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O pensamento comunicacional
na contemporaneidade*

Bernard Miège
Doutor em Economia (Université Paris) e
em Humanidades (Université Bordeaux)
Professor catedrático da Université de Grenoble

Resumo: Para refletir sobre o pensamento comunicacional,


deve-se lutar contra o sincretismo teórico e entender como fo-
ram construídas as grandes linhas de reflexão sobre a comuni-
cação. Defende-se aqui a hipótese de que existe um pensamento
E m 1995, eu escrevi o livro O pensa-
mento comunicacional, que foi tradu-
zido para vários idiomas e, recentemente, para
comum não só entre os teóricos, mas também entre os que pra-
o chinês. Eu não estou aqui para fazer a pro-
ticam a comunicação. Neste artigo, enumeram-se as principais moção do livro, mas para mostrar seu conte-
correntes do pensamento comunicacional: a teoria funcionalis- údo atualizado. Por que eu escrevi esse livro,
ta, a corrente cibernética e a teoria estrutural. Além disso, discor-
re-se sobre as questões fundamentais do pensamento comunica- então, há quatorze anos, se não era a minha
cional na contemporaneidade e apontam-se seus desafios. especialidade central? Tendo alguns alunos
Palavras-chave: pensamento comunicacional, correntes do
pensamento comunicacional, desafios da comunicação.
da graduação e, depois, também, orientandos
do Doutorado, pude perceber que esse tema
El pensamiento de la comunicación en la contemporaneidad que desenvolvi tem um grande valor.
Resumen: Para reflexionar sobre la comunicación se hace ne-
cesario luchar contra el sincretismo teórico y buscar entender
Os estudantes de comunicação têm uma
como se construyeron las grandes líneas teóricas sobre la co- formação teórica que é, às vezes, inconciliá-
municación. Este artículo defiende la hipótesis de que existe vel. A comunicação é uma disciplina recente
un pensamiento común no solo entre los teóricos como en-
tre los que actúan con la comunicación. Este trabajo enumera e é importante que os alunos consigam per-
las principales corrientes de las teorías de la comunicación: la ceber os vários caminhos que ela desenvolve.
funcionalista, la cibernética y la estructural. Discurre, además,
sobre cuestiones fundamentales del pensamiento de la comu-
A primeira razão, então, seria lutar contra o
nicación en la contemporaneidad y apunta sus desafíos. sincretismo teórico. A segunda seria perceber
Palabras clave: pensamiento de la comunicación, corrientes te- que os estudantes de comunicação sabem
óricas de la comunicación, desafíos de la comunicación.
que esses são assuntos apaixonantes, mas não
The communicational thought nowadays possuem um aprofundamento histórico.
Abstract: In order to reflect on the communicational thought, one
has to struggle against the theoretical syncretism and understand
Os estudantes de comunicação, portan-
how the main lines of reflection have been built. The hypothesis to, de certa maneira, projetam-se ao futuro
here is that there is a common thought not only among theoreti- e não se dedicam a entender, historicamen-
cians but also among those who practice communication. In this
article, the main trends of communicational thought are enumera- te, as questões que possam interessar. Isso
ted: the functionalist theory, the cybernetic theory and the structural
theory. Besides, this paper deals with the fundamental questions of
the communicational thought nowadays and shows its challenges. *
Este artigo é fruto da transcrição de uma palestra proferida
Key words: communicational thought, theoretical trends of com- por Bernard Miège na Faculdade Cásper Líbero em 22/04/2009.
munication, practical and theoretical challenges of communication. Tradução: Prof. Dr. Antonio Roberto Chiachiri Filho.

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é uma insuficiência importante porque os mulação de aportes sucessivos. Tudo o que


estudos em comunicação remontam à me- contribuiu para formar esse pensamento
tade do século XX. Pode-se até dizer que comunicacional, desde a metade do século
foram nos anos de 1930, nos Estados Uni- XX, continua a ser ativo ainda hoje. O pensa-
dos, à ocasião das eleições americanas, que a mento comunicacional, portanto, não é feito
comunicação emergiu. Justamente antes da apenas de cibercultura ou do ciberespaço. A
eleição do presidente Roosevelt, os primei- cibercultura é, sim, um prolongamento da-
ros métodos foram utilizados. Antes disso, quilo que já estava colocado. Conseqüente-
nos outros países, só existia a comunicação mente, o essencial, hoje, é constituído por
publicitária, que corresponde bastante ao três correntes fundadoras. Eu vou citar o que
que se é feito hoje. É importante, assim, ter no livro está detalhado.
uma visão mais clara dessa disciplina e saber
por que ela existe. 1. Funcionalista-empirista da Mídia de
Massa
Nos anos de 1930 a 1940, nos Estados
A base a ser utilizada Unidos em primeiro lugar e, depois, em ou-
tros países, o pensamento comunicacional
para reflexão é um teve início e tomou força nas mãos daqueles
pensamento comum, que o praticavam, sobretudo, sob três cor-
que emana não somen- rentes teóricas. A primeira é a corrente fun-
te dos teóricos, mas cionalista-empirista da mídia de massa. Essa
também de quem exerce teoria nos é conhecida como a teoria dos cin-
influência na imprensa co quês: quem, diz o quê, para quem, por que
meio e com que efeitos. É uma teoria funcio-
nalista, inspirada na sociologia funcionalista
que, por exemplo, foi utilizada por um pes-
Por isso, a terceira razão, que se reporta ao quisador célebre, Lazarsfeld, em seu trabalho
título “pensamento” desta conferência, vem sobre comunicação e sociologia.
da hipótese de que a base a ser utilizada para Essa teoria é ainda muito presente, mes-
reflexão é, de certa maneira, um pensamen- mo se não enunciada, nas escolas de jorna-
to comum, um pensamento que emana não lismo e no meio jornalístico. Eu ficaria sur-
somente dos teóricos, mas também daqueles preso se não encontrasse, aqui, na formação
que praticam, isto é, das pessoas capazes de de jornalismo, traços da corrente funciona-
exercer uma influência na imprensa. Hipó- lista-empirista. Foi ela que deu sustentação
tese, aliás, mais ou menos confirmada não a anos de formação dos estudantes de co-
somente na França, nem somente na Europa, municação por meio da idéia de que a mí-
mas em muitos outros lugares como China, dia tem uma função na sociedade – além da
África do Norte e, evidentemente, América idéia de que a mídia tem esse efeito de influ-
do Norte e América Latina. Essa é a origem ência junto a diversas populações e de que a
da minha empreitada. gente pode, de qualquer maneira, identificar
essa influência.
Correntes fundadoras do pensamento A teoria funcionalista se aperfeiçoou ou
comunicacional tentou responder às críticas a ela dirigidas.
Por exemplo, em vez de procurar quais foram
A questão que me foi feita é: o que é fei- os efeitos da mídia, em 1973, os pesquisado-
to, hoje, do pensamento comunicacional? res inverteram essa questão. Eles quiseram
Esse pensamento vem da sucessão e da acu- saber o que as pessoas fazem com a mídia e

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não o que a mídia faz com as pessoas. Esse por peças de museu. A partir dos nos 1970
tipo de ligação em que a mídia tem uma re- e, principalmente, dos anos 1980, outras te-
lação de exterioridade aos grupos sociais, in- orias foram formuladas e inspiraram o tra-
clusive, continua, ainda, muito presente hoje. balho de autores, pensadores e pesquisadores
As pesquisas quantitativas têm uma relação da comunicação.
estreita com essa teoria. Em primeiro lugar, eu citaria os dois tipos
de pragmáticas que trazem a idéia funda-
2. Cibernética mental de que a comunicação não se limita à
A segunda corrente teórica, que é bem linguagem, mas a todas as nossas expressões
ativa, é a cibernética, à qual estão ligados au- corporais. Elas defendem, portanto, que nós
tores como Norbert Wiener, Shannon e We- não podemos não nos comunicar, isto é, a
aver. Na realidade, esse autores são ou mate- não-comunicação não existe, seja da forma
máticos ou cientistas que, após a II Guerra como estamos aqui, em comunicação direta,
Mundial, se propuseram a modalizar essa ou quando nos relacionamos à distância. Os
relação com a comunicação. Na verdade, eles autores pragmáticos chamavam esse modelo
decidiram colocar a comunicação no centro de modelo orquestral da comunicação.
das relações da sociedade. Uma parcela do Temos, então, a outra pragmática: a da
modelo emissor–receptor, de certa forma, semiótica ou semiopragmática. As primei-
fez-se graças a eles. ras observações vêm de alguns autores ame-
Mas o que realmente é devido a eles é o ricanos. Depois, todas as posições vêm dos
aperfeiçoamento que fizeram desse modelo, sociólogos, sobretudo daqueles que traba-
ou seja, as existências de canais entre o emis- lham com a interação social das micro-so-
sor e o receptor, além do feedback, efeito de ciedades. Só citarei o Golfmann, com a et-
retroação. Nós poderíamos falar mais sobre nometodologia, dentre todos os sociólogos
a cibernética – por exemplo, sobre a relação que posicionaram a comunicação na cons-
homem e máquina. Tudo isso remonta aos trução das ligações sociais.
modelos que citei. 3.2 Economia política de comunicação
3. Antropologia estrutural O terceiro tipo de relação dos anos 1970
é representado pela economia política de co-
A terceira corrente, bastante influente no municação. Até mais ou menos 1990, as re-
pensamento comunicacional, é a antropologia flexões econômicas estavam completamente
estrutural, particularmente em decorrência fora das reflexões da comunicação. Naquele
do que Lévi Strauss – meu compatriota, que período, houve um acontecimento impor-
tem mais de cem anos – propôs como sendo tante: a reunião da Organização Mundial da
a teoria estrutural, em que a comunicação é Ciência e da Cultura, na Unesco. Nela, a Co-
central. Dá-se, assim, a comunicação entre as missão, presidida por um diplomata irlan-
pessoas, a comunicação dos bens econômicos dês, identificou, pela primeira vez, as relações
e a comunicação das mulheres, isto é, das tro- econômicas com as relações de comunicação
cas familiares. Dessa teoria estrutural saíram – relação em nível mundial.
diversas teorias lingüísticas. Os teóricos da Foi isso que impulsionou os trabalhos, nas
lingüística, inclusive, são os terceiros maiores indústrias culturais, sobre a concentração das
fundadores dessa comunicação. mídias, sobre a desigualdade das trocas nas
3.1 Duas pragmáticas relações entre os países e, sobretudo, sobre a
dominação que as grandes empresas exercem
Se estamos aqui hoje é devido a essas sobre a mídia (foi essa comunicação que viu,
três correntes, que estão longe de ser pe- pela primeira vez, que a informação não se li-
ças de museu – aliás, tenho muito respeito mitava apenas à informação da imprensa).

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4. Recepção dos programas e de conteúdo bendo que, em algumas universidades, certos


temas são privilegiados e têm outros pontos
Outro tipo de informação, portanto, co- de vista. Penso que os trabalhos empíricos e
meçava a ter importância no mundo todo. de corpus, os trabalhos que trazem aspectos
Essa Comissão anunciou um desenvolvimen- parciais, são preferíveis às visões globais.
to tecnológico antes desconhecido. A quarta
corrente que se desenvolveu nesse período
foi a recepção dos programas e de conteúdo. Informação e comunicação
A origem dessa corrente é múltipla: estudos Quais são as questões que podem ser
literários, trabalhos na sociologia etc. A idéia, consideradas, hoje, as mais importantes so-
a partir dela, é ver o que o público vai fazer bre informação e comunicação? O que digo
com esse conteúdo que recebeu. por “questão”? São propostas teóricas, aná-
lises científicas, mesmo as expertises, decla-
5. Sociologia da técnica e da mediação
rações públicas e o que podemos chamar de
A última corrente é a da sociologia da pré-noção. E por que, então, eu falo da infor-
técnica e da mediação. A partir do início dos mação–comunicação? Eu poderia continuar
anos 1990, desenvolve-se a relação face a face falando da comunicação geral, mas eu penso
com a televisão ou com o telefone de base. que a comunicação tem uma relação com a
Novos produtos foram anunciados e a ques- informação. Ela não se funde, mas faz parte
tão era saber o que o indivíduo comum iria da informação.
fazer com o que estava recebendo. Uma série Desde há muito tempo, a informação que
de trabalhos começou a ser publicada com não é comunicada, que não tem canais de di-
posições teóricas divergentes e esses traba- fusão, é a informação que não tem sentido.
lhos são, até hoje, de grande atualidade. Informação não é a mesma coisa que conhe-
É preciso, então, prestar atenção em um cimento. A informação é resultado de uma
elemento importante. É a partir daí que produção visando a um público. Ela sabe
uma formação acadêmica, com essas meto- desse público potencial e isso é verdadeiro
dologias científicas, começa a tomar corpo para todas as mídias. Eu tenho essa tendên-
– em primeiro lugar, nos países mais ricos cia de articular informação e comunicação
e, depois, quase em todo o planeta. A maior não por meio de um hífen, mas por um tra-
parte dessas ofertas universitárias se apoia- ço. Isso pode parecer um detalhe, mas não é.
va nas ciências humanas e sociais, raramen- Não existe uma fusão entre um e outro, mas
te nas ciências da informática, física ou ma- há uma relação. Quais são, então, essas ques-
temática. Com a chegada dessa formação tões maiores da informação e da comunica-
universitária, os trabalhos de pesquisa se ção? Vou apresentar quatro questões.
desenvolveram, sem dúvida alguma, em ca- 1. Importância do paradigma tecnológico
minhos diferentes.
Mas, finalmente, essa multiplicidade de A primeira delas é a importância do pa-
trabalhos acadêmicos teve uma vantagem: radigma tecnológico, ou seja, a importância
com a visão geral sobre a informação e a co- que a técnica apresenta na informação–co-
municação, as teorias que gostavam de tratar municação atual. Nós estamos em um mo-
todos os problemas sob um único ponto de mento em que as técnicas da informação–
vista perderam as suas influências. Há uma comunicação não merecem ser qualificadas
visão desses pesquisadores sociais que nos como novas, pois estão presentes em grande
anunciam a comunicação do amanhã. Hoje, parte da atividade da nossa vida privada, da
o conjunto desses trabalhos é bastante diver- vida pública, do espaço público e da vida
sificado, o que me parece outra vantagem, sa- profissional com uma maturidade, mesmo

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se ainda não for praticada pela grande parte mica própria, mas essa dinâmica é reforçada
da população. pelo desenvolvimento das técnicas.
Além disso, essas técnicas estão em siner- Hoje, em vários países, tanto nos mais
gia umas com as outras como – por exemplo, desenvolvidos como no meu (que é um país
as que estão nas redes de comunicação téc- em declínio), em quase todos os campos so-
nica e se apóiam em muitas das ferramentas ciais do consumo individual, da administra-
que utilizamos hoje: o computador, o telefo- ção das grandes empresas, da vida política,
ne celular, todos os instrumentos de tomada da gestão do espaço público, em tudo isso,
de som. O conteúdo rede-ferramenta-conte- que já é bastante coisa, ações comunicacio-
údo representa as três categorias de técnicas nais são colocadas. Não são ações limitadas e
que hoje são acessíveis. minoritárias, como eram há trinta anos. São
Com elas, criam-se novas mídias que ações que requerem um know-how dos pro-
não substituem as mídias que já conhece- fissionais de comunicação.
mos, mas que têm seus lugares e funções.
O SMS, por exemplo, não é outra coisa que
não um meio de comunicação. Quando eu
É preciso tomar
utilizo um computador para digitar meu
texto, isso não tem nada a ver com uma mí- consciência de que
dia. Essas técnicas de comunicação e infor- a informação-
mação tornam-se, de certa forma, maduras comunicação deixa
e oferecem-nos numerosas potencialidades, espaços – infelizmente
apesar de estarmos longe de utilizá-las to- reduzidos – à comuni-
das. Particularmente, quando olhamos um
cação alternativa
site, incluindo a web 2.0, a criatividade é
fraca, limitando-se a um texto escrito acom-
panhado de imagens. Podemos dizer que é
uma mídia integrada, como é, por exemplo,
a história em quadrinhos. Há muita coisa 3. O espaço reduzido para a comunicação
para se fazer ainda, do ponto de vista da es- alternativa
crita dentro das mídias e do ponto de vista Isso mudou enormemente as coisas nas
da interatividade. mediações sociais. A informação–comuni-
2. Em que a comunicação–informação cação não é mais uma prática dentre outras.
consiste Ela é transversal a todos os campos sociais. E
uma das conseqüências disso que acabei de
Em segundo lugar, entre as questões dizer, é preciso tomar consciência, é que ela
maiores que se colocam em relação à comu- deixa espaços, infelizmente reduzidos, à co-
nicação–informação, sabe-se sempre mais e municação alternativa.
mais no que ela consiste. A comunicação–in- As técnicas conhecidas hoje oferecem
formação – insisto neste ponto – não come- possibilidades muito mais interessantes que
çou com as novas técnicas da informação e a comunicação de massa de trinta anos atrás
da comunicação. A comunicação–informa- – até mesmo a comunicação jornalística, na
ção é bem anterior, por exemplo, às estra- Europa, que tinha um panorama completo
tégias de relações públicas nas empresas e à da imprensa. Incontestavelmente, as técnicas
utilização da comunicação para desenvolver que conhecemos são mais interativas, elas
a educação à distância. No entanto, a infor- podem ser manuseadas por grande parte da
mação–comunicação utiliza, atualmente, as população, tendo um saber profissional es-
técnicas de informação. Ela tem sua dinâ- pecífico. Tudo isso é verdade. É a razão pela

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qual grandes grupos sociais advêm dessas foi anunciado que um dos sites mais impor-
técnicas de informação e de comunicação. tantes, o Google News, já sentiu uma baixa
Isso pode ser verificado, mas o problema nos seus anúncios publicitários. Se o Google
é que as grandes organizações, ao mesmo está nesse ponto, o que será dos sites menos
tempo – partidos políticos, empresas, as au- poderosos? Eu tendo a pensar que o sistema
toridades públicas –, têm as mesmas possibi- fundado apenas no financiamento publicitá-
lidades, e elas também as utilizam. A questão rio é frágil e preocupante porque talvez não
é qual espaço elas deixam às formas alterna- deixe espaço para outros conteúdos nesse
tivas de comunicação – o que hoje é mono- universo das mídias.
polizado pelas grandes organizações. Não falarei em detalhes a forma como
todo esse sistema foi financiado – historica-
mente falando, de um lado pela publicidade
Juntar possibilida- e de outro, pelo consumidor. Entre os dois,
fórmulas intermediárias foram aplicadas. Se
des de comunicação
não estivesse em questão o futuro das mídias,
alternativa às grandes se, de uma certa maneira, os consumidores
instâncias da comu- não devessem pagar pelo conteúdo, o siste-
nicação é a única ma teria problemas rapidamente.
estratégia na qual O segundo desafio são as modalidades
podemos pensar de organização. As mídias, de uma maneira
ou de outra, em todos os países, conhecem
as regulamentações. As novas mídias são,
atualmente, pouco regulamentadas. Seria,
4. Transnacionalização inclusive, mais apropriado dizer que há uma
A quarta questão é a transnacionalização enorme concorrência entre dois sistemas de
das atividades comunicacionais. Já há alguns regulamentação. De um lado, há os direitos
anos, a informação, a cultura e a comunicação autorais e o copyright, que tem mais de dois
circulam, têm trocas, e tornaram-se produtos séculos de história, e cujo objetivo é remune-
que difundem as grandes empresas. Isso só rar os autores, os intérpretes, os profissionais
vai simplificar. Além disso, mesmo nos países da informação etc. – por meio, é claro, do pa-
governados por regimes autoritários, onde a gamento dos consumidores. Do outro lado,
população é controlada, as técnicas de infor- há a propriedade intelectual que foi, sobretu-
mação–comunicação estão disponíveis e os do, desenvolvida nas indústrias da informá-
controladores não podem impedir os jovens tica, em que o consumidor não paga direta-
e os múltiplos utilizadores de se comunicar mente, mas somente indiretamente. Ela está
com o resto do mundo. Isso pode apresentar associada, por exemplo, a todos os softwares
algum perigo, é claro, para as oposições polí- que utilizamos. Nada é gratuito. Os conte-
ticas. O primeiro desafio, portanto, é assegu- údos não são nunca produzidos a partir do
rar os recursos estáveis e diversificados para a nada. Entre esses dois sistemas, há uma bata-
produção dos conteúdos. lha feroz. A propriedade intelectual, mesmo
tendo a liberdade e o direito de comunicar
para fazer avançar os peões, convive com a
Desafios da comunicação
dúvida colocada no período atual, que con-
Olhem a internet, os sites, particularmen- tinuará presente daqui a dez anos: qual mo-
te os sites da web 2.0. Cada vez mais, esses si- delo de regulamentação vai imperar?
tes são patrocinados pela publicidade. Nesse O terceiro desafio é a questão da criativi-
período de crise mundial em que vivemos, já dade, da inovação. Eu já disse que o multimí-

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dia é algo pouco criativo. Essa criatividade se aspecto particular dos produtos culturais
exerce, sobretudo nas relações, na interativi- informacionais, que não são mercadorias
dade, na maneira na qual pedimos essas tro- como as outras, mesmo que sejam vendidos.
cas. Os conteúdos são pobres. Em todo caso, No caso de uma negociação mundial, os pa-
são bem menos do que se esperava. É preciso íses mais poderosos do planeta tentaram co-
encontrar soluções, portanto, para garantir a locar todas as mercadorias no mesmo plano.
criatividade, como outros experimentos que Foi um desafio decisivo para a diversidade
atuam hoje. que continua a considerar os produtos cul-
O quarto desafio é limitar a hegemonia turais como mercadorias diferentes. Não dá
dos grupos que controlam os sistemas cultu- para negar que sejam mercadorias diferen-
rais e informacionais antigos e novos. Cada tes. Aqui estão algumas questões que pude
sistema é dominado por grandes empresas. detalhar. Passemos às questões.
O objetivo seria, então, que as expressões
independentes pudessem existir por uma Qual seria a solução para o problema da
longa duração – o que não se limita somen- criatividade? A formação acadêmica, talvez?
te à situação da viabilidade. Como pano de
Acredito que não exista apenas uma
fundo, o problema é político e societário. A
solução para o problema da criatividade.
animação parcial dos espaços públicos, que
Uma, com certeza, é a formação acadêmica.
pode ser encontrada em todos os aspectos
Os professores devem estar contentes de me
de nossas vidas, é um aspecto fundamental.
ouvir falar isso agora. Precisamos ter a idéia
Não podemos contar com as grandes empre-
de que todos nós podemos manusear todas
sas para darem conta sozinhas desse espaço
as ferramentas sem problemas. Não existe a
público. Para a comunicação alternativa, seu
história de práticas. Ter um som, pegar um
interesse não é nela mesma. Seu interesse é
som, montar um som, isso vem de longe. Ti-
movimentar o espaço público.
rar fotografias também é uma prática antiga
O quinto desafio é que, à medida que a
– o que coloca uma série de questões sobre
produção da informação transborda, hoje,
a imagem. A formação, de uma certa ma-
nos lugares legítimos, ela não é somente
neira, é indispensável. É uma resposta entre
um efeito das indústrias jornalísticas. Nes-
outras, mas é uma resposta importante ao
se sentido, é preciso colocar em aplicação
déficit de criatividade.
e definir normas deontológicas que se im-
ponham a toda a produção profissional e a Qual seria a web 2.0 ideal, já que, neste
conteúdos de informação. O problema não momento, em sua visão, ela não está sendo
é confiar toda a informação aos profissio- adequada?
nais do jornalismo (hoje, isso é difícil, é
fora de moda). O problema é que todas as A web 2.0 não é uma iniciativa que vem
novas mídias respeitam as normas deonto- de qualquer lugar, ela vem de uma base, algo
lógicas. As novas mídias podem ser as mí- que não teria relação com as indústrias cul-
dias poderosas e aquelas menos poderosas. turais atuais. A web 2.0 é uma nova indús-
Essa questão foi colocada pelos profissio- tria cultural em formação. É uma indústria
nais para o Google. que força o colaborativo e o participativo.
O último desafio é a questão da diversida- Possui uma maneira de fazer acordos com
de informacional e cultural. Hoje, a relação as indústrias culturais. Atrás dela, existem
cultural e informacional é muito assimétri- grandes pensadores, muitos deles ameri-
ca. Tem países que são poderosos, outros que canos, como, por exemplo, o MIT, assim
são menos. O objetivo é manter a diversida- como interesses financeiros importantes. É
de – em particular, conservar, garantir esse uma industrial cultural em formação que

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aceita as propostas que vêm dos usuários. tenho muitas críticas a fazer – o que escrevi
É isso que a faz passar por uma matriz, em uma obra que será lançada sobre o es-
mas ela ainda está em fase de preparação. paço público.
Para aqueles que investem nela, o objetivo
Como o senhor descreveria as relações en-
é diminuir a contribuição desses autores e
tre a mídia de massa e a prática educacional?
construtores. Pode-se dizer que isso é uma
estratégia das grandes indústria culturais. É uma boa pergunta. Pode-se dizer que,
Por exemplo, em matéria de música, já faz há 40 anos, toda uma série de experimen-
algum tempo que as cinco mídias mundiais tação foi lançada para integrar as mídias de
negociam com os independentes ou com massa e a educação. Pode-se dizer, também,
novos autores. Mas, com a web 2.0, essa es- que essas experimentações não vingaram.
tratégia tornou-se central. Portanto, eu julgo o que se passou na Fran-
Então, agora vou responder as ques- ça, em que se evitou ligar as mídias de massa
tões da seguinte maneira. Eu diria que aos meios financeiros e ligou-se, sim, à edu-
estamos em uma fase de um processo no cação. As coisas, no entanto, estão mudan-
qual não podemos só ficar visando pro- do rapidamente. As TICs e as novas mídias,
messas, mas precisamos ver os objetivos e conseqüentemente, revelam-se mais plásti-
nos dar conta de que alguns sites já foram cos às práticas educacionais e às atividades
comprados, muito caros, por alguns gran- do sistema de educação. Acredito que uma
des grupos. Não sei se é preciso reforçar interação importante está acontecendo, que
a web 2.0, mas acredito que não se pode não se limita à educação à distância, mas que
ter ilusão. Recusar, de maneira alguma. penetra em todas as atividades educativas.
Isso cria possibilidade de conhecer outros Não discuto muito o papel dos professores,
criadores, dá possibilidade de troca, mas a atividade direta, no caso. Mas não vai pre-
o objetivo não deve ser esquecido. Não dá judicar essa relação direta, vai complementá-
para pensar em uma web 2.0 ideal, nem la. O que não se conseguiu com a mídia de
em uma web 3.0. A única estratégia na massa, tem chances, agora, de se realizar com
qual podemos pensar é nessa de juntar as novas mídias.
possibilidade de comunicação alternati-
va às grandes instâncias da comunicação, Como um olhar mais cuidadoso pelo
que estão passando dificuldades por cau- pensamento complexo poderia contribuir
sa da crise atual. para o pensamento comunicacional da con-
temporaneidade e para criatividade?
No livro O pensamento Comunicacio-
nal, o pensador alemão Nicholas Luman Meu ponto de vista é que essa proximida-
aparece como o último nome entre os cha- de da complexidade é elemento chave para
mados funcionalistas. Por que o senhor o entender a informação e a comunicação
coloca nesse grupo? – a complexidade e a interdisciplinaridade,
como já apontei. Já indiquei, há muito tem-
Confesso não ser um leitor freqüente e po, que as posições generalistas não me in-
apaixonado de Luman. Sou mais interessa- teressam e continuo a dizer que o que deve
do no Habermas, que enfrentou o Luman ser colocado na informação–comunicação
nas revistas alemãs e em suas obras. É ver- são as problemáticas transversais e parciais.
dade que não podemos classificá-lo como Transversais, como já disse, que atravessam
funcionalista, no seu sentido extremo, mas diferentes campos sociais. Parciais porque é
o seu pensamento me parece sistêmico. É, um erro querer ter um ponto de vista global
portanto, mais fechado e menos claro que o sobre comunicação. A complexidade é mui-
pensamento de Habermas, a quem também to importante.

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Em relação ao desafio da regulação, o se- Mas o conhecimento, essas trocas entre os


nhor coloca o embate entre direito autoral e indivíduos, está disponível. Certos de que
propriedade intelectual, em que se incluem cada vez mais o conhecimento dá acesso à
as licenças de software. Nessa disputas, informação, estamos longe de transformar
aonde se colocam os novos conceitos de re- a informação em conhecimento. Vou to-
formulação de domínio público, bem como mar um outro exemplo: dados que são do
as licenças creative commons? conhecimento e só dependem do indivíduo
não são informação, mas, às vezes, tornam-
A questão do embate da regulação. Sei que se informação. Quando de um domínio de
existe há algum tempo essa prática de livre uma atividade industrial, a gente considera
licença, mas o licenciamento livre não é res- que uma série de engenheiros tem que se
posta ao que eu indiquei. Primeiro, porque aposentar. Quando se aposentarem, isso vai
as organizações que têm essa licença foram
levadas a negociar com grandes sociedades
de informática – sem dúvida, com essa que
domina o mercado e outras que, certamente, Certos de que cada
são poderosas. Mas não é uma resposta, por- vez mais o conheci-
que o problema não é somente financiar o mento dá acesso à
software, isso é só um aspecto. É o conteúdo informação, estamos
que resta financiar. É aí que eu digo que os
militantes informáticos não vêem esse pro-
longe de transformar
blema de conteúdo que supõe que os criado- a informação em
res possam viver de suas criações e ativida- conhecimento
des. O direito da comunicação é claramente
respeitável, mas existe de alguma forma o
direito da informação e produção. se tornar um problema porque, sem eles, va-
mos perder conhecimentos que não foram
Gostaria que o professor desse mais deta-
publicados e que ninguém pode difundir.
lhes sobre essa ligação indispensável entre a
Nesse caso, somos obrigados a formalizar
informação e a comunicação no pensamen-
esses conhecimentos em informação.
to comunicacional contemporâneo.
Quais questões passam a ser abrangidas
Eu estou consciente que apresentei esses
pelo termo “tecnologias da informação e da
problemas rapidamente. Eu diria que meu
comunicação”?
ponto de vista é o seguinte: a informação
é o conteúdo cognitivo da comunicação. O A expressão técnica da informação–co-
que a gente encontra em um livro, numa re- municação veio da engenharia. Pessoal-
vista, em uma emissora de televisão, num mente, eu não sou o único que não utiliza
filme, em todas essa mídias, tem modalida- tecnologia, mas técnica, porque “tecnolo-
des de comunicação, mas os seus conteúdos gia” é uma falsa tradução da palavra ingle-
cognitivos são a informação. Na produção sa, uma péssima tradução. “Técnica” supõe
da informação profissional, o problema é o que tenha uma incorporação em um su-
mesmo. Quando eu disse que não era para porte material. Por conseqüência, técnica
confundir informação com conhecimento, da informação e da comunicação é, de al-
de fato o conhecimento é aquilo que está guma forma, a materialização de um certo
disponível em uma comunidade científica. número de modalidades que favorecem as
Ele não dá, necessariamente, lugar à produ- trocas da informação e da comunicação.
ção de artigo, que é da formação científica. Algumas dessas técnicas são mais comu-

Cà9<IF – São Paulo – v. 12, n. 23, p. 9-18, jun. de 2009


Bernard Miège – O pensamento comunicacional na contemporaneidade
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nicacionais, outras mais informacionais. 1980 e 1990, mas não há certeza de que essa
Mas vocês viram que essas técnicas se li- influência tenha o mesmo peso hoje.
gam umas com as outras. Vocês perguntam quais são os pensado-
res mais influentes do pensamento contem-
Qual sua opinião sobre o pensamento de
porâneo. Notei que vocês não perguntaram
Michel Maffesoli? Quais os pensadores da
quem são os teóricos ou pesquisadores, mas
comunicação são os mais influentes na con-
os pensadores. Freqüentemente, tem-se a
temporaneidade?
idéia de que, na França, existam pensadores.
Eu sei que o Maffesoli é um professor de Eu diria que parece um progresso que hoje
sociologia e não um especialista da infor- haja menos pensadores do que pesquisado-
mação–comunicação. Ele é muito presente res. Essa pode ser a minha resposta: a minha
aqui no Brasil, mas não tem uma grande prioridade é a pesquisa. Existem filósofos
reputação na França. Numerosas práticas com quem discuto e com quem até concor-
acadêmicas dele são problemáticas na Fran- do, mas gosto da possibilidade de discutir. O
ça e ele é, de fato, muito contestado na co- Habermas é um filósofo político muito im-
munidade acadêmica. Pode-se dizer que o portante pra mim. Não concordo com ele
Maffesoli é um representante da pós-mo- em muitas coisas, mas reconheço o que ele
dernidade que tem uma visão de algo que traz. Eu sou mais do que cético com relação
teve uma influência real na Europa nos anos a Pierre Lévy ou a Michel Maffesoli.

Cà9<IF – São Paulo – v. 12, n. 23, p. 9-18, jun. de 2009


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