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ESCOLA DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO


CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL

FELIPE CALDEIRA

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA (DISREGARD DOCTRINE): DO


DIREITO MATERIAL AO INCIDENTE PROCESSUAL CRIADO PELA LEI 13.105/2015

Porto Alegre
2018
FELIPE CALDEIRA

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA (DISREGARD


DOCTRINE): DO DIREITO MATERIAL AO INCIDENTE PROCESSUAL CRIADO
PELA LEI 13.105/2015

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à banca examinadora da
Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul – PUCRS como requisito
parcial para obtenção do título de Pós-
Graduado em Processo Civil.

Orientador: Prof. Dr. Marco Félix Jobim

PORTO ALEGRE
2018
FELIPE CALDEIRA

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA (DISREGARD


DOCTRINE): DO DIREITO MATERIAL AO INCIDENTE PROCESSUAL CRIADO
PELA LEI 13.105/2015

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à banca examinadora da
Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul – PUCRS como requisito
parcial para obtenção do título de Pós-
Graduado em Processo Civil.

Porto Alegre _____ de ______________________ de 2018

BANCA EXAMINADORA

_____________________________
Orientador Prof. Dr. Marco Félix Jobim

_____________________________
Segundo componente

PORTO ALEGRE
2018
Dedico este trabalho aos meus pais,
Marcelo e Cleunia, por todo amor e por
terem tornado possível a realização deste
trabalho, ao meu orientador e padrinho,
Marco Jobim, pela amizade, e aos meus
amigos pelo apoio incondicional.
AGRADECIMENTOS

Torna-se fundamental lembrar e homenagear as pessoas que, nesse momento


de aprimoramento pessoal e profissional, fizeram e fazem toda diferença. Momento
teoricamente fatigante, que foi trilhado com a ajuda e insistência, sempre bem-vindas,
da minha família, dos meus amigos e dos meus colegas de profissão.

Especial gratidão a vocês, meus pais, Marcelo e Cleunia, que nunca mediram
esforços que os meus estudos fossem concluídos e meus sonhos realizados. Não há
adjetivo, frase ou presente capazes de representar o amor, o carinho e a admiração
que tenho por vocês. Devo a vocês o meu generoso agradecimento por tudo.

Este trabalho foi criado após muita insistência e muitas discussões, com apoio
de amigos que, mesmo de forma indireta, me ajudaram a construir o trabalho. É
importante deixar registrado aqui o importantíssimo papel da minha grande amiga,
maior ouvinte e colega de profissão, Cíntia Gonçalves, que – com toda a sua paciência
inesgotável - sempre esteve disposta a me ajudar, independentemente do horário,
com relevantes apontamentos, incentivos e que, durante todo o curso, me apoiou,
mesmo nos momentos mais difíceis.

Aos meus colegas do escritório Andrade Maia: saibam que sou muito grato por
ter trabalhado com vocês e, especialmente, sou privilegiado de começar a minha
jornada como advogado no “AM”, atuando ao lado de pessoas incríveis que tornavam
a rotina forense prazerosa e que me proporcionaram lições de vida que são a base
para o meu crescimento pessoal e profissional.

Por fim, gostaria de fazer um agradecimento ao meu orientador, Marco Félix


Jobim, que me acompanha desde a graduação até a conclusão deste trabalho, e me
encorajou a trilhar o Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul. Obrigado pela amizade, por todos ensinamentos acadêmicos
e pela confiança em mim depositada.
RESUMO

O Código de Processo Civil de 2015, dentre as suas inovações, trouxe a


regulamentação de normas processuais da desconsideração da personalidade
jurídica, importante instituto já consagrado no direito material, mas que até então não
havia recebido a devida atenção no âmbito processual. A partir disso, o presente
trabalho analisará as normas de caráter processual relacionadas à desconsideração
da personalidade jurídica que foram introduzidas pelo novo Código e que vêm
preencher a lacuna legislativa até então existente quanto ao procedimento para
aplicação do instituto. Para tanto, será feita, preliminarmente, a abordagem do instituto
da disregard doctrine, expondo alguns conceitos que motivaram a sua existência,
analisando os primeiros casos que se depararam com o tema nos Tribunais, bem
como as primeiras teorias desenvolvidas. Após, passaremos ao exame da aplicação
da desconsideração sob a ótica do direito material, com foco nas disposições legais
do artigo 50 do Código Civil e do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor. Em
um segundo plano, voltaremos os olhos aos aspectos processuais da
desconsideração da personalidade jurídica, explorando brevemente a aplicação do
instituto na vigência do Código de Processo Civil de 1973. Com isso, ante a ausência
de um critério único para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no
curso do processo sob a égide do CPC/73, ferindo, assim, por vezes as garantias
constitucionais, demonstrar-se-á que o procedimento inserido nos artigos 133 a 137
do atual diploma processual para aplicação da desconsideração reflete em um modelo
de processo pautado na busca do equilíbrio entre a efetividade da tutela jurisdicional
e a necessidade de observância ao contraditório.

Palavras-chave: Desconsideração da Personalidade Jurídica – Lei 13.105/2015 –


Incidente Processual – Contraditório – Devido Processo Legal
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8
2 ASPECTOS MATERIAIS DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA ................................................................................................................. 11
2.1 NOÇÕES GERAIS DE PESSOA JURÍDICA E PERSONALIDADE JURÍDICA ...11
2.2 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ..............................14
2.2.1 Primeiros casos nos tribunais ...................................................................... 16
2.2.2 Primeiras teorias desenvolvidas .................................................................. 18
2.2.3 Introdução no direito brasileiro .................................................................... 20
2.3 APLICAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ......22
2.4 REQUISITOS .......................................................................................................26
2.4.1 Abuso de direito ............................................................................................. 27
2.4.2 Fraude ............................................................................................................. 28
2.4.3 Confusão patrimonial .................................................................................... 29
2.5 DESCONSIDERAÇÃO INVERSA ........................................................................30
3 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA SOB A ÓTICA
PROCESSUAL ......................................................................................................... 33
3.1 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ANTES DA LEI
13.105/2015 ...............................................................................................................33
3.2 O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ...36
3.2.1 Natureza jurídica ............................................................................................ 36
3.2.2 Legitimidade ................................................................................................... 38
3.2.3 Momento para instauração do incidente ..................................................... 40
3.2.4 Efeitos da decisão proferida no incidente ................................................... 46
3.2.5 Recursos cabíveis sobre a decisão proferida no incidente ....................... 51
3.2.6 Rescindibilidade da decisão via ação rescisória? ...................................... 53
3.2.7 Fraude à execução ......................................................................................... 54
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 57
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 62
8

1 INTRODUÇÃO

Por muito tempo o direito processual era visto como um ramo totalmente
independente do direito material. Isto é, havia um entendimento de que a concessão
da tutela jurisdicional não precisaria se adequar às necessidades do direito material1.
O Código de Processo Civil de 1939, apesar de sua inegável contribuição ao nosso
ordenamento jurídico, tinha uma índole essencialmente técnica não primando pela
interação entre os problemas processuais e os direitos sociais.2

Nesse contexto, a partir do CPC/73 passou-se a ter uma preocupação com os


preceitos constitucionais, sendo intensificado ainda mais com a promulgação da
Constituição Federal em 19883. Logo, no nosso Estado Democrático de Direito o
processo não poderia estar somente limitado à legislação processual, devendo, por
isso, tanto as suas técnicas, como as suas garantias estarem em consonância com o
direito material, tendo como norte os valores e os fundamentos previstos na
Constituição Federal4.

Entretanto, apesar desses avanços, o Código de Processo Civil de 1973 não


conseguiu se alinhar adequadamente a todas as necessidades do direito material,
como no caso da desconsideração da personalidade jurídica, que seria nada mais do
que a possibilidade de responsabilizar patrimonialmente os sócios/ administradores
da pessoa jurídica, ou a própria pessoa jurídica, quando esta for utilizada para fins
diversos de sua função social e econômica. Por isso, afirma-se que se trata de um
mecanismo criado para coibir o uso abusivo da personalidade da pessoa jurídica,
praticado, em regra, pelos sócios ou administradores da pessoa jurídica.

Apesar de a desconsideração da personalidade jurídica ser utilizada há um


bom tempo no Brasil, a ausência de um procedimento regulado expressamente em
nosso ordenamento ensejou, na prática, a aplicação do instituto de forma
desregulada, sem um critério único. Isso, infelizmente, acabava gerando insegurança

1
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. 3. ed. - São Paulo: RT, 2010.
p. 21-22.
2
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Os Novos Rumos do Processo Civil Brasileiro. - Rio de Janeiro:
Revista Acadêmica da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, v. 8, n. 6, p. 193–208, jul./dez., 1994.
p. 195.
3
Ibidem. p. 195-196.
4
MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit. p. 22.
9

jurídica e desencadeava a violação de princípios constitucionais como, por exemplo,


o contraditório e a ampla defesa.

Diante do “silêncio” do diploma processual de 1973, qual deveria ser a reação


do intérprete quanto à aplicação processual do instituto? Em razão dos diversos
pontos de vista deixados sob a égide do CPC/73, aprofundar ainda mais a análise da
estrutura da lei processual5, como o fez o legislador infraconstitucional com a Lei
13.105/2015, que trouxe em seus artigos 133 a 137 o procedimento que deve ser
observado nos casos atinentes à desconsideração da personalidade jurídica.

Neste panorama, a presente monografia se propõe a abordar o instituto da


desconsideração da personalidade jurídica com a entrada em vigor do atual Código
de Processo Civil, visto que este não apenas passou a regular o procedimento para
aplicação da desconsideração, ante a lacuna do CPC/73, mas também tenta conciliar
a ferramenta processual com o instituto já amplamente estudado no âmbito do direito
material, com premissas constitucionais bastante sólidas, como o direito ao
contraditório e à ampla defesa, sem deixar de lado a efetividade jurisdicional.

Dessa forma, o estudo se justifica, pois, na prática, a desconsideração da


personalidade jurídica pode gerar sérias consequências para terceiros que,
excepcionalmente, poderão ter o patrimônio pessoal atingido. Assim,
exemplificativamente, para que o patrimônio de um sócio ou de um administrador de
uma pessoa jurídica (“terceiro”) seja alcançado pelos efeitos de uma decisão proferida
em um processo no qual não participou inicialmente, deve-se resguardar o efetivo
contraditório e a ampla defesa, visando à busca pela segurança jurídica.

Para cumprir essa tarefa, este trabalho utilizou-se da pesquisa bibliográfica e


jurisprudencial, trazendo alguns conceitos e questões de maior relevância em cada
tópico estudado, sendo dividido em dois grandes capítulos.

No primeiro capítulo, buscar-se-á analisar a teoria da desconsideração da


personalidade jurídica sob a ótica do direito material, precipuamente o Código de
Defesa do Consumidor e Código Civil. Ainda, serão analisados alguns conceitos
doutrinários da pessoa jurídica e da consequência gerada em decorrência da
atribuição da personalidade jurídica a esta. Justifica-se isso, pois, descabe estudar o

5
COUTURE, Eduardo Juan, Interpretação das leis processuais. São Paulo: Max Limonad, 1956. p.
55.
10

tema da desconsideração da personalidade jurídica, seja pela ótica do direito material,


seja pela ótica do direito processual, sem que sejam conceituados elementos que
tangenciam o tema, motivam a sua existência e são essenciais para o
desenvolvimento deste trabalho.

Na segunda parte do trabalho serão abordados os aspectos processuais da


desconsideração da personalidade jurídica, dando ênfase ao procedimento do
incidente de desconsideração da personalidade jurídica, expondo suas
características, os momentos para instauração, os efeitos gerados pela decisão, bem
como algumas discussões observadas na doutrina, mostrando, assim, a dificuldade
que se estabelece quando se busca um processo apto a prestar uma tutela
jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva.
11

2 ASPECTOS MATERIAIS DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE


JURÍDICA

Para o estudo dos aspectos materiais da teoria da desconsideração da


personalidade jurídica, torna-se necessário analisar alguns conceitos doutrinários que
envolvem a pessoa jurídica e a atribuição da sua personalidade da pessoa jurídica,
definindo o que é pessoa jurídica, as consequências da personalidade jurídica, etc.
Além disso, abordar-se-á a evolução da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica, e de que forma ela surge no Brasil. Será possível verificar, desta forma, a
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em alguns ramos do direito
material. Por fim, conceituaremos a modalidade da desconsideração na sua forma
inversa.

2.1 NOÇÕES GERAIS DE PESSOA JURÍDICA E PERSONALIDADE JURÍDICA

Antes de ser analisada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica,


deve-se ter em mente as lições de Rubens Requião quando diz que as pessoas
jurídicas constituem uma criação da lei, e, como criação da vontade da lei, refletem
uma realidade do mundo jurídico e da vida sensível.6
A elaboração da ideia de pessoa jurídica ocorreu com o passar do tempo e,
conforme Caio Mário da Silva Pereira, fundada da seguinte forma:

Mas a complexidade da vida civil e a necessidade da conjugação de


esforços de vários individuos para a consecução de objetivos comuns
ou de interesse social, ao mesmo passo que aconselham e estimulam
a sua agregação e polarização de suas atividades, sugerem ao direito
equiparar à própria pessoa natural certos agrupamentos de indivíduos
e certas destinações patrimoniais e lhe aconselham atribuir
personalidade e capacidade de ação aos entes abstratos assim
gerados. Surgem, então, as pessoas jurídicas, que se compõem, ora
de um conjunto de pessoas, ora de uma destinação patrimonial, com
aptidão para adquirir e exercer direitos e contrair obrigações.7

6
REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica: ‘disregard
doctrine’. Revista dos Tribunais 410/12, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1969. p. 12-24.
7
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. vol.1. 30. ed. rev. e atual. - Rio de Janeiro:
Forense, 2017. p. 249-250.
12

Segundo refere Fábio Ulhoa Coelho, “pessoa jurídica é o sujeito de direito


personificado não humano. É também chamada de pessoa moral. Como sujeito de
direito, tem aptidão para titularizar direitos e obrigações.”8 Ela começa a existir, assim,
em decorrência da vontade de uma ou mais pessoas, identificadas como membros,
integrantes ou instituidores da pessoa jurídica, excetuando-se, nesse caso, os entes
da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), que são pessoas
jurídicas derivadas da organização política independente da sociedade brasileira.9

A partir da criação dessa entidade, consolidada, em teoria, entre os séculos


XVIII e XIX, permitiu-se que pessoas físicas agregadas fomentassem
empreendimentos geradores de lucros e, por conseguinte, movimentassem a
economia.

Dentro da expressão pessoas jurídicas há diversas espécies de entes abstratos


a que o direito reconhece personalidade e atribui capacidade. O que distingue cada
pessoa jurídica é o direito de cada uma, que atende aos objetivos a que se propõem
originariamente, à natureza de sua atuação e à órbita de seu funcionamento.10 Nessa
linha, ensina Carlos Alberto Gonçalves:

O direito reconhece personalidade também a certas entidades morais,


denominadas pessoas jurídicas, compostas de pessoas físicas ou
naturais, que se agrupam, com observância das condições legais, e
se associam para melhor atingir os seus objetivos econômicos ou
sociais, como as associações e sociedades, ou constituídas de um
patrimônio destinado a um fim determinado, como as fundações.11

Há que se ter em conta, conforme preceituava o art. 20 do Código Civil de 1916,


que “as pessoas jurídicas têm existência distinta da de seus membros”, e que, embora
não tenha sido repetida a regra no ordenamento vigente, encontra-se implícita no
sistema sua principal consequência: a autonomia patrimonial. Ou seja, as pessoas
jurídicas não se confundem com as pessoas físicas que deram origem ao seu
nascimento.12

8
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil: parte geral. vol. 1. 5. ed. - São Paulo: Saraiva, 2012.
p. 532
9
Ibidem. p. 532.
10
Ibidem. p. 263.
11
GONÇALVES, Carlos Alberto. Direito Civil Brasileiro: parte geral. vol. 1. 10. ed. – São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 92.
12
BIANQUI, Pedro Henrique Torres. Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil.
São Paulo: Saraiva, 2011. p. 44.
13

Uma das principais consequências da atribuição de personalidade jurídica a


alguém é a separação estabelecida entre pessoa física e os membros que a integram,
legitimando o Princípio da Autonomia Patrimonial.13

A ideia de autonomia da pessoa jurídica quanto aos seus membros já constava


expressamente no art. 20 do Código Civil de 1916.14 Ainda que esse dispositivo não
tenha sido reproduzido pela atual codificação, não há dúvida de que o princípio da
autonomia patrimonial continua em vigor e que a pessoa jurídica mantém uma vida
distinta da dos membros que a compõe.15

Assim, em regra, os membros que compõe a pessoa jurídica não podem ser
considerados os titulares dos direitos ou os devedores das prestações relacionadas
ao exercício da atividade econômica da pessoa jurídica. Soma-se a isso o fato de que
o patrimônio da pessoa jurídica não deve ser confundido com o patrimônio dos seus
membros, minimizando os riscos que são inerentes ao negócio.16

Diante do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, os sócios que


integram a pessoa jurídica somente responderão por eventuais débitos da empresa
dentro dos limites do capital social, ficando resguardado o patrimônio individual dos
membros. Essa limitação da responsabilidade ao patrimônio da pessoa jurídica é
consequência lógica da atribuição da personalidade jurídica à pessoa jurídica, sendo
uma de suas maiores vantagens.17

O resultado dessa independência e autonomia, em alguns casos, não é


positivo, pois, conforme elucida Maria Helena Diniz, com a exclusão da
responsabilidade dos sócios por eventuais débitos gerados, a pessoa jurídica tem-se
desviado de seus princípios norteadores, possibilitando a prática de fraudes e
desonestidades, cujo resultado prático são as reações doutrinárias e jurisprudenciais
objetivando coibir esses abusos.18

Quanto ao ponto, importante os ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereira:

13
SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais.
2. ed. – São Paulo: Saraiva, 2011. p. 72.
14
Art. 20. As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros.
15
SOUZA, André Pagani de. Op. cit. p. 72.
16
Ibidem. p. 72.
17
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro, volume 1: teoria geral do direito civil. 29.
ed. – São Paulo: Saraiva, 2012. p. 340.
18
Ibidem. p. 341.
14

Modernamente, entretanto, o desenvolvimento da sociedade de


consumo, a coligação de sociedades mercantis e o controle individual
de grupos econômicos têm mostrado que a distinção entre a
sociedade e seus integrantes, em vez de consagrar regras de justiça
social, tem servido de cobertura para a prática de atos ilícitos, de
comportamentos fraudulentos, de absolvição de irregularidades, de
aproveitamentos injustificáveis, de abusos de direito. Os integrantes
da pessoa jurídica invocam o princípio da separação, como se se
tratasse de um véu protetor. Era preciso criar um instrumento jurídico
hábil a ilidir os efeitos daquela cobertura.19

Se por um lado temos o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica


como uma regra importante para o desenvolvimento das atividades da sociedade
empresária, por outro, consoante afirma Caio Mário da Silva: “tem servido de
cobertura para a prática de atos ilícitos, de comportamentos fraudulentos, de
absolvição de irregularidades, de aproveitamentos injustificáveis, de abusos de
direitos.”20

A separação patrimonial e a limitação da responsabilidade dos sócios, apesar


de incentivarem a captação de recursos, externalizaram grande parte dos custos dos
empreendimentos - decorrentes dos riscos que qualquer atividade econômica
enfrenta - evidenciando, com o passar do tempo, a crise gerada pela limitação da
responsabilidade, por um lado, e, por outro, a crise da própria função da pessoa
jurídica, tendo em vista o uso indevido do escudo protetor da personalidade jurídica.21

Como verificaremos a seguir, o ingresso e o desenvolvimento da teoria da


desconsideração da personalidade jurídica no Direito foram essenciais, pois, ao
distinguir a responsabilidade da pessoa jurídica dos seus integrantes, estes se
acobertavam de todas as consequências, exceto nos casos de incorrerem em atos
ilegais individualmente. Assim, era preciso a criação de um instituto jurídico hábil a
afastar os efeitos dessa cobertura.22

2.2 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

19
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 276.
20
Ibidem. p. 276.
21
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Desconsideração da personalidade jurídica e processo:
de acordo com o Código de Processo Civil de 2015. – São Paulo: Malheiros, 2016. p. 43-44.
22
Ibidem. p. 43-44.
15

A partir da sistematização doutrinária e jurisprudencial, a teoria da


desconsideração surgiu como um importantíssimo instrumento para desmascarar
abusos e fraudes praticados, geralmente, em prejuízo de terceiros pelos sócios ou
pelos órgãos diretores das empresas. Ao tratar do objetivo da teoria da
desconsideração, Fábio Ulhoa Coelho ensina:

O objetivo da teoria da desconsideração da personalidade jurídica é


exatamente possibilitar a coibição da fraude, sem comprometer o
próprio instituto da pessoa jurídica, isto é, sem questionar a regra da
separação de sua personalidade e patrimônio em relação aos de seus
membros. Em outros termos, a teoria tem o intuito de preservar a
pessoa jurídica e sua autonomia, enquanto instrumentos jurídicos
indispensáveis à organização da atividade econômica, sem deixar ao
desabrigo terceiros vítimas de fraude.23

Na época, conforme narra Otávio Joaquim Rodrigues Filho:

[...] em meio à crise da limitação da responsabilidade e, para muitos,


da função da própria pessoa jurídica, surge a teoria da
desconsideração da personalidade, para hipóteses restritas, em que o
reconhecimento do princípio da separação de esferas levaria a
soluções gravemente injustas e que contrariam os valores da ordem
jurídica.24

A partir disso, emerge a teoria da desconsideração para coibir o mau uso da


personalidade da pessoa jurídica, cujo objetivo é atingir aquele que se oculta sob o
véu da pessoa jurídica, utilizando-a de forma indevida para fins contrários ao direito.
O desrespeito à lei, a frustação de credores e os desvios das funções sociais
ensejaram a formação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.25

Portanto, analisaremos a seguir o panorama geral com o surgimento da teoria


nos tribunais dos Estados Unidos e de Londres, os quais foram essenciais para a
introdução da teoria no Brasil.

23
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v. 2., 16. ed. - São Paulo: Saraiva, 2012. p. 51.
24
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 44.
25
VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC: natureza,
procedimentos e temas polêmicos. – Salvador: Juspodivm, 2016. p. 41.
16

2.2.1 Primeiros casos nos tribunais

A teoria da disregard doctrine surgiu da prática jurídica, tanto no exterior como


no Brasil, não se originando de disposições legislativas ou de estudos acadêmicos.26
Originou-se, portanto, da atividade cotidiana dos tribunais, após serem suscitadas as
primeiras questões relacionadas com distorções de determinadas sociedades.

No brilhante artigo intitulado “Abuso de direito e fraude através da


personalidade jurídica (disregard doctrine)”, Rubens Requião traz que essa técnica
jurisprudencial que desconsidera a personalidade jurídica para alcançar os bens nela
acobertados teve sucesso acentuado na América do Norte, tornando a disregard
doctrine mais uma construção jurisprudencial norte-americana do que britânica.27

Nos Estados Unidos, por sua vez, a doutrina da disregard of legal entity surge
a partir da necessidade de coibir a prática de ato ilícito, ou abuso de poder, ou violação
de norma do estatuto da empresa por parte dos órgãos dirigentes em prejuízo de
terceiros.28 Luiz Guilherme Marinoni, ao abordar o surgimento do tema da
desconsideração da personalidade jurídica, assim descreve:

O direito norte-americano, como é sabido, consagra a prevalência da


jurisprudência sobre as abordagens doutrinária e legal dos institutos
jurídicos.
Essa marca característica deita suas raízes não só na antiga tradição
do direito inglês como também na forma federativa radical que vigora
nos Estados Unidos. Com efeito, num país em que cada Estado tem
autonomia suficiente para legislar de maneira quase independente, é
de se imaginar a dificuldade de uma sistematização doutrinária capaz
de abarcar as diversas tendências que se verificam nas diversas
unidades da federação.
Quando o assunto é a desconsideração da pessoa jurídica (disregard
of legal entity, como lá é conhecida), a regra se mantém, ou seja,
prevalece o entendimento jurisprudencial. E a jurisprudência norte-
americana há muito vem consagrando a tese da desestimação.
Deveras, o primeiro caso de disregard de que se tem notícia se passou
no ano de 1809, quando a Corte Suprema dos Estados Unidos julgou
o caso Bank of the United States vs. Deveneaux, em que foi relator o
legendário juiz Marshall. Importa ressaltar que, àquela época, a
Europa ainda preocupava-se em estudar a natureza jurídica da pessoa

26
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 45.
27
REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (disregard
doctrine). Revista dos Tribunais 410/12. - São Paulo: RT, 1969. p. 12-24.
28
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 276-277.
17

jurídica, sem sequer cogitar a hipótese de desconsideração de sua


personalidade.29

Sob a ótica do surgimento da teoria na Inglaterra, Otávio Joaquim Rodrigues


Filho considera que o precursor da disregard doctrine foi o caso “Salomon versus
Salomon & Co.”, ocorrido no ano de 1897. Referiu o autor:

[...] tendo a teoria da desconsideração origem anglo-saxônica, ela é


fruto da jurisprudência dos tribunais ingleses e norte-americanos; e,
nesse sentido, como proclama a doutrina, o precursor da disregard
doctrine foi ‘Salomon versus Salomon & Co.’, ocorrido em 1897 em
Londres, na Inglaterra, ao qual se atribui ser, verdadeiramente, o
primeiro caso da desconsideração da personalidade jurídica.30

Se para muitos doutrinadores o caso “Salomon versus Salomon & Co.” é


considerado o marco inicial da teoria, outros, a exemplo de Suzy Elizabeth Cavalcante
Kury, entendem que foi no âmbito do Direito norte-americano que iniciou e se
desenvolveu, na jurisprudência, a teoria da desconsideração. Isso, pois, no ano de
1809, a teoria já era aplicada nos Estados Unidos, conforme alude a autora:

[...] no ano de 1809, no caso Bank of United States v. Deveaux, o Juiz


Marshall, com a intenção de preservar a jurisdição das cortes federais
sobre as corporations, já que a Constituição Federal americana, no
seu art. 3º, seção 2ª, limita-a às controvérsias entre cidadãos de
diferentes estados, conheceu da causa, por considerar as
características pessoais dos sócios.31

Suzy Elizabeth Cavalcante Kury discorda quando alguns autores apontam o


caso inglês “Salomon versus Salomon & Co.” como o precursor da teoria da
desconsideração, conforme refere a jurista paraense:

Aproveitamos a referência a essa decisão, a mais antiga por nós


conhecida, para desfazer duas inverdades acerca do famoso caso
inglês ‘Salomon versus Salomon & Co.’.
A primeira delas diz respeito à sua qualificação como o verdadeiro e
próprio leading case da Disregard Doctrine por vários autores. Na
realidade, o caso em questão foi julgado em 1897, portanto, 88 anos
depois da primeira manifestação da jurisprudência americana, só

29
MARINONI, Luiz Guilherme. Desconsideração da Personalidade Jurídica. Soluções Práticas de
Direito. v. II. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 319-357.
30
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 45.
31
Ibidem. p. 45.
18

sendo possível, assim, considerá-lo como leading case no Direito


Inglês. 32

Se por um lado há autores afirmando que o início da teoria da desconsideração


ocorreu com o julgamento do caso inglês “Salomon versus Salomon & Co.”, por outro,
há autores que consideram o caso norte-americano “Bank of United States v.
Deveaux”.

2.2.2 Primeiras teorias desenvolvidas

A obra desenvolvida por Rolf Serick é considerada um dos trabalhos pioneiros


sobre o tema da desconsideração da personalidade jurídica. Na tese de doutorado
defendida na Alemanha, em 1953, Serick busca definir, a partir da análise da
jurisprudência alemã e norte-americana, critérios que autorizam o juiz a ignorar a
autonomia patrimonial da pessoa jurídica, em relação às pessoas que a compõe,
sempre que ela for utilizada como instrumento na realização de fraudes ou abuso de
direito.33

O grande mérito da obra de Rolf Serick foi buscar a identificação de critérios


seguros para desconsiderar a autonomia da personalidade jurídica diante de abusos
e fraudes cometidos por meio da pessoa jurídica, sem comprometimento dela
enquanto instituto técnico-jurídico.34

Conforme explicado por Pedro Henrique Torres Bianchi: “Serick define sua
teoria por meio do dualismo regra-exceção.”35 O autor expõe que a regra é a
autonomia patrimonial da pessoa jurídica e a exceção é a desconsideração dessa
autonomia. Para que houvesse a desconsideração da personalidade jurídica, é
necessário que haja fraude à lei ou fraude ao contrato, ou seja, é necessário que haja
a prática de algum ato repudiado pelo sistema.36 A partir disso, Rolf Serick define

32
KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard
doctrine) e os grupos de empresas. 4. ed. – São Paulo: LTr, 2018. p. 66.
33
SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2. ed.
– São Paulo: Saraiva, 2011, p. 64.
34
Ibidem. p. 66.
35
BIANQUI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 24.
36
Ibidem. p. 24.
19

quatro princípios que sintetizariam a teoria da desconsideração da personalidade


jurídica. 37

O primeiro princípio é de que o abuso é a utilização da pessoa jurídica com o


nítido intuito de furtar-se de uma obrigação. Não há questionamentos acerca do
instituto da pessoa jurídica e tampouco da separação entre os patrimônios. Somente
ignora-se a separação entre a pessoa jurídica e pessoa física, pois quem a utilizou
indevidamente não mereceria esse benefício.38 O segundo princípio é no sentido de
que é impossível desconhecer a autonomia subjetiva da pessoa jurídica somente para
tentar atingir o escopo de uma norma ou a causa objetiva de um negócio jurídico,
admitindo, contudo, que esse princípio pode sofrer exceções para dar eficácia ao
sistema.39 De acordo com o terceiro princípio, como regra, todas as normas aplicáveis
às pessoas naturais se aplicam também às pessoas jurídicas, desde que compatíveis.
Isso porque o legislador criou as pessoas jurídicas como sujeitos de direitos
assemelhados aos seres humanos.40 Por fim, o quarto princípio diz que pode haver a
desconsideração da pessoa jurídica para atingir quem realmente foi parte no negócio,
ignorando-se, assim, a formalidade apresentada por ele. Ou seja, se a pessoa jurídica
realizar um negócio jurídico com um integrante seu, poderá haver a desconsideração
para evitar que haja uma confusão patrimonial.41

Nesse sentido, Fábio Ulhoa Coelho lembra que, antes de Rolf Serick, outros
autores já haviam se dedicado ao tema da desconsideração da personalidade jurídica,
como, por exemplo, Maurice Wormser – nos anos 1910 e 1920.42 Contudo, o autor
afirma que não se encontra claramente nos estudos precursores a motivação central
de Rolf Serick de buscar definir, em especial a partir da jurisprudência norte-
americana, os critérios gerais que autorizam o afastamento da autonomia das pessoas
jurídicas.

Verifica-se também outra obra pioneira sobre a teoria da desconsideração da


personalidade jurídica, conforme alude André Pagani de Souza: Trata-se, pois, do
estudo “Il superamento della personalità giuridica dele società di capitali nella

37
BIANQUI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 25.
38
Ibidem. p. 25.
39
Ibidem. p. 25.
40
Ibidem. p. 26.
41
Ibidem. p. 26.
42
COELHO, Fábio Ulhoa. A teoria maior e a teoria menor da desconsideração. Revista de Direito
Bancário e do Mercado de Capitais. vol. 65/2014. Jul – Set/2014. p. 21-30.
20

‘commom law’ e nella ‘civil law’, de Piero Verrucoli, professor da Universidade de Pisa,
na Itália.”43 Conforme refere o jurista brasileiro, Verrucoli parte da premissa que a
atribuição da personalidade jurídica a determinados grupos de indivíduos é uma
vantagem oferecida pelo Estado e, portanto, não pode ensejar situações injustas ou
contrárias ao Direito.44 Dado que seria um privilégio oferecido pelo Estado, ele tem de
ser dado com restrições e limites, visto que o ordenamento repudia atos ilícitos. Dessa
forma, a desconsideração seria cabível para buscar evitar que a pessoa jurídica
prejudique o Estado e terceiros.45

Como foi possível observar acima, desde o início das teorias desenvolvidas na
doutrina acerca da desconsideração da personalidade jurídica, sempre foi necessário
existir algum fato que autorizasse a aplicação da teoria da desconsideração. Assim,
passaremos a analisar a introdução da teoria no Direito brasileiro, especialmente com
a obra de Rubens Requião, tendo em vista que o jurista foi quem trouxe a teoria da
desconsideração para o Brasil, e a sua obra é considerada pela doutrina nacional a
pioneira no estudo da disregard doctrine.46

2.2.3 Introdução no direito brasileiro

No Brasil, a teoria surgiu primeiramente nos Tribunais, visto que, antes do


desenvolvimento da doutrina, o primeiro caso que aplicou a teoria da desconsideração
da personalidade jurídica fora julgado pelo Tribunal de Alçada Cível de São Paulo no
ano de 1955, em Apelação n. 9.247, relatada pelo Desembargador Edgard de Moura
Bittencourt. 47 No caso, foi reconhecida a completa confusão patrimonial havida entre
a pessoa física (ex-sócio) e a pessoa jurídica (Hospital Coração de Jesus S/A). 48

Quanto aos estudos doutrinários, Rubens Requião foi um dos primeiros autores
que abordou a teoria da desconsideração com o artigo intitulado Abuso de direito e
fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine), publicado no ano de

43
SOUZA, André Pagani de. Op. cit. p. 66-67.
44
Ibidem, p. 67.
45
BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 38-39.
46
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 63-66.
47
SÃO PAULO. Tribunal de Alçada Civil. Apelação n. 9.247. Quarta Câmara Cível, Rel. Des. Edgard de
Moura Bittencourt. Julgado em 11/04/1955.
48
BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 39.
21

1969.49 A preocupação com utilização indevida da pessoa jurídica moveu Rubens


Requião, que buscou na teoria da desconsideração da personalidade um meio hábil
que levantasse o véu corporativo, coibindo, por conseguinte, a fraude e o abuso de
direito, responsabilizando aqueles que se ocultam atrás da sociedade.50

Rubens Requião afirma que a aplicação da teoria da desconsideração da


personalidade jurídica deve seguir as mesmas cautelas e zelos praticados pelos juízes
norte-americanos, pois sua aplicação ocorre com extremos cuidados e apenas em
casos excepcionais, que visem a impedir a fraude ou o abuso de direito em vias de
consumação.51

Nessa perspectiva histórica, também merece destaque a obra de José


Lamartine Corrêa de Oliveira intitulada A Dupla Crise da Pessoa Jurídica, a qual
aborda o quadro de pessoas jurídicas em diversos países, como, por exemplo,
Alemanha, Itália, Portugal e outros sistemas. O autor parte da concepção de pessoa
jurídica como realidade pré-normativa, ou seja, entende que o legislador criou a
pessoa jurídica das realidades existentes no plano fático. Com isso, demonstra que,
na apreciação do tema da desconsideração da personalidade, não é viável a adoção
de uma visão unitarista, isto é, as diferentes espécies de pessoa jurídica devem ser
consideradas, merecendo atenção especial às sociedades unipessoais e aos grupos
de sociedades, frequentes nas hipóteses de superação da personalidade.52

Após a introdução da teoria da desconsideração da personalidade jurídica por


Rubens Requião e a contribuição de José Lamartine Correa de Oliveira com a sua
obra sobre a dupla crise da pessoa jurídica, a desconsideração da personalidade
jurídica passou a ser objeto de discussões de vários doutrinadores, juízes e tribunais,
que contribuíram para o desenvolvimento e o aprofundamento da teoria no Brasil.53

Em termos legislativos, as primeiras referências expressas à desconsideração


da personalidade jurídica surgiram no Código de Defesa do Consumidor (art. 28, caput

49
CASTRO, Roberta Dias Tarpinian de. A Função Cautelar do Incidente de Desconsideração da
Personalidade Jurídica na Fase de Conhecimento. Dissertação de Mestrado. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2018. p. 63. Disponível em
<https://tede2.pucsp.br/handle/handle/21004>. Acesso em 02/09/2018.
50
Ibidem. p. 63.
51
REQUIÃO, Rubens. Op. cit. p. 12.
52
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 64-65.
53
Ibidem, p. 64-65.
22

e §5º, da Lei 8.078/90), na Lei Antitruste (art. 18 da Lei 8.884/94), na Lei do Meio
Ambiente (art. 4º da Lei 9.605/98) e no Código Civil (art. 50 da Lei 10.406/02).

Portanto, conforme será analisando no presente trabalho, os pressupostos da


desconsideração da personalidade jurídica devem ser estabelecidos pelo Direito
Material, cabendo ao Direito processual somente regular o procedimento necessário
para que se possa verificar se é ou não caso de aplicar a desconsideração da
personalidade jurídica.54

2.3 APLICAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

A desconsideração da personalidade jurídica, conforme visto acima, advém da


sistematização de casos jurisprudenciais, sendo desenvolvida, posteriormente, pela
doutrina. No Brasil, a evolução na doutrina refletiu especialmente no Código de Defesa
do Consumidor e, posteriormente, no atual Código Civil.

Ocorre que, antes de ser introduzida nas legislações específicas de direito


material, a desconsideração da personalidade jurídica já se inseria em um contexto
de ser um instrumento aplicável somente em casos excepcionais.

Com o passar dos anos, observou-se que a aplicação da teoria, além de ser
medida excepcional, deve preencher alguns requisitos que se dividem, basicamente,
em duas teorias conhecidas, conceituadas por Fábio Ulhoa Coelho como a Teoria
Menor e a Teoria Maior.55

A teoria menor começou a se delinear com o Código de Defesa do Consumidor


com a previsão do §5º do art. 2856.57 Conforme estabelece esse dispositivo legal, “o

54
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2017. p.
94-95.
55
BRUSCHI, Gilberto Gomes. Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica
no Código de Processo Civil de 2015. 1. ed. – São Paulo: RT, 2016. ISBN 978-85-203-6066-8.
56
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento
do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação
dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência,
estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má
administração.
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de
alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
57
CASTRO, Roberta Dias Tarpinian de. Op. cit.. p. 57. Disponível em
<https://tede2.pucsp.br/handle/handle/21004>. Acesso em 02/09/2018.
23

simples fato de o consumidor não receber o seu crédito da pessoa jurídica já


autorizaria a invasão do patrimônio de seus integrantes.”58

Para aplicação da teoria menor, bastaria a mera prova de insolvência da


pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da
existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial, como explica Fábio
Ulhoa Coelho:

De acordo com a teoria menor da desconsideração, se a sociedade


não possui patrimônio, mas o sócio é solvente, isso basta para
responsabilizá-lo por obrigações daquela. A formulação menor não se
preocupa em distinguir a utilização fraudulenta da regular do instituto,
nem indaga se houve ou não abuso de forma. 59

O jurista, contudo, faz ressalvas quanto à redação do artigo 28 do Código de


Defesa do Consumidor, pois, segundo o autor, “tais são os desacertos do dispositivo
em questão que pouca correspondência se pode identificar entre ele e a elaboração
doutrinária da teoria.”60 Fábio Ulhoa Coelho afirma que, entre os requisitos previstos
na legislação em benefício dos consumidores, encontram-se, por exemplo, hipóteses
caracterizadoras de responsabilização de administrador que não pressupõem
nenhum superamento da forma da pessoa jurídica. Nesta senda, a discrepância entre
o texto da lei e a doutrina não traria benefício à tutela dos consumidores, somente
incertezas e equívocos.61

André Pagani de Souza, ao falar sobre a teoria menor, alude que ela é
“resultado da decretação afobada da desconsideração da personalidade jurídica”,
visto que não há qualquer questionamento acerca da ocorrência de abuso de direito,
fraude ou confusão patrimonial. Segundo o autor, a teoria menor, em verdade, objetiva
proteger o hipossuficiente (no caso do consumidor), e colocar situações consideradas
de maior relevância (ambiental e ordem econômica) acima da autonomia da pessoa
jurídica.62 Em decorrência disto, a teoria recebeu o adjetivo de ‘menor’: pela ausência

58
SOUZA, André Pagani de. Op. cit. P. 71.
59
COELHO, Fábio Ulhoa. A teoria maior e a teoria menor da desconsideração. Revista de Direito
Bancário e do Mercado de Capitais. vol. 65/2014. Jul – Set/2014. p. 21-30.
60
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v.2, São Paulo: Saraiva, 2006, p. 49-50.
61
Ibidem. p. 49-50.
62
CASTRO, Roberta Dias Tarpinian de. Op. cit. p. 59.
24

de fundamentos teóricos e doutrinários elaborados para a aplicação dessa teoria no


caso concreto.63

Já a teoria maior, conforme dito acima, é adotada como regra geral no sistema
jurídico brasileiro, sendo recepcionada e consagrada na redação do artigo 50 do atual
Código Civil64. Mesmo que este dispositivo seja o que mais se alinha à elaboração
doutrinária da disregard doctrine, o caput do art. 28 do Código de Defesa do
Consumidor65 também consagra, embora com algumas imprecisões técnicas, a
adoção da teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, consoante
afirmam Humberto Dalla Bernardina de Pinho e Marina Silva Fonseca.66

Essa teoria leva em consideração, além da prova da insolvência, ou a


demonstração do desvio de finalidade, ou a demonstração de confusão patrimonial.
Ou seja, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica
insolvente para o cumprimento de suas obrigações. 67

Alinhado a esse raciocínio, Fábio Ulhoa Coelho explica:

A teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica não é


uma teoria contrária à personalização das sociedades empresárias e
à sua autonomia em relação aos sócios. Ao contrário, seu objetivo é
preservar o instituto, coibindo práticas fraudulentas e abusivas que
dele se utilizam. 68

Como explica Antônio Pereira Gaio Júnior, a teoria maior fulcra-se na ideia de
que o juiz tem autorização para estabelecer o afastamento temporário da autonomia
patrimonial da pessoa jurídica, com vistas à coibir fraudes e abusos praticados sob o

63
SOUZA, André Pagani de. Op. cit. p. 71.
64
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela
confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe
couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam
estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
65
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento
do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação
dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência,
estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má
administração.
66
DE PINHO, Humberto Dalla Bernardina; FONSECA, Marina Silva. O incidente de desconsideração
da personalidade jurídica do Novo Código de Processo Civil. In: DIDIER JR, Fredie. Coord. Novo CPC
doutrina selecionada. v. 1: parte geral. - Salvador: Juspodivm, 2016. p. 1141.
67
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 279.273/SP. Terceira Turma, Relatora
Ministra Nancy Andrighi, julgado em 04/12/2003, DJe 29/03/2004.
68
COELHO, Fábio Ulhoa. A teoria maior e a teoria menor da desconsideração. Revista de Direito
Bancário e do Mercado de Capitais. vol. 65/2014. Jul – Set/2014. p. 21-30.
25

manto dela.69 Com efeito, a formulação da teoria maior da desconsideração se


desdobra em subjetiva e objetiva. De acordo com a subjetiva, os elementos
autorizadores da aplicação da teoria ao caso concreto são o abuso de direito e a
fraude. Para a objetiva é a demonstração da confusão patrimonial.70

Insta pontuar, nessa linha, que o atual Código Civil trouxe um dispositivo em
maior sintonia com a evolução doutrinária e jurisprudencial no que tange à
desconsideração da personalidade jurídica. Isso porque, quando faz referência ao
abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela
confusão patrimonial como pressuposto da desconsideração, o diploma legal deixa
clara a ideia que se pretende coibir o mau uso da pessoa jurídica com a aplicação da
disregard doctrine.71

Ademais, em termos jurisprudenciais, o Superior Tribunal de Justiça já abordou


as questões pertinentes à teoria menor da desconsideração, porém deixando de
aplicá-la, tendo em vista que a regra geral adotada pelo ordenamento jurídico
brasileiro é a teoria maior, conforme ementa abaixo transcrita:

Responsabilidade civil e Direito do consumidor. Recurso especial.


Shopping Center de Osasco-SP. Explosão. Consumidores. Danos
materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa
jurídica. Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. Limite de
responsabilização dos sócios. Código de Defesa do Consumidor.
Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos
consumidores. Art. 28, § 5o.
- Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem
econômica, e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis, possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em
defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores,
decorrentes de origem comum.
- A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico
brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar
a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações.
Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração
de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a
demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da
desconsideração).
- A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento
jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito
Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica

69
GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. In: DIDIER JR, Fredie. Coord. Novo CPC doutrina selecionada. v.
1: parte geral. - Salvador: Juspodivm, 2016. p. 1132.
70
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v.2. - São Paulo: Saraiva, 2006. p. 44.
71
SOUZA, André Pagani de. Op. cit. p. 102.
26

para o pagamento de suas obrigações, independentemente da


existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.
- Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades
econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com
a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda
que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo
que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou
dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica.
- A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de
consumo está calcada na exegese autônoma do § 5o do art. 28, do
CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à
demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado,
mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica,
obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
- Recursos especiais não conhecidos.72

Visto isso, passaremos a analisar os pressupostos para aplicação da


desconsideração da personalidade jurídica, em especial aqueles que guardam
relação com a regra geral adotada pelo direito brasileiro, estabelecidos pelo Código
Civil.

2.4 REQUISITOS

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica somente deve ser


aplicada nas hipóteses em que a autonomia da pessoa jurídica se apresenta como
um obstáculo para a composição dos diversos interesses envolvidos no caso
concreto. Isto é, se a autonomia da pessoa jurídica não impede a responsabilização
do sócio, do acionista ou do administrador, não haverá qualquer desconsideração da
personalidade jurídica, pois inexistirá obstáculo para a identificação dos responsáveis
pela conduta ilícita.73

A regra geral adotada em nosso ordenamento é aquela prevista no art. 50 do


Código Civil de 2002, que recepcionou e consagrou a teoria maior da
desconsideração, tanto na sua vertente objetiva quanto na subjetiva. Assim,
utilizando-se da teoria maior, abordaremos os requisitos previstos pelo Código Civil,
quais sejam, o (i) abuso de direito, a (ii) fraude, e a (iii) confusão patrimonial.

72
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 279.273/SP, Terceira Turma, Relatora
Ministra Nancy Andrighi, julgado em 04/12/2003, DJ 29/03/2004.
73
Ibidem. p. 77.
27

2.4.1 Abuso de direito

O abuso de direito e a fraude são os casos mais tratados acerca da aplicação


da teoria da desconsideração, pois, segundo Pedro Henrique Torres Bianchi, essas
foram as hipóteses que os tribunais mais se dedicaram a decidir e que as legislações
mais se preocuparam em positivar.74

Com o advento do Código Civil de 2002, o abuso de direito foi qualificado na


conceituação genérica do ato ilícito, o qual está consagrado no artigo 187.75 Caio
Mário da Silva Pereira explica que essa previsão atende à necessidade de conter o
sujeito da relação jurídica nos lindes morais de seu exercício.76 O autor refere que a
figura do abuso de direito encontra fundamento na regra da relatividade dos direitos,
admitindo que se o titular excede o limite do exercício regular de seu direito, age sem
direito. Assim, estabelece que é de se reprimir o exercício do direito, quando há
intenção de causar mal a outrem.77

Ao tratar do conceito de abuso de direito, Pedro Henrique Torres Bianchi


explica a diferença entre ato ilícito e ato abusivo:

O ato ilícito viola de forma frontal a lei e pressupõe a inexistência de


direito do agente. Já o ato abusivo significa que, apesar de o condutor
ter o direito subjetivo, ele pratica algum ato anormal na sua conduta e,
portanto, um desvio de finalidade. Pois, ‘a irregularidade do ato
abusivo está no exercício do direito ou da situação subjetiva. Ademais,
reveste-se o ato abusivo da chamada aparência de legalidade, que
não está no ato ilícito’. 78

O ato abusivo, portanto, é o mau uso do direito, é um ato legal, porém contrário
ao fim do instituto da pessoa jurídica, ou seja, é o ato constituído no exercício irregular
de um direito causando danos a outrem. 79

74
BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 57.
75
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente
os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
76
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 537.
77
Ibidem. p. 535-536.
78
Ibidem. p. 535-536.
79
SILVA, Alexandre Couto. A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito
brasileiro. 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 82.
28

2.4.2 Fraude

Embora a fraude não conste expressamente no texto do art. 50 do Código Civil,


a jurisprudência mostra-se favorável quanto à possibilidade de se desconsiderar a
personalidade jurídica de uma empresa, se comprovada a ocorrência de fraude. David
Massara Joanes assevera que não há uma explicação correta que justifique a não
inserção da fraude, pelo legislador pátrio, na redação do art. 50 do Código Civil.80 De
qualquer forma, há três aspectos que podem ter influenciado a não inserção da fraude
no texto legal, segundo observa o autor:

Com efeito, talvez o legislador tenha propositadamente deixado a


fraude fora da redação do dispositivo legal em comento, por considerar
que as diferenças conceituais existentes entre os diferentes
ordenamentos jurídicos não permitia a simples importação do
vocábulo; ou por entender que a fraude perpetrada com uso da
personalidade jurídica pode ser caracterizada como abuso de direito;
ou, ainda, por considerar que nosso sistema jurídico já possui os
remédios legais adequados para solucionar os casos de fraude. 81

Enquanto no abuso de direito ocorre uma conduta de ir além do próprio direito


subjetivo e atinge a esfera de outrem, na fraude a conduta, aparentemente lícita,
resulta em uma violação ao espírito da lei, à sua vontade ou à vontade das partes
expressa em um contrato. Ambas as figuras, abuso de direito e fraude à lei ou ao
contrato, na visão de Otávio Joaquim Rodrigues Filho, desaguam no desvio de
finalidade da pessoa jurídica.82

Neste sentido, Pedro Henrique Torres Bianchi aponta que a fraude é o requisito
mais presente na aplicação da teoria da desconsideração para fins de
responsabilidade e grande parte da doutrina e jurisprudência desenvolveu a teoria
pensando em um meio de combater esse elemento.83

Com efeito, o autor explica que a fraude pode ocorrer de duas formas:

A primeira é a fraude à lei, que ocorre ‘com a utilização de uma pessoa


jurídica sempre que os destinatários de determinada forma jurídica se
ocultassem por trás da pessoa jurídica já existente ou criada para tal

80
JOANES, David Massara. Aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica ao
inverso. Dissertação de Mestrado. - Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima, 2010. p. 42.
81
Ibidem. p. 42.
82
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 90.
83
BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 57.
29

finalidade específica, subtraindo-se assim à incidência da norma’,


como afirma Lamartine. Também há a fraude a disposições
contratuais, que se dá quando o sócio visa utilizar a pessoa jurídica
para driblar determinada vedação a algum contrato.84

Em que pese a fraude - em todas as suas modalidades – possa justificar o


emprego de outras técnicas sancionatórias, dependendo do caso concreto também
constitui fundamento para o afastamento da autonomia subjetiva da pessoa jurídica.85
Ao fim e ao cabo, o importante é a existência do requisito subjetivo da intenção de
prejudicar terceiros com a fraude, circunstância em que a personalidade da pessoa
jurídica será utilizada para fim diverso daquele para a qual foi concebida.

2.4.3 Confusão patrimonial

Como observamos nos tópicos anteriores, as sociedades têm personalidade


jurídica própria, isto é, em regra, respondem pelas obrigações com seu próprio
patrimônio, e não com o dos seus sócios.86
Há, contudo, exceções a essa regra. Interessa ao tema deste trabalho aquela
que diz respeito às sociedades que são regularmente constituídas, mas a
personalidade jurídica e o patrimônio autônomo são utilizados, de forma abusiva ou
fraudulenta, pelos seus sócios para satisfazer interesses próprios ou para obter
vantagens particulares. Assim, ao se beneficiarem à custa de terceiros, justifica-se a
utilização de uma das hipóteses de desconsideração da pessoa jurídica para
responsabilizar pessoalmente o sócio que obteve o benefício indevido.87
Assim como a fraude e o abuso de direito, o abuso da personalidade jurídica
também é caracterizado pela confusão patrimonial, hipótese positivada pelo art. 50 do
Código Civil.
A confusão patrimonial ocorre quando não é possível distinguir se determinado
bem é do sócio ou da pessoa jurídica.88 Em outras palavras, conforme afirmado pelo
Superior Tribunal de Justiça no acórdão relatado pela Ministra Nancy Andrighi, “a
confusão patrimonial caracteriza-se pela inexistência, no campo dos fatos, de

84
BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 57-58.
85
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 91.
86
DIDIER JR., Fredie et al. Curso de direito processual civil: execução. v. 5. Salvador: Jus Podivm,
2017, p. 358.
87
Ibidem. p. 359.
88
BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 55.
30

separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e de seus sócios, ou, ainda, dos
haveres de diversas pessoas jurídicas.” 89
Segundo André Pagani de Souza, a personalidade jurídica deve ser
desconsiderada se for detectada a confusão patrimonial entre sociedade e sócios,
independentemente da existência de abuso de direito ou fraude (elementos
subjetivos). Por isso, diferentemente da fraude e do abuso de direito, a confusão
patrimonial é considerada um critério objetivo.90
Para Fábio Ulhoa Coelho, a confusão patrimonial deve auxiliar na facilitação da
prova pela parte que pretende utilizar o instituto da desconsideração da personalidade
jurídica. Como refere o jurista, deve-se presumir a fraude na manipulação da
autonomia patrimonial da pessoa jurídica se demonstrada a confusão entre o
patrimônio dela e de um ou mais de seus integrantes, mas não se deve deixar de
desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade, somente porque o demandado
demonstrou ser inexistente qualquer tipo de confusão patrimonial, se caracterizada,
por outro modo, a fraude.91
Assim, de modo a exemplificar as situações que caracterizam a confusão
patrimonial, explica o autor:

Se, a partir da escrituração contábil, ou da movimentação de contas


de depósito bancário, percebe-se que a sociedade paga dívidas do
sócio, ou este recebe créditos dela, ou o inverso, então não há
suficiente distinção, no plano patrimonial, entre as pessoas. Outro
indicativo eloquente de confusão, a ensejar a desconsideração da
personalidade jurídica da sociedade, é a existência de bens de sócio
registrados em nome da sociedade, e vice-versa.92

2.5 DESCONSIDERAÇÃO INVERSA

Questão também relevante é a possibilidade de aplicação da desconsideração


personalidade jurídica em sua forma inversa. A desconsideração da personalidade
jurídica na sua forma tradicional, conforme analisado acima, é um mecanismo criado
para coibir a utilização indevida da sociedade por seus sócios, com a extensão da
responsabilidade patrimonial aos bens pessoais dos responsáveis.

89
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 279.273/SP. Terceira Turma, Relatora
Ministra Nancy Andrighi, julgado em 04/12/2003, DJe 29/03/2004.
90
SOUZA, André Pagani de. Op. cit. p. 93.
91
COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. p. 42.
92
Ibidem. p. 43-44.
31

Por sua vez, na chamada desconsideração inversa, contrariamente do que


ocorre na desconsideração da personalidade jurídica na sua forma tradicional, há a
suspensão temporária da eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica, para buscar
bens do patrimônio da pessoa jurídica em razão de dívidas pessoais contraídas pelo
sócio.93 Fábio Ulhoa Coelho didaticamente explica a aplicação da teoria da
desconsideração na sua forma inversa:

A fraude que a desconsideração invertida coíbe é, basicamente,


o desvio de bens. O devedor transfere seus bens para a pessoa
jurídica sobre a qual detém absoluto controle. Desse modo,
continua a usufruí-los, apesar de não serem de sua propriedade,
mas de pessoa jurídica controlada. Os seus credores, em
princípio, não podem responsabilizá-lo executando tais bens. É
certo que, em se tratando a pessoa jurídica de uma sociedade,
ao sócio é atribuída a participação societária, isto é, quotas ou
ações representativas de parcelas do capital social. Essas são,
em regra, penhoráveis para a garantia do cumprimento das
obrigações do seu titular. Quando, porém, a pessoa jurídica
reveste forma associativa ou fundacional, ao seu integrante ou
instituidor não é atribuído nenhum bem correspondente à
respectiva participação na constituição do novo sujeito de direito.
Quer dizer, o sócio da associação ou o instituidor da fundação,
desde que mantenham controle total sobre os seus órgãos
administrativos, podem concretizar com maior eficácia a fraude
do desvio de bens. 94

Marlon Tomazette adverte que é possível que o sócio use uma pessoa jurídica
para esconder o seu patrimônio pessoal dos credores, transferindo-o por inteiro à
pessoa jurídica e evitando, assim, o acesso dos credores a seus bens.95 O autor critica
a utilização da desconsideração inversa para esse fim, pois, no seu entendimento,
“qualquer que seja a sociedade, o sócio terá quotas ou ações em seu nome, que
integram seu patrimônio e, por isso, são passíveis de penhora para pagamento das
obrigações pessoais do sócio”.96
O jurista complementa dizendo: “se a desconsideração não quer extinguir a
pessoa jurídica, mas sim protegê-la de abusos por parte dos sócios, não é razoável

93
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil,
parte geral e processo de conhecimento. 19. ed. – Salvador: Jus Podivm, 2017. p. 584.
94
COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. p. 73.
95
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Teoria geral e direito societário. v.1. 8ª ed.
rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2017. p. 290
96
Ibidem. p. 290.
32

admitir a desconsideração inversa, com ônus para a sociedade, sendo possível


satisfazer os credores dos sócios sem esses ônus.”97
O Superior Tribunal de Justiça, por sinal, reconhece a possibilidade de aplicação
da desconsideração inversa, com fundamento em uma interpretação finalística do art.
50 do Código Civil, ainda que o CPC/73 não regulamentasse essa figura, conforme
trechos do acórdão relatado pela Ministra Nancy Andrighi:

Conquanto a consequência de sua aplicação seja inversa, sua razão


de ser é a mesma da desconsideração da personalidade jurídica
propriamente dita: combater a utilização indevida do ente societário
por seus sócios. Em sua forma inversa, mostra-se como um
instrumento hábil para combater a prática de transferência de bens
para a pessoa jurídica sobre o qual o devedor detém controle, evitando
com isso a excussão de seu patrimônio pessoal.
[...]
Ademais, ainda que não se considere o teor do art. 50 do CC/02 sob
a ótica de uma interpretação teleológica, entendo que a aplicação da
teoria da desconsideração da personalidade jurídica em sua
modalidade inversa encontra justificativa nos princípios éticos e
jurídicos intrínsecos a própria disregard doctrine, que vedam o abuso
de direito e a fraude contra credores.98

Após o advento do Código de Processo Civil de 2015, essa modalidade de


desconsideração foi inserida da redação do art. 133, §2º99, suprindo a lacuna deixada
pelo legislador. Ao reconhecer a existência da desconsideração da personalidade
jurídica na sua forma inversa, também reafirmou a posição já adotada na doutrina e
na jurisprudência quanto à possibilidade de aplicação dessa modalidade para atingir
o patrimônio da sociedade, para responsabilizar patrimonialmente os sócios por
dívidas pessoais destes.100
Portanto, a partir do estudo de alguns aspectos materiais da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, passaremos à análise da
desconsideração da personalidade jurídica sob a ótica processual.

97
TOMAZETTE, Marlon. Op. cit. p. 290.
98
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 948.117/MS. Terceira Turma, Relatora
Ministra Nancy Andrighi, julgado em 22/06/2010, DJe 03/08/2010.
99
Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte
ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. § 2o Aplica-se o disposto neste
Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.
100
THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito
processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. vol. 1. 56. ed. rev., atual. e
ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 523.
33

3 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA SOB A ÓTICA


PROCESSUAL

Amplas discussões e apuro técnico focados na teoria da desconsideração


ensejaram premissas bastante sólidas quanto aos requisitos estabelecidos por cada
ramo do direito material para superar episodicamente a personalidade jurídica da
pessoa jurídica.
Por outro lado, verifica-se que os estudos relacionados com o direito processual
para buscar alcançar a desconsideração da personalidade jurídica não resultaram em
um posicionamento solidificado. tendo em vista a existência de diversos
entendimentos.101
Neste capítulo, a desconsideração da personalidade jurídica será analisada
sob a ótica processual, com o estudo da aplicação do instituto na vigência do Código
de Processo Civil de 1973 até a sua expressa previsão com as normas processuais
instituídas pelo Código de Processo Civil de 2015. Tal análise comparativa se faz
necessária para elucidar a importância de ter sido criada uma ferramenta processual
única para aplicação do instituto da desconsideração.

3.1 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ANTES DA LEI


13.105/2015

Antes de abordar o tema da desconsideração com a entrada em vigor do


CPC/15, é pertinente que sejam expostos, mesmo que em apertadas linhas, os
principais entendimentos, tanto da doutrina como da jurisprudência, relacionados com
a aplicação da disregard doctrine antes da Lei 13.105/2015.

Em primeiro lugar, uma das dificuldades enfrentadas na aplicação prática da


teoria da desconsideração anteriormente ao CPC/15, é de que havia, na doutrina e na
jurisprudência, de forma indesejável, entendimentos e critérios distintos quanto ao
procedimento a ser adotado, o que ensejava em muitos casos o desrespeito às
garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa ao sócio ou à pessoa

101
VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no Novo CPC: natureza,
procedimentos e temas polêmicos. – Salvador: Juspodivm, 2016. p. 46.
34

jurídica que poderá ter seu patrimônio atingido mediante decisão que supera
transitoriamente a personalidade jurídica da pessoa jurídica.102

Fábio Ulhoa Coelho, por exemplo, opinava pela necessidade de uma ação
autônoma para se verificarem os requisitos da desconsideração. Para o jurista, em
razão da necessidade de dilação probatória, torna-se imperiosa o ajuizamento de uma
ação autônoma, em que o credor deveria demonstrar a existência dos pressupostos
para a desconsideração. Sendo assim, o magistrado não poderia decidir a
desconsideração mediante mero despacho em processo de execução.103

Diferentemente, Pedro Henrique Torres Bianchi entende pelo reconhecimento


da desconsideração nos próprios autos de forma incidental, pois, segundo o autor,
mesmo no curso de uma execução se percebe a existência de contraditório, por
exemplo, com o instituto da objeção de não executividade.104

Importante referir que, assim como Fábio Ulhoa Coelho, aqueles que
defendiam a necessidade de uma ação autônoma tinham como principal fundamento
o fato de que somente um processo autônomo seria adequado para preservar as
garantias constitucionais do processo e, concomitantemente, formar o título executivo
relacionado com quem se pretendia atingir com a desconsideração da personalidade
jurídica da parte devedora.105

Os que entendiam pela possibilidade de a desconsideração da personalidade


jurídica ser incidentalmente, isto é, sem a criação de uma ação autônoma ou incidente
para haver contraditório efetivo entre as partes, sustentavam a possibilidade de o
pedido ser formulado mediante simples petição, podendo o juiz decidir sem a
manifestação da parte contrária.106

Quando o processo estava em andamento e surgiam indícios de abuso da


personalidade, não havia um único critério. Isto é, dependendo do processo, utiliza-
se de dois lados extremos: (i) após simples petição do credor, aplicava-se diretamente
a desconsideração, postergando-se o contraditório para eventuais embargos de
devedor, exceção de pré-executividade, impugnação à execução ou recurso do

102
VIEIRA, Christian Garcia. Op. cit. p. 50.
103
COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. p. 77.
104
BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 119-121.
105
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 178.
106
BRUSCHI, Gilberto Gomes. Aspectos processuais da Desconsideração da Personalidade Jurídica,
2ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2009. p. 100.
35

terceiro afetado pela desconsideração; ou (ii) negava-se a desconsideração, cabendo


à parte interessada ajuizar uma ação autônoma específica para esse fim.107 Conforme
observa Eduardo Talamini, nenhuma dessas soluções são adequadas, porque a
primeira viola as garantias do contraditório, ampla defesa, devido processo legal e
acesso à justiça e a segunda tende a inviabilizar o sucesso prático da
desconsideração.108

Pela inexistência de um procedimento específico para atingir a superação da


personalidade jurídica sob a égide do CPC/73, utilizava-se a teoria da
desconsideração indevidamente, geralmente por credores que, ao perceberem a
inexistência de ativos de titularidade da pessoa jurídica, utilizavam o instituto da
desconsideração para atingir o patrimônio dos sócios ou dos administradores, sem
comprovar a existência dos requisitos previstos na legislação específica aplicável ao
caso.

Em termos jurisprudenciais, não havia entendimento pacificado no que se


refere ao procedimento para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.
Para ilustrar esse antagonismo, citamos abaixo dois julgados do STJ, da Quarta
Turma, em que é possível verificar uma nítida divergência de entendimento.

No julgamento do Recurso Especial n.º 476.452/GO, o STJ firmou


entendimento de que era possível “haver a desconsideração da personalidade jurídica
independente de ação autônoma para tanto.” Além disso, a citação prévia do sócio ou
da pessoa jurídica era considerada prescindível.109

De modo diverso, no julgamento do Recurso Especial n.º 991.218/MS,


entendeu-se que a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica por
presunção, sem contraditório, sem ampla defesa e sem motivação concreta
caracterizaria violação ao Princípio do Devido Processo Legal. Nada obstante, o
relator fundamentou o seu voto no sentido de que “a celeridade processual não pode
ser alcançada com o sacrifício dos consectários inerentes ao processo justo”.110

107
TALAMINI, Eduardo. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Disponível em
<https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI234997,11049-
Incidente+de+desconsideracao+de+personalidade+juridica> Acesso em 16/08/2018.
108
Ibidem.
109
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 476.452/GO. Quarta Turma, Rel. Min.
Raul Araújo, Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão. Julgado em 05/12/2013. DJe: 11/02/2014.
110
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 991.218/MS. Quarta Turma. Rel. Min.
Antônio Carlos Ferreira, Rel. p/ Acórdão Min. Raul Araújo. Julgado em 16/04/2015. DJe: 13/08/2015.
36

Por isso, o uso indiscriminado da teoria da desconsideração ensejou a busca


por um mecanismo que restringisse a aplicação incorreta do instituto, estabelecendo
limites para utilização da desconsideração da personalidade jurídica no processo,
mediante critérios simplificados e objetivos, agora positivados na legislação
processual civil.

Em síntese, essas são algumas das “razões de ser” do atual incidente de


desconsideração da personalidade jurídica, estabelecido no Código de Processo Civil
de 2015, que trouxe alguns avanços relevantes quanto ao meio processual para
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. Assim, nos próximos tópicos
serão analisadas as principais características do Incidente de Desconsideração
estabelecidas pela Lei n. 13.105/2015.

3.2 O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Conforme verificado acima, um dos problemas enfrentados sob a égide do


CPC/73 era a ausência de um critério único para aplicação da desconsideração da
personalidade jurídica no curso do processo. Suprindo a lacuna deixada pelo diploma
processual anterior, o Código de Processo Civil de 2015 incumbiu-se e cuidou da
matéria, traçando um mecanismo processual a ser adotado com a criação do incidente
de desconsideração da personalidade jurídica, previsto no rol das modalidades de
intervenção de terceiros.111

A inclusão do incidente de desconsideração se baseia na simplificação da


técnica processual, visando à efetividade da prestação jurisdicional, sem que haja o
comprometimento do contraditório e do direito de defesa.112

3.2.1 Natureza jurídica

O Código de Processo Civil de 2015, ao fazer referência a um incidente de


desconsideração, provoca discussões na doutrina no tocante à natureza jurídica deste
incidente, especialmente após análise sistemática dos artigos 133 a 137 do Código.
Afinal, quanto à natureza jurídica do incidente de desconsideração da personalidade

111
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 185.
112
Ibidem. p. 264.
37

jurídica, seria um incidente processual, nos termos da literalidade da lei, ou possui


natureza de uma ação ou demanda incidental?

Atribuindo ao incidente de desconsideração a natureza jurídica de demanda


incidental, Christian Garcia Vieira refere que entende-se como um “incidente do
processo” o ato ou série de atos praticados no curso de um processo, compreendendo
um procedimento menor, que não gera uma nova relação jurídica processual,
dependente do principal e com a finalidade de solucionar questão, sem a qual não é
possível prosseguir no processo em que o incidente teve origem.113 Por outro lado, o
jurista explica que o “processo incidental” forma uma relação jurídica processual nova,
constituída sobre um procedimento novo, sendo considerada incidental porque seria
instaurado de modo relacionado com algum processo pendente e objetivando tutela
jurisdicional que poderá influir sobre o objeto do processo originário ou sobre o próprio
incidente.114 Fredie Didier Jr., na mesma linha, aponta que “ao pedir a
desconsideração, a parte ajuíza uma demanda contra alguém; deve, pois, observar
os pressupostos do instrumento da demanda.”115

Sob outra ótica, Alexandre de Freitas Câmara entende que se trata de um


incidente processual que provoca, uma intervenção forçada de terceiro, mediante
citação, na medida em que o sócio ou a sociedade não integravam a relação jurídica
processual.116

Embora houvesse previsão de intimação ao sócio ou à sociedade no art. 64 do


Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil117, o que poderia estar alinhado com a
ideia de um incidente processual, defende Otávio Joaquim Rodrigues Filho que a
alteração para o ato de citação, previsto no art. 135 do CPC/15, não altera a natureza
jurídica do incidente, na medida em que “o processo é novo para aqueles que
passarão a integrar a relação processual”.118

113
GARCIA, Christian Vieira. Op. cit. p. 91.
114
Ibidem. p. 91.
115
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil,
parte geral e processo de conhecimento. 19. ed. – Salvador: Jus Podivm, 2017. p. 587.
116
CÂMARA, Alexandre de Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2017.
p. 99.
117
Art. 64. Requerida a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio ou o terceiro e a pessoa
jurídica serão intimados para, no prazo comum de quinze dias, se manifestar e requerer as provas
cabíveis.
118
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 262-264.
38

Ressalta o mesmo jurista que o procedimento previsto no atual diploma legal


deve ser considerado um incidente processual, e não uma demanda incidental, em
razão da “sua absoluta acessoriedade à demanda principal.”119 Para o autor, “o que
se amplia subjetivamente nesses casos não é o título judicial ou extrajudicial, mas sua
eficácia executiva.”120

Por fim, ainda que haja debates na doutrina quanto à natureza jurídica do
incidente de desconsideração, verificamos que o Superior Tribunal de Justiça afirmou,
em acórdão de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, que o pedido de
desconsideração da personalidade jurídica não inaugura uma ação autônoma.121

3.2.2 Legitimidade

Conforme preceitua o caput do artigo 133 do Código de Processo Civil, o


incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da
parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

Quanto à legitimidade ativa para suscitar o incidente de desconsideração, a lei


só alude ao incidente a pedido da parte ou do Ministério Público. Em outros termos,
como lecionam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, “o juiz só analisará
a possibilidade de desconsiderar a personalidade jurídica caso a parte interessada ou
o MP requeiram a providência. Não pode, pois, aplicar a desconsideração ex
officio.”122

Para Otávio Joaquim Rodrigues Filho, nos termos do que dispõe os artigos 50
do Código Civil123 e 28 do Código de Defesa do Consumidor124, ainda que a lei fale
em pedido da parte ou do Ministério Público, não há alteração significativa nas

119
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 192.
120
Ibidem. p. 192.
121
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º 1.729.554/SP. Quarta Turma, Rel. Min.
Luís Felipe Salomão. Julgado em 08/05/2018. DJe: 06/06/2018.
122
NERY, Nelson Jr; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Novo Código de Processo
Civil. 1. ed. - São Paulo: RT, 2015. p. 285.
123
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou
pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando
lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam
estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
124
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento
do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação
dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência,
estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má
administração.
39

disposições do direito material, pois, geralmente, se a desconsideração é requerida


para fins de responsabilização, a parte requerente será, em regra, a credora da
demanda principal.125

Ao abordar a legitimidade ativa ocupada pela parte, Flávio Luiz Yarshell explica:

Suposto que o pedido esteja fundado em uma das hipóteses legais


que autorizam a desconsideração, legitimado ativo é o credor; que
processualmente ocupa a posição de autor da demanda originária
(aquela cujo objeto é impor dever de prestar). Ele é o titular de direito
material afirmado em juízo e, portanto, ele é o titular do direito de ação,
que abrange tanto a declaração do direito, quanto a respectiva
atuação prática, para entrega do bem da vida.126

Quanto à legitimidade ativa do Ministério Público, o jurista explica que o Órgão


está legitimado a pedir a desconsideração somente nos casos em que seja titular do
direito de ação, e não nos casos em que atua como fiscal da lei.

Assim, a única interpretação possível da expressão “quando lhe couber intervir


nos autos” é a de que essa legitimidade é restrita às hipóteses em que o Ministério
Público figura como autor da demanda, como, por exemplo, no caso de ação civil
pública, de improbidade administrativa e em outros que possui legitimidade ativa,
desde que coerente com as funções institucionais do Órgão.127 Na hipótese de a
medida ser pleiteada pelo Ministério Público, Eduardo Talamini entende que,
anteriormente, deveria haver uma oitiva da parte que teoricamente teria interesse na
desconsideração, a qual normalmente seria o autor da ação principal.128

Acerca da legitimidade passiva, segundo o caput do art. 135, uma vez


instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica serão citados. Sobre esse ponto,
importantes as observações de Luiz Alberto Reichelt, que aborda a função da
conjunção adversativa “ou” prevista no texto legal:

A utilidade presente na conjunção “ou” consiste na possibilidade de


desconsideração levando em conta duas situações: (a) a
desconsideração da pessoa jurídica de modo que o sócio possa ser

125
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 217.
126
YARSHELL, Flávio Luiz. In: CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo [Coord.]. Comentários
ao Novo Código de Processo Civil - Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 285.
127
Ibidem. p. 285-286.
128
TALAMINI, Eduardo. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Disponível em
<https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI234997,11049-
Incidente+de+desconsideracao+de+personalidade+juridica> Acesso em 24/08/2018.
40

responsabilizado pelas prestações devidas pela ré́ originalmente


indicada, e (b) a desconsideração do sócio como meio para que o
patrimônio da pessoa jurídica responda pela obrigação àquele imposta
(desconsideração inversa). Essa segunda possibilidade resta
confirmada pelo constante do art. 133, § 2.o, que afirma ser aplicável
o regime jurídico previsto entre os arts. 133 e 138 também à hipótese
de desconsideração inversa da pessoa jurídica. 129

Em termos de desconsideração da personalidade jurídica, de acordo com o


CPC/15, geralmente, os legitimados passivos poderão ser os sócios (sejam eles
pessoas físicas ou outras pessoas jurídicas) e a sociedade (na hipótese de
desconsideração inversa).

Dessa forma, a redação do caput do artigo 133 é taxativa ao atribuir à parte ou


ao Ministério Público a iniciativa de pedir a instauração do incidente de
desconsideração, não podendo, portanto, o juiz determinar essa providência de ofício.
Essa vedação preserva a inércia da jurisdição (art. 2º do CPC), a imparcialidade do
juiz e o devido processo constitucional.130 Fredie Didier Jr. leciona no mesmo sentido,
entendendo que a desconsideração não pode ser determinada ex officio, pois o
incidente depende de pedido da parte ou do Ministério Público.131

3.2.3 Momento para instauração do incidente

A novidade introduzida pela Lei 13.105/15 obviamente não foi a desconsideração


da personalidade jurídica em si. A inovação consiste na inserção de um procedimento
próprio para a aplicação do instituto. Essa novidade acaba pondo fim a tantas dúvidas
e questões suscitadas na vigência do CPC/73 quanto ao procedimento que deveria
ser adotado pelo Juiz na aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.
Além disso, conforme refere Alexandre Freitas Câmara, com a criação do incidente,
evita-se a apreensão de bens de sócios (ou da sociedade, em caso de
desconsideração inversa) sem que eles fossem chamados a participar do debate, em
contraditório, para formação da decisão que eventualmente ampliará a
responsabilidade patrimonial.132

129
REICHELT, Luiz Alberto. A desconsideração da personalidade jurídica no projeto de novo
código de processo civil e a efetividade da tutela jurisdicional do consumidor. Revista de Direito
do Consumidor. vol. 98 - São Paulo: RT, 2015. p. 245-259.
130
YARSHELL, Flávio Luiz. In: CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo [Coord.]. Op. cit. p. 286.
131
DIDIER JR., Fredie. Op. cit. p. 586.
132
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 95
41

Ressalta-se, conforme visto anteriormente, que o requerimento de instauração


do incidente deve observar e demonstrar o preenchimento dos requisitos específicos
para a desconsideração da personalidade jurídica. Ou seja, nas causas em que a
relação jurídica subjacente à demanda for cível-empresarial, o dispositivo que regulará
os pressupostos para a desconsideração da personalidade jurídica será o art. 50 do
Código Civil. Igualmente, baseando-se a causa em relação consumerista, englobará,
por conseguinte, as disposições do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor. Em
outros termos, os requisitos da desconsideração variam de acordo com a natureza da
causa, cuja apuração deve ser feita com base na legislação específica do caso.133

O diploma processual, portanto, prevê expressamente que o incidente de


desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no
cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial (art.
134, caput).

Conforme lições de Luiz Henrique Volpe Camargo, há duas oportunidades de


buscar a desconsideração da personalidade jurídica: cumulação de tal pedido com o
pedido principal já na petição inicial (art. 134, §2º) ou em uma petição autônoma, na
forma de incidente processual, protocolada no curso da fase de conhecimento, no
cumprimento de sentença ou no curso da execução fundada em título extrajudicial
(art. 134, caput).134

O incidente pode ser instaurado em qualquer tipo de processo, seja ele cognitivo
ou executivo, independentemente de o procedimento ser comum ou especial. Em
segundo lugar, a teor do constante nos artigos 136, parágrafo único135 e 932, inc.
VI,136 é possível a instauração do incidente de desconsideração perante órgãos
colegiados que integram os tribunais, seja nos processos de competência originária,
seja em grau recursal, incumbindo ao relator decidir o incidente.137 E, para evitar o
surgimento de qualquer dúvida, o incidente de desconsideração da personalidade

133
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 95.
134
CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. In: CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo [Coord.].
Comentários ao Novo Código de Processo Civil - Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 245.
135
Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.
136
Art. 932. Incumbe ao relator: VI - decidir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica,
quando este for instaurado originariamente perante o tribunal;
137
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 96.
42

jurídica aplica-se também ao processo de competência dos Juizados Especiais (art.


1.062).138

Por sinal, quanto ao cabimento do incidente em qualquer tipo de processo


especial, importante lembrar a viabilidade do incidente de desconsideração nos
processos de falência, ao encontro, inclusive, do que fora estabelecido no Enunciado
nº 247 do Fórum Permanente de Processualistas Civis.139

Desta forma, dependendo da via eleita pela parte requerente, poderá surgir
debate quanto à interpretação do art. 134, §1º,140 conforme leciona Luiz Alberto
Reichelt: “há que se investigar se aquele que não figurava originalmente como parte
deveria ser cadastrado como terceiro ou como parte quando da instauração do
incidente”.141 Reichelt refere que, no caso de pedido de desconsideração da
personalidade jurídica realizado já na inicial, não há margem para dúvidas, uma vez
que “haverá a imediata assunção da condição de parte por aquele que se pretende
seja efetivamente responsabilizado pela prestação devida por aquele que se pretende
tenha sua personalidade jurídica desconsiderada.”142 Nesse sentido, haverá a
constituição de um litisconsórcio facultativo entre os réus.143

Quando a desconsideração é pleiteada na fase de cumprimento de sentença ou


na execução de título extrajudicial, torna-se obrigatória a instauração do incidente,
conforme ensina Humberto Theodoro Jr.:

Na hipótese de a desconsideração da personalidade jurídica ser


requerida nos autos da execução ou durante o cumprimento de
sentença, mesmo quando a formulação do pedido se der na própria
petição inicial ou no requerimento do cumprimento da sentença, será
sempre obrigatória a observância do incidente regulado pelos arts. 134
a 136. É que o procedimento executivo, em sua forma pura, não tem
sentença para resolver sobre a responsabilidade nova (a do sócio ou
da pessoa jurídica não devedores originariamente) e, sem tal decisão,
faltará título executivo para sustentar o redirecionamento da
execução. Somente, portanto, por meio do procedimento incidental em
tela é que, cumprido o contraditório, se chegará a um título capaz de
justificar o redirecionamento. Cabe, pois, ao incidente a função de

138
Art. 1.062. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica aplica-se ao processo de
competência dos juizados especiais.
139
Nesse sentido, o Enunciado n. 247 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Aplica-se o
incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo falimentar.”
140
Art. 134. § 1o: A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as
anotações devidas.
141
REICHELT, Luiz Alberto. Op. cit. p. 247.
142
Ibidem. p. 247.
143
Ibidem. p. 247.
43

constituir o título legitimador da execução contra aqueles a que se


imputa a responsabilidade patrimonial pela obrigação contraída em
nome de outrem.144

Alexandre Freitas Câmara alude que não basta a parte interessada ou o


Ministério Público peticionar requerendo a instauração do incidente, dado que este
requerimento deverá preencher os pressupostos legais específicos (art. 134, §1º).
Além disso, o autor refere que, vindo a solicitação de instauração do incidente a juízo,
deverá ser realizado um juízo de admissibilidade.

É importante observar que, no ato de requerimento de desconsideração da


personalidade jurídica, cabe ao requerente apresentar elementos mínimos de prova
para convencer o juízo de que estão presentes os requisitos para desconsideração
(estabelecidos na legislação específica de cada caso).145

Nada obstante, soma-se a isso a possibilidade de o requerente pleitear a


concessão de tutela de urgência, com o bloqueio e apreensão de bens do sócio ou da
pessoa jurídica, na forma dos artigos 300146 e 301147 do CPC/15, ainda que não haja
previsão de hipóteses de urgência nas quais a observância do contraditório prévio
pode frustrar a aplicação da teoria da desconsideração ao caso concreto.148

Explica Alexandre Freitas Câmara que ao Juiz incumbirá exercer cognição


sumária, a fim de verificar se é ou não provável a existência dos requisitos para
desconsideração. Se o juiz não conseguir, desde logo, formar esse juízo de
probabilidade, tornar-se-á necessário, antes de rejeitar liminarmente o pedido, intimar
o requerente para que este tenha a chance de demonstrar que tais requisitos estão
presentes. Após esse diálogo, caberá ao magistrado proferir decisão acerca da
admissibilidade ou não do incidente,149 e, uma vez instaurado o incidente, o juiz

144
THEODORO JR., Humberto. Op. cit. p. 525.
145
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 98.
146
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a
probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1o Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou
fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser
dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2o A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3o A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de
irreversibilidade dos efeitos da decisão.
147
Art. 301. A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro,
arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea
para asseguração do direito.
148
SOUZA, André Pagani de. Op. cit. p. 202.
149
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 96.
44

determinará a expedição de ofício ao distribuidor, comunicando-o acerca da


instauração do incidente, bem como, no mesmo ato, decretará a suspensão do
processo (art. 134, §3º)150 e determinará a citação daquele cujo patrimônio se
pretende ver alcançado (art. 135).151/152

Quanto à suspensão do processo, há autores, a exemplo de Alexandre Freitas


Câmara, que defendem se tratar uma suspensão imprópria, na medida em que,
conforme explica o jurista, há somente a vedação à prática de atos do processo
principal, ou seja, aqueles que não integram o procedimento do incidente de
desconsideração. Em decorrência disso, a suspensão cessa quando o incidente for
decidido, ainda que tal decisão esteja sujeita a recurso.153 Essa suspensão, conforme
leciona Antônio Pereira Gaio Júnior, é necessária para “evitar-se o tumulto nas
relações jurídicas que se desenvolvem durante a cognição do ‘incidente’”154 Pensa
diferente Otávio Joaquim Rodrigues Filho, argumentando que o processo principal
deveria ter prosseguimento em relação à pessoa jurídica caso estivesse na fase ou
processo de execução, em respeito à preocupação com o decurso de tempo e a
celeridade.

Importante mencionar, quanto ao tema, que a II Jornada de Direito Processual


Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários no Portal do Conselho da Justiça
Federal, aprovou o Enunciado 110, que restou assim redigido: “A instauração do
incidente de desconsideração da personalidade jurídica não suspenderá a tramitação
do processo de execução e do cumprimento de sentença em face dos executados
originários.”155

Feito o registro, assim que for instaurado o incidente, o processo principal será
suspenso, e o sócio ou a pessoa jurídica será citado para se manifestar e requerer as
provas cabíveis no prazo de 15 dias (art. 135). O Código de Processo Civil fala apenas
em “manifestação” do sócio ou da pessoa jurídica, o que, na sua essência, é o

150
Art. 134, § 3o: A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2o.
151
Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e
requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.
152
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 99.
153
Ibidem. p. 97-98.
154
GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. In: DIDIER JR, Fredie. Coord. Novo CPC doutrina selecionada. v.
1: parte geral. - Salvador: Juspodivm, 2016. p. 1141.
155
Disponível em <http://www.cjf.jus.br/cjf/noticias/2018/setembro/cej-divulga-enunciados-da-ii-
jornada-de-direito-processual-civil>. Acesso em 21/09/2018.
45

mecanismo central de defesa que o demandado, se quiser, poderá apresentar.156


Essa manifestação em resposta à pretensão da desconsideração poderá conter todas
alegações e argumentos pelos quais não seria possível desconsiderar a
personalidade jurídica, bem como requerer as provas que reputar necessárias.157

Ao abordar o assunto, Luiz Alberto Reichelt elogia a possibilidade de o sócio


ou a pessoa jurídica se manifestar previamente à decisão:

Com essa providência, assegurou-se àquele que não figurava


originalmente como parte exatamente aquilo que lhe seria devido
antes de ser submetido aos graves efeitos da intervenção jurisdicional
sobre o seu patrimônio, que é o respeito ao direito fundamental do
contraditório.

Com a inovação do CPC/15 referente à necessidade de citação do sócio ou da


pessoa jurídica para manifestação, ensejou a superação da jurisprudência adotada
pelo Superior Tribunal de Justiça, que entendia pela desnecessidade de citação dos
sócios, ou da pessoa jurídica, quando em vias de ser declarada a desconsideração
da personalidade jurídica.158

Portanto, em suma, regularmente citado, poderá o sócio ou a pessoa jurídica,


no prazo de 15 dias, apresentar defesa exclusivamente em relação à matéria que é
objeto do incidente, juntando documentos e indicando as provas cabíveis. Ou seja, o
objeto do incidente, em regra, é a aplicação da desconsideração em razão da
existência do uso indevido da personalidade da pessoa jurídica, caberá ao requerido
versar exclusivamente sobre o objeto do incidente.

Quanto à instrução do incidente, Câmara alude que poderão ser produzidos


todos os meios de prova típicos ou atípicos, tendo em vista que a decisão deverá se
basear em cognição exauriente, ou seja, com base em juízo de certeza para afirmar
se estão ou não presentes os requisitos da desconsideração da personalidade jurídica
e, por conseguinte, permitir que se estenda a atividade executiva, se iniciada, ao
patrimônio do sócio ou da sociedade.159

156
GARCIA, Christian Vieira. Op. cit. p. 168-169.
157
NERY, Nelson Jr; NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit. p. 287.
158
In: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.729.554/SP. Rel. Ministro Luis
Felipe Salomão, Quarta Turma. Julgado em 08/05/2018. DJe: 06/06/2018.
159
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 100.
46

Sob outro panorama, salienta-se que, quando o pedido vier acompanhado da


inicial, a defesa será apresentada pelos réus com a contestação. De igual forma, as
provas eventualmente requeridas pela parte que poderá ter a personalidade
desconsiderada serão colhidas durante a instrução processual, devendo o juiz julgar
o pedido de desconsideração com a sentença.160

Cumpre observar que, exceto se o pedido de desconsideração vier


acompanhado da inicial ou se deferida tutela antecipada para inclusão do sócio ou da
sociedade na demanda principal, estes somente poderão se manifestar nos autos do
processo principal após decisão acolhendo o pedido de desconsideração, porque
aquele que originalmente era terceiro passa a assumir a condição de parte na
demanda principal, formando-se um litisconsórcio passivo facultativo unitário com o
demandado original.161

Por fim, mas não menos significativo, o diploma processual prevê que, assim
que encerrada a instrução, se necessária, o incidente de desconsideração será
decidido por decisão interlocutória (art. 136).162 Logo, no próximo tópico serão
abordados os recursos cabíveis para impugnar a decisão do pedido de
desconsideração, seja ele realizado por meio de incidente processual, acompanhado
da inicial ou diretamente no segundo grau.

3.2.4 Efeitos da decisão proferida no incidente

A decisão que acolhe a pretensão de desconsideração da personalidade jurídica,


conforme lições de Alexandre Freitas Câmara, produz dois efeitos processuais: o
primeiro deles seria a extensão da responsabilidade patrimonial a um devedor (o sócio
ou, nos casos de desconsideração inversa, a sociedade); o segundo, a ineficácia, em
relação ao requerente da desconsideração, de atos de alienação ou oneração de bens
realizada pelo requerido, condicionada à presença dos demais requisitos para a
configuração da fraude de execução.163

Como analisado acima, o incidente de desconsideração será resolvido, em


regra, por decisão interlocutória que resolve o mérito. Nesse caso, se a decisão

160
THEODORO JR., Humberto. Op. cit. p. 524.
161
REICHELT, Luiz Alberto. Op. cit. p. 247.
162
Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
163
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 101.
47

acolher o pedido de desconsideração, o sócio ou a sociedade que sofreu os efeitos


da desconsideração não poderá opor embargos de terceiro, por força do disposto no
art. 674, §2º, inc. III, do CPC164, nem qualquer outro meio de defesa para discutir a
matéria que foi objeto do incidente de desconsideração.

Não obstante, dado que a decisão proferida no incidente resolve matéria de


mérito, estará imunizada pela coisa julgada material (art. 502165) e o “terceiro”
assumirá a condição de parte na demanda principal, como responsável patrimonial.166

Quanto ao tema, Luiz Alberto Reichelt ensina:

Uma vez esgotado o debate em torno do incidente de


desconsideração da personalidade jurídica, os limites em termos de
preclusão impõem que a parte não possa renovar a discussão a
respeito do tema, bem como proíbem o juiz de rever sua decisão ex
officio em momento posterior ao proferido. A reconsideração da
decisão tomada inicialmente no incidente em questão levaria ao
surgimento de um desvio de rota para além do limite razoável na
condução do processo de execução, reabrindo-se a atividade
cognitiva de modo a inviabilizar, de maneira indevida, a realização do
direito, escopo que dele se espera.167

No mesmo sentido, Christian Garcia Vieira afirma que a decisão de mérito que
aprecia o incidente de desconsideração, transitada em julgado, sofre os efeitos da
coisa julgada material.168 Na execução, por exemplo, o sócio ou a sociedade atingida
pela desconsideração poderão reagir, mediante embargos à execução ou
impugnação, somente quanto ao objeto da execução, tendo em vista que apenas o
objeto do incidente restará superado.169 Ou seja, eventual decisão transitada em
julgado no processo principal não atingirá aqueles que não integravam a demanda
originalmente. Portanto, em razão de o trânsito em julgado não afetar terceiros que
não integravam a demanda originariamente, não há o impedimento para que estes

164
Art. 674. Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens
que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu
desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro. § 2o Considera-se terceiro, para
ajuizamento dos embargos: III - quem sofre constrição judicial de seus bens por força de
desconsideração da personalidade jurídica, de cujo incidente não fez parte;
165
Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão
de mérito não mais sujeita a recurso.
166
CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. In: CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo [Coord.]. Op.
cit. p. 247.
167
REICHELT, Luiz Alberto. Op. cit. p. 249.
168
VIEIRA, Christian Garcia. Op. cit. p. 180.
169
ASSIS, Araken de. Processo Civil Brasileiro: manual de execução. v. 4. [livro eletrônico]. – São
Paulo: RT, 2016. p. 169.
48

discutam a matéria que é objeto da demanda principal, se posteriormente forem


incluídos nela diante da decisão proferida no incidente de desconsideração.

Pode-se dizer que, ao mesmo tempo em que é inviável submeter a pauta


autora/credora ao rigor formal de propor nova ação com vistas a obtenção de um título
executivo em face daquele que se pretende responsabilizar com a
desconsideração170, é possível que, se tais pessoas – sócios ou administradores –
não foram partes no processo principal (em que se formou o título), elas não ficam
vinculadas à imutabilidade da decisão que formou o título, possibilitando a propositura
de embargos à execução ou impugnação o cumprimento de sentença, se for o caso.

Outra questão interessante envolve a possibilidade de haver condenação da


parte sucumbente ao pagamento de despesas e honorários advocatícios no incidente
de desconsideração. Considerando a reflexão sobre o custo do processo na
atualidade, afinal, a decisão proferida no incidente de desconsideração deve arbitrar
honorários sucumbenciais em desfavor do vencido?

Para isso, em um primeiro momento, é importante observar que o artigo 85, §


1o, do CPC/15171, estabelece hipóteses, cujo rol é exemplificativo, em que é possível
a fixação de honorários advocatícios. Analisando os dispositivos legais que autorizam
a fixação de honorários e aqueles referentes ao incidente no diploma processual
(artigos 133 a 137), observa-se que são silentes quanto à possibilidade de serem
fixados honorários sucumbenciais na decisão que resolve o incidente.

Ora, a sucumbência, como se sabe, é o principal elemento da relação de


causalidade, que impõe os custos do processo a quem lhe deu causa, a quem o tornou
necessário, independentemente de culpa. Portanto, o dano se configura pela
existência de despesas suportadas pelas partes no decorrer do processo.172

Mesmo se tratando de um incidente processual, é imperioso notar que,


especialmente ao terceiro que é citado para integrar o incidente, haverá custos
relacionados com as despesas processuais e com o pagamento do trabalho do
advogado.173 Por isso, na visão de Otávio Joaquim Rodrigues Filho, deve ser levado

170
REICHELT, Luiz Alberto. Op. cit. p. 248.
171
Art. 85, § 1o: São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença,
provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.
172
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 320-321.
173
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 333.
49

em consideração o trabalho desenvolvido no incidente, independentemente da


decisão nele proferida.

Acompanhando o mesmo entendimento, conforme analisado por André Pagani


de Souza, ao abordar a figura da denunciação à lide, percebe-se da simples leitura do
artigo 129 do CPC/15174 que o diploma processual possibilita, em hipóteses nas quais
ocorre o encerramento do “processo” por meio de decisões que resolvem
parcialmente o mérito, que o vencido seja condenado ao pagamento de honorários
advocatícios ao advogado do vencedor.175 Logo, não seria plausível afirmar a
taxatividade do rol do artigo 85 do CPC/15.

André Vasconcelos Roque, em sentido contrário, defende que a decisão


proferida no incidente de desconsideração não enseja condenação em honorários
sucumbenciais, pois vai de encontro ao disposto no art. 85, § 1o, cuja redação não
prevê a hipótese de condenação em honorários de advogado nos incidentes
processuais. Para o jurista, “ainda que se trate de uma demanda incidental, a opção
do legislador foi não contemplar o arbitramento de honorários sucumbenciais nos
incidentes processuais.”176

Em termos jurisprudenciais, observamos que está gerando uma enorme


insegurança jurídica, pois, a jurisprudência, ao tratar do tema, está divergindo quanto
à possibilidade de serem fixados honorários sucumbenciais na decisão que resolve o
incidente de desconsideração.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por exemplo, em um julgado da


16ª Câmara Cível, decidiu favoravelmente à fixação de honorários advocatícios na
decisão que resolve o incidente. O relator do acórdão sustentou que, ainda que se
trate de um incidente, a improcedência do pedido de desconsideração autoriza a

174
Art. 129. Se o denunciante for vencido na ação principal, o juiz passará ao julgamento da
denunciação da lide. Parágrafo único. Se o denunciante for vencedor, a ação de denunciação não terá
o seu pedido examinado, sem prejuízo da condenação do denunciante ao pagamento das verbas de
sucumbência em favor do denunciado.
175
SOUZA, André Pagani de. Condenação de pagamento de honorários advocatícios
sucumbenciais ao advogado do vencedor no incidente de desconsideração da personalidade
jurídica. Disponível em <https://www.migalhas.com.br/CPCnaPratica/116,MI256515,41046-
Condenacao+de+pagamento+de+honorarios+advocaticios+sucumbenciais+ao>. Acesso em
13/09/2018.
176
ROQUE, André Vasconcelos. In: GAJARDONI, Fernando da Fonseca et al. Teoria geral do
processo de conhecimento: comentários ao CPC 2015: parte geral. 2. ed. rev., atual. e ampl. – Rio
de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018. p. 586.
50

fixação de honorários advocatícios em prol da parte adversa no incidente, a qual será


excluída da lide, in verbis:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO QUANTO A PEDIDO DE


AFASTAMENTO DA CONDENAÇÃO HONORÁRIA SUCUMBENCIAL
EM INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA.
Em caso de julgamento de improcedência do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica, por ausência dos
requisitos legais, é cabível a fixação de honorários sucumbenciais em
prol dos sócios ou administradores, que são citados para o feito e
devem constituir advogado para sua defesa. Inexistência de outras
omissões no julgado. Mantido o resultado do acórdão embargado.
ACOLHERAM EM PARTE OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.177

Ainda no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em um julgamento da 12ª


Câmara Cível, decidiu-se contrariamente ao arbitramento de honorários advocatícios
na decisão do incidente de desconsideração. Conforme fundamentado pelo relator,
tanto no capítulo atinente ao incidente de desconsideração, como na seção relativa
aos honorários advocatícios, inexiste dispositivo legal que autorize a fixação de
horários sucumbenciais na decisão que resolve o incidente. A ementa restou assim
transcrita:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL EM


ACIDENTE DE TRÂNSITO. EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA. ARTIGO 50 DO CÓDIGO CIVIL.
REQUISITOS.
Recurso cujo desprovimento, no mérito, dispensa maiores
considerações na medida em que, como se mostra cediço,
a desconsideração da personalidade jurídica reclama a reunião de
evidências de que houve desvio de finalidade da sociedade ou
confusão patrimonial. Sem prova de tais manobras maliciosas, não se
pode determinar a desconstituição da personalidade jurídica da
executada. No caso em pauta, não se verificam presentes os
requisitos autorizadores do redirecionamento da fase executiva ao
sócio da executada/agravada, de sorte que, nesses termos, o
desprovimento do recurso interposto é medida impositiva, por ora. De
outro lado, no que concerne ao pedido de afastamento
dos honorários de advogado fixados pelo Juízo de origem, razão
assiste à parte recorrente porquanto, em se tratando de decisão que
resolve o incidente de desconsideração da personalidade jurídica,
não há previsão de cabimento de honorários advocatícios, impondo-

177
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Embargos de Declaração n.
70077844462. Décima Sexta Câmara Cível. Des. Rel. Paulo Sérgio Scarparo. Julgado em 23/08/2018.
DJe: 28/08/2018.
51

se a reforma da decisão agravada quanto ao particular. Agravo de


instrumento parcialmente provido.178

Como se pode perceber da simples leitura das ementas citadas acima,


observamos a existência de duas vertentes que poderiam ser divididas da seguinte
forma: (i) aquela que defende a fixação de honorários advocatícios na decisão que
resolve o incidente por ser decorrência lógica do princípio da causalidade e para
reembolsar a parte pelas despesas processuais que antecipou com a contratação de
advogado para se defender; e (ii) aquela que defende a taxatividade do rol do § 1º do
artigo 85 e pela ausência de previsão legal para tanto.

Com efeito, notamos também que a divergência jurisprudencial acerca deste


tema não é exclusiva do Tribunal de Justiça gaúcho, sendo um problema enfrentado
também nos demais tribunais locais. Torna-se necessário, portanto, que o Superior
Tribunal de Justiça se posicione sobre o tema, com vistas a uniformizar o assunto,
respeitando-se a disposição contida no artigo 926 do CPC/15179. Caso contrário,
decisões com entendimentos completamente opostos abordando o mesmo tema
continuarão a ser proferidas, cujo resultado vai de encontro à busca pela tão aclamada
segurança jurídica.

3.2.5 Recursos cabíveis sobre a decisão proferida no incidente

O Código de Processo Civil estabelece que, logo após a conclusão da


instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória (art.
136). Em razão disso, a lei processual prevê expressamente o cabimento do agravo
de instrumento contra decisões interlocutórias que versarem sobre incidente de
desconsideração da personalidade jurídica (art. 1.015, inc. IV).180 Frisa-se, também,
que caberá o agravo de instrumento da decisão que declara o incidente inadmissível
(liminarmente ou após a manifestação do requerido).181

178
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento n.
70077125433. Décima Segunda Câmara Cível. Des. Rel. Umberto Guaspari Sudbrack. Julgado em
10/05/2018. DJe: 14/05/2018.
179
Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
180
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: IV -
incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
181
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 100.
52

É importante fazer a ressalva de que, na hipótese de o pedido de


desconsideração acompanhar a petição inicial, não haverá a instauração de incidente
específico. Nesse caso, se o pedido, por ventura, for julgado na sentença, o recurso
adequado não será o agravo de instrumento, e sim a apelação (art.1.009),182
consoante lições de Fredie Didier Jr.183

Na mesma linha, os ensinamentos de Flávio Luiz Yarshell: “é preciso considerar


a possibilidade de apreciação do pleito por sentença, não apenas no caso mais óbvio
em que a desconsideração não for requerida sob a forma de incidente. Nesse caso, o
recurso cabível será apenas o de apelação.”184

Visto isso, um terceiro ponto que merece atenção é se a decisão for proferida
em segundo grau pelo relator, pois, nessa ocasião, o recurso a ser manejado será o
agravo interno (art. 136, parágrafo único).185 Quanto a este ponto, Christian Garcia
Vieira sugere que é necessária uma análise restrita e em conformidade do referido
artigo com o art. 932, inc. VI, do CPC/15,186 porque o artigo 136 dá a entender que o
pedido de desconsideração apresentado no segundo grau será sempre julgado de
forma monocrática.187 O jurista observa que, se fosse admitido o julgamento inicial de
forma colegiada, a parte interessada enfrentaria desnecessária situação de o recurso
não devolver a apreciação da matéria para o mesmo órgão colegiado, com igual
composição. Portanto, nesse caso, não haveria faculdade ao relator de submeter a
decisão do incidente ao órgão colegiado.188

182
Art. 1.009. Da sentença cabe apelação.
§ 1o As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar
agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de
apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.
§ 2o Se as questões referidas no § 1o forem suscitadas em contrarrazões, o recorrente será intimado
para, em 15 (quinze) dias, manifestar-se a respeito delas.
§ 3o O disposto no caput deste artigo aplica-se mesmo quando as questões mencionadas no art.
1.015 integrarem capítulo da sentença.
183
DIDIER JR., Fredie. Op. cit. p. 588.
184
YARSHELL, Flávio Luiz. In: CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo [Coord.]. Op. cit. p. 250.
185
Art. 136, parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.
186
Art. 932. Incumbe ao relator: VI - decidir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica,
quando este for instaurado originariamente perante o tribunal.
187
VIEIRA, Christian Garcia. Op. cit. p. 186.
188
Ibidem. p. 187.
53

3.2.6 Rescindibilidade da decisão via ação rescisória?

Preliminarmente, importa o seguinte questionamento: afinal, é cabível a ação


rescisória para atacar a decisão que resolve o incidente de desconsideração?

Partindo-se da premissa que a decisão que desconsidera a personalidade


jurídica (ou nega essa pretensão) é decisão de mérito (ainda que definida por decisão
interlocutória), conforme observa Otávio Joaquim Rodrigues Filho, deve-se
questionar, portanto, sobre o cabimento da ação rescisória, a qual visa a desconstituir
a coisa julgada.

Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, ao tratar da ação rescisória,


ensinam que o art. 966 do CPC/15189 elimina a dúvida que existia sob a égide do
Código de 1973, na medida em que o atual diploma processual prevê a possibilidade
de rescindir decisões de mérito. Não há, portanto, mais dúvida de que a decisão
interlocutória que trata do mérito é rescindível – ao lado da sentença, da decisão
monocrática do relator e do acórdão.190 Consoante aludem os autores, “o que
interessa para que se configure a decisão definitiva suscetível de ação rescisória é o
seu objeto e o seu trânsito em julgado.” 191 Assim, o que interessa é se a decisão toca
ou não o mérito e se decide de forma definitiva.192

Segundo expõe Guilherme Calmon Nogueira da Gama, ao abordar as


novidades introduzidas pelo CPC/2015, poderá ser objeto de ação rescisória a
decisão que resolve o mérito do incidente de desconsideração, após o decurso de
prazo para interposição do agravo de instrumento - ou após deixar de recorrer do

189
Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
I - se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
II - for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente;
III - resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de
simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV - ofender a coisa julgada;
V - violar manifestamente norma jurídica;
VI - for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser
demonstrada na própria ação rescisória;
VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de
que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;
VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.
190
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Ação rescisória: do juízo rescindente ao juízo
rescisório. – São Paulo: RT, 2017. p. 92.
191
Ibidem. p. 93.
192
Ibidem. p. 93.
54

julgamento do agravo de instrumento.193 Para o autor, a decisão proferida no incidente


equipara-se a uma sentença, no que tange às questões relacionadas com a
desconsideração da personalidade jurídica e que foram objeto de cognição
exauriente.194

José Miguel Garcia Medina, no mesmo sentido, sustenta que, mesmo


tramitando de forma incidental, considerando que a decisão que resolve o incidente é
considerada uma decisão de mérito, incide, no caso, as disposições referentes à coisa
julgada, autorizando, por conseguinte, a utilização da ação rescisória para rescindi-la,
desde que presentes os requisitos do art. 966 do CPC/15.195

3.2.7 Fraude à execução

Para analisar a figura da fraude à execução e relacioná-la com o incidente de


desconsideração, é necessário, preliminarmente, destacar que um dos grandes
problemas enfrentados, em regra nas demandas executivas, quando se busca a
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica é, notadamente, a ocultação
patrimonial do sócio ou da pessoa jurídica.196

A fraude à execução é espécie do gênero fraude e é um instituto de direito


processual que “gera a ineficácia relativa do ato de oneração ou alienação.”197
Percebe-se a ocorrência desse instituto geralmente quando já há ação em face do
devedor, e, em razão disso, é considerado um vício muito mais grave que a fraude
contra os credores, pois além de afetar os interesses dos credores, atinge também a
autoridade do Estado concretizada no exercício jurisdicional.198 Fredie Didier Jr.
leciona também no sentido de que a fraude à execução “é manobra do devedor que
causa dano não apenas ao credor (como na fraude pauliana), mas também à atividade
jurisdicional executiva.”199

193
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica.
Revista de Processo. vol. 262/2016. Dez/2016. p. 61-85.
194
Ibidem. p. 70.
195
MEDINA, José Miguel Garcia. Direito processual civil moderno. 3. ed. – São Paulo: RT, 2017. p.
90.
196
YARSHELL, Flávio Luiz. In: CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo [Coord.]. Op. cit. p. 250.
197
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo
civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. v. 2. 3. ed. – São Paulo: RT, 2017. p. 982.
198
Ibidem. p. 979.
199
DIDIER JR., Fredie et al. Curso de direito processual civil: execução. 7. ed. rev., ampl. e atual. –
Salvador: Juspodivm, 2017. p. 388.
55

Conforme referido acima, um dos efeitos da decisão que desconsidera a


personalidade jurídica é tornar ineficaz o ato de alienação ou oneração de bens
praticado pelo sócio (ou pela sociedade, no caso de desconsideração inversa) após
sua citação para participar do incidente.200 Nesse sentido é o que estabelece o artigo
137 do CPC,201 que deve ser interpretado conjuntamente com o artigo 792, §3º.202
Assim, conforme ensina Alexandre Freitas Câmara, o momento para se considerar
em fraude à execução não é propriamente o momento da instauração do incidente,
mas sim o momento da citação do responsável.203 A partir desse momento, qualquer
ato de alienação ou oneração de bens será tida como fraude à execução desde que
presentes os requisitos estabelecidos no art. 792 do CPC.

Para Gilberto Gomes Bruschi, ao estabelecer que o marco inicial para


ocorrência da fraude à execução é a citação da sociedade ou do sócio (no caso de
desconsideração inversa) na demanda principal, o Código de Processo Civil gera uma
insegurança jurídica para os terceiros na aquisição de bens. O autor exemplifica isso
aludindo que, normalmente, terão se passado anos entre a citação da sociedade na
fase de conhecimento e a citação do sócio para o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica.204 Nessa linha, Fredie Didier Jr. explica que, antes de declarar
a fraude à execução, incumbe ao juiz, em respeito ao prévio contraditório, conforme
preceitua o artigo 792, §2º, do CPC,205 determinar a intimação do terceiro adquirente,
garantindo-lhe a oportunidade de se manifestar e demonstrar sua boa-fé.206

André Vasconcelos Roque, contudo, critica a opção do legislador ao considerar


a citação da parte originária como o marco temporal para caracterizar fraude à
execução. Para o autor, ao antecipar o marco temporal, deve ser observado que,

200
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 102.
201
Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em
fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.
202
Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução: § 3o Nos casos de
desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte
cuja personalidade se pretende desconsiderar.
203
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 102.
204
BRUSCHI, Gilberto Gomes. Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade
jurídica no Código de Processo Civil de 2015. 1. ed. – São Paulo: RT, 2016.
205
Art. 792. § 2o No caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro adquirente tem o ônus
de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões
pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem.
206
DIDIER JR., Fredie et al. Op. cit. p. 389-390.
56

estando o terceiro adquirente de boa-fé, não poderá ser reconhecida a fraude à


execução sob pena de comprometimento da segurança jurídica.207

207
ROQUE, André Vasconcelos. In: GAJARDONI, Fernando da Fonseca et al. Op. cit. p. 588.
57

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do presente trabalho, objetivamos expor, através de análise


doutrinária e jurisprudencial, como a teoria da desconsideração da personalidade
jurídica tem sido aplicada pelos Órgãos julgadores desde o surgimento no direito
material, até a criação do novo mecanismo pela Lei 13.105/2015. O Código de
Processo Civil de 2015 instituiu um incidente processual cognitivo para aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica, preenchendo uma lacuna deixada pelo
legislador infraconstitucional na vigência do CPC/73. Nesse contexto, tendo em vista
todas as considerações e pesquisas elaboradas neste trabalho, destaco algumas
conclusões.

Um dos efeitos da personificação da pessoa jurídica, em relação aos membros


que a integram, é o reconhecimento de autonomia patrimonial. Isto é, os sócios ou
administradores, em regra, não devem responder com o seu patrimônio pessoal por
eventuais dívidas contraídas pela sociedade, na medida em que esta possui
responsabilidade patrimonial própria, que é consequência da autonomia existente
entre os bens da sociedade e dos sócios que a integram. Ocorre que, com o passar
dos anos, verificou-se que essa autonomia patrimonial era utilizada para acobertar a
prática de atos contrários ao objeto social da pessoa jurídica em prejuízo de terceiros,
em regra credores. Por isso, era necessária a criação de um instrumento que fosse
apto a coibir a ocorrência desses atos. Nesse contexto é que surgiu a disregard
doctrine.

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica cresceu nos países de


tradição common law, sendo um dos trabalhos pioneiros o do alemão Rolf Serick. No
Brasil, a teoria se desenvolveu a partir da década de 60 e foi sistematizada
primeiramente por Rubens Requião, e posteriormente aprimorada com os estudos de
Fábio Konder Comparato e José Lamartine Corrêa de Oliveira.

Em termos legislativos, o direito material, através da criação de diversas leis


específicas, trouxe requisitos distintos para aplicação da teoria. Com isso,
tangenciando o estudo primordialmente nos dispositivos do Código de Defesa do
Consumidor e do Código Civil, vimos que a teoria da desconsideração se divide em
duas importantes categorias, conceituadas por Fábio Ulhoa Coelho como a teoria
menor e a teoria maior da desconsideração. Para a aplicação da teoria menor,
58

representada pelo artigo 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor, bastaria a


prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, não
se exigindo a demonstração da existência de abuso de direito, fraude ou confusão
patrimonial, requisitos definidos pela teoria maior. Ademais, a teoria menor é adotada
excepcionalmente também no âmbito do Direito Ambiental (art. 4º, Lei 9.605/98). A
teoria maior, por sua vez, foi recepcionada pelo Código Civil, que trouxe requisitos
mais próximos com a evolução doutrinária da teoria da desconsideração, os quais
são, em suma, o abuso de direito, a fraude e a confusão patrimonial, conforme
disposto art. 50 do Código Civil. Assim, para se proceder com a desconsideração, é
imprescindível comprovar a existência dos requisitos previstos na teoria maior
subjetiva ou objetiva, pois, mesmo sendo utilizada excepcionalmente, se constitui a
regra geral no ordenamento jurídico brasileiro. Isto é, grande parte da doutrina
considera a teoria menor uma construção equivocada da disregard doctrine.

A desconsideração da personalidade jurídica é um assunto que sempre suscita


grandes debates, visto que na vigência do CPC/73 não havia um regramento
específico disciplinando o assunto, o que gerava, por conseguinte, debates na
doutrina e inúmeras decisões conflitantes na jurisprudência ante a ausência de
normas processuais que regulamentassem o assunto. Logo, um incidente como meio
para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica é recepcionado
positivamente, pois aborda, em linhas gerais, o modo de aplicação do instituto, dado
que, atualmente, tornou-se desnecessária a propositura de uma ação autônoma e
coibiu-se a aplicação da desconsideração de ofício pelo magistrado sem prévio
contraditório da parte contrária.

Além da desconsideração da personalidade jurídica na forma tradicional,


utilizada para coibir a prática de atos diversos à finalidade da pessoa jurídica por seus
sócios ou administradores, a Lei 13.105/2015 recepcionou a figura da
desconsideração inversa que já era utilizada no Brasil com respaldo em julgados
declarando a existência dessa modalidade e com o desenvolvimento do instituto com
debates doutrinários.

Ao estabelecer nos artigos 133 a 137 a criação de um incidente processual que


prevê a citação prévia dos sócios ou administradores da pessoa jurídica para se
manifestar, o legislador buscou, ao mesmo tempo, assegurar que garantias
59

constitucionais, como o contraditório, a ampla defesa e a segurança jurídica não


deixem de ser observadas.

A natureza jurídica do incidente de desconsideração mostrou-se um dos temas


que mais geram discussões na doutrina. Parte da doutrina acredita que possui
natureza jurídica de demanda, enquanto a outra parte defende que possui natureza
jurídica de incidente processual. Vimos que o incidente de desconsideração é uma
nova modalidade de intervenção de terceiros e, ainda que não altere o objeto da
demanda, pode ampliar a relação processual originária (quando o pedido for realizado
após a petição inicial). Embora seja caracterizado como “incidente de
desconsideração”, acompanhamos parte da doutrina que entende se tratar de uma
demanda incidental, pois, além da necessidade de citação do sócio para responder
ao pedido de desconsideração, o pedido de desconsideração deverá ser submetido a
um exame de admissibilidade, em que o Órgão julgador analisará se os requisitos
previstos na legislação específica do direito material estão presentes. Além disso, a
causa de pedir é diversa e há necessidade de produção probatória, devendo seguir
as diretrizes de todo processo, inclusive com a formação de coisa julgada material e
possibilidade de a decisão sujeitar-se à ação rescisória.

Vimos que o incidente de desconsideração pode ser instaurado em qualquer


fase do processo, seja na fase de conhecimento ou em demandas executivas
(execuções fundadas em título judicial ou extrajudicial), como dispõe o artigo 134 do
CPC/15. Embora pareça estranho permitir a aplicação do incidente de
desconsideração de forma cautelar em qualquer fase do processo de conhecimento,
isto é, enquanto não há a formação de um título executivo judicial que autorize a
responsabilização primária e/ou secundária da pessoa jurídica e do sócio ou
administrador, a instauração do incidente nessa fase representa um meio para garantir
a efetividade de um futuro pronunciamento jurisdicional. A aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica deve ser mecanismo excepcional para
punir aquele sócio/administrador da pessoa jurídica, ou a própria pessoa jurídica, que
praticarem condutas contrárias ao objetivo de sua criação por meio do véu da
sociedade empresária.

A legitimidade ativa para pleitear a instauração do incidente de


desconsideração da personalidade jurídica é das partes e do Ministério Público (artigo
133 do CPC/15). Isso quer dizer que a desconsideração da personalidade jurídica não
60

poderá ser aplicada de ofício pelo magistrado independentemente da natureza da


causa. Trata-se de previsão que resguarda especialmente a imparcialidade do juiz e
o princípio da demanda e da inércia jurisdicional.

Pode-se dividir os efeitos gerados pela decisão que resolve o incidente de


desconsideração em duas hipóteses: quando houver o acolhimento do pedido e
quando houver a rejeição do pedido.

Na primeira hipótese, o primeiro efeito gerado é a inclusão do sócio ou


administrador da sociedade (desconsideração tradicional) ou da pessoa jurídica
(desconsideração inversa) na demanda principal, ou seja, o terceiro assumirá a
condição de parte no processo originário com a extensão da responsabilidade
patrimonial. O segundo efeito gerado é de considerar qualquer ato que os “terceiros”
(atingidos pela desconsideração) tenham praticado em fraude à execução (art. 792 do
CPC/15), de modo que esse ato será ineficaz em relação ao requerente da
desconsideração da personalidade jurídica. Um ponto curioso aparece quanto ao
marco temporal para se caracterizar a fraude à execução. Isso porque o Código de
Processo Civil de 2015 antecipou o marco temporal para a citação da parte originária
(art. 792, §3º, CPC/15). Ocorre que, em razão dessa antecipação, pode-se haver o
comprometimento da segurança jurídica do terceiro adquirente de boa-fé, dado que
este provavelmente não tinha ciência da existência do incidente de desconsideração
e da possibilidade de a decisão proferida gerar efeitos retroativos. De qualquer forma,
nos parece que a antecipação do marco temporal é uma tentativa do legislador de
privilegiar a efetividade da jurisdição e, ao mesmo tempo, evitar o esvaziamento
patrimonial do devedor. Nessa linha de raciocínio, o terceiro efeito gerado é a
formação da coisa julgada.

Na segunda hipótese, isto é, quando houver a rejeição do pedido para


desconsideração da personalidade jurídica, não poderá ser instaurado outro incidente
de desconsideração baseado nos mesmos fundamentos do anterior, sob pena de
violação da coisa julgada.

De qualquer forma, a decisão proferida no incidente de desconsideração estará


sujeita, em regra, ao recurso de agravo de instrumento. Ademais, quando o pedido de
desconsideração vier acompanhado da petição inicial, o recurso cabível será, em
regra, o de apelação, pois normalmente será apreciado na sentença juntamente dos
demais pedidos. Nos casos de incidente instaurado originalmente no tribunal, deverá
61

esse incidente ser apreciado por decisão monocrática pelo relator, sendo cabível
agravo interno contra essa decisão (art. 932, inciso IV, do CPC/15).

Na busca de um processo que viabilize às partes o respeito às normas


fundamentais do processo civil e aos princípios constitucionais, observando sempre
os requisitos estabelecidos em cada ramo do direito material, a criação do incidente
de desconsideração surge como uma ferramenta processual importante para tentar
amenizar o problema enfrentado na aplicação da desconsideração sob a égide do
CPC/73. Ao estabelecer um procedimento único e obrigatório, isto é, que deve ser
respeitado independentemente da matéria discutida na demanda, o Código de
Processo Civil de 2015 dá um grande passo para garantir o direito ao contraditório e
à ampla defesa para o “terceiro” que se pretende responsabilizar patrimonialmente,
seja o sócio ou administrador da pessoa jurídica (no caso de desconsideração
tradicional), seja a própria pessoa jurídica (desconsideração inversa).

De qualquer forma, a análise dos aspectos processuais relativos ao incidente


de desconsideração revela uma possibilidade imensa de situações nas quais o
mecanismo é aplicado em cada ramo do direito material. As soluções para as mais
variadas hipóteses provavelmente ficarão sob responsabilidade de pacificação pelo
Superior Tribunal de Justiça.

Ainda que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica seja um


mecanismo excepcional e temporário, é inegável as vantagens que acompanham a
sua positivação no atual Código de Processo Civil.

Devemos lembrar, como observa Zulmar Duarte, que o processo civil não é
pedra no meio do caminho para a efetivação da atividade jurisdicional, e sim um dos
meios para uma correta e legítima tutela jurisdicional.208

208
DUARTE, Zulmar. Fazer rápido e bem, bem ou bem rápido. Disponível em
<https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/novo-cpc/fazer-rapido-e-bem-bem-ou-bem-rapido-
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