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CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
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Ideais insertos no art. 3º, I da Constituição Federal de 1988.
impingindo um dever de observância e realização O que orienta de maneira incontroversa que se trata
material dos mesmos. de um rol exemplificativo.
perante as experiências históricas de aniquilação A análise crítica dos postulados dos direitos
do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, fundamentais e sua relação visceral com os direitos
stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a sociais, este espécie daquele, assume contornos
dignidade da pessoa humana como base da essenciais. Os direitos sociais são ordinariamente
República significa, sem transcendências ou classificados como normas constitucionais
metafísicas, o reconhecimento do homo programáticas, residindo na reserva do possível.
noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e Norberto Bobbio (1992, p. 77-78) tem uma posição
fundamento do domínio político da República. interessante pela relevância de sua crítica:
A fundamentalidade dos direitos, ou seja, seu Tanto é assim que, na Constituição italiana, as
reconhecimento como o direitos fundamentais, é normas que se referem a direitos sociais foram
tema que sempre gera polêmica e até a chamadas pudicamente de ‘programáticas’. Será
contemporaneidade, uma vez que não houve que já nos perguntamos alguma vez que gênero
consenso a respeito. Até mesmo a Argüição de de normas são essas que não ordenam, proíbem
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), ou permitem hit et nunc, mas ordenam, proíbem e
ação constitucional que visa a proteger os preceitos permitem num futuro indefinido e sem um prazo
fundamentais, carece de uma definição mais incisiva, de carência claramente delimitado? E, sobretudo,
uma vez que estes ainda não estão explicitados de já nos perguntamos alguma vez que gênero de
forma direta, salientando que não significa prejuízo, direitos são esses que tais normas definem? Um
uma vez que um rol taxativo recomenda uma direito cujo reconhecimento e cuja efetiva
interpretação restritiva, decerto não benéfica ao proteção são adiados sine die, além de confiados à
cidadão. vontade de sujeitos cuja obrigação de executar o
‘programa’ é apenas uma obrigação moral ou, no
Toda a controvérsia acerca do que são direitos máximo política, pode ainda ser chamado de
fundamentais ocorre em virtude da conseqüência direito? A diferença entre esses auto-intitulados
jurídica que advém deste reconhecimento pelo direitos e os direitos propriamente ditos não
Estado, significando conferir a estes direitos a será tão grande que torna impróprio ou, pelo
blindagem constitucional de cláusula pétrea, menos, pouco útil o uso da mesma palavra para
garantindo sua imutabilidade. Como bem elucidou designar uns e outros? (grifo nosso)
Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 354):
E a crítica de Bobbio é oportuna, especialmente
A garantia de intangibilidade desse núcleo ou quando se considera o conteúdo de promessas em
conteúdo essencial de matérias (nominadas de matéria de direitos. Nestas promessas é que reside a
cláusulas pétreas), além de assegurar a descrença do brasileiro na política e também na
identidade do Estado brasileiro e a prevalência justiça, porque, se nem o que está escrito vale, de
dos princípios que fundamentam o regime que poderá se socorrer? Para clarear ainda mais a
democrático, especialmente o referido princípio obscenidade do tratamento dos direitos sociais como
da dignidade da pessoa humana, resguarda normas programáticas, a depender do possível de ser
também a Carta Constitucional dos ‘casuísmos da realizado, estando, portanto, vinculadas e pendentes
política e do absolutismo das maiorias de escolha legislativa presa à moral de cada
parlamentares’. representante, a lição de Luís Roberto Barroso (2001,
p. 120) é elucidativa:
E isto força o Estado a cumprir sua finalidade, que é
promover o bem comum, como apregoa José Luiz O fato de uma regra constitucional contemplar
Quadros de Magalhães (2002, p. 220), e ex vi o art. determinado direito cujo exercício dependa de
5º, § 1º da Constituição brasileira, que preceitua: legislação integradora não a torna, só por isto,
“As normas definidoras dos direitos e garantias programática. Não há identidade possível entre
fundamentais têm aplicação imediata”. a norma que confere ao trabalhador direito ao
‘seguro desemprego’ em caso de desemprego
involuntário (CF, art. 7º, II) e a que estatui que
a família tem especial proteção do Estado (CF, Embora, como Lênio Luís Streck afirmou, não seja
art. 226). No primeiro caso, existe um verdadeiro difundido de maneira ampla, está a cada dia
direito. Há uma prestação positiva a exigir-se, ganhando mais corpo e arrebanhando defensores,
eventualmente, frustrada pelo legislador tendo como nascedouro a doutrina lusitana de
ordinário. No segundo caso, faltando o Poder Joaquim José Gomes Canotilho (1998, p. 321 e 2001,
Público a um comportamento comissivo, nada lhe p. 81), que define o princípio da proibição de
será exigível, senão que se abstenha de atos que retrocesso social como:
impliquem a ‘desproteção’ da família”.
O núcleo essencial dos direitos sociais já realizado
O citado doutrinador defende a teoria da máxima e efetivado através de medidas legislativas deve
aplicabilidade das normas constitucionais, única considerar-se constitucionalmente garantido,
forma de dotar a Constituição de caráter normativo sendo inconstitucionais quaisquer medidas
real e de fornecer ao cidadão, seu destinatário final, estaduais que, sem a criação de outros esquemas
uma proteção efetiva. E não parece legítimo que se alternativos ou compensatórios, se traduzam na
defenda que os direitos fundamentais são apenas prática numa ‘anulação’, ‘ revogação’ ou
enunciados sem força normativa, presos ao acaso da ‘aniquilação‘ pura e simples desse núcleo essencial.
boa vontade do legislador. A liberdade do legislador tem como limite o
núcleo essencial já realizado.
Ingo Wolfgang Sarlet (2004, p. 162) ainda aponta
outro perigo do entendimento de direitos sociais como Joaquim José Gomes Canotilho tem como adeptos
normas programáticas, afirmando: no Brasil doutrinadores como Ingo Wolfgang Sarlet
e Luís Roberto Barroso, entre outros. Verifica-se, com
Negar reconhecimento do princípio da proibição Luís Roberto Barroso (2001, p. 158), que, apesar de
de retrocesso significaria, em última análise, o princípio do não-retrocesso social não estar
admitir que os órgãos legislativos (assim como o explícito, assim como o direito de resistência e o
poder público de modo geral), a despeito de princípio da dignidade da pessoa humana (para
estarem inquestionavelmente vinculados aos alguns, questão controvertida), tem plena
direitos fundamentais e às normas constitucionais aplicabilidade, uma vez que é decorrente
em geral, dispõem do poder de tomar livremente
suas decisões mesmo em flagrante desrespeito à do sistema jurídico-constitucional, entende-se
vontade expressa do Constituinte. que se uma lei, ao regulamentar um mandamento
constitucional, instituir determinado direito, ele
Embora seja sabido que o legislador dispõe de uma se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania
margem de liberdade em uma democracia, não se e não pode ser absolutamente suprimido.
pode admitir que se possa ignorar o conteúdo da
Constituição e legislar no sentido de desconstruir Na mesma linha, Flávia Piovesan (2000):
ou dissolver a vontade do legislador originário. Aqui
reside o cerne deste artigo, abordando o princípio O movimento de esfacelamento de direitos sociais
da vedação de retrocesso nos direitos sociais. Embora simboliza uma flagrante violação à ordem
a abordagem deste princípio intrínseco seja ou traga constitucional, que inclui dentre suas cláusulas
alguma polêmica, como adverte Lênio Luís Streck pétreas os direitos e garantias individuais. Na
(1999, p. 31) eis que: qualidade de direitos constitucionais fun-
damentais, os direitos sociais são direitos
Embora (o princípio da proibição de retrocesso intangíveis e irredutíveis, sendo providos da
social) ainda não esteja suficientemente garantia da suprema rigidez, o que torna
difundido entre nós, tem encontrado crescente inconstitucional qualquer ato que tenda a
acolhida no âmbito da doutrina mais afinada com restringi-los ou aboli-los.
a concepção do Estado democrático de Direito
consagrado pela nossa ordem constitucional. Diante da transição paradigmática que a sociedade
contemporânea passa buscando a afirmação e a
fundamentação dos direitos, o princípio da vedação Carta Magna. O poder constitucional é limitado aos
de retrocesso dos direitos sociais é um corolário para valores-base em que fora sedimentado. Por oportuno,
o que o ser humano deve dar valor: a sua dignidade. cumpre citar Oscar Vilhena Vieira (1999, p. 224),
É indissociável a idéia de que a Constituição foi por abordar mais uma premissa deste artigo, aduzindo:
criada para propiciar cidadãos dignos, garantindo-
lhes a mínima proteção para que lhes seja assegurada Não mais é possível pensar a Constituição – e
uma vida boa, uma vida feliz. Corroborando isto, mais ainda as suas cláusulas constitucionais
Flávia Piovesan (2000, p. 54-55) explicitou a intangíveis – sem levar em conta suas qualidades
essencialidade do princípio da dignidade da pessoa intrínsecas, seu valor ético.
humana, aduzindo:
O valor intrínseco de uma Constituição não pode
A dignidade da pessoa humana, vê-se assim, está ser desprezado ou subjugado, sob pena de ruir o
erigida como princípio matriz da Constituição, conteúdo normativo da mesma.
imprimindo-lhe unidade de sentido,
condicionando a interpretação das suas normas Em um país tão marcado pela desigualdade social
e revelando-se, ao lado dos Direitos e Garantias como o Brasil, os impactos do processo de globalização
Fundamentais, como cânone constitucional que econômica e as matizes neoliberais políticas fazem
incorpora “as exigências de justiça e dos valores por brotar no constitucionalismo contemporâneo a
éticos, conferindo suporte axiológico a todo o necessidade de elaborar formas de proteger os direitos
sistema jurídico brasileiro”. sociais, em especial os trabalhistas, garantindo o
mínimo necessário à dignidade de vida.
Note-se que os próprios limites materiais no tocante
ao poder de reforma da Constituição significam um A globalização econômica faz com que os Estados,
entrave à sanha reformista do legislador, sempre em geral, percam o controle de sua economia,
preocupado, como se observa no Brasil, em criar atingindo seu poder de gestão, imprimindo ações
novas leis ou reformular as antigas, dando pouca diretivas a favorecer ou desfavorecer, a depender da
atenção à efetividade e à Constituição. ocasião, os direitos sociais. O que tem acontecido é
uma tendência de retrocesso na proteção e
A unidade da Constituição precisa ser preservada, efetividade destes direitos, por vários fatores, dentre
evitando-se a descaracterização dos preceitos nela eles a diminuição da máquina estatal, notadamente
contidos. Tanto isto é verdadeiro, que o legislador a assistencial e o desmantelo dos direitos trabalhistas
constituinte estabeleceu vedações para o poder mediante a flexibilização.
reformador, protegendo sua obra e evitando a
desvirtuação e o esvaziamento do conteúdo O Direito, como ciência social aplicada, deve
constitucional pelo legislador ordinário. transpassar da mera dogmática e alcançar a
realidade, indo além da análise do problema,
O direito à proibição de retrocesso social consiste propondo soluções palpáveis e de aplicabilidade
em importante conquista civilizatória. O con-teúdo imediata. Esta função social urge ser incessantemente
impeditivo deste princípio torna possível brecar perseguida, sob pena de retrocessão na própria
planos políticos que enfraqueçam os direitos civilização, entendida como abandono dos instintos
fundamentais. Funciona até mesmo como forma de animalescos, e seguir ao encontro do estado
mensuração para o controle de constitucionalidade democrático de direito prometido na Constituição.
em abstrato, favorecendo e fortalecendo o arcabouço
de assistência social do Estado e as organizações Como salienta Antônio Henrique Pérez Luño (1993,
envolvidas neste processo. p. 215), os direitos sociais, denominados por Norberto
Bobbio (1992) como de segunda geração, exsurgem
Além do mais, o princípio da reserva de justiça da do reconhecimento de que “liberdade sem igualdade
Constituição imprime a vontade do titular do Poder não conduz a uma sociedade livre e pluralista, mas a
Constituinte, este legítimo quando seja depositário uma oligarquia, vale dizer, à liberdade de alguns e à
dos valores inspiradores do conteúdo normativo da não-liberdade de muitos”, o que condiz com a idéia
de mínimo existencial garantido por meio da Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 8) contextualiza de
intervenção positiva do Estado. Disto extrai-se a forma brilhante os nefastos reflexos da crise dos
essencialidade dos direitos sociais e a relevância direitos sociais:
jurídica enquanto bens tutelados pela Carta Magna,
a saber, direito à educação, à saúde, ao lazer, ao Para além disso, convém que fique registrado que
trabalho e à moradia. Todos estes direitos estão – além de a crise dos direitos fundamentais não
contidos no mínimo existencial englobado no se restringir aos direitos sociais – a crise dos
conteúdo jurídico do princípio da dignidade da pessoa direitos sociais, por sua vez, atua como elemento
humana. de impulso e agravamento da crise dos demais
direitos. [...] Basta, neste contexto, observar que
A crise por que vive o direito tem reflexos nos direitos o aumento dos índices de exclusão social, somado
fundamentais. O panorama de crise será mais ou à crescente marginalização, tem gerado um
menos agudo a depender das posições políticas aumento assustador da criminalidade e violência
adotadas. Isto se dá pelo impacto da globalização e nas relações sociais em geral, acarretando, por
da afirmação do paradigma alcunhado neoliberal, sua vez, um número cada vez maior de agressões
que impõe aos países periféricos uma lógica perversa ao patrimônio, vida, integridade corporal,
de Estado mínimo, subordinação a órgãos como o intimidade, dentre outros bens jurídicos
Fundo Monetário Internacional e a situações de fundamentais (grifo nosso).
competição desigual e, como adverte Ingo Wolfgang
Sarlet (2001, p. 8), a crise, entretanto, não é fruto Diante deste contexto de crise, o direito do trabalho
apenas disto: é afetado de forma incisiva, e seu desmantelo
contribui para o aumento da violência,
É, contudo, comum a todos os direitos principalmente em razão do desemprego. O único
fundamentais, de todas as espécies e ‘gerações’, caminho que pode despontar para a satisfação de
além de não poder ser atribuída, no que diz com uma sociedade justa e igualitária é garantir, por força
suas causas imediatas, exclusivamente ao e proteção da Constituição Federal, a dignidade do
fenômeno da globalização econômica e ao avanço trabalho. E não só isto, propiciar formas para que
do ideário e da ‘praxis’ neoliberal. estas normas sejam efetivamente cumpridas.