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Dos folhetins ao Netflix: A história da narrativa

ficcional seriada nos meios de comunicação1

TRINTA, Rafael (graduando em Comunicação Social hab. Rádio e TV)2


UFMA/Maranhão

Resumo: Este artigo disserta sobre a história da narrativa ficcional seriada e sua adaptação nos meios de
comunicação até a era digital. Para isso, utilizaremos como objeto de estudo a inovadora plataforma
digital de transmissão por streaming Netflix, um grande fenômeno midiático que tem estimulado os
antigos “telespectadores” a se tornarem um público mais livre da fidelização do consumo. Com os atuais
investimentos da empresa Netflix em produzir os seus próprios seriados originais – entre eles, o thriller
político House of Cards e a comédia de humor negro Orange is the New Black – abre-se uma brecha para
uma extensa discussão sobre este ser (ou não) o grande momento na história da televisão em que os
seriados finalmente começam a se integrar com os dispositivos digitais. Com o apoio das pesquisas de
autores como Arlindo Machado, Renato Ortiz, Steven Johnson e Bem Singer, trataremos deste objeto de
estudo com o intuito de pesquisarmos como nasceu a narrativa seriada ficcional e como ela se beneficiou
com os meios digitais.

Palavras-chave: televisão; narrativa seriada; internet; ciberdramaturgia; netflix

A história da narrativa seriada


A narrativa seriada se encontra em um momento de grande popularidade no
universo das mídias digitais. Sua utilização pela plataforma Netflix, um das maiores
sites de televisão por internet do mundo, é um exemplo claro disso: A empresa digital,
que hoje apresenta cerca de 44 milhões de usuários em mais de 40 países, desenvolve
uma plataforma paga de vídeos por streaming3, na qual seus assinantes podem acessar
uma videoteca digital de filmes e programas de TV a qualquer momento, lugar ou
dispositivo desde que este possua acesso a internet (tablet, videogame, computador
pessoal, notebook, TV digital e smartphone).
Apesar de ter sido criada em 1998 por Reed Hastings e Marc Randolph como
apenas uma empresa de locação de filmes em DVD pela internet, a empresa estabilizou-
1
Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Digital, integrante do 3º Encontro Regional Nordeste
de História da Mídia – Alcar Nordeste 2014.
2 Aluno do oitavo período do curso de Comunicação Social - Hab. Rádio e TV.
3
Streaming é uma tecnologia que permite a entrega de áudio e vídeo de forma contínua para um
computador direto de um Website remoto. Com esta técnica, os dados são armazenados em um servidor
de hospedagem e, depois de ativado, os arquivos “fluem” em pacotes pequenos de informação através da
rede para o usuário, que acessa o conteúdo que é recebido.
se com o tempo e mudou drasticamente seus objetivos ao introduzir a tecnologia
streaming no site em 2007. Nos anos seguintes, o site investiu em diversificar cada vez
mais suas vias de distribuição (fechando parcerias de distribuição até 2011 com os
aparelhos da PS3, Xbox 360, aparelhos de Blue-Ray, TVs digitais e dispositivos da
Apple) e aumentando o seu alcance globalmente.
Porém, com o ano de 2013, o Netflix deu um novo passo em direção a
digitalização da narrativa ficcional seriada. Com o lançamento do thriller político House
of Cards, a comédia de humor negro Orange Is The New Black e o suspense
sobrenatural Hemlock Groove, a empresa deixou de ser apenas distribuidora para uma
produtora de conteúdo digital. É a arte de contar histórias atingindo um novo nível de
integração midiática.
Neste novo cenário, a narrativa seriada se aproveita de todos os benefícios das
mídias digitais para enriquecer a antiga experiência da serialização. Uma vez que o
consumidor pode acessar o site a qualquer momento e em qualquer dispositivo, há um
relacionamento com a programação diferente da vista dentro da televisão convencional.
Nela, a grade de programação horizontal obrigava o público a obedecer os limites
impostos pelo formato tradicional ao invés de permitir a total liberdade de escolha para
o consumo de programas. Com o Netflix, enquanto alguns preferem assistir episódios
uma vez por semana no computador, outros consumidores podem fazer uma maratona
de episódios em um só dia, através do seu próprio smartphone. Com este trabalho,
analisaremos a história da narrativa seriada ficcional nos meios de comunicação para
compreendermos suas origens e suas influências para a construção desta híbrida
experiência da serialização contemporânea.
A arte da narrativa ficcional nasceu da antiga tradição oral do mito, uma das
manifestações culturais mais antigas da humanidade. Marcelo Bulhões (2009), em seu
livro “A ficção nas mídias”, caracteriza esta forma narrativa como uma ficção destinada
a explicar a origem do mundo. Desta forma, os povos antigos se utilizavam do mito
como um artifício criativo para explicar o universo ao seu redor através de histórias
repletas de imagens e situações transfiguradoras, como as encontradas na história
bíblica da arca de Noé e no mito grego do belo Narciso (pg. 35-36).
Com a consagração desta expressão cultural, não demorou muito para um novo
gênero artístico surgir e, consequentemente, complementar a experiência da narrativa
mitológica. O teatro, oriundo dos rituais de celebração ao Deus Dionísio feitos no
período clássico da Grécia Antiga (séc. V a. C), adaptou as criações da mitologia para
uma encenação dramática, nutrindo o público com uma carga emocional ainda mais
sensitiva. Este seria o ponto-chave para o grande nascimento da dramaturgia, a arte da
composição de peças de teatro, que logo daria os contornos da estrutura básica de boa
parte das histórias que viriam pela frente.
Ao lado do mito, outro importante formato narrativo presente na história é o da
lenda. Nela, diferentemente do misticismo religioso visto na manifestação anterior, a
narrativa é “supostamente originada de um acontecimento verídico, o qual teria, com o
passar dos tempos, recebido o fermento da imaginação popular.” (BULHÕES, 2008) A
lenda costuma misturar o verdadeiro com o fantasioso, criando assim uma narrativa
híbrida em que apesar das bases concretas, há uma notável influência daquilo que é
improvável. (p. 38)
Estreitamente relacionado ao mito e a lenda, o conto popular também se
consolidou como um campo da ficção de muito sucesso na antiguidade, porém
destituído das conotações religiosas do primeiro e da transmutação histórica do
segundo. No conto popular, são narradas histórias de viagens, aventuras, enganos,
trapaças, guerras, disputas amorosas, zombarias e até conquistas eróticas, sendo um
gênero ligado diretamente à transmissão oral. (p. 39)
É importante frisar, no entanto, que todas estas formas narrativas logo foram
levadas para o universo da escrita, em um processo gradativo que concretizou a ideia da
narrativa literária. Para Sílvia Adela Kohan, autora de “Como Contar Uma História”,
“uma narração literária é a construção de uma história fictícia (conto ou romance) que
obedece a uma série de convenções ficcionais, elaboradas de tal modo que o leitor a
sinta como uma história crível, chegando a esquecer-se de que, na realidade, está diantes
apenas de palavras e personagens de papel." (p.8)
Além de a literatura servir ao homem como uma forma de eternizar o vasto
campo da ficção antiga para futuras gerações, ela teve uma importância crucial para a
experiência imersiva da ficção, uma vez que, através da sua construção verbal,
possibilitou ao leitor criar uma imagem pessoal da narrativa.
(...) A questão da imagem não é estranha ao universo da literatura. Em outros
termos, a literatura mobiliza recursos plásticos ao lidar com a ficção, mas ela o
faz de um modo muito próprio. Na literatura, a matéria verbal constitui o
mecanismo semiótico responsável por ativar no leitor um processo de
elaboração mental da imagem (BULHÕES. 2008. pg. 64).

Mas é quando chegamos no séc. XVIII e XIX que vemos os primeiros indícios
de uma proposta de ficção serializada. Marcelo Bulhões utiliza aqui a denominação
“bazar de atrações populares” como uma referência à abertura que este momento
histórico teve para a experimentação criativa dentro do formato da narrativa ficcional, o
que acabou impulsionando um consumo massivo de obras de ficção. (p.41) Os grandes
frutos desta época serviriam, posteriormente, de influência para o universo narrativo das
mídias, principalmente quando se analisa a estrutura das telenovelas e enlatados
americanos. Dentre os vários frutos deste laboratório de formas ficcionais, destaca-se o
folhetim, gênero crucial para a compreensão das origens da narrativa ficcional seriada.
O folhetim, oriundo da imprensa francesa do séc. XIX, surgiu como uma nova
forma de entretenimento para os leitores de periódicos jornalísticos, os quais viam-se
saturados de reclames oficiais impostos pela censura pós-Revolução Francesa do
governo de Napoleão I. Com o intuito de aproveitar a pequena brecha que os jornais da
época começavam a deixar nos rodapés dos jornais para pequenas colunas de variedades
(cozinha, beleza, moda e outros temas mais descontraídos), o proprietário do jornal La
Presse, Émile de Girardin, chamou um colega profissional do jornal Le Siécle para
desenvolver a primeira ficção em partes, a comédia espanhola O Lazarillo de Tormes. A
partir daí, a ideia de seccionar uma história em fatias tornou-se um grande sucesso de
público, transformando-se em um formato constantemente imitado e, no que logo se
veria, de grande valor comercial para os meios de distribuição.
Ao interromper a narrativa da história exatamente no clímax ou, como muitos
diriam, “na melhor parte” – o folhetim utilizava o fim do capítulo para criar uma
situação intensamente dramática, apelando ao suspense para conquistar o apego do
público ao que está ainda por vir. Esta característica, segundo Bulhões, cria a ideia da
“literatura industrial”, manifestação responsável pela relação entre o formato narrativo-
ficcional e as necessidades mercadológicas – é o começo da indústria cultural, conceito
que trabalharemos mais a frente. (p.47).
Um aspecto interessante sobre o folhetim da época foi a sua capacidade de
hibridização com outros gêneros nascidos no “bazar das atrações populares”. Neste
ponto, não há como não suscitar uma nítida relação entre folhetim e o melodrama, no
qual o primeiro também utilizava do maniqueísmo exacerbado das forças opostas da
história típicos do gênero melodramático para causar o arrebatamento emocional do
público. Enquanto o herói era bonzinho e inocente, o vilão era maléfico e traiçoeiro,
sendo assim, uma fonte criativa eficiente para que os autores folhetinescos investissem
em uma fidelização do público até o tão esperado último capítulo. Com isso em mãos, a
narrativa ficcional do melodrama, unida ao folhetim, conseguiu ultrapassar o seu tempo,
sendo adaptada até a cultura midiática do século XX. Entretanto, (BULHÕES, 2008)
não deixa de criticar o quanto a presença do melodrama nas mídias, sobretudo no rádio
e na televisão, abusa do sentimentalismo excessivo para colher lágrimas do público,
tornando-se uma ferramenta apelativa e ridícula. (p.45)
Dessa forma, o romance de folhetim e suas influências melodramáticas
trouxeram a era contemporânea uma fórmula de sucesso para a criação de narrativas
ficcionais seriadas para as mídias da nova geração. E é dentro deste cenário histórico
que a ideia de indústria cultural se torna ainda mais visível. Este conceito foi
apresentado por Adorno Horkheimer no seu texto “A Indústria Cultural: O
Esclarecimento Como Mistificação das Massas”, extraído de “Dialética do
Esclarecimento” e “A Indústria Cultural” de 1975, sendo uma referência à padronização
da produção artística, a qual colocou um fim a ideia de individualização do objeto de
arte em prol da comercialização em massa.
Em suma, com a repercussão avassaladora da literatura industrial e suas claras
influências na narrativa midiática do século XX, a sociedade se viu diante de uma
cultura muito mais acessível, apesar de Horkheimer criticá-la fervorosamente por sua
natureza mercadológica. Sua visão pejorativa desta transformação dos objetos de valor
cultural atingiu diretamente o cinema e o rádio, os quais, segundo (ADORNO, 1985),
ambos “não tem mais necessidade de se passar por arte. Não passam de um negócio, aí
está a sua verdade e sua ideologia, que eles usam para legitimar o lixo que produzem
propositalmente” (p.114). No entanto, este ponto de vista não se reflete mais com tanta
força na academia. O próprio (BULHÕES, 2008) contrapõe que estas “críticas à cultura
de massa seriam próprias da atitude equivocada das elites intelectuais de querer
impingir seu próprio gosto como o melhor e único aceitável (...) a cultura e massa
oferecia um campo diversificado em vários segmentos, gêneros, linguagens, formatos,
ao mesmo tempo que seria permeável a usos e interpretações de grupos sociais
distintos.” (p.50)
Apesar deste velho debate ainda ser pauta para muitas opiniões divergentes no
meio acadêmico, isto não impediu a ficção seriada de dominar a cultura contemporânea,
se tornando um formato consagrado nas principais mídias do século XX. Um exemplo
marcante foi a sua adaptação para os populares seriados de cinema norte-americanos
produzidos em meados de 1910.
Nesta época, as salas de cinema popular eram chamadas de nickelodeons, os
quais exibiam, em sua maioria, curtas-metragens para não cansar o espectador que
enfrentava o desconforto das rígidas cadeiras de madeira da plateia (além, claro,
daqueles que precisavam ficar em pé). Como os salões de cinema mais caros e
aconchegantes eram deixados apenas para os longas-metragens (feature films), os
nickelodeons se limitavam a distribuição de filmes menores, sendo assim um ótimo
meio para a distribuição de seriados.
Séries cinematográficas como Fantômas (1913), de Louis Feuillade e The
Perils of Pauline (1914), de Louis Gasnier, baseados no modelo dos folhetins
jornalísticos, deram a forma básica do gênero. Tratava-se, como nos seriados
de televisão, de filmes concebidos em escala industrial, rodados
simultaneamente com a exibição das partes anteriores e capazes de absorver as
circunstâncias da produção (MACHADO, 2000, p.87).

Mas não foi apenas com a herança dos antigos folhetins que este novo produto
cultural estruturou suas bases. De acordo com Ben Singer em sua obra Melodrama and
modernity – Early sensacional cinema and its contexts, os filmes seriados eram
caracterizados dentro do gênero “melodrama de sensação” (sensational melodrama),
abrangendo subgêneros como o policial, faroeste, gótico, patriótico e melodramas
protagonizados por jovens mulheres trabalhadoras (p.198). (SINGER, 2001) explica a
denominação “melodrama de sensação” observando que os seriados possuíam uma
notável utilização da ameaça do perigo físico, ação desenfreada, muita violência e cenas
espetaculares como raptos e salvamentos para deixar o público com uma forte carga de
suspense e dramaticidade. O melodrama cinematográfico tinha tramas bem semelhantes
ao melodrama teatral, com destaque a já clássica retratação maniqueísta do heroísmo e
da vilania, o que o permitia explorar frequentemente em seu enredo as coincidências
inesperadas, revelações repentinas e reviravoltas arrebatadoras (p.192).
O autor ainda destaca em seu livro o quanto estes seriados (serials) já se
diferenciavam dos filmes em série (series films). (SINGER, 2001) explica que estes
últimos possuíam episódios mais autônomos, desligados entre si; como histórias
fechadas utilizando o mesmo grupo de personagens e ambientações. Já nos seriados era
possível identificar uma narrativa nitidamente sequencial, com o uso constante de
ganchos de tensão (cliffhangers) repletos de suspense e uma sensação de perigo
iminente para atrair o público para os próximos capítulos. (p. 210)
Como é possível notar, os seriados para o cinema foram a primeira versão
audiovisual do formato de ficção seriada, construindo desde o começo do século XIX as
características do que logo seria revisitado (com eficiência) na televisão. Porém, até
chegar a invenção da “caixinha de imagens”, a narrativa em série ainda passaria por um
meio de difusão ainda mais forte no âmbito popular; era com o estouro radiofônico na
década de 30 que o deslumbre da experiência ficcional atiçaria a sociedade novamente.
Com o lançamento do aparelho radiofônico doméstico nos Estados Unidos
graças à invenção do primeiro transmissor de recepção doméstica pela empresa
americana Westinghouse deu a abertura necessária para o desenvolvimento de uma
grade de programação destinada à cultura de massa. Criava-se assim o terreno ideal para
que as narrativas seriadas conquistassem uma nova forma de recepção ainda mais
poderosa.
Não demorou muito para que o formato do romance de folhetim servisse de
inspiração para as famosas radionovelas, responsáveis pelas primeiras características do
gênero da soap opera. O formato era simples: Dramas curtos com duração de quinze
minutos, geralmente transmitidos no período diurno devido ao baixo custo do horário
comercial. A soap opera – apelidada desta forma devido aos comerciais de produtos
domésticos que passavam durante as transmissões – foi um grande sucesso de
audiência, especialmente dentre as donas de casa, ganhando por isto a atenção de
empresas patrocinadoras de utensílios domésticos.
No entanto, Renato Ortiz (1991) em seu livro “Telenovela: história e produção”
escrito em parceria com Helena Simões e José Mário Ortis observa que as radionovelas
já apresentavam algumas diferenças visíveis em relação ao romance folhetinesco. Ao
analisar os programas da época, o autor atesta que a estrutura narrativa e a composição
das histórias não apresentavam a mesma lógica dos antigos folhetins, não havendo um
corte seco entre os capítulos ou o uso tão demarcado do suspense, emoção e até a
presença de um desfecho final. Basicamente, a soap opera americana apresentava um
grupo de personagens que habitavam um determinado lugar onde vários acontecimentos
aleatórios engatilhavam os dramas presentes no dia-a-dia de cada um, sem indicar uma
trama principal ou mesmo um final narrativo. Com um público-alvo focado
majoritariamente nas donas de casa, as radionovelas procuravam emocionar suas
queridas ouvintes com belas histórias de amor e um suspense onipresente até o último
capítulo.
A fórmula fez tanto sucesso que ganhou notável popularidade em outros países,
principalmente em Cuba – pioneira na arte da radionovela e grande exportadora de
obras pela América Latina – e no Brasil – com grandes sucessos como “O Direito de
Nascer” (1951) e “Jerônimo, o Herói do Sertão” (1953). A estabilidade das
radionovelas perdurou por boa parte da década de 40, reassegurando para todos aqueles
que ainda duvidavam que a ficção seriada, como um instrumento de produção artística e
comercial, era uma aposta mais do que bem-sucedida.
Ao pesquisar os processos de adaptação do gênero ficcional na história dos
meios de comunicação até este momento, é compreensível atestar que a narrativa
seriada dentro do universo televisivo era uma tática inevitável. Tal análise ganha ainda
mais força quando se relembra a situação instável dos primeiros anos da TV. Apesar de
em 1944 as quatro grandes emissoras da TV aberta americana ABC (American
Broadcasting Company), CBS (Columbia Broadcasting System), NBC (National
Broadcasting System e DuMount Television Network (a única que não está mais em
atividade nos Estados Unidos) finalmente firmarem uma grade de programação
consistente, seus programas ainda eram constituídos basicamente de transmissões ao
vivo. Esta limitação era explicada pelas restrições tecnológicas da época (o processo era
feito através de ondas eletromagnéticas), que obrigavam o aparelho receptor a estar
ligado diretamente a gravação do emissor (MOREIRA, 2007). Por isso, boa parte das
produções lançadas possuíam empréstimos criativos do mundo teatral, prendendo-se a
cenários fixos e a pouca liberdade para as câmeras. Mas com a chegada da década de
40, as grandes cabeças da televisão decidiram se arriscar em um gênero que tinha tudo
para contrabalancear estes limites: A primeira soap opera americana, Faraway Hill4
estreava na emissora DuMount em 1946.
Com base na estética audiovisual dos seriados de cinema e nos vícios estilísticos
da radionovela, Faraway Hill apresentou a televisão o molde narrativo para as primeiras
telenovelas. O enredo contava a história da sofisticada Karen ST. John, uma viúva que
deixou a sua vida em Nova York para morar em uma pequena cidade do interior junto a
seus familiares. Feita com baixíssimo custo (a média do orçamento para cada capítulo
era de apenas 300 dólares) e sendo ainda gravada ao vivo, a novela foi um fracasso
comercial, sendo cancelada poucos meses depois. Porém, o marco histórico já estava
feito: Aos poucos, outras produções do gênero começaram a surgir como “A Woman to
Remember” (1949) nos Estados Unidos, “The Grove Family” (1954)5 na Inglaterra e
“Sua Vida Me Pertence (1951)6” no Brasil.
As telenovelas criariam um novo modo de contar histórias serializadas na
televisão. Arlindo Machado (2000) explica esta serialização como uma “apresentação
descontínua e fragmentada do sintagma televisual”, no qual o enredo se desenrola
através de capítulos ou episódios. Assim como já era feito nas radionovelas, os seriados
eram apresentados em dias e horários diferentes e seus episódios eram subdivididos em
blocos, separados um dos outros por intervalos comerciais (os breaks) para deixar
espaço para as empresas patrocinadoras do programa. (p.83) Através deste formato,
Arlindo Machado (2000) reconhece três formas básicas da estrutura seriada: as
produções compostas por capítulos, as que utilizam episódios seriados e as construídas
através de episódios unitários. (p.85)
A telenovela se encaixa na primeira destas formas estudadas pelo autor, sendo
caracterizada como uma única narrativa (contendo ou não múltiplas histórias paralelas)

4
Fonte: <http://www.tv.com/shows/faraway-hill/> Acesso em: 28 mar. 2014.
5
Fonte: http://<www.guinnessworldrecords.com/records-6000/first-television-soap-opera/> Acesso em:
28 mar. 2014.
6
Fonte: <http://mundoestranho.abril.com.br/materia/qual-foi-a-primeira-telenovela-brasileira> Acesso
em: 28 mar 2014.
que se sucede de uma forma mais ou menos linear até o seu último capítulo. Este tipo de
produção pode se arrastar indefinidamente, utilizando o máximo possível das técnicas
de repetição até que não consiga mais manter índices de audiência satisfatórios. Esta é
uma forma de construção denominada teleológica, pois ela “se resume
fundamentalmente num (ou mais) conflito(s) básico(s), que estabelece logo de início um
desequilíbrio estrutural, e toda evolução posterior dos acontecimentos consiste num
empenho em restabelecer o equilíbrio perdido (...)” (p.84-85).
O segundo tipo de serialização identificada por Arlindo Machado só chegaria na
televisão americana em 1951, com a estreia do programa “I Love Lucy” (CBS, 1951-
1960). A comédia, além de ser o primeiro seriado televisivo, também iniciou o
subgênero sitcom – as comédias de situação – apresentando em pequenos episódios de
30 minutos o cômico cotidiano de uma dona-de-casa e seu marido, interpretados
respectivamente por Lucille Ball e Desi Arnaz. I Love Lucy também se beneficiou com a
inserção da técnica do videoteipe na produção televisiva da década de 50, o que
adicionou a tecnologia de edição e armazenamento eletrônico do material para deixar as
gravações mais dinâmicas e com menos limitações técnicas. Para (MACHADO, 2000),
esta segunda forma de serialização é reconhecida como uma história completa e
autônoma, com começo, meio e fim, repetindo apenas os mesmos personagens
principais e a mesma situação narrativa. (p.84)
Com a década de 60, é possível exemplificar o terceiro tipo de serialização de
Arlindo Machado através da série The Outer Limits (no Brasil, Quinta Dimensão;
primeira versão 1963-1964), um seriado de ficção científica em que a única ligação
entre seus episódios era a presença de criaturas alienígenas. Este tipo de seriado, pelas
definições de (MACHADO, 2000), parte da ideia de que todos os episódios possuem
apenas um “espírito geral” em comum, mantendo apenas a temática para unir a obra
como um todo. Neste formato, não apenas a história de cada episódio é uma narrativa
independente como também não precisam ter os mesmos personagens, atores, cenários
e, às vezes, até os roteiristas e diretores. (p.84)
Na década de 80, o começo das emissoras de TV a cabo como a HBO (Home
Box Office) e a Showtime trouxe um desafio para os canais abertos. Além de oferecer
uma programação com melhor qualidade de imagem do que as apresentadas nas três
maiores redes abertas (STARLING, 2007), a HBO também passou a produzir as suas
próprias séries originais, oferecendo aos roteiristas e produtores uma maior autonomia,
liberdade criativa e espaço para inovações na estrutura narrativa. Com o investimento
notável em séries cada vez mais ousadas e irreverentes dos ascendentes canais pagos, as
emissoras abertas tiveram que buscar uma forma de se adaptar diante de um público
cada vez mais exigente:
Da mesma forma que a TV, ao se transformar em mídia de massa, liberou
Hollywood para sair em busca de públicos mais específicos, a popularização do
acesso a TVs a cabo, ao provocar a divisão da audiência em muitas partes,
estimulou a TV a fazer o mesmo. As redes de TV, assim como os cineastas,
deixaram de lado seus próprios códigos de produção assim que sua audiência
começou a encolher (STARLING, 2006, p. 21).

Diante deste cenário, uma série se destacaria como a precursora dos enredos
múltiplos e dos arcos dramáticos. Esta era Hill Street Blues (1981-1987) uma série da
NBC criada por Steven Bochco e Michael Kozoll que narrava o difícil dia-a-dia dos
oficiais de polícia de uma delegacia no fictício bairro nova-iorquino de Hill Street. Com
o desenvolvimento da história pela perspectiva de mais de 10 personagens, cada um
com sua própria trama, o seriado inovou ao introduzir pela primeira a ideia de
“narrativas múltiplas entrelaçadas e abertas, com uma galeria bastante extensa de
personagens e um painel mais complexo de situações diegéticas” (MACHADO, 2000,
p.95). Era a televisão deixando o modelo simplista da ficção seriada típica dos anos 60-
70 (apenas uma trama principal com foco em um ou dois personagens no máximo) para
intensificar a sua tessitura narrativa.
Além disso, o novo formato procurava passar o máximo de realismo possível
para o telespectador, se utilizando constantemente de câmeras tremidas, granulação na
imagem, extensos planos-sequência e a quase absoluta iluminação natural para poder
ilustrar da forma mais crua e direta possível o intenso cotidiano dos habitantes de Hill
Street. O resultado foi um grande choque audiovisual para o público, que nunca havia
visto algo do tipo em toda a história da televisão.
O primeiro teste de apresentação para a crítica do piloto de Hill Street, em maio
de 1980, suscitou reclamações dos telespectadores de que o programa era
muito complicado. Avance 20 anos e [...] os espectadores aceitaram com
satisfação essa complexidade porque haviam sido treinados durante duas
décadas de dramas com enredos múltiplos (JOHNSON, 2005, p. 57).
A sensibilidade dramática e o valor estético contido em Hill Street Blues foram
aclamados pela crítica especializada da Inglaterra dos anos 80, em especial pela
consagrada British Film Institute que através da publicação M. T. M.: Quality
Television7 atribuiu o termo quality television (televisão de qualidade) para a
contribuição artística dada pela M.T.M Enterprises, companhia produtora da série. A
expressão, segundo (MACHADO, 2000), é “rapidamente tomada como bandeira para
uma abordagem diferenciada da televisão, logo adotada por um punhado de estudiosos e
críticos, malgrado nenhum deles tenha conseguido definir de forma clara o que seria
qualidade em televisão”. (p. 23) A discussão entre aqueles que concordam e os que
evitam o uso da expressão ainda é pauta dentro do meio acadêmico, principalmente
devido à resistência entre os estudiosos mais conservadores a deixar de ver a televisão
como uma “filha da indústria cultural”.
A proximidade com o novo milênio inseriu um novo elemento na dinâmica entre
TV e telespectador: A internet. Sua influência seria de importância crucial para o
universo da narrativa seriada, uma vez que a rede online logo se mostraria como um
meio direto para que o público pudesse sair da zona de conforto ao expressar sua
opinião. A internet deu a oportunidade para a audiência se transformar em um sujeito
ativo, permitindo o que logo seria conhecido como a cibercultura. Pierre Levy (1999)
reconhece a cibercultura como o “conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de
práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem
juntamente com o ciberespaço” (p.17). Este ciberespaço, descrito por (LEVY, 1999)
como “meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores”,
será palco para boa parte das análises presentes nesta pesquisa.
Do ponto de vista do consumidor, as atividades de assistir à televisão e de
surfar na internet também estão se fundindo, o que leva o mercado a criar
novos arcabouços de participação. Os telespectadores ocupam centenas de
salas de bate-papo e grupos de discussão pela rede afora, frequentemente
acessando estes ambientes coletivos enquanto assistem aos programas de
televisão, para poderem compartilhar suas opiniões com seus colegas de
audiência (MURRAY, 2003, p. 237).

O boom tecnológico iniciado na década de 90 fez do novo milênio uma época

7
Jane Feuer, Paul Kerr & Tise Vahimagi (orgs.), M. T. M.: Quality Television (Londres: The British
Film Institute, 1984).
marcada por descobertas e novidades, dentre elas, a expansão da banda larga; a
popularização das plataformas móveis (tablets, smartphones etc); a criação do sistema
de nuvem (cloud); o advento da televisão digital e os investimentos incansáveis para
atingir a tão almejada imagem de alta definição (high definition). Com uma via de
acesso mais próxima entre a televisão e o computador, os seriados passaram a buscar
uma total integração com outros suportes midiáticos, o que trouxe à tona pela primeira
vez a ideia de narrativa transmídia.
O conceito de narrativa transmídia foi citado originalmente pelo pesquisador
Henry Jenkins em um artigo de 2003 publicado na Technology Review, no qual ele
afirmava que a sociedade entrava “em uma nova era de convergência entre meios que
torna inevitável o fluxo de conteúdos através de múltiplos canais” (SCOLARI, 2012,
p.23). Carlos A. Scolari (2012) revisita o termo criado por Jenkins em seu livro
Narrativa Transmedia e o define como “uma forma de narrativa particular que se
expande através de diferentes sistemas de significação (verbal, icônico, audiovisual,
interativo etc) e meios (cinema, HQs, televisão, videogames, teatro etc).” (p.24) Desta
forma, produtos midiáticos como os seriados passaram se expandir para outros meios,
se adaptando ao consumo híbrido que emergiu no cenário contemporâneo.
É a partir deste cenário que o sistema Netflix emergiu, sendo um dos
mais populares meios de distribuição (e agora produção) de conteúdo digital. Se a ficção
seriada um dia conseguia atingir as grandes massas apenas nas páginas de jornal, hoje é
difícil encontrar um ambiente cultural que não há contenha, seja direta ou indiretamente.
Com os formatos televisivos migrando para internet, possivelmente novas particular-
dades narrativas e inovações estéticas serão concebidas para a atual e futura geração,
características que possivelmente estimularão a construção de linhas narrativas com
mais interatividade para os próprios usuários.
Uma vez que as novas tecnologias possuírem cada vez mais espaço para que o
usuário crie o seu caminho dentro do formato hipertexto 8 do ambiente web, as novas
produtoras de seriados precisam buscar se adequar a estas inovações, se desligando do

8
Hipertexto é um termo que designa um processo de escrita/leitura não-linear e não hierarquizada,
permitindo ao usuário um acesso ilimitado a outros textos de forma instantânea. Como base principal dos
textos da internet, o hipertexto possibilita ainda que se realize uma trama, ou rede, de acessos sem seguir,
necessariamente, sequências ou regras.
formato serial convencionado pela televisão. Através de seriados cada vez mais
interativos, com múltiplos caminhos e linhas narrativas, é possível pensar em um
possível futuro para a ficção seriada no qual a convergência midiática se integra com
ainda mais força a forma de contar histórias.

Referência Bibliográfica
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