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ISSN 1413-7097

REVISTA DIALÉTICA
DE DIREITO TRIBUTÁRIO
(RDDT)

Repositório autorizado de jurisprudência dos seguintes tribunais:

- do Supremo Tribunal Federal (Despacho do Exmo. Sr. Presidente no Processo nº 304743,


publicado no DJU 1 de 18 de maio de 1998, página 1; inscrição sob nº 23/98, em 24 de junho de 1998,
conforme Ofício 2434/98-SD);

- do Superior Tribunal de Justiça (sob nº 36 - Portaria nº 1, de 16 de junho de 1997, do Exmo.


Sr. Ministro Diretor da Revista do STJ, publicada no DJU I de 23 de junho de 1997, página 29422);

- do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Portaria nº 12, de 13 de agosto de 1997, do Exmo.


Sr. Juiz Diretor do Gabinete da Revista do TRF da 1ª Região, publicada no DJU II de 21 de agosto de
1997, página 65574);

- do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Processo nº 97.02.16454-0, autuado em 30 de


maio de 1997 e julgado em 5 de junho de 1997);

- do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (sob nº de inscrição 8 - Portaria nº 2, de 30 de


maio de 1997, da Exma. Sra. Juíza Diretora da Revista do TRF da 4ª Região, publicada no DJU II de
5 de junho de 1997, página 41344); e

- do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (sob nº 7 - Despacho do Exmo. Sr. Juiz Diretor
da Revista do TRF da 5ª Região, publicado no DJU II de 9 de setembro de 1997, página 72372).

125
FEVEREIRO - 2006
REVISTA DIALÉTICA
DE DIREITO TRIBUTÁRIO
ISSN 1413-7097

125
Marola Omartem
é o autor da obra reproduzida
em destaque na capa desta edição.
Diretor da Revista
Valdir de Oliveira Rocha
Na página inicial do site
Diretores da Editora Dialética www.dialetica.com.br
Lidia Lobello de Oliveira Rocha canto superior, esquerdo, pode-se
Valdir de Oliveira Rocha realizar BUSCA que possivelmente
facilitará muito a localização de textos
Denise Lobello de Oliveira Rocha sobre assuntos de seu interesse.
Trevisan
A Editora mantém em estoque os
exemplares anteriores da
Revista Dialética de Direito Tributário,
Projeto Gráfico inicial de Escrituras
inclusive exemplar com o
Editora, com alterações procedidas por Índice Cumulativo dos nos 1 a 99.
Mars e Dialética Complete sua coleção.

Capa (fundo) Os acórdãos estampados na íntegra


correspondem às cópias obtidas nas
Detalhe da obra Secretarias dos Tribunais ou se originam
“100% Azul ou Quase”, de publicações oficiais de seus julgados.
de Marola Omartem Tiragem superior a 3.000 exemplares.
Distribuição em todo o País.

Os conceitos emitidos nos textos são


Ilustrações de faces dos autores de responsabilidade de seus autores.
Fátima Lodo Andrade da Silva

Fotolito da Capa
Duble Express
Uma publicação mensal de
Oliveira Rocha - Comércio e Serviços Ltda.
Impressão Rua Sena Madureira, 34
Gráfica Palas Athena CEP 04021-000 - São Paulo - SP
e-mail: atendimento@dialetica.com.br
Fone/fax (0xx11) 5084-4544
(FEVEREIRO - 2006)
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Revista Dialética de Direito Tributário nº 125 3

SUMÁRIO
Doutrina
Aurélio Pitanga Seixas Filho - A motivação do ato administrativo tributário 7

Daniel Monteiro Peixoto - Prescrição intercorrente na execução fiscal: vertentes


do STJ e as inovações da Lei n. 11.051/2004 e da Lei Complementar n. 118/2005
1. Considerações iniciais. 2. Dinâmica da cobrança judicial e mapeamento analítico de
decisões do STJ sobre o tema. 3. Da alteração promovida pela LC n. 118/2005 ao art. 174
do CTN: aplicação. 4. Da inovação da Lei n. 11.051/2004: reconhecimento, ex-ofício, da
prescrição intercorrente. 5. Conclusão. 11

Hugo de Brito Machado - Erro de tipo e erro de proibição nos crimes contra a
ordem tributária
1. Decisões do STF. 2. O erro no Direito Penal. 3. O erro nos crimes contra a ordem tribu-
tária. 4. Ninguém se escusa de cumprir a lei alegando sua ignorância. 23

Humberto Ávila - A teoria dos princípios e o Direito Tributário


Introdução. 1. As normas de primeiro grau e o Direito Tributário. 2. As normas de segun-
do grau e o Direito Tributário. Conclusões. 33

Renato Lopes Becho - A prescrição intercorrente nos executivos fiscais e a Lei


11.051
I - Introdução. II - Prescrição e prescrição intercorrente. 50

Roberto Moreira Dias - ISS e serviço de call center


1. Introdução. 2. O ISS na Constituição Federal. 3. O ISS na Lei Complementar nº 116/2003
- algumas considerações. 4. A lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003 -
taxatividade. 5. Serviço tributável e serviço de call center - impossibilidade de incidência
do ISS (ausência de previsão em lei complementar) - resposta audível (previsão da Lei
Complementar nº 116/2003) não é call center. 6. Resumo e conclusões. 60

Tercio Sampaio Ferraz Junior - Coisa julgada em matéria tributária e as altera-


ções sofridas pela legislação da Contribuição Social sobre o Lucro (Lei n. 7.689/88)
Organização do trabalho. 1. Primeiro grupo temático: coisa julgada e segurança jurídica.
2. Coisa julgada e controle constitucional. 3. Coisa julgada em matéria tributária. 4. Coi-
sa julgada e norma jurídica nova: o caso da Lei n. 7.689/88. 72

Pareceres
Ives Gandra da Silva Martins e Marilene Talarico Martins Rodrigues - Atuação
de fundação vinculada a universidade. Autuação desconsiderativa - violação de
princípios constitucionais no que concerne à lei complementar, decadência, pres-
crição, imunidades e outros comandos supremos
Consulta. Resposta. 1. Imunidade tributária. 2. Necessidade de lei complementar para re-
gular a imunidade. 3. A norma antielisão tributária e o princípio da legalidade. 4. A ga-
rantia constitucional de liberdade de profissão e a desconsideração dos serviços prestados
por empresas ou pessoas físicas. 5. As presunções e o princípio da legalidade em matéria
tributária. 6. A natureza jurídica das contribuições sociais e os institutos da prescrição e
decadência. 92
4 Revista Dialética de Direito Tributário nº 125

Leonardo José Carneiro da Cunha - Ação de repetição de indébito precedida de


ação declaratória transitada em julgado - relativização da coisa julgada - inviabi-
lidade - necessidade de obediência à sentença na ação declaratória
1. A consulta. 2. Breve histórico do caso. 3. Breve referência sobre o entendimento relati-
vo à imunidade tributária das entidades fechadas de previdência privada. 4. A função do
Supremo Tribunal Federal e o Princípio da Supremacia da Constituição. 5. A coisa julga-
da e seus limites. 6. A coisa julgada como garantia constitucional. 7. A “relativização” da
coisa julgada e o caso da consulente. 8. A segurança jurídica e o moderno princípio da
confiança legítima do Direito europeu. 9. O cabimento da repetição do indébito e o res-
peito à coisa julgada. 10. Conclusão. 116

Jurisprudência

Íntegras de Acórdãos • Mandado de segurança preventivo - re-


• Cofins e PIS - base de cálculo - crédito quisito - distinção entre lesão e ameaça
presumido do ICMS decorrente de aqui- (STJ - 1ª Seção) 182
sições de aço - não-incidência (TRF da 4ª • Mandado de segurança - valor da causa -
Região - 2ª Turma) 129 conteúdo econômico da demanda (STJ -
• Contribuição ao Seguro de Acidente do 1ª Turma) 185
Trabalho - grau de risco - apuração em • Repetição do indébito - juros de mora -
cada estabelecimento da empresa identi- termo inicial - declaração de inconstitu-
ficado pelo CNPJ (STJ - 1ª Seção) 131 cionalidade e alteração para indébito co-
• Contribuição previdenciária - empresa de mum - tese incoerente (STJ - 1ª Seção) 188
atividade rural - faturamento - Lei 8.870
- inconstitucionalidade de lei revogado-
Decisões
ra - eficácia (STJ - 1ª Seção) 136
• Cofins e PIS - base de cálculo - incons-
• Crime de apropriação indébita de contri-
buição previdenciária - parcelamento titucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei
obtido - suspensão da pretensão executó- 9.718 (Ministro Gilmar Mendes, do STF) 191
ria (STJ - 5ª Turma) 140 • Cofins e PIS-importação - regime de sus-
• Execução - exceção de pré-executividade pensão - IN 466/04 - restrição ao benefí-
- alegação de prescrição - possibilidade cio fiscal da Lei 10.865 (Desembargador
(STJ - Corte Especial) 147 Federal Catão Alves, do TRF da 1ª Re-
• Execução fiscal - prescrição intercorren- gião) 191
te - declaração de ofício - Lei 11.051 - • Cofins e PIS - receitas de contratos de
desnecessidade de intimação da Fazenda longo prazo - Lei 10.865 - incorporação
Pública (TRF da 4ª Região - 1ª Turma) 153 imobiliária (Desembargadora Federal
• ICMS - base de cálculo - vendas a prazo Regina Helena Costa, do TRF da 3ª Re-
- acréscimo - integração (STJ - 1ª Seção) 156 gião) 193
• Imposto de renda - preço de transferên- • Competência - FGTS - EC 45 (Desem-
cia - bens importados - manipulação an- bargadora Federal Maria Isabel Gallotti
tes de serem revendidos - não-limitação Rodrigues, do TRF da 1ª Região) 195
ao uso do método PRL (1º Conselho de • Contribuição previdenciária - proventos
Contribuintes - 1ª Câmara) 160 - coisa julgada anterior à EC 41 - efeitos
• IPVA - arrendamento mercantil (“lea- não protraídos no tempo (Ministro Joa-
sing”) - sujeito passivo - convenção par- quim Barbosa, do STF) 195
ticular - impossibilidade de oposição à • Crime contra a ordem tributária - parce-
Fazenda Pública (STJ - 1ª Turma) 173
• ISS - base de cálculo - agenciamento de lamento de débito posterior ao recebi-
mão-de-obra temporária - comissão - va- mento da denúncia - pagamento parcial -
lores pertencentes a terceiros - reembol- inadimplemento (Ministro Hélio Quaglia
so (STJ - 1ª Turma) 176 Barbosa, do STJ) 196
• ISS - locação de bens móveis - restitui- • Execução fiscal - contribuição previden-
ção - prova da não-repercussão do encar- ciária - responsabilidade do sócio quotis-
go financeiro - CTN art. 166 (STJ - 1ª ta - Lei 8.620 - novo Código Civil (Mi-
Turma) 179 nistro Luiz Fux, do STJ) 198
33

A Teoria dos Princípios e o


Direito Tributário*
Humberto Ávila

Introdução
A distinção entre princípios e regras ganhou ampla re-
percussão na doutrina e na jurisprudência nacionais. Não se
trata de fenômeno atual; a utilização dessas categorias é an-
tiga. Atuais são a importância e a extensão que esse uso dou-
trinário recebe hodiernamente, muito maiores do que outro-
ra.
Apesar de estarem amplamente difundidos e bastante
avançados os estudos relativos à diferenciação entre princí-
pios e regras, ainda assim eles padecem de dois problemas
fundamentais quando direcionados ao Direito Tributário.
O primeiro é o alheamento da doutrina tributária à atual
discussão que se trava nos estudos de Teoria Geral do Direito
a respeito do tema. Salvo algumas exceções, os estudos tri-
butários normalmente ignoram os avanços doutrinários re-
lativos à distinção entre as espécies normativas, agarrando-
se a concepções já descartadas pela sua inconsistência.
O segundo problema é a falta de coerência interna da-
queles poucos estudos que pretendem incorporar os avanços
doutrinários a respeito da questão, quer porque eles simul- Humberto Ávila
taneamente definem os princípios como normas portadoras é Doutor em Direito e
de determinadas características e denominam algumas nor- Especialista em
mas de princípios sem que elas tenham essas características, Metodologia da
quer porque eles concomitantemente definem os princípios Ciência do Direito
como normas que exigem determinado modo de aplicação pela Universidade de
e qualificam algumas normas de princípios sem que elas Munique, Mestre em
sejam aplicadas desse modo. Direito pela Faculdade
Os resultados dessas inconsistências são graves. Eles não de Direito da
Universidade Federal
dizem apenas respeito à ausência de rigor na linguagem ou
do Rio Grande do Sul,
à falta de compatibilidade lógica entre os enunciados dou- Professor Adjunto
trinários. As conseqüências alcançam a própria eficácia das Concursado de Direito
normas: a definição dos princípios como normas de eleva- Tributário, Financeiro
do grau de abstração e generalidade permite maior maleabi- e Econômico da
lidade na determinação do seu sentido, abrindo maior mar- Faculdade de Direito
gem de apreciação subjetiva na sua aplicação; e a definição da Universidade
dos princípios como normas de otimização aplicadas me- Federal do Rio Grande
diante ponderação implica maior flexibilidade no confronto do Sul, nos Cursos de
Mestrado e Doutorado,
e Advogado em
* Para José Souto Maior Borges. Porto Alegre.
34 Revista Dialética de Direito Tributário nº 125

com razões contrárias. Sendo assim, a opção por uma ou outra dessas definições
deixa de ser uma questão meramente teórica para assumir uma feição prática da mais
alta relevância.
Este estudo analisa as implicações dos avanços da teoria dos princípios no campo
do Direito Tributário. Numa primeira parte, são analisadas as definições correntes
de princípios e de regras e as implicações advindas da sua adoção no plano do Di-
reito Tributário. Numa segunda parte, são examinadas as normas que servem de
parâmetro para a aplicação de outras e as conseqüências de sua concepção para o
Direito Tributário.

1. As Normas de Primeiro Grau e o Direito Tributário


1.1. Distinção fraca entre regras e princípios
1.1.1. Fundamentos
Há, grosso modo, duas correntes doutrinárias que definem os princípios.1 A pri-
meira corrente sustenta que os princípios são normas de elevado grau de abstração
(destinam-se a um número indeterminado de situações) e generalidade (dirigem-se
a um número indeterminado de pessoas) e que, por isso, exigem uma aplicação in-
fluenciada por um elevado grau de subjetividade do aplicador, contrariamente às
regras, que denotam pouco ou nenhum grau de abstração - destinam-se a um número
(quase) determinado de situações - e generalidade - dirigem-se a um número (qua-
se) determinado de pessoas - e que, por isso, demandam uma aplicação com pouca
ou nenhuma influência de subjetividade do intérprete. Essa é a teoria clássica do
Direito Público, inicialmente difundida pelos estudos de Direito Administrativo e,
depois, transplantada para os trabalhos de Direito Constitucional. É dessa concep-
ção que vem a afirmação de que os princípios são os alicerces, as vigas mestras ou
os valores do ordenamento jurídico, sobre o qual irradiam os seus efeitos.
O fundamento dessa distinção, dependendo da radicalidade com que seja defen-
dido, está no grau de indeterminação das espécies normativas: os princípios, por-
que fluidos, permitem maior mobilidade valorativa, ao passo que as regras, porque
pretensamente determinadas, eliminam ou diminuem sensivelmente a liberdade
apreciativa do aplicador. Trata-se, como se pode ver, de uma distinção fraca: os prin-
cípios e as regras têm as mesmas propriedades, embora em graus diferentes - en-
quanto os princípios são mais indeterminados, as regras são menos.

1.1.2. Conseqüências
Essa distinção baseada no grau de abstração e generalidade é bastante difundi-
da na doutrina do Direito Tributário. Essa difusão tem provocado duas inconsistên-
cias: uma semântica e outra sintática.
A inconsistência semântica está na impropriedade da definição de princípio com
base no elevado grau de abstração e generalidade. Esse critério de distinção entre
as espécies normativas sofreu pesadas críticas. Uma delas, talvez a principal, seja a
de que toda norma, porque veiculada por meio da linguagem, é, em alguma medi-

1
AARNIO, Aulis. Reason and Authority: a Treatise on the Dynamic Paradigm of Legal Dogmatics. Alderhot: Ashgate,
1997, p. 174.
Revista Dialética de Direito Tributário nº 125 35

da, indeterminada, descabendo, por isso, fazer uma distinção entre as espécies nor-
mativas com base em algo que é comum a todas elas - a indeterminação. E como a
aplicação das normas demanda amplo processo de ponderação de razões e de fatos,
tanto a aparente determinação pode desaparecer quanto a pressuposta indetermina-
ção pode transmudar-se em clareza diante dos casos concretos. Até mesmo porque
a aplicação das normas abrange vários outros aspectos além do meramente semân-
tico.
O mesmo ocorre com relação ao conteúdo valorativo. Toda norma, porque des-
tinada a atingir determinada finalidade, serve de meio para a realização de valores,
sendo que as regras servem de meio para a concretização de, no mínimo, dois valo-
res: o valor formal de segurança, pois as regras têm uma pretensão de decidibilida-
de inexistente no caso dos princípios; e o valor substancial específico, já que cada
regra tem uma finalidade que lhe é subjacente. Por essa razão, descabe fundar uma
distinção entre as espécies normativas no conteúdo valorativo se ele, em vez de ex-
tremá-las, termina as aproximando.2
Note-se que a distinção entre as espécies normativas com repercussão nos pla-
nos da indeterminação e do conteúdo valorativo da linguagem pode terminar, de um
lado, apequenando a latente indeterminação das regras e o seu encoberto conteúdo
valorativo, transformando-as em normas de segunda categoria pela sua pretensa
determinação e pela sua suposta neutralidade valorativa. Mais do que isso: essa dis-
tinção pode levar à crença de que o intérprete não tem liberdade alguma de confi-
guração dos conteúdos semântico e valorativo das regras, quando, em verdade, toda
norma jurídica, inclusive as regras, só tem seu conteúdo de sentido e sua finalidade
subjacente definidos mediante um processo de ponderação. De outro lado, esse cri-
tério de distinção pode conduzir, mediatamente, a uma supervalorização dos prin-
cípios, como se a aplicação de qualquer regra pudesse ser alçada ao nível exclusi-
vamente principiológico sem justificação e fundamentação.
A inconsistência semântica traz implicações no plano sintático: muitos autores
que definem os princípios como aquelas normas portadoras de propriedades espe-
cíficas (elevado grau de abstração e generalidade) insistem em qualificar de princí-
pios normas que não têm aquelas propriedades. Ora, se princípio é definido como
uma norma de elevado grau de abstração e generalidade e que, por isso, exige uma
aplicação com elevado grau de subjetividade, pergunta-se: a prescrição normativa
permitindo o abatimento, do imposto sobre produtos industrializados a pagar, do
montante incidente nas operações anteriores, pode ser considerada um princípio? A
prescrição normativa que exige a publicação da lei que instituiu ou aumentou um
imposto até o final do exercício anterior ao da cobrança pode ser considerada um
princípio? A prescrição normativa que proíbe o legislador de tributar fatos ocorri-
dos antes da edição da lei pode ser considerada um princípio? A prescrição norma-
tiva que proíbe a instituição de impostos sobre determinados fatos pode ser consi-
derada um princípio? A proibição de utilização de prova ilícita pode ser considera-
da um princípio? Claro que não. Onde estão as referidas propriedades de elevado

2
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 32 e ss.
36 Revista Dialética de Direito Tributário nº 125

grau de abstração e generalidade no caso da norma que exige a anterioridade para a


instituição ou aumento de impostos, por exemplo? Elas não estão presentes em lu-
gar algum. A norma que exige o comportamento de publicar a lei que instituiu ou
aumentou um imposto até o final do exercício anterior ao da cobrança é uma regra,
por exemplo.3
Essa contradição interna da doutrina não diz respeito a uma mera questão de
nomenclatura, de resto secundária. Tratar-se-ia de uma disputa terminológica se não
surgissem dois problemas fundamentais: de um lado, se não fossem atreladas às
normas comentadas determinadas propriedades que elas, em verdade, não têm - alto
grau de generalidade e abstração; de outro lado, se não fosse atrelada à definição
das referidas normas uma conseqüência específica para a sua aplicação - alto grau
de subjetividade. Sendo essas as características, a doutrina, de um lado, cai em con-
tradição e, de outro - o que é bem pior - legitima a flexibilização na aplicação de
uma norma que a Constituição, pela técnica de normatização que utilizou, queria
menos flexível.

1.2. Distinção forte entre regras e princípios


1.2.1. Fundamentos
A segunda corrente doutrinária, capitaneada pelos estudos de Dworkin e Alexy,
sustenta que os princípios são normas que se caracterizam por serem aplicadas
mediante ponderação com outras e por poderem ser realizadas em vários graus,
contrariamente às regras, que estabelecem em sua hipótese definitivamente aquilo
que é obrigatório, permitido ou proibido, e que, por isso, exigem uma aplicação
mediante subsunção. Essa é a teoria moderna do Direito Público, inicialmente di-
fundida pelos estudos de Filosofia e Teoria Geral do Direito e, depois, transportada
para os trabalhos de Direito Constitucional. É dessa concepção que vem a afirma-
ção de que os princípios são diferentes das regras relativamente ao modo de aplica-
ção e ao modo como são solucionadas as antinomias que surgem entre eles. A dife-
rença quanto ao modo de aplicação é a seguinte: enquanto as regras estabelecem
mandamentos definitivos e são aplicadas mediante subsunção, já que o aplicador
deverá confrontar o conceito do fato com o conceito constante da hipótese norma-
tiva e, havendo encaixe, aplicar a conseqüência, os princípios estabelecem deveres
provisórios e são aplicados mediante ponderação, na medida em que o aplicador
deverá atribuir uma dimensão de peso aos princípios diante do caso concreto. A di-
ferença quanto ao modo de solução de antinomias é a que segue: enquanto o con-
flito entre regras ocorre no plano abstrato, é necessário e implica a declaração de
invalidade de uma delas caso não seja aberta uma exceção, o conflito entre princí-
pios ocorre apenas no plano concreto, é contingente e não implica a declaração de
invalidade de um deles, mas, apenas, o estabelecimento de uma regra de prevalên-
cia diante de determinadas circunstâncias verificáveis somente no plano da eficá-
cia das normas.
O fundamento dessa distinção está na estrutura normativa: os princípios, por-
que instituem mandamentos superáveis no confronto com outros princípios, permi-

3
ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 153.
Revista Dialética de Direito Tributário nº 125 37

tem o sopesamento, ao passo que as regras, porque estabelecem deveres pretensa-


mente definitivos, eliminam ou diminuem sensivelmente a liberdade apreciativa do
aplicador. Trata-se, como se pode ver, de uma distinção forte: os princípios e as re-
gras não têm as mesmas propriedades, mas qualidades diferentes; enquanto as re-
gras instituem deveres definitivos (deveres que não podem ser superados por razões
contrárias) e são aplicadas por meio da subsunção (exame de correspondência en-
tre o conceito normativo e o conceito do material fático), os princípios estabelecem
deveres provisórios (deveres que podem ser superados por razões contrárias) e são
aplicados mediante ponderação (sopesamento concreto entre razões colidentes com
atribuição de peso maior a uma delas); enquanto o conflito entre regras é abstrato
(abstratamente concebível já no plano abstrato), necessário (é inevitável caso não
seja aberta uma exceção) e situado no plano da validade (o conflito resolve-se com
a decretação de invalidade de uma das normas regras envolvidas), a antinomia en-
tre princípios é concreta (só ocorre diante de determinadas circunstâncias concre-
tas), contingente (pode ou não ocorrer) e situada no plano da eficácia (ambos os
princípios mantêm a validade após o conflito).4

1.2.2. Conseqüências
Essa distinção baseada na estrutura normativa tem sido recentemente difundi-
da na doutrina do Direito Tributário. Essa divulgação também tem provocado duas
inconsistências: uma semântica e outra sintática.
A inconsistência semântica está na impropriedade da definição de princípio com
base no modo final de aplicação e no modo de solução de antinomia. Essa distin-
ção entre as espécies normativas sofreu várias críticas. O modo de aplicação das
espécies normativas, se ponderação ou subsunção, não é adequado para diferenciá-
las na medida em que toda norma jurídica é aplicada mediante um processo de pon-
deração. As regras não fogem a esse padrão, na medida em que se submetem tanto
a uma ponderação interna quanto a uma ponderação externa: sofrem uma pondera-
ção interna porque a reconstrução do conteúdo semântico da sua hipótese e da fina-
lidade que lhe é subjacente depende de um confronto entre várias razões em favor
de alternativas interpretativas (exemplo: definição do sentido de livro para efeito de
determinação do aspecto material da regra de imunidade); submetem-se a uma pon-
deração externa nos casos em que duas regras, abstratamente harmoniosas, entram
em conflito diante do caso concreto sem que a solução para o conflito envolva a
decretação de invalidade de uma das duas regras (exemplo: uma regra que determi-
na a concessão da antecipação de tutela para evitar dano irreparável e outra regra
que proíbe a antecipação se ela provocar despesas para a Fazenda Pública). É ina-
propriado, por isso, fazer uma distinção entre as espécies normativas com base em
propriedades comuns às espécies diferenciadas - a ponderabilidade e a superabili-
dade.
O mesmo ocorre com relação ao modo de solução de antinomias. Embora o
conflito entre regras resolva-se, normalmente, com a decretação de invalidade de

4
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 35 e ss.
38 Revista Dialética de Direito Tributário nº 125

uma delas, nem sempre isso ocorre, podendo ser constatados conflitos entre regras
com as mesmas características dos conflitos entre princípios - concretos, contingen-
tes e no plano da eficácia. Por esse motivo, descabe fundar uma distinção entre as
espécies normativas no modo de solução de antinomias se ele, em vez de extremá-
las, termina as aproximando em alguns casos.5
Registre-se que a distinção entre as espécies normativas com base no modo de
aplicação e no modo de solução de antinomias também pode conduzir, de um lado,
a uma trivialização do funcionamento das regras, transformando-as em normas que
são aplicadas de modo automatizado e sem a necessária ponderação de razões. Mais
do que isso: essa distinção leva a crer que as regras não podem ser superadas, quan-
do, em realidade, toda norma jurídica, inclusive as regras, estabelece deveres pro-
visórios, como comprovam os casos de superação das regras por razões extraordi-
nárias com base no postulado da razoabilidade. De outro lado, esses critérios de
distinção, se não somados a critérios precisos de aplicação e de argumentação, po-
dem conduzir, indiretamente, a um uso arbitrário dos princípios, relativizados con-
forme os interesses em jogo.
A inconsistência semântica também traz implicações no plano sintático: alguns
autores que definem os princípios como aquelas normas portadoras de proprieda-
des específicas (aplicação por meio de ponderação e conflito solucionado por meio
de relativização em face de outros princípios) insistem em qualificar de princípios
normas que não têm aquelas propriedades. Ora, se princípio é definido como uma
norma realizável em vários graus dependendo dos princípios com os quais ela en-
tra em conflito concreto e que, por isso, exige uma aplicação que lhe atribua uma
dimensão de peso, indaga-se: a norma da não-cumulatividade, enquanto norma que
permite deduzir, do imposto a pagar, o montante do imposto incidente na operação
anterior do ciclo econômico, pode ser qualificada como um princípio e ser objeto
de flexibilização em decorrência de outros princípios? A exigência de anteriorida-
de, como mandamento que exige a publicação da lei que instituiu ou aumentou o
imposto até o final do exercício anterior ao da cobrança, pode ser considerada um
princípio e ser restringida diante do caso concreto? A norma da irretroatividade, que
proíbe as normas tributárias de colherem fatos ocorridos antes da publicação das leis
que instituem ou majoram tributos, pode ser considerada um princípio e ser relati-
vizada em face de razões contrárias? A norma da imunidade, enquanto norma que
pré-exclui determinados fatos ou pessoas do poder de tributar, pode ser considera-
da um princípio e ter seu conteúdo semântico superado? A norma que proíbe a uti-
lização de prova ilícita pode ser considerada um princípio e ser objeto de livre ma-
leabilidade? Evidentemente que não. Onde estão as referidas propriedades de au-
sência de estrutura hipotética, de possibilidade de realização em vários graus segun-
do as restrições advindas de outros princípios? Elas não estão presentes. Essas nor-
mas são regras também para essa corrente.
Novamente, é preciso enfatizar que essa contradição interna da doutrina que
adota a distinção forte entre as espécies normativas não diz respeito a uma mera

5
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 36 e ss. e 43 e ss.
Revista Dialética de Direito Tributário nº 125 39

questão de nomenclatura. Tratar-se-ia de uma disputa terminológica se não surgis-


se um problema fundamental: a atribuição de uma conseqüência específica para a
aplicação das normas - suscetibilidade de superação mais flexível em virtude de
razões contrárias. Sendo essas as características dos princípios, a doutrina, de um
lado, cai em contradição, e, de outro, - e o que é bem mais grave - legitima a fácil
restringibilidade de uma norma que a Constituição, pela técnica de normatização que
adotou, queria menos flexível.
Conexa a essa questão está a concepção doutrinária largamente difundida no
sentido de que descumprir um princípio é mais grave que descumprir uma regra. Em
geral, o correto é o contrário: descumprir uma regra é mais grave do que descum-
prir um princípio. E isso porque as regras têm uma pretensão de decidibilidade que
os princípios não têm: enquanto as regras têm a pretensão de oferecer uma solução
provisória para um conflito de interesses já conhecido ou antecipável pelo Poder
Legislativo, os princípios apenas oferecem razões complementares para solucionar
um conflito futuramente verificável.
Também relacionado a essa questão está o problema de saber qual norma deve
prevalecer se houver conflito entre um princípio e uma regra de mesmo nível hie-
rárquico (regra constitucional x princípio constitucional). Normalmente, a doutri-
na, com base naquela já referida concepção tradicional, afirma que deve prevalecer
o princípio. Assim, porém, não deve suceder. Se isso fosse aceito, quando houvesse
colisão entre a regra de imunidade dos livros e o princípio da liberdade de manifes-
tação do pensamento e de cultura, deveria ser atribuída prioridade ao princípio, in-
clusive - esta seria uma das conseqüências - para efeito de tornar imunes obras de
arte! E se houvesse conflito entre a regra de competência para instituir contribui-
ções sociais sobre faturamento e os princípios da solidariedade social e da univer-
salidade do financiamento da seguridade social, deveria ser dada prevalência aos
princípios, inclusive - este seria um dos resultados - para o efeito de justificar a tri-
butação mesmo que o valor obtido pela empresa não fosse enquadrado no conceito
de faturamento! Ora, isso não é aceitável.6
Como se pode perceber, as duas classificações - tanto a fraca quanto a forte -
não são desprovidas de efeitos, pois trazem conseqüências para o operador do Di-
reito: na primeira, haverá aplicação com alto grau de subjetividade em função da
elevada abertura da norma; na segunda, haverá uma ponderação que irá atribuir um
peso aos princípios colidentes no caso concreto. Como há conseqüências expressi-
vas com relação à aplicação das normas, tanto a conceituação equivocada (indica-
ção de que o conceito de princípio conota propriedades que a linguagem normativa
não pode conotar) quanto a denominação inapropriada de uma norma (qualificação
de uma norma como princípio sem que ela tenha as propriedades conotadas pelo
conceito de princípio) provocam um resultado normativo indesejado: a flexibiliza-
ção da aplicação de uma norma que deveria ser aplicada com maior rigidez. O tiro
sai pela culatra: a pretexto de aumentar a efetividade da norma, a doutrina denomi-
na-a de princípio, mas, ao fazê-lo, legitima a sua mais fácil flexibilização, enfraque-

6
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 83 e ss.
40 Revista Dialética de Direito Tributário nº 125

cendo sua eficácia; com a intenção de aumentar a valoração, a doutrina qualifica


determinadas normas de princípios, mas, ao fazê-lo, elimina a possibilidade de va-
loração das regras, apequenando-as; com a finalidade de combater o formalismo, a
doutrina redireciona a aplicação do ordenamento para os princípios, mas, ao fazê-
lo sem indicar critérios minimamente objetiváveis para sua aplicação, aumenta a
injustiça por meio da intensificação do decisionismo; com a intenção de difundir
uma aplicação progressista e efetiva do ordenamento jurídico, a doutrina qualifica
aquelas normas julgadas mais importantes como princípios, mas, ao fazê-lo com a
indicação de que os princípios demandam aplicação intensamente subjetiva ou fle-
xibilizadora em função de razões contrárias, lança bases para o que próprio conser-
vadorismo seja legitimado.7

2. As Normas de Segundo Grau e o Direito Tributário


2.1. Distinção entre normas de primeiro e segundo graus
2.1.1. Fundamentos
As normas de segundo grau, redefinidas como postulados normativos aplicati-
vos, diferenciam-se das regras e dos princípios quanto ao nível e quanto à função.
Enquanto os princípios e as regras são o objeto da aplicação, os postulados estabe-
lecem os critérios de aplicação dos princípios e das regras. E enquanto os princípios
e as regras servem de comandos para determinar condutas obrigatórias, permitidas
e proibidas, ou condutas cuja adoção seja necessária para atingir fins, os postula-
dos servem como parâmetros para a realização de outras normas.
Em todos os casos de utilização dos postulados, sempre há um raciocínio que é
feito relativamente à aplicação de outras normas do ordenamento jurídico. Como
será visto adiante, no exame da razoabilidade-equivalência, analisa-se a norma que
institui a intervenção ou exação com a finalidade de verificar se há equivalência entre
a sua dimensão e aquilo que ela visa a punir ou financiar. No exame de proporcio-
nalidade, investiga-se a norma que institui a intervenção ou exação para verificar se
o princípio que justifica sua instituição será promovido e em que medida os outros
princípios serão restringidos. No exame de proibição de excesso, analisa-se a nor-
ma que institui a intervenção ou exação para comprovar se algum princípio funda-
mental não está sendo atingido no seu núcleo. Por esse motivo que surge a questão
de saber se há uma restrição excessiva dos princípios fundamentais.
Isso demonstra que esses exames investigam o modo como devem ser aplica-
das outras normas, quer estabelecendo os critérios, quer definindo as medidas. De
qualquer forma, as exigências decorrentes da razoabilidade, da proporcionalidade
e da proibição de excesso vertem sobre outras normas, não, porém, para atribuir-lhes
sentido, mas para estruturar racionalmente sua aplicação. Sempre há uma outra nor-
ma por trás da aplicação da razoabilidade, da proporcionalidade e da excessivida-
de. Por esse motivo é oportuno tratá-las como metanormas. E como elas estruturam
a aplicação de outras normas, com elas não se confundindo, é oportuno fazer refe-
rência a elas com outra nomenclatura. Daí a utilização do termo “postulado”, a in-
dicar uma norma que estrutura a aplicação de outras.

7
ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 53.
Revista Dialética de Direito Tributário nº 125 41

2.1.2. Conseqüências
Normalmente, porém, as exigências de proporcionalidade, razoabilidade e proi-
bição de excesso são definidas como princípios. Princípios, porém, não podem ser,
quer seja adotada a distinção fraca, quer seja utilizada a diferenciação forte entre as
espécies normativas.
Caso seja aceita a distinção fraca entre princípios e regras, a proporcionalida-
de, por exemplo, não pode ser considerada uma espécie de princípio, porque não tem
elevado grau de abstração e generalidade: ela dirige-se a situações determinadas
(colisão entre princípios em razão da utilização de um meio cuja adoção provoca
efeitos que promovem a realização de um princípio, mas restringem a realização de
outro) e a pessoas determinadas (sujeitos, normalmente autoridades públicas, que
adotam medidas com a pretensão de realizar determinados princípios). Também não
pode ser considerada uma regra, pois não tem uma hipótese e uma conseqüência que
permita a subsunção do conceito do fato ao conceito da norma. Em vez de uma hi-
pótese de fato ou da definição de um efeito, a proporcionalidade estabelece uma
estrutura de aplicação, algo bem diverso.
Caso seja admitida a distinção forte entre princípios e regras, a proporcionali-
dade, por exemplo, também não pode ser considerada uma espécie de princípio,
porque não é realizada em vários graus, mas num só (a medida é ou não é adequa-
da, necessária ou proporcional) e porque não é o objeto de ponderação, mas o pró-
prio critério dela, sendo inconcebível sua superação em razão de princípios horizon-
talmente colidentes. Do mesmo modo, não pode ser considerada uma regra, pois não
tem uma hipótese e uma conseqüência a ser implementada no caso de subsunção.
Muito menos poderá ser objeto de colisão e de decretação de invalidade.
A definição das normas aplicativas de segundo grau como princípios ou regras,
mais do que uma questão de nomenclatura, apresenta-se como um problema feno-
mênico, de coerência e de justificação.
É um problema fenomêmico, porque, se há dois fenômenos distintos a consi-
derar, por que chamá-los da mesma forma? Não há razão para isso. É banalizar a
linguagem, deixando de tirar proveito dela.
É um problema de coerência, porque tanto os autores que definem pelo critério
fraco (princípios são normas mais gerais e abstratas e as regras menos gerais e abs-
tratas) quanto os autores que o fazem pelo critério forte (princípios são normas de
otimização realizáveis em vários graus e regras são normas que estabelecem uma
hipótese e um mandamento definitivo) não poderiam, para manter sua coerência
científica, definir a proporcionalidade, por exemplo, como princípio ou como regra.
Como princípio não, pois ela não é realizada em vários graus, mas serve de critério
para a realização em vários graus dos fins cuja promoção é devida em razão da po-
sitivação dos princípios. Como regra também não, pois ela não tem uma hipótese e
uma conseqüência, nem pode ser excluída do ordenamento jurídico em caso de co-
lisão.
Por fim, é um problema de justificação, pois, definindo a proporcionalidade
como princípio/regra, confunde-se o objeto de aplicação com o critério de aplica-
ção. Para usar uma metáfora: quem define a proporcionalidade como princípio con-
funde a balança com os objetos que ela pesa! E, ao fazê-lo, perde de vista a dife-
42 Revista Dialética de Direito Tributário nº 125

rença entre o que deve ser realizado (princípios/regras) e o que serve de parâmetro
para a realização (postulados).

2.2. Distinção entre as normas de segundo grau


2.2.1. Fundamentos
A doutrina majoritária ainda trata os diversos postulados como se todos eles
exigissem do aplicador a mesma racionalidade prática. Isso, porém, não ocorre.

2.2.1.1. Razoabilidade
Com efeito, o postulado da razoabilidade tem sido aplicado pelo Supremo Tri-
bunal Federal como decorrência do princípio do Estado de Direito (art. 1º, CF/88),
que proíbe o exercício arbitrário do poder. Seguindo o mesmo caminho, a Lei nº
9.784/99 estabeleceu a razoabilidade como parâmetro da atuação administrativa (art. 2º).
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal atribui ao chamado princípio da ra-
zoabilidade a fonte para várias exigências.
Em primeiro lugar, a razoabilidade exige a harmonização da norma geral com
os casos individuais. Nessa hipótese, a exigência de razoabilidade determina tanto
que a interpretação das normas seja feita com a presunção daquilo que normalmen-
te acontece, como aconteceu no caso em que o Supremo Tribunal Federal conside-
rou irrazoável presumir a falta de procuração quando um procurador do Estado apre-
senta defesa escrita em papel timbrado da procuradoria,8 quanto que a interpreta-
ção das normas gerais seja feita com a consideração de aspectos individuais, como
ocorreu no caso em que o Supremo Tribunal Federal qualificou de irrazoável apli-
car a norma geral que pune o administrador que contrata servidor sem concurso, no
caso de contratação para uma atividade de menor hierarquia, como a de gari.9
Em segundo lugar, a razoabilidade impõe a harmonização das normas com as
suas condições externas de aplicação. Nessa hipótese, a razoabilidade exige uma
causa real justificante para a adoção de qualquer medida.10 O Supremo Tribunal
Federal considerou irrazoáveis várias leis: aquela que instituiu um adicional de fé-
rias de um terço para os inativos, por tratar-se de vantagem destituída de causa, já
que só deve ter adicional de férias quem tem férias,11 aquela que determinou que os
estabelecimentos de ensino expedissem certificados de conclusão do curso e histó-
rico escolar aos alunos que haviam passado no vestibular, mesmo que eles não ti-
vessem sequer freqüentado o curso,12 aquela que determinou que o pagamento dos
servidores do Estado fosse feito até o décimo dia útil, por remunerar serviços que
ainda não tinham sido sequer prestados.13 Além disso, a razoabilidade exige uma
relação de congruência entre o fundamento para a diferenciação entre sujeitos e a

8
Recurso Extraordinário nº 192.553-1, Segunda Turma, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 16.04.99.
9
Habeas Corpus nº 77.003-4, Segunda Turma, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 11.09.98.
10
GALLIGAN, Denis James. Discretionary Powers. Oxford: Clarendon, 1986. p. 321.
11
Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.158-AM, Tribunal Pleno, Relator Ministro Celso de
Mello, julgamento em 19.12.94, DJ 26.05.95, p. 15.154.
12
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.667-DF, Medida Cautelar, Tribunal Pleno, Relator Ministro Celso de Mello,
julgamento em 19.06.2002.
13
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 247-RJ, Relator Ministro Ilmar Galvão, julgamento em 17.06.2002.
Revista Dialética de Direito Tributário nº 125 43

norma que estabelece a diferenciação. O Supremo Tribunal Federal considerou ir-


razoáveis as seguintes leis: a lei que aumentou o prazo para interposição de ação
rescisória somente para o Poder Público, por não existir nenhuma diferença real que
autorizasse a distinção,14 e a lei que contava em dobro o prazo de aposentadoria
somente para os secretários de Estado, por não existir qualquer particularidade que
justificasse a diferenciação.15
Em terceiro lugar, a razoabilidade exige uma relação de equivalência entre a
medida adotada e o critério que a dimensiona. O Supremo Tribunal Federal consi-
derou irrazoável a criação de taxa judiciária, de percentual fixo, por não ser equiva-
lente ao custo real do serviço.16 Nesse caso, o tributo, além de não ser equivalente
ao serviço prestado, ainda impedia o exercício do direito fundamental de acesso ao
Poder Judiciário, sendo qualificada de excessiva, como será adiante analisado.
Em quarto lugar, e segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio Grande do Sul, a razoabilidade exige uma relação de coerência lógica,17 quer
no sentido de consistência interna entre as normas jurídicas (p. ex., não é razoável
uma lei municipal que estabelece uma obrigação para um sujeito e direciona a pu-
nição para outro), quer no sentido de consistência externa da norma com circuns-
tâncias necessárias a sua aplicação (p. ex., não razoável uma lei que impõe uma
obrigação que não poderá ser tecnicamente cumprida, desde a edição, porque o ór-
gão incumbido de cumpri-la não é capacitado nem competente para tanto).18
É preciso atentar para o fato de que, no exame de razoabilidade, não há um con-
flito entre princípios constitucionais surgido em razão de uma medida adotada para
atingir um fim, em razão do qual seja preciso investigar se a utilização do meio pro-
duz efeitos que contribuem para a promoção do fim (exame de adequação), se o fim
não poderia ser promovido com a adoção de um outro meio que provocasse uma
restrição menor a outro princípio constitucional (exame de necessidade) e se as van-
tagens produzidas com a adoção do meio superam as desvantagens advindas da sua
utilização (exame de proporcionalidade em sentido estrito), como ocorre no controle
de proporcionalidade. Também não há o exame da invasão do núcleo essencial de
um princípio fundamental, como acontece no controle de excessividade.

2.2.1.2. Proporcionalidade
O postulado da proporcionalidade tem sido aplicado pelo Supremo Tribunal
Federal como decorrência dos princípios do Estado de Direito e do devido proces-
so legal (art. 1º e art. 5º, LIV, CF/88). Seguindo o mesmo caminho, a Lei nº 9.784/99,
além de estabelecer a proporcionalidade como diretriz da administração, exige a sua
atuação segundo o critério de adequação entre meios e fins, vedando a imposição
de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente neces-
sárias ao atendimento do interesse público (art. 1º, parágrafo único, VI).

14
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.753-2, Tribunal Pleno, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 12.06.98.
15
Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 489-DF, Tribunal Pleno, Relator Ministro Sepúlveda
Pertence, julgamento em 07.08.91, DJ 22.11.91, p. 16.845.
16
Representação nº 1.077, Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal 112:34-67.
17
SCACCIA, Gino. Gli “Strumenti” della Ragionevolezza nel Giudizio Costituzionale. Milano: Giuffrè, 2000. p. 202.
18
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70.002.017.721, Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, julgamento em 16.09.2002.
44 Revista Dialética de Direito Tributário nº 125

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem aplicado de forma reiterada


o chamado princípio da proporcionalidade. O Supremo Tribunal Federal apontou
para a máxima garantia dos interesses atingidos quando decidiu que uma obra não
pode ser suspensa por ato próprio da autoridade administrativa quando há outros
meios específicos à disposição, mesmo que as condições legais sejam contrariadas:
“Suspensão de obra pela autoridade administrativa. Esta não pode, por ato próprio,
suspender a obra, sem recorrer a via judicial por meio da ação cominatória, que é o
remédio específico concedido pela lei, no caso. Código de Processo Civil, artigos 302,
XI, e 305. Leva-se ainda em conta que a construção fora licenciada pela autoridade
competente, estava em fase adiantada (tivera início onze meses antes) e que, com base
e confiança na licença da autoridade, haviam surgido interesses de terceiros de boa-fé
(muitos dos adquirentes de unidades no edifício). Os parágrafos do citado artigo 305,
embora referentes à hipótese de demolição, claramente traduzem o espírito da lei, no
sentido de conciliar o interesse público com os demais interesses em causa, ordenan-
do que a construção não seja demolida, mesmo quando contrária às condições legais,
se por outro meio se puder evitar o dano ao bem comum.”19
O Supremo Tribunal Federal também declarou inconstitucional uma lei que
determinava que as empresas transportadoras de botijões de gás deveriam possuir,
em cada veículo transportador, uma balança especial aprovada pelo órgão compe-
tente. Nesse caso, o meio, além de ter sua adequação colocada em dúvida (a balan-
ça não seria adequada para pesagem em unidade de massa), foi considerado desne-
cessário (a fiscalização por amostragem seria menos restritiva) e desproporcional
em sentido estrito (as desvantagens decorrentes de sua utilização - aumento do pre-
ço do botijão, deslocamento do consumidor até o caminhão, exigência de investi-
mentos pelas empresas - foram consideradas superiores e, portanto, sem proporção
à vantagem - incremento da proteção dos consumidores).20
O Supremo Tribunal Federal decidiu que o exame de DNA, requerido por um
terceiro, não pode ser exigido do pai presumido, quando há outros meios disponí-
veis para a comprovação da paternidade, como é o caso da produção do exame pelo
próprio terceiro pretendente. Nesse caso, a determinação do exame foi considerada
desnecessária.21
Esses precedentes demonstram que qualquer ato estatal, para ser considerado
válido, deve preencher três requisitos: adequação (o meio deve contribuir para a
promoção do fim, pois se sua utilização só é justificada pelo fim, não sendo ele pro-
movido, o uso do meio acaba não mais possuindo justificativa), necessidade (o meio
deve ser o mais suave dentre os meios disponíveis, pois o Estado não apenas tem a
obrigação de atingir seus fins próprios, mas, também, tem a obrigação de proteger
ao máximo os direitos dos particulares, e isso somente é possível se ele adotar o meio
menos restritivo) e proporcionalidade em sentido estrito (o meio deve proporcionar
vantagens superiores as desvantagens, pois o Estado, tendo obrigação de realizar
todos os princípios constitucionais, não pode adotar um meio que termine por res-
tringi-los mais do que promovê-los em seu conjunto).

19
Recurso de Mandado de Segurança nº 13.140, Relator Ministro Luiz Gallotti, DJ 16.12.64, p. 4.649.
20
Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 855-2, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 01.10.93.
21
Habeas Corpus nº 76.060-SC, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 15.05.98, p. 44.
Revista Dialética de Direito Tributário nº 125 45

2.2.1.3. Excessividade
O postulado da proibição de excesso tem sido aplicado pelo Supremo Tribunal
Federal, normalmente em associação com a proporcionalidade (art. 1º e art. 5º, LIV,
CF/88) ou com a liberdade de comércio (art. 170, parágrafo único, CF/88). Ele fun-
damenta-se na idéia de que todos os direitos e princípios fundamentais, ainda que
possam ser restringíveis, não podem ser atingidos no seu núcleo essencial, sendo
esse núcleo definido como aquela parte do conteúdo de um direito sem a qual ele
perde a sua mínima eficácia e, por isso, deixa de ser reconhecível como um direito
fundamental.
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu por negar provimento
a um recurso extraordinário por entender excessiva e desproporcional a majoração
do imposto de licença sobre as cabines de banho. A recorrente aduziu que tal impo-
sição poderia lhe cercear uma atividade lícita e, por isso, estaria colidindo com o
princípio da liberdade de qualquer profissão (art. 141, § 14 da Constituição de 1946).
O voto do Ministro Orozimbo Nonato faz referência à decisão da Suprema Corte
Americana no sentido de que:
“o poder de taxar somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compa-
tível com a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria e com o direito de pro-
priedade”.22
O Supremo Tribunal Federal, analisando a constitucionalidade da majoração do
antigo imposto de licença, asseverou:
“A meu ver, porém, faz-se dispensável qualquer referência expressa nesse sentido, pois
os próprios dispositivos fundamentais, que asseguram as liberdades individuais, entre
os quais se incluiu o exercício de qualquer profissão, comércio e indústria, constituem
uma implícita limitação ao poder de tributar do Estado, no concernente à criação de
impostos exagerados, vedando, por conseqüência, que a administração, por meio de
tributos excessivos, possa tolher, cercear ou dificultar o pleno exercício dos direitos
básicos conferidos ao cidadão.”23
O importante é que foi reconhecido um limite implícito ao poder de tributar, não
apenas no sentido de acabar plenamente com a atividade da empresa, mas, também,
no sentido de “tolher, cercear ou dificultar o pleno exercício dos direitos básicos
conferidos ao cidadão”.
Noutro caso, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal reconheceu o di-
reito à cobrança do imposto do selo, mas modificou o entendimento em relação ao
valor da multa, considerando-a excessiva relativamente ao direito de propriedade e
de liberdade.24
O Supremo Tribunal Federal tem igualmente considerado inconstitucionais as
restrições administrativas que, ainda que não bloqueiem de modo absoluto, certa-
mente embaraçam o seu livre exercício:
“Penso, porém, que, ao estatuir essa exigência, fato que tenho como certo, visto não
haver sido contestado, a autoridade arrecadadora estabeleceu, em verdade, sanção fis-

22
Recurso Extraordinário nº 18.331-SP, Relator Ministro Orozimbo Nonato, DJ 21.09.51.
23
Recurso Extraordinário nº 18.976, Relator Ministro Barros Barreto, DJ 26.11.52, p. 14.653, p. 15 do acórdão, que se
refere à decisão recorrida.
24
Recurso Extraordinário nº 47.937-Guanabara, Relator Ministro Cândido Motta, DJ 06.12.62.
46 Revista Dialética de Direito Tributário nº 125

cal, que, se não impediu totalmente, bloqueou de modo profundo a atividade profissio-
nal lícita do contribuinte, violando, de tal arte, o aludido preceito constitucional, sem
falar na violação da Súmula 547.”25
Noutro julgamento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu por defe-
rir medida liminar que suscitava a inconstitucionalidade de lei estadual que elevava
os valores de taxa judiciária. O fato de a taxa judiciária ter sido elevada em 827%
restringiria excessivamente o direito de acesso ao Poder Judiciário a uma grande
parcela da população.26
O Supremo Tribunal Federal também decidiu pela inconstitucionalidade da res-
trição tributária em virtude do seu conteúdo arbitrário, da seguinte forma:
“Ademais, é de considerar-se que esta Turma, ao julgar o RE 76.455 (RTJ 73/821 e
segs.), em caso análogo ao presente (tratava-se de exigência, a contribuinte submetido
ao regime especial de controle de fiscalização, de pagamento antecipado do ICM, para
entrega de talonários referentes a esse imposto), decidiu que restrição dessa ordem
importava sanção política, vedada pelo § 23 do artigo 153 da Constituição, sendo apli-
cável a Súmula 547.
Na hipótese, a matéria, como lembrado, foi regulada pelo Decreto nº 17.727/81, dei-
xando, além disso, inaceitável margem de arbítrio para a aplicação pela autoridade
fiscal.”27
O Supremo Tribunal Federal, seguindo o precedente anterior, considerou incons-
titucional a restrição arbitrária e excessiva ao princípio do livre exercício de ativi-
dade econômica, da seguinte forma:
“A questão de saber da constitucionalidade das medidas aplicadas no ‘regime especial’
de pagamento do ICM é matéria já conhecida desta Corte, que, pelo menos em três
assentadas, pelas suas duas Turmas, teve ocasião de pronunciar-se em sentido contrá-
rio à sua imposição, sob o fundamento de que as sanções, cominadas ao contribuinte,
carecem de respaldo constitucional, particularmente à vista da inaceitável margem de
arbítrio aos agentes do Fisco.
O certo é que o ‘regime especial do ICM’, mesmo autorizado por lei, porque impõe
restrições e limitações à atividade comercial do contribuinte, viola a garantia da li-
berdade de trabalho, que estava inscrita no art. 153, § 23, da Constituição de 1988
reafirma no art. 5º, XIII.”28
Noutro caso já mencionado, o Supremo Tribunal Federal analisou a obrigatorie-
dade de utilização de balanças especiais por veículos transportadores de botijões de
gás. Dentre as várias alegações, uma delas diz respeito à proibição de excesso: os
efeitos da utilização do meio poderiam provocar à restrição excessiva do direito
fundamental de livre iniciativa (a utilização de balanças poderia levar as empresas
“à ruína”).29

25
Recurso Extraordinário nº 76.455, Relator Ministro Leitão de Abreu, decisão em 01.04.75, Revista Trimestral de
Jurisprudência nº 73:825.
26
Representação nº 1.077-5-RJ, Relator Ministro Moreira Alves, DJ 26.02.81.
27
Recurso Extraordinário nº 106.759, Relator Ministro Oscar Corrêa, decisão em 24.09.85, Revista Trimestral de Ju-
risprudência nº 115, p. 1.443.
28
Embargos no Recurso Extraordinário nº 115.452, Relator Ministro Carlos Velloso, decisão em 04.10.90, Revista
Trimestral de Jurisprudência nº 138:849-50.
29
Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 855-2, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 01.10.93.
Revista Dialética de Direito Tributário nº 125 47

O Supremo Tribunal Federal, em caso também já referido, entendeu que sub-


meter o pai presumido ao constrangimento de fazer um exame de DNA para provar
a paternidade de um terceiro restringiria excessivamente a dignidade humana.30
O Supremo Tribunal Federal também veda o exercício arbritrário do poder, en-
tendido esse como aquele que é praticado de modo imoderado e que, por isso, afeta
substancialmente o patrimônio e os rendimentos do contribuinte, como demonstra
a decisão que aponta a excessividade com o nome de violação à razoabilidade:
“Resulta configurado o caráter confiscatório de determinado tributo, sempre que o efei-
to cumulativo - resultante das múltiplas incidências tributárias estabelecidas pela mes-
ma entidade estatal - afetar, substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio e/ou
os rendimentos do contribuinte. O Poder Público, especialmente em sede de tributa-
ção (as contribuições de seguridade social revestem-se de caráter tributário), não pode
agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada
pelo princípio da razoabilidade. (...).”31
Em todos esses casos, o Supremo Tribunal Federal constatou que nenhuma me-
dida estatal pode: a) restringir excessivamente um direito fundamental, inviabilizan-
do-o substancialmente, independentemente do seu motivo; b) cercear, tolher ou di-
ficultar sobremaneira o livre exercício da atividade econômica, ainda que a me-
dida não inviabilize por completo a atividade empresarial.
O controle de excessividade independe da sua justificação (verificável noutros
exames), pois importa, num exame unilateral de limite, verificar a restrição do nú-
cleo essencial de um direito fundamental. Nessa perspectiva, não há propriamente
exame multilateral e de graus de restrição e promoção entre princípios colidentes
para ver se o fim justifica a utilização do meio (exame da proporcionalidade), nem
um controle de proporção entre a gravidade da imposição e a sua conseqüênica (exa-
me da razoabilidade-equivalência). O que há é uma exigência de um limite, além
do qual o núcleo de um princípio fundamental é atingido e, por isso, ele não tem
um mínimo de eficácia. Tanto a proibição de excesso não se identifica com a razoa-
libilidade-equivalência que o próprio Supremo Tribunal Federal decidiu que a pri-
meira diz respeito a um limite acima do qual há restrição a um direito fundamental
e a segunda diz respeito a relação entre a punição e a gravidade da conduta punida.
Assim a decisão:
“Conheço do recurso e lhe dou parcial provimento para julgar procedente o executivo
fiscal, salvo quanto à multa moratória que, fixada em nada menos do que 100% do
imposto devido, assume feição confiscatória. Reduzo-a para 30% (trinta por cento),
base que reputo razoável para a reparação da impontualidade do contribuinte.”32
Neste julgamento, fica claro que a excessividade (ou confiscatoriedade) repre-
senta a restrição excessiva de um direito fundamental. Uma vez decidido que uma
multa é excessiva, é preciso verificar, então, qual o montante em que ela deve ser
fixada. Para isso, é preciso investigar qual falta a multa pretende punir. Por isso que
o Supremo Tribunal Federal decidiu, de um lado, que a multa moratória de 100%

30
Habeas Corpus nº 76.060-SC, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 15.05.98, p. 44.
31
Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.010, Relator Ministro Celso de Mello, DJ 12.04.2002.
32
Recurso Extraordinário nº 81.550, Relator Ministro Xavier de Albuquerque, decisão em 20.05.75, Revista Trimes-
tral de Jurisprudência nº 74:319-320.
48 Revista Dialética de Direito Tributário nº 125

assume feição confiscatória (exame da proibição de excesso) e, de outro, que a sua


fixação em 30% é razoável para a reparação da impontualidade (exame da razoabi-
lidade-equivalência). No exame da proibição de excesso investiga-se a existência de
restrição excessiva a um direito fundamental, nada sendo dito com relação a qual
percentual seria razoável; no exame da razoabilidade-equivalência analisa-se justa-
mente a relação entre o montante da multa e a falta cometida, nada sendo dito com
relação a invasão do núcleo de um direito fundamental.

2.2.2. Conseqüências
Ao deixar de diferenciar a proporcionalidade da razoabilidade e da proibição de
excesso, a doutrina esquece-se de que esses postulados (metanormas de aplicação
de outras no caso de experiências conflituosas ou recalcitrantes ocorridas no plano
concreto e da eficácia) servem de parâmetro para relacionar elementos diferentes
em situações distintas. O exame concreto que se faz quando há colisão entre dois
princípios com base numa relação de meio e fim não é o mesmo que se faz quando
ocorre uma incompatibilidade entre uma regra geral e um caso excepcional. As jus-
tificações são diferentes e - eis o grande ponto - podem levar a resultados diversos.
Um exemplo pode tornar o argumento mais claro: a imposição de uma multa de
mora de 60% por um dia de atraso no pagamento de um tributo. Há três exames que
podem ser feitos: verificar se essa regra geral se aplica ao caso individual (p. ex., o
atraso ocorreu em razão de um acidente devidamente comprovado com o funcioná-
rio que se dirigia ao banco para efetuar o pagamento), se não havia outro meio para
atingir o fim e se os efeitos benéficos superam os maléficos (30% poderia ser sufi-
ciente para desestimular a impontualidade e provocar a bancarrota de microempre-
sários poderia ser mais danoso do que garantir a pontualidade da maioria) e se a
obrigação não feriria o núcleo essencial de um direito fundamental (aumento de 60%
da carga, por um dia de atraso, poderia atingir o núcleo do direito de propriedade,
independentemente da necessidade ou vantagem da adoção da medida). Esses três
exames não são idênticos nos seus elementos e nos seus critérios. Pode-se atribuir
qualquer nome a eles, mas não se pode dizer que em todos eles seja feita a mesma
ponderação. Isso significa que, independente da palavra (proporcionalidade, razoa-
bilidade, excessividade, arbitrariedade), se uma para todos ou uma para cada racio-
cínio concreto, o importante é que há exames concretos diversos que exigem uma
justificação distinta (por causa dos elementos e dos critérios). Baralhar esses exa-
mes concretos diferentes é inviabilizar a correta aplicação do Direito.
Pior ainda é despender energia para sustentar que a discussão é meramente ter-
minológica. É até plausível, para quem não persegue o rigor no uso da linguagem e
a coerente clareza na fundamentação, utilizar um só termo para os três exames ou
outros para cada um deles. O que definitivamente não é aceitável é usar um só ter-
mo ou outros termos de modo intercambiável desconhecendo que há três exames
concretos diversos nos seus elementos e nos seus parâmetros: uma avaliação da re-
lação entre os graus de promoção e restrição de princípios colidentes em razão da
adoção de uma medida utilizada com a expectativa de promover um fim cuja reali-
zação é determinada por um dos princípios (exame esse chamado a partir de agora
de “x”); uma avaliação da relação entre a regra geral e o caso individual ou entre a
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imposição e sua conseqüência (raciocínio esse denominado de “y”); e uma avalia-


ção da relação entre uma norma impositiva e a restrição do núcleo de um princípio
(exame qualificado de “z”).
Ora, o problema não está em afirmar que tudo se resume a optar entre os quali-
ficativos para “x”, “y” ou “z”. O problema está, outrossim, em pensar que todos os
exames são assimiláveis a uma só das categorias “x”, “y” ou “z”, quando elas, na
verdade, envolvem relações e parâmetros diferentes, tanto que permitem resultados
díspares: uma norma pode ser aplicada conforme a exigência “x”, sem estar de acor-
do com a “y” ou com a “z”, e assim sucessivamente. Mais: uma norma pode sujei-
tar-se ao controle “x” sem ser suscetível de controle por “y”. Enfim, “x”, “y” e “z”
consubstanciam exames diferentes.
Logo, o problema não está em verificar se o uso de nomes diversos implica exa-
mes de conteúdos diferentes, mas, ao invés disso, em verificar se a comprovação da
existência de exames de conteúdos diversos não deve reclamar o uso de termos di-
ferentes: “x” para um exame multilateral que culmine na divisão ou proporção en-
tre bens jurídicos exteriores; “y” para um exame unilateral de eqüidade e “z” para
um exame de limite de restringibilidade.

Conclusões
A doutrina do Direito Tributário, que sempre foi considerada avançada em ra-
zão do seu refinamento teórico, precisa incorporar os avanços - ou, pelo menos, dis-
cuti-los - da Teoria Geral do Direito. Há inúmeras razões para isso. A primeira é a
de que as normas - princípios e regras - seriam mais efetivas. As outras razões nem
precisam ser mencionadas.
Como o jurista reconstrói normas jurídicas a partir de significados mínimos de
textos normativos com base na argumentação, o desconhecimento e a contradição
a respeito do seu trabalho inviabilizam a fundamentação, a justificação e a compro-
vação das decisões interpretativas, impedindo, por conseqüência, o próprio acesso
intersubjetivo à sua fundamentação, com o que, de quebra, se restringe o próprio
princípio do Estado de Direito.

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