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FELIPE CALDEIRA
Porto Alegre
2018
FELIPE CALDEIRA
PORTO ALEGRE
2018
FELIPE CALDEIRA
BANCA EXAMINADORA
_____________________________
Orientador Prof. Dr. Marco Félix Jobim
_____________________________
Segundo componente
PORTO ALEGRE
2018
Dedico este trabalho aos meus pais,
Marcelo e Cleunia, por todo amor e por
terem tornado possível a realização deste
trabalho, ao meu orientador e padrinho,
Marco Jobim, pela amizade, e aos meus
amigos pelo apoio incondicional.
AGRADECIMENTOS
Especial gratidão a vocês, meus pais, Marcelo e Cleunia, que nunca mediram
esforços que os meus estudos fossem concluídos e meus sonhos realizados. Não há
adjetivo, frase ou presente capazes de representar o amor, o carinho e a admiração
que tenho por vocês. Devo a vocês o meu generoso agradecimento por tudo.
Este trabalho foi criado após muita insistência e muitas discussões, com apoio
de amigos que, mesmo de forma indireta, me ajudaram a construir o trabalho. É
importante deixar registrado aqui o importantíssimo papel da minha grande amiga,
maior ouvinte e colega de profissão, Cíntia Gonçalves, que – com toda a sua paciência
inesgotável - sempre esteve disposta a me ajudar, independentemente do horário,
com relevantes apontamentos, incentivos e que, durante todo o curso, me apoiou,
mesmo nos momentos mais difíceis.
Aos meus colegas do escritório Andrade Maia: saibam que sou muito grato por
ter trabalhado com vocês e, especialmente, sou privilegiado de começar a minha
jornada como advogado no “AM”, atuando ao lado de pessoas incríveis que tornavam
a rotina forense prazerosa e que me proporcionaram lições de vida que são a base
para o meu crescimento pessoal e profissional.
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8
2 ASPECTOS MATERIAIS DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA ................................................................................................................. 11
2.1 NOÇÕES GERAIS DE PESSOA JURÍDICA E PERSONALIDADE JURÍDICA ...11
2.2 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ..............................14
2.2.1 Primeiros casos nos tribunais ...................................................................... 16
2.2.2 Primeiras teorias desenvolvidas .................................................................. 18
2.2.3 Introdução no direito brasileiro .................................................................... 20
2.3 APLICAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ......22
2.4 REQUISITOS .......................................................................................................26
2.4.1 Abuso de direito ............................................................................................. 27
2.4.2 Fraude ............................................................................................................. 28
2.4.3 Confusão patrimonial .................................................................................... 29
2.5 DESCONSIDERAÇÃO INVERSA ........................................................................30
3 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA SOB A ÓTICA
PROCESSUAL ......................................................................................................... 33
3.1 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ANTES DA LEI
13.105/2015 ...............................................................................................................33
3.2 O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ...36
3.2.1 Natureza jurídica ............................................................................................ 36
3.2.2 Legitimidade ................................................................................................... 38
3.2.3 Momento para instauração do incidente ..................................................... 40
3.2.4 Efeitos da decisão proferida no incidente ................................................... 46
3.2.5 Recursos cabíveis sobre a decisão proferida no incidente ....................... 51
3.2.6 Rescindibilidade da decisão via ação rescisória? ...................................... 53
3.2.7 Fraude à execução ......................................................................................... 54
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 57
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 62
8
1 INTRODUÇÃO
Por muito tempo o direito processual era visto como um ramo totalmente
independente do direito material. Isto é, havia um entendimento de que a concessão
da tutela jurisdicional não precisaria se adequar às necessidades do direito material1.
O Código de Processo Civil de 1939, apesar de sua inegável contribuição ao nosso
ordenamento jurídico, tinha uma índole essencialmente técnica não primando pela
interação entre os problemas processuais e os direitos sociais.2
1
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. 3. ed. - São Paulo: RT, 2010.
p. 21-22.
2
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Os Novos Rumos do Processo Civil Brasileiro. - Rio de Janeiro:
Revista Acadêmica da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, v. 8, n. 6, p. 193–208, jul./dez., 1994.
p. 195.
3
Ibidem. p. 195-196.
4
MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit. p. 22.
9
5
COUTURE, Eduardo Juan, Interpretação das leis processuais. São Paulo: Max Limonad, 1956. p.
55.
10
6
REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica: ‘disregard
doctrine’. Revista dos Tribunais 410/12, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1969. p. 12-24.
7
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. vol.1. 30. ed. rev. e atual. - Rio de Janeiro:
Forense, 2017. p. 249-250.
12
8
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil: parte geral. vol. 1. 5. ed. - São Paulo: Saraiva, 2012.
p. 532
9
Ibidem. p. 532.
10
Ibidem. p. 263.
11
GONÇALVES, Carlos Alberto. Direito Civil Brasileiro: parte geral. vol. 1. 10. ed. – São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 92.
12
BIANQUI, Pedro Henrique Torres. Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil.
São Paulo: Saraiva, 2011. p. 44.
13
Assim, em regra, os membros que compõe a pessoa jurídica não podem ser
considerados os titulares dos direitos ou os devedores das prestações relacionadas
ao exercício da atividade econômica da pessoa jurídica. Soma-se a isso o fato de que
o patrimônio da pessoa jurídica não deve ser confundido com o patrimônio dos seus
membros, minimizando os riscos que são inerentes ao negócio.16
13
SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais.
2. ed. – São Paulo: Saraiva, 2011. p. 72.
14
Art. 20. As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros.
15
SOUZA, André Pagani de. Op. cit. p. 72.
16
Ibidem. p. 72.
17
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro, volume 1: teoria geral do direito civil. 29.
ed. – São Paulo: Saraiva, 2012. p. 340.
18
Ibidem. p. 341.
14
19
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 276.
20
Ibidem. p. 276.
21
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Desconsideração da personalidade jurídica e processo:
de acordo com o Código de Processo Civil de 2015. – São Paulo: Malheiros, 2016. p. 43-44.
22
Ibidem. p. 43-44.
15
23
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v. 2., 16. ed. - São Paulo: Saraiva, 2012. p. 51.
24
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 44.
25
VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC: natureza,
procedimentos e temas polêmicos. – Salvador: Juspodivm, 2016. p. 41.
16
Nos Estados Unidos, por sua vez, a doutrina da disregard of legal entity surge
a partir da necessidade de coibir a prática de ato ilícito, ou abuso de poder, ou violação
de norma do estatuto da empresa por parte dos órgãos dirigentes em prejuízo de
terceiros.28 Luiz Guilherme Marinoni, ao abordar o surgimento do tema da
desconsideração da personalidade jurídica, assim descreve:
26
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 45.
27
REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (disregard
doctrine). Revista dos Tribunais 410/12. - São Paulo: RT, 1969. p. 12-24.
28
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 276-277.
17
29
MARINONI, Luiz Guilherme. Desconsideração da Personalidade Jurídica. Soluções Práticas de
Direito. v. II. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 319-357.
30
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 45.
31
Ibidem. p. 45.
18
Conforme explicado por Pedro Henrique Torres Bianchi: “Serick define sua
teoria por meio do dualismo regra-exceção.”35 O autor expõe que a regra é a
autonomia patrimonial da pessoa jurídica e a exceção é a desconsideração dessa
autonomia. Para que houvesse a desconsideração da personalidade jurídica, é
necessário que haja fraude à lei ou fraude ao contrato, ou seja, é necessário que haja
a prática de algum ato repudiado pelo sistema.36 A partir disso, Rolf Serick define
32
KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard
doctrine) e os grupos de empresas. 4. ed. – São Paulo: LTr, 2018. p. 66.
33
SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2. ed.
– São Paulo: Saraiva, 2011, p. 64.
34
Ibidem. p. 66.
35
BIANQUI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 24.
36
Ibidem. p. 24.
19
Nesse sentido, Fábio Ulhoa Coelho lembra que, antes de Rolf Serick, outros
autores já haviam se dedicado ao tema da desconsideração da personalidade jurídica,
como, por exemplo, Maurice Wormser – nos anos 1910 e 1920.42 Contudo, o autor
afirma que não se encontra claramente nos estudos precursores a motivação central
de Rolf Serick de buscar definir, em especial a partir da jurisprudência norte-
americana, os critérios gerais que autorizam o afastamento da autonomia das pessoas
jurídicas.
37
BIANQUI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 25.
38
Ibidem. p. 25.
39
Ibidem. p. 25.
40
Ibidem. p. 26.
41
Ibidem. p. 26.
42
COELHO, Fábio Ulhoa. A teoria maior e a teoria menor da desconsideração. Revista de Direito
Bancário e do Mercado de Capitais. vol. 65/2014. Jul – Set/2014. p. 21-30.
20
‘commom law’ e nella ‘civil law’, de Piero Verrucoli, professor da Universidade de Pisa,
na Itália.”43 Conforme refere o jurista brasileiro, Verrucoli parte da premissa que a
atribuição da personalidade jurídica a determinados grupos de indivíduos é uma
vantagem oferecida pelo Estado e, portanto, não pode ensejar situações injustas ou
contrárias ao Direito.44 Dado que seria um privilégio oferecido pelo Estado, ele tem de
ser dado com restrições e limites, visto que o ordenamento repudia atos ilícitos. Dessa
forma, a desconsideração seria cabível para buscar evitar que a pessoa jurídica
prejudique o Estado e terceiros.45
Como foi possível observar acima, desde o início das teorias desenvolvidas na
doutrina acerca da desconsideração da personalidade jurídica, sempre foi necessário
existir algum fato que autorizasse a aplicação da teoria da desconsideração. Assim,
passaremos a analisar a introdução da teoria no Direito brasileiro, especialmente com
a obra de Rubens Requião, tendo em vista que o jurista foi quem trouxe a teoria da
desconsideração para o Brasil, e a sua obra é considerada pela doutrina nacional a
pioneira no estudo da disregard doctrine.46
Quanto aos estudos doutrinários, Rubens Requião foi um dos primeiros autores
que abordou a teoria da desconsideração com o artigo intitulado Abuso de direito e
fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine), publicado no ano de
43
SOUZA, André Pagani de. Op. cit. p. 66-67.
44
Ibidem, p. 67.
45
BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 38-39.
46
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 63-66.
47
SÃO PAULO. Tribunal de Alçada Civil. Apelação n. 9.247. Quarta Câmara Cível, Rel. Des. Edgard de
Moura Bittencourt. Julgado em 11/04/1955.
48
BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 39.
21
49
CASTRO, Roberta Dias Tarpinian de. A Função Cautelar do Incidente de Desconsideração da
Personalidade Jurídica na Fase de Conhecimento. Dissertação de Mestrado. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2018. p. 63. Disponível em
<https://tede2.pucsp.br/handle/handle/21004>. Acesso em 02/09/2018.
50
Ibidem. p. 63.
51
REQUIÃO, Rubens. Op. cit. p. 12.
52
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 64-65.
53
Ibidem, p. 64-65.
22
e §5º, da Lei 8.078/90), na Lei Antitruste (art. 18 da Lei 8.884/94), na Lei do Meio
Ambiente (art. 4º da Lei 9.605/98) e no Código Civil (art. 50 da Lei 10.406/02).
Com o passar dos anos, observou-se que a aplicação da teoria, além de ser
medida excepcional, deve preencher alguns requisitos que se dividem, basicamente,
em duas teorias conhecidas, conceituadas por Fábio Ulhoa Coelho como a Teoria
Menor e a Teoria Maior.55
54
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2017. p.
94-95.
55
BRUSCHI, Gilberto Gomes. Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica
no Código de Processo Civil de 2015. 1. ed. – São Paulo: RT, 2016. ISBN 978-85-203-6066-8.
56
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento
do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação
dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência,
estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má
administração.
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de
alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
57
CASTRO, Roberta Dias Tarpinian de. Op. cit.. p. 57. Disponível em
<https://tede2.pucsp.br/handle/handle/21004>. Acesso em 02/09/2018.
23
André Pagani de Souza, ao falar sobre a teoria menor, alude que ela é
“resultado da decretação afobada da desconsideração da personalidade jurídica”,
visto que não há qualquer questionamento acerca da ocorrência de abuso de direito,
fraude ou confusão patrimonial. Segundo o autor, a teoria menor, em verdade, objetiva
proteger o hipossuficiente (no caso do consumidor), e colocar situações consideradas
de maior relevância (ambiental e ordem econômica) acima da autonomia da pessoa
jurídica.62 Em decorrência disto, a teoria recebeu o adjetivo de ‘menor’: pela ausência
58
SOUZA, André Pagani de. Op. cit. P. 71.
59
COELHO, Fábio Ulhoa. A teoria maior e a teoria menor da desconsideração. Revista de Direito
Bancário e do Mercado de Capitais. vol. 65/2014. Jul – Set/2014. p. 21-30.
60
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v.2, São Paulo: Saraiva, 2006, p. 49-50.
61
Ibidem. p. 49-50.
62
CASTRO, Roberta Dias Tarpinian de. Op. cit. p. 59.
24
Já a teoria maior, conforme dito acima, é adotada como regra geral no sistema
jurídico brasileiro, sendo recepcionada e consagrada na redação do artigo 50 do atual
Código Civil64. Mesmo que este dispositivo seja o que mais se alinha à elaboração
doutrinária da disregard doctrine, o caput do art. 28 do Código de Defesa do
Consumidor65 também consagra, embora com algumas imprecisões técnicas, a
adoção da teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, consoante
afirmam Humberto Dalla Bernardina de Pinho e Marina Silva Fonseca.66
Como explica Antônio Pereira Gaio Júnior, a teoria maior fulcra-se na ideia de
que o juiz tem autorização para estabelecer o afastamento temporário da autonomia
patrimonial da pessoa jurídica, com vistas à coibir fraudes e abusos praticados sob o
63
SOUZA, André Pagani de. Op. cit. p. 71.
64
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela
confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe
couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam
estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
65
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento
do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação
dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência,
estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má
administração.
66
DE PINHO, Humberto Dalla Bernardina; FONSECA, Marina Silva. O incidente de desconsideração
da personalidade jurídica do Novo Código de Processo Civil. In: DIDIER JR, Fredie. Coord. Novo CPC
doutrina selecionada. v. 1: parte geral. - Salvador: Juspodivm, 2016. p. 1141.
67
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 279.273/SP. Terceira Turma, Relatora
Ministra Nancy Andrighi, julgado em 04/12/2003, DJe 29/03/2004.
68
COELHO, Fábio Ulhoa. A teoria maior e a teoria menor da desconsideração. Revista de Direito
Bancário e do Mercado de Capitais. vol. 65/2014. Jul – Set/2014. p. 21-30.
25
Insta pontuar, nessa linha, que o atual Código Civil trouxe um dispositivo em
maior sintonia com a evolução doutrinária e jurisprudencial no que tange à
desconsideração da personalidade jurídica. Isso porque, quando faz referência ao
abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela
confusão patrimonial como pressuposto da desconsideração, o diploma legal deixa
clara a ideia que se pretende coibir o mau uso da pessoa jurídica com a aplicação da
disregard doctrine.71
69
GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. In: DIDIER JR, Fredie. Coord. Novo CPC doutrina selecionada. v.
1: parte geral. - Salvador: Juspodivm, 2016. p. 1132.
70
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v.2. - São Paulo: Saraiva, 2006. p. 44.
71
SOUZA, André Pagani de. Op. cit. p. 102.
26
2.4 REQUISITOS
72
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 279.273/SP, Terceira Turma, Relatora
Ministra Nancy Andrighi, julgado em 04/12/2003, DJ 29/03/2004.
73
Ibidem. p. 77.
27
O ato abusivo, portanto, é o mau uso do direito, é um ato legal, porém contrário
ao fim do instituto da pessoa jurídica, ou seja, é o ato constituído no exercício irregular
de um direito causando danos a outrem. 79
74
BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 57.
75
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente
os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
76
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 537.
77
Ibidem. p. 535-536.
78
Ibidem. p. 535-536.
79
SILVA, Alexandre Couto. A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito
brasileiro. 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 82.
28
2.4.2 Fraude
Neste sentido, Pedro Henrique Torres Bianchi aponta que a fraude é o requisito
mais presente na aplicação da teoria da desconsideração para fins de
responsabilidade e grande parte da doutrina e jurisprudência desenvolveu a teoria
pensando em um meio de combater esse elemento.83
Com efeito, o autor explica que a fraude pode ocorrer de duas formas:
80
JOANES, David Massara. Aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica ao
inverso. Dissertação de Mestrado. - Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima, 2010. p. 42.
81
Ibidem. p. 42.
82
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 90.
83
BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 57.
29
84
BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 57-58.
85
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 91.
86
DIDIER JR., Fredie et al. Curso de direito processual civil: execução. v. 5. Salvador: Jus Podivm,
2017, p. 358.
87
Ibidem. p. 359.
88
BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 55.
30
separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e de seus sócios, ou, ainda, dos
haveres de diversas pessoas jurídicas.” 89
Segundo André Pagani de Souza, a personalidade jurídica deve ser
desconsiderada se for detectada a confusão patrimonial entre sociedade e sócios,
independentemente da existência de abuso de direito ou fraude (elementos
subjetivos). Por isso, diferentemente da fraude e do abuso de direito, a confusão
patrimonial é considerada um critério objetivo.90
Para Fábio Ulhoa Coelho, a confusão patrimonial deve auxiliar na facilitação da
prova pela parte que pretende utilizar o instituto da desconsideração da personalidade
jurídica. Como refere o jurista, deve-se presumir a fraude na manipulação da
autonomia patrimonial da pessoa jurídica se demonstrada a confusão entre o
patrimônio dela e de um ou mais de seus integrantes, mas não se deve deixar de
desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade, somente porque o demandado
demonstrou ser inexistente qualquer tipo de confusão patrimonial, se caracterizada,
por outro modo, a fraude.91
Assim, de modo a exemplificar as situações que caracterizam a confusão
patrimonial, explica o autor:
89
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 279.273/SP. Terceira Turma, Relatora
Ministra Nancy Andrighi, julgado em 04/12/2003, DJe 29/03/2004.
90
SOUZA, André Pagani de. Op. cit. p. 93.
91
COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. p. 42.
92
Ibidem. p. 43-44.
31
Marlon Tomazette adverte que é possível que o sócio use uma pessoa jurídica
para esconder o seu patrimônio pessoal dos credores, transferindo-o por inteiro à
pessoa jurídica e evitando, assim, o acesso dos credores a seus bens.95 O autor critica
a utilização da desconsideração inversa para esse fim, pois, no seu entendimento,
“qualquer que seja a sociedade, o sócio terá quotas ou ações em seu nome, que
integram seu patrimônio e, por isso, são passíveis de penhora para pagamento das
obrigações pessoais do sócio”.96
O jurista complementa dizendo: “se a desconsideração não quer extinguir a
pessoa jurídica, mas sim protegê-la de abusos por parte dos sócios, não é razoável
93
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil,
parte geral e processo de conhecimento. 19. ed. – Salvador: Jus Podivm, 2017. p. 584.
94
COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. p. 73.
95
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Teoria geral e direito societário. v.1. 8ª ed.
rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2017. p. 290
96
Ibidem. p. 290.
32
97
TOMAZETTE, Marlon. Op. cit. p. 290.
98
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 948.117/MS. Terceira Turma, Relatora
Ministra Nancy Andrighi, julgado em 22/06/2010, DJe 03/08/2010.
99
Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte
ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. § 2o Aplica-se o disposto neste
Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.
100
THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito
processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. vol. 1. 56. ed. rev., atual. e
ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 523.
33
101
VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no Novo CPC: natureza,
procedimentos e temas polêmicos. – Salvador: Juspodivm, 2016. p. 46.
34
jurídica que poderá ter seu patrimônio atingido mediante decisão que supera
transitoriamente a personalidade jurídica da pessoa jurídica.102
Fábio Ulhoa Coelho, por exemplo, opinava pela necessidade de uma ação
autônoma para se verificarem os requisitos da desconsideração. Para o jurista, em
razão da necessidade de dilação probatória, torna-se imperiosa o ajuizamento de uma
ação autônoma, em que o credor deveria demonstrar a existência dos pressupostos
para a desconsideração. Sendo assim, o magistrado não poderia decidir a
desconsideração mediante mero despacho em processo de execução.103
Importante referir que, assim como Fábio Ulhoa Coelho, aqueles que
defendiam a necessidade de uma ação autônoma tinham como principal fundamento
o fato de que somente um processo autônomo seria adequado para preservar as
garantias constitucionais do processo e, concomitantemente, formar o título executivo
relacionado com quem se pretendia atingir com a desconsideração da personalidade
jurídica da parte devedora.105
102
VIEIRA, Christian Garcia. Op. cit. p. 50.
103
COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. p. 77.
104
BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Op. cit. p. 119-121.
105
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 178.
106
BRUSCHI, Gilberto Gomes. Aspectos processuais da Desconsideração da Personalidade Jurídica,
2ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2009. p. 100.
35
107
TALAMINI, Eduardo. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Disponível em
<https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI234997,11049-
Incidente+de+desconsideracao+de+personalidade+juridica> Acesso em 16/08/2018.
108
Ibidem.
109
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 476.452/GO. Quarta Turma, Rel. Min.
Raul Araújo, Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão. Julgado em 05/12/2013. DJe: 11/02/2014.
110
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 991.218/MS. Quarta Turma. Rel. Min.
Antônio Carlos Ferreira, Rel. p/ Acórdão Min. Raul Araújo. Julgado em 16/04/2015. DJe: 13/08/2015.
36
111
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 185.
112
Ibidem. p. 264.
37
113
GARCIA, Christian Vieira. Op. cit. p. 91.
114
Ibidem. p. 91.
115
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil,
parte geral e processo de conhecimento. 19. ed. – Salvador: Jus Podivm, 2017. p. 587.
116
CÂMARA, Alexandre de Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2017.
p. 99.
117
Art. 64. Requerida a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio ou o terceiro e a pessoa
jurídica serão intimados para, no prazo comum de quinze dias, se manifestar e requerer as provas
cabíveis.
118
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 262-264.
38
Por fim, ainda que haja debates na doutrina quanto à natureza jurídica do
incidente de desconsideração, verificamos que o Superior Tribunal de Justiça afirmou,
em acórdão de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, que o pedido de
desconsideração da personalidade jurídica não inaugura uma ação autônoma.121
3.2.2 Legitimidade
Para Otávio Joaquim Rodrigues Filho, nos termos do que dispõe os artigos 50
do Código Civil123 e 28 do Código de Defesa do Consumidor124, ainda que a lei fale
em pedido da parte ou do Ministério Público, não há alteração significativa nas
119
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 192.
120
Ibidem. p. 192.
121
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º 1.729.554/SP. Quarta Turma, Rel. Min.
Luís Felipe Salomão. Julgado em 08/05/2018. DJe: 06/06/2018.
122
NERY, Nelson Jr; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Novo Código de Processo
Civil. 1. ed. - São Paulo: RT, 2015. p. 285.
123
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou
pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando
lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam
estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
124
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento
do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação
dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência,
estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má
administração.
39
Ao abordar a legitimidade ativa ocupada pela parte, Flávio Luiz Yarshell explica:
125
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 217.
126
YARSHELL, Flávio Luiz. In: CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo [Coord.]. Comentários
ao Novo Código de Processo Civil - Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 285.
127
Ibidem. p. 285-286.
128
TALAMINI, Eduardo. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Disponível em
<https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI234997,11049-
Incidente+de+desconsideracao+de+personalidade+juridica> Acesso em 24/08/2018.
40
129
REICHELT, Luiz Alberto. A desconsideração da personalidade jurídica no projeto de novo
código de processo civil e a efetividade da tutela jurisdicional do consumidor. Revista de Direito
do Consumidor. vol. 98 - São Paulo: RT, 2015. p. 245-259.
130
YARSHELL, Flávio Luiz. In: CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo [Coord.]. Op. cit. p. 286.
131
DIDIER JR., Fredie. Op. cit. p. 586.
132
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 95
41
O incidente pode ser instaurado em qualquer tipo de processo, seja ele cognitivo
ou executivo, independentemente de o procedimento ser comum ou especial. Em
segundo lugar, a teor do constante nos artigos 136, parágrafo único135 e 932, inc.
VI,136 é possível a instauração do incidente de desconsideração perante órgãos
colegiados que integram os tribunais, seja nos processos de competência originária,
seja em grau recursal, incumbindo ao relator decidir o incidente.137 E, para evitar o
surgimento de qualquer dúvida, o incidente de desconsideração da personalidade
133
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 95.
134
CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. In: CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo [Coord.].
Comentários ao Novo Código de Processo Civil - Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 245.
135
Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.
136
Art. 932. Incumbe ao relator: VI - decidir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica,
quando este for instaurado originariamente perante o tribunal;
137
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 96.
42
Desta forma, dependendo da via eleita pela parte requerente, poderá surgir
debate quanto à interpretação do art. 134, §1º,140 conforme leciona Luiz Alberto
Reichelt: “há que se investigar se aquele que não figurava originalmente como parte
deveria ser cadastrado como terceiro ou como parte quando da instauração do
incidente”.141 Reichelt refere que, no caso de pedido de desconsideração da
personalidade jurídica realizado já na inicial, não há margem para dúvidas, uma vez
que “haverá a imediata assunção da condição de parte por aquele que se pretende
seja efetivamente responsabilizado pela prestação devida por aquele que se pretende
tenha sua personalidade jurídica desconsiderada.”142 Nesse sentido, haverá a
constituição de um litisconsórcio facultativo entre os réus.143
138
Art. 1.062. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica aplica-se ao processo de
competência dos juizados especiais.
139
Nesse sentido, o Enunciado n. 247 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Aplica-se o
incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo falimentar.”
140
Art. 134. § 1o: A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as
anotações devidas.
141
REICHELT, Luiz Alberto. Op. cit. p. 247.
142
Ibidem. p. 247.
143
Ibidem. p. 247.
43
144
THEODORO JR., Humberto. Op. cit. p. 525.
145
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 98.
146
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a
probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1o Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou
fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser
dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2o A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3o A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de
irreversibilidade dos efeitos da decisão.
147
Art. 301. A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro,
arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea
para asseguração do direito.
148
SOUZA, André Pagani de. Op. cit. p. 202.
149
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 96.
44
Feito o registro, assim que for instaurado o incidente, o processo principal será
suspenso, e o sócio ou a pessoa jurídica será citado para se manifestar e requerer as
provas cabíveis no prazo de 15 dias (art. 135). O Código de Processo Civil fala apenas
em “manifestação” do sócio ou da pessoa jurídica, o que, na sua essência, é o
150
Art. 134, § 3o: A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2o.
151
Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e
requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.
152
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 99.
153
Ibidem. p. 97-98.
154
GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. In: DIDIER JR, Fredie. Coord. Novo CPC doutrina selecionada. v.
1: parte geral. - Salvador: Juspodivm, 2016. p. 1141.
155
Disponível em <http://www.cjf.jus.br/cjf/noticias/2018/setembro/cej-divulga-enunciados-da-ii-
jornada-de-direito-processual-civil>. Acesso em 21/09/2018.
45
156
GARCIA, Christian Vieira. Op. cit. p. 168-169.
157
NERY, Nelson Jr; NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit. p. 287.
158
In: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.729.554/SP. Rel. Ministro Luis
Felipe Salomão, Quarta Turma. Julgado em 08/05/2018. DJe: 06/06/2018.
159
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 100.
46
Por fim, mas não menos significativo, o diploma processual prevê que, assim
que encerrada a instrução, se necessária, o incidente de desconsideração será
decidido por decisão interlocutória (art. 136).162 Logo, no próximo tópico serão
abordados os recursos cabíveis para impugnar a decisão do pedido de
desconsideração, seja ele realizado por meio de incidente processual, acompanhado
da inicial ou diretamente no segundo grau.
160
THEODORO JR., Humberto. Op. cit. p. 524.
161
REICHELT, Luiz Alberto. Op. cit. p. 247.
162
Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
163
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 101.
47
No mesmo sentido, Christian Garcia Vieira afirma que a decisão de mérito que
aprecia o incidente de desconsideração, transitada em julgado, sofre os efeitos da
coisa julgada material.168 Na execução, por exemplo, o sócio ou a sociedade atingida
pela desconsideração poderão reagir, mediante embargos à execução ou
impugnação, somente quanto ao objeto da execução, tendo em vista que apenas o
objeto do incidente restará superado.169 Ou seja, eventual decisão transitada em
julgado no processo principal não atingirá aqueles que não integravam a demanda
originalmente. Portanto, em razão de o trânsito em julgado não afetar terceiros que
não integravam a demanda originariamente, não há o impedimento para que estes
164
Art. 674. Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens
que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu
desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro. § 2o Considera-se terceiro, para
ajuizamento dos embargos: III - quem sofre constrição judicial de seus bens por força de
desconsideração da personalidade jurídica, de cujo incidente não fez parte;
165
Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão
de mérito não mais sujeita a recurso.
166
CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. In: CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo [Coord.]. Op.
cit. p. 247.
167
REICHELT, Luiz Alberto. Op. cit. p. 249.
168
VIEIRA, Christian Garcia. Op. cit. p. 180.
169
ASSIS, Araken de. Processo Civil Brasileiro: manual de execução. v. 4. [livro eletrônico]. – São
Paulo: RT, 2016. p. 169.
48
170
REICHELT, Luiz Alberto. Op. cit. p. 248.
171
Art. 85, § 1o: São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença,
provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.
172
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 320-321.
173
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Op. cit. p. 333.
49
174
Art. 129. Se o denunciante for vencido na ação principal, o juiz passará ao julgamento da
denunciação da lide. Parágrafo único. Se o denunciante for vencedor, a ação de denunciação não terá
o seu pedido examinado, sem prejuízo da condenação do denunciante ao pagamento das verbas de
sucumbência em favor do denunciado.
175
SOUZA, André Pagani de. Condenação de pagamento de honorários advocatícios
sucumbenciais ao advogado do vencedor no incidente de desconsideração da personalidade
jurídica. Disponível em <https://www.migalhas.com.br/CPCnaPratica/116,MI256515,41046-
Condenacao+de+pagamento+de+honorarios+advocaticios+sucumbenciais+ao>. Acesso em
13/09/2018.
176
ROQUE, André Vasconcelos. In: GAJARDONI, Fernando da Fonseca et al. Teoria geral do
processo de conhecimento: comentários ao CPC 2015: parte geral. 2. ed. rev., atual. e ampl. – Rio
de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018. p. 586.
50
177
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Embargos de Declaração n.
70077844462. Décima Sexta Câmara Cível. Des. Rel. Paulo Sérgio Scarparo. Julgado em 23/08/2018.
DJe: 28/08/2018.
51
178
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento n.
70077125433. Décima Segunda Câmara Cível. Des. Rel. Umberto Guaspari Sudbrack. Julgado em
10/05/2018. DJe: 14/05/2018.
179
Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
180
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: IV -
incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
181
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 100.
52
Visto isso, um terceiro ponto que merece atenção é se a decisão for proferida
em segundo grau pelo relator, pois, nessa ocasião, o recurso a ser manejado será o
agravo interno (art. 136, parágrafo único).185 Quanto a este ponto, Christian Garcia
Vieira sugere que é necessária uma análise restrita e em conformidade do referido
artigo com o art. 932, inc. VI, do CPC/15,186 porque o artigo 136 dá a entender que o
pedido de desconsideração apresentado no segundo grau será sempre julgado de
forma monocrática.187 O jurista observa que, se fosse admitido o julgamento inicial de
forma colegiada, a parte interessada enfrentaria desnecessária situação de o recurso
não devolver a apreciação da matéria para o mesmo órgão colegiado, com igual
composição. Portanto, nesse caso, não haveria faculdade ao relator de submeter a
decisão do incidente ao órgão colegiado.188
182
Art. 1.009. Da sentença cabe apelação.
§ 1o As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar
agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de
apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.
§ 2o Se as questões referidas no § 1o forem suscitadas em contrarrazões, o recorrente será intimado
para, em 15 (quinze) dias, manifestar-se a respeito delas.
§ 3o O disposto no caput deste artigo aplica-se mesmo quando as questões mencionadas no art.
1.015 integrarem capítulo da sentença.
183
DIDIER JR., Fredie. Op. cit. p. 588.
184
YARSHELL, Flávio Luiz. In: CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo [Coord.]. Op. cit. p. 250.
185
Art. 136, parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.
186
Art. 932. Incumbe ao relator: VI - decidir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica,
quando este for instaurado originariamente perante o tribunal.
187
VIEIRA, Christian Garcia. Op. cit. p. 186.
188
Ibidem. p. 187.
53
189
Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
I - se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
II - for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente;
III - resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de
simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV - ofender a coisa julgada;
V - violar manifestamente norma jurídica;
VI - for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser
demonstrada na própria ação rescisória;
VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de
que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;
VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.
190
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Ação rescisória: do juízo rescindente ao juízo
rescisório. – São Paulo: RT, 2017. p. 92.
191
Ibidem. p. 93.
192
Ibidem. p. 93.
54
193
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica.
Revista de Processo. vol. 262/2016. Dez/2016. p. 61-85.
194
Ibidem. p. 70.
195
MEDINA, José Miguel Garcia. Direito processual civil moderno. 3. ed. – São Paulo: RT, 2017. p.
90.
196
YARSHELL, Flávio Luiz. In: CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo [Coord.]. Op. cit. p. 250.
197
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo
civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. v. 2. 3. ed. – São Paulo: RT, 2017. p. 982.
198
Ibidem. p. 979.
199
DIDIER JR., Fredie et al. Curso de direito processual civil: execução. 7. ed. rev., ampl. e atual. –
Salvador: Juspodivm, 2017. p. 388.
55
200
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 102.
201
Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em
fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.
202
Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução: § 3o Nos casos de
desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte
cuja personalidade se pretende desconsiderar.
203
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 102.
204
BRUSCHI, Gilberto Gomes. Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade
jurídica no Código de Processo Civil de 2015. 1. ed. – São Paulo: RT, 2016.
205
Art. 792. § 2o No caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro adquirente tem o ônus
de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões
pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem.
206
DIDIER JR., Fredie et al. Op. cit. p. 389-390.
56
207
ROQUE, André Vasconcelos. In: GAJARDONI, Fernando da Fonseca et al. Op. cit. p. 588.
57
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
esse incidente ser apreciado por decisão monocrática pelo relator, sendo cabível
agravo interno contra essa decisão (art. 932, inciso IV, do CPC/15).
Devemos lembrar, como observa Zulmar Duarte, que o processo civil não é
pedra no meio do caminho para a efetivação da atividade jurisdicional, e sim um dos
meios para uma correta e legítima tutela jurisdicional.208
208
DUARTE, Zulmar. Fazer rápido e bem, bem ou bem rápido. Disponível em
<https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/novo-cpc/fazer-rapido-e-bem-bem-ou-bem-rapido-
07082017>. Acesso em 19/09/2018.
62
REFERÊNCIAS
BRASIL. Tribunal de Alçada Civil de São Paulo. Apelação n. 9.247. Quarta Câmara
Cível, Rel. Des. Edgard de Moura Bittencourt. Julgado em 11/04/1955.
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. – São Paulo:
Atlas, 2017. p. 94-95.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: parte geral. vol. 1. 5. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. vol. 2. 16. ed. - São Paulo:
Saraiva, 2012.
COUTURE, Eduardo Juan, Interpretação das leis processuais. São Paulo: Max
Limonad, 1956.
DIDIER JR., Fredie et al. Curso de direito processual civil: execução. 7. ed. rev.,
ampl. e atual. – Salvador: Juspodivm, 2017
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 1: teoria geral do
direito civil. 29. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012.
GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. In: DIDIER JR, Fredie. Coord. Novo CPC doutrina
selecionada. v. 1: parte geral. - Salvador: Juspodivm, 2016.
GONÇALVES, Carlos Alberto. Direito civil brasileiro: parte geral. vol. 1. 10ª ed. –
São Paulo: Saraiva, 2012.
MEDINA, José Miguel Garcia. Direito processual civil moderno. 3. ed. – São
Paulo: RT, 2017. p. 90
NERY, Nelson Jr; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Novo Código
de Processo Civil. 1. ed. - São Paulo: RT, 2015.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v.1. 30. ed. rev. e atual.
Rio de Janeiro: Forense, 2017.
<https://www.migalhas.com.br/CPCnaPratica/116,MI256515,41046-
Condenacao+de+pagamento+de+honorarios+advocaticios+sucumbenciais+ao>.