Sie sind auf Seite 1von 5

SARAMAGO E AS NEGAÇÕES DA MORTE

Elisabete Carvalho Peiruque – UFRGS


peiruque@yahoo.com.br

RESUMO: O texto constitui uma análise da leitura irônica que o romance de Saramago Intermitências
da morte faz a respeito dos sentimentos ambíguos dos homens frente à certeza da morte. O autor cons-
trói uma metáfora sobre a necessidade da morte como elemento integrante da vida. Este texto exami-
na-a sob os dois núcleos que constituem o romance.

PALAVRAS-CHAVE: morte - vida - ironia

ABSTRACT: This paper analyses the ironic vision Saramago’s romance Intermitências da Morte. It
is a discussion about the human ambiguous feelings towards death. The author constructs a metaphor
about the necessity death as part of life. The paper examines the two romance nucleus.

KEYWORDS: death - life - irony

O último romance de José Saramago, Intermitências da morte, para além de ser uma
utópica e irônica reflexão do que seria o mundo sem a morte, constitui uma vigorosa afirma-
ção da vida. Usando da mais pura fantasia, o romance é uma constatação de que afirmar a
vida é, necessariamente, integrá-la à morte enquanto é também recusá-la - de modo paradoxal
e sadio ao mesmo tempo - porquanto a recusa significa gostar de viver. No romance de Sara-
mago, lê-se esse drama que é a vida como luta contra a certeza da inexorabilidade da morte e
a conseqüente tentativa para afastá-la tanto quanto possível. Dividida entre representações da
necessidade real da morte, da sua onipresença e representações de um imaginário de negação
do momento final, a obra constrói-se a partir de um ludismo bem-humorado.
Formado por dois núcleos distintos, o primeiro trata genericamente da constatação da
ausência da morte em certo lugar e tempo indefinidos e da euforia geral que se segue, lado a
lado com situações plenas de realidade, ao passo que no segundo lê-se, então, uma história em
que a morte é a personagem, assumindo não só aquela forma que se consagrou como sua re-
presentação desde a Idade Média, mas também uma forma humana. Ligando as duas partes do
romance, há uma carta mensageira da parca.
Falar sobre a morte é inevitável já que ela é o horizonte de cada um. Trazê-la para a
arte é uma decorrência, porque o que está na vida termina por passar pela elaboração estética.
Os versos da morte de Hélinand de Froidmont, datados dos finais do século XII, constituem
uma invocação à morte do princípio ao fim, como um pedido de clemência e, ao mesmo tem-
po, de libertação. Brueghel pintou um quadro que intitulou O triunfo da morte, em que mostra
um grande número de mortos em uma batalha, com a face já reduzida à caveira. Sob o mesmo
título há o romance do escritor português Augusto Abelaira. Simone de Beauvoir escreveu
Todos os homens são mortais, narrativa que problematiza a impossibilidade de morrer. O ci-
nema igualmente faz uso do tema e das imagens da morte. Em um grande filme como O séti-
mo selo, de Ingmar Bergman, a morte aparece como um ser ambíguo, que pode ser homem ou
mulher, envolta que está numa roupagem a qual, entretanto, lembra o hábito de um monge da
Idade Média, tempo da narrativa. O cinema de terror tem feito amplo uso da tradicional ima-
gem da morte surgida por volta do século XII, criando situações horripilantes e absurdas de
mortos ressuscitados. O Don Giovanni de Mozart é levado da vida pela figura de uma estátua,
representando ela própria a morte. E há que não esquecer as muitas lendas do folclore que,
desde sempre, povoam a mente dos homens os quais, por pior que tenham as suas vidas, não
as querem perder. A Idade Média conheceu ainda as danças da morte e o desfile dos mortos
que vêm do inferno num determinado dia do ano.
O espectro da morte assediará a literatura, afirma Edgar Morin que acrescenta: “Obras
inteiras, como as de Barrès, Loti, Maeterlink, Mallarmé e Rilke serão marcadas pela obsessão
da morte” (MORIN: 1970, 266).
Sendo a primeira parte da obra de Saramago, por assim dizer, uma reportagem - repor-
tagem fantástica certamente – onde a ironia se faz sobre a questão econômica, fundamental no
mundo capitalista, contudo, a inventividade ainda não é o que se lê na continuação do roman-
ce, essa sim, criação absoluta no reino do impossível, o que para Davi Arriguci Jr. configura a
quinta essência da ficção (ARRIGUCI JR: 1973, 167). Abordando o romance sob o ângulo da
mentira que conta verdades, na linha de um Vargas Llosa, Marthe Robert afirma de maneira
categórica:

Sendo a mentira mais inocente também a mais visível, o romance não conse-
gue convencer das suas relações íntimas com a verdade, a não ser quando
mente a fundo, com suficiente habilidade e seriedade para garantir ao seu
engano as melhores probabilidades de êxito (ROBERT: 1979, 23).

A euforia gerada pela ausência da morte em um hipotético território, ele mesmo inde-
terminado e num tempo não datado, mas sem dúvida o nosso, exclui a velhice, embora os ve-
lhos estejam no centro da narrativa. Ter a vida eterna, não morrer não quer dizer ter a eterna
juventude. A bem humorada - mas nem por isso menos séria - narrativa das conseqüências do
estranho acontecimento assume níveis inusitados de ironia quando se trata da Igreja e de polí-
tica, dois poderes associados que se digladiam entre si. Próximo da realidade, já que a morte
está presente na vida, o discurso na primeira parte do romance constrói-se sobre fatos insólitos
também. As pessoas moribundas, vivos-mortos, ao cruzarem a fronteira morrem instantanea-
mente e, retirando-se tais fatos que são aceitos apenas por conta do pacto do leitor com a fic-
ção, o romance narra com realismo os problemas que surgiriam, caso a vida fosse eterna. Pro-
blemas de toda a ordem - sociais, econômicos, em primeiro lugar – que são resolvidos com o
retorno da morte. A ambigüidade é representada pelo alívio e terror frente à figura odiada,
nosso destino certo, inalienável, primeiro e último.
No segundo núcleo dramático, a morte passa para o primeiro plano como personagem.
A partir de um não-lugar onde ela, paradoxalmente, “vive”, - um não-lugar fantástico pela sua
descrição do que é desconhecido e inexistente - ela se desloca para o centro da vida, ora invi-
sível como presença, ora visível mas não reconhecida por assumir uma forma humana. Atra-
vessado pela necessária intenção estética, o romance lida então com representações metafóri-
cas do real e do imaginário.
Considerando o real, Morin aponta para o fato de que não menos importante que a
consciência da morte e a crença na imortalidade, é o horror que ela inspira (1970, 30). A ob-
servação mais elementar mostra que nossa vida é uma constante fuga à morte, concretizada
tanto em atos individuais de autopreservação, de autocuidado frente a qualquer situação que
nos pareça perigosa, quanto, por exemplo e de modo mais amplo, na pesquisa científica que
busca solução para os males que parecem antecipar a morte, ou mesmo aquela pesquisa que
busca tornar mais longo o período de vida no mundo. Imaginário de eternidade é o que se lê
na busca desesperada de ampliar o tempo da vida. O romance de Saramago representa em
nível estético o que diz Leneru, citado por Morin: “O homem é uma criança enlouquecida
diante da morte” (MORIN: 1970, 269).
Inconformada com o fato de alguém se recusar a morrer, pois a carta lilás da “morte
anunciada”1 retorna sempre, a morte decide verificar o que se coloca contra a sua deliberação
indiscutível. A morte, eternamente presente e acompanhando cada momento da vida, visita
durante o sono o homem que, marcado para morrer, a isso se nega e aparece então no teatro
onde ele executa a sua peça para violoncelo: “escusado será dizer [que a morte] enche o teatro

1
Referência óbvia ao romance de Gabriel Garcia Márquez.
todo até ao alto” (SARAMAGO: 2005, 167). No decorrer da cena, vemos a morte ao lado do
violoncelista no táxi. Enredada à vida, necessária à renovação dessa, a morte verdadeira, aqui
ficcionada, representa uma realidade, muitas vezes codificada pela sabedoria popular em pa-
lavras proverbiais. Estamos sujeitos a ela a qualquer momento que não sabemos qual será.
Ora, tal ignorância do momento final deve se reconhecida como uma bênção em que a narra-
tiva nos faz mais uma vez refletir, quando mostra o horror com que as pessoas passam a rece-
ber a correspondência fatídica. A morte, na sua invisibilidade, uma realidade, é a nossa com-
panheira desde o primeiro sopro de vida; sabemo-lo, e isto é suficiente.
Comentando o pensamento de Nietzsche, Morin confirma a inseparabilidade dos laços
que unem e vida e morte: “Como a Vida, [a morte] é solene e sagrada” e mais adiante: “A
morte não tem, pois, de ser teratologicamente separada da vida” (MORIN: 1970, 273).
E então, em nível textual, a morte se encarna numa figura feminina, sedutora, plena
dos atributos femininos que erotizam o masculino. Sua presença no teatro atrai de imediato a
atenção de todos, que, ignorando de quem se trata, na verdade, sentem-se subjugados aos en-
cantos daquela figura desconhecida. “Do público, os homens tinham-na observado com dúbia
curiosidade, as mulheres com zelosa inquietação” (SARAMAGO: 2005, 191). Buscando rela-
cionar-se com o violoncelista em nível de ser humano que temporariamente é, a mulher-morte
força o contato, até fazer-se, ironicamente, necessária porque, quando se ama, se vive, embora
se morra um pouco também. Diz Octavio Paz que “o amor é uma das respostas que o homem
inventou para olhar a morte de frente” (PAZ: 1994, 117). O violoncelista espera-a, a cada
minuto, depois desse encontro, mesmo sem saber quem é. Ao fazer a morte assumir uma for-
ma visível, o romance passa a ser um enredado de representações do real e do imaginário. A
morte do violoncelista vai sendo afastada, numa reprodução do que é a vida. Tudo é feito para
preservá-la, inclusive em situações que levantam questionamentos tais como a eutanásia. Con-
tudo, a morte é afastada por força da experiência do amor erótico, esse, uma exaltação à vida,
seu oponente na medida em que repõe o que ela retira. De maneira irônica, é a morte-mulher
que decide adiar o fim da vida do homem que não quer morrer, o que remete para os desejos
de, individualmente, retardar o que a racionalidade coloca como necessário, visto no início do
romance na ambigüidade dos sentimentos de terror e alívio com a volta daquela. Contra todas
as evidências da necessidade da vida ter um fim, o homem - e cada um dentro da humanidade
-, desejaria anulá-la para si, mesmo conhecendo a impossibilidade da vida eterna. A ação con-
traditória da morte, ao anular-se a si mesma, seduzida pela vida, poderá ser lida, ao nível de
representação, como elemento exorcizador dos medos, fato dado pela ironia e, de certa forma,
pela comicidade, aqui por conta de uma peça que a vida prega à morte, acorrentando-a, ainda
que provisoriamente, a si.
Afirma Edgar Morin:

A morte, com seu corolário, a reprodução sexual, a morte-renascimento, por


outras palavras, não é apenas o remédio contra essa deterioração, a fonte da
juventude perpétua (...) é também a mais refrescante, a mais optimista e a
mais feliz descoberta de uma vida tanto mais deslumbrante quanto mais e-
fêmera: a borboleta dura apenas um dia. E se a vida não é a morte, essa mor-
te urdida pela espécie é a vida (MORIN: 1970, 292).

O ludismo da fábula de Saramago leva ainda a pensar a necessidade da literatura, tal-


vez de maneira específica, a necessidade da literatura de ficção. Através da criação de ima-
gens verbais, chegam a nós, de maneira mais direta e clara, as abstrações do discurso filosófi-
co e teológico, no caso da morte, quem sabe, de maneira mais aceitável.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARRIGUCI JR. Davi. O escorpião encalacrado. São Paulo: Perspectiva, 1973.


MORIN, Edgard. O homem e a morte. Lisboa: Publicações Europa-América, 1970.
PAZ, Octavio. A dupla chama – amor e erotismo. São Paulo: Siciliano, 1994.
ROBERT, Marthe. Romance das origens e origens do romance. Lisboa: Via Editora, 1979.
SARAMAGO, José. Intermitências da morte. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

Das könnte Ihnen auch gefallen