Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
PAPEL DO PSICOTERAPEUTA
portance in this context, the psychotherapist is not the certa maneira, o lugar de soberania deste pro-
only one able to help the client get the reflective cons- fissional, mas não rouba a sua importância ao
ciousness about the choices they make themselves, poder auxiliar o cliente a compreender o valor
but through this specific relationship, can also help do Outro. Sendo (o psicoterapeuta) o próprio
the client to recognize themselves through the eyes
Outro na relação, coloca-se como necessário e
of other people who interact in their daily lives. But for
this to happen, it must be admitted to otherness, to re-
imprescindível ao cliente, ajudando-o também a
cognize the differences and diversities between them conscientizar-se de sua síntese enquanto exis-
[client] and others, as well as the interdependence of tente.
their relationships. So it can extend the context that Antes de adentrarmo-nos nesta discus-
promotes the awareness of its synthesis as a person são específica, levaremos ao leitor um pouco da
who exists. visão sartreana.
Keywords: The other; Relationship therapy; Existen-
tial psychotherapy. CONTEXTUALIZAÇÃO DO EXISTENCIALIS-
MO SARTREANO
INTRODUÇÃO
É imprescindível focar o fundamento de
Partindo das reflexões filosóficas de Sar- todo escrito proposto neste artigo, que é emba-
tre (2001) dentre as quais pontuam a importân- sado especificamente na visão sartreana a res-
cia do Outro para que possamos nos reconhecer, peito do Existencialismo, cuja base se dá a partir
transpomo-las para o contexto psicoterapêuti- da Fenomenologia de Husserl, ponto em que
co, refletindo sobre o lugar do terapeuta como surge o atrelamento da teoria Fenomenológico-
o Outro que subsidia condições ao cliente para -Existencial. Forghieri (2002) traz o princípio hus-
o reconhecimento e apropriação do seu projeto serliano de Fenomenologia, que concretamente
de Ser, bem como a importância do Outro para é o ato de voltar-se às coisas como elas são (às
atingir tal intento. Traçamos o artigo de maneira vivências) na tentativa de desvendar o ser do
que o leitor possa se familiarizar um pouco com fenômeno, ou seja, como o mundo é significa-
as ideias sartreanas, para assim melhor compre- do pelo próprio indivíduo, transcendendo assim,
ender o imperativo do lugar do Outro em nossas a visão reducionista de uma verdade absoluta.
vidas e, particularmente, no contexto da psico- Para tanto, o sentido de coisa é entendido como
terapia. fenômeno e não como fato. Para clarificar o con-
Os indivíduos diferentes entre si, também ceito, a mesma autora (2002) enfatiza a redução
se apresentam como interdependentes na trama fenomenológica (ou epoqué) que é um recurso
das relações humanas. Por meio de um movi- metodológico utilizado pela Fenomenologia, a
mento dialético, eu e o(s) Outro(s) construímos fim de se chegar ao irredutível:
a nós próprios e a um mundo, que logo trans-
formam-se em histórias a serem transcendidas. A redução não é uma abstração relativamen-
Nessa dança, não só o mundo é subjetivado, te ao mundo e ao sujeito, mas uma mudança
humanizado, ao exteriorizarmos, nosso interior de atitude – da natural para a fenomenoló-
pelas nossas ações, mas também nos objetiva- gica – que nos permite visualizá-los como
mos, nos coisificamos, quando interiorizamos o fenômeno, ou como constituintes de uma to-
talidade, no seio do qual o mundo e o sujeito
mundo e, ao dar-lhe um sentido, também damos
revelam-se, reciprocamente, como significa-
a nós, haja vista, como bem disse Sartre (2001),
ções. (Forghieri, 2002, p. 15)
o Eu está fora de nós, sendo também inten-
cionado pela nossa consciência e eleito como Já o Existencialismo, de acordo com Per-
quaisquer outras coisas no mundo. digão (1995), emerge da subjetividade humana,
E como então conhecer este Projeto de é referente àquilo que existe e nos remete ao
Ser se não for mediante da denúncia do Olhar que poderá existir. Tem seu ponto inicial na in-
do Outro? Aquele que nos mostra, por perceber vestigação a respeito do que existe efetivamente
nossas intenções em atos, como escolhemos no cotidiano do indivíduo. Erthal (1999) contribui
existir. Diante desta importância do lugar do Ou- dizendo, ao ratificar o pensamento sartreano,
tro em nossa vida, acreditamos que devemos que a característica inicial do existencialismo é
repensar também que, além do psicoterapeuta, de que a existência precede a essência, o que
existem outros diante de mim, o que destitui, de significa que o homem se escolhe constante-
mente, que é um indivíduo o qual não é possí- gerami (2007), a angústia da liberdade surge
vel afirmar-lhe essência alguma. Sartre (19844 com a consciência de que somos os únicos res-
apud MONTEAGUDO, 2004) define o homem ponsáveis pelos nossos atos. Sendo o homem
em um fazer, nada a priori, apenas à liberdade, liberdade, é em tal condição que ele decide sua
possibilitando-se assim a criação de si mesmo. própria vida, apropriando-se da responsabilida-
Tal questão oferece ao indivíduo a liberdade de de suas escolhas. A liberdade é estanque na
para se criar, se reinventar. Para Sartre (2001) o estruturação da condição humana, a ponto de
existencialismo é uma filosofia que torna a vida designar a condição do homem de ser conscien-
humana possível, destacando que a liberdade é te.
a existência. Perdigão (1995) corrobora dizendo que a
No entanto, ao falar de indivíduo, Sar- consciência tem na sua condição fundamental o
tre (2001) não o descontextualiza, ignorando o vazio, que vincula sua presença [da consciência]
mundo. Pelo contrário, a relação homem-mun- no mundo ao Ser, porém não se identifica espe-
do, apesar de apresentar-se como contraditória cificamente com ele, se encontra na presença
é interdependente. É sobre estas duas regiões dele, entretanto posicionada a certa distância,
ontológicas que falaremos a seguir. o que lhe confere a capacidade de significá-lo,
bem como tudo que o incumbe. O Ser é fecha-
A Consciência e o Mundo do em si, preso a si mesmo, o que lhe atribui
à expressão Em-Si, que indica toda existência,
Sartre (2001) ressalta que o homem está afora a consciência humana, que exige outra ex-
condenado a ser livre. Primeiro ele existe, é livre pressão, o Para-Si, tendo em vista a relação de
e responsável por tudo que ele faz ou deixa de si para si. O Em-Si existe por si só, todavia só
fazer. Ao nascer, o homem não tem limite prévio pode ser significado pelo Para-Si. Dessa manei-
de conduta moral, pois, como dissemos anterior- ra, sempre necessitará da consciência para lhe
mente, primeiro o homem existe, e em sua vi- atribuir o sentido de fenômeno.
vência mediada com o Outro, constrói gradativa- Com o processo de fazer-se consciên-
mente sua essência. As escolhas que o homem cia de si a si, o Ser começa a desintegrar-se,
faz para si no presente só se efetivam de fato, e desliga de Si. Sartre (2001), intitula a consci-
porque o homem já se projetou no futuro. ência, sendo a única aventura possível do Ser.
Ainda de acordo com Sartre (2001) a Ao fazer-se consciência, o Ser já não é comple-
liberdade corresponde à possibilidade de Ser, tamente Si, antes sua identidade era completa,
gerando assim uma total responsabilidade do abre-se espaço a uma relação de si para si mes-
indivíduo frente a ela, tanto no quesito escolha ma. O Ser é nada além do que é, e para Sartre
de Ser, quanto na relação com o mundo, não ha- (2001) o Nada distancia a consciência do Ser, ou
vendo algo senão o próprio indivíduo se respon- seja, a imposição do Para-Si é estar desatrelado
sabilizar pelos seus atos. Paralelamente vem a de si e do mundo por um Nada, salientando que
angústia, ao se colocar enquanto Ser frente as o Nada não pode ser entendido como algo que
infinitas possibilidades de escolhas, que denun- é, assim como é o Ser. O Nada está totalmente
cia sua condição ontológica de liberdade. inserido num Ser que se materializa e nunca es-
Angerami (2007) relata que a consciência tará fora dele.
da liberdade é a angústia, e a angústia em sua O conceito de consciência como propos-
estrutura essencial é a liberdade. A angústia é a ta ontológica sartreana, traz consigo uma das
totalidade da existência humana, é reconhecer mais importantes contribuições. Podemos então
que as coisas têm o significado que lhes damos, dizer que a consciência é meramente consciên-
é a individualidade da condição humana. A an- cia daquilo que ela não é, com semelhança real
gústia frente à liberdade surge da necessidade a esse objeto. Sartre (2001) prossegue dizendo
que tem o indivíduo em optar. Complementando, que a consciência se apresenta de duas formas:
este autor (2007, p. 33) coloca que “A negação uma irreflexiva e outra reflexiva. Frisando que
da angústia frente à liberdade é a própria nega- em quaisquer das situações, a consciência tem
ção da liberdade como condição humana”. o movimento de intencionalidade, e é através
Prosseguindo com o pensamento de An- desta que a consciência é dirigida para algu-
4
SARTRE, J. P. O existencialismo é um humanismo. São Paulo: Abril, 1984. Coleção "Os Pensadores".
ma coisa, podendo-se assim dizer que ela é a Em-si. Sartre (2001) compreende que a realida-
particularidade da consciência, porque não é o de humana se fundamenta sempre em desejo
mundo que vem ate nós e sim nós que o inten- de Ser, pois como já mencionado, o Ser está
cionamos. em permanente construção, visando um proje-
A forma mais comum é a consciência to, impulsionado por um vir-a-ser. No intuito do
irreflexiva, usamo-la constantemente quando, desejo de Ser, cristalizamos esse Ser desejante,
por exemplo, estamos pensando em uma coisa ao projetarmos de maneira com que ele venha
ou outra, sem a necessidade de se fazer uma com a conotação de ser desejo Em-si, mas essa
reflexão sobre a consciência que temos sobre tentativa é infrutífera, pois a consciência jamais
esta coisa que pensamos. Neste caso, o sentido transformaria o Em-si. Concomitante vem o pro-
dado pela consciência ao mundo, posiciona-se jeto, pois o mesmo indubitavelmente nunca se
neste último, o ponto de referência é externo a concretiza de fato.
consciência. Ao contrário da consciência irre- Sartre (2001) ratifica que o homem en-
flexiva, a consciência reflexiva surge somente quanto consciência caracteriza-se sempre como
quando fazemos uma reflexão sobre o sentido um ser faltante, sempre estará na busca de pos-
que damos a coisa que captamos, uma vez que, síveis vir-a-ser, os projetos jamais se cessam,
somente com o ato reflexivo, há a criação do Eu, isto é, somos uma totalização-em-curso, fecha-
um Eu transcendido pela própria consciência, o -se um período e consecutivamente abre-se ou-
que permite o indivíduo se responsabilizar pelas tro. Enquanto ser consciente, só vislumbro um
suas escolhas. futuro porque me embaso no passado rumo a
Esta transcendência do Eu, diferente- esse novo desconhecido. Cabe a consciência a
mente do Eu Transcendental de Husserl, que unificação de partes desassociadas, para uma
seria o Eu que escolhe, é para Sartre (2001) totalização-em-curso. Os projetos futuros ser-
posicionado fora da consciência, está no mun- vem como mola propulsora da relação dialética.
do como todas as outras coisas, uma vez que
também é escolhido e significado pelo indiví- O homem dialético, social e histórico
duo através de sua consciência intencional. No
entanto, para existir a consciência reflexiva há Sartre (2002) explicita que a dialética
a necessidade de existir primeiro a irreflexiva, habita o homem, fazendo parte da sua subjeti-
haja vista que, para podermos ter consciência vidade de maneira única, em que o Ser se cons-
da consciência que visa algo, precisamos posi- trói frente aos desafios, rumo ao preenchimento
cionar no mundo, a consciência que conhece, desse interminável vazio, porque somos projetos
para assim poder captá-la. Mais adiante explo- rumo a outros projetos. Podemos assim dizer,
raremos melhor esta temática. que a práxis vem com a mesma denominação
É importante ressaltar que para Sartre da dialética, no sentido de ser uma totalização-
(2001) objeto/coisa é a própria objetividade, isso -em-curso, sempre no significado de sobrepor
se deve ao fato de que é um ser Em-si mesmo, algo acabado, objetivado, dando um salto para
pois não está relacionado a algo, simplesmente um novo existir. A eficácia desse projeto futuro
existe. Diferentemente do Para-si, que está liga- diz respeito à própria subjetividade do homem,
do à própria subjetividade, sendo sempre cons- onde ele ultrapassa a condição atual, desvincu-
ciência de algo. Neste sentido, podemos assim la-se do passado, transcendendo para um futuro
afirmar, que o Para-si sendo subjetividade inva- projetado.
de o Em-si que é pura objetividade, o Para-si Maheirie e Pretto (2007) contextualizam
vem no sentido de afirmar-se como o Ser para a dialética a partir da relação que o homem es-
consigo mesmo, exprimindo-se de maneira a dar tabelece com o mundo, apontando que a exis-
sentido ao mundo, afetando significativamente o tência do sujeito enquanto singular/universal só
humano de forma organizada, colocando assim pode ser dada através das relações e media-
a consciência no ápice da existência. ções que fazem parte de seu cotidiano. Desde
O que impulsiona a existência do sujeito seu nascimento até sua finitude o sujeito experi-
é o desejo de Ser, para entendermos tal afirma- ência um aprendizado permanente, pois o mun-
ção resgataremos a função do Para-si. O Para-si do que ele habita está historicamente situado,
nunca se completa, está sempre em busca do sendo assim ele trava uma mediação com esse
objeto, tal objeto para o Para-si se configura no mundo, a qual se pauta em um movimento dialé-
tico. O homem precisa do mundo para se firmar relação com o Outro, e é em meio a esse entre-
humano e o mundo precisa do reconhecimento laçamento histórico construído, que o meu Ser
do homem enquanto objeto. Uma vez que fala- no mundo se firmará, iniciando assim um pro-
mos de um sujeito singular, com características cesso de subjetivação e objetivação.
próprias, o qual pode se rebelar e se opor ao
que historicamente lhe imputaram, dando assim Por ser projeto, o sujeito é definido por um
um novo direcionamento para a sua vida. Não futuro. Em outras palavras, ele se faz no pre-
extinguindo sua universalidade, já que carrega sente, com base num passado e dirigido por
um desejo, por aquilo que ainda não é e pro-
consigo a historicidade da humanidade, sempre
jeta vir-a-ser. Desse modo, transita a partir
disponível a possíveis vir-a-ser. de um campo de possíveis sociais e histó-
Dessa maneira, pode-se afirmar que o ricos, por meio dos quais visa superar sua
entendimento dialético sobre o conhecimento se objetivação, por meio da subjetivação, em di-
dá por meio das mediações relacionais com a reção a uma nova objetivação. (MAHEIRIE,
cultura, sujeitos, objetos e com a temporalidade: 1994/20025 apud MAHEIRIE e PRETTO,
passado, presente, futuro. Dentro de uma ação 2007, p. 458)
contínua, o homem transcende a realidade, dei-
xando sua marca nos projetos individuais e co- Mesmo que esse projeto se dê no pla-
letivos. Compondo-se assim na história humana, no irreflexivo (ou de forma alienada), ele sempre
num conjunto de sujeitos singulares dentro de será inerente ao sujeito, pois faz parte de sua
uma sociedade variada. constituição, destacando que os projetos só são
Na visão sartreana, o homem se constitui possíveis no plano do vivido. O que diferencia o
mediante as relações, abolindo qualquer indício meu projeto do projeto do Outro é a minha sin-
de essência anterior a sua existência, uma vez gularidade.
no mundo, o homem se desvenda por intermé- O homem não pode mudar o seu passa-
dio da consciência, consequentemente ele se do, porém partindo de seu movimento subjetivo
firma como Ser, tendo assumido subjetivamente ele pode ressignificar tais experiências, fazer-se
seu projeto individual. Porém, o projeto humano diferente daquilo que a história tenta fazer dele,
rompe a barreira da subjetividade, pois almeja num recomeço rumo a um novo projeto almeja-
sempre o que está no exterior, fora de si. Por do.
meio da transcendência saímos do campo sub- Perdigão (1995) avança o pensamento
jetivo dos nossos projetos rumo à dimensão da exposto anteriormente, complementando que a
escolha universal. Isto se dá pelo fato de que subjetividade como atributo do Ser não tem re-
quando escolhemos um projeto individual, esco- cursos para transpor a liberdade que indubita-
lhemos também para o Outro, sendo assim, é velmente a encerra, dando assim, abertura para
mister enfatizar que toda escolha incumbe res- o adentramento da moralidade que se encontra
ponsabilidade. presente no cotidiano das relações, destacando
Maheirie e Pretto (2007), partindo dos que a ação do homem implica reciprocamente
pressupostos sartreano, relatam que o ser hu- a autorização para que o Outro faça o mesmo.
mano por si só não se basta, ele irremediavel- Isso se dá, como já mencionamos anteriormen-
mente necessita da aprovação do Outro para se te, pelo fato de que o homem ao se relacionar
firmar como Ser no mundo. No primeiro momen- com outros homens, e por meio deles, ao esco-
to ele é liberdade, pois não traz consigo nada a lher para si, escolhe para toda a humanidade.
priori, e sim, um vir-a-ser. Por isso, Sartre (2001) Com isso, há uma obrigatoriedade de
coloca que o homem é um projeto, está sem- existir uma coerência entre aquilo que se faz e
pre em construção. Na busca de seus projetos a expectativa gerada pela ação perante todos
e na construção da sua singularidade, o homem os Outros. Dessa coerência e responsabilidade,
depara-se com uma variedade histórica determi- nasce a angústia de se ver concernido por todos
nada. É importante ressaltar que quando há a e ao mesmo tempo absolutamente só.
escolha de um projeto, escolhe-se também para Sartre (2001) afunila o escrito a respeito
a humanidade, pois inevitavelmente compete a da origem das relações concretas com o Outro,
5
MAHEIRIE, K. Agenor no Mundo: um estudo psicossocial da identidade. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1994. Coleção Te-
ses.
______. Constituição do sujeito, subjetividade e identidade. Revista Interações, São Paulo, v. 7, n. 13, p. 31-44, jan./jun. 2002.
dissertando que as mesmas são integralmen- consciência, (o Eu) não pode estar dentro dela,
te conduzidas por minhas atitudes referentes mas sim fora, logo no mundo. Partindo deste ra-
ao objeto que sou para o Outro. É a existência ciocínio de Sartre (2001), fica fácil o entendimen-
alheia que revela o Ser que sou, sem que eu to de como as pessoas agem sobre o mundo,
me aproprie deste Ser, e tal existência originará sendo que o significado de um acontecimento na
duas atitudes paradoxais: o olhar do Outro capta vida da pessoa é percebido de maneira pecu-
o mistério do meu Ser e tem conhecimento de liar. Por ser uma consciência intencional, nossas
quem sou, portanto o sentido profundo do meu escolhas sobre como significamos as coisas e
Ser encontra-se externo a mim, com isso, de- as pessoas, se dão de maneira coerente com o
corre um movimento de busca da objetividade nosso próprio interesse.
na tentativa de encontrá-la na figura do Outro,
intencionando atribuir-lhe objetividade, já que a O primeiro passo de uma filosofia deve ser,
sua objetividade extingue a minha para ele. O portanto, expulsar as coisas da consciên-
fenômeno central pauta-se na experiência que cia e restabelecer a verdadeira relação en-
sou para o Outro, que explica-se na atitude com tre esta e o mundo, a saber a consciência
como consciência posicional do mundo. Toda
relação ao Outro, tal como coloca Sartre (2001,
consciência é posicional na medida em que
p. 454-455): “A título de consciência, o Outro é se transcende para alcançar um objeto, e
para mim aquele que roubou meu ser e, ao mes- ela esgota-se nesta mesma: tudo quanto há
mo tempo, aquele que faz com que ‘haja’ um ser, de intenção na minha consciência atual está
que é o meu”. dirigida para o exterior [...]. (SARTRE, 2001,
Para compreensão desse estado impres- p.22)
cindível que tem a posição do Outro na significa-
ção da minha existência é importante destacar a Tal modificação exposta anteriormente
criação do Eu na teoria sartreana, sobre a qual realizada por Sartre (2001), contestando o pen-
comentamos brevemente no início deste artigo samento de Husserl referente ao entendimento
e voltamos a nos debruçar sobre esta temática do Eu, ao ser direcionado à prática psicotera-
a seguir. pêutica, exige uma posicionamento distinto em
psicoterapia entre os psicólogos e os fenome-
O Eu transcendido na relação como Outro nólogos, haja vista que o terapeuta não se atém
apenas a como o cliente capta o mundo (inte-
Bocca e Freitas (Inédito) expõe que Sar- riorização do exterior), mas também, como age
tre se alicerça na teoria husserliana para instituir frente as situações por ele vivenciadas (exterio-
a sua teoria existencialista. Atém-se primordial- rização do interior).
mente aos conceitos de Husserl a respeito da Partindo da concepção do Eu transcendi-
consciência intencional, fundamentando dessa do e deste na relação com o Outro, estaremos a
maneira grande parte de sua filosofia de exis- seguir, explorando esta temática contextualiza-
tência. Todavia, contrapõe-se ao pensamento de da na relação terapêutica, temática principal de
Husserl na questão do Eu transcendental, ques- nossa reflexão.
tão que abarcaremos a seguir.
Perdigão (1995) explicita que a consci- O TERAPEUTA ENQUANTO O OUTRO QUE
ência não tem sua base em um Eu interior, mas REVELA O EU DO CLIENTE
sim em uma consciência intencional, a que Sar-
tre (2001) denominou de transcendência do Eu Apoiando-se no existencialismo sartre-
(Ego). Sendo essa consciência intencional, a ano, compreendemos que o terapeuta existen-
mesma visa dar sentido aos objetos do exterior, cialista se atém em como o cliente dá significa-
em que podemos ilustrar por meio das vivências do para suas vivências, bem como age sobre o
relacionais, que oferecem ao indivíduo a signifi- mundo de acordo com as mesmas.
cação da consciência alheia. Perdigão (1995) enfatiza que para Sartre
Bocca e Freitas (Inédito) complementam existe uma pré-disposição para que o homem
dizendo que Sartre, com base nesse exposto, reconheça o Outro enquanto Ser, sendo esta
contrapõe-se a ideia de Husserl, no quesito de uma condição ontológica que se funde na rela-
já residir na consciência um Ego, pois para ele, ção. Tendo como base o fato de eu me conhecer
sendo o Eu um objeto que desperta interesse na através da relação que estabeleço com o Outro,
tendo a me ver como o Outro me vê, só assim to relacional, Eu – Outro, vivenciado no contexto
me verei de fato na relação com tal pessoa, re- terapêutico. A importância de se focar esta rela-
conhecendo antes de qualquer análise ou julga- ção, segundo Lima (2008), teve sua origem nos
mento, o como sou conhecido por ela. Sendo as- conceitos do movimento Fenomenológico-Exis-
sim, a psicoterapia é mais um dos contextos que tencial e pelos valores procedentes do Humanis-
favorece este conhecimento e reconhecimento. mo que ascendiam novas maneiras da relação
A Psicologia Clínica aparece como mo- terapeuta-cliente. Portanto, o terapeuta feno-
delo da profissão devido a sua predominância menológico-existencial procura compreender
durante muitos anos e também porque as ou- a pessoa do cliente, além de conduzí-lo a uma
tras áreas como Psicologia Jurídica, Hospitalar, auto-conscientização para que ressignifique seu
do Esporte dentre outras surgiram somente no futuro, dessa forma aceitará a responsabilidade
começo da década de 90 com a necessidade de aliada à liberdade de comandar sua própria vida.
mudanças nas relações sociais e das demandas Para a realização da psicoterapia feno-
do mercado de trabalho. menológico-existencial é necessário que seja
Segundo Schneider (2006) o domínio da feita uma análise completa e profunda do su-
Psicologia Clínica se deve muito à Psiquiatria, jeito em que possa percebê-lo como um todo,
pois ambas tinham interesses em comum no cui- e também a maneira como foi se escolhendo
dado dos desajustes dos indivíduos. No entan- como existente, para que assim, possa resgatar
to, e em princípio, por serem profissões criadas seu projeto de Ser. Segundo Schneider (2006)
no bojo do sistema capitalista, fundamentadas é necessário uma minuciosa compreensão psi-
numa concepção do indivíduo que corroborava cológica, pois só assim será possível saber as
com os ideais liberais, cujas práticas eram mais características a serem trabalhadas por meio
desenvolvidas no setor privado da economia da intervenção. Por intermédio da metodologia
com o intuito de atenderem às necessidades compreensiva, Sartre propicia ao terapeuta a
de adaptação do homem a produção, reforçou- clareza e segurança nas suas intervenções. Se-
-se uma imagem tanto da Psiquiatria, quanto da gundo essa mesma autora toda compreensão
Psicologia Clínica, que seus atendimentos eram é imprescindível na psicoterapia, uma vez que
direcionados preferencialmente às classes he- permite um planejamento adequado, para distin-
gemônicas. guir os aspectos mais importantes para trabalhar
Quanto ao modelo individualista de aten- na intervenção clínica, tornando possíveis as
dimento, Moreira et al. (2007) mencionam que mudanças quando necessárias, com o intuito do
teve origem com Freud quando este estabele- cliente ostentar a responsabilidade de seu ser
ceu o segredo entre terapeuta e o indivíduo no com sua autonomia e uma superação nos em-
processo terapêutico, inserindo assim, a Clínica baraços da sua existência.
no modelo individualista. Conforme Erthal (1999) o princípio da
No entanto, conforme Schneider (2006), psicoterapia existencialista é entender o cliente
críticas voltadas a manutenção do status quo como um todo e não de maneira dicotomizada,
pela Psicologia Clínica, bem como seu enten- com o objetivo de revelar seus comportamentos
dimento sobre um indivíduo descontextualizado até atingir o projeto ou imagem que ele tem de si
das questões históricas, sociais e dialéticas, fo- próprio e assim chegar a uma existência autên-
ram essenciais para apurar a verdadeira função tica. A psicoterapia existencialista considera in-
de um psicólogo na Psicologia Clínica e assim dispensável uma observação da vida do cliente,
mudanças e muitas conquistas se tornaram pos- com todos os dados por ele passado, para então
síveis, principalmente no trabalho mais impor- chegar até seu projeto original, para tanto é utili-
tante que é a psicoterapia. Assim, a Psicologia zado o método progressivo-regressivo proposto
que tem sua consistência no existencialismo de por Sartre (2002). Tal método visa compreender
Jean-Paul Sartre, fundada nesse espaço episte- o homem em situação, sua realidade concreta,
mológico, teórico e ideológico específico, osten- que representa a síntese totalizadora da relação
ta uma perspectiva histórica, dialética, social e dialética que estabelece com o mundo. Como
não mentalista, o que muito propõe para a eleva- colocam Maheirie e Pretto (2007, p. 460) o mé-
ção dos embaraços frente à Psicologia Clínica. todo:
Na perspectiva da psicoterapia existen-
cialista o foco se dá por intermédio do movimen- [...] se constitui como uma forma de compre-
ender o sujeito, na medida em que busca se zes de contaminar sua percepção do cliente. Ao
amparar em análises que percorrem as sín- intervir, exterioriza o que percebeu do cliente,
teses totalizadoras, tanto das singularidades buscando colocar a própria escolha do cliente
como do coletivo. Visa o movimento de totali- enquanto foco de sua consciência. Conseguido
zação histórica da singularidade na intersec-
êxito com a intervenção, pode ser provocada
ção da totalidade histórica geral, uma escla-
recendo a outra, ambas imbricadas, porém
uma atitude reflexiva do cliente. Não há como
irredutíveis, [...]. intento do terapeuta levar o cliente a um auto
conhecimento, uma vez que conhecer algo é di-
Prosseguem as mesmas autoras ex- ferente de ter consciência de algo, é justamente
plicitando que a expectativa histórico-dialética a possibilidade da conscientização do Eu que o
apresenta o sujeito constituído com as relações cliente escolheu para si, percebido antes pelo te-
que ele institui com o mundo, e não um sujeito rapeuta, que direciona-se a intervenção.
já pronto, pois como ele é um projeto, não está Bocca e Freitas (Inédito) clarificam o es-
determinado, ainda se faz e então se tornará o crito anterior dizendo que o conhecimento é uma
que fizer com o que fazem dele. Para se fazer das formas possíveis da consciência intencionar
no presente, ele tem o passado como base, que algo. Para que exista o conhecimento é preci-
não pode ser esquecido, mas sim ressignificado so uma consciência que almeja este objetivo.
e também pelo desejo do que não é, mas que Sabendo ser a consciência um vazio, necessa-
virá a ser. No mesmo escopo é válido destacar riamente ela precisa do mundo para se compor
que o cliente é o sujeito da sua vida, da sua his- e, consequentemente, o mundo para ser signifi-
tória, caso contrário não existe a possibilidade cado necessita da consciência. Dessa maneira,
dele se encontrar como ser humano, não se aco- consciência e mundo encontram-se atrelados.
modando com o que os outros fazem dele, mas Por meio da intencionalidade a consciência ofe-
sim o que ele faz com o que os outros fazem rece sentido ao mundo. Partindo de Sartre a in-
dele. tencionalidade é a origem do estado transcen-
A psicoterapia existencialista, utilizando- dental da consciência.
-se do método progressivo-regressivo, poderá É a consciência que permite a uniformi-
compreender, a partir do próprio homem, como dade e a personalidade do Eu de um sujeito, por
é enquanto ser-no-mundo, existente e com ca- ser este, tudo o que está posto no mundo, sus-
pacidade de entender seu projeto de ser, pois o cetível a apreensão e significação. As autoras
terapeuta existencialista ao conceber o homem acima (Inédito) complementam que a consciên-
na sua integralidade, dialético, histórico e social, cia que se encontra focada nos objetos, é uma
não somente objetiva compreender como este consciência irreflexiva, não posicional de si. Esta
homem compreende o mundo e a si, mas tam- apreensão do objeto não significa uma intencio-
bém como age sobre o mundo, transformando-o nalidade do Eu, pois está centrada no objeto.
ou não e assim, a sua existência. Como já colocamos, o Eu só pode ser agregado
Partindo de tal movimento de compreen- pela consciência por meio do ato reflexivo, pelo
são direcionado à figura do cliente, é possível qual não apenas capta o objeto, mas o intencio-
afirmar que o terapeuta porta-se como o Outro na. É através do ato reflexivo que o Eu reveste-
nessa relação. Falamos anteriormente que so- -se de existência, real e transcendido.
mente podemos nos conhecer por meio do Ou- Direcionando a visão do Eu ao proces-
tro. Com o terapeuta, o cliente coloca também so terapêutico, é oportuno relatar que o cliente
a maneira como escolhe ser no mundo, suas quando primeiramente expõe seus conteúdos, e
escolhas provocam vivências no terapeuta que enfatiza a posição do Outro tirando de si o posi-
busca trazer ao foco da consciência do cliente cionamento, utiliza-se da consciência impesso-
como este se mostra nesta relação, o que mui- al, desprovido de qualquer traço subjetivo, com
to não deve fugir dos padrões das relações que vista a uma maior objetividade e uma imparcia-
trava além do setting terapêutico. lidade, não reflete qualquer particularidade, não
Enquanto um Ser também dialético, o te- intenciona um Eu, apenas o Outro, porém quan-
rapeuta interioriza o que o cliente expressa ver- do a consciência volta-se para si de maneira pe-
balmente e não verbalmente, mas também, ao culiar, abre espaço para o surgimento do Eu.
realizar a redução fenomenológica, o terapeuta Quando o terapeuta se posiciona en-
deve suspender possíveis preconceitos capa- quanto o Outro na relação, oferece ao cliente a