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ANDES Sindicato Nacional

O legado que mantém Florestan Fernandes vivo – Por Miriam Limoeiro Cardoso
12/8/2010

Por Miriam Limoeiro Cardoso*

Há quinze anos, a morte tirou Florestan do nosso convívio. Já faz tanto tempo, e
Florestan continua fazendo tanta falta, com sua lucidez, sua coragem, sua inteligência
e sua integridade, buscando sempre encontrar a raiz dos grandes problemas postos
no seu tempo, tentando problematizá-los de maneira mais consistente tanto teórica
quanto politicamente, apontando assim novos caminhos para enfrentá-los, tendo
sempre como norte as possibilidades da construção de uma sociedade nova,
socialista. Florestan fala de “utopias igualitárias e libertárias, de fraternidade e
felicidade entre os seres humanos”.

Guardamos dele sua lembrança e seu exemplo. Acima de tudo, porém, podemos
mantê-lo presente (a nós e, principalmente, às nossas lutas) por meio do legado que
nos deixou com os seus escritos. Aí suas idéias, suas formulações e seus embates –
teóricos e políticos – continuam vivos, atuais, presentes, motivadores. Aí podemos
continuar a falar de Florestan no tempo presente, e assim recolher seu ensinamento
para enriquecer o pensamento e para clarificar o encaminhamento das lutas que o
presente requer.
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Florestan Fernandes construiu uma obra que o transcende como pessoa e que contém
contribuições teóricas e metodológicas de grande relevância para as Ciências Sociais.
Sua obra não faz dele apenas um grande sociólogo no Brasil, mas o inscreve entre os
grandes sociólogos das Ciências Sociais em nível internacional.

Transformou em profundidade o padrão do trabalho científico da Sociologia no Brasil,


configurando o que para ele constituía a Sociologia crítica. De acordo com Florestan, a
produção desta Sociologia resulta da conjugação de dois esforços simultâneos. Por um
lado, requer trabalho rigoroso e metódico de pesquisa balizada por padrões
propriamente científicos. Por outro lado, ciente de que a neutralidade científica é um
mito, requer que o próprio trabalho científico assuma compromisso ético e político
com a transformação social em favor dos oprimidos e humilhados. Assim, para
Florestan Fernandes, a Sociologia crítica é ciência que, no movimento mesmo de
fazer-se como ciência, é engajada.

A obra de Florestan Fernandes é vasta e complexa. Há, porém, uma linha de


investigação, que atravessa toda a sua produção madura, que confere conteúdo
histórico, sociológico e político à ótica dos dominados e à perspectiva de
transformação social, das quais Florestan jamais se afastou. É a investigação que o
leva à formulação do seu conceito de capitalismo dependente como uma forma
específica do desenvolvimento capitalista. Este conceito e sua teorização constituem
uma contribuição teórica e metodológica importantíssima de Florestan Fernandes para
a teoria do desenvolvimento capitalista. E abriga conseqüências políticas da maior
relevância. Levá-las em consideração pode afetar significativamente o posicionamento
quanto a políticas voltadas para a transformação social mais efetiva e mais profunda.
Trata-se, portanto, de questões que permanecem importantes no cenário político.

O grande problema posto era o chamado “desenvolvimento”. Era apresentado como


um problema econômico a demandar equacionamento político. Tal como estava posto,
esse problema continha também um quadro supostamente teórico, a oferecer sentido
às políticas supostamente necessárias para “resolver” o problema que desse modo
era proposto: as chamadas “teorias” da modernização ou do desenvolvimento.

À época, essas “teorias” eram bastante discutidas e criticadas no âmbito acadêmico,


mas Florestan foi dos primeiros a questioná-las mais a fundo, em pesquisa que o
mas Florestan foi dos primeiros a questioná-las mais a fundo, em pesquisa que o
levou a teorizar o capitalismo dependente. Ao tempo em que Florestan finalizava a
sua concepção do capitalismo dependente como um conceito, e logo depois que ele
tornou pública a sua formulação, a chamada “escola da dependência” ensaiava seus
primeiros passos, mas estancava a meio caminho entre as “teorias” do
desenvolvimento/ modernização e a teorização de Florestan sobre o capitalismo
dependente. Na verdade, os dependentistas se aproximavam de uma parte das
descobertas/construções teóricas e metodológicas de Florestan, mas as despiam de
alguns de seus atributos essenciais, exatamente aqueles que colocavam em questão o
desenvolvimento desigual e combinado da expansão do capitalismo naquele momento.

Para teorizar o capitalismo dependente, Florestan se opõe às noções de


desenvolvimento e de subdesenvolvimento oriundas das concepções evolucionistas e
deterministas das chamadas “teorias” da modernização. Nega essas duas noções e,
para analisar, compreender e ser capaz de explicar a condição da nossa sociedade (e
das sociedades que Florestan identificava na sua teorização como sendo do mesmo
tipo que a nossa), recorre às formulações sobre o imperialismo.

Ao entender o desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo da perspectiva


dos povos e das regiões que a expansão capitalista mundial incorpora, Florestan
consegue dar conta de que esse processo mesmo de incorporação implica
necessariamente submeter esses povos e essas regiões, sob formas historicamente
diferenciadas, aos desígnios e aos interesses maiores do capital que deste modo se
realiza e se amplia.

A compreensão do capitalismo dependente como especificidade da expansão do


capitalismo em sua fase monopolista permite entender que o “desenvolvimento” que
essa expansão propõe para as regiões para as quais se dirige é desenvolvimento
desse capitalismo monopolista e que significa incorporar essas regiões submetendo-
as. Esta concepção do capitalismo dependente em Florestan Fernandes contém ainda
dois desdobramentos muito importantes. Primeiro, que os setores dominantes locais
das regiões tornadas capitalistas dependentes têm participação ativa e decisiva para a
concretização da política que visa aquele “desenvolvimento”. Para Florestan, eles são
parceiros, menores e subordinados, mas parceiros, do grande capital em expansão
pelo mundo. São intermediários, mas enquanto intermediários são imprescindíveis, e
contam com um retorno para si dos ganhos desse modo obtidos pelo capital em
expansão. Esta lógica implica uma super-exploração dos trabalhadores e da massa da
população das regiões capitalistas dependentes.

Segundo, que a democracia possível sob o capitalismo dependente é sempre uma


democracia restrita, a tal ponto que é mais correto designá-la como uma autocracia,
na qual a grande maioria do povo fica excluída dos direitos, direitos que
supostamente uma democracia deveria estender a todos os cidadãos. Desse modo, a
super-exploração implica também como conseqüência uma super-dominação do
conjunto dos setores subalternizados da população nessas regiões.

Algumas vezes se tenta separar o Florestan Fernandes cientista e o Florestan


Fernandes político. É preciso considerar, porém, que a descoberta da verdade da
dominação, da submissão, da subalternização ou da exploração, é, como tal,
profundamente questionadora da realidade social estruturada sobre esses processos
de dominação, de submissão, de subalternização ou de exploração. De tal modo que a
exposição desses processos é em si mesma profundamente política, e tanto mais
eficaz na crítica que contém quanto mais clara e sistematicamente fundamentada.

Estas são análises estruturais, nas quais, no entanto, é possível encontrar a


profundidade das raízes das tendências e dos comportamentos políticos das classes
dominantes das regiões capitalistas dependentes. Florestan, no entanto, está sempre
atento também às conjunturas e sabe perfeitamente que para ser concreta uma
análise precisa conjugar os determinantes estruturais com os condicionantes
conjunturais. Era desse modo que ele procurava trabalhar.

Esse tipo de pesquisa científica, abrangente e crítica, bem como o magistério que o
acompanhava de perto, onde mais poderiam ser realizados a não ser na universidade
pública? Em 25 de abril de 1969, com base no Ato Institucional nº 5, a ditadura
imposta no Brasil pelo golpe civil-militar de 1964 excluiu Florestan Fernandes do
serviço público em todo o território nacional. Cortava assim irremediavelmente a
continuidade de pesquisa científica importante, conduzida por ele e por seus
assistentes e colaboradores mais próximos, pesquisa que era resultado de trabalho
longamente acumulado em instituição acadêmica superior que, enquanto instituição
pública de ensino superior, se supunha resguardada em sua autonomia pedagógica,
didática e de pesquisa. Mas tal suposição o arbítrio da ditadura revelou ser
equivocada.

Com essa exclusão, Florestan perdeu o locus próprio para exercer o seu ofício como
cientista. Precisou redimensionar suas atividades. Continuou suas pesquisas, mas
desde então sem a interlocução permanente e sistemática de seus colegas e
colaboradores e de seus estudantes, e sem apoio institucional, portanto de forma
mais dispersa e descontinuada. Mesmo assim, retomou o seu trabalho
individualmente, seguiu pesquisando e publicando os resultados de seus estudos,
produzindo análises sempre lúcidas, perspicazes e iluminadoras.

Um dos traços marcantes da vida e da trajetória de Florestan foi sempre a defesa da


educação pública, gratuita, laica, de qualidade, para todos. Na primeira Campanha em
Defesa da Escola Pública, Florestan foi muito atuante e combativo e sua liderança foi
reconhecida como fator importante da ampliação e da consistência da Campanha. Mas
não apenas em momentos de grande mobilização como aquele, Florestan Fernandes
esteve sempre presente com seu apoio claro, público e firme a todas as
reivindicações e lutas dos movimentos dos professores, dos educadores e dos
estudantes, de todos os níveis, em defesa da educação pública e gratuita, da
elevação da sua qualidade e da sua democratização.

Como Deputado Federal Constituinte, Florestan foi o interlocutor privilegiado que o


Forum Nacional em Defesa do Ensino Público e Gratuito na Constituinte teve na
Subcomissão e na Comissão de Educação do Congresso Constituinte. Sua atuação
para a melhor acolhida às propostas do Fórum foi importantíssima. Mas Florestan
dialogava diretamente com o Forum e com os movimentos que o constituíam e
chegava mesmo a ajudar, com sua análise sempre atenta e perspicaz, a nossa gestão
das dificuldades criadas pelos inevitáveis atritos iniciais e conflitos eventuais entre os
encaminhamentos de tantos movimentos de setores diferenciados no interior do
Forum. Sem o Deputado Federal Constituinte Florestan Fernandes as lutas pela defesa
da educação pública na Constituinte certamente teriam sido ainda muito mais difíceis
do que foram.

A educação foi sempre um tema muito caro a Florestan, tema sobre o qual ele
elaborou uma extensa e fecunda produção. Se há um fundo comum a essa produção,
ele se forma em torno da educação pública gratuita de alta qualidade e altamente
democratizada. Afinal, a escola pública e as bibliotecas públicas foram fundamentais
para a vida de Florestan, aquele jovem de origem lumpen que se viu obrigado pelas
necessidades de sobrevivência a trabalhar desde os seis anos de idade e que
vislumbrou na educação a perspectiva de, por meio de seu próprio esforço,
determinação e disciplina, poder transformar a sua condição social para, como ele
dizia, “tornar-se gente” e ser reconhecido “como gente”. Leitor voraz, com sua
inteligência e sua aplicação permanente à busca de saber, Florestan perseguiu, com
determinação obstinada os seus objetivos através da educação e a partir do campo da
educação tornou-se Florestan Fernandes, reconhecido nacional e internacionalmente
como grande cientista, como grande professor e como destacado intelectual defensor
das grandes causas dos dominados e subalternizados, dos oprimidos e humilhados.

* Mirim Limoeiro Cardoso é professora aposentada do Departamento de Ciências


Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

Fonte: ANDES-SN

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