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Apresentação
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Pedagoga, Especialista em Fundamentos Políticos e Filosóficos da Educação pela UNIOESTE –
Campus de Foz do Iguaçu, pesquisadora do Grupo de Pesquisa Educação, Trabalho e Sociedade
(GPETS), da Universidade Federal do Rondônia – Unir/ Campus de Vilhena.
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Sociólogo, Dr. em Ciências Sociais pelo IFCH/UNICAMP, Professor Adjunto do Departamento
Acadêmico de Ciências da Educação (DACIE) da Universidade Federal de Rondônia – UNIR.
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Ao criar a cultura humana - os objetos, os instrumentos, a ciência, os valores, os hábitos e costumes, a
lógica, as linguagens -, criamos nossa humanidade, ou seja, o conjunto das características e das
qualidades humanas expressas pelas habilidades, capacidades e aptidões que foram se formando ao longo
da história por meio da própria atividade humana (MELLO, 2007, p.3).
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Por este ângulo, a infância e a criança são entendidas para além do aspecto
biológico. A sua expressão humana, mesmo dentro de certas particularidades, representa
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O Jusnaturalismo é uma doutrina do pensamento liberal que postula a existência do direito baseado por
leis naturais, isto é, pressupõe que todos os homens são livres e iguais por natureza. (TONET, 2005,
p.81).
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a distinção entre o próprio ser humano e os outros animais. Dessa maneira, esse
personagem social, a criança, é central para qualquer forma de organização social. Seja
para a manutenção ou para a superação de determinada ordem sistêmica, não se pode
deixar de considerar a sua existência.
Ao considerar os vários elementos constitutivos da realidade material sobre a
qual os indivíduos estão inseridos, o enfoque abstrato sobre as categorias criança e
infância torna-se insuficiente e superficial para dar fundamento e profundidade a esta
discussão.
Inserindo a criança e a infância no processo de produção cultural e social da
história humana, Kramer discorre o seguinte:
Se para Marx, a forma das relações entre homem e mulher expressa o nível de
desenvolvimento alcançado pela sociedade em que estão inseridos, o mesmo se pode
dizer da relação entre os adultos e as crianças. (MELLO, 2007)
Diante do exposto, discorremos agora uma breve análise sobre o processo de
reconhecimento histórico da singularidade/identidade infantil.
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As ordenações das Manuelinas (1521) e Filipinas (1603) que tratavam das crianças abandonadas; a Lei
do Ventre Livre (1871) que resguardava a relação mãe e filho e a família escrava; Lei-Decreto nº 1.313
que determinava sobre a idade mínima de 12 anos para o trabalho; Lei nº 4.242 (1921) que criou o
Serviço de Assistência e Proteção a Infância Abandonada e Delinqüente; o Decreto Federal nº 3.799
(1923) que criou o primeiro juízo de menores no Rio de Janeiro, Declaração de Genebra (1924)
documento internacional sobre os Direitos da Criança; Código de Menores (1927) primeiro documento
legal para a população menor de 18 anos; Criação do Ministério da Educação e da Saúde Pública (1930);
Decreto-Lei nº 3.799 (1941) que instituiu o Serviço de Assistência aos Menores (SAM); as Nações
Unidas criam o UNICEF (1946); Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); Declaração
Universal dos Direitos da Criança (1959); Lei nº 4.513 (1964) que cria a Fundação Nacional do Bem-
Estar do Menor (FUNABEM), com posterior criação das Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor
(FEBEMs); Lei nº 4.513 (1974) Política Nacional do Bem Estar do Menor; Ano Internacional da Criança
(1979); Lei nº 6.697 (1979) Segundo Código de Menores no Brasil; Criação da Pastoral da Criança
(1983); Surgimento do Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua /MNMMR (1985);
Promulgação da Carta Magna do Brasil (1989); aprovação da Convenção Internacional dos Direitos da
Criança (1989); Lei nº 8.069/90 Estatuto da Criança e do Adolescente; criação do Conselho Nacional da
Criança e do Adolescente (1992); I Conferência Nacional dos Direitos da Criança (1995).
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Legislação aplicada à pessoa menor de 18 anos de idade incompletos.
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tipo social perigoso, os chamados menores desvalidos9. Para tanto, tinham como
preocupação principal a manutenção da ordem social, em detrimento do bem-estar da
infância.
Nesse sentido, as leis destinadas à população infanto-juvenil eram dirigidas
basicamente àquelas crianças e aqueles adolescentes considerados “delinquentes” –
afinal eles eram entendidos como um grande risco à harmonia social.
Em certo sentido, o ECA surge em decorrência de uma determinada concepção
jurídica, que se opõe às visões anteriores predominantes na tradição da legislação
brasileira. Uma primeira destas é a Doutrina do Direito Penal do menor, que segundo
Ferreira (2008) pode ser caracterizada da seguinte maneira,
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Compreendido na época como crianças e adolescentes em situação de abandono ou em conflito com a
lei.
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Diante do exposto, fica evidente o modo como a criança era vista pelo direito até
pouco tempo, isso significa que a responsabilidade do Estado em relação à ela – no que
se refere ao combate dos maus tratos no âmbito familiar e social, além da garantia do
acesso à educação, por exemplo – era praticamente inexistente.
Contrariamente a isso, uma outra corrente doutrinária, que surge influenciada
pela Declaração dos Direitos Humanos (1948), corresponde à Doutrina da Proteção
Integral. Esta,
exclusivo dos educadores strictu sensu e passou ser referência também para os
operadores do direito.
Por sua vez, estabelecida a relação entre essas duas importantes áreas do
conhecimento e da vida social, os professores também, não podiam deixar de
desconsiderar as contribuições que vinham surgindo do campo desse “novo Direito”.
Como se sabe, nos dias atuais, um dos grandes problemas enfrentado pelos
profissionais da Educação corresponde à crescente violência ocorrida no interior dos
estabelecimentos escolares. Esse fato, certamente coloca professores e funcionários
diante de uma questão bastante delicada. Afinal, além dos conteúdos programados para
o ensino e aprendizagem, tarefas típicas de tais profissionais, eles também estão tendo
que enfrentar questões não ensinadas em seus cursos de formação.
Entretanto, apesar dos 20 anos de vigência do ECA, pouco se conhece sobre ele.
Parte deste desconhecimento ocorre justamente por seu avanço legal não ter sido
incorporado e difundido de modo profundo pelos representantes do direito brasileiro,
ainda marcado fortemente por pressupostos conservadores.
Devido a esse ambiente hostil, muitas vezes a redução da maioridade penal surge
legitimada, por tais profissionais, que sugerem esta medida como uma das saídas aos
problemas que envolvem a relação crime/juventude. Nestes momentos nos quais o ECA
é desconsiderado, a concepção jurídica que criminaliza a pobreza parece ser a mais
presente.
Todos sabem que o problema da “violência escolar” está relacionado a inúmeras
outras questões sociais: desemprego, tráfico de drogas, falta de perspectiva profissional
dos jovens, desemprego das famílias, exacerbação do consumo, entre muitos outros.
Diante de tal cenário, é certo que o interesse ao estudo escolar estará comprometido.
Não há dúvida que as crianças, mas, sobretudo os jovens, diante de uma vida social
perversa e excludente não sentirão a necessidade de apreender “o mundo mágico do
conhecimento”.
No entanto, a constatação de tal fenômeno não resolve o problema. É preciso
lidar diariamente com essa situação, o que certamente não é tarefa fácil. O ECA, como
um conjunto de normas jurídico-legais, serve justamente como um instrumento que
pode orientar professores e funcionários em suas atividades diárias.
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Esse Estatuto, de certo modo, pode ser um importante auxílio para os educadores
que têm um cotidiano de trabalho marcado pelos inúmeros e complexos problemas
sociais, aos quais estão envolvidos crianças e adolescentes.
Não se pode desprezá-lo pelo fato dele não ser suficiente para resolver tais
questões. Sem o seu auxílio, os problemas envolvendo
criança/jovens/violência/profissionais da Educação, certamente estariam sendo tratado
única e exclusivamente de um ponto de vista da criminalização e da naturalização das
questões sociais. Daí a sua importância em termos democráticos.
Considerações finais
Diante da importância do ECA, para a sociedade brasileira, pode-se dizer que ele
de alguma forma busca concretizar um certo projeto de infância esquecido pelas
sociedades ocidentais. Nunca na história ocidental, as crianças e os adolescentes foram
de fato tratados como indivíduos que merecem uma atenção própria. Ainda que o
reconhecimento a essa particularidade seja freqüentemente debatido, o dia-a-dia de
milhões de crianças em várias partes do mundo mostra um cenário no qual estes são
vistos como “adultos pequenos”.
Tal problema também interfere nos assuntos próprios da Educação, isto é, como
lidar com um aluno “violento” sem transformá-lo num ser naturalmente perverso?
Como lidar com uma criança “desobediente”, sem se utilizar de práticas estritamente
punitivas e repressivas? O fato é que o ECA, isoladamente, não resolverá os profundos
problemas educacionais. Entretanto, ele certamente é parte fundamental das soluções.
Em síntese, as análises e reflexões brevemente desenvolvidas neste capítulo
mostram-nos os inúmeros avanços no sentido de compreender como se deu o processo
de reconhecimento da criança e sua infância na sociedade ocidental, todavia, observou-
se também as contradições, limites e insuficiências apresentadas do decorrer desse
processo.
Referências Bibliográficas:
PRIORE, Mary Del. História das crianças no Brasil. São Paulo: Editora Contexto,
2007.
SOUZA, Maria Cecília Braz Ribeiro de. A concepção de criança para o enfoque
histórico cultural. Tese de Doutorado. Marília: Faculdade de Ciências e Letras da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, 2007.