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REVISTA DIALÉTICA
DE DIREITO TRIBUTÁRIO
(RDDT)
- do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (sob nº 7 - Despacho do Exmo. Sr. Juiz Diretor
da Revista do TRF da 5ª Região, publicado no DJU II de 9 de setembro de 1997, página 72372).
125
FEVEREIRO - 2006
REVISTA DIALÉTICA
DE DIREITO TRIBUTÁRIO
ISSN 1413-7097
125
Marola Omartem
é o autor da obra reproduzida
em destaque na capa desta edição.
Diretor da Revista
Valdir de Oliveira Rocha
Na página inicial do site
Diretores da Editora Dialética www.dialetica.com.br
Lidia Lobello de Oliveira Rocha canto superior, esquerdo, pode-se
Valdir de Oliveira Rocha realizar BUSCA que possivelmente
facilitará muito a localização de textos
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Trevisan
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Revista Dialética de Direito Tributário,
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inclusive exemplar com o
Editora, com alterações procedidas por Índice Cumulativo dos nos 1 a 99.
Mars e Dialética Complete sua coleção.
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(FEVEREIRO - 2006)
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Revista Dialética de Direito Tributário nº 125 3
SUMÁRIO
Doutrina
Aurélio Pitanga Seixas Filho - A motivação do ato administrativo tributário 7
Hugo de Brito Machado - Erro de tipo e erro de proibição nos crimes contra a
ordem tributária
1. Decisões do STF. 2. O erro no Direito Penal. 3. O erro nos crimes contra a ordem tribu-
tária. 4. Ninguém se escusa de cumprir a lei alegando sua ignorância. 23
Pareceres
Ives Gandra da Silva Martins e Marilene Talarico Martins Rodrigues - Atuação
de fundação vinculada a universidade. Autuação desconsiderativa - violação de
princípios constitucionais no que concerne à lei complementar, decadência, pres-
crição, imunidades e outros comandos supremos
Consulta. Resposta. 1. Imunidade tributária. 2. Necessidade de lei complementar para re-
gular a imunidade. 3. A norma antielisão tributária e o princípio da legalidade. 4. A ga-
rantia constitucional de liberdade de profissão e a desconsideração dos serviços prestados
por empresas ou pessoas físicas. 5. As presunções e o princípio da legalidade em matéria
tributária. 6. A natureza jurídica das contribuições sociais e os institutos da prescrição e
decadência. 92
4 Revista Dialética de Direito Tributário nº 125
Jurisprudência
Introdução
A distinção entre princípios e regras ganhou ampla re-
percussão na doutrina e na jurisprudência nacionais. Não se
trata de fenômeno atual; a utilização dessas categorias é an-
tiga. Atuais são a importância e a extensão que esse uso dou-
trinário recebe hodiernamente, muito maiores do que outro-
ra.
Apesar de estarem amplamente difundidos e bastante
avançados os estudos relativos à diferenciação entre princí-
pios e regras, ainda assim eles padecem de dois problemas
fundamentais quando direcionados ao Direito Tributário.
O primeiro é o alheamento da doutrina tributária à atual
discussão que se trava nos estudos de Teoria Geral do Direito
a respeito do tema. Salvo algumas exceções, os estudos tri-
butários normalmente ignoram os avanços doutrinários re-
lativos à distinção entre as espécies normativas, agarrando-
se a concepções já descartadas pela sua inconsistência.
O segundo problema é a falta de coerência interna da-
queles poucos estudos que pretendem incorporar os avanços
doutrinários a respeito da questão, quer porque eles simul- Humberto Ávila
taneamente definem os princípios como normas portadoras é Doutor em Direito e
de determinadas características e denominam algumas nor- Especialista em
mas de princípios sem que elas tenham essas características, Metodologia da
quer porque eles concomitantemente definem os princípios Ciência do Direito
como normas que exigem determinado modo de aplicação pela Universidade de
e qualificam algumas normas de princípios sem que elas Munique, Mestre em
sejam aplicadas desse modo. Direito pela Faculdade
Os resultados dessas inconsistências são graves. Eles não de Direito da
Universidade Federal
dizem apenas respeito à ausência de rigor na linguagem ou
do Rio Grande do Sul,
à falta de compatibilidade lógica entre os enunciados dou- Professor Adjunto
trinários. As conseqüências alcançam a própria eficácia das Concursado de Direito
normas: a definição dos princípios como normas de eleva- Tributário, Financeiro
do grau de abstração e generalidade permite maior maleabi- e Econômico da
lidade na determinação do seu sentido, abrindo maior mar- Faculdade de Direito
gem de apreciação subjetiva na sua aplicação; e a definição da Universidade
dos princípios como normas de otimização aplicadas me- Federal do Rio Grande
diante ponderação implica maior flexibilidade no confronto do Sul, nos Cursos de
Mestrado e Doutorado,
e Advogado em
* Para José Souto Maior Borges. Porto Alegre.
34 Revista Dialética de Direito Tributário nº 125
com razões contrárias. Sendo assim, a opção por uma ou outra dessas definições
deixa de ser uma questão meramente teórica para assumir uma feição prática da mais
alta relevância.
Este estudo analisa as implicações dos avanços da teoria dos princípios no campo
do Direito Tributário. Numa primeira parte, são analisadas as definições correntes
de princípios e de regras e as implicações advindas da sua adoção no plano do Di-
reito Tributário. Numa segunda parte, são examinadas as normas que servem de
parâmetro para a aplicação de outras e as conseqüências de sua concepção para o
Direito Tributário.
1.1.2. Conseqüências
Essa distinção baseada no grau de abstração e generalidade é bastante difundi-
da na doutrina do Direito Tributário. Essa difusão tem provocado duas inconsistên-
cias: uma semântica e outra sintática.
A inconsistência semântica está na impropriedade da definição de princípio com
base no elevado grau de abstração e generalidade. Esse critério de distinção entre
as espécies normativas sofreu pesadas críticas. Uma delas, talvez a principal, seja a
de que toda norma, porque veiculada por meio da linguagem, é, em alguma medi-
1
AARNIO, Aulis. Reason and Authority: a Treatise on the Dynamic Paradigm of Legal Dogmatics. Alderhot: Ashgate,
1997, p. 174.
Revista Dialética de Direito Tributário nº 125 35
da, indeterminada, descabendo, por isso, fazer uma distinção entre as espécies nor-
mativas com base em algo que é comum a todas elas - a indeterminação. E como a
aplicação das normas demanda amplo processo de ponderação de razões e de fatos,
tanto a aparente determinação pode desaparecer quanto a pressuposta indetermina-
ção pode transmudar-se em clareza diante dos casos concretos. Até mesmo porque
a aplicação das normas abrange vários outros aspectos além do meramente semân-
tico.
O mesmo ocorre com relação ao conteúdo valorativo. Toda norma, porque des-
tinada a atingir determinada finalidade, serve de meio para a realização de valores,
sendo que as regras servem de meio para a concretização de, no mínimo, dois valo-
res: o valor formal de segurança, pois as regras têm uma pretensão de decidibilida-
de inexistente no caso dos princípios; e o valor substancial específico, já que cada
regra tem uma finalidade que lhe é subjacente. Por essa razão, descabe fundar uma
distinção entre as espécies normativas no conteúdo valorativo se ele, em vez de ex-
tremá-las, termina as aproximando.2
Note-se que a distinção entre as espécies normativas com repercussão nos pla-
nos da indeterminação e do conteúdo valorativo da linguagem pode terminar, de um
lado, apequenando a latente indeterminação das regras e o seu encoberto conteúdo
valorativo, transformando-as em normas de segunda categoria pela sua pretensa
determinação e pela sua suposta neutralidade valorativa. Mais do que isso: essa dis-
tinção pode levar à crença de que o intérprete não tem liberdade alguma de confi-
guração dos conteúdos semântico e valorativo das regras, quando, em verdade, toda
norma jurídica, inclusive as regras, só tem seu conteúdo de sentido e sua finalidade
subjacente definidos mediante um processo de ponderação. De outro lado, esse cri-
tério de distinção pode conduzir, mediatamente, a uma supervalorização dos prin-
cípios, como se a aplicação de qualquer regra pudesse ser alçada ao nível exclusi-
vamente principiológico sem justificação e fundamentação.
A inconsistência semântica traz implicações no plano sintático: muitos autores
que definem os princípios como aquelas normas portadoras de propriedades espe-
cíficas (elevado grau de abstração e generalidade) insistem em qualificar de princí-
pios normas que não têm aquelas propriedades. Ora, se princípio é definido como
uma norma de elevado grau de abstração e generalidade e que, por isso, exige uma
aplicação com elevado grau de subjetividade, pergunta-se: a prescrição normativa
permitindo o abatimento, do imposto sobre produtos industrializados a pagar, do
montante incidente nas operações anteriores, pode ser considerada um princípio? A
prescrição normativa que exige a publicação da lei que instituiu ou aumentou um
imposto até o final do exercício anterior ao da cobrança pode ser considerada um
princípio? A prescrição normativa que proíbe o legislador de tributar fatos ocorri-
dos antes da edição da lei pode ser considerada um princípio? A prescrição norma-
tiva que proíbe a instituição de impostos sobre determinados fatos pode ser consi-
derada um princípio? A proibição de utilização de prova ilícita pode ser considera-
da um princípio? Claro que não. Onde estão as referidas propriedades de elevado
2
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 32 e ss.
36 Revista Dialética de Direito Tributário nº 125
3
ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 153.
Revista Dialética de Direito Tributário nº 125 37
1.2.2. Conseqüências
Essa distinção baseada na estrutura normativa tem sido recentemente difundi-
da na doutrina do Direito Tributário. Essa divulgação também tem provocado duas
inconsistências: uma semântica e outra sintática.
A inconsistência semântica está na impropriedade da definição de princípio com
base no modo final de aplicação e no modo de solução de antinomia. Essa distin-
ção entre as espécies normativas sofreu várias críticas. O modo de aplicação das
espécies normativas, se ponderação ou subsunção, não é adequado para diferenciá-
las na medida em que toda norma jurídica é aplicada mediante um processo de pon-
deração. As regras não fogem a esse padrão, na medida em que se submetem tanto
a uma ponderação interna quanto a uma ponderação externa: sofrem uma pondera-
ção interna porque a reconstrução do conteúdo semântico da sua hipótese e da fina-
lidade que lhe é subjacente depende de um confronto entre várias razões em favor
de alternativas interpretativas (exemplo: definição do sentido de livro para efeito de
determinação do aspecto material da regra de imunidade); submetem-se a uma pon-
deração externa nos casos em que duas regras, abstratamente harmoniosas, entram
em conflito diante do caso concreto sem que a solução para o conflito envolva a
decretação de invalidade de uma das duas regras (exemplo: uma regra que determi-
na a concessão da antecipação de tutela para evitar dano irreparável e outra regra
que proíbe a antecipação se ela provocar despesas para a Fazenda Pública). É ina-
propriado, por isso, fazer uma distinção entre as espécies normativas com base em
propriedades comuns às espécies diferenciadas - a ponderabilidade e a superabili-
dade.
O mesmo ocorre com relação ao modo de solução de antinomias. Embora o
conflito entre regras resolva-se, normalmente, com a decretação de invalidade de
4
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 35 e ss.
38 Revista Dialética de Direito Tributário nº 125
uma delas, nem sempre isso ocorre, podendo ser constatados conflitos entre regras
com as mesmas características dos conflitos entre princípios - concretos, contingen-
tes e no plano da eficácia. Por esse motivo, descabe fundar uma distinção entre as
espécies normativas no modo de solução de antinomias se ele, em vez de extremá-
las, termina as aproximando em alguns casos.5
Registre-se que a distinção entre as espécies normativas com base no modo de
aplicação e no modo de solução de antinomias também pode conduzir, de um lado,
a uma trivialização do funcionamento das regras, transformando-as em normas que
são aplicadas de modo automatizado e sem a necessária ponderação de razões. Mais
do que isso: essa distinção leva a crer que as regras não podem ser superadas, quan-
do, em realidade, toda norma jurídica, inclusive as regras, estabelece deveres pro-
visórios, como comprovam os casos de superação das regras por razões extraordi-
nárias com base no postulado da razoabilidade. De outro lado, esses critérios de
distinção, se não somados a critérios precisos de aplicação e de argumentação, po-
dem conduzir, indiretamente, a um uso arbitrário dos princípios, relativizados con-
forme os interesses em jogo.
A inconsistência semântica também traz implicações no plano sintático: alguns
autores que definem os princípios como aquelas normas portadoras de proprieda-
des específicas (aplicação por meio de ponderação e conflito solucionado por meio
de relativização em face de outros princípios) insistem em qualificar de princípios
normas que não têm aquelas propriedades. Ora, se princípio é definido como uma
norma realizável em vários graus dependendo dos princípios com os quais ela en-
tra em conflito concreto e que, por isso, exige uma aplicação que lhe atribua uma
dimensão de peso, indaga-se: a norma da não-cumulatividade, enquanto norma que
permite deduzir, do imposto a pagar, o montante do imposto incidente na operação
anterior do ciclo econômico, pode ser qualificada como um princípio e ser objeto
de flexibilização em decorrência de outros princípios? A exigência de anteriorida-
de, como mandamento que exige a publicação da lei que instituiu ou aumentou o
imposto até o final do exercício anterior ao da cobrança, pode ser considerada um
princípio e ser restringida diante do caso concreto? A norma da irretroatividade, que
proíbe as normas tributárias de colherem fatos ocorridos antes da publicação das leis
que instituem ou majoram tributos, pode ser considerada um princípio e ser relati-
vizada em face de razões contrárias? A norma da imunidade, enquanto norma que
pré-exclui determinados fatos ou pessoas do poder de tributar, pode ser considera-
da um princípio e ter seu conteúdo semântico superado? A norma que proíbe a uti-
lização de prova ilícita pode ser considerada um princípio e ser objeto de livre ma-
leabilidade? Evidentemente que não. Onde estão as referidas propriedades de au-
sência de estrutura hipotética, de possibilidade de realização em vários graus segun-
do as restrições advindas de outros princípios? Elas não estão presentes. Essas nor-
mas são regras também para essa corrente.
Novamente, é preciso enfatizar que essa contradição interna da doutrina que
adota a distinção forte entre as espécies normativas não diz respeito a uma mera
5
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 36 e ss. e 43 e ss.
Revista Dialética de Direito Tributário nº 125 39
6
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 83 e ss.
40 Revista Dialética de Direito Tributário nº 125
7
ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 53.
Revista Dialética de Direito Tributário nº 125 41
2.1.2. Conseqüências
Normalmente, porém, as exigências de proporcionalidade, razoabilidade e proi-
bição de excesso são definidas como princípios. Princípios, porém, não podem ser,
quer seja adotada a distinção fraca, quer seja utilizada a diferenciação forte entre as
espécies normativas.
Caso seja aceita a distinção fraca entre princípios e regras, a proporcionalida-
de, por exemplo, não pode ser considerada uma espécie de princípio, porque não tem
elevado grau de abstração e generalidade: ela dirige-se a situações determinadas
(colisão entre princípios em razão da utilização de um meio cuja adoção provoca
efeitos que promovem a realização de um princípio, mas restringem a realização de
outro) e a pessoas determinadas (sujeitos, normalmente autoridades públicas, que
adotam medidas com a pretensão de realizar determinados princípios). Também não
pode ser considerada uma regra, pois não tem uma hipótese e uma conseqüência que
permita a subsunção do conceito do fato ao conceito da norma. Em vez de uma hi-
pótese de fato ou da definição de um efeito, a proporcionalidade estabelece uma
estrutura de aplicação, algo bem diverso.
Caso seja admitida a distinção forte entre princípios e regras, a proporcionali-
dade, por exemplo, também não pode ser considerada uma espécie de princípio,
porque não é realizada em vários graus, mas num só (a medida é ou não é adequa-
da, necessária ou proporcional) e porque não é o objeto de ponderação, mas o pró-
prio critério dela, sendo inconcebível sua superação em razão de princípios horizon-
talmente colidentes. Do mesmo modo, não pode ser considerada uma regra, pois não
tem uma hipótese e uma conseqüência a ser implementada no caso de subsunção.
Muito menos poderá ser objeto de colisão e de decretação de invalidade.
A definição das normas aplicativas de segundo grau como princípios ou regras,
mais do que uma questão de nomenclatura, apresenta-se como um problema feno-
mênico, de coerência e de justificação.
É um problema fenomêmico, porque, se há dois fenômenos distintos a consi-
derar, por que chamá-los da mesma forma? Não há razão para isso. É banalizar a
linguagem, deixando de tirar proveito dela.
É um problema de coerência, porque tanto os autores que definem pelo critério
fraco (princípios são normas mais gerais e abstratas e as regras menos gerais e abs-
tratas) quanto os autores que o fazem pelo critério forte (princípios são normas de
otimização realizáveis em vários graus e regras são normas que estabelecem uma
hipótese e um mandamento definitivo) não poderiam, para manter sua coerência
científica, definir a proporcionalidade, por exemplo, como princípio ou como regra.
Como princípio não, pois ela não é realizada em vários graus, mas serve de critério
para a realização em vários graus dos fins cuja promoção é devida em razão da po-
sitivação dos princípios. Como regra também não, pois ela não tem uma hipótese e
uma conseqüência, nem pode ser excluída do ordenamento jurídico em caso de co-
lisão.
Por fim, é um problema de justificação, pois, definindo a proporcionalidade
como princípio/regra, confunde-se o objeto de aplicação com o critério de aplica-
ção. Para usar uma metáfora: quem define a proporcionalidade como princípio con-
funde a balança com os objetos que ela pesa! E, ao fazê-lo, perde de vista a dife-
42 Revista Dialética de Direito Tributário nº 125
rença entre o que deve ser realizado (princípios/regras) e o que serve de parâmetro
para a realização (postulados).
2.2.1.1. Razoabilidade
Com efeito, o postulado da razoabilidade tem sido aplicado pelo Supremo Tri-
bunal Federal como decorrência do princípio do Estado de Direito (art. 1º, CF/88),
que proíbe o exercício arbitrário do poder. Seguindo o mesmo caminho, a Lei nº
9.784/99 estabeleceu a razoabilidade como parâmetro da atuação administrativa (art. 2º).
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal atribui ao chamado princípio da ra-
zoabilidade a fonte para várias exigências.
Em primeiro lugar, a razoabilidade exige a harmonização da norma geral com
os casos individuais. Nessa hipótese, a exigência de razoabilidade determina tanto
que a interpretação das normas seja feita com a presunção daquilo que normalmen-
te acontece, como aconteceu no caso em que o Supremo Tribunal Federal conside-
rou irrazoável presumir a falta de procuração quando um procurador do Estado apre-
senta defesa escrita em papel timbrado da procuradoria,8 quanto que a interpreta-
ção das normas gerais seja feita com a consideração de aspectos individuais, como
ocorreu no caso em que o Supremo Tribunal Federal qualificou de irrazoável apli-
car a norma geral que pune o administrador que contrata servidor sem concurso, no
caso de contratação para uma atividade de menor hierarquia, como a de gari.9
Em segundo lugar, a razoabilidade impõe a harmonização das normas com as
suas condições externas de aplicação. Nessa hipótese, a razoabilidade exige uma
causa real justificante para a adoção de qualquer medida.10 O Supremo Tribunal
Federal considerou irrazoáveis várias leis: aquela que instituiu um adicional de fé-
rias de um terço para os inativos, por tratar-se de vantagem destituída de causa, já
que só deve ter adicional de férias quem tem férias,11 aquela que determinou que os
estabelecimentos de ensino expedissem certificados de conclusão do curso e histó-
rico escolar aos alunos que haviam passado no vestibular, mesmo que eles não ti-
vessem sequer freqüentado o curso,12 aquela que determinou que o pagamento dos
servidores do Estado fosse feito até o décimo dia útil, por remunerar serviços que
ainda não tinham sido sequer prestados.13 Além disso, a razoabilidade exige uma
relação de congruência entre o fundamento para a diferenciação entre sujeitos e a
8
Recurso Extraordinário nº 192.553-1, Segunda Turma, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 16.04.99.
9
Habeas Corpus nº 77.003-4, Segunda Turma, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 11.09.98.
10
GALLIGAN, Denis James. Discretionary Powers. Oxford: Clarendon, 1986. p. 321.
11
Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.158-AM, Tribunal Pleno, Relator Ministro Celso de
Mello, julgamento em 19.12.94, DJ 26.05.95, p. 15.154.
12
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.667-DF, Medida Cautelar, Tribunal Pleno, Relator Ministro Celso de Mello,
julgamento em 19.06.2002.
13
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 247-RJ, Relator Ministro Ilmar Galvão, julgamento em 17.06.2002.
Revista Dialética de Direito Tributário nº 125 43
2.2.1.2. Proporcionalidade
O postulado da proporcionalidade tem sido aplicado pelo Supremo Tribunal
Federal como decorrência dos princípios do Estado de Direito e do devido proces-
so legal (art. 1º e art. 5º, LIV, CF/88). Seguindo o mesmo caminho, a Lei nº 9.784/99,
além de estabelecer a proporcionalidade como diretriz da administração, exige a sua
atuação segundo o critério de adequação entre meios e fins, vedando a imposição
de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente neces-
sárias ao atendimento do interesse público (art. 1º, parágrafo único, VI).
14
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.753-2, Tribunal Pleno, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 12.06.98.
15
Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 489-DF, Tribunal Pleno, Relator Ministro Sepúlveda
Pertence, julgamento em 07.08.91, DJ 22.11.91, p. 16.845.
16
Representação nº 1.077, Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal 112:34-67.
17
SCACCIA, Gino. Gli “Strumenti” della Ragionevolezza nel Giudizio Costituzionale. Milano: Giuffrè, 2000. p. 202.
18
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70.002.017.721, Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, julgamento em 16.09.2002.
44 Revista Dialética de Direito Tributário nº 125
19
Recurso de Mandado de Segurança nº 13.140, Relator Ministro Luiz Gallotti, DJ 16.12.64, p. 4.649.
20
Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 855-2, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 01.10.93.
21
Habeas Corpus nº 76.060-SC, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 15.05.98, p. 44.
Revista Dialética de Direito Tributário nº 125 45
2.2.1.3. Excessividade
O postulado da proibição de excesso tem sido aplicado pelo Supremo Tribunal
Federal, normalmente em associação com a proporcionalidade (art. 1º e art. 5º, LIV,
CF/88) ou com a liberdade de comércio (art. 170, parágrafo único, CF/88). Ele fun-
damenta-se na idéia de que todos os direitos e princípios fundamentais, ainda que
possam ser restringíveis, não podem ser atingidos no seu núcleo essencial, sendo
esse núcleo definido como aquela parte do conteúdo de um direito sem a qual ele
perde a sua mínima eficácia e, por isso, deixa de ser reconhecível como um direito
fundamental.
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu por negar provimento
a um recurso extraordinário por entender excessiva e desproporcional a majoração
do imposto de licença sobre as cabines de banho. A recorrente aduziu que tal impo-
sição poderia lhe cercear uma atividade lícita e, por isso, estaria colidindo com o
princípio da liberdade de qualquer profissão (art. 141, § 14 da Constituição de 1946).
O voto do Ministro Orozimbo Nonato faz referência à decisão da Suprema Corte
Americana no sentido de que:
“o poder de taxar somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compa-
tível com a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria e com o direito de pro-
priedade”.22
O Supremo Tribunal Federal, analisando a constitucionalidade da majoração do
antigo imposto de licença, asseverou:
“A meu ver, porém, faz-se dispensável qualquer referência expressa nesse sentido, pois
os próprios dispositivos fundamentais, que asseguram as liberdades individuais, entre
os quais se incluiu o exercício de qualquer profissão, comércio e indústria, constituem
uma implícita limitação ao poder de tributar do Estado, no concernente à criação de
impostos exagerados, vedando, por conseqüência, que a administração, por meio de
tributos excessivos, possa tolher, cercear ou dificultar o pleno exercício dos direitos
básicos conferidos ao cidadão.”23
O importante é que foi reconhecido um limite implícito ao poder de tributar, não
apenas no sentido de acabar plenamente com a atividade da empresa, mas, também,
no sentido de “tolher, cercear ou dificultar o pleno exercício dos direitos básicos
conferidos ao cidadão”.
Noutro caso, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal reconheceu o di-
reito à cobrança do imposto do selo, mas modificou o entendimento em relação ao
valor da multa, considerando-a excessiva relativamente ao direito de propriedade e
de liberdade.24
O Supremo Tribunal Federal tem igualmente considerado inconstitucionais as
restrições administrativas que, ainda que não bloqueiem de modo absoluto, certa-
mente embaraçam o seu livre exercício:
“Penso, porém, que, ao estatuir essa exigência, fato que tenho como certo, visto não
haver sido contestado, a autoridade arrecadadora estabeleceu, em verdade, sanção fis-
22
Recurso Extraordinário nº 18.331-SP, Relator Ministro Orozimbo Nonato, DJ 21.09.51.
23
Recurso Extraordinário nº 18.976, Relator Ministro Barros Barreto, DJ 26.11.52, p. 14.653, p. 15 do acórdão, que se
refere à decisão recorrida.
24
Recurso Extraordinário nº 47.937-Guanabara, Relator Ministro Cândido Motta, DJ 06.12.62.
46 Revista Dialética de Direito Tributário nº 125
cal, que, se não impediu totalmente, bloqueou de modo profundo a atividade profissio-
nal lícita do contribuinte, violando, de tal arte, o aludido preceito constitucional, sem
falar na violação da Súmula 547.”25
Noutro julgamento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu por defe-
rir medida liminar que suscitava a inconstitucionalidade de lei estadual que elevava
os valores de taxa judiciária. O fato de a taxa judiciária ter sido elevada em 827%
restringiria excessivamente o direito de acesso ao Poder Judiciário a uma grande
parcela da população.26
O Supremo Tribunal Federal também decidiu pela inconstitucionalidade da res-
trição tributária em virtude do seu conteúdo arbitrário, da seguinte forma:
“Ademais, é de considerar-se que esta Turma, ao julgar o RE 76.455 (RTJ 73/821 e
segs.), em caso análogo ao presente (tratava-se de exigência, a contribuinte submetido
ao regime especial de controle de fiscalização, de pagamento antecipado do ICM, para
entrega de talonários referentes a esse imposto), decidiu que restrição dessa ordem
importava sanção política, vedada pelo § 23 do artigo 153 da Constituição, sendo apli-
cável a Súmula 547.
Na hipótese, a matéria, como lembrado, foi regulada pelo Decreto nº 17.727/81, dei-
xando, além disso, inaceitável margem de arbítrio para a aplicação pela autoridade
fiscal.”27
O Supremo Tribunal Federal, seguindo o precedente anterior, considerou incons-
titucional a restrição arbitrária e excessiva ao princípio do livre exercício de ativi-
dade econômica, da seguinte forma:
“A questão de saber da constitucionalidade das medidas aplicadas no ‘regime especial’
de pagamento do ICM é matéria já conhecida desta Corte, que, pelo menos em três
assentadas, pelas suas duas Turmas, teve ocasião de pronunciar-se em sentido contrá-
rio à sua imposição, sob o fundamento de que as sanções, cominadas ao contribuinte,
carecem de respaldo constitucional, particularmente à vista da inaceitável margem de
arbítrio aos agentes do Fisco.
O certo é que o ‘regime especial do ICM’, mesmo autorizado por lei, porque impõe
restrições e limitações à atividade comercial do contribuinte, viola a garantia da li-
berdade de trabalho, que estava inscrita no art. 153, § 23, da Constituição de 1988
reafirma no art. 5º, XIII.”28
Noutro caso já mencionado, o Supremo Tribunal Federal analisou a obrigatorie-
dade de utilização de balanças especiais por veículos transportadores de botijões de
gás. Dentre as várias alegações, uma delas diz respeito à proibição de excesso: os
efeitos da utilização do meio poderiam provocar à restrição excessiva do direito
fundamental de livre iniciativa (a utilização de balanças poderia levar as empresas
“à ruína”).29
25
Recurso Extraordinário nº 76.455, Relator Ministro Leitão de Abreu, decisão em 01.04.75, Revista Trimestral de
Jurisprudência nº 73:825.
26
Representação nº 1.077-5-RJ, Relator Ministro Moreira Alves, DJ 26.02.81.
27
Recurso Extraordinário nº 106.759, Relator Ministro Oscar Corrêa, decisão em 24.09.85, Revista Trimestral de Ju-
risprudência nº 115, p. 1.443.
28
Embargos no Recurso Extraordinário nº 115.452, Relator Ministro Carlos Velloso, decisão em 04.10.90, Revista
Trimestral de Jurisprudência nº 138:849-50.
29
Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 855-2, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 01.10.93.
Revista Dialética de Direito Tributário nº 125 47
30
Habeas Corpus nº 76.060-SC, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 15.05.98, p. 44.
31
Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.010, Relator Ministro Celso de Mello, DJ 12.04.2002.
32
Recurso Extraordinário nº 81.550, Relator Ministro Xavier de Albuquerque, decisão em 20.05.75, Revista Trimes-
tral de Jurisprudência nº 74:319-320.
48 Revista Dialética de Direito Tributário nº 125
2.2.2. Conseqüências
Ao deixar de diferenciar a proporcionalidade da razoabilidade e da proibição de
excesso, a doutrina esquece-se de que esses postulados (metanormas de aplicação
de outras no caso de experiências conflituosas ou recalcitrantes ocorridas no plano
concreto e da eficácia) servem de parâmetro para relacionar elementos diferentes
em situações distintas. O exame concreto que se faz quando há colisão entre dois
princípios com base numa relação de meio e fim não é o mesmo que se faz quando
ocorre uma incompatibilidade entre uma regra geral e um caso excepcional. As jus-
tificações são diferentes e - eis o grande ponto - podem levar a resultados diversos.
Um exemplo pode tornar o argumento mais claro: a imposição de uma multa de
mora de 60% por um dia de atraso no pagamento de um tributo. Há três exames que
podem ser feitos: verificar se essa regra geral se aplica ao caso individual (p. ex., o
atraso ocorreu em razão de um acidente devidamente comprovado com o funcioná-
rio que se dirigia ao banco para efetuar o pagamento), se não havia outro meio para
atingir o fim e se os efeitos benéficos superam os maléficos (30% poderia ser sufi-
ciente para desestimular a impontualidade e provocar a bancarrota de microempre-
sários poderia ser mais danoso do que garantir a pontualidade da maioria) e se a
obrigação não feriria o núcleo essencial de um direito fundamental (aumento de 60%
da carga, por um dia de atraso, poderia atingir o núcleo do direito de propriedade,
independentemente da necessidade ou vantagem da adoção da medida). Esses três
exames não são idênticos nos seus elementos e nos seus critérios. Pode-se atribuir
qualquer nome a eles, mas não se pode dizer que em todos eles seja feita a mesma
ponderação. Isso significa que, independente da palavra (proporcionalidade, razoa-
bilidade, excessividade, arbitrariedade), se uma para todos ou uma para cada racio-
cínio concreto, o importante é que há exames concretos diversos que exigem uma
justificação distinta (por causa dos elementos e dos critérios). Baralhar esses exa-
mes concretos diferentes é inviabilizar a correta aplicação do Direito.
Pior ainda é despender energia para sustentar que a discussão é meramente ter-
minológica. É até plausível, para quem não persegue o rigor no uso da linguagem e
a coerente clareza na fundamentação, utilizar um só termo para os três exames ou
outros para cada um deles. O que definitivamente não é aceitável é usar um só ter-
mo ou outros termos de modo intercambiável desconhecendo que há três exames
concretos diversos nos seus elementos e nos seus parâmetros: uma avaliação da re-
lação entre os graus de promoção e restrição de princípios colidentes em razão da
adoção de uma medida utilizada com a expectativa de promover um fim cuja reali-
zação é determinada por um dos princípios (exame esse chamado a partir de agora
de “x”); uma avaliação da relação entre a regra geral e o caso individual ou entre a
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Conclusões
A doutrina do Direito Tributário, que sempre foi considerada avançada em ra-
zão do seu refinamento teórico, precisa incorporar os avanços - ou, pelo menos, dis-
cuti-los - da Teoria Geral do Direito. Há inúmeras razões para isso. A primeira é a
de que as normas - princípios e regras - seriam mais efetivas. As outras razões nem
precisam ser mencionadas.
Como o jurista reconstrói normas jurídicas a partir de significados mínimos de
textos normativos com base na argumentação, o desconhecimento e a contradição
a respeito do seu trabalho inviabilizam a fundamentação, a justificação e a compro-
vação das decisões interpretativas, impedindo, por conseqüência, o próprio acesso
intersubjetivo à sua fundamentação, com o que, de quebra, se restringe o próprio
princípio do Estado de Direito.