstinada os seus objetivos através da educação e a partir do campo da
educação tornou-se Florestan Fernandes, reconhecido nacional e internacionalmente
como grande cientista, como grande professor e como destacado intelectual defensor
das grandes causas dos dominados e subalternizados, dos oprimidos e humilhados.
Fonte: ANDES-SN