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Tridimensional do Direito de
Miguel Reale
Rodrigo Costa Ferreira∗
rodrigouepb@yahoo.com.br
rodrigoufrn@yahoo.com.br
CCJ – UEPB – UFRN
Texto em Construção
12/04/2018
Resumo
∗
Doutor em Filosofia Analı́tica pela UFPB–UFRN–UFPE; Mestre em Lógica Matemática pela
UFPB; Professor Adjunto de Filosofia e Teoria do Direito na Universidade Estadual da Paraı́ba
(UEPB – CCJ) e na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN – DA – CERES).
1
——— Introdução à Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale ———– 2
1 Considerações Iniciais
A Teoria Tridimensional do Direito (TTD) de Miguel Reale é o resultado
de décadas de pesquisa. A sua TTD é a princı́pio enunciada, ainda que de modo
embrionário, na obra Teoria do Direito e do Estado de 1940, tendo ela recebido um
“burilamento final” tão somente com a publicação dos livro Experiência e Cultura
nos anos de 1977 e 2000.
Observemos que a TTD de Miguel Reale é elaborada ao longo de várias
obras: Fundamentos do Direito (Ed. 1o , 1940); Teoria do Direito e do Estado (Ed.
1o ., 1940); Fundamentos do Direito (Ed. 1o ., 1940); Filosofia do Direito (Ed. 1o .,
1953), Teoria Tridimensional do Direito (Ed. 1o ., 1968), Experiência e Cultura
(Ed. 1o , 1977), O Direito como Experiência (Ed. 1o ,1968; Ed. 2o , 1992), Fontes e
Modelos do Direito (Ed. 1o , 1994) e Lições Preliminares de Direito (Ed. 1o , 1999).
Em alguns dos diversos textos que produziu sobre a sua TTD, Reale propõe
investigações minuciosas sobre cada uma das dimensões fato, valor, norma e a
dialética de complementariedade (ou dialética de implicação–polaridade). Enten-
demos que estas investigações se desenrolam como a seguir: (1) Reale parece ter
dedicado uma atenção especial à pesquisa da dimensão valor na sua Filosofia do
Direito (Ed. 1o ., 1953); (2) já a dimensão fato parece ter sido melhor estudada no
Direito como Experiência (Ed. 1o ,1968; Ed. 2o , 1992) e nas Lições Preliminares
de Direito (Ed. 1o ,1999); (3) a dimensão norma, por sua vez, é exposta com mais
detalhes na Teoria Tridimensional do Direito (Ed. 1o ., 1968), Fontes e Modelos do
Direito (Ed. 1o , 1994) e O Direito como Experiência (Ed. 1o ,1968; Ed. 2o , 1992);
e, por fim, (4) a dialética de complementariedade é tratada concisamente na Ex-
periência e Cultura (Ed. 1o , 1977; Ed. 2o , 2000). Pretendemos nas seções a seguir
percorrer esse roteiro, além de abordarmos na sequência os modelos de validade da
norma jurı́dica sugeridos por este autor: fundamento, eficácia e vigência.
como disposições psı́quicas subjetivas. Para a segunda, os valores são entidades ob-
jetivas, existentes em si mesmas. Já para a Terceira, valores são propriedades do
ser: a qualidade de ser bom (o Bem)1 .
As correntes histórico-culturais partem da ideia de que os homens são seres
capazes de instaurar algo de novo no processo dos fenômenos naturais, dando nasci-
mento a um mundo que é, de certo modo, a imagem da totalidade do tempo vivido
(REALE, 2002a, p. 204). O valor, neste sentido, não é mera projeção abstrata
da consciência individual, mas do espı́rito mesmo, em sua universalidade, enquanto
se realiza e se projeta para fora, como consciência histórica, no processo dialógico
da história que traduz a intenção das consciências individuais, em um todo de su-
perações sucessivas (REALE, 2002a, p. 206).
Esta “intenção das consciências” ou “intencionalidade consciente”, a qual
Reale toma em parte emprestada de Husserl, é “a propriedade das vivências de
ser consciente de algo”. A consciência é consciente de algo quando se dispõe (1)
a compreender, compreendendo algo no mundo das nossas vivências; (2) julgar,
julgando uma situação; (3) valorizar, valorando um conteúdo valioso das coisas do
mundo e no âmbito das nossas ações nesta vida, e assim por diante. A história,
nestes termos, nada mais é do que uma intenção (modo particular de atenção ou ato
cognitivo que visa conhecer algo) dirigida às experiências vividas no espaço-tempo.
Portanto, para Reale (2002a, p. 208-209) os valores não têm uma existência
em si, ontológica, mas se manifestam nas coisas valiosas (finalidades), tratando-se
estes de algo que se revelam na intenção da experiência humana, retratada através
da história (processo da experiência que todos os seres humanos participam de forma
consciente ou inconsciente). E mais, entende Reale que “há bens ou formas de atu-
alização de valores que, uma vez adquiridos, não sofrem mais a erosão compromete-
dora do tempo, podendo ser considerados invariantes axiológicas” (REALE, 2002a,
p. 590). Talvez a dignidade da pessoa humana, por exemplo, pode ser pensada neste
sentido: como uma invariante axiológica.
Dito isto, podemos entender um pouco melhor em que sentido Reale em-
prega o termo “valor” na sua obra Teoria Tridimensional do Direito de 1968: “inten-
cionalidade histórica objetivada no processo da cultura, implicando sempre o sentido
vetorial de uma ação” (REALE, 2010b, p. 94).
$ !
> N1 > N2 N3: . . . = Nn
$
F1 F2 F3 Fn
Segundo este gráfico, uma norma jurı́dica, uma vez emanada, sofre al-
terações semânticas, pela superveniência de mudanças nos planos dos fatos e dos
valores, até se tornar necessária a sua total revogação.
Como afirmava Pontes de Miranda, a norma jurı́dica tem certa elastici-
dade. Chega um certo momento em que a elasticidade não resiste e a norma se
rompe. Quando isto acontece, é chegada a hora de iniciar o processo. Isto tanto
pode ocorrer, por exemplo, com a norma promulgada pelo legislador, como com
a norma reconhecida pelo juiz em sua sentença (jurisprudência). Falemos, deste
modo, também de diferentes modelos jurı́dicos (M): M1 , M2 , M3 . . . Mn . Cada in-
teração acima, traduzida por um modelo jurı́dico, entre N , V e F corresponde a um
momento de elasticidade ou de criação/aplicação da norma jurı́dica (ou da situação
normada) – por exemplo, M1 : V1 (F1 (N1 )).
Outro ponto importante a ser observado com relação a criação da norma
jurı́dica é o do poder. A norma jurı́dica, segundo Reale (1992, p. 53), surge pela
influência do poder num complexo factual-axiológico. No mundo jurı́dico há uma
contı́nua interação de valores (V1 , V2 , V3 , . . . Vn ) que incidem sobre um conjunto de
fatos ({F }), implicado em várias proposições prescritivas ou modelos normativas
(M1 , M2 , M3 ), um dos quais se converte em norma jurı́dica (NJ) em virtude da
interferência do poder (P):
V1
V2 < M1
&
V3 / {F } / M2 / (P) / NJ
A
..
. M3
Vn
Reale ao falar de poder, não pensa apenas no “poder governamental, pois,
através de sucessivas decisões homogêneas, o poder judiciário edita normas juris-
prudenciais (exemplo: súmulas do Supremo Tribunal Federal), assim como o poder
social anônimo consagra normas costumeiras ou consuetudinárias. Há ainda o Poder
negocial que dá vida aos contratos” (REALE, 2010b, p.124). Cada poder elabora
um modelo de dever-ser. O modelo que desempenha uma maior influencia nos agen-
tes competentes, detentores de P, acabam por conseguir fixar o seu modelo na forma
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dilégeai
comporta uma série de diferentes significados (há uma polissemia, a saber). A
etimologia da palavra “dialética” nos remete ao verbo (dialégestai) que
significa “discutir”. Aquele que discute por via da dialética evoca uma “premissa
dialética” para fim de argumentação.
Para Aristóteles a dialética é uma “arte do diálogo ordenado” que se dá
apenas segundo “opiniões geralmente aceitas”3 . No diálogo há dois logoi que se con-
trapõem entre si, isto é, duas “razões” ou “posições” entre as quais se estabelece um
confronto. Neste confronto se busca estabelecer uma espécie de acordo no desacordo.
Esclarece Aristóteles que “a premissa dialética é para a pessoa que faz a pergunta
uma questão de saber qual das duas proposições contraditórias é a verdade e para
a pessoa que raciocina a aceitação de uma proposição plausı́vel ou geralmente tida
como verdadeira”4 .
Os diálogos de Platão fornecem exemplos numerosos da dialética como re-
ductio ad impossibile (redução ao impossı́vel ou redução ao absurdo). Tomemos
como exemplo o diálogo Ménon. No Ménon, por exemplo, Sócrates conjectura que
se a virtude pudesse ser ensinada, então os homens virtuosos ensinariam aos seus
filhos; mas, por outro lado, é um fato bem conhecido que Péricles, Temı́stocles e
Aristides não conseguiram fazer dos seus filhos homens virtuosos5 . Aqui, a hipótese
“a virtude pode ser ensinada” é refutada derivando-se dela uma conclusão empı́rica
que se sabe ser falsa. Neste sentido, podemos entender a dialética como exame de
proposições chamadas hipóteses, das quais se tiram conclusões. Se uma conclusão
é inaceitável, a hipótese da qual a conclusão foi derivada deve ser rejeitada. Este
argumento se conforma com o esquema lógico que denotamos hoje de modus tollendo
tollens (se p, então q. Ora não–q; ora não–p).
Parece, pois, que o primeiro sentido preciso da palavra dialética foi o de
3
Aristóteles, Tópicos, 100a30 – 31.
4
Aristóteles, Primeiros Analı́ticos, 24a22–24b12.
5
Platão, Ménon, 93ss.
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A norma jurı́dica deve ser elaborada por órgão ou agente competente. Goza
de competência ou de legitimidade aquele o órgão ou o agente público que está au-
torizado por “norma jurı́dica de competência” a exercer o poder de produção de um
ato jurı́dico, neste caso o ato de promulgar a norma jurı́dica. Estas, além de tra-
tarem da estrutura dos órgãos competentes, especificam as matérias que os agentes
legı́timos podem regulamentar (competência ratione materiae). É fácil observarmos
que um Governador de Estado, conjuntamente com a Assembleia Legislativa, pode
promulgar leis, ou seja, tem legitimidade para promulgar leis, mas daı́ não se segue
que este pode tratar em suas leis de qualquer tema, ainda que este seja relevante
para o bom funcionamento do Estado. Por exemplo, não pode ele tratar de matéria
de direito civil, por exemplo, como indica os artigos 22, I e 48 da nossa Constituição
Federal. Não há, assim, uma competência em razão da matéria.
Por fim, cabe a norma jurı́dica válida cumprir a legitimidade do procedi-
mento. Este requisito diz respeito (1) à maneira pela qual o órgão e seus agentes
executam aquilo que lhe compete ou (2) aos atos (ou fases) que compõe o processo de
elaboração da norma jurı́dica. Por exemplo: após a Câmara dos Deputados finalizar
a fase de discussão de projeto lei de lei ordinária, inicia-se a sua votação. Para esta
espécie de lei o artigo 47 da nossa Constituição Federal prescreve que a aprovação do
seu projeto lei condiciona-se à maioria simples dos membros da Câmara dos Depu-
tados, a qual corresponde justamente ao primeiro número inteiro superior à metade
dos membros da respectiva Casa Legislativa. Assim, por exemplo, se estiverem pre-
sente do total de 513 deputados federais 300 deles, há quorum para a instalação de
sessão, e a aprovação do projeto lei de lei ordinária dar-se-ia com 151 votos.
Entretanto, Reale observa que a vigência é um problema bem mais complexo
e profundo do que o ligado ao seu sentido técnico-jurı́dico, que reclama a satisfação
de requisitos formais, pois é necessário examinar, primeiro, o que a exigência de
“estrutura formal” representa por si mesma e, segundo, o seu fundamento. Para este
filósofo do direito, ao contrário, a vigência implica, necessariamente, uma referência
aos valores (fundamento) que determinaram o aparecimento da regra jurı́dica, assim
como às condições fáticas capazes de assegurar a sua eficácia social. Por outras
palavras, uma norma jurı́dica vigente é aquela que também goza ao mesmo tempo
de um mı́nimo de eficácia e de um mı́nimo de fundamento. Por conseguinte, no
âmbito da TTD cabe estudar duas correlações: a do fundamento com a vigência; e
a da vigência com a eficácia.
Para Reale (1999, p. 112-114) a eficácia se refere à aplicação ou execução
da norma jurı́dica. A sociedade deve viver o direito, e o faz quando o incorporado,
quando este já não se trata de um direito consuetudinário, à maneira de ser e de
agir da coletividade. Diferentemente da vigência (ou validade formal) a eficácia tem
um caráter experimental, porquanto se refere ao cumprimento efetivo do direito por
parte de uma sociedade. Não faltam exemplos de leis que, embora em vigor, não se
convertem em comportamentos concretos, permanecendo no “limbo da normativi-
dade”. Vejamos alguns deles.
A lei n ◦ 11.023/2005 que determina que em estabelecimentos bancários o
cliente deve ser atendido em um prazo máximo de 15 minutos, nem sempre é respei-
tada. Por isto, possui um baixo grau de eficácia. Talvez, por um lado, isto ocorra
por se tratar de uma “lei utópica”, observada a complexidade de certas operações
promulgação e publicação, para nos atermos ao exemplo mais comum das normas legais)” REALE
(2002, p. 597).
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Referências