Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
E por quê? Nos últimos anos, foi possível atentar que a História (e aqui
entendo como “histórias” as mais diversas versões sobre o passado, e não
apenas a ciência História) tornou-se muito popular e importante ao cenário
político brasileiro. Por exemplo, no mês de agosto de 2018, o então
presidenciável, Jair Bolsonaro, disse em entrevista ao programa Roda Viva
que os portugueses nunca haviam pisado na África, isto é, que a escravidão
negra era de responsabilidade dos próprios africanos. Ainda completou mais
adiante em sua fala: “eu não acredito em dívida histórica, pois nunca
escravizei ninguém”.
Fig. 1
https://oglobo.globo.com/cultura/livros/versoes-absurdas-de-fatos-
historicos-ganham-forca-alarmam-especialistas-23091891
Fig. 2
https://www.google.com/search?
q=seu+professor+de+historia+mentiu&rlz=1C1SQJL_pt-
BRBR786BR786&oq=o+seu+professor+de+his&aqs=chrome.1.69i57j0l4.55
70j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8
Fig. 3
https://www.dn.pt/mundo/interior/video-no-youtube-faz-aumentar-
numero-de-pessoas-que-acreditam-que-a-terra-e-plana-10590110.html
Fig. 4
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/13/politica/1536853605_958656.ht
ml
Não é preciso dizer que este tipo de versões públicas do passado têm
consequências políticas:
Fig. 5
https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,mourao-liga-indio-a-
indolencia-e-negro-a-malandragem,70002434689
Fig. 6
https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,meu-neto-e-um-cara-
bonito-viu-ali-branqueamento-da-raca-diz-mourao,70002535826
Enfim, é evidente que a História tem um uso público. Este uso é empregado
geralmente para justificar decisões graves, como golpes de Estado,
nacionalismos exacerbados, fascismo, guerras e crimes contra a
humanidade. Pode ainda servir para dividir o ônus da culpa, converter
opressores em vítimas, criminalizar revoluções, movimentos e as visões de
mundo de esquerda, por isso, é preciso ao historiador moderno estar apto a
ajudar as pessoas a compreender as mais diversas narrativas históricas em
nosso cotidiano, principalmente objetivando evitar o fascismo. Os
historiadores da história pública têm como referências básicas a defesa da
democracia, dos direitos humanos e dos direitos civis. Eles não podem
deixar de incorporar temas da pseudo-história e das teorias conspiratórias
às suas pesquisas e cursos, pois esquecimento e a desqualificação do
passado são estratégias liberais para atomizar ainda mais o cidadão. Afinal,
o presente não se explica a partir de sim mesmo.
Fig. 7
http://eecarter.com/wordpress/wp-
content/uploads/2017/04/darkheart2.jpg
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/a0/Sack_of_Ro
me_by_the_Visigoths_on_24_August_410_by_JN_Sylvestre_1890.jpg/800p
x-
Sack_of_Rome_by_the_Visigoths_on_24_August_410_by_JN_Sylvestre_18
90.jpg
Fig. 9
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/10/Septimussev
erustondo.jpg/220px-Septimusseverustondo.jpg
Ao mesmo tempo, as modernas tecnologias de análise permitiram observar
que, para além da “branquitude” racial, a edílica também era uma invenção
dos homens posteriores. As análises dos pigmentos em Pompeia e na
estatuária revelou uma cidade muito mais diversa e colorida, tal como
podemos observar nesta releitura do Augusto de Prima Porta:
Fig. 10
https://cdn.acidcow.com/pics/20160726/antique_statues_04.jpg
Nos anos 2000, a História Antiga foi influenciada pela era da internet. Por
causa dela, conceitos como conectividade, identidade e mundialização
fundamentaram pesquisas que olhavam para o mediterrâneo como um
mundo conectado. Os três principais autores dessa guinada são Peregrine
Horden e Nicholas Purcell, com o livro O mar corruptor, e o arqueólogo Ian
Morris, o qual cunhou o termo Mediterranização para descrever as
sociedades antigas. Como exemplo, trazemos uma imagem de um
sarcófago egípcio feito para um romano:
Fig. 11
https://hucipher.files.wordpress.com/2015/04/3adc815c3d602fd6560afc7cb
befe5b3.jpg
Fig. 12
http://4.bp.blogspot.com/-grJxgX26vPw/UVSK70jPuUI/AAAAAAAAG2Q/P2-
o8Og6iXc/s1600/filmes-imperio-romano.jpg
Como nosso espaço é limitado, a nossa análise contemplará quatro
produções cinematográficas contemporâneas: Gladiador (2000), Troia
(2004), Roma (2005) e Troia (2018). O motivo? Elas, além de serem mais
acessíveis ao público geral, são as que os professores geralmente escolhem
para comentar em suas aulas. E, como vimos, se essas versões públicas
não forem colocadas à crítica, podem servir como sustentáculos de
“preconceitos históricos” ou como um bom material para trabalhar com os
alunos outras visões sobre o passado. Cabe dizer também que nos
resguardaremos a comentar os filmes de maneira direta, justamente por
causa do espeço concedido para este artigo, deixando ao leitor a
responsabilidade de se informar sobre os fatos mais triviais sobre tais
produções. Para tanto, dividiremos a sequência desta exposição em dois
momentos, cada um contemplando dois filmes. Os dois primeiros filmes,
contemplados no primeiro bloco, são os que consideramos como portadores
do “preconceito histórico” da branquitude, já, os dois últimos, são
justamente as produções que atacam tal preconceito.
Fig. 13
https://i.pinimg.com/originals/1c/95/35/1c9535b398b74f2fdc0f231fcd2b66
46.jpg
Fig. 14
https://www.boothbayregister.com/sites/default/files/2017/05/field/image/
velarium.jpg
O filme Tróia, por sua vez, padece desse mesmo preconceito. Além da
escolha de personagens tipicamente caucasianos, como Brad Pitt e
Diane Heidkrüger, para interpretarem personagens do mesmo mundo
estudado por Bernal, e localizado ainda por cima na Ásia menor, a película
também representa uma Troia, digamos “clássica”, com seus monumentos
sem cor, tal como se fossem a Roma do século XIX:
Fig. 15
http://arquivo.cinemaemcena.com.br/uploads/filme/cache/980-586-
resize/filmes-1916-fotos-6837.jpg
Fig. 16
https://pmcvariety.files.wordpress.com/2017/12/david-gyasi-achilles-
cropped-1.jpg?w=1000&h=563&crop=1
E não fica nisso. Zeus também é representado por um ator negro, Hakeem
Kae-Kazim, jogando por terra as inúmeras representações pictóricas do
velhinho de barbas, roupas e pele claras, soltando raios:
Fig. 17
https://i2.wp.com/maisminas.org/wp-content/uploads/2018/04/zeus-em-
troy.jpg?resize=620%2C413&ssl=1
Esta série pode ser considerada muito mais próxima daquilo que é
defendido pelas pesquisas acadêmicas mais recentes acerca do mundo
antigo, tal como estudamos no tópico anterior. Todavia, voltando ao papel
da História pública, podemos perceber que a imagem de uma Antiguidade
totalmente “branca” ainda é considerada como a “verdadeira” pelo público
em geral, haja vista as polêmicas colecionadas pela divulgação desta
produção, os gregos não podem ser vistos de outra maneira:
Fig. 18
https://pipocamoderna.com.br/2018/02/serie-sobre-guerra-de-troia-lidera-
audiencia-e-vira-polemica-racial-no-reino-unido/
Por último, a série Roma da HBO. Essa produção é importante para este
texto porque nos oferece uma visão da cidade de Roma bem diferente
daquela encontrada nas representações do século XIX e em produções,
como Gladiador. Na trama, temos uma cidade com cores muito vivas, com
lixo nas ruas, uma representação muito distante de uma Roma harmônica,
linear e, sobretudo, branca.
Fig. 19
http://www.1zoom.me/prev2/126/125791.jpg
Considerações finais
Referências bibliográficas
Ana Lucia Santos Coelho é Doutoranda pela Universidade Federal de Ouro
Preto.
Ygor Klain Belchior é Doutor em História Social pela Universidade de São
Paulo e Professor da Universidade Estadual de Feira de Santana.
ROSTOVTZEFF, Mikhail. The social & economic history of the Roman Empire.
Nova York: Biblo & Tannen Publishers, 1926.
STE. CROIX, G. E. M de. The class struggle in the ancient Greek world.
Ithaca: Cornell University, 1998.