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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OS USOS PÚBLICOS DA HISTÓRIA

ANTIGA E SUAS REPERCUSSÕES


Ana Lucia Santos Coelho
Ygor Klain Belchior

A história está em todo o lugar e ela é interpretada por públicos distintos,


com ideologias díspares, a todo o momento. No Brasil, é evidente que essa
afirmação é verdadeira e ela é o resultado de uma relação que vem se
acentuando cada vez mais, a ponto de ser percebida como uma
preocupação urgente aos pesquisadores das universidades e aos
professores da Educação Básica.

E por quê? Nos últimos anos, foi possível atentar que a História (e aqui
entendo como “histórias” as mais diversas versões sobre o passado, e não
apenas a ciência História) tornou-se muito popular e importante ao cenário
político brasileiro. Por exemplo, no mês de agosto de 2018, o então
presidenciável, Jair Bolsonaro, disse em entrevista ao programa Roda Viva
que os portugueses nunca haviam pisado na África, isto é, que a escravidão
negra era de responsabilidade dos próprios africanos. Ainda completou mais
adiante em sua fala: “eu não acredito em dívida histórica, pois nunca
escravizei ninguém”.

Da mesma forma, os seus eleitores também recorreram ao passado como


uma forma eficaz de fazer política e sustentar o voto em seu candidato.
Assim, associaram o nazismo ao comunismo (o mesmo regime que jurou
aniquilar), o comunismo e socialismo foram confundidos entre si, mas
também com direitos humanos básicos, além da negação da experiência
ditatorial no Brasil.

Não é à toa que, em setembro de 2018, o jornal O Globo publicou a


matéria: Versões absurdas de fatos históricos ganham força e alarmam
especialistas. Nela, denunciou um movimento denominado como fake
history, o qual, por alguma estranha coincidência, compreende justamente
as versões sobre os fatos que acabamos de lembrar, dentre outras ainda
piores, a exemplo de gente negando o holocausto.

Fig. 1

https://oglobo.globo.com/cultura/livros/versoes-absurdas-de-fatos-
historicos-ganham-forca-alarmam-especialistas-23091891

Nós, os historiadores profissionais, chamamos este tipo de reflexão de


História Pública. Uma História que vem sendo contada por meio de
instrumentos digitais e impressos.

De acordo com Cerri (2006, p. 3-19) existem duas teorias para o


surgimento da História Pública: a primeira é norte-americana e a segunda é
alemã, a primeira diz respeito ao contexto da crise econômica da década de
1970, já, a segunda condiz com o debate público a respeito da negação do
holocausto na década de 1980. Vejamos:

Nos Estados Unidos da década de 1970, o cenário era de crise econômica e


falta de oportunidade de empregos para os historiadores recém-formados,
principalmente os especialistas em História Regional ou Local (o que nos faz
lembrar os nossos dias atuais). Foi justamente tal necessidade de encontrar
outros campos de atuação, como museus, rádios e jornais, que surgiu a
figura do historiador público.

Quanto à Alemanha, o quadro é um pouco mais delicado. Nesse contexto, a


História Pública foi cunhada por Jürgen Habermas para discutir o nazismo e
o holocausto na querela dos historiadores, um movimento composto por
intensos debates nos meios digitais, em que alguns historiógrafos,
conhecidos como “negacionistas”, denegavam ou relativizavam o
holocausto. E, por outro lado, havia os que defendiam que a experiência em
questão não só deveria ser entendida como um “acontecimento real”, mas
também como um evento que precisaria ser sempre lembrado para que
nunca mais viesse acontecer novamente.

Ainda de acordo com Cerri, durante os primeiros anos da História Pública,


os historiadores das universidades demonstraram preconceito com a
modalidade, opondo claramente em suas publicações o que chamavam de
“A” História acadêmica x “a” história pública. Hoje este preconceito vem
sendo abandonado pela academia, uma vez que os programas passaram a
pensar em História Pública como o estudo dos espaços onde as pessoas
mais se informam sobre História, como os jornais e as grandes mídias. E
por quê? Porque esses veículos são representantes de interesses privados,
portanto, não são narrativas isentas, mas produtores de um saber histórico
intencional e muito eficaz. Aliás, é preciso reconhecer que, no mundo das
mídias, o saber histórico modifica a opinião pública, o que, por sua vez,
ocorre na esfera pública.

Fig. 2

https://www.google.com/search?
q=seu+professor+de+historia+mentiu&rlz=1C1SQJL_pt-
BRBR786BR786&oq=o+seu+professor+de+his&aqs=chrome.1.69i57j0l4.55
70j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8

Falaremos brevemente de três exemplos de História Pública aqui no Brasil:


A História Pública na TV, A História Pública na Internet e, por último, A
História Pública nos “guias politicamente incorretos”.
Começaremos com a História Pública na TV. Na comemoração dos 500 anos
do descobrimento do Brasil, em 2000, houve distribuição de relógios em
todas as capitais. Esta atitude aparentemente trivial, aos olhos da História
pública, pode ser vista da seguinte maneira: para nossas mídias, a
cronologia europeia da nação é a que vale, afinal, comemorar os 500 anos
de um território ocupado séculos antes nada mais é do que reforçar a nossa
identidade como colônia. Ademais, durante as transmissões foi possível
notar que o nosso “descobrimento” nada mais era do que uma festa
particular da TV Globo, elaborada com uma caravela malfeita e repleta de
autoridades e famosos, mas com os índios, os negros e os movimentos
sociais privados da entrada. Novamente, através do prisma da História
Pública, até mesmo uma simples festa pode ser lida como um ato político
que mexe com as nossas emoções, além de revelar o “currículo oculto” da
nossa nação: um projeto fracassado das elites, uma festa exclusiva, na qual
os subalternos estão permanentemente excluídos.

A História Pública na Internet é a que hoje mais preocupa os especialistas.


Para se ter uma ideia, a Wikipédia é o quinto website mais acessado do
mundo e grande parte dos nossos estudantes já utilizaram a plataforma
com fins acadêmicos. O que é mais evidente ainda nas escolas! Não é nosso
intuito aqui debater o conteúdo dos artigos, afinal, existem bons e maus
verbetes em qualquer enciclopédia. Nosso foco na Wikipédia reside no fim
da noção de autoria, e, um país em que a maior parte dos eleitores
brasileiros provaram se informar por meio da internet, a não autoria
representou uma desculpa para a não utilização de autoridades para
sustentar um argumento. Mas isso é tão grave assim? Acreditamos que
duas imagens respondem à pergunta:

Fig. 3

https://www.dn.pt/mundo/interior/video-no-youtube-faz-aumentar-
numero-de-pessoas-que-acreditam-que-a-terra-e-plana-10590110.html

Fig. 4

https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/13/politica/1536853605_958656.ht
ml

Por fim, A História Pública nos “guias politicamente incorretos”. É inegável o


interesse em livros de História nos últimos anos e a publicação de Narloch é
o principal exemplo desse despertar. De uma forma geral, avaliando as
obras do jornalista, como historiadores, podemos apontar alguns problemas
metodológicos, como a leitura que faz das fontes sem nenhuma crítica. Mas
essa aqui não é o nosso interesse. Aos olhos da História Pública, essas
“leituras erradas”, por assim dizer, são vistas como “propaganda de
preconceitos”. Para Narloch, os índios eram preguiçosos, bêbados e hostis.
Ademais, não houve genocídio indígena, mas apenas a miscigenação, ou
seja, eles “sumiram” porque tiveram o seu sangue diluído com o do europeu
e o africano. Quanto aos negros, o autor afirma categoricamente que Zumbi
era um assassino e, portanto, não é um homem digno de louvor por parte
do movimento negro. E mais, os escravos foram os verdadeiros escravistas
e se conformaram com a escravidão, e por isso, deveriam reconhecer que
abolicionismo é uma dádiva dos brancos, no caso, dos ingleses.

Não é preciso dizer que este tipo de versões públicas do passado têm
consequências políticas:

Fig. 5

https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,mourao-liga-indio-a-
indolencia-e-negro-a-malandragem,70002434689

Fig. 6

https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,meu-neto-e-um-cara-
bonito-viu-ali-branqueamento-da-raca-diz-mourao,70002535826

Enfim, é evidente que a História tem um uso público. Este uso é empregado
geralmente para justificar decisões graves, como golpes de Estado,
nacionalismos exacerbados, fascismo, guerras e crimes contra a
humanidade. Pode ainda servir para dividir o ônus da culpa, converter
opressores em vítimas, criminalizar revoluções, movimentos e as visões de
mundo de esquerda, por isso, é preciso ao historiador moderno estar apto a
ajudar as pessoas a compreender as mais diversas narrativas históricas em
nosso cotidiano, principalmente objetivando evitar o fascismo. Os
historiadores da história pública têm como referências básicas a defesa da
democracia, dos direitos humanos e dos direitos civis. Eles não podem
deixar de incorporar temas da pseudo-história e das teorias conspiratórias
às suas pesquisas e cursos, pois esquecimento e a desqualificação do
passado são estratégias liberais para atomizar ainda mais o cidadão. Afinal,
o presente não se explica a partir de sim mesmo.

Visto isso, nossa missão é rumar em direção ao estudo da História Antiga


Pública, em especial, como o cinema e a TV se apropriaram de uma imagem
idealizada de Roma durante muito tempo, fundamentando, assim,
“preconceitos históricos”.
Breve história da História Antiga
Georges Duby, em Un nominaliste bien tempere, afirma que “cada época
constrói, mentalmente, sua própria representação do passado, sua própria
Roma e sua própria Atenas”.

De acordo com Guarinello em Uma Morfologia da História: As Formas da


História Antiga, isso ocorre, em partes, porque a História científica é
composta por campos autônomos, ou seja, fôrmas, como a Antiga e a
Medieval, com metodologias, generalizações e modelos próprios que, por
sua vez, a diferem das outras maneiras de se contar o passado.

Os primeiros autores a fazerem uma História Antiga científica viveram nos


séculos XVIII e XIX. O primeiro foi Edward Gibbon, seguido de Theodor
Mommsen e de George Grote. Homens que estavam interessados em uma
História feita por homens, aqueles que haviam atuado no centro do Estado,
seja na política ou nos exércitos. O século XIX também foi o cenário dos
nacionalismos, da centralização dos governos nas mãos de uma elite que
pretendia guiar às nações rumo à civilização, esta entendida, em partes,
pela manutenção dos valores atribuídos por eles à Antiguidade Clássica,
como a simetria, a ordem e a “branquitude” de seus monumentos. Basta
atentarmos para o Fórum Romano de Becchetti:

Fig. 7

http://eecarter.com/wordpress/wp-
content/uploads/2017/04/darkheart2.jpg

Na segunda metade do século XIX e no início do XX a História Antiga


encontrou-se com a antropologia, a economia e a sociologia para
compreender as origens da cidade ocidental. A antropologia é notada na
obra A cidade antiga, de Fustel de Coulanges, a economia nos escritos de
Karl Marx sobre as Formas que precedem a exploração capitalista e,
finalmente, a sociologia dA Cidade, tal como vista por Max Weber. Na
mesma época, também houve a influência dos debates imperialistas que
passaram a ver os conceitos de helenização e romanização como missões
civilizacionais. É o que notamos nA romanização da Bretanha romana, de
Francis Haverfield, e na História da Gália, de Camille Julian. A romanização
foi um tema recorrente nas produções artísticas a respeito de Roma e ela
serviu por muito tempo para justificar a superioridade dos romanos em
relação aos bárbaros, assim como a dos europeus em relação ao mundo. Os
não romanos, assim, passaram a ser animais selvagens que atacavam a
“pureza” da civilização. É o que notamos no quadro O saque de Roma pelos
bárbaros em 410, de Joseph-Noël Sylvestre (1890).
Fig. 8

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/a0/Sack_of_Ro
me_by_the_Visigoths_on_24_August_410_by_JN_Sylvestre_1890.jpg/800p
x-
Sack_of_Rome_by_the_Visigoths_on_24_August_410_by_JN_Sylvestre_18
90.jpg

A segunda metade do século XX ficou marcada pelo debate entre os


modernistas e os primitivistas. Os primeiros acreditaram que as sociedades
antigas eram muito semelhantes às nossas e os segundos defendiam o
oposto. Os modernistas foram fortemente influenciados pelas ideias de Marx
e da História econômica e buscavam estudar o conflito de classes ou a luta
entre exploradores e explorados. Os maiores expoentes são Michael
Rostovtzev, autor do livro a História social e econômica do Império
Romano, Ste. Croix, em A luta de classes na Grécia Antiga do período
arcaico à conquista árabe, e Andrea Carandini, em Sociedade romana e
produção escravista. Os primitivistas, ao seu turno, podem ser entendidos
como discípulos de Moses Finley, que defendia o estudo do mundo antigo a
partir das suas próprias categorias, as quais foram estudadas em obras
prestigiadas, como A economia antiga, Democracia antiga e moderna e
Escravidão antiga e ideologia moderna, sempre procurando separar o antigo
do moderno.

Com a queda do muro de Berlim na década de 1980, o Ocidente entrou em


crise. As colônias deixavam a sua antiga condição subalterna e as
identidades antes consideradas superiores foram questionadas. Nesse
contexto, Martin Bernal escreveu A Atena negra: as raízes afro-asiáticas da
civilização clássica e Johathan Hall compôs A identidade étnica na
Antiguidade Grega, provando que a Hélade era um conjunto de diversas
cidades, com identidades distintas. E o mesmo vale para o império romano,
ele deixou de ser percebido como uma unidade genética de caucasianos e
começou a ser visto pelo prisma da diversidade. É o que notamos na
seguinte representação do imperador Septímio Severo, acompanhado de
sua mulher e filho, na qual não esconde a sua origem africana:

Fig. 9

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/10/Septimussev
erustondo.jpg/220px-Septimusseverustondo.jpg
Ao mesmo tempo, as modernas tecnologias de análise permitiram observar
que, para além da “branquitude” racial, a edílica também era uma invenção
dos homens posteriores. As análises dos pigmentos em Pompeia e na
estatuária revelou uma cidade muito mais diversa e colorida, tal como
podemos observar nesta releitura do Augusto de Prima Porta:

Fig. 10

https://cdn.acidcow.com/pics/20160726/antique_statues_04.jpg

Nos anos 2000, a História Antiga foi influenciada pela era da internet. Por
causa dela, conceitos como conectividade, identidade e mundialização
fundamentaram pesquisas que olhavam para o mediterrâneo como um
mundo conectado. Os três principais autores dessa guinada são Peregrine
Horden e Nicholas Purcell, com o livro O mar corruptor, e o arqueólogo Ian
Morris, o qual cunhou o termo Mediterranização para descrever as
sociedades antigas. Como exemplo, trazemos uma imagem de um
sarcófago egípcio feito para um romano:

Fig. 11

https://hucipher.files.wordpress.com/2015/04/3adc815c3d602fd6560afc7cb
befe5b3.jpg

Veremos, agora, como o cinema se apropriou de uma imagem idealizada de


Roma e de Grécia durante muito tempo, fundamentando, assim,
“preconceitos históricos” muito importantes de serem apontados pelos
pesquisadores: a supremacia do “branco” nessas sociedades.

Avaliando a História Antiga Pública


É fato que convivemos com as mais diversas versões de eventos
importantes. E o mesmo vale para a antiguidade greco-romana. Ela, por
muito tempo, foi tida da mesma maneira que os intelectuais do século XIX a
representaram: sob os signos da civilização e da branquitude.

Fig. 12

http://4.bp.blogspot.com/-grJxgX26vPw/UVSK70jPuUI/AAAAAAAAG2Q/P2-
o8Og6iXc/s1600/filmes-imperio-romano.jpg
Como nosso espaço é limitado, a nossa análise contemplará quatro
produções cinematográficas contemporâneas: Gladiador (2000), Troia
(2004), Roma (2005) e Troia (2018). O motivo? Elas, além de serem mais
acessíveis ao público geral, são as que os professores geralmente escolhem
para comentar em suas aulas. E, como vimos, se essas versões públicas
não forem colocadas à crítica, podem servir como sustentáculos de
“preconceitos históricos” ou como um bom material para trabalhar com os
alunos outras visões sobre o passado. Cabe dizer também que nos
resguardaremos a comentar os filmes de maneira direta, justamente por
causa do espeço concedido para este artigo, deixando ao leitor a
responsabilidade de se informar sobre os fatos mais triviais sobre tais
produções. Para tanto, dividiremos a sequência desta exposição em dois
momentos, cada um contemplando dois filmes. Os dois primeiros filmes,
contemplados no primeiro bloco, são os que consideramos como portadores
do “preconceito histórico” da branquitude, já, os dois últimos, são
justamente as produções que atacam tal preconceito.

Começaremos com o filme Gladiador. O que nos chama a atenção neste


filme, no que tange o preconceito da branquitude, é que, apesar dos
milhões de dólares investidos em cenários e na reconstrução digital de
Roma, os monumentos do Fórum e o Coliseu são tidos como desprovidos de
cor, acentuando-se, assim, a mesma visão de Roma, tal como defendida
pelos teóricos do século XIX. Vejamos o Coliseu:

Fig. 13

https://i.pinimg.com/originals/1c/95/35/1c9535b398b74f2fdc0f231fcd2b66
46.jpg

Hoje, a moderna arqueologia nos revela que tanto as paredes do Anfiteatro


Flaviano estavam cobertas de vermelho, com blocos vermelhos e brancos
de travertino e trechos de azurita em gesso. Ademais, a construção era
acompanhada de um velarium, um tipo de telhado retrátil, que também era
colorido, para proteger os expectadores do tempo:

Fig. 14

https://www.boothbayregister.com/sites/default/files/2017/05/field/image/
velarium.jpg

O filme Tróia, por sua vez, padece desse mesmo preconceito. Além da
escolha de personagens tipicamente caucasianos, como Brad Pitt e
Diane Heidkrüger, para interpretarem personagens do mesmo mundo
estudado por Bernal, e localizado ainda por cima na Ásia menor, a película
também representa uma Troia, digamos “clássica”, com seus monumentos
sem cor, tal como se fossem a Roma do século XIX:
Fig. 15

http://arquivo.cinemaemcena.com.br/uploads/filme/cache/980-586-
resize/filmes-1916-fotos-6837.jpg

O contraponto é a série de TV mais recente, lançada em 2018, pela Netflix,


que leva o mesmo nome, Troia. Nela, sim, percebemos o mundo antigo de
Bernal colocado em prática, no que tange a preocupação demonstrar as
raízes afro-asiáticas da cultura grega. Podemos considerar esta série,
portanto, um ótimo instrumento para combater o “preconceito histórico” da
“branquitude”, principalmente se atentarmos para a escolha do ator para
interpretar o Aquiles: David Gyasi.

Fig. 16

https://pmcvariety.files.wordpress.com/2017/12/david-gyasi-achilles-
cropped-1.jpg?w=1000&h=563&crop=1

E não fica nisso. Zeus também é representado por um ator negro, Hakeem
Kae-Kazim, jogando por terra as inúmeras representações pictóricas do
velhinho de barbas, roupas e pele claras, soltando raios:

Fig. 17

https://i2.wp.com/maisminas.org/wp-content/uploads/2018/04/zeus-em-
troy.jpg?resize=620%2C413&ssl=1

Esta série pode ser considerada muito mais próxima daquilo que é
defendido pelas pesquisas acadêmicas mais recentes acerca do mundo
antigo, tal como estudamos no tópico anterior. Todavia, voltando ao papel
da História pública, podemos perceber que a imagem de uma Antiguidade
totalmente “branca” ainda é considerada como a “verdadeira” pelo público
em geral, haja vista as polêmicas colecionadas pela divulgação desta
produção, os gregos não podem ser vistos de outra maneira:

Fig. 18

https://pipocamoderna.com.br/2018/02/serie-sobre-guerra-de-troia-lidera-
audiencia-e-vira-polemica-racial-no-reino-unido/

A respeito dessa polêmica,


“Em ‘Racismo na Grécia e em Roma’, Beard explica que ambas as
sociedades desconfiavam dos estrangeiros, e eventualmente os
desprezavam. ‘Mas não se preocupavam muito com a cor da pele’, diz”. (In:
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/27/internacional/1501148623_366
673.html).

Na verdade, o fato de suprematistas brancos atualmente se preocuparem


em refutar toda e qualquer ideia de diversidade étnica das sociedades
clássicas, para Beard, diz mais sobre o mundo de hoje do que a respeito de
como os antigos lidavam com isso.

Por último, a série Roma da HBO. Essa produção é importante para este
texto porque nos oferece uma visão da cidade de Roma bem diferente
daquela encontrada nas representações do século XIX e em produções,
como Gladiador. Na trama, temos uma cidade com cores muito vivas, com
lixo nas ruas, uma representação muito distante de uma Roma harmônica,
linear e, sobretudo, branca.

Fig. 19

http://www.1zoom.me/prev2/126/125791.jpg

Considerações finais

A História Pública da Antiguidade opera dentro de uma lógica racial e sobre


a política do embranquecimento. O modo pelo qual observamos o mundo é
reeditado, recriado e produz subjetividades. A construção da lógica racial
nas representações imagéticas e fílmicas de Roma faz-nos compreender o
engendramento entre a política do branqueamento e os modos de incidência
do racismo na subjetividade negra e branca na contemporaneidade. O Brasil
é um país que vive o racismo estrutural sustentado na hegemonia da
brancura, uma brancura que, como vimos, pode ser justificada
“historicamente” dentro das civilizações mais importantes para a formação
do mundo ocidental, a saber Grécia e Roma. Isso marca privilégios por
parte da população branca e inviabiliza o acesso da população negra, em
amplo aspecto, à sua justa parcela de povos e etnias que sempre estiveram
presentes na construção das sociedades antigas.

Referências bibliográficas
Ana Lucia Santos Coelho é Doutoranda pela Universidade Federal de Ouro
Preto.
Ygor Klain Belchior é Doutor em História Social pela Universidade de São
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