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ISSN 0104-6551
3 Indígena
19
A Escola de Aprendizes Artífices no Estado da
Paraíba: Processos Disciplinares e de
Reordenamento para o Trabalho Assalariado no
Nordeste (1910-1940)
20
Avaliação da Atuação dos Professores de 2º
Grau nas Disciplinas de Matemática, Química,
Física e Biologia na Microrregião do Médio Vale
do Itajaí/SC
21
RELATOS DE PESQUISA
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A Supervisão Escolar e o Processo de
Alfabetização: um Estudo de Caso em uma
Escola Pública de Porto Alegre
24
Educar, Instruir e Civilizar: Contribuição à
História da Educação Infantil em Minas Gerais
25
O Estágio em Quatro Tempos
26
Proposta de Ensino de Química Compatível
com as Características das Cidades Periféricas
da Grande Porto Alegre
27
Características da Pesquisa Educacional: Chile,
México, Estados Unidos e Brasil
28
Recursos Financeiros e Educação no Poder
Público Municipal: o Caso de Belo Horizonte
Ministério
da Educação
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
Luiz Inácio Lula da Silva
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Fernando Haddad
SECRETARIA EXECUTIVA DO MEC
José Henrique Paim Fernandes
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA
Reynaldo Fernandes
DIRETORIA DE TRATAMENTO E DISSEMINAÇÃO DE INFORMAÇÕES EDUCACIONAIS
(DTDIE)
Oroslinda Maria Taranto Goulart
O Estágio em Quatro Tempos*
*
Publicado originalmente na Série Documental/Relatos de Pesquisa n. 25, maio de 1995, como artigo-síntese, exigência do convênio
firmado entre o Inep e a Universidade de São Paulo (USP).
**
Universidade de São Paulo (USP).
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responsabilidade de construir um histórico de exercício como modelo. O estágio consistia, pois
cada uma destas práticas de ensino. numa instância de aprendizagem reprodutora do
ensino já existente. Aprendia-se com os que
Cada um deles contava entre 20 e 30 anos supostamente sabiam fazer.
de trabalho na casa e com esta disciplina, o que
lhes confere a condição de participantes desta As vicissitudes decorrentes desta prática
história. A segunda par te, compreende revelaram que nem os supostos modelos eram
resultados desta pesquisa bem como tão exemplares a ponto de poderem ser tomados
constatações decorrentes do próprio processo como tal, nem o exercício de dar aulas através
de pesquisa no/do ensino. da regência era possível de ser realizado pelo
aluno estagiário em quantidade suficiente e
situação adequada, para auferir dele os
PANORAMA GERAL DOS ESTÁGIOS NA USP: predicados pedagógicos necessários à disciplina
QUADRO DE REFERÊNCIA Prática de Ensino e Estágio exigidos por uma
formação competente.
As características nor teadoras dos
Tais constatações encaminharam a
estágios na USP apreendidas através de
proposta de criação de um Colégio de Aplicação,
consulta a documentos e de entrevista com a
organizado especialmente para atender aos
professora doutora Amélia Americano Domingos
estagiários do curso de licenciatura da USP.
de Castro possibilitam a construção de uma
Deveria assumir características de um centro
periodização, tomando-se como critério de corte
experimental de estudos e pesquisas sobre
as diferentes concepções que serviram de
ensino, que contemplaria, ao mesmo tempo, uma
suporte à realização dos mesmos ao longo do
dupla possibilidade: possibilitar aos alunos de
tempo de existência do curso de licenciatura, na
Didática Especial assumirem o exercício
Universidade de São Paulo.
docente durante a sua formação; possibilitar os
A disciplina Prática de Ensino e Estágio professores do sistema de ensino virem aí
Supervisionado surge em 1963, em substituição realizar estágios, funcionando, então, o colégio
à disciplina Didática Especial. como um centro de irradiação de inovações e
aprimoramento no campo da educação.
Data de 1941 a instalação das “cadeiras”
de Didática Geral e Didática Especial Passou-se, assim, da “busca do modelo”
(substituídas, em 1963, respectivamente, pelas à sua criação. O Colégio de Aplicação é o marco
disciplinas Metodologia Geral de Ensino e Prática da passagem de uma concepção de estágio a
de Ensino), funcionando junto à então Faculdade outra, delimitando o início de um segundo período.
de Filosofia, Ciência e Letras. Criado em 1957, apenas em 1960 começa a
funcionar enquanto tal. Criadas as condições
O estágio surge como atividade obrigatória especiais para a realização do ensino, foi
junto à cadeira de Didática Especial, introduzida marcado, como as demais escolas experimentais
por professores que vieram do Insituto Caetano da década de 60, por uma forte dose de
de Campos e que haviam trazido estas idéias “idealização” que dificultava, ou mesmo impedia
dos Estados Unidos. Deveria ser realizado sob a pretendida irradiação de influências sobre o
as modalidades de observação, co-participação sistema de ensino inclusivo. Entendido como uma
e regência. Segundo Americano, uma concepção instância formadora com capacidade de
artesanal do exercício da profissão sustentava interferência na realidade educacional então
esta modalidade. O artesão (o professor já em vigente, viu-se prejudicado pela sua própria
exercício) era incialmente observado e forma “ideal” de organização. Também não deu
acompanhado de perto pelo aprendiz no seu conta de atender à demanda de estágios com
local de trabalho. A seguir, o aprendiz seria regência efetiva do total de alunos que
diretamente iniciado no ofício, assumindo a freqüentavam a cadeira de Didática Especial do
regência de uma ou algumas aulas. Prevalecia a curso de licenciatura da USP. Todavia, a qualidade
idéia de que o estágio tomaria o professor em dos trabalhos ali desenvolvidos deixou marcas
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em professores e alunos que participaram da de aprendizagem adequada ao desenvolvimento
experiência cujos desdobramentos posteriores de habilidades e capacidade de ensino do
é necessário pesquisar. O Colégio de Aplicação estagiário através da construção de relações
foi desativado em 1968, por injunções políticas. entre teoria e prática existencial, vivencial, no
nível do real. A sala de aula das escolas de 1º e
Em 1969, assiste-se à Reforma 2º graus é, nesta perspectiva, um espaço de
Universitária e, em 1970, tem início a Faculdade experiência e/ou aplicação em alguma medida
de Educação que assume uma organizagão da teoria científica trabalhada na universidade.
departamental. E o Departamento de Metodologia
de Ensino e Educação Comparada que acolhe A administração do estágio supervisionado,
as disciplinas Didática Geral e Prática de Ensino segundo o Artigo 4º do regulamento de 1974,
e Estágios Supervisionados. Esta forma de passa a ser exercida:
organização departamental. subsiste até hoje,
assim como as duas disciplinas. I. Pelo professor coordenador da área de
Prática de Ensino.
O regulamento dos estágios II. Pelos professores de Prática de
supervisionados da disciplina Prática de Ensino, Ensino.
de 1974, da Faculdade de Educação, registra nos III. Pelo Serviço de Coordenadoria de
seus dispositivos novo direcionamento do Estágios.
estágio para as situações reais do ensino,
constatáveis principalmente nas escolas da rede O Serviço de Coordenadoria de Estágio
pública como se depreende do seu artigo 1º : passa a coordenar o Plano Anual Geral de
Estágios da Faculdade de Educação, exercendo
O estágio supervisionado tem por objetivo o controle burocrático.
geral propiciar ao estudante experência
profissional. Os professores de Prática de Ensino
responsabilizam-se pela organização dos estágios
O estágio supervisionado visa especificamente
levar o estudante a: de suas respectivas disciplinas. A enorme
diversidade das realidades de ensino das diferentes
– relacionar a teoria e a prática em situação
disciplinas que compõem o currículo das escolas
real (Inciso III, Parágrafo único, Artigo 1º);
de ensino médio (atual 1º, 2º graus) da rede oficial,
O Artigo 2º que estabelece as atividade a as peculiaridades muito específicas que
serem desenvolvidas no estágio, e seguido de acompanham estas diversidades e principalmente
Parágrafo único em que se lê: o descompromisso das instituições de 1º, 2º e 3º
graus envolvidas, têm dificultado a elaboração
Entre as atividades... deverão obrigatoriamente de um plano de estágio consistente que sirva
ser incluídas aquelas que proporcionam o contato de base para a elaboração de uma política de
do estudante com as escolas da comunidade. estágios da Feusp que garanta um mínimo de
formação inicial ao nosso formando.
O Artigo 3º estabelece que:
Este seria o produto esperado, ou pelo
O estágio supervisionado será realizado em
menos desejado do trabalho de coordenação; de
estabelecimentos da rede oficial do ensino
estadual ou municipal que permitam estas
um lado, os serviços da Coordenadoria de
atividades e, excepcionalmente, em escolas Estágios, e de outro, os trabalhos dos
particulares. professores das diferentes práticas de ensino
(estas compreendendo subáreas como a de
O movimento de deslocamento do práticas de ensino de línguas, prática de ensino
estagiário do “modelo criado” para a sua inserção de Ciências Humanas, prática de ensino de
na situação real do ensino realizado Ciências Físicas e Biológicas, etc.).
primordialmente nas escolas oficiais anuncia a
passagem para uma terceira concepção de Este modelo de estágio, todavia, continua
estágio. E agora entendido como uma instância gerando muitas insatisfações. A principal delas
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decorrente de um descompromisso de fato entre Geografia, de Ciências Sociais, com a
as instituições envolvidas – universidade e expectativa de colaborar de maneira mais
escolas de 1º e 2º graus. Diante desse precisa e eficiente na requalificação dos cursos
descompasso, a qualidade dos estágios que vêm de formação de professores, nos dias de hoje e
se realizando tem ficado entregue ao empenho, nos que estão por vir, e para os quais a presente
interesse e boa vontade dos professores das pesquisa apresentará dados a serem
PREs e de seus alunos. considerados.
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escola, na situação de ensino. Concretiza-se, Segundo os alunos, o estágio foi identificado
desta maneira, uma forma possível de “preparação como a “espinha dorsal” da disciplina Prática de
para o pleno exercício da cidadania”, treinada de Ensino, coincidindo com a percepção dos
maneira “vivencial” enquanto alunos-mestres, o professores, segundo a qual a disciplina se baseia
que sugere a realização da mesma, também de no estágio coordenado, mas extrapola a ele.
maneira “vivencial”, no exercício da profissão de
professor, para a qual se preparam. Didática foi a disciplina que apareceu com
melhor posição relativa no conjunto das demais
Os alunos freqüentemente agradeceram, disciplinas do curso de licenciatura, no que se
em seus depoimentos, a oportunidade de serem refere à relação que mantém com o estágio
consultados/revelando de um lado, a alegria, o organizado pelas práticas de ensino de Ciências
prazer de se sentirem sujeitos de seus cursos, Humanas.
e, de outro lado, uma visão, ainda não de todo
clara, de que isto é um direito que devem As disciplinas Prática de Ensino e Didática
insistentemente reivindicar numa sociedade destacaram-se como eixo do curso de
democrática. licenciatura na perspectiva de alunos e
professores.
O que coloca, para nós, professores, a
consideração necessária na organização de Estas constatações permitem-nos
nossos cursos, do papel didático-pedagógico das considerar o próprio estágio como eixo do curso
práticas de pesquisa do/no ensino que se de licenciatura, embora na atual forma de
pretende suporte para o “pleno exercício da organização se apresente como mola mestra
cidadania”. apenas das disciplinas Didática e Prática de
Ensino.
Como problemática desta experiência
frutífera que mescla docência/ciência no A natureza dos trabalhos que vêm sendo
processo didático fica, para nossas realizados com o estágio nas práticas de ensino
considerações, o fato de que tal procedimento de Ciências Humanas pesquisa a História, a
foi possível por contar com um apoio financeiro Geografia e a Sociologia e sinaliza também para
que, ainda que pequeno, em face às a relação docência/ciência na prática
necessidades que se instauram, permitiu ainda pedagógica. Etapas do trabalho de pesquisa
que com grandes dificuldades (resolvidas, graças como elaboração de hipóteses de trabalho, coleta
a “muitos empenhos pessoais”) dar continuidade de dados, análise e interpretação de dados
às tarefas que daí decorrem. Para o professor, coletadas a partir de teorias, realizam-se na
tal procedimento implica, seguramente, didática dos estágios, providenciando, pelo
multiplicação de tarefas, que carecem de menos, a formação de uma atitude científica em
infraestrutura institucional, para poderem se nossos formandos, no exercício da docência.
instaurar como característica da organização Cuida-se, desta maneira, de inserir, de alguma
didática do curso. medida, procedimentos científicos nos padrões
de conduta profissional docente. Desloca-se, de
Os resultados da pesquisa apontam o alguma maneira, o papel docente das amarras
estágio como atividade integradora de de modelos previamente determinados por
aprendizagem decorrente das diferentes teorias e cristalizados em condutas deslocadas
disciplinas do curso de licenciatura e do curso das realidades educacionais, nas quais o papel
de origem, na perspectiva dos alunos. Na de professor deve adquirir os seus contornos
perspectiva dos professores, esta qualidade adequados; começa-se a atribuir às teorias o
integrativa realiza-se ainda que de modo parcial. papel que realmente devem ter, de instrumentos
Mas, a perspectiva dos professores sobre os de análise de realidades educacionais e de
estágios potencializa a propriedade de “integrador referenciais para a organização de atuações
de aprendizagens” a ele atribuída pelos alunos, práticas condizentes com as hipóteses de
bem como sua “qualidade formativa frente à trabalho construídas para uma dada situação;
capacitação profissional”. introduz-se, ainda que muito modestamente, a
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flexibilização da conduta profissional docente, na configura-se como um recurso de construção de
direção do professor autônomo, indagador de sua cursos que providencia e suporta um possível e
prática, criador de procedimentos teoricamente novo tipo de organização de cursos de formação
embasados, não escravo de receitas. de professor – uma organização em processo –
que admite e administra a historicidade desses
Trata-se, é verdade, de passos iniciais num cursos, ao mesmo tempo em que promove a
longo caminho que tem por meta a formação de formação continuada (ou formação em serviço
uma “atitude científica dos profissionais do do docente) e desencadeia novas relações de
magistério”. Passos trôpegos que apontam um trabalho entre universidade e escolas de 1º e 2º
caminho fértil que apenas se concretizará a partir graus.
de indispensáveis apoios institucionais.
Desta maneira, a crise dos paradigmas
Nesta perspectiva, redefine-se, pois, o nas Ciências Humanas, enquanto momento fértil
papel da ciência no ensino e vislumbra-se a de rediscussão e análise de seus métodos,
redefinição do papel da pesquisa do ensino. De encontra na educação o seu correspondente, e
controle de qualidade de um modelo prévio e nos estágios, na formação de professores, o seu
arbitrariamente construído (no sentido em que campo específico.
freqüentemente tal construção não leva em conta
as próprias competências profissionais do Por tudo isso, acreditamos estar vivendo o
professor e as condições em que realizam o limiar de um quarto tempo promissor, nesta
modelo proposto), a pesquisa do ensino trajetória, cujo estudo cumpre a nós aprofundar.
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O Estágio na Formação de Professores: Unidade
entre Teoria e Prática?*
*
Publicado originalmente na Série Documental/Relatos de Pesquisa n. 25, maio de 1995, como artigo-síntese, exigência do convênio
firmado entre o Inep e a Universidade de São Paulo (USP).
1
O Centro de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (Cefam) é um projeto formulado por educadores brasileiros com o apoio do
MEC (1983) e que vem se desenvolvendo em alguns estados do país.
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o que isso significa? Será que estamos diante presente nos cursos de formação de
de mais uma “teoria”? De mais uma novidade? professores, percebemos que essa atividade
É possível essa unidade? Será que já ocorre? estava presente sob o nome de prática de ensino.
Assim, a investigação se direcionou para captar
Com esse questionamento é que o conceito de prática. Como esse conceito se
realizamos a pesquisa. Os resultados a que fazia presente nos cursos? Percebemos que, de
chegamos pretendem ser uma – apenas uma – alguma maneira, a preocupação com a prática
contribuição, pois o questionamento permanece, esteve presente nos cursos de formação desde
necessitando de novas pesquisas e novos as suas origens. Para investigá-la decidimos
olhares sobre os dados que aqui dispomos. tratar o conceito de prática sob forma de uma
periodicidade da institucionalização do Curso
No presente ar tigo, privilegiamos a Normal. Inicialmente consideramos, nos anos
apresentação do nosso olhar sobre os dados de posteriores a 1930, as legislações estaduais. Nos
campo. Para que pudéssemos “olhar” essa anos que se seguem, de 1940 a 1960, a Lei
realidade e nela garimpar os germes indicadores Orgânica do Ensino Normal e a Lei de Diretrizes
da unidade teoria e prática, fez-se necessário e Bases da Educação Nacional. Nos anos 70,
ampliarmos nossa visão com certas Ientes tomamos por base a Lei nº 5.692/71 e, nos anos
teóricas” que permitissem uma ultrapassagem da 80, evidenciamos o movimento da crítica (e de
miragem contemplativa e da visão empirista e propostas) dos educadores. Em todos esses
mecânica. Essas Ientes teóricas” compõem-se períodos procedemos a uma análise teórico-
da revisão histórico-contextual sobre o curso de historica, captando nos respectivos contextos as
formação no Brasil, no período dos anos 30 aos contradições presentes entre as legislações e a
80, e da visão dos educadores que têm se realidade dos cursos.
preocupado com o tema. Assim, foi possível
captarmos os vários conceitos de prática que Assim, foi possível chegar a algumas
perpassam os cursos. A síntese deles está na conclusões:
primeira parte deste artigo. Também compõem
essas Ientes teóricas” as interpretações de – O estágio (ou a prática de ensino) em
estudiosos sobre a questão da unidade entre nenhum momento foi considerado desnecessário
teoria e prática, especificamente sobre como se como elemento formador, tanto que sempre
faz presente epistemologicamente na Pedagogia, esteve presente com denominações variadas
ciência que estuda a educação como prática nos currículos dos cursos.
social, e na Didática, área da pedagogia que
– Nos anos 30 e especialmente nos 40, a
estuda a atividade de ensinar. O estudo dessas
finalidade primeira do ensino normal era,
contribuições está sintetizado na segunda parte
conforme a lei, prover a formação do pessoal
deste artigo.
docente necessário às escolas primárias, e a
A terceira parte dedicamos a apresentação prática, nele, está colocada como a imitação de
dos dados de campo e às interpretações que modelos teóricos existentes, bem como a
fizemos sobre os mesmos. observação de práticas bem-sucedidas. O
pressuposto era de que o campo da atividade
Nossa intenção é que provoquem novos docente (a escola primária) não apresentava
olhares sobre eles, pois “nada é fixo para aquele modificações internas significativas aos dois
que alternadamente pensa e sonha” (Bachelard, tipos de escola: a urbana e a rural. Assim, a
1991, p. 95). prática docente poderia ser aprendida através
da observação e reprodução de bons modelos.
OS CONCEITOS DE PRÁTICA NOS CURSOS – No entanto, examinando-se o que era a
DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES – UMA profissão de professor primário, qual o estágio
SÍNTESE de seu desenvolvimento e quem eram os
professores primários, percebe-se que, na
Ao iniciar o estudo procurando identificar verdade, o magistério não era uma profissão, mas
quando e como a atividade de estágio se fazia uma ocupação exercida por mulheres (embora
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não proibida aos homens), oriundas dos eventualmente poderiam ser tomadas como
segmentos economicamente favorecidos da referência à formação. Mas nestas estavam as
sociedade, e cuja característica marcante era crianças originárias dos segmentos sociais
ser uma extensão do lar, do papel de mãe e dominantes. A prática, portanto, consistia em
coerente ao de esposa. Era uma missão digna reproduzir os modelos de ensino considerados
das mulheres. Essas constatações, evidenciadas eficazes para ensinar aquelas crianças que
por pesquisas, foram propiciando que a Escola possuíam os requisitos considerados adequados
Normal que se ampliou e consolidou no país nos à aprendizagem. Essa “prática” culpabilizava a
anos 30 fosse desvirtuando a sua finalidade, para criança que não aprendia (a maioria) por seu
preparar suas alunas para o papel de mães e próprio fracasso.
esposas; a análise dos conteúdos curriculares
da época o evidenciam. Secundariamente, a – Nos anos 70, contraditoriamente ao
escola preparava para o exercício do magistério anunciado na Lei nº 5.692/71 que pretendeu a
porque, afinal, esse papel poderia substituir o de profissionalização no ensino médio, criando as
mães para aquelas mulheres que não se habilitações, entre as quais a do magistério, o
casassem. Ou, como ocorreu sobretudo nos que, em tese, poderia recolocar a dimensão do
anos 50 e 60, quando a mulher começou a ter mesmo como profissão, na realidade essa
necessidade econômica de trabalhar para habilitação não possibilitou uma colocação da
completar a renda familiar, uma vez que o prática (e da teoria) na formação de professores
trabalho dos maridos foi se deteriorando no (Candau, 1986. Pimenta e Gonçalves, 1990). No
interior do desenvolvimento econômico brasileiro. nível conceitual e curricular a prática ficou restrita
ao entendimento de uma instrumentalização, a
A prática, então, foi ficando teórica. Isto é, ser realizada em algumas disciplinas (Didática e
a prática que se exigia para a formação da futura Metodologias).
professora era tão-somente aquela possibilitada
por algumas disciplinas do currículo (prática Devido a vários fatores, entre os quais
curricular). A prática profissional como ressalta-se a persistência nos baixos salários,
componente da formação, sob forma de estágio o Curso Normal (agora Habilitação Magistério)
profissional, não se colocava como necessária, foi se distanciando cada vez mais da realidade
uma vez que, de um lado, não tínhamos da escola primária (agora séries iniciais de 1º
propriamente uma profissão e, de outro, grau), configurando os estágios como práticas
destinação das alunas da Escola Normal não era burocráticas. Daí o conceito de prática foi sendo
necessariamente o exercício do magistério. o de que “na prática a teoria é outra” – ou seja, a
denúncia de que o curso (“teoria”) não preparava
– Em fins dos anos 60, o distanciamento para o enfrentamento da problemática posta pela
entre a Escola Normal e a escola primária era a realidade do ensino primário ampliado, com uma
tal ponto que a nova realidade desta última, que nova e definida população, que estava a exigir
já contava entre seus alunos as crianças nova(s) teoria(s) e nova(s) prática(s) por parte
originárias dos segmentos mais pobres da dos professores. Mas a habilitação magistério
população, não estava servindo de referência configurou-se como um curso cada vez mais
para a formação teórico-prática das professoras. precário, incapaz de responder a essas
Conseqüentemente, foram se agravando os demandas.
índices de reprovação e de expulsão na escola
primária. Some-se a isso a persistência dos Ainda nos anos 70 houve tentativas. A
baixos salários do magistério configurando a prática poderia ser uma instrumentalização com
perda de status social e econômico dos técnicas novas e desenvolvimento de
professores, provocando a presença de pessoal habilidades para o trabalho em sala de aula.
improvisado nas escolas primárias. Chegou-se mesmo a uma certa sofisticação
técnica, porém desvinculada de análises mais
– Mantido o conceito de prática como o de globalizantes e carecendo de recursos
observação e reprodução de modelos, é de se financeiros para fazer frente a políticas massivas
indagar onde estavam estes – talvez nas escolas de expansão da escolaridade; conseguiu-se, de
“modelo” ou “padrão” ou “de aplicação”, que fato, maior distanciamento do real.
129
– Nos anos 80, a insatisfação entre os processos reais de ensino aprendizagem, isto
educadores frente a esse quadro impulsionou a é, dos processos que já existem, mas também
realização de pesquisas (Lelis, 1989) em no estudo das possibilidades de estruturação e
escolas, evidenciando a necessidade de revisão funcionamento de novas possibilidades (de
ensinar e aprender) docentes. (Contreras
por inteiro dos cursos de formação no que se
Domingo, 1990, p. 130)
refere à teoria e à prática. Daí um novo
entendimento (ou proposta?) de que a unidade A Didática, por sua vez, é uma das áreas
entre teoria e prática abriria possibilidades de da Pedagogia, ciência da educação. A educação
avanços para a melhoria da formação de é prática social que ocorre nas diversas instâncias
professores. Ou seja, no fazer pedagógico, o da sociedade. Seu objetivo é a humanização dos
“que ensinar” e o “como ensinar” devem ser homens, isto é, fazer dos seres humanos
articulados ao “para quem”, ao “para que” e em participantes dos frutos e da construção da
“quais circunstâncias”, expressando a unidade civilização dos progressos da civilização,
entre conteúdos teóricos e instrumentos do resultado do trabalho dos homens. Não há
currículo. Nessa perspectiva, o curso de educação a não ser na sociedade humana, nas
formação deve estar articulado à escola básica, relações sociais que os homens estabelecem
possibilitando um projeto no qual se articulem entre si para assegurar a sua existência.
explicitamente os conhecimentos e as
habilidades que uma professora deve possuir Relações sociais que não são unívocas,
para as segurar o ensino de qualidade, iguais, mas que expressam interesses
necessário à educação das crianças. desiguais, em conflito, em confronto. Que
entendem a humanização, pois, de modos
E o que significa unidade entre teoria e desiguais e que operam o processo de
prática? humanização (educação) conforme seus
entendimentos, seus valores, seus interesses.
UNIDADE TEORIA E PRÁTICA À Pedagogia, enquanto ciência da
educação, cabe conhecer e explicar os diferentes
Algumas aproximações ao tema
modos como a educação se manifesta enquanto
A essência da atividade (prática) do prática social, bem como contribuir para a
professor é o ensino-aprendizagem. Ou seja, é direção de sentido que se quer colocar para o
o conhecimento técnico, prático de como garantir humano. (Grifamos o termo contribuir porque
que a aprendizagem se realize em conseqüência entendemos que a Pedagogia é coadjuvante do
da atividade de ensinar. Envolve, portanto, o processo de humanização com as demais
conhecimento do objetivo, o estabelecimento de ciências e práticas sociais). A Didática enquanto
finalidades e a intervenção no objeto para que a uma área da Pedagogia trabalha na sua
realidade (não-aprendizagem) seja transformada, especificidade essa finalidade prática da
enquanto realidade social. Isto é, a aprendizagem educação, o que, por sua vez, é um dos
(ou não-aprendizagem) precisa ser determinantes do processo de ensino-
compreendida enquanto determinada numa aprendizagem, essência da atividade docente.
realidade histórico-social.
As dimensões de conhecimento e
A atividade docente sistemática e científica intencionalidade (atividade teórica) e as de
toma objetivamente (conhecer) o seu objeto interferência e transformação (atividade prática)
(ensinar e aprender) de modo intencional, não da atividade docente conferemlhe o sentido de
casuístico. atividade teórico-prática. Ou práxis.
A ciência que tem por objeto de estudo o Para explicar o conceito da atividade
ensino-aprendizagem é a Didática. docente como práxis, na qual a indissociação
teoria e prática é fundamental, recorremos a
Seu objeto consiste não apenas no Vásquez (1968), partindo do conceito de práxis
conhecimento da estrutura e funcionamento dos colocado em Maix e Engels (1986).
130
Para Marx, práxis é a atitude (teórico- E podemos acrescentar: um novo modo de
prática) humana de transformação da natureza ensinar.
e da sociedade. Não basta conhecer e interpretar
o mundo (teórico); é preciso transformá-lo Esse conceito não se reduz, mas inclui a
(práxis). Conforme Vásquez (1968, p. 117), atividade humana. Esta implica que os atos
dirigidos à transformação de um objeto ou
[...] a relação teoria e práxis é para Marx teórica situação se iniciem com um resultado idealmente
e prática; prática, na medida em que a teoria, concebido ou finalidade e terminem com um
como guia da ação, molda a atividade do resultado efetivo, real. Resultado esse não
homem, par ticularmente a atividade necessariamente idêntico ao prefigurado, mas
revolucionária; teórica, porquanto essa relação com certeza determinado por essa prefiguração
é consciente. e que incorpore alterações durante o processo.
Ou conforme Marx, na tese sobre Ou seja, a atividade humana se caracteriza
Feuerbach (Marx e Engels, 1986, p. 12): como produto da consciência, a qual prefigura
as finalidades da ação (atividade teórica).
A questão de saber se cabe ao pensamento
humano, uma verdade objetiva não é uma Finalidades que traduzem a posição que o
questão teórica, mas prática. E na práxis que o sujeito toma diante da realidade, pois que a
homem deve demonstrar a verdade (...)
finalidade é a expressão de certa atitude do
A doutrina materialista sobre a alteração das sujeito em face da realidade – é o objeto que o
circunstâncias e da educação esquece que as sujeito estabelece a partir do modo como lê e
circunstâncias são alteradas pelos homens e interpreta a realidade.
que o próprio educador precisa ser educado. Ela
deve, por isso, separar sociedade em duas Pelo fato de propor-se objetivos, o homem nega
partes – uma das quais é colocada acima da uma realidade efetiva e afirma outra que ainda
sociedade. não existe (Vásquez, 1968, p. 189).
131
atingindo-se o resultado que aquele prefigura ou independentemente do processo de sua
antecipa. Por isso, não se trata apenas de gestação e que se afirma ante o sujeito, isto é,
antecipação ideal do que está por vir, mas sim adquire vida independente da atividade subjetiva
de algo que, além disso, queremos que venha que o criou.
(Vásquez, 1968, p. 191).
O objeto da atividade prática é a natureza, a
Enquanto atividade de conhecimento e
teleológica, estamos sim procedendo a uma sociedade ou os homens reais. A finalidade dessa
antecipação ideal do futuro. 0 que não significa atividade é a transformação real, objetiva, do
necessariamente que queremos sua existência mundo natural ou social para satisfazer
real. É preciso agir. Quer dizer, a atividade de determinada necessidade humana. E o resultado
conhecer e estabelecer finalidades em si não nos é uma nova realidade, que subsiste
leva a agir. independentemente do sujeito ou dos sujeitos
[Embora o/se o homem] aceitasse sempre o concretos que a engendraram com sua atividade
mundo como ele é, e se, por outro lado, subjetiva, mas que, sem dúvida, só existe pelo
aceitasse sempre a si mesmo em seu estado homem e para o homem como ser social
atual, não sentiria a necessidade de transformar (Vásquez, 1968, p. 194).
o mundo nem de transformar-se (Vásquez,
1968, p. 192). O Autor, tendo explicitado a atividade
Quer dizer, a necessidade de transformar humana como práxis, na qual foi necessário
(a si e ao mundo) move a necessidade de distinguir a atividade humana teórica e a
conhecer e estabelecer finalidades. atividade humana prática, para estabelecer a
unidade entre ambas enquanto práxis
A atividade humana de conhecer e a
transformadora, vai, a seguir, explicitar o que
teleológica, enquanto atividade de consciência, e
chama de formas de práxis (produtiva, política,
uma atividade teórica isto é, por si não leva à
transformação da realidade (material e social); não criadora). Essa denominação decorre do objetivo
se objetiva e não se materializa, não sendo, pois, sobre o qual o sujeito exerce sua ação.
práxis. Práxis para Vásquez (1968, p. 108) é
Quando o objeto sobre o qual o sujeito age
[...] uma atividade material, transformadora e é a natureza, temos a práxis produtiva:
ajustada a objetivos. Fora dela, fica a atividade
teórica que não se materializa, na medida em que [...] relação material e transformadora que o
é atividade espiritual pura. Mas, por outro lado, não
há práxis como atividade puramente material, isto homem estabelece – mediante o seu trabalho –
é, sem a produção de finalidades e conhecimentos com a natureza (Vásquez, 1968, p. 195).
que caracterizam a atividade teórica.
Como o homem é ser social, esse
Para Vásquez, a atividade humana é processo só se realiza em determinadas
também atividade prática – ou seja, adequada a condições sociais a que Marx chama de relações
objetivos cujo cumprimento exige certa atividade
de produção. Para Vásquez, a práxis produtiva é
de conhecimento (atividade teórica). Mas o que
a práxis fundamental.
a caracteriza
Quando o objetivo sobre o qual o sujeito
[...] é o caráter real, objetivo, da matéria-prima
age é produto de práxis anterior, que se
sobre a qual se atua, dos meios ou instrumentos
com que se exerce, e de seu resultado ou converteu, por sua vez, em matéria de nova
produto. Na atividade prática o sujeito age sobre práxis, tem-se a práxis criadora. Por exemplo, a
uma matéria que existe independente de sua práxis do operário ou do artista. Aqui tem-se
consciência e das diversas operações exigidas também a práxis científica, na qual a
para sua transformação (Vásquez, 1968, p. 193). experimentação tanto pode estar a serviço de
fortalecer e impulsionar uma teoria (no caso de
O produto de sua atividade transformadora uma investigação científica) como estar a serviço
é um objeto material que subsiste de impulsionar a atividade prática
132
correspondente – por exemplo, a arte ou a portanto, para que a primeira (a teoria) cumpra
educação. uma função prática, é que seja própriamente
uma atividade teórica – na qual os integrantes
Quando o objeto sobre o qual o sujeito age é cognoscitivos e teleológicos sejam intimamente,
mutuamente considerados. (Vásquez, 1968, p.
[...] o humano mesmo, quer se trate da 207)
sociedade como matéria ou objeto da práxis
política ou revolucionária, quer se trate dos A atividade teórica é que possibilita de
indivíduos concretos (Vásquez, 1968, p. 195), modo indissociável o conhecimento da realidade
e o estabelecimento de finalidades para sua
tem-se a práxis política, que enquanto
transformação. Mas para produzir tal
atividade prática transformadora alcança sua
transformação não é suficiente a atividade
forma mais alta na práxis revolucionária.
teórica; é preciso atuar praticamente.
Enquanto práxis social, a práxis política
[...] pois em si não modifica realmente o de Por isso, a Didática é uma área de
outras atividades e agentes sociais, a mundo conhecimento fundamental no processo de
mesmo que mudem nossas tarefa de ensinar, formação do professor. Enquanto atividade
desde a organização, idéias a respeito dele não teórica (conhecimento e antecipação ideal da
nos parece análise e decisão dos processos de realidade ainda não existente), ela se constitui
ensino legítimo falar em práxis teórica (Vásquez, um método, um instrumento para a práxis
1968, p. 204). transformadora do professor. Para isso, ela
precisa ser dialeticamente considerada.
Então, qual o seu papel? Qual o papel da
teoria?
A Didática, entendida como área do
Se a teoria não muda o mundo, só pode conhecimento que tem por especificidade o
contribuir para transformá-lo exatamente como estudo do processo ensino-aprendizagern (teoria
teoria. Ou seja, a condição de possibilidade – do ensino-aprendizagem), contribui na formação
necessária, embora não suficiente – para de professores. Enquanto disciplina do curso,
transitar conscientemente da teoria à prática e, deve traduzir-se num programa de estudos
133
desse fenômeno que é o processo ensino- À medida que se desdobram e aprofundam
aprendizagem, com o objetivo de preparar os esses questionamentos, percebe-se a
professores para a atividade sistemática de especificidade da Didática e as necessárias inter-
ensinar numa dada situação histórico-social, relações com as demais disciplinas do curso.
inserindo-se nela para transformá-Ia, a partir das
necessidades identificadas, e direcioná-la para O estágio é um componente do currículo
o projeto de humanização. que não se configura como uma disciplina, mas
como uma atividade. Um programa de Didática
O que implica um programa de estudos que como o esboçado precisa lançar mão dessa
possibilite conhecer o ensino-aprendizagem na atividade na medida em que ela é propiciadora
sociedade existente; tomar esse existente como da inserção dos alunos nas instituições
referência. Para conhecer, e preciso mobilizar escolares para o conhecimento de como o
vários procedimentos e recursos. 0 processo de ensino aí se dá. Mas, como vimos,
conhecimento não se adquire “olhando”, esse conhecimento não se restringe a uma
“contemplando”, “ficando ali diante do objeto”; unidade escolar. Trata-se de tomar a unidade para
exige que se instrumentalize o olhar com teorias, compreendê-la na totalidade. A Didática não se
estudos, olhares de outros sobre o objeto- reduz, no entanto, à atividade de estágio. Nem o
fenômeno universaL Esse fenômeno universal reduz a ela. Da mesma forma, o estágio pode
servir às demais disciplinas e, nesse sentido, ser
ensino-aprendizagem, que é objeto de estudo da
uma atividade articuladora do curso. E como todas
Didática, não começou hoje, nem ocorre só
as disciplinas, é uma atividade teórica (de
“aqui”, onde estamos, tem uma história. Como
conhecimento e estabelecimento de finalidades)
foi construído o processo ensino-aprendizagem?
na formação do professor.
Que relações tem com este que estamos
observando? A que necessidades sociais Uma atividade instrumentalizadora da
respondeu? Em que organizações sociais? práxis (atividade teórica e prática) educacional.
Foram bem-sucedidos? Por quê? Que métodos, Da transformação da realidade existente.
técnicas e recursos foram necessários para
viabilizar o ensino? Quais os que precisam ser
criados? Quais os que já existiam e, até por O ESTÁGIO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
existirem, possibilitaram a elaboração de novas – OS DADOS DE CAMPO
propostas? Quais permaneceram? Ainda são
válidos? Por quê? Quais permanecem, apesar O objetivo deste item e apresentar e discutir
de inúteis? Que função cumprem? os dados coletados sobre o estágio em
desenvolvimento nos dois Centros de Formação
Quais organizações escolares são e Aperfeiçoamento do Magistério (Cefams)
favorecedoras do ensino-aprendizagem? E aí, estudados, para aprender os possíveis avanços
quais as políticas de ensino-aprendizagem? na direção da unidade entre teoria e prática.
Quem as elabora? A que necessidades
respondem? Quais existiram antes destas? Para isso apresentamos inicialmente uma
Como se relacionam? Quais direções de sentido breve caracterização do Projeto Cefam,
estão nelas contidas? Como tem sido o exercício especialmente em São Paulo, a fim de situar os
profissional dos que ensinam? Quem são? O que Cefams estudados.
pensam? Que valores têm? E dos que
aprendem? Quem são? Por quê? O que querem?
O que queremos deles? Origem do Projeto Cefam
Em todas essas questões que podem No início dos anos 80, quando já havia
nortear um programa de cursos, e preciso que alguns estudos e pesquisas denunciando a
se discuta sempre o que e onde deve ser precariedade de funcionamento da habilitação
diferente. Como é possível? Qual a inserção de magistério, o Ministério da Educação, através da
cada um como professor? Secretaria de Ensino do Primeiro e Segundo
134
Graus, articulou vários órgãos do sistema de disponibilidade para desenvolvê-los em parceria
ensino, congregando vários educadores, a fim com o MEC. Apoiados técnica e financeiramente
de discutir e propor alternativas para a formação pelo MEC, temos, até 1991, um total de 152
de professores. Cefams, implantados em vários estados. Some-
se a estes 47 Cefams no Estado de São Paulo,
Resultante das discussões, foi proposta a que vêm se desenvolvendo com recursos
criação do Cefam divulgado e apoiado próprios do Estado.
financeiramente pelo MEC/Sesg/Coes (1983).
Esse desenvolvimento é irregular e
Conforme o Documento de 1983 (p. 1), o desigual de estado para estado e vem ocorrendo
Cefam é definido como: não sem tropeços.
135
indicadores que permitem concluir que há rede pública vem se ressentindo da falta de
avanços. Evidenciam também as contradições professores, pela diminuição crescente de
presentes nesse processo (Suchodolski, 1979). profissionais dispostos a conviver com condições
muito desfavoráveis de trabalho e remuneração.
Quanto aos avanços, destaquem-se a Os professores que participaram do início do
melhor formação geral e específica dos alunos Projeto vêm demonstrando cansaço e desânimo.
devidas às melhores condições de trabalho e de
aperfeiçoamento, bem como ao compromisso O Cefam, apesar de oferecer condições
das equipes pedagógica e docente. Foram mais favoráveis de trabalho, peca por não garantir
devidas também às melhores condições de infra-estrutura mínima no que se refere a
estudo dos alunos, ao envolvimento e apoio dos recursos físicos, administrativos e legais
pais e ao suporte financeiro, administrativo e (funciona como anexo a uma unidade escolar,
técnico-pedagógico por parte da Secretaria de sem autonomia administrativa).
Educação.
No que se refere à qualidade da formação
dos alunos, a pesquisa conclui:
Algumas contradições do Projeto
Ficou evidente a preocupação da equipe técnica
Embora o Projeto Cefam tenha, em princípio, com um estilo dinâmico com um trabalho
encontrado fortes opositores, por ser mais um articulado, buscando criar a possibilidade de o
projeto especial, acabou por arrebanhar um aluno lera realidade, se percebendo como
grande número de educadores que se cidadão e agente do processo de transformação
envolveram por inteiro com a proposta (...) social, consciente do compromisso político do
professor, da necessidade de competência
A proposta de “construção em processo” técnica [...] A intenção não é so formar bons
possibilita à equipe escolar a autonomia profissionais, mas gerar uma massa crítica,
necessária ao desenvolvimento de um projeto propiciar uma nova geração de professores
que considera e respeita as características da capazes de atuar sobre os problemas da escola
comunidade (...) favorece o desenvolvimento e de hoje (São Paulo, SE, Cenp, 1992, p. 96).
a participação ativa da equipe (...) que sem
esperar por resoluções de instâncias superiores, [Mas] que adianta formar uma turma de 56
“arregaça as mangas” e se volta para a jovens, se eles não vão ser aproveitados na
construção do próprio caminho. Rede Pública? (Depoimento de pais).
136
importantes no que se refere às condições de O estágio e um componente do currículo e
trabalho dos professores, às características dos inicia-se no 2º ano do curso. Seu
alunos e às aspirações e condições de ingresso desenvolvimento está articulado aos eixos
no magistério; ambos apresentam experiência de temáticos, perseguidos por todos os demais
trabalho suficiente para deixarem emergir os componentes e atividades do currículo, a saber:
avanços (e as dificuldades). Além desses
critérios, também consideramos a facilidade de – 1ª série – homem e sociedade = resgate da
acesso aos pesquisadores – tanto no aspecto identidade do aluno (neste ano não há estágio);
geográfico quanto na disponibilidade das equipes
– 2ª série – homem, sociedade e educação =
em nos receberem para a realização da
contextualização da educação com ênfase na
pesquisa.
escola pública e na educação das classes
populares;
Nosso intuito não é estabelecer
comparações entre eles. Por isso, apos – 3ª série – criança, escola e classe social =
caracterizar a proposta de estágio de cada um, representação social da criança e o papel do
apresentaremos os dados coletados em ambos, jogo no desenvolvimento infantil;
agrupados em oito categorias: concepções de
estágio; o estágio real; as metodologias de ensino – 4ª série – escola, educação e transformação
e o estágio; os fundamentos da educação e o social = análise da interação entre os aspectos
estágio; os frutos do estágio; o destino profissional teóricos e práticos das propostas pedagógicas
dos egressos; o estágio desejável; dificuldades e sua atuação no processo de transformação
e problemas. social.
O Cefam 1 possui uma proposta clara e [...] como meio de construção de categorias de
bem definida para o estágio, embora a considere descrição e análise, possibilitando a reflexão
um processo em experimentação, que vai sendo teoria/prática no processo de produção do
modificada, aprimorada, de ano para ano, a partir conhecimento.
da própria experiência e da discussão com
outros Cefams. Assim, as questões e as abordagens
teórico-metodológicas da educação: escola
Conforme depoimento das professoras de pública o que propõe e como funciona (análise
Didática e da coordenadora pedagógica, bem de seus fundamentos) , fracasso escolar,
como informações contidas nos documentos reflexões sobre a escola que temos e a que
escritos da escola, o ponto fundamental de queremos, são discutidas nas observaçoes
reflexões sobre o estágio é o “resgate do contato orientadas e nos retornos de estágio, que
do aluno de magistério com sua área de atuação orientam teoricamente os trabalhos de pesquisa
profissíonal” (grifo nosso). e reflexão realizados pelos alunos com o apoio
das diversas áreas de fundamentação do curso.
Assim, a finalidade do estágio é
Na 3ª serie prossegue a atividade de
[...] levar os alunos a uma análise das realidades observação com o objetivo de refletir sobre os
sobre as quais atuarão, e também como fonte aspectos teórico-práticos do processo de ensino
de experiências concretas para as discussões e aprendizagem, “procurando estabelecer o elo
sobre as questões de ensino e procedimentos possível entre a fundamentação teórica e a
pedagógicos. prática educacional”.
137
São realizadas duas etapas de observação. retornos estão colocados na grade horária da
A primeira é sobre a escola enquanto local de escola.
interação social onde se desenvolvem atividades
coletivas, observando-se a escola a partir do Os eixos temáticos do curso são também
espaço físico e sua utilização, sua organização desenvolvidos sob forma de Estudo do Meio
e estrutura administrativa e a influência destas para a elaboração de projetos interdisciplinares.
na interação; a segunda enfoca o processo de Assim, por exemplo, na 1ª série o Estudo do
ensino na escola e na aula, como é planejado e Meio é sobre o bairro da escola, na 2ª é a cidade
executado o processo de ensino na sala aula. de São Paulo, na 3ª é recriando o espaço de
lazer (no bairro e na escola) e na 4ª série o
Além e a partir dessas duas etapas de Estudo do Meio é proposto e elaborado pelos
obser vação, prevêem-se mais duas alunos sobre determinados temas que
subseqüentes envolvendo o planejamento, identificam como necessários, por exemplo,
execução e avaliação de intervençoes, quer por “plebiscito”, “cólera”, etc.
meio de regências, quer através da organização
de oficinas pedagógicas (que os alunos propõem/ Essas atividades de projeto que envolvem
oferecem à escola). diferentes disciplinas do currículo às vezes se
entrecruzarn com as de estágio, mas não
Na 4ª série o estágio é basicamente de substituem as atividades específicas previstas
intervenção (regência), planejamento de para este e são desenvolvidas no horário de
comum acordo entre o Cefem e a escola- enriquecimento curricular.
campo onde os alunos se concentram para
atuar em classes de 1ª a 4ª série. O Cefam O total de horas para o estágio é de 360,
incentiva os alunos, sempre que possível, a sendo 72 no 2º ano, 144 no 3º e 144 no 4º.
planejarem, executarem e avaliarem atividades
que foram por eles (e pela escoIa) identificadas
como necessárias. A proposta de estágio no Cefam 2
138
freqüentemente é o de proximidade aos locais se ar ticulam várias propondo projeto
onde moram, uma vez que há dificuldades interdisciplinares por exemplo: Filosofia e
financeiras para se locomoverem. Sociologia da Educação; Psicologia e História da
Educação; etc.
Os estágios contam sempre com
momentos de reflexão (retomo programado com
Os projetos são propostos pelas
Didática ou com as demais disciplinas).
disciplinas e pelos alunos e envolvem ações em
Considera-se essa reflexão como contribuição
varios aspectos da educação por exemplo:
privilegiada advinda do estágio, onde os futuros
menores de rua, violência, escola rural, pré-
professores poderão
escola, cortiço em São Paulo, etc.
[...] obser var, par ticipar, problematizar,
questionar a prática vivenciada, utilizando como As oficinas são desenvolvidas de modo
parâmetros as aprendizagens das várias mais sistemático pelos professores de Didática
disciplinas do currículo. Esse preparo, ou e Metodologia do Ensino. Voltam-se
planejamento, deve incluir a volta dos dados, a especificamente para ações de ensino de
análise da prática, fundamentada na teoria, pela
Português (alfabetização), Matemática, Ciências,
via da reflexão.
História e Geografia. São desenvolvidas em
[O estágio é] uma diretriz, um projeto em entidades assistenciais da comunidade, com
construção onde grupos de alunos e professores crianças pobres, agrupadas em 15, 16,
de Didática e Metodologias evidenciam a dependendo da capacidade que a entidade tiver
direção a seguir [...] Importa reafirmar aqui a para aglutinar as crianças e mantê-las num
ligação desta dimensão de prática de ensino trabalho sistemático. As oficinas são planejadas
com todo o referencial teórico e com a e acompanhadas pelos professores de
construção do espaço de reflexão como eixo
Metodologia e de Didática.
integrador da proposta curricular (eixo do
currículo).
O Cefam 2, diferente do 1, não
preestabelece vínculos com as escolas-campo.
O número total de horas de estágio é de
Esse fato, segundo todos, dificulta o
360, sendo 72 no 2º ano (observação), 144 no
desenvolvimento do estágio.
3º (observação e participação) e 144 no 4º ano
(regência). Seguindo os eixos curriculares, o
estágio no 2º ano priorizou a “identidade das O estágio em desenvolvimento nos Cefams
estagiarias na sala de aula”, onde se privilegiou 1e2
“a relação de estágio no experimental e em
outras escolas públicas”. No 3º ano “foi a relação Concepções de estágio
professor-aluno”. “Então no 4º ano envolvemos
as metodologias. O que não foi muito tranqüilo” Todos os alunos e professores entendem
(Depoimento da professora de Didática). o estágio como uma atividade que traz os
elementos da prática para serem objeto de
Paralelamente às atividades de estágio, reflexão, de discussão e que propicia um
desenvolve-se no Cefam 2 o que denomiriam conhecimento da realidade na qual irão atuar. Por
glprojetos” e “oficinas pedagógicas”, ambos isso, consideram-no importante (à exceção de
utilizando as horas do Enriquecimento Curricular, um professor para quem “tanto o estágio quanto
que completa o período integral. Qualquer a oficina são artíficiais mesmo que aprimorados,
disciplina pode desenvolver projetos. Às vezes, não são a realidade”).
2
O Cefam 2 está alocado numa escola experimental cuja característica é possuir condições de trabalho e funcionamento diferenciados
das demais escolas estaduais. Há hoje apenas essa escola experimental na rede estadual, remanescente de quatro criadas na década
de 60 em São Paulo.
139
Concebem-se como: processo de ensino-aprendizagem em
comparaçao com os conteúdos das disciplinas
– [...] eixo norteador do curso. Não é o momento que estão sendo ministradas no Cefam.
da prática. A prática elas têm também na sala
de aula. É um momento enriquecedor, pois elas O conteúdo da observação é variado:
estão adquirindo experiência (Professor de
organização da escola, sala de professores,
Didática).
recreio, o conteúdo e a metodologia, o
– É referencial para discutir situações-problema planejamento, relações professor-aluno,
em sala de aula (Professor de Didática). professor-coordenação, dificuldades de
– Porque o estágio traz elementos da prática do aprendizagem e de relacionamento das
professor que está na ativa para serem crianças, etc.
discutidos com as alunas que estão em
processo de formação [...] para um Há vários problemas com essa atividade.
aprofundamento teórico dessa prática, numa Nem sempre os professores aceitam ser
tentantiva de melhoria dessa prática observados, têm receio do relatório das alunas;
(Coordenador).
nem sempre o retomo é feito sobre todas as
observações, ficando às vezes superficial. Nem
O Estágio real sempre os professores do Cefam conseguem
trabalhar as observações trazidas, por falta de
Os dois Cefams estudados têm propostas tempo, descompasso com o programa, etc.
diferentes de operacionalização do estágio. No
Cefam 1 a ênfase no processo ensino- As alunas, de modo geral, não gostam
aprendizagem que ocorre na escola fica mais dessa atividade, considerando-a repetitiva e
evidenciada pelo fato de manter vínculos com angustiante, na medida em que provoca a
as escolas-campo. Já no Cefam 2 o processo identificação das “coisas erradas” sem que
ensino-aprendizagem que ocorre nas oficinas possam interferir.
tem servido de base para os estudos e a
experimentação dos estagiários. No entanto, a observação tem sido
valorizada quando planejada de comum acordo
– Quando iniciamos o trabalho no Cefam, existia entre Cefam e escolas e quando os alunos
uma série de idéias, mas não uma proposta recebem preparo para observar; quando há
definida. Cada Cefam estava trabalhando de retomo para discussão e os professores
uma forma. Vimos que aqui poderia ser diferente incorporam nas suas aulas aspectos trazidos
da H.M. A nossa opção foi ter uma proposta de
das observações e quando caminha num
Didática no 2º ano compatível com os
pressupostos do Cefam. E aí ampliamos o
crescimento, ampliando a visão dos problemas
estágio não só para escolas, mas também para e as possibilidades de intervenção.
a comunidade (oficinas). No 3º 4º nos essa
proposta incorporou as disciplinas de
Metodologia (Professor de Didática). b) O estágio de participação
– O estágio é vinculado entre Cefam e escolas
– há um projeto. E isso é muito bom porque a O estágio de participação deveria ser,
gente oferece um trabalho para a escola. Não segundo os professores de Didática, participar
fica lá só observando (Alunas). da “dinâmica da sala de aula”. Isto significa
acompanhar o professor nas reuniões e
participar do planejamento.
a) O estágio de observação
Mas o que tem sido: “atividade de auxiliar,
Na proposta dos dois Cefams a de recorte, colagem, rodar mimeógrafo”.
observação ocorre no 2º e 3º nos do curso. De
modo geral, o objeto desta é que os alunos Em outras vezes, têm participado de
apreendam a realidade da sala de aula, no reuniões (raramente) e mesmo realizado
contexto da escola, examinando sobretudo o palestras para a comunidade e para as
140
professoras (por exemplo: cólera e teorias de Língua Portuguesa. Quer dizer, há uma troca
aprendizagem). Às vezes par ticipam em de ajuda (Alunas 4º ano).
atividades de recuperação. – Sempre há o retorno. Fora isso, a gente sempre
aproveita uma vaguinha nas auIas – no Cefam
, prá colocar os problemas – que trazemos do
c) O estágio de regência/intervenção
estágio (Alunas 4º ano).
141
Em ambos os Cefams essa relação não é e a coordenação sugerem alterações nos
total nem tranqüila. Algumas disciplinas são mais programas específicos, a partir dos estágios. O
articuladas entre si e com a Didática na questão rodízio de professores dificulta essa relação (no
do estágio, dependendo de vários fatores, dentre Cefam 2 tem havido troca muito constante de
os quais a formação pedagógica e a experiência professores de Filosofia e História da Educação).
com o magistério por parte dos professores, o
compromisso com a especificidade do curso que A aproximação ocorre quando os
e formar professores para as séries iniciais e a professores que ministram essas aulas têm
disponibilidade pessoal de um projeto de curso. As conhecimento do curso de Magistério e da
vezes, nota-se a presença de professores que não problemática do ensino das séries iniciais do 1º
satisfazem ao primeiro aspecto, mas estão grau.
dispostos a se engajarem. Também há propostas
interessantes por parte dos professores que estão Da entrevista que fizemos com as alunas,
dependendo apenas de maior mobilização e temos os seguintes depoimentos que apontam
coordenação para serem executadas. para alguma relação:
142
iniciar a atividade docente, tanto do ponto de vista forte. Aparecem tantos questionamentos... da
de conhecimentos quanto de habilidades e profissão, do modo de encarar o aluno, a
atitudes. comunicação com a criança, nas diferentes
faixas etárias.
Das atividades de estágio, valorizam mais
– Também fazem revisão de conceitos e de
as de intervenção/regência, especialmente
metodologias. (depoimento de coordenadora e
quando puderam desenvolver o processo todo professoras de Didática)
de identificar necessidades, planejar, executar e
avaliar. – Após a regência, passamos a valorizar mais
o trabalho das professoras que tinhamos
Como habilidade geral, consideram-se com observado.
uma boa visão crítica da realidade escolar e – Na alfabetização, ensinar crianças que tinham
suficiente clareza da professora que querem ser: dificuldades esse é um trabalho de muita
autônomas, isto é, com possibilidade de responsabilidade.
decidirem e tomarem parte nas decisões (não – [...] Identificam o material de leitura ao qual
querem ser “robôs”/”meras executoras do que as crianças têm acesso e usam isso na
os outros mandam”). alfabetização.
Destacamos alguns de seus depoimentos. – Que as escolas são deficientes. Falta muita
coisa.
– O que aprendi? – Quando os alunos são valorizados, aprendem
apesar das dificuldades.
– [...] A diferenciar a realidade entre estadual/
municipal e particular: e entre estadual e outras. – Importância de planejar conforme a realidade.
A maioria das estaduais é tradicional. Na – O ensino requer formas diversificadas para
particular é mais fácil porque os alunos são que a aprendizagem ocorra.
treinados para serem obedientes, a escola é
mais autoritária, mas você não tem autonomia. Entrevistadora: – 0 curso ajuda vocês a se
A direção controla tudo. transformarem?
– [...] No 4º ano a insegurança diminui tivemos Alunas: – Demais! Com certeza!
que nos aproximar da prática...
Entrevistadora: – Só com relação á educação?
– [...] Quando você planeja tem mais segurança
(...) Eu não me sentia profissional quando era Alunas: – Não só. Prá vida!
lançada para fazer regência. Agora, a partir do
momento que você planeja, que você aplica o
Especificidade do curso/O destino profissional
que aprendeu...
das alunas
– [...] Cresci muito, pessoalmente. Não sou
submissa. Sou crescimento da profissão. Sem dúvida, o curso em desenvolvimento
– [...] Cresci como gente. Como mulher [...] no Cefam tem como referência o exercício
como filha [...] como namorada... profissional nas séries iniciais do 1º grau.
Especialmente na faixa de 1ª a 4ª. Os
(Depoimento de várias alunas, referindo-se ao depoimentos das alunas e professores deixam
curso todo).
isso claro:
Nas oficinas:
– Vêm para o curso com visão idealizada e
ingênua do magistério [...] Muitas saíram [...]
– [...] como lidar com o que foi planejado, segurar
As que ficaram, mesmo que depois façam
uma classe durante toda a aula, lidar com
outras faculdades, temos a certeza que um
crianças de realidade sócioeconômica
pezinho no magistério vai ficar. Porque a gente
diferenciada...
sentiu um envolvimento maior com relação à
– Nas oficinas, a passagem entre ser aluna e profissão no decorrer do curso (Coordenadora).
ser professora é gradativa (no estágio é brusca).
0 amadurecimento que a gente sente nas alunas, – Realmente, o Cefam no 1º ano, se não fosse
no começo do 4º ano e no fim é uma coisa muito o enriquecimento curricular à tarde, seria um
143
curso de 2º grau como outro qualquer. Quando pela professora. 0 que falta é estímulo, atividades
começa o estágio, Didática, Psicologia da alternativas que fujam à rotina preestabelecida
Educação, aí elas começam a ter consciência [...] Dizer que é “construtivista” não é se utilizar
do que é um curso de Magistério. E aí, as que apenas do giz, da lousa e de textos
ficaram adoram (Coordenadora). mimeografados que imbecilizarn a criança, mas
propiciar condições para que esta construa suas
– Quando começamos, a gente tinha um visão hipóteses, supere-as, cheque-as independente
de mãe no magistério. Queria ser babá, tudo e ponderadamente (Do relatório de 2 alunas de
era por dom (Alunas). 4'º ano, ao término do estágio em escola
Em relação a exercer a profissão: municipal).
– [...] tendo como base a vivência nos estágios, Dificuldades/problemas/o que falta (nos Cefams)
deparamos-nos com professores cuja postura
não é a que aspiramos.
– Falta articulação entre todas as áreas do
– O descaso, o não comprometimento conhecimento. O curso é fragmentado. Há
predominância de uma visão técnica, como se
consciente ou não com a educação, reflete e
o estágio tivesse que atender só a isso.
reforça [...] o não desenvolvimento do aluno
como ser ativo [...] Termos utilizados pelos – Rodízio de professores. Se houvesse na
professores, como “gracinha”, “docinho” e o escola uma proposta clara de envolvimento de
gesto de passar a mão na cabeça do aluno todos, aí eu acho que a equipe fica muito com
podem ser um ato de mascarar e amenizar a essa idéia correndo no sangue e a pessoa que
verdadeira realidade [...] que mostra crianças chega pegaria mais rapidamente. A gente já
sujas, piolhentas, fedidas e agressivas entraria articulado numa proposta [...] A gente
(decorrência do meio em que vivem), mas que despenca na escola. Se a escola já tivesse a
se trabalhadas e educadas crítica e proposta, a gente ia conhecendo...
conscientemente podem vir a atuar de maneira – Precariedade das condições de trabalho.
a transformar a sociedade (Do relatório de 4 Salário. O Cefam exige carga integral de quase
alunas do 4º ano, ao término do estágio em todos os professores. Com baixo salário não há
escola municipal. Grifos nossos). professores que aguentem muito tempo. Ele
– Pudemos perceber que as crianças possuem precisa dobrar a jornada com outra escola que
um grande potencial, porém este é mal trabalhado paga melhor...
144
O ESTÁGIO NOS CEFAMs UNIDADE ENTRE por quê. Esse conhecimento e adquirido pela
TEORIA E PRÁTICA? observação direta e análise das situações
observadas; pelo planejamento e execução de
Após a exposição sistemática de como o ações de ensino.
estágio está sendo desenvolvido nos dois
Cefams estudados, procedemos à interpretação As alunas aprendem a criticar a prática
desse estudo, evidenciando, nos aspectos existente, subsidiadas por algumas disciplinas
contraditórios dessa proposta, os elementos do curso, e a executar práticas de ensino
indicadores da unidade entre teoria e prática. consideradas desejáveis, também subsidiadas
por disciplinas, especialmente as Metodologias.
Através da pesquisa de campo que
realizamos, pudemos perceber que o curso de Em nenhum momento da pesquisa
formação desenvolvido no Cefam é claramente identificou-se expectativas, fosse por parte das
um curso profissionalizante. Isso ficou alunas, fosse por parte dos professores, de
evidenciado tanto nos documentos como na observarem “práticas modelares” que pudessem
ação de suas equipes. A finalidade do curso é ser generalizadas para outras situações. O
formar professores para exercerem a profissão estágio na escola experimental e na particular,
num campo delimitado – 1ª a 4ª série do ensino que eventualmente poderiam ser tomadas com
de 1º grau. essa finalidade, mostra realidades de ensino
bastante problemáticas para serem
Em decorrência disso, os estudos sobre o consideradas “modelos”. No caso da escola
ensino nessa faixa de escolaridade (o que e, qual particular, o direcionamento do Cefam para a
a realidade, o que tem sido e o que deveria ser o escoIa pública possibilita às alunas uma visão
ensino) têm sido privilegiados no estágio e nas crítica bastante refinada sobre esse campo de
disciplinas diretamente a ele vinculadas, a trabalho.
Didática e as Metodologias (algumas mais e
outras menos). Por outro lado, as dificuldades inerentes
ao estágio, tanto por parte das escolascampo
Podemos então afirmar que no Cefam há de aceitarem estagiários como das alunas de
uma intencionalidade e um esforço para resgatar se locomoverem para locais distantes de onde
o campo de atuação e tomá-lo como referência moram, e da equipe do Cefam em estabelecer
para a formação. Também percebemos, pelos vínculos com escolas da comunidade, bem
depoimentos, que “o curso é teoria e prática como de planejar o estágio como um projeto do
juntas o tempo todo”. Em nossa observação, curso todo, levaram um dos Cefams a quase
essa unidade ocorre mais através de algumas suplantar o estágio nas escolas pela atividade
disciplinas; em outras há mesmo um nas oficinas.
distanciamento.
Se, de um lado, nas oficinas tem sido
Como tem sido essa consideração do campo possível desenvolver uma série de
de trabalho como referência para os estudos? Qual conhecimentos e habilidades importantes para
o conceito de prática aí presente? Qual o o exercício profissional, bem como aprender a
entendimento da unidade entre teoria e prática? ensinar crianças oriundas das classes sociais
desfavorecidas, a oficina não é a situação real
1) O campo de trabalho dos egressos do de trabalho – a escola pública. Vários professores
Cefam são escolas com classes de 1ª a 4ª série. denotaram sua preocupação com este fato, uma
O conteúdo desse trabalho é o ensino- vez que a oficina estaria colocando uma situação
aprendizagem das disciplinas básicas: idealizada, não possibilitando às alunas
Português, Matemática, Geografia, Ciências, habilidades para ensinarem no bojo dos
Artes e Educação Física. determinantes presentes na escola – no modo
como está organizada, como funciona, etc.
O estágio tem possibilitado às alunas
conhecerem essa realidade, aprendendo o que Também quando as alunas estagiam em
está sendo realizado e como; o que não está e escolas, vão direto para a sala de aula.
145
Em ambas as situações (oficina e sala de produção capitalista, a cooperação inerente ao
aula) o estágio não está possibilitando o coletivo – é fundamental para que o trabalho da
conhecimento da realidade da escola e das escola se realize de acordo com os objetivos, mas
escolas (dos sistemas escolares) e suas esta realidade é contraditória, pois se a
determinações no ensino-aprendizagem que se cooperação pode ser um fator de estabilidade para
dá na sala de aula, no trabalho da professora e poder, ao mesmo tempo a reunião dos
dos alunos. trabalhadores coletivos possibilita uma unidade de
interesse e favorece formas de resistência à
Esse conhecimento é importante para que dominação, da mesma maneira que favorece a
o profissional se capacite a atuar, modificando unidade de interesses que, perdendo de vista os
as condições existentes. objetivos sociais, volta-se para o corporativismo.
Terceiro, as condições de trabalho dadas (horas
Nesse sentido, também não se identificou de atividade + horas de trabalho pedagógico, etc.)
preocupação com o conhecimento da profissão não resolvem o persistente baixo salário dos
de professor – sua história, seus problemas, suas professores em geral, o que tem provocado certo
associações, suas lutas, etc. desgaste e cansaço nas equipes.
Isto é, o conhecimento do processo – A decisão de sair do Cefam é dilacerante,
ensino-aprendizagem que ocorre na escola porque aqui a utopia chegou mais perto. Mas
(numa determinada escola) precisa ser você precisa pensar na sua sobrevivência.
apreendido nessa totalidade da organização (Depoimento de professor de Didática)
escolar, que, por sua vez, é parte de totalidades
mais amplas, enquanto prática social. Nem garantem, por si mesmas, o
envolvimento, o compromisso:
2) O Cefam possibilitou a alteração das
– O pouco tempo que a gente tem para se
condições de trabalho e envolvimento dos
encontrar não é bem aproveitado [...] Ainda não
professores, da coordenação e dos alunos, nos tornamos equipe (Professor).
propiciando um trabalho conjunto na elaboração/
execução da proposta educacional e pedagógica 3) Também é verdade que os envolvidos
dos cursos. Isso ficou evidenciado nos no Cefam (professores, alunos, coordenadores)
doisCefams estudados. não têm todos a clareza absoluta (ou a têm em
diferentes níveis e graus de elaboração) do que
Por ser um dos poucos projetos de política significa formar professores, qual é a realidade
de ensino claramente compromissado com a das séries iniciais, quais as necessidades que a
melhoria da escola pública e nela, com a sociedade atual está demandando para o
educação das camadas populares , tem atraído exercício profissional, como o ensino contribui
para os seus quadros aqueles professores que para a emancipação humana, etc.).
buscam fazer do ensino, do seu trabalho como
professor, um instrumento de democratização da Nesse sentido, a ciência pedagógica, que
sociedade. tem na formação de professores um campo
privilegiado de aplicação, está presente de modo
Esses fatores altamente propiciadores do fragmentado e pouco consistente na atividade
dos Cefams. A ciência pedagógica, como a
trabalho coletivo não são suficientes para
entende Suchodolski (1979, p. 477):
garantir a execução de um trabalho coletivo.
Primeiro, porque o nível de inserção intencional
O conhecimento da ciência pedagógica
dos professores varia; segundo, porque o é imprescindível, não porque esta contenha
exercício do trabalho coletivo é custoso, uma vez diretrizes concretas válidas para “hoje e para
que “a humanidade, durante séculos e séculos amanhã”, mas porque permite realizar uma
em sua história, acostumou-se a formas de vida autêntica análise crítica da cultura pedagógica,
individualistas” (Suchodolski, 1979, p. 14). o que facilita ao professor debruçar-se sobre as
dificuldades concretas que encontra em seu
Também o coletivo carrega uma contradição trabalho, bem como superá-las de maneira
que precisa ser explorada. Forjada no modo de criadora.
146
A ciência pedagógica não é exclusiva do Está-se buscando a unidade entre teoria e
profissional pedagogo. Enquanto ciência da prática. Há uma intencionalidade – formar
educação, entendida como prática social, deve professores , mas e possível ir adiante. Precisa-
ser de domínio do professor, uma vez que sua se ampliar e tomar a realidade do exercício
atividade é educativa. Neste caso, a ciência profissional como prática social (como totalidade
pedagógica propicia às equipes escolares determinada e determinante das práxis). Tomar
elementos para que traduzam sua proposta dialeticamente o campo de atuação enquanto
educacional em projeto pedagógico de curso. totalidade, em todas as suas determinações,
Traduzir as finalidades da educação numa dada evidenciando as contradições presentes nessa
sociedade que se quer transformar, um programa realidade. O que implica ir para essa realidade
orgânico de trabalho na educação escolar – na municiado teoricamente da realidade que se quer
formação de professores para um segmento da instaurar (que ensino é necessário e por que; que
escolarização. Que professores são professor é necessário e com quais
necessários? Que professor queremos formar? conhecimentos e habilidades) que dê suporte aos
instrumentos de captação e análise do real
Sem isso, fica difícil para os professores (existente), para conhecê-lo nas suas
de outras áreas do conhecimento (Fundamentos determinações, para identificar as possibilidades
da Educação e Metodologias), que nem sempre do novo (resultante do confronto entre o ideal (a
tiveram a formação pedagógica, estabelecerem realidade que se quer) e o real (o existente). Ou,
claramente a contribuição de seus respectivos como dissemos anteriormente, para adquirir
campos de conhecimento para a formação do novos conhecimentos é preciso agir
professor – e, portanto, qual a inserção que conscientemente de acordo com finalidades,
podem ter nas diferentes atividades do curso, por sobre a realidade, prefigurando em idéias os
exemplo, no estágio. resultados proveitosos esperados.
Ou seja, a dificuldade de maior inserção No trabalho que vem sendo realizado no
nos estágios, como vimos, não se restringe à estágio nos Cefams, para que se configure
falta de tempo (fator importante, sem dúvida), verdadeiramente a unidade entre teoria e prática,
mas também envolve a necessidade de se a nosso ver, está sendo necessário
explicitar qual é o entendimento que se tem da conhecimento (teórico-prático) da realidade
educação. O que é que tem sido e o que deveria existente, por parte da equipe da escola
ser o papel da educação escolar numa dada (professores e coordenadores). Esta é uma
sociedade. E então, que professor queremos condição essencial para que o projeto do curso
formar, para fazer qual educação. Com quais
seja, efetivamente, interdisciplinar, para que se
conhecimentos e habilidades. Como e em que
possa identificar a inserção das diferentes
as areas de conhecimento contribuem, etc.
disciplinas nas atividades curriculares, dentre
elas o estágio.
4) O Cefam está, sem dúvida,
desenvolvendo uma capacidade crítica em suas
alunas. Também está instrumentalizando-as para REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
intervirem, fazerem diferente do criticado. Há
avanços. A “prática” não está colocada no final BACHELARD, G. O direito de sonhar. Rio de
do curso, no estágio. Não está entendida como Janeiro: Bertrand, 1991.
“copiar modelos” – sabem que as realidades são
BRASIL. Ministério de Educação e Cultura.
muito diversas. Nem está colocada como “outra”
Secretaria do Ensino de 1º e 2º Graus.
em relação à “teoria”, porque estão percebendo
Coordenadoria do Ensino Regular. Centro de
que a “teoria” instrumentaliza para captar e
Formação e Aperfeiçoamento do Magistério
analisar a prática das escolas. Nesse sentido
(Cefam). Brasília, 1983. mimeo.
“teoria e prática vão juntas, o tempo todo”.
CANDAU, Vera. Revitalização do curso normal.
Também não se está erigindo a In: CONFERÊNCIA BRASILEIRA DE
instrumentalização, os recursos didáticos como EDUCAÇÃO, 4. Anais. São Paulo: Cortez, 1986.
prática. t. 1, p. 502-508.
147
CAVALCANTE, Margarida J. Centro de PICONEZ, Stela. A habilitação específica do 2º
Formação de Aperfeiçoamento do Magistério grau para o magistério: expectativas e
Um projeto em construção. Brasília, 1992. necessidades para a sua clientela. São Paulo,
Dissertação (Mestrado) Universidade de 1988. Dissertação (Mestrado) USP.
Brasília. PIMENTA, Selma, GONÇALVES, Carlos.
CONTRERAS DOMINGOS, José. Ensenãnza, Revendo o ensino de 2º grau; propondo a
curriculum y professorado: introducción crítica formação de professores. São Paulo: Cortez, 1990.
a Ia Didática. Madrid: Akal, 1990. SÃO PAULO (estado). Secretaria de Educação.
LELIS, Isabel. A formação da professora primária: Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas.
da denúncia ao anúncio. São Paulo: Cortez: Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento
Autores Associados, 1989. do Magistério (Cefam). Projeto. São Paulo, 1987.
148
Estágio Supervisionado em Psicologia
Organizacional: Estudo Preliminar*
*
Publicado originalmente na Série Documental/Relatos de Pesquisa n. 25, maio de 1995, como artigo-síntese, exigência do convênio
firmado entre o Inep e a Universidade de São Paulo (USP).
**
Docente da área de Psicologia Organizacional da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Especialista em Administração de
Recursos Humanos.
149
privadas. São organizações que concedem o si mesma, mas faz parte do processo de ensino-
local para o estagiário concretizar sua formação aprendizagem. Não pode ter função de castigar
acadêmica. ou premiar avaliandos, mas de diagnosticar se
os objetivos estão sendo atingidos, se há falhas
O estágio deve promover a e como resolvê-las, com vistas ao
aprendizagem através de uma experiência desenvolvimento do avaliado e da otimização dos
supervisiona da visando ao desenvolvimento processos.
global do estagiário em nível teórico-prático,
social, cultural e ético. A supervisão ocorre em É um examinar que abrange avaliado e
dois níveis: o didático e o profissional. O avaliador, por isso também é participativo e não
estagiário tem a supervisão acadêmica ligada à pode ser um “exercício autoritário de poder” como
instituição de ensino, e a supervisão de campo expressa Gadotti. A avaliação, além de função
realizada pelo elemento da organização classificatória, deve ser diagnóstica e formativa.
concedente do estágio. Tem que ter claramente os objetivos e critérios
ao avaliar e dispor de instrumentos que possam
Esta experiência caracteriza relevante servir de auxiliadores nessa tarefa de avaliar.
troca de contribuições para os seus
participantes. A instituição de ensino através do Avaliar não é um ato solitário e secreto
estágio avalia a si mesma, seus currículos e daquele que tem o poder de atribuir notas. O
programas, e abre novas áreas de estudo e avaliado precisa ser informado sobre o que vai
pesquisa. A organização pode implantar e/ou ser avaliado (desempenho) e quais os critérios
aperfeiçoar áreas específicas de trabalho; dispõe de avaliação. O feedback é uma prática que,
do estágio como meio eficaz para identificar adotada, contribui para as mudanças de
profissionais necessários para seu quadro comportamento do educador e educando durante
funcional e contribui para a educação formal. Ao o processo de ensino-aprendizagem.
estagiário é dada a oportunidade de colocar em
prática todo o conhecimento construído durante Considerando estes aspectos, foi
o curso, sob a supervisão de profissionais realizada a pesquisa sobre o estágio, que visou
habilitados, e atende às necessidades da a obter indicadores sobre a clareza, objetividade
organização onde atua. e uniformidade dos processos e normas que
compõem a estrutura do estágio e dos critérios
É uma prática complexa, que exige e instrumentos utilizados para avaliação.
criterioso planejamento, para que as tomadas de
decisões sejam racionalizadas, afim de atender A metodologia empregada foi a seguinte:
satisfatoriamente aos envolvidos no estágio. A a partir da análise dos instrumentos existentes
instituição de ensino devera dar condições para na área de psicologia organizacional e do
o supervisor acadêmico trabalhar como: salas levantamento dos itens referentes a processos,
adequadas para supervisão, acervo atualizado normas, critérios e instrumentos de avaliação,
na biblioteca, meio de transpor te até as foram elaborados os questionários para a
organizações para o acompanhamento do pesquisa.
estágio, etc. A organização precisa acompanhar Os questionários abordaram os
sistematicamente as atividades do estagiário, seguintes aspectos: assessoria prestada pela
definindo um programa para o estágio em UEL; campo de estágio; distribuição de
conformidade com os objetivos da mesma. estagiários por supervisores acadêmicos; local
O ato de planejar pode ser participativo para supervisão; carga horária do estágio; visita
e envolve três etapas: a preparação, o do supervisor académico a organização; ficha
desenvolvimento e o aperfeiçoamento. Implica o de controle de freqüência e atividades;
replanejar constante a partir dos resultados par ticipação do super visor de campo e
obtidos quanto a objetivos, normas, critérios e desempenho do supervisor acadêmico (estes
procedimentos. aspectos compõem a estrutura do estágio). O
segundo grupo, referente à avaliação do
A avaliação do ensino é um componente estagiário, é composto pelos aspectos: critérios
a ser planejado no estágio. Esta não é um fim em e instrumentos das quatro formas de avaliação
150
(plano de estágio, desempenho, banca estagiários e egressos não tinham clareza em
examinadora e relatório final); feedback, relação aos critérios a que foram submetidos,
participação do supervisor de campo; a avaliação apesar de os supervisores afirmarem que
do trabalho desenvolvido no estágio e a divulgam seus critérios. Os supervisores de
contribuição do estágio para a formação campo não par ticipam da avaliação dos
profissional. estagiários, mas consideram que deveriam
fazê-lo, pois estão em contato direto com o
Estes aspectos estavam presentes nos estagiário, na prática.
quatro questionários elaborados e específicos
para cada população. A investigação abrangeu É necessario que o supervisor
por censo: supervisores académicos (8); acadêmico tenha clareza quanto: ao perfil
supervisores de campo (17) e estagiários (50) profissional que se deseja formar; ao papel que
que estavam no estágio no período de 1992 a este profissional terá diante do mercado de
1993. Também foram incluídos os egressos trabalho e às atividades que o estagiário poderá
formados pela UEL. Após o levantamento de desenvolver nos estágios.
endereços junto a UEL, foram enviados 62
questionários via correio, mas apenas 14 O distanciamento entre universidade
egressos responderam a esse e o devolveram. campo de estágio reside muito na insuficiência
do sistema informacional que os cercam. Essas
Os resultados obtidos indicam que há duas esferas têm muito a contribuir entre si.
clareza, objetividade e uniformidade nos
processos e normas relativas à estrutura do Na pesquisa, são listadas algumas
estágio, exceto quanto à visita do supervisor considerações que ressaltam a necessidade de
acadêmico às organizações, que são estudar o processo de avaliação. É uma área de
esporádicas devido à falta de condições fundamental importância no processo de ensino
oferecidas pela UEL. Quanto à ficha de controle, e deve ser cuidadosamente planejada e
embora considerada pelas quatro populações estruturada.
como necessária, não é solicitada pelos
supervisores. A pesquisa é um estudo preliminar que
detecta procedimentos adequados que devem
Os dados referentes ao processo de
ser mantidos e outros, inadequados, que
avaliação demonstram que não há muita
necessitam ser revistos. O está gio é uma área
clareza, objetividade e uniformidade quanto aos
rica para estudos, e outras pesquisas deverão
critérios e instrumentos utilizados pelos
surgir para analisar amplamente o tema.
supervisores acadêmicos. Em sua maiona, os
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